Paulus Etnogeometria
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www.lulu.com
http://www.lulu.com/spotlight/pgerdes
2
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Paulus Gerdes
ETNOGEOMETRIA
CULTURA E O DESPERTAR DO
PENSAMENTO GEOMÉTRICO
Reedição
Moçambique
2012
3
Paulus Gerdes
Prefácios:
Resenha:
Autor:
Paulus Gerdes,
C. P. 915, Maputo, Moçambique (Paulus.Gerdes@gmail.com)
Distribuição:
www.lulu.com
http://www.lulu.com/spotlight/pgerdes
4
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Índice
Página
Prefácio à edição brasileira (Ubiratan D’Ambrosio) 9
Prefácio à edição americana (Dirk J. Struik) 11
Resenha (Mariano Hormigón) 17
Apresentação (1991) 19
Apresentação (2012) 22
5
Paulus Gerdes
de espaços abertos?
3.3 Como se podem entrelaçar tiras? 50
3.4 Como se pode entrelaçar um botão? 63
3.5 Sobre a formação do conceito de círculo 68
3.6 De onde viria a ideia de pentágono regular? 77
3.7 Como se podem entrelaçar cestos com fundo achatado? 84
3.8 Sobre a formação de alguns padrões de entrelaçamento 93
e uma medida de volume
3.9 Como determinar a configuração da base duma 105
construção rectangular?
* Exemplos de conhecimentos antigos sobre 106
rectângulos
* Exemplos da construção de rectângulos 116
6
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
* Pista certa ou trilho falso? 163
* Segunda fase 164
* Terceira fase 169
* Possíveis desenvolvimentos posteriores 171
* Para os “triplos pitagóricos” 171
* Para o “Teorema de Pitágoras” 183
* Sobre aproximações de 2 187
* Retrospectiva 188
5.5 Como se determinava a área do círculo na 189
Mesopotâmia antiga?
* Primeira hipótese 190
* Segunda hipótese 191
Anexos 209
A1 Três métodos alternativos para obter a fórmula do 211
Egito Antigo para a área do círculo
Introdução 211
7
Paulus Gerdes
Conjecturas anteriores 211
Conjecturas sugeridas por um exame de técnicas 213
artesanais africanas
Conjecturas sugeridas ao jogar com objetos 219
circulares
Agradecimentos 221
Referências 221
A2 Um outro método para obter a fórmula do Egito Antigo 223
para a área do círculo
O autor 231
Livros em Português do mesmo autor 233
Livros em outras línguas 236
8
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Prefácio
1
à edição brasileira
1
Sobre o despertar do pensamento geométrico, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 1992, 105 p.
9
Paulus Gerdes
Tem sido difícil reconhecer que outros povos e outras culturas tenham
tido e ainda tenham modos de pensar e de atuar que correspondem ao
conhecimento científico. Embora baseado em outras fundamentações
cognitivas e sociais, entre outras origens e outras finalidades, esse
conhecimento responde muitas vezes melhor, à necessidade de
explicar, de conhecer, de conviver com sua realidade, o que é próprio
da natureza humana, qualquer que sejam suas origens geográficas e
étnicas. Diferentes etnias têm distintas maneiras, desenvolveram
diferentes técnicas, diferentes práticas e teorizações para explicar, para
conhecer, para manejar e conviver com a realidade que os cerca.
Paulus Gerdes alia uma sólida base teórica à vivência de anos de
prática na construção de um sistema escolar integrado na realidade de
seu país adoptado, Moçambique. Ele vai buscar justamente na
Geometria, a disciplina que representa a espinha dorsal do
conhecimento científico moderno e normalmente identificada com a
herança cultural grega, o elemento contestador da propalada
hegemonia do modo de pensar ocidental no pensamento moderno.
Mostrando que o pensamento geométrico está presente em todas as
atividades do dia a dia da população, desde as atividades de
sobrevivência, como colheita e caça, até aquelas que respondem ao
impulso em direção à transcendência, como cultos, rituais e arte,
Paulus Gerdes nos leva a uma profunda reflexão sobre a própria
história do conhecimento matemático através da “reapropriação das
tradições e da história da matemática dos povos outrora colonizados e
escravizados”. Paulus Gerdes nos brinda com esse importante estudo
sobre a contribuição histórica e atual do pensar africano no marco
conceitual da etnomatemática, completando assim as importantes
obras Black Athena, de Bernal e a reedição recente de Civilization et
Barbarie, de Cheik Anta Diop e seus próprios trabalhos anteriores,
alguns já publicados no Brasil.
Embora situada no contexto africano, especificamente em
Moçambique, a obra de Paulus Gerdes nos convida a reflexões de
alcance universal, ajudando-nos a perceber as dificuldades e indicando
direções para a reconstrução do conhecimento pelas populações que
lutam pela liberdade e pela independência social, política, económica e
cultural.
Ubiratan D’Ambrosio
Universidade de Campinas
10
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Prefácio
à edição americana 1
1
Awakening of Geometrical Thought in Early Culture, MEP
Publications, Minneapolis MN, 2003, 184 p.
11
Paulus Gerdes
inscrito em dois pilares, que sobreviveram o Dilúvio. No decurso do
tempo, aqueles pilares foram vistos e estudados por muitos viajantes,
entre eles o patriarca Abrão, que trouxe este conhecimento ao Egito. E
os Egípcios ensinaram-no aos Gregos.
Encontramos uma tal estória em Josephus, nas escritas do
matemático Tacquet do século 17 e noutros lugares. Ofereçamos esta
estória aos nossos amigos, os Criacionistas, mas preferimos procurar a
origem de conceitos matemáticos noutro lugar.
Teremos que observar a evolução gradual do Homo Sapiens
passando pelos milénios do período pré-histórico, pelos estágios mais
antigos da fabricação de ferramentas, da pesca e da caça até à
agricultura, pastorícia e comércio – até à Idade de Pedra.
Houve muita especulação sobre como o processo de aquisição do
conhecimento de conceitos matemáticos, de formas e do número,
atualmente tenha ocorrido.
Uma abordagem pode ser encontrada nas palavras de um
historiador segundo o qual “as primeiras considerações geométricas [e
aritméticas] do Homem ... parecem ter tido a sua origem em
observação simples, derivando da habilidade humana para reconhecer
forma física [e quantidade], e comparar formas e tamanhos.” Por
exemplo: a forma do Sol, da Lua, de certas cabeças de flores levaram
ao conceito do círculo, a forma das cordas a linhas e curvas, tal como
teias de aranha e favos de abelha a formas mais intricadas, a
triângulos, espirais, sólidos. Comparando montes de objetos uns com
outros levou à contagem, inicialmente somente um, dois, muitos, etc.
Esta abordagem enfatiza observação, reflexo. É um ponto de vista
estático. Podemos chamar isto a atitude do homo observans.
Uma outra abordagem, apresentada por Seidenberg, olha para
impulsos religiosos como a construção de altares. Como se explica
neste livro, isto não é muito satisfatório. O que Gerdes salienta,
ultrapassa isto e também a observação, e é a abordagem através dos
efeitos do labor. Sempre desde que os hominídeos começaram a andar
erectamente, as suas mãos ficaram livres para fazer ferramentas, na
produção da sua vida – inicialmente muito primitivas, mas
gradualmente envolvendo em artefactos bem construídos. O Homem
descobre, melhora, constrói, usa todos os tipos de formas. O conceito
de número cresce. O Homem constrói tendas, casas, faz cestos, pastas,
redes, cerâmica e armas. Através dos milénios, inicialmente muito
12
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
lentamente, depois mais rapidamente, obteve-se uma quantidade
grande de conhecimento de arte matemática. Esta é uma abordagem
dinâmica, a abordagem do homo laborans. É implícito o ponto de vista
marxista, que podemos encontrar, por exemplo, numa nota escrita por
Friedrich Engels (1885), onde ele assinala que as ideias básicas de
linha, superfície, ângulo, número são todas emprestadas da realidade,
na interação do Homem com a Natureza. Os objetos vistos na natureza
e em ferramentas, nas aldeias e nos campos, nunca são exatamente
linhas retas, círculos, triângulos, quadrados. Apenas através da sua
atividade durante os séculos o Homem podia ser levado dessas formas
aos conceitos abstratos da matemática.
O Homem, ao mudar a Natureza, muda a si próprio.
Não negamos por completo o valor de outras abordagens, elas
estão numa relação dialéctica uma para a outra e para o ponto de vista
dinâmico. Ainda há outros factores a tomar em conta, por exemplo, o
do Homem a brincar e jogar, o Homem dos jogos com uma vertente
matemática. O homo ludens.
Durante muitos séculos as ferramentas melhoraram. Por exemplo,
pontas de flecha e machados de mão ficaram mais eficientes, bem
feitos. O mesmo vale para cestos, cerâmica, redes. As ferramentas
tornaram-se mais simétricas por causa da maior eficiência; e assim
encontramos, por exemplo, cestos que tomam a forma de cilindros ou
prismas.
Incidentalmente, a simetria, a harmonia de formas que se tornam as
mais eficientes (muitos exemplos neste livro) parecem também as mais
agradáveis, mais belas. Uma fonte do nascimento da estética?
Podemos referir ao livro.
14
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
sido dirigidos por Paulus Gerdes e os seus colaboradores. Neste livro
ele trata de um aspecto geométrico e ornamental da matemática nativa.
Aprendemos neste livro como conceitos matemáticos estavam
envolvidos na construção de cestos, esteiras, pastas, feitos de cana,
folhas e de outras partes de plantas, tal como na construção de casas –
e pirâmides. No decurso dos séculos os artefactos e os métodos de
construção melhoraram e assim os conceitos de triângulo, hexágono,
círculo, rectângulo podiam ser desenvolvidos até levarem às
abstrações da ciência matemática.
Ele mostra como no decurso do tempo, propriedades dessas figuras
geométricas podiam ter sido descobertas, incluindo o teorema de
Pitágoras. Sempre foi um mistério como o conhecimento deste
teorema aparece na Babilónia por volta de 2000 a.C. – donde veio?
Este olhar sobre a feitura, uso e melhoramento de artefactos pode levar
também a outras propriedades. Será possível que o conhecimento
egípcio do volume de uma pirâmide foi desenvolvido a partir da
maneira como frutos (digamos maças) se encontravam amontados nos
bazares (podia isto levar também ao triângulo de Pascal?). Gerdes
acredita que o conhecimento do volume dum pirâmide truncada podia
também ter sido o resultado de métodos sofisticados nascidos de
práticas.
Ainda há mais uma face de estudos etnomatemáticos. É a sua
importância para a educação. Se alunos das aldeias (e dos guetos e
favelas) virem à escola e entrarem em salas de aula modernas,
facilitará a matemática indígena da sua vivência a sua aquisição da
matemática moderna na sala de aula? O uso da matemática nativa
“intuitiva” poderá ajudar em eliminar o “medo” pela matemática do
qual ouvimos falar tanto.
Isto traz a etnomatemática como um factor na discussão ampla
sobre o melhoramento da educação matemática nas nossas escolas. As
ideias do Professor Gerdes podem ter aplicação ampla. Para a
literatura e a discussão deste tópico, outras escritas dele contribuíram
também.
16
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Resenha 1
1
LLULL, Revista de la Sociedad Española de Historia de las
Ciencias y de las Técnicas, Zaragoza, 1994, 17(33), 522-523.
17
Paulus Gerdes
importantes y la formación de conceptos geométricos emblemáticos
como el ángulo recto, pentágono y hexágono regulares, círculo,
rectángulo y relaciones entre dos y tres dimensiones. El capítulo V es
una reflexión miscelánea sobre los orígenes de la geometría y el
estudio monográfico de algunos tópicos en los que pretende enlazar los
saberes etnomatemáticos con algunos temas que se consideran
cruciales en las culturas matemáticas de la edad del bronce como, por
ejemplo, las pirámides o el teorema de Pitágoras.
Paulus Gerdes abre en el capítulo final una ventana a la atención
de los investigadores en geometría antigua con unos planteamientos
que transcienden el campo estricto de la actividad intelectual humana
de la que quedan rastros más antiguos, esto es de las matemáticas. Para
los pueblos colonizados y para muchas razas oprimidos y marginadas
es importante la aceptación de una de las tesis del autor
mozambiqueño: la Humanidad es un todo único donde las diferencias
de estatus han sido añadidas por los sistemas sociales que han ido
dividiendo a los hombres en clases sociales con diferentes
obligaciones y derechos.
Dos apuntes finales imprescindibles. El libro de Gerdes va
prologado por uno de los patriarcas de la historia de las matemáticas,
el irrepetible Ubiratan d’Ambrosio, que avala el texto de manera
concluyente al constatar la importante contribución de Paulus Gerdes a
la historia de la ideas. El segundo apunto se refiere a sus referentes
básicos. Para mi, en tanto que lector de textos de historia de las
matemáticas, encontrar un autor prestigioso que se apoye en la
Dialéctica de la Naturaleza de Engels y se reafirme en que la
geometría nació de las necesidades de los hombres es un soplo de aire
fresco que me permite superar la atmósfera viciada de los medios
académicos de las sociedades opulentas del primer mundo, donde todo
parece haber surgido antes de ayer de las cabezas de unos pocos listos
de derechas.
18
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Apresentação
(1991)
1
Na série Vivendo a Matemática (Editora Scipione, São Paulo) foi
publicado em 1990 o livro Desenhos da África e aparecerá dentro
em breve Mundial de trançados e de futebol. O Instituto Superior
Pedagógico / Universidade Pedagógica (Maputo, Moçambique)
publicou os livros Lusona: Recreações geométricas de África
(1991) e Etnomatemática: Cultura, Matemática, Educação (1991)
e editará os estudos Geometria dos SONA africanos e Pitágoras
Africano? Um estudo em cultura e educação matemática.
20
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Em seguida investiga-se, no terceiro capítulo, a origem de
conceitos geométricos, tais como ângulo recto, rectângulo, hexágono
regular, circunferência, pentágono regular, cone, cilindro, quadrado.
Verifica-se que a atividade laboral desempenha um papel muito
importante na formação desses conceitos e das suas conexões mútuas.
Uma vez mostrada, em geral, a origem de formas geométricas
básicas na atividade social, surge a questão: em que direções puderam
ter lugar posteriores desenvolvimentos. No quarto capítulo, analisam-
se elaborações artísticas, em particular, de ideias de simetria. Depois
de uma crítica da hipótese concernente a uma origem ritual da
geometria, discutem-se, no quinto capítulo, possíveis elaborações
geométricas posteriores. Primeiramente mostra-se como os antigos
Egípcios podiam ter encontrado a sua fórmula para o volume de uma
pirâmide truncada. Depois analisa-se como o “Teorema de Pitágoras”
podia ter sido descoberto centenas de anos antes de Pitágoras. Em
ambos os casos parte-se de técnicas de produção muito antigas e de
relações matemáticas empiricamente estabelecidas. Após uma etapa
intramatemática, baseada na anterior, chega-se à referida fórmula e ao
“Teorema de Pitágoras”.
No sexto e último capítulo apresentam-se algumas conclusões
provisórias respeitantes ao despertar do pensamento geométrico e em
relação à metodologia de investigação.
Julho de 1991
Paulus Gerdes
21
Paulus Gerdes
Apresentação
(2012)
Paulus Gerdes
Maputo, Moçambique
24 de Julho de 2012
22
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Capítulo 1
24
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Geometria = geometria dedutiva?
1
“Para contar são necessários não só objetos contáveis, mas
também já a capacidade de, na percepção destes objetos, abstrair
de todas as demais propriedades, para além do seu número – e esta
capacidade é o resultado de um longo desenvolvimento de
experiências humanas” (Engels, 1975, p. 36).
27
Paulus Gerdes
28
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Capítulo 2
Em linhas gerais
29
Paulus Gerdes
proposições e abstrair do seu conteúdo inicial o objeto considerado”
(1974, p. 47).
32
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 2.1
Figura 2.2
34
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Capítulo 3
Figura 3.1
35
Paulus Gerdes
Para evitar a queda dos seus abrigos de vento os aborígenes
australianos foram obrigados a colocar as placas de casca e os paus de
armação perpendicularmente (vide Figura 3.4). Para evitar o
desmoronamento das suas barragens, os Wagheni do Congo, os
Lamútios da península de Camchatca e os índios Camaiura do Brasil
foram obrigados a amarrar perpendicularmente os paus das barragens e
das armações. A broca incendiária de madeira dura devia ser rodada
perpendicularmente à madeira mole para se incendiar o mais rápido
possível (vide o exemplo de aborígenes da Austrália na Figura 3.5).
Figura 3.4
Figura 3.5
36
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Estes são apenas alguns exemplos de situações onde o Homem
se sentiu forçado (no seu trabalho e obrigado pelo material) a preferir
direções perpendiculares entre si, para melhor poder satisfazer as suas
necessidades. No entanto, a mais divulgada de tais situações e que se
repete diariamente (e talvez a mais antiga) é uma outra.
ângulo de dobra
Figura 3.8
Figura 3.11
37
Paulus Gerdes
Figura 3.12
Figura 3.13
38
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.14
39
Paulus Gerdes
Pode-se, de outra forma, chegar a igual padrão rectangular, por
exemplo, nas esteiras chinesas ou nas redes de dormir dos índios
Yanoama do Norte do Brasil, em que cada vez duas linhas se
entrelaçam alternadamente, por cima e por baixo, como na Figura
3.16.
Os conceitos de ângulo recto e de rectângulo foram
desenvolvidos pelo Homem no processo da realização das suas
atividades. Uma vez descobertos e consolidados, eles poderão ser
aplicados em outras situações onde não existe nenhuma necessidade
material imediata para se preferirem estas formas, como, por exemplo,
no entrelaçamento rectangular de tiras (aproximadamente) da mesma
largura (vide Figura 3.17), onde outras amplitudes de ângulo são
possíveis e por vezes são realmente escolhidas (vide Figura 3.18).
a b
Figura 3.19
rebordo
tira
Uma dobra Duas dobras
Figura 3.20 Figura 3.21
41
Paulus Gerdes
Três dobras
Figura 3.22
43
Paulus Gerdes
Figura 3.29
Figura 3.30
44
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Depois de ter sido descoberto este padrão a partir do rebordo
torna-se possível produzir um trabalho semelhante de entrelaçamento
sem rebordo (vide Figura 3.31). Este padrão plano pode ser usado para
a parede vertical dum cesto, por exemplo, na etnia dos Kha-ko para
uma parede de forma cilíndrica. Mas se o padrão hexagonal for
aplicado no fundo de um cesto, que forma deve tomar esse fundo? Um
triângulo equilátero, um trapézio isósceles e um losango pertencem às
formas materialmente possíveis, assim descobre o nosso artesão.
Todavia, porque ele sabe, na base da sua experiência, que uma forma
convexa e simétrica, mais redonda melhor se presta à confecção de um
cesto prático com bom equilíbrio, é obrigado, pelo padrão hexagonal, a
escolher também a forma hexagonal para todo o fundo de cesto. A
semelhança entre os pequenos espaços abertos hexagonais e o fundo
hexagonal reforça a ideia crescente de “hexágono” regular, sem que o
cesteiro, como se pode presumir, esteja consciente, em primeira
instância, dos seis ângulos ou dos seis lados dos espaços abertos do
seu cesto.
Figura 3.31
Figura 3.32
46
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
espaços abertos. Para a satisfação de muitas necessidades quotidianas,
preferem-se cestos com espaços abertos pequenos: a água deve poder
escorrer para fora através da nassa; pequenos animais como, por
exemplo, pássaros, devem ter ventilação suficiente quando são
transportados em cestos; cestos com espaços abertos são mais leves e
necessitam de menos material para o seu fabrico, etc.
Uma primeira possibilidade de fazer tais cestos cria o conhecido
padrão de entrelaçamento rectangular “em cima – em baixo”, em
particular quando os ramos ou tiras são relativamente grossos no
respeitante à sua largura (vide Figura 3.33), como, por exemplo, em
alguns tipos de peneiras moçambicanas. Obtém-se uma variante
quando se aplicam, nas duas direções, tiras de larguras diferentes (vide
Figura 3.34), como, por exemplo, em cestos de transporte muito
utilizados no Sul de Moçambique. Se as tiras fossem relativamente
finas e largas, então, não seria possível obter um cesto forte, porque
tiras nessas condições facilmente sairiam do lugar.
a b
Figura 3.35
Figura 3.36
Figura 3.37
Figura 3.38
49
Paulus Gerdes
Figura 3.39
50
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.40
Figura 3.41
52
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.46
a b
Figura 3.47
Figura 3.48
54
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.49
Figura 3.50
55
Paulus Gerdes
rebordo
Figura 3.51
56
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.54
a b
c
Figura 3.55
57
Paulus Gerdes
Quando se utilizam muitas tiras em vez de apenas três ou quatro,
obtém-se uma esteira rectangular de rebordo relativamente estável
(vide Figura 3.56). Este tipo de esteira está amplamente espalhado em
África.
Figura 3.56
Figura 3.57
a b
Figura 3.58
Figura 3.59
Figura 3.60
a b
Figura 3.61
60
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Partindo desta base, podem-se obter vários tipos de trança, como
mostram as Figuras 3.62a e b. Uma trança como na Figura 3.62a
constituiu talvez o estímulo para o entrelaçamento em três direções de
esteiras fechadas (vide Figura 3.63). A trança “dentada” (vide Figura
3.62b) presta-se bem para a confecção de chapéus (vide o começo na
Figura 3.64) na forma de uma espiral, ou para o fabrico da borda de
leques como na China e nas Filipinas.
a b
Figura 3.62
Figura 3.63
61
Paulus Gerdes
Figura 3.64
b
Figura 3.65
62
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
63
Paulus Gerdes
Figura 3.68
64
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.69
Figura 3.70
65
Paulus Gerdes
a b
c d
Figura 3.71
66
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.72
Figura 3.73
67
Paulus Gerdes
Figura 3.74
Figura 3.75
69
Paulus Gerdes
Figura 3.78
Figura 3.79
Figura 3.80
Figura 3.81
71
Paulus Gerdes
Quando, em vez de se quebrarem os paus ou tiras, estes são
dobrados para cima e se continua a entrelaça-los em espiral, resulta
uma figura espacial, normalmente um cesto cilíndrico ou com a forma
de cone truncado (vide Figura 3.82).
Figura 3.82
Figura 3.83
Figura 3.84
Figura 3.85
73
Paulus Gerdes
Figura 3.86
74
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
F. Frescura no seu livro sobre a construção de palhotas na África
Austral tenta esboçar o desenvolvimento histórico das habitações, das
cavernas e tendas até às atuais casas-cortiço e casas cilíndrico-cónicas.
O que ele todavia não esclarece é porque é que, em devido tempo, se
escolheu para palhotas uma base circular. A construção prática de um
tipo de palhota de capim, que foi descrita por W. Knuffel para os
Ngwane na África do Sul pode dar-nos uma ideia de como funciona,
num caso concreto, a ação recíproca e dialéctica entre a vida ativa e o
pensamento abstracto.
Figura 3.88
75
Paulus Gerdes
A experiência de um cesto invertido e da construção mais antiga
de uma tenda podiam, unidas na reflexão humana, conduzir à ideia de
“cabana – cesto invertido”, como a construção da habitação dos
Ngwane (vide Figura 3.91) ou a construção em espiral dos iglu dos
Esquimós deixam supor.
a b
c
Figura 3.91
Figura 3.93
77
Paulus Gerdes
Figura 3.94
78
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.95
Figura 3.96
79
Paulus Gerdes
Figura 3.97
Figura 3.98
80
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.99
81
Paulus Gerdes
A descoberta do protetor de dedo, pentagonal-regular, pode
estimular jogos como, por exemplo, entrelaçar vários nós em linha
(vide Figura 3.100a), ou o uso em emblemas familiares tradicionais do
Japão (vide os exemplos na Figura 101). Quando se produzem seis
pentágonos e se une o primeiro ao sexto, obtém-se um anel como na
Figura 3.100b. Continuando a experimentar – já se saiu do “reino da
necessidade”, da satisfação imediata das necessidades humanas e da
obrigação material da forma –, pode-se tentar entrelaçar uma figura
“redonda” fechada. Inesperadamente perde-se agora a liberdade
acabada de conquistar: como única possibilidade resulta o dodecaedro,
quer dizer, o sólido de doze faces limitado por pentágonos regulares
(vide Figura 3.100d).
b c
d
Figura 3.100
82
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.101
83
Paulus Gerdes
sido esse o caso, então o dodecaedro etrusco e o conhecimento
pitagórico parecer-nos-iam menos “surpreendentes”.
Figura 3.103
84
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
O entrelaçamento em espiral reflete-se na técnica mais recente
da olaria mais antiga, onde o barro é primeiro moldado na forma de
varas redondas que depois são enroladas umas contra as outras em
espiral. Mais tarde, ajusta-se a forma (vide Figura 3.103), mas ela
permanece com a simetria de rotação. A origem da simetria das
panelas assim produzidas reside na imitação da técnica do cordão
espiralado. Embora o novo material – o barro – tenha dado ao Homem
a liberdade de escolher outras formas, o seu pensamento, no início,
estava ainda demasiado influenciado pela tradição do entrelaçamento
para, no contexto do fabrico de recipientes, poder imaginar, de algum
modo, outras formas possíveis. Uma vez ultrapassado o horizonte
limitado desse pensamento, o Homem pôde experimentar novas
formas. Mas, de maneira absolutamente fortuita, circunstâncias
imprevistas impeliram-no de volta à tradição da simetria de rotação:
recipientes com cantos quebram-se na combustão mais facilmente do
que os com forma arredondada; panelas desequilibradas são mais
difíceis de se transportar à cabeça, etc. Não se encontraria aqui uma
causa fundamental para a relativa uniformidade das panelas de barro
de todo o Mundo? Não se encontraria aqui uma razão importante para
aquilo que os sociólogos denominaram, o conservadorismo dos oleiros
(Foster, 1961)? Não se poderia compreender a partir daqui o exagero
idealista – desligado da atividade social – segundo o qual, por exemplo
(Junod, 1974, Vol. 2, p. 106), os oleiros do Sul de Moçambique
produzem instintivamente figuras “circulares”?... Além disso, o fabrico
de recipientes de barro com simetria de rotação não deveria antes ter
sido pressuposto para a descoberta da placa ou disco giratório do que o
contrário? Uma vez descoberta a placa ou o disco giratório, torna-se
ainda mais fácil e mais precisa a reprodução de recipientes de simetria
de rotação, o que, por seu lado, reforça o estímulo para a elaboração
desse conceito de simetria.
Voltemos agora à nossa questão: como se podem entrelaçar
cestos com fundo achatado?
Uma espécie amplamente divulgada de esteiras produz-se por
meio de entrelaçamento de juncos dispostos paralelamente uns ao lado
dos outros, com outros correndo perpendicularmente aos primeiros.
Como se pode continuar a entrelaçar para cima de forma a obter um
recipiente com fundo achatado? Quando se dobram para o mesmo lado
as partes dos juncos que ficam de fora, surge o esqueleto dum cesto
(vide Figura 3.104).
85
Paulus Gerdes
Figura 3.104
Como se deve agora ligar umas às outras as partes dos juncos
virados para cima? De imediato, sem juncos auxiliares isso não é
possível. Porém, se se entrelaçam novos juncos horizontalmente ou em
espiral com os existentes, obtém-se automaticamente um cesto de
forma de um paralelepípedo (vide Figura 3.105); as paredes são
necessariamente perpendiculares ao fundo. Por exemplo, o cabaz de
Portugal é entrelaçado desta maneira.
Figura 3.105
86
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.106
Figura 3.107
87
Paulus Gerdes
Figura 3.108
Figura 3.109
Forma do fundo
Figura 3.110
89
Paulus Gerdes
90
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.115
Figura 3.116
92
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.117
Figura 3.118
Figura 3.119
94
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.120
Figura 3.121
Figura 3.122
96
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
variações de forma (vide Figuras 3.124 [centros de esteiras quadradas]
e 3.125 [peneiras redondas de Guiana]) e pode aplicá-las também
noutras técnicas de entrelaçamento, onde o processo de produção ainda
não exigia a procura de novas formas. As variações de cor emancipam-
se. Tornam-se ornamentos. Uma vez transferidas, primeiramente, de
um tipo de cesto para outro, podem então continuar a libertar-se e a
refletir-se noutros materiais, como por exemplo na decoração de
panelas de barro ou em tatuagens do corpo (vide os exemplos na
Figura 3.126).
d. Quénia
Centros de esteiras quadradas
Figura 3.124
98
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
e. Quénia
99
Paulus Gerdes
100
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.127
101
Paulus Gerdes
No §3.7 vimos como se entrelaça um cesto cilíndrico com fundo
quadrado a partir de uma esteira quadrada, depois de se dobrarem
quatro triângulos congruentes isósceles. Entre os Makonde do Norte de
Moçambique produz-se desta maneira o cesto “likalala”. Como é que
o cesteiro do “likalala” sabe se a sua esteira é quadrada e onde se
encontram os pontos médios dos lados? Por outras palavras, ele tem de
resolver, essencialmente, o mesmo problema que com o cesto “chelo”.
O artesão entrelaça, primeiro, ambas as linhas que devem ligar os
pontos médios dos lados opostos, quer dizer, as diagonais do futuro
fundo quadrado, por meio do seguinte procedimento: com dois grupos
de seis tiras da mesma largura, ele confecciona o centro duplamente
simétrico da esteira (vide Figura 3.129). Chama-se a este centro
“yuyumunu”, quer dizer, mãe.
Figura 3.129
102
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.130
Conclusão do 1º quadrante
Figura 3.131
103
Paulus Gerdes
Figura 3.133
106
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Que conhecimentos poderiam, na base da experiência, ser
adquiridos sobre rectângulos?
Da produção de esteiras rectangulares resulta, quase de imediato,
que os seus lados opostos são de igual comprimento: por um lado os
caniços são de igual comprimento e, por outro, não se altera o seu
número quando se vai de um lado para o outro (vide Figura 3.135).
Caniços de igual comprimento
Figura 3.137
108
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.138
Figura 3.139
109
Paulus Gerdes
Figura 3.140
Figura 3.141
Figura 3.142
110
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.143
a b
Figura 3.145
112
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 3.147
Figura 3.148
Figura 3.149
114
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
a b c
Figura 3.150
a b c
Figura 3.151
115
Paulus Gerdes
Exemplos da construção de rectângulos
Figura 3.152
Figura 3.153
116
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Talvez conhecessem o método de comparação das diagonais ou
o procedimento dos índios Kwakiutl. Os Kwakiutl da Ilha de
Vancouver fixavam a configuração quadrada da base das suas casas do
seguinte modo. Do ponto A, que deveria tornar-se o ponto médio do
lado da frente da casa, esticavam um fio até ao ponto médio B do lado
de trás. Depois, dividiam ao meio esse fio e esticavam, a partir do
primeiro ponto A, a primeira metade do fio para a esquerda (ponto
terminal C) e a outra para a direita (ponto terminal D) (vide Figura
3.154). Então, com a ajuda de um segundo fio eles comparavam a
distância entre C e B com a distância entre D e B, e, se necessário,
ajustavam as posições de C e D até que BC e BD fossem iguais. Uma
vez igualadas tinham-se achado os vértices do lado da frente. De igual
modo achavam-se os vértices do lado de trás (Struik, 1948;
Seidenberg, 1962a). Com uma pequena modificação, o método dos
Kwakiutl pode também aplicar-se à construção de rectângulos não
quadrados. Tanto com o método de comparação das diagonais como
com o método dos Kwakiutl pode-se alcançar uma alta precisão, em
particular, se as dimensões dos lados da base forem relativamente
grandes, como o foi, por exemplo, no caso das pirâmides de Gizé no
Antigo Egito.
Figura 3.154
Figura 3.155
118
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Capítulo 4
Figura 4.1
119
Paulus Gerdes
Figura 4.2
Figura 4.3
120
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 4.4
Figura 4.5
121
Paulus Gerdes
Figura 4.6
Figura 4.7
123
Paulus Gerdes
Figura 4.8
Figura 4.9
124
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 4.10
Figura 4.11
125
Paulus Gerdes
Figura 4.12
Tatuagens makonde
Figura 4.14
Homens ←→ Mulheres
escultores ←→ pintoras
estilo naturalista ←→ estilo não representativo
Figura 4.15
Figura 4.16
Figura 4.17
131
Paulus Gerdes
Figura 4.18
Moçambique Quénia
a b
133
Paulus Gerdes
Tatuagem makonde
Figura 4.20
134
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Capítulo 5
135
Paulus Gerdes
contradiz-se a si próprio quando reconhece que: “...a observação que
num triângulo rectângulo o quadrado sobre a hipotenusa é a soma dos
quadrados sobre os catetos teria uma aplicação teológica imediata”. E
agora, motivo ou aplicação? Como é que os ritualistas védicos,
pergunta Seidenberg, puderam “adoptar” o “Teorema de Pitágoras” da
Grécia ou da Babilónia e fazer dele uma parte vital dos seus rituais
festivos? O processo inverso seria mais fácil de compreender:
secularização de atos rituais (Seidenberg, 1962a, p. 501). Assim,
Seidenberg decide-se então por “motivo”.
Voltarei à descoberta do “Teorema de Pitágoras” no § 5.4, onde
tentarei mostrar que não é necessário procurar a causa da sua
descoberta em especulações teológicas. Agora coloco uma outra
pergunta: mesmo se Seidenberg tivesse tido razão, e o “Teorema de
Pitágoras” e os problemas clássicos da “quadratura do círculo” e da
“duplicação do cubo” tivessem nascido como uma espécie de
geometria teológica (Seidenberg, 1962a, p. 520), de uma praxis ritual,
devia com isso ser simultaneamente provado que o nascimento de toda
a geometria tenha sido ritual?
Talvez como resposta a esta, ou a uma pergunta semelhante dum
redator da revista internacional Arquivo para a História das Ciências
Exatas, Seidenberg termina o seu famoso artigo com um capítulo
etnográfico muito curto. Em Madagáscar uma ritualista de nome
“mpanandro” participa na determinação da configuração da base de
construções. A construção de um quadrado pelos Kwakiutl (vide § 3.9)
recorda-nos bastante os Sulba-sûtra. A forma circular das suas casas
era considerada como divina pelos índios Omaha. Os índios Chavante
dispõem as suas aldeias numa circunferência perfeita, e “como esta
forma não pode ter um objectivo utilitário, ...” – muito duvidável! (pg)
– “..indica-se a sua origem no ritual” (Seidenberg, 1962a, p. 522). E
então, sem mais material de prova, Seidenberg conclui que a
circunferência, o círculo e o quadrado encontram a sua origem em atos
rituais e que a forma circular ou quadrada doutros objetos nascem da
praxis ritual (1962a, p. 523). Todavia aqui Seidenberg torna-se vítima
dos seus próprios preconceitos, como mostram as minhas
investigações: muitas das formas mais antigas são materialmente
necessárias. Ou a matéria devia, na opinião de Seidenberg, ser também
de origem ritual?
As tentativas de Seidenberg para demonstrar a origem ritual da
geometria não são isoladas. De modo análogo ele esforça-se por
136
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
provar a origem ritual da contagem (Seidenberg, 1962b). Ele admite
sem rodeios que os seus estudos tencionam contribuir para a teoria
geral segundo a qual toda a civilização é de origem ritual (Seidenberg,
1962a, p. 489). Esta teoria está estreitamente relacionada com a
doutrina da difusão, de acordo com a qual a ampla divulgação de
vários bens culturais pode ser explicada na base duma difusão, em
geral a partir de um único centro de nascimento. Assim, Seidenberg
conclui em relação à contagem: “A contagem foi inventada num
centro civilizado, na elaboração do ritual da Criação, como um meio
para chamar os participantes no ritual para aparecer na cena ritual,
inventada apenas uma única vez, e a partir daí difundida” (Seidenberg,
1962b, p. 37). No prefácio da edição alemã da História concisa das
matemáticas de D. Struik, observa-se que “O leitor pode ele próprio
julgar quão improvável é que a contagem tenha uma origem comum a
todos os povos, se ele tiver presente o isolamento dos territórios de
fixação pré-históricos e a evidente desigualdade do desenvolvimento
do cálculo entre os vários povos; se ele imaginar que num mesmo
povo foram usadas várias palavras para a designação do mesmo
número de objetos de diferentes espécies etc.” (Struik, 1976, p. 28).
Por isso não nos espanta que, dentro da etnologia, as preconcepções da
teoria de difusão cultural tenha sido veementemente criticada. Por
exemplo, M. Harris escreve no seu monumental trabalho O surgimento
da teoria antropológica sobre o difusionismo o seguinte: “Se
admitimos – e a arqueologia do Mundo Novo obriga-nos agora a isto –
que invenção independente ocorreu em escala massiva, então difusão
é, por definição, não só supérflua, mas mesmo a encarnação da
anticiência” (Harris, 1969, p. 378). Através da aceitação dum primado
da difusão sobre a invenção independente os representantes do
difusionismo subestimam as capacidades criativas do Homem. Tal
como a teoria da difusão em geral, também a concepção de Seidenberg
sobre-estima a importância da difusão para o desenvolvimento da
geometria e exagera as possíveis conexões entre ideias religiosas e
geometria. Com isso não devíamos, porém, cair no outro extremo. De
facto, divulgação / difusão desempenha um papel importante no
desenvolvimento da matemática. Interessa saber compreender
historicamente a dialéctica da divulgação e invenção independente. De
facto, pensamento mágico ou religioso pode – em determinados
períodos – refletir-se nas concepções de número e de espaço. Interessa
saber analisar as razões que levam a isto.
137
Paulus Gerdes
5.2 Sobre a possível formação de conceitos de pirâmide
138
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
de pirâmide” – que a regularidade tenha obtido um valor estético,
então podiam ser criadas formas, novas e, em certo sentido, ordenadas,
sem que tenha existido para tal uma obrigação material, imediata e
inevitável: as pirâmides no Egito Antigo “devem, no que diz respeito à
sua forma e ideia básica, ser deduzidas do túmulo simples de areia
acumulada, cuja forma monumentalizada, a mastaba (vide Figura
5.1a), constituiu o ponto de partida construtivo para a configuração da
pirâmide-em-degraus da 3ª dinastia (complexo de Djoser, Saqqara, c.
2600 a.C.). Sob os soberanos da 4ª dinastia (c. 2570 – 2450 a.C.), as
pirâmides obtiveram a sua forma clássica de faces lisas e de base
quadrada. Isto foi o resultado de um processo secular da história de
construção ...” (Herrmann, 1984, Vol. 2, p. 182). Quando afirmei:
“sem que exista para tal uma obrigação material, imediata e
inevitável”, então isto quer dizer, neste caso concreto, que, por um
lado, outras formas teriam sido possíveis, como por exemplo a do
cone, e, por outro lado, que a escolha de forma era limitada: é mais
fácil construir uma pirâmide-em-degraus do que uma torre da mesma
altura. Ainda se levanta a questão: se se trata aqui duma figura
totalmente nova, descoberta pela primeira vez, ou se uma forma já
conhecida teria talvez servido de modelo. Consideremos agora duas
situações, que já se verificaram provavelmente em fases de
desenvolvimento cultural que antecederam a construção de pirâmides
no Egito Antigo e que levaram à formação de conceitos de pirâmide.
Figura 5.2
Pirâmides de tangerinas
Figura 5.3
Figura 5.4
1
Neste sentido 4, 10 e 20 são “números tetraédricos”. Residirá aqui
talvez mais uma razão para o facto de tantos sistemas de
numeração possuírem a base 10 ou 20?
140
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
modo optimizado de acumulação (cada tangerina duma camada nova
apoia-se em apenas três da anterior), em que se evita o rolar dos frutos
para baixo, ao mesmo tempo que se ocupa o mínimo de espaço
possível do plano de base. Se se tiver lugar suficiente no plano de
base, então torna-se possível amontoar em pirâmides-em-degraus de
base quadrada como, por exemplo, acontecia nos portos da África
ocidental ao acumular sacos de cereal. Pode-se perguntar se Demócrito
(c. 460-370 a.C.) – ou outros atomistas antes dele – não tinha tal tipo
de pirâmide de tangerinas como modelo, ao demonstrar que duas
pirâmides da mesma base e altura têm o mesmo volume: ao amontoar
de novo e cuidadosamente as 10 tangerinas dum “tetraedro”, obtém-se
uma pirâmide de altura aproximadamente igual, em que uma aresta
coincide com a altura; as duas pirâmides têm volumes iguais, porque
em camadas correspondentes se apresentam quantidades iguais de
“átomos”, quer dizer tangerinas, 6, 3 e 1, etc. (vide Figura 5.5).
Figura 5.5
Pirâmides entrelaçadas
Suponhamos que se domina a técnica amplamente divulgada de
entrelaçamento perpendicular de esteiras, utilizando juncos de igual
largura. Como é que se pode produzir, partindo duma esteira assim
fabricada e sem outros meios de ajuda, uma tigela, uma travessa ou um
funil? É fácil dobrar a esteira numa única direção (vide Figura 5.6). Ao
soltar, no entanto, a esteira curvada, ela volta à forma plana. Se se
tentar curvar a esteira em duas direções ao mesmo tempo, sente-se
fortemente como o material resiste; parece haver demasiado material
para se poder transformar a esteira plana numa tigela curva. A maneira
mais fácil para diminuir a sua quantidade consiste em tirar, de um
lado, alguns juncos paralelos (vide Figura 5.7).
141
Paulus Gerdes
Figura 5.6
Figura 5.7
Figura 5.8
142
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
E agora alguma coisa deve ser feita às partes dos juncos, que
ficam de fora. Porém, o quê? Um grupo das tiras salientes pode ser
entrelaçado com o outro, como na Figura 5.8. Obrigatoriamente – quer
isto dizer para evitar espaços abertos – os dois grupos são entrelaçados
perpendicularmente entre si (Figura 5.9).
Figura 5.9
Figura 5.10
143
Paulus Gerdes
Figura 5.11
No intuito de evitar que no fim ainda seja necessário cortar
partes salientes dos juncos, descobre-se que o número de juncos
tirados deve corresponder à metade da largura da esteira (vide Figura
5.11), quer dizer, ambos os grupos de partes salientes das tiras ficam
agora quadrados. Até este momento todo o processo de descoberta
decorreu automaticamente, isto é, em dependência do objectivo
(entrelaçar perpendicularmente uma “tigela” ou um “funil” sem outros
meios auxiliares), do material e da sua interação recíproca. Agora
verifica-se que a escolha do comprimento da esteira é livre. No
entanto, se não se meditar conscientemente sobre esta liberdade, ela é
apenas relativa: é culturalmente enquadrada. Talvez o artesão prefira
imediatamente a forma quadrada para a esteira rectangular inicial,
porque esta forma já se mostrou, noutros contextos, vantajoso, racional
ou bonita. Ou, ao dar a preferência a uma “tigela” ou a um “funil” de
simetria rotacional (vide Figura 5.12), ele descobre que o rectângulo
inicial deve ser um quadrado.
144
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Independentemente de como se chegou a esta última conclusão,
podemos observar que os artesãos das províncias de Niassa e Nampula
(Norte de Moçambique) partem dum quadrado (ou melhor: tomam
uma esteira quadrada como ponto de partida). O resultado foi
considerado bonito e inspirou talvez oleiros da mesma zona para a
produção de novos moldes para recipientes (vide Figura 5.13).
Todavia isto não foi uma simples transplantação de forma, um copiar
puro. O modelo, as possibilidades objectivas do novo material – barro
– e as experiências dos oleiros refletem-se, unidos no processo criativo
de trabalho, nesta nova forma de recipientes.
Figura 5.13
145
Paulus Gerdes
pirâmide; o rebordo quadrado inicial “gerou” o rebordo, triangular e
equilátero, dessa pirâmide. 1
Visto de cima
Visto de lado
Figura 5.14
1
Se se fixa um rebordo circular ao cesto, obtém-se um objecto
cónico, que pode servir de funil ou chapéu como nas ilhas de
Sumatra, Java e Bornéu (Indonésia) e na China.
146
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
pirâmide de base quadrada. E ao juntar duas destas pirâmides novas ou
oito “pirâmides-de-Niassa” (Figura 5.16b), obtém-se um octaedro
regular!
b
Figura 5.16
Funil “eheleo”
Figura 5.17
148
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
pergunta “como?” formularei uma nova hipótese. Coolidge (1963) e
Gillings (1972) dão um resumo de hipóteses anteriores.
Técnicas de entrelaçamento tinham alcançado, no Egito Antigo,
um alto nível de desenvolvimento (cf. Schmidl, 1928). Suponhamos
agora, que o tipo de “pirâmide-de-Niassa”, acima analisado, já tenha
sido conhecido naquela altura ou ainda mais cedo.
Se se despejar algumas vezes uma “pirâmide-de-Niassa”,
enchida de cereal, por exemplo, num cesto cúbico de aresta igual,
descobre-se que o cesto fica exatamente cheio depois da sexta vez. Ou,
ao contrário, com um cesto cúbico cheio podem-se encher exatamente
seis “pirâmides-de-Niassa” cujas arestas tenham o mesmo
comprimento que as do cesto. Uma vez conhecida a fórmula Vc = s3
para o volume de um cubo de aresta s, segue-se imediatamente para o
volume duma “pirâmide-de-Niassa” (Vpn):
Figura 5.18
149
Paulus Gerdes
Vp = 4. (!) s3,
!
(2)
onde s significa o comprimento da aresta das “pirâmides-de-Niassa”.
Se a representar o comprimento de um lado da base da nova
pirâmide, então é, obviamente, válida a relação:
(3) a2 = 2 s2,
através dum movimento simples da sua base (vide Figura 5.19).
Figura 5.19
Figura 5.20
151
Paulus Gerdes
Figura 5.21
Figura 5.22
Figura 5.23
Figura 5.24
154
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
[ (h+n).a2 – n.b2 ] =
!
= !
Figura 5.25
155
Paulus Gerdes
ou seja
.h.[ 2a2 – b2 ],
!
Vpt = !
porque estava formulada só em termos de a, b e h. Devia ser
transformada apenas no momento em que se verificou, que ela não é
verdadeira noutros casos. E qual seria a transformação necessária, para
obter uma fórmula válida em geral, também não é imediatamente clara
à partida. As alternativas
(14) a2 + (a2 – b2) = a2 + 3b2,
(15) a2 + (a2 – b2) = 3ab + 3b2,
podiam ter sido escolhidas em vez de
(13) a2 + (a2 – b2) = a2 + ab + b2.
Por outras palavras, a hipótese de Gillings pressupõe, por parte
dos escrivães egípcios, uma experiência de verificação e, se por
conseguinte fosse necessária, de adaptação de fórmulas. Nisto reside
uma distinção importante em relação à minha hipótese. No meu caso,
verifica-se imediatamente que a fórmula
!
(8) Vpt = (!) (! ! − ! ! ).
não satisfaz por ainda não ser expressa em termos dos comprimentos a
e b dos lados das bases quadradas e da altura h e por assim não poder
ser generalizada. Por isso, a sua transformação é imediatamente
necessária; quer isto dizer que não se supõem tentativas de verificação
para se poder tirar a referida conclusão.
O. Neugebauer considera, no seu livro Matemática pré-grega, o
caso especial em que uma aresta da pirâmide truncada coincide com a
altura da mesma, e ele decompõe a pirâmide truncada em quatro
partes, um paralelepípedo rectangular, dois prismas e uma pirâmide,
como mostra a Figura 5.26. O volume da pirâmide truncada é igual à
soma dos volumes das suas partes:
Vpt = hb2 + 2. .(a – b)2.
! !
(16) !
.b(a – b) + !
Neugebauer conjectura, que a fórmula (11) do Egito Antigo
podia ser deduzida a partir daqui através duma transformação
algébrica. Porém “... pode-se justificar que os Egípcios eram capazes
de fazer uma transformação algébrica desta natureza? Eles eram
156
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
capazes de calcular com números concretos, mas não com quantidades
gerais” pergunta Van der Waerden (1954, p. 136). Ele propõe a
possibilidade de que essa transformação tivesse sido realizada por via
geométrica.
Decomposição de Neugebauer
Figura 5.26
Substituem-se os dois prismas na Figura 5.26 por paralelepípedos
rectangulares de meia altura e transforma-se também a pirâmide num
bloco desse género, desta vez, no entanto, de um terço da altura
original (vide Figura 5.27).
a2 + b2 =
! ! ! !
(11) Vpt = ! !
ab + ! !
.(!! + !" + ! ! )
“Esta dedução da fórmula não transcende o nível da matemática
egípcia” observa Van der Waerden no seu livro O despertar da ciência
(1954, p. 35). No entanto, uma pergunta muito importante – e nisso
distingue-se a sua hipótese da minha – não é respondida por Van der
Waerden: porque é que o escrivão teria escolhido exatamente essa
transformação e não uma outra? A escolha dessas transformações
geométricas foi o resultado da experimentação? Ou então, o escrivão
!
já conhecia a fórmula, em particular o factor comum ! e procurava
apenas uma justificação post factum? No seu livro novo Geometria e
Álgebra em Civilizações Antigas Van der Waerden formula a
conjectura de que a fórmula correta para o volume duma pirâmide
truncada, fórmula essa que se encontra tanto na Antiga China como no
Egito Antigo tenha uma “fonte comum pré-babilónica” (Van der
Waerden, 1983, p. 44). A matemática da Antiga China foi resumida na
obra Matemática em nove livros. Esta compilação ficou conservada
numa elaboração por Liu Hui, do ano 263. Liu Hui dá uma dedução
para o volume duma “fang-t’ing”, quer dizer, duma pirâmide truncada
de base quadrada, em que a decompõe num paralelepípedo, quatro
prismas e quatro “yang-ma”’s (pirâmides de base quadrada, onde uma
aresta coincide com a altura (vide Figura 5.30) (Wagner, 1979, p. 169).
160
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Van der Waerden conjectura que “uma origem comum de toda a
teoria seja muito provável” (1983, p. 10, 45). O “Teorema de
Pitágoras” já foi, segundo Van der Waerden, conhecido cerca de 2000
a.C., quando os antepassados dos Gregos e das tribos áricas que mais
tarde invadiram a Índia, ainda viviam uns ao lado dos outros na região
do Danúbio (1983, p. 14).
Será realmente tão difícil de conjecturar o “Teorema de
Pitágoras” de tal modo que ele só tenha sido descoberto uma única vez
na história humana? Talvez Van der Waerden, Seidenberg e outros
tenham razão. No entanto ..., pelo menos o caso mais simples do
teorema, em que ambos os catetos do triângulo rectangular têm o
mesmo comprimento, sempre foi e continua a ser descoberto. Aqui não
tem importância, se e como se formula este caso particular do teorema
(vide os exemplos nas Figuras 5.31 e 5.32).
Certamente surge agora a pergunta, como, a partir desse caso
particular se pôde chegar ao teorema geral ...
161
Paulus Gerdes
a. Dogon (Mali)
b. Madagáscar
Figura 5.32
Gémeos
162
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Esta reflexão já nos faz progredir na procura duma pista do(s)
possível(eis) nascimento(s) dos gémeos: devemos procurar situações
onde se encontram ao mesmo tempo quadrados, somas de quadrados,
ângulos rectos e números inteiros. O mais provável é que quadrados
geométricos sejam mais antigos que os quadrados aritméticos. Em que
contexto aparecem quadrados geométricos cujas áreas são contáveis?
Ao entrelaçar e ao tecer! Ao bordar e ao fazer azulejos...
Figura 5.33
Figura 5.34
Figura 5.35
Segunda fase
Figura 5.36
164
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Que padrão de entrelaçamento podia ter sido modelo para esta
posição não-paralela dos três quadrados? Amiúde o padrão de
entrelaçamento, “dentado” e amplamente difundido, da Figura 5.37,
reflete-se em ornamentos lisos de recipientes de barro, de madeira ou
metálicos como na Figura 5.38. Do mesmo modo, os padrões de
entrelaçamento da Figura 5.39 correspondem ao caso mais simples do
“Teorema de Pitágoras”.
Padrão de entrecruzamento
Figura 5.37
Ornamentos lisos
Figura 5.38
Figura 5.39
165
Paulus Gerdes
Agora encontramo-nos provavelmente na pista certa: tais
quadrados entrelaçados e dentados – de colorações distintas – são
largamente conhecidos, como salientam os exemplos na Figura 5.40.
a. Mbangala (Angola)
166
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 5.41
Figura 5.42
Figura 5.43
167
Paulus Gerdes
Figura 5.44
Figura 5.45
168
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Terceira fase
Figura 5.46
Por outro lado, ele (ou ela) chega por via puramente geométrica
(vide Figura 5.47a), ou por via aritmético-geométrica (vide Figura
5.47b ou 5.47c) à conclusão (vide Figura 5.48) de que dois quadrados
de 3 e 4 unidades de lado respectivamente, têm, em conjunto, a mesma
área que um quadrado de cinco unidades de lado, ou seja 32+42=52.
a
Figura 5.47
169
Paulus Gerdes
c
Figura 5.47
Figura 5.48
170
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 5.49
171
Paulus Gerdes
Para os “triplos pitagóricos” (2)
Figura 5.50
Figura 5.51
172
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
b
Figura 5.52
173
Paulus Gerdes
c
Figura 5.52
Pela primeira vez isto torna-se possível (vide Figura 5.53), quando o
lado do primeiro “triângulo” tiver 6 dentes.
Figura 5.53
174
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Por isso, um quadrado dentado com 21 quadradinhos iguais
(6+8+1+6=21, vide Figura 5.54) em cada lado e com 41 quadradinhos
iguais na diagonal, pode ser transformado num quadrado liso de 29
destes quadradinhos em cada lado (8+1+11+1+8=29). Por outras
palavras:
202+212=292.
Figura 5.54
Figura 5.55
202+212 = 292
e
(35+49+35)2 + (35+49+35+1)2 = [49+1+(2.35-1)+1+49]2
ou seja
1192+1202 = 1692 , etc.
Tabela 5.1
176
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Para os “triplos pitagóricos” (3)
Figura 5.56
Figura 5.57
177
Paulus Gerdes
Figura 5.58
Figura 5.59
178
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Tabela 5.2
d d2 d2+1 !! + 1
2
1 1 2 1
3 9 10 5
5 25 26 13
7 49 50 25
9 1 82 41
... ... ... ...
41 1681 1682 841
... ... ... ...
239 57121 57122 28561
... ... ... ...
Tabela 5.3
t t2
1 1
... ...
5 25
... ...
29 841
... ...
169 28561
... ...
12 + 1 = 2.12,
72 + 1 = 2.52,
412 + 1 = 2.292,
2392 +1 = 2.1692,
etc.
Agora, quais são os quadrados dentados constituídos por 52, 292,
1692, etc. quadradinhos iguais? O comprimento do quadrado
circunscrito é igual ao número de quadradinhos nas diagonais do
quadrado dentado. E, por sua vez, este número de quadradinhos em
cada diagonal é igual à soma dos comprimentos dos lados dos dois
quadrados lisos, em que se pode decompor o quadrado dentado (vide
as Figuras 5.43 e 5.44). Por isso, mediante 7=3+4, 41=20+21,
239=119+120, etc., obtêm-se os resultados:
32 + 42 = 52,
202 + 212 = 292,
1192 + 1202 = 1692,
etc.
180
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
etc. ou ele descobre primeiro uma decomposição nova do quadrado
dentado, em que as duas partes tenham a mesma área que os dois
quadrados lisos (vide Figura 5.60).
Figura 5.60
Figura 5.61
9=4+5 → 9 + 42 = 52 → 32 + 42 = 52
25 = 12 + 13 → 25 + 122 = 132 → 52 + 122 = 132
49 = 24 + 25 → 49 + 242 = 252 → 72 + 242 = 252
... → ... → ...
Figura 5.62
182
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Para achar os “triplos pitagóricos” (a ,b, c), devem-se procurar
soluções da equação
(c+b) (c–b) = a2 .
Figura 5.63
Figura 5.64
183
Paulus Gerdes
Figura 5.65
a b c
Figura 5.66
Figura 5.67
Figura 5.68
b
Figura 5.69
185
Paulus Gerdes
Figura 5.70
Figura 5.71
186
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura 5.72
Sobre aproximações de 2
187
Paulus Gerdes
Melhores aproximações são encontradas com “triplos
pitagóricos” (a, b, c) maiores, onde b = a+1. Por exemplo, com (20,
21, 29) obtém-se
!"!!"
! ≥ = 1,41379....
!"
O primeiro triplo que aparece em Plimpton 322 da antiga
Mesopotâmia, (119, 120, 169) (Neugebauer, 1969, p. 37), leva a:
119+120
! ≥ 169
= 1,414201....
Este valor aproximado está já bastante perto do valor que se encontra
num texto cuneiforme da Babilónia antiga: 1,414213... (Neugebauer,
1969, p. 35).
Retrospectiva
188
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
189
Paulus Gerdes
!
(6) r = !! p,
Por outras palavras, nas três primeiras filas, o valor aproximado
π ≈ 3 é usado para calcular a área, o diâmetro e o raio dum círculo.
Como era o caso no Egito Antigo, os cálculos eram feitos
frequentemente com este valor aproximado. Os escribas de Susa, no
entanto, estavam conscientes de que este valor π ≈ 3 constitui uma
aproximação, como a fila nº 30 da tábua mostra. A fila nº 30 apresenta
!" !" !"
57′ 36″ =
!"
+ !"!
= !"
como valor corretivo para o círculo-SAR
“perfeito”, isto é, (1), (2), e (3) são corrigidas da maneira seguinte:
!" ! 2
(7) AC =
!" !"
! p
!" !
(8) d=
!"
! ! p,
e
!" !
(9) r = ! ! p,
!"
Uma comparação de (8) com (5), por exemplo, leva
imediatamente a:
!
(10) π = 3 ! .
Como este resultado foi descoberto pelos matemáticos da
Mesopotâmia (ou pelos seus predecessores) ainda é uma questão não
resolvida.
Apresentarei duas hipóteses como respostas possíveis. Assumo,
como ponto de partida, que a técnica de fabricação de esteiras era
provavelmente conhecida na Mesopotâmia Antiga (vide Forbes 1956,
p. 172 e seguintes e a Figura 3.133).
Primeira hipótese
Figura 5.73
Segunda hipótese
191
Paulus Gerdes
Figura 5.75
b
Figura 5.76
193
Paulus Gerdes
! 2 ! ! !" 2 1
(15) AC ≈ s = ( x 2r )2 = r = 3 8 r2,
! ! ! !
isto é
!! !
(16) π= ≈ 3 .
!! !
O cesteiro podia, neste contexto, também chegar à seguinte
conclusão equivalente. Para fabricar o aro do cesto, curva-se uma lasca
de madeira e ambos os extremos são atados entre eles. Ao fazer isto, o
artesão podia ter observado que, se a lasca de madeira mede 5/2 vezes
o comprimento do lado da esteira quadrada, as áreas do círculo e do
quadrado menor visível, formado pelos pontos médios dos lados da
esteira quadrada, são quase iguais (vide mais uma vez Figura 5.76).
Por outras palavras, se
!
(17) p= s,
!
então
(13) AC ≈ Ame,
A partir de (14) e (17) obtém-se, então, para a área do círculo
! ! ! !
(18) A C ≈ s 2 = ( x p )2 = p2
! ! ! !"
ou
! !! ! !" !
(19) π = = x ≈ 3 .
! !! ! ! !
194
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Capítulo 6
Metodologia
195
Paulus Gerdes
A atividade e o despertar do pensamento geométrico
197
Paulus Gerdes
“Sedimento” possível de pensamento mágico na imaginação do
espaço
199
Paulus Gerdes
200
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
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205
Paulus Gerdes
206
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura:
5.17 Weule, T. 19
5.32 a: Burney, p. 52; c, d: Denyer, p. 120, 121; e: Mveng, p. 56; f:
Neumann, p. 84
5.40 a: Redinha, p. 107; b: Neumann, p. 78
5.42 Wilson, 1986, p. 21, T. 23
5.49 Burney, p. 81
208
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Anexos
209
Paulus Gerdes
210
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Anexo 1
Introdução
Conjecturas anteriores
211
Paulus Gerdes
! !"
octógono ABCDEFGH é igual a (ou ) do quadrado do diâmetro, 1
! !"
!"
isto é, quase igual à quantidade desejada de ( ) d2.
!"
F E
G D
H C
A B
Figura A1.1
!
1 Seguindo a construção de Vogel até , temos um método didático
!
para obter um valor útil para π na escola primária (Gerdes 1983):
!
π ≈ 4.( ) ≈ 3,11
!
212
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
pedreiros egípcios cobriam os seus desenhos e paredes de modo a
formar um relevo com redes ortogonais. Os pontos de intersecção das
linhas da rede e os contornos do desenho eram então transferidos em
razões fixadas. Que pode ser dito sobre os círculos que apareciam
nessas redes ortogonais?
Figura A1.2
213
Paulus Gerdes
várias conjecturas alternativas para a origem da fórmula egípcia para a
área do círculo.
Figura A1.5
1
Parecida com a espiral de Arquimedes, a Figura A1.3 representa
simbolicamente a cobra em Angola (Mveng 1980, p. 54). Estas
“curvas da cobra” foram gravadas em portas de madeira na Nigéria
(Denyer 1978, p. 89) e podem também ser encontradas no fabrico de
cestos (e.g., Sudão, Egito moderno) e esteiras (e.g. Moçambique). Ao
mesmo tempo, este padrão espiral é um motivo comum para as
decorações de paredes de locais fúnebres no Egito Antigo (e.g., perto
de Deir el-Medina). Cerca de 2600 A.C., o “jogo da cobra” era jogado
numa mesa espiral circular (Erman & Ranke 1963, p. 327) (Figura
A1.5). Sob Ramsés III (1198-1167 A.C.), o pão real tomou a forma de
espiral (Erman & Ranke 1963, p. 257) (Figura A1.6). A descrição da
produção de uma esteira espiral em sisal ilustrará a nossa primeira
conjectura.
Uma tira de sisal é enrolada à volta de um ponto fixo (vide
Figura A1.7) e é então cosida em espirais sucessivas. Normalmente, o
fim será cortado um pouco de modo a dar a impressão de um círculo
(vide Figura A1.8). Suponhamos que os artesãos no Egito Antigo
sabiam como fazer esteiras semelhantes.
214
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura A1.6
215
Paulus Gerdes
Figura A1.9
Tabela A1.1
W 2 3 4 5 6
L 7 20 39 64 95
d 3 5 7 9 11
Figura a1.10
2
Uma outra possibilidade é sugerida por um conjunto de círculos
concêntricos equidistantes aparecendo como decoração de paredes
(e.g. Tanzânia (Denyer 1978, p. 41), em tecidos (e.g. Camarões (vide
as imagens em Mveng 1980, p. 121)) e em telhados (e.g. Guiné
(Denyer 1978, p. 143)). Foi encontrado numa sepultura como um
símbolo de círculos cósmicos (e.g. Angola (vide Mveng 1980, p. 79))
e ainda em antigas pinturas rupestres em Moçambique (vide Oliveira
1975, p. 21). Ao mesmo tempo, estes padrões geométricos podem
também ser encontrados no Egito Antigo, e.g., em colares sucessivos
circulares de Kagemni em Sakkara (cerca de 2280 A.C.) ou na coroa
azul de Ramsés II (vide Wiesner 1971, p. 168).
Esteiras circulares de sisal, com um padrão de círculos
concêntricos equidistantes, são feitas de maneira semelhante ao
217
Paulus Gerdes
método descrito para as esteiras espirais. Corta-se um pequeno círculo
cujo diâmetro é igual à largura da tira. Este pequeno círculo serve
como “círculo central”. À volta do círculo central, fabrica-se a esteira
anel por anel (vide Figura A1.11), cosendo os anéis sucessivos. De
cada vez, é cortada a parte da tira que preenche completamente o anel
correspondente.
Tabela A1.2
T 1 2 3 4 5
L 7 20 39 64 95
d 3 5 7 9 11
218
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Conjecturas sugeridas ao jogar com objetos circulares
triângulo rectângulo
Figura A1.13
Figura A1.14
Figura A1.15
220
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura A1.16
Agradecimentos
Referências
221
Paulus Gerdes
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222
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Anexo 2
Figura A2.1
223
Paulus Gerdes
O octógono semi-regular que tinha sido esboçado apenas
‘grosseiramente’ pelo escriba, pode corresponder a uma figura dentada
(vide as Figuras A2.1 e A2.2), tal como os outros exemplos deste tipo
de correspondência encontradas no Capítulo 5 (Figuras 5.36 – 5.38).
Figura A2.2
224
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Figura A2.3
Figura A2.4
225
Paulus Gerdes
Figura A2.5
226
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
Edições anteriores
1990 2001
227
Paulus Gerdes
Prefácio (1988): Ethnomathematik und Curriculumexport
(Etnomatemática e a exportação de curricula), escrito por: Peter
Damerow (1939-2011), Max Planck Institut für
Wissenschaftsgeschichte (Instituto Max Planck para a História da
Ciência), Berlim, Alemanha.
228
Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico
1987
229
Paulus Gerdes
1991 1992
230
O Autor
231
232
Livros em Português do mesmo autor
233
* Os manuscritos filosófico-matemáticos de Karl Marx sobre o
cálculo diferencial. Uma introdução, Lulu, Morrisville NC,
2008, 108 p. [Primeira edição: Universidade Eduardo Mondlane,
Maputo, 1983]
* Otthava: Fazer Cestos e Geometria na Cultura Makhuwa do
Nordeste de Moçambique, Lulu, Morrisville NC, 2007, 292 p.
* Etnomatemática: Reflexões sobre Matemática e Diversidade
Cultural, Edições Húmus, Ribeirão (Portugal), 2007, 281 p.
* Sipatsi: Cestaria e Geometria na Cultura Tonga de Inhambane,
Moçambique Editora, Maputo, 2003, 176 p. (Capítulo 1: autoria
de Gildo Bulafo)
* Lusona: Recreações Geométricas de África, Moçambique
Editora, Maputo & Texto Editora, Lisboa 2002, 128 p.
[Primeira edição: Universidade Pedagógica, Maputo, 1991]
* Geometria Sona: Reflexões sobre uma tradição de desenho em
povos da África ao Sul do Equador, Universidade Pedagógica,
Maputo, 1993/1994, 3 volumes, 489 p.
* (Org.) Matemática? Claro!, Manual Experimental da 8ª Classe,
Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação (INDE),
Maputo, 1990, 96 p.
* Teoremas famosos da Geometria (co-autor Marcos Cherinda),
Universidade Pedagógica, Maputo, 1992, 120 p.
* Trigonometria, Manual da 11ª classe, Ministério da Educação e
Cultura, Maputo, 1981, 105 p.
* Trigonometria, Manual da 12ª classe, Ministério da Educação e
Cultura, Maputo, 1980, 188 p.
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Livros em outras línguas
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* L’EthnoMathématique en Afrique, Lulu, Morrisville NC, 2009,
148 p. [Primeira edição: Universidade Pedagógica, Maputo,
1993]
* Les Mathématiques dans l’Histoire et les Cultures Africaines.
Une Bibliographie Annotée (co-autor Ahmed Djebbar),
Universidade de Lille (França), 2007, 332 p.
* Le cercle et le carré: Créativité géométrique, artistique, et
symbolique de vannières et vanniers d’Afrique, d’Amérique,
d’Asie et d’Océanie, L’Harmattan, Paris (França), 2000, 301 p.
* Ethnomathematik dargestellt am Beispiel der Sona Geometrie,
Spektrum Verlag, Heidelberg (Alemanha), 1997, 436 p.
* Ethnogeometrie. Kulturanthropologische Beiträge zur Genese
und Didaktik der Geometrie, Verlag Franzbecker, Bad
Salzdetfurth (Alemanha), 1990, 360 p.
* Pitagora africano: Uno studio di cultura ed educazione
matematica, Lampi di stampa, Milan (Itália), 2009, 115 p.
* Disegni Africani dall’Angola: Per vivere la matematica, Lulu,
Morrisville NC, 2008, 73 p.
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