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8 - Etnomatemática - D'Ambrósio

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Sexta-feira, 31 de outubro de 2003 DIÁRIO DO GRANDE ABC 3

O professor Ubiratan D‘Ambrósio, pai Para ele, a matemática é usada como


da etnomatemática, fala sobre os filtro social que define quem tem
fundamentos da sua teoria condições de tomar decisões
Seri

Etnomatemática
O
ensino de matemática não pode ser hermético nem elitista. Deve levar em
consideração a realidade sócio cultural do aluno, o ambiente em que ele vive e o
conhecimento que ele traz de casa. Essas afirmações fazem parte da
etnomatemática, teoria defendida por Ubiratan D‘Ambrosio, professor emérito
de matemática da Unicamp, professor do Programa de Estudos Pós-Graduados
de História da Ciência da PUC de São Paulo, professor credenciado no Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação da USP e do Programa de Pós-Graduação em Educação
Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp.

Condicionamento – Segundo D’Ambrósio,


desde pequena a criança é condicionada a
achar que a matemática é complicada. “Se
ela tem em casa um irmão mais velho, já
ouve que matemática é difícil. É um
comportamento condicionado: ela entra
na escola apavorada com a disciplina.”
Ele diz acreditar que o natural seria a
matemática ser tratada como um
conhecimento presente em todas as
coisas do cotidiano das pessoas.
“Como era até a Idade Média. Já nos
séculos, XVII, XVIII e XIX, a
matemática entra na página da
ciência e da tecnologia.
Surge a idéia de uma
matemática mais
rigorosa e precisa. A
partir da transição
do século XIX para
o XX, a disciplina
passa
efetivamente
a lidar com
tecnologia e frações, recebe punição e a família nem sabe
ciência e valorizam muito o pensamento formal, têm situação difícil na vida e não toma a decisão o que é fração. Se a criança diz que não
inicia-se o conceito de que o aluno tem que hesitação e medo de se libertar. “É mais certa, lógica, apesar de todo conhecimento entende o que os professores dizem, os pais
estar preparado para isso.” importante aquilo que a criança pode fazer matemático que tem. Portanto, ser racional ficam bravos, chamam os filhos de burros.
O professor explica que desse período em com um instrumento que trouxe de sua vida não significa ir bem em matemática.” Isso fecha o diálogo. Perde-se aí a confiança
diante a escola passou a atribuir à anterior à escola do que dar instrumentos O professor afirma que raciocínio e razão que a criança tem nos pais, até para falar de
matemática um caráter rigoroso, com muitas novos. Com o que ela já sabe de casa pode se ajudam e são inerentes à espécie humana, coisas maiores como uma gravidez precoce
abstrações, esquecendo-se que ela está no fazer muito e ser feliz. Só quando o aluno mas a matemática ensinada na escola não ou drogas. Os pais tem a melhor das
cotidiano das crianças e que é espontânea. sentir que necessita de algo novo é que o explora isso. “A maioria da população passa intenções, só que foram enganados pelo
“Olhar, classificar, comparar são princípios educador deve intervir cultivando e longe da matemática formal. É um erro sistema, prestam atenção em coisas mais
da matemática. Se alguém estender uma explorando esse desejo de saber e fazer mais. pensar que só tem raciocínio quem passa acessórias do que o fundamental, que é a
mão cheia de balas e outra com poucas para Neste momento, o professor pode dizer: pela escola.” situação difícil que vivemos. Para eles terem
que uma criança escolha, ela reconhece a ‘você parou aí, vou mostrar como ir adiante’. A matemática do sistema de ensino é outra compreensão, as autoridades, os
diferença de quantidades e vai optar pela Aos poucos, a criança irá aprender as coisas muito específica e voltada para ciência e professores, precisam ajudar a abrir os olhos
mão cheia. Isso é uma aplicação cotidiana e novas apresentadas. A matemática é isso. Só tecnologia. “Isso tem sua importância pois a dos pais para o fato de que o mais importante
prática da matemática.” Para Ubiratan, a que esse momento não está sendo ciência é espantosa e a tecnologia é não é a matemática, mas as relações
escola optou por formalizar essas relações. adequadamente explorado pelo sistema sofisticada, mas há coisas muito menos humanas.”
“Pensar em números é abstrato, diferente de educacional. Falta uma pedagogia na linha sofisticadas que requerem ciência, O professor reconhece a impossibilidade
pensar em balas. O ensino da matemática da etnomatemática.” tecnologia e uma matemática menos da sociedade resolver grandes problemas
assumiu a postura de se encaminhar para o sofisticada também. Um médico de cultura sem a matemática e seus instrumentos, até
abstrato e se libertar do espontâneo. É daí Mudança de atitude – Para que esse jeito indígena não usa um ecocardiograma para cita a questão da falta de água que pede a
que vem o distanciamento entre as crianças e de ensinar seja efetivamente colocado em enxergar o que se passa no coração do intervenção de engenheiros para buscar
a matemática.” prática, o professor Ubiratan diz ser paciente, ele usa elementos de outra soluções, mas acha que há problemas
imprescindível uma mudança de atitude do natureza. Essa matemática não é menor que maiores. “A sociedade não é feita só de
Filtro social – De acordo com D’Ambrósio, educador. Ele afirma que o professor que viu a outra, é adequada àquele ambiente.” engenheiros que irão cuidar da água. A
outra questão importante a ser ressaltada é a ser possível ensinar matemática matemática é muito importante na
utilização da matemática como filtro de considerando os Sociedade sociedade tecnológica moderna, porém há
Claudinei Plaza
segregação intelectual e social. “A nova conhecimentos tecnológica – Ele outros pilares da sociedade que estão sendo
organização da sociedade é política. A escola trazidos pelo aluno, acrescenta que a colocados de lado, como as relações
passa a ser o filtro que seleciona quem tem deve propagar essa sociedade repleta de humanas que estão ofuscadas pela busca por
condições de atingir uma posição de decisão idéia e passar suas tecnologia exige o uma melhor matemática. A escola deveria
e comando. É um filtro que existe na experiências para ensino de uma formar gente melhor, entretanto toda a
sociedade e no sistema de produção: sem outros colegas. matemática que energia vai para um ensino errado e, entre os
diploma, o indivíduo não está preparado “Neste processo, os permita à criança alunos, para passar em matemática. É
para assumir posições altas. Isso é uma que fazem ensinam lidar com o mundo à necessário que todos achem a matemática
distorção. Capacidade para desenvolver uma para os outros. Os sua volta, mas há importante mas há outras questões mais
função deveria estar relacionada com educadores estão outras prioridades fundamentais que não estão sendo olhadas
competência. Com isso, a participação da interessados em fazer além disso. “Temos com o mesmo carinho.”
população nos processos de decisão fica algo melhor. Muita que dar matemática
comprometida. A matemática é um gente pensa que os adequada que Relações – D’Ambrósio conclui sua
instrumento forte neste processo de professores são mal permita acesso à toda reflexão explicando que tudo o que ele disse
filtragem”, afirma. preparados. Isso é tecnologia. Mas é faz parte da etnomatemática. “A teoria nos
Ele diz acreditar que é necessário um falso, a preparação é importante ressaltar ensina a dar importância ao contexto e ao
grande esforço dos educadores modernos boa e competente. Os que a pessoa não terá ambiente cultural no qual a matemática se
para que a matemática deixe de parecer tão educadores precisam falta de acesso só por desenvolve. Se os engenheiros da Embraer
complexa e elitista. “Os professores precisam é perder o receio de não saber vão colocar um novo avião no mercado, eles
aproximar a disciplina do que é espontâneo, entrar no novo. As matemática. A usam a etnomatemática para aquele
deixar a criança à vontade, propor jogos, autoridades também questão de fato é a ambiente. Usam equações complexas para
distribuir balas, objetos, para que o aluno se poderiam ter injustiça social. A resolver situações de vôo. Já as crianças
sinta bem. A criança adquire habilidades participação mais criança não deixa de jogando bolinha de gude estão em um
para a matemática em casa, no meio em que ativa, propiciando ter comida e hospital ambiente que pede outra matemática
vive. Cada um tem um modo próprio de condições para o por não ter específica. Eles pensam ‘vou jogar assim com
aplicá-la. Só que na escola dizem que a professor fazer o D’Ambrósio afirma que os professores matemática. Os o dedão, qual será a trajetória da bolinha,
matemática não se faz do jeito de casa. novo. Mas o que valorizam demais o pensamento formal problemas qual força vou usar, qual a distância da outra
Rechaçam esse conhecimento que o aluno acontece são medidas fundamentais da bola’, isso é matemática. O aluno que sai de
traz e isso cria conflito.” controladoras como o Provão para alunos e sociedade são de ordem social e política.” casa e vai para a escola tem que traçar um
professores. Não se resolve um problema D’Ambrósio diz acreditar que os pais são trajeto, isso é etnomatemática adequada
A teoria – Por isso, o professor é o principal sério com medidas fiscalizadoras e enganados pela falsa idéia de que seus filhos àquele ambiente, assim como o piloto de
idealizador e defensor da etnomatemática, controladoras. Os professores precisam de precisam aprender matemática para ter um avião que sai de São Paulo e vai para o Rio.
que leva em consideração os fatos e medidas mais liberais, pois educadores são bom emprego. “Os pais não percebem que a Ele usa a etnomatemática adequada para
conhecimentos que fazem parte do ambiente criativos e dedicados”, diz. causa do desemprego não está na aquela situação. A teoria intervém na
cultural no qual a criança vive. “Quando o matemática e sim na organização perversa solução da situação que se apresenta e no
aluno chega na escola ele traz experiências Raciocínio e razão – Matemática é da sociedade. Enganam-se achando que se o conhecimento dessa situação. Mas a
de casa, traz o conhecimento de jogos, de raciocínio, afirma o professor. Ele argumenta aluno vai bem na escola e em matemática, matemática que está na escola só reconhece
brincadeiras, pois já viveu sete anos que a música é tão racional quanto a vai bem na sociedade. Os pais sequer as regras e formalismos desligados das
produtivos e criativos. Aprendeu a falar, matemática e explica que ser racional é entendem o que está sendo ensinado e reflexões mutáveis de acordo com o
andar, brincar. Isso não é aproveitado pelo encontrar caminhos para uma situação nova. acham que sabem o que o filho precisa ambiente em que se está.”
sistema escolar. O professor parece que “Um jogador de futebol, na grande área, aprender. Enquanto isso, as crianças se
pede: ‘esqueça tudo que você fez e aprenda descobre a solução para uma jogada e faz sentem pressionadas a aprender algo que
números e coisas mais intelectualizadas’.” gol. Ele usou o raciocínio. Já um sujeito não é gostoso, nem bonito, e não podem se Fale com @ gente
Segundo D’Ambrósio, os professores muito bom em matemática encontra uma abrir com os pais. Se o aluno não aprendeu lhubner@diarionaescola.com.br
Coordenação pedagógica – Luciana Hubner Edição – James Capelli Diagramação – Alexandre Elias Diário na Escola – Santo André é um projeto do Diário em parceria com a Secretaria de Educação e Formação Profissional de Santo André. Tel: 4996-1993

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