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Praticas Informacionais

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Gabrielle Francinne de S. C.

Tanus
Janicy Aparecida Pereira Rocha
Ilemar Christina Lansoni Wey Berti
Organizadoras

PRÁTICAS
INFORMACIONAIS
EM DIÁLOGO COM AS
CIÊNCIAS SOCIAIS
E HUMANAS

NYOTA
Gabrielle Francinne de S. C. Tanus
Janicy Aparecida Pereira Rocha
Ilemar Christina Lansoni Wey Berti
Organizadoras

PRÁTICAS INFORMACIONAIS EM
DIÁLOGO COM AS CIÊNCIAS
SOCIAIS E HUMANAS

Florianópolis, SC
Rocha Gráfica e Editora Ltda.
2021
Coordenação do Selo
Franciéle Carneiro Garcês da Silva
Nathália Lima Romeiro
Site: https://www.nyota.com.br/

Grupos de pesquisa
Informação na Sociedade Contemporânea (ISC/UFRN)
Estudos em práticas informacionais e cultura (EPIC/UFMG)

Comitê Editorial e Científico


Arthur Coelho Bezerra (IBICT) João Arlindo dos Santos Neto (UEL)
Diego Andres Salcedo (UFPE) Kênia Maia (UFRN)
Gabrielle Francinne de S. C. Tanus (UFRN) Luciana de Albuquerque Moreira (UFRN)
Hélio Márcio Pajeú (UFPE) Májory K. F. de Oliveira Miranda (UFPE)
Henriette Ferreira Gomes (UFBA) Maria Giovanna Guedes Farias (UFC)
Ilemar Christina Lansoni Wey Berti (UEL) Marianna Zattar (UFRJ)
Janicy Aparecida Pereira Rocha (UNIRIO) Monica M. Carvalho Gallotti (UFRN)
Jaqueline Souza (UFRN) Nancy Sánchez-Tarragó (UFRN)
Lia Vainer Schucman (UFSC) Carina Santiago dos Santos (UDESC)
Daniella Camara Pizarro (UDESC) Lourenço Cardoso (UNILAB)

Comitê de Avaliadores Ad Hoc


Leyde Klébia Rodrigues da Silva (UFBA) Edilson Targino de Melo Filho (UFPB)
Carina Santiago dos Santos (UDESC) Bruno Almeida (UFBA)
Dorys Liliana Henao (U. de A.) Samanta Coan (UFMG)
Daniella Camara Pizarro (UDESC) Carina Santiago dos Santos (UDESC)

Diagramação: Nathália Lima Romeiro; Franciéle Carneiro Garcês da Silva


Arte da Capa: Franciéle Carneiro Garcês da Silva
Revisão textual: Pedro Giovâni da Silva
Ficha Catalográfica: Priscila Fevrier - CRB 7-6678

P912
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas /
Gabrielle Francinne de S. C. Tanus; Janicy Aparecida Pereira Rocha; Ilemar
Christina Lansoni Wey Berti (Org.). - Florianópolis, SC: Rocha Gráfica e Editora,
2021. (Selo Nyota)
400 p.

Inclui Bibliografia.

Disponível em: https://www.nyota.com.br/.


ISBN 978-65-87264-54-7 (Impresso)
ISBN 978-65-87264-55-4 (E-book)

1. Ciência da Informação. 2. Práticas informacionais. 3. Ciências Humanas 4.


Ciências Sociais. I. Tanus, Gabrielle Francinne de S. C. (Org.). II. Rocha, Janicy
Aparecida Pereira. (Org.). III. Berti, Ilemar Christina Lansoni. (Org.). IV. Título.
ESSA OBRA É LICENCIADA POR UMA
LICENÇA CREATIVE COMMONS

Atribuição – Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil1

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de cada capítulo e às pessoas organizadoras da obra.

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Se você remixar, transformar ou criar a partir desta obra, tem de
distribuir as suas contribuições sob a mesma licença 2 que este
original.

1 Licença disponível em: https://goo.gl/rqWWG3. Acesso em: 01 jun. 2021.


2 Licença disponível em: https://goo.gl/Kdfiy6. Acesso em: 01 jun. 2021.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................. 9
Gabrielle Francinne de S. C. Tanus
Janicy Aparecida Pereira Rocha
Ilemar Christina Lansoni Wey Berti
PREFÁCIO ...................................................................................... 13
O CAMPO DE ESTUDOS DA INFORMAÇÃO E A TRANSVERSALIDADE
DO SEU OBJETO: DESAFIOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS PARA
ESTUDAR AS PRÁTICAS INFORMACIONAIS
Regina Maria Marteleto
PRÁTICAS INFORMACIONAIS E O VALOR DA EXPERIÊNCIA NA
FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO................................................... 21
Ilemar Christina Lansoni Wey Berti
A CATEGORIA DE COTIDIANO EM AGNES HELLER COMO
CONTRIBUTO PARA AS PESQUISAS EM PRÁTICAS INFORMACIONAIS
...................................................................................................... 39
Gabrielle Francinne de S. C. Tanus
PRÁTICAS INFORMACIONAIS E COGNIÇÃO DISTRIBUÍDA:
APROXIMAÇÕES TEÓRICAS E INSTRUMENTAIS ............................. 57
Janicy Aparecida Pereira Rocha
A CONTRIBUIÇÃO DA PERSPECTIVA PRAXIOLÓGICA PARA OS
ESTUDOS DE USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO .................................... 83
Carlos Alberto Ávila Araújo
PRÁTICAS INFORMACIONAIS, USUÁRIO E RALÉ ESTRUTURAL COMO
NÃO-PÚBLICO: PRAXIOLOGIAS RESTRITIVA OU RECEPTIVA .......... 97
Rodrigo Rabello
ABORDAGENS SOBRE O SUJEITO INFORMACIONAL E SUAS INTER-
RELAÇÕES COM A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO ........................ 119
Maira Cristina Grigoleto
Marta Leandro da Mata
Fernando Luiz Vechiato
PRÁTICAS INFORMACIONAIS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: A
INFORMAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOS SUJEITOS
INFORMACIONAIS ....................................................................... 137
Ruleandson do Carmo Cruz
PRÁTICAS NAS REDES SOCIAIS DA INTERNET: ENSAIO SOBRE
INFORMAÇÃO E GUERRA HÍBRIDA ............................................... 149
Ana Amélia Lage Martins
MODELO DE PRÁTICAS INFORMACIONAIS EM COMUNIDADES
DIGITAIS POR MARY ANN HARLAN .............................................. 179
Rafaela Pereira de Carvalho
Jefferson Veras Nunes
A FOTOGRAFIA CONECTADA E AS PRÁTICAS INFORMACIONAIS: UMA
PERSPECTIVA DA NECESSIDADE E O USO DA IMAGEM ................ 201
Claudiane Weber
Sueli Mara Soares Pinto Ferreira
CAMPO SOCIAL, HABITUS E VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NO ESTUDO DE
PRÁTICAS INFORMACIONAIS DE TRANSEXUAIS .......................... 217
Flávia Virgínia Melo Pinto
PRÁTICAS INFORMACIONAIS, CULTURAIS E COMUNICACIONAIS:
PERSPECTIVAS PARA A SOCIABILIDADE E A POLÍTICA
CONTEMPORÂNEAS .................................................................... 233
Marco Antônio de Almeida
CATEGORIA EMANCIPAÇÃO HUMANA SOB O VIÉS DA MEDIAÇÃO
CULTURAL DA INFORMAÇÃO E DAS PRÁTICAS INFORMACIONAIS
.................................................................................................... 265
Luciane de Fátima Beckman Cavalcante
Ana Cristina de Albuquerque
O PENSAMENTO DE BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS:
CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS, DA SOCIOLOGIA
DAS EMERGÊNCIAS E DO TRABALHO DE TRADUÇÃO ................... 289
Juliana Moreira Pinto
PARA SULEAR AS PRÁTICAS INFORMACIONAIS: CONTRIBUIÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS AMERÍNDIAS, AFRICANAS E AFRO-BRASILEIRAS
AO PROJETO DECOLONIAL .......................................................... 307
Juliana Maria de Siqueira
APRENDIZAGEM SITUADA E PRÁTICAS INFORMACIONAIS DOS
BIBLIOTECÁRIOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE: REFLEXÕES E DIÁLOGOS
.................................................................................................... 323
Dayanne da Silva Prudencio
PRÁTICAS INFORMACIONAIS E COMPETÊNCIA CRÍTICA EM
INFORMAÇÃO: POSSÍVEIS RELAÇÕES .......................................... 347
Renata Lira Furtado
Maria Ivone Maia da Costa
Felipe Cesár Almeida dos Santos
POSFÁCIO.................................................................................... 365
PRÁTICAS INFORMACIONAIS E CULTURA: UMA PROPOSTA
ORIGINAL DE PESQUISA
Carlos Alberto Ávila Araújo
SOBRE AS ORGANIZADORAS ....................................................... 385
SOBRE A PREFACIADORA ............................................................ 387
SOBRE O POSFACIADOR .............................................................. 389
SOBRE OS AUTORES E AUTORAS................................................. 391
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

APRESENTAÇÃO
Gabrielle Francinne de S. C. Tanus
Janicy Aparecida Pereira Rocha
Ilemar Christina Lansoni Wey Berti

As práticas informacionais apresentam, na sua base


constitutiva, um arcabouço conceitual, teórico e
metodológico marcado pela presença das Ciências Sociais e
Humanas. São as práticas informacionais uma das
manifestações da construção interdisciplinar e singular da
Biblioteconomia e da Ciência da Informação. Diante dessa
afirmação, este livro intitulado “Práticas informacionais em
diálogo com as Ciências Sociais e Humanas” tem como
objetivo demonstrar esse encontro fértil e potente a partir da
discussão de diversos autores e autoras que se localizam
dentro da área da Ciência da Informação. Por seu turno, as
práticas informacionais não se confundem com os “estudos
de usuários”, os quais possuem uma longa trajetória tributária
dos estudos de comunidade, passando pelos estudos de
comportamento informacional, notadamente, marcados
pelos paradigmas físicos e cognitivos conforme delineou
Rafael Capurro (2003). As práticas informacionais, ancoradas
na ‘abordagem social’, vêm assumindo um território próprio,
em um enlace cada vez mais forte com as Ciências Sociais e
Humanas, promovendo uma mudança epistemológica.
Destarte, tanto a Biblioteconomia quanto a Ciência da
Informação são também ‘campos científicos’1 localizados
dentro dessa classificação de Ciência Social, e, que, por sua
vez, também convocam inúmeros autores desta ciência para a
construção de seu pensamento (TANUS; AGUIAR, 2020). Mas,
afinal, o que significa dizer ser uma Ciência Social? Qual a

1 Sobre este conceito de campo científico ver: BOURDIEU, P. O campo

científico. In: ORTIZ, R. A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olhos


d´água, 2002. cap. 2, p. 112-143.

9
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

implicação do diálogo, em particular, das práticas


informacionais, com as Ciências Sociais e Humanas?
As Ciências Sociais e Humanas, diferentemente das
outras Ciências (Exatas, Naturais, Biológicas) não têm como
características centrais o consenso seja de leis, teorias ou
métodos; o compartilhamento de paradigmas estáveis e
acumuláveis, a construção do conhecimento a partir de
experiências empíricas, observáveis e verificáveis em
laboratórios, por exemplo.
Outro traço distintivo é a compreensão descritiva,
quantitativa e matemática dos fenômenos de um mundo que
é apresentado. Obviamente, aqui, acabamos por generalizar
e reduzir tais Ciências. Na verdade, não pretendemos nos
alongar nessa distinção, cabendo mais ressaltar o caráter
provisório do conhecimento científico advindo das Ciências
Sociais e Humanas que é construído por pessoas que
compõem a comunidade acadêmica inserida socialmente em
um tempo e espaço e que é influenciada por inúmeras redes
complexas de saberes e de poderes internos e externos.
As Ciências Sociais e Humanas investigam a sociedade e
o indivíduo, sendo colocadas lado a lado, por entendermos
que a divisão entre elas, Ciências Sociais, de um lado, e
Ciências Humanas, de outro, seria mais prejudicial do que
proveitosa para os estudos em Biblioteconomia e Ciência da
Informação. Nessa direção de multiplicidade, são as Ciências
Sociais e Humanas marcadas por uma miríade de “visões de
mundo”, “correntes de pensamento”, “escolas de
pensamento”, nomeadas por Michel Lallement (2004) de
‘ordenamento social’, ‘contradição do social’ e ‘construção do
social’. Ou como chama Randall Collins (2009), as “Quatro
tradições sociológicas”, são: teoria do conflito, teoria da
escolha racional ou utilitarista, teoria funcionalista ou
durkheimiana e a teoria do micro-interacionismo, sendo nesta
última o espaço de teorias que conferem centralidade aos
sujeitos para, a partir dele, discutir a construção social da
realidade. É com essa corrente de estudos que as práticas
informacionais encontram uma maior identificação para com
isso fazer convergir os estudos, notadamente, marcados pela

10
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

dimensão humana e social. E, como bem nos lembra o


pesquisador brasileiro Octavio Ianni (1991, p. 213), esta
realidade social está em constante movimento, formação e
transformação. Outra particularidade epistemológica é a
dimensão ontológica do sujeito, um ser social que exerce
papel central na dinâmica social que nos é também espaço
privilegiado de investigação.
Como bem sabemos, um traço distintivo das Ciências
Sociais é a diversidade de olhares para um mesmo conceito e
com o conceito de “práticas informacionais” não seria
diferente. Obviamente, há um traço distinto que faz
aproximar os discursos e que perpassa pela centralidade do
sujeito enquanto um ser social e histórico: a construção da
informação, esta vista como fenômeno social e humano,
fazendo, assim, emergir análises dos aspectos individuais e
sociais da compreensão da informação e da sua relação com
os sujeitos localizados em um espaço e tempo históricos. Falar
em práticas informacionais é também fazer convergir os
conceitos de cultura, de identidade, de cotidiano, da práxis, da
mediação, do protagonismo social, dentre outros. Implica
também discutir as ações informacionais a partir das práticas
imbricadas em diferentes “regimes de informação” e
contextos, inclusive os ambientes digitais, envolvendo as
tecnologias digitais de informação e comunicação.
Consideramos que a intenção deste livro de apresentar
a potência das pesquisas em práticas informacionais em
diálogo profícuo com as Ciências Sociais e Humanas pode
fortalecer ainda mais o que vem sendo feito por
pesquisadoras e pesquisadores da Biblioteconomia e Ciência
da Informação, bem como abrir mais caminhos para o
desenvolvimento de pesquisas alinhadas com as práticas
informacionais. Decerto, com elas não podemos mais
considerar as práticas como ações desprovidas de
intencionalidades, de marcas individuais e sociais, nem os
sujeitos como mero informantes das pesquisas ou usuários de
sistemas de informação. São eles, os protagonistas, os atores
sociais, os construtores dos múltiplos cenários informacionais
e sociais, ao lado dos pesquisadores e pesquisadoras que são

11
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

também sujeitos informacionais e construtores da realidade


informacional e social. As práticas informacionais, são,
portanto, manifestações das ‘práticas sociais' de uma
sociedade e que envolvem os processos sociais, econômicos,
políticos e institucionais que, em um movimento micro e
macro, nos possibilita investigar e compreender melhor as
práticas informacionais dos indivíduos nesse duplo
movimento do olhar do micro e do macro, com intensidades e
caminhos diferenciados a depender justamente das escolhas
dos pesquisadores e pesquisadoras da Biblioteconomia e da
Ciência da Informação.

REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. A sociologia de
Pierre Bourdieu. São Paulo: Olhos d´água, 2002. cap. 2, p. 112-143.
CAPURRO, R. Epistemología y ciencia de la información. In:
ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 5., 2003, Belo Horizonte. Anais[...] Belo
Horizonte: UFMG, 2003. Disponível em:
http://www.capurro.de/enancib.htm. Acesso em: 04 maio 2021.
COLLINS, R. Quatro tradições sociológicas. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.
IANNI, O. A crise de paradigmas na Sociologia. Revista Crítica de
Ciências Sociais, n. 32, p. 195-2015, jun. 1991.
LALLEMENT, M. História das ideias sociológicas. 2. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2004.
TANUS G. F. de S. C.; AGUIAR, A. I. S. de. A presença dos autores das
Ciências Sociais e Humanas no campo da Biblioteconomia e da
Ciência da Informação. Logeion: Filosofia da Informação, v. 6, n. 2,
p. 22-39, 24 mar. 2020.

12
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

PREFÁCIO

O CAMPO DE ESTUDOS DA INFORMAÇÃO E A


TRANSVERSALIDADE DO SEU OBJETO:
DESAFIOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
PARA ESTUDAR AS PRÁTICAS
INFORMACIONAIS
Regina Maria Marteleto

O campo de estudos da informação precisa construir


ampla abrangência teórica, metodológica e concreta para
alcançar a transversalidade do seu objeto de estudo. De
forma diferente de outros domínios das Ciências Sociais e
Humanas, nas quais se insere, ocupa-se de práticas
historicamente mediadas pelos saberes e suas materialidades
ao mesmo tempo sociais, técnicas, simbólicas e institucionais,
conforme apontam Jean Davallon ou Bernd Frohmann. Ao
mesmo tempo, busca reorientar o olhar investigativo
projetado historicamente para os "lugares de signos", como
nomeia Bruno Latour, seus usos e espacialidades, focados
numa pedagogia dos conhecimentos doutamente produzidos
ancorada na ação do Estado. Um olhar reconvertido, nos
últimos tempos, em direção aos fluxos informacionais
mediados pelos mercados econômicos e os novos dispositivos
da tecnociência.
Neste contexto, a pergunta que sustenta o ponto de
vista do observador no campo informacional é de como
colocar-se na posição de assumir um paradoxo que percorre
todas as Ciências Sociais e Humanas, mas que se agrava nas
ciências da comunicação e da informação, conforme lembra
Joelle Le Marec: de que forma mobilizar as práticas de
informação-comunicação sociais instrumentalizadas como
ferramentas de observação e coleta de dados, em benefício
da elaboração de um conhecimento sobre a dimensão
simbólica das práticas sociais? Um dilema que Pierre Bourdieu

13
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

já evocava com a ideia de reflexividade e a necessária


construção de um conhecimento praxiológico, quando o
observador projetaria para si próprio os instrumentos com os
quais estuda o universo social na direção da configuração de
conhecimentos que reúnem as diferentes dimensões das
práticas sociais.
Retornando às origens do conceito que orienta de
forma transversal a presente obra, uma consulta ao Dicionário
de Ciências Sociais, publicado pela Fundação Getúlio Vargas,
informa que etimologicamente a palavra prática (do grego
práxis, do verbo prasso, atuar), originalmente adjetivo de
práxis, significa toda atividade humana concreta, e tem por
antônimo o termo teoria, que exprime uma ausência de
atividade, isto é, uma abstração. Filosoficamente, o conceito
sofreu uma evolução importante. Ganhou uma dinâmica
conceitual própria, chegando mesmo a integrar os dois
opostos etimológicos em um só conceito. É o conceito de
práxis, que expressa uma unidade baseada na oposição
dialética de prática e teoria, conceitos epistemologicamente
presentes nas duas correntes mais importantes do
pensamento filosófico (idealismo e materialismo) por meio
das diversas respostas apresentadas para a questão
fundamental da origem do conhecimento humano.
No campo informacional, a passagem ou ultrapassagem
do conceito de uso e usuário para o de práticas
informacionais, conforme abordada por diferentes autoras e
autores desta obra coletânea, representa uma ruptura com
paradigmas focados nos espaços da cultura e seus modos de
funcionamento, mediação e apropriação, em direção a uma
visão mais crítica e interpretativa a respeito do que afinal os
atores sociais, em suas múltiplas representações e ações,
realizam com os produtos culturais e informacionais. Trata-se
do deslocamento do foco em uma informação-sistema para
uma informação em movimento que se realiza de forma mais
etérea nos fluxos das redes sociotécnicas. Um dos desafios
epistemológicos e metodológicos a serem enfrentados nessa
reconfiguração do objeto informacional é o surgimento de
novos termos para designar processos e práticas sociais de

14
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

informação e comunicação e suas novas ambientações, como


web 2.0, interatividade, virtualidade, além do uso pouco
interpretativo, sem substância teórica e histórica, de
conceitos clássicos das Ciências Sociais como redes sociais ou
interação, agora empregados no mais das vezes acriticamente
para designar as plataformas de comunicação na web.
Na conjuntura brasileira deste ano de 2021, publicar um
livro coletânea que reúne o trabalho de uma importante rede
de autores e autoras vinculados a diversas universidades do
país, em diferentes estágios de experiência acadêmica, é um
projeto renovador e fortalecedor do compromisso científico
e educativo com a pesquisa, que articula conceitos e métodos
das Ciências Sociais e Humanas no estudo das práticas de
informação e suas mediações, numa perspectiva
interdisciplinar, além da reunião de contribuições de leituras
do campo informacional em revisões da literatura em
amplitude internacional.
A obra, composta por dezessete capítulos, convoca
autores que têm se distinguido no estudo dos conceitos de
usos, usuários e práticas de informação, referências na
perspectiva epistemológica da revisão conceitual de teorias e
modelos das Ciências Sociais e Humanas aplicados à leitura
dos fenômenos informacionais. Porém a sua riqueza mais
evidente consiste em reunir diferentes abordagens das
práticas informacionais e sua rede conceitual, desde aquelas
mais diretamente teóricas, as quais convocam autores e
conceitos de outras disciplinas, até aquelas com foco mais
diretamente direcionado para objetos concretos, além de
abordagens das práticas da informação no universo digital.
Separamos desta forma os capítulos nestes três blocos de
abordagem a fim de realizar uma breve apresentação de cada
contribuição.
O capítulo de autoria de Ilemar Christina Lansoni Wey
Berti, que tem por título "Práticas informacionais e o valor da
experiência na formação do conhecimento" aborda, a partir
da obra de John Dewey, a experiência como ação educativa e
atitude de significação, compreensão e conhecimento, no
quadro da cultura como cultivo e apreciação das ideias, das

15
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

artes e dos aspectos mais gerais da experiência humana. Estes


contributos são aproximados aos da formulação de Reijo
Savolainen sobre os conceitos de usuário e práticas de
informação, de forma a ampliar o foco sobre as formas de
apropriação dos sentidos em sua ambientação diversa,
porque baseada nas experiências singulares dos indivíduos e
de suas partilhas com outros. A autora Gabrielle Francinne
Tanus, no capítulo " A categoria de cotidiano em Agnes Heller
como contributo para as pesquisas em práticas
informacionais", explora o ponto de vista da vida cotidiana
constituida pela linguagem, os objetos e os usos no contexto
de uma dada sociedade na perspectiva de Agnes Heller,
confrontando-o com a formulação teórica e aplicativa do
modelo de Reijo Savolainen para estudar a informação no
domínio da vida cotidiana, nomeado Everday Life Information
Seeking (ELIS), a partir da releitura do conceito de habitus em
Pierre Bourdieu. O capítulo "Práticas informacionais e
cognição distribuída: aproximações teóricas e instrumentais",
da autora Janicy Aparecida Pereira Rocha, aborda a "virada da
prática" (practice-turn) em Theodore Schatzki, como
movimento de teorias sociais para alcançar a compreensão
das práticas pelo entrelaçamento entre elementos humanos
e não humanos, abrindo caminho para a abordagem da
"cognição distribuída", desenvolvida pelo antropólogo
cognitivo Edwin Hutchins.
Ainda neste mesmo conjunto teórico, Carlos Alberto
Ávila Araújo, autor de "A contribuição da perspectiva
praxiológica para os estudos de usuários da informação",
explora a abordagem praxiológica de Louis Quéré, tomada de
empréstimo ao campo da comunicação, a fim de
redimensionar os estudos de usuários da informação, ponte
para refletir sobre as práticas da informação. O autor explora
esta abordagem comunicacional, a qual propõe a revisão do
modelo epistemológico-representacional-informacional
vigente no campo da comunicação, por uma perspectiva
"praxiológica" ou "constitutiva", pela qual a objetividade do
mundo, suas estruturas e a subjetividade dos atores sociais
não estão previamente dadas, mas se constituem

16
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

mutuamente, no decurso das ações. Esta exploração serve


como guia para a revisão dos parâmetros conceituais dos
modelos de estudos de usuários vigentes no campo
informacional. Luciane de Fátima Beckman Cavalcante e Ana
Cristina de Albuquerque, autoras do capítulo "Categoria
emancipação humana sob o viés da mediação cultural da
informação e das práticas informacionais" procuram resgatar
o sentido da categoria emancipação humana em sua
ambientação filosófica para então aprofundar a sua
compreensão e aplicação no pensamento de Paulo Freire. O
foco está na educação como processo libertador das classes
populares para a conquista de sua autonomia. Em um
segundo momento as autoras tratam das ideias de mediação
cultural da informação e de práticas informacionais, para
finalmente aproximar a categoria emancipação humana do
terreno das práticas e mediações da cultura e da informação.
Ainda neste conjunto as/o autoras/autor Renata Lira Furtado,
Maria Ivone Maia da Costa e Felipe César Almeida dos Santos,
no capítulo "Práticas informacionais e competência crítica em
informação: possíveis relações" buscam, por meio de uma
revisão da literatura sobre estes dois conceitos, aproximá-los
a partir de uma estrutura relacional contendo os seguintes
eixos: fundamentação teórica, objetivos, características. As
relações verificadas são as seguintes: aspectos teóricos,
demanda informacional, sujeito informacional e ações do
sujeito, as quais poderiam ser investidas em pesquisas
aproximando os dois domínios.
O capítulo "O pensamento de Boaventura de Sousa
Santos: contribuição da sociologia das ausências, da
sociologia das emergências e do trabalho de tradução", da
autora Juliana Moreira Pinto, busca discorrer sobre o
pensamento do sociólogo português Boaventura de Sousa
Santos, com o foco de abordagem dirigido para três
construtos de sua obra orientados pela mediação de
diferentes formas de saberes entre práticas e agentes: a
sociologia das ausências, a sociologia das emergências e o
trabalho de tradução. A autora sugere que esta abordagem
abre novas pistas para o pensamento sobre a informação e

17
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

suas práticas.
Outro bloco de capítulos abre caminhos para a
operacionalização de conceitos na forma de reflexões sobre
sujeitos e espaços, como o conceito de "não público"
abordado pelo bibliotecário Victor Flusser, inspirado em
Paulo Freire, quando questiona certas ausências de sujeitos
sociais em espaços institucionais, com foco nas bibliotecas
tradicionais e suas possíveis reinvenções, abordagem do
capítulo "Práticas informacionais, usuário e ralé estrutural
como não público: praxiologias restritiva ou receptiva", de
autoria de Rodrigo Rabello. Os sujeitos informacionais no
contexto da sociedade da informação, com inspiração em N.
Roberts, revisitando conceitos e modelos direcionados para a
projeção de ambientes informacionais digitais é objeto do
capítulo intitulado "Abordagens sobre o sujeito informacional
e seus entrelaçamentos com a sociedade da informação", de
Maira Cristina Grigileto, Marta Leandro da Matta e Fernando
Luiz Vechiato. A perspectiva das representações sociais para
a construção de identidades de sujeitos sociais fora das
ambientações mais tradicionais dos estudos da informação é
abordada no capítulo "Práticas informacionais e
representações sociais: a informação na construção da
identidade dos sujeitos informacionais", de Ruleandson
Carmo. Pierre Bourdieu, cujos conceitos associados à
sociologia da cultura e do conhecimento são empregados em
vários capítulos da coletânea, constitui o recurso teórico
principal empregado para jogar luz sobre as práticas
informacionais de pessoas transexuais, em "O uso dos
conceitos campo social, habitus e violência simbólica no
estudo de pessoas transexuais", de autoria de Flávia Virgínia
Melo Pinto. Outra contribuição que se insere neste conjunto
teórico-prático de reflexões em torno das práticas sociais e
culturais da informação é o capítulo "Para sulear as práticas
informacionais: contribuições epistemológicas ameríndias,
africanas e afro-brasileiras ao projeto decolonial", de Juliana
Maria de Siqueira, abordando uma temática presente de
forma recente, porém com força de premência no campo dos
estudos informacionais. Dayanne Prudencio, autora do

18
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

capítulo "Aprendizagem situada e práticas informacionais dos


bibliotecários de Ciências da saúde: reflexões e diálogos",
propõe um exercício reflexivo a respeito das práticas de
bibliotecários que atuam em bibliotecas do campo das
Ciências da saúde, constatando a ausência de formação
específica destes profissionais para atuarem em campo tão
complexo e multifacetado como o da saúde. O caminho
investigativo é guiado pela aproximação entre o conceito de
práticas informacionais e a teoria da aprendizagem situada,
na perspectiva de resgatar o valor dos conhecimentos
situados adquiridos na prática profissional.
Outro destaque do livro-coletânea são as abordagens
que procuram associar o pensamento sobre as práticas da
informação ao universo das mídias e dos dispositivos no meio
ambiente digital. Marco Antônio Almeida, estudioso das
mediações informacionais da cultura e orientado pela ideia de
tecnodiversidade, no capítulo "Práticas informacionais,
culturais e comunicacionais: perspectivas para a sociabilidade
e a política contemporâneas", evoca situações distintas para
refletir sobre as formas plurais de apropriação das
tecnologias da informação e da comunicação. A fim de refletir
sobre o atual momento infocomunicacional e os seus
desafios, revisita certas concepções das Ciências Sociais e
Humanas, principalmente em conceitos de Pierre Bourdieu.
No capítulo "Práticas nas redes sociais da internet: ensaio
sobre informação e guerra híbrida", Ana Amélia Martins
reflete a respeito do uso maciço e sistemático da informação
e comunicação pelos países centrais para promover guerras
indiretas em diferentes regiões do mundo, ampliando o poder
da informação para apoiar fins imperialistas. Apoiada em
ampla bibliografia, a autora ressalta as lógicas organizativas
das informações que se revelam notadamente nas assim
chamadas "redes sociais da internet", as quais precisam ser
pensadas no âmbito da geopolítica e das disputas pela
hegemonia no sistema capitalista global. Para tanto indica o
necessário repensar a respeito da determinação dialética
entre práticas informacionais e o contexto histórico-social.
Em outra vertente dos estudos ambientados no terreno

19
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

digital, Rafaela Pereira de Carvalho e Jefferson Veras Nunes,


no capítulo "Modelo de práticas informacionais em
comunidades digitais por Mary Ann Harlan" apresentam o
modelo teórico-metodológico desenvolvido pela
pesquisadora citada no título para o estudo das práticas
informacionais no meio digital, empregado em pesquisa de
mestrado. Antes disso, apresentam um quadro conceitual
sobre a noção de prática em Pierre Bourdieu e Anthony
Giddens. Após a apresentação de diferentes modelos para o
estudo das práticas informacionais ambientadas em
contextos socioculturais, desde Reijo Savolainen, os autores
apresentam o modelo concebido por Mary Ann Harlan
voltado à análise dos processos informacionais de
adolescentes criadores de conteúdo em comunidades
digitais. O capítulo "A fotografia conectada e as práticas
informacionais: uma perspectiva da necessidade e o uso da
imagem", das autoras Claudiane Weber e Sueli Mara Soares
Pinto Ferreira, aborda as práticas informacionais pelo ângulo
da "fotografia conectada" ou seja, o emprego que as pessoas
fazem das imagens fotográficas, no momento do seu uso
interativo e compartilhado nas mídias sociais digitais, o seu
contexto de uso e a presença de valores sociais como
visibilidade, reputação, popularidade e autoridade, dando
origem a um processo de hibridação, resultante da
sobreposição de fotografias e outros artefatos no meio
digital.
Se a pluralidade de teorias, métodos e objetos indicaria
uma certa dispersão no tratamento conceitual das práticas
informacionais, por outro sinaliza terrenos férteis para a
reflexão e o uso do conceito e sua rede de autorias, na busca
de demonstrar a relevância epistemológica e transversal da
questão informacional, apontando novas dimensões das
práticas sociais ao campo das disciplinas das Ciências Sociais e
Humanas.
Julho de 2021

20
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

PRÁTICAS INFORMACIONAIS E O VALOR DA


EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DO
CONHECIMENTO
Ilemar Christina Lansoni Wey Berti2

1 INTRODUÇÃO
O ano, 2020. O país, Brasil. O acontecimento, o
eminente contágio pelo vírus COVID-19 (SARS-CoV-2). As
recomendações, uso de máscaras, isolamento social e
higienização constante das mãos com água e sabão ou álcool
70%. Entre as experiências da Pandemia, o cuidado individual
que reverbera no social e as práticas coletivas que formam o
entendimento individual. Nesse contexto, a preservação da
vida, do trabalho, a divergência diante do risco do contágio, a
não aceitação dos fatos por parte da população e de
autoridades governamentais, não obstante as
recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para
evitar a proliferação do vírus, formam parte da experiência e
do conhecimento apreendido na ocorrência da Pandemia no
Brasil.
A experiência vivida pelos cidadãos brasileiros no
enfrentamento da Pandemia é exemplo de um
acontecimento que se estende em 2021, marcada por
conflitos individuais, culturais, econômicos e políticos. Como
cada cidadão vive na Pandemia da COVID-19 e segue as
recomendações de segurança sanitária, envolve
circunstâncias pessoais, coletivas e o conhecimento formado
na partilha da experiência humana. Nesse sentido, o exemplo
ajuda a compreender que estudos de práticas
informacionais são investigações sobre como se formam as
ações dos sujeitos envolvidos nas diferentes experiências

2Esse texto parte dos resultados da pesquisa que está sendo realizada no
estágio de Pós-doutorado. A autora agradece à CAPES (PNPD) e ao PPGCI-
UEL pelo incentivo e subsídio às suas pesquisas.

21
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

da vida, como se dá a formação do pensamento e do


conhecimento em uma determinada ocorrência.
Estudos de práticas informacionais são propostas de
pesquisas não diretamente sobre a ação, mas sobre como se
dá a sua formação, o que está por detrás da ação, uma
imbricação entre o indivíduo, o coletivo, a cultura, os hábitos,
os valores, os objetos e as circunstâncias. São pesquisas
desenvolvidas a partir de recortes da realidade, orientados
conforme os aspectos metodológicos escolhidos para
desenvolvimento do estudo, em virtude da impossibilidade
de não se ver tudo, nem de uma só vez as ocorrências da vida
em termos de pesquisa de cunho compreensivo. Sugere-se
como estratégia metodológica que o pesquisador se
embrenhe na experiência dos sujeitos envolvidos nas
ocorrências, decorrente da sua natureza pragmática, pois
apresenta certa complexidade e ampliação dos estudos de
usuários, porque tem em seu horizonte a busca pela
compreensão das ações dos sujeitos, não de forma
determinista, mas dialógica, construída no contexto e na
situação, presente em aspectos micro e macrossociológicos
que envolvem a contingência dos fatos.
Não são os sujeitos apenas intérpretes da realidade,
nem tão pouco livres das influências e consequências, nem
protagonistas solitários e heroicos, mas participantes de
fenômenos apreendidos nas interdependências associativas
entre humanos e coisas, sujeitos em um tempo e espaço.
Nesses aspectos, há perguntas subjacentes aos estudos de
práticas informacionais cujas respostas não são absolutas e
suficientes, pelo contrário, respondem ao momento do
sujeito na ação, mas que não são exclusivamente sobre ela,
pois têm como desafio fugir das simplificações casuísticas e
naturalizadas.
Para tanto, o esforço explicativo proposto aos estudos
de práticas informacionais deve ser de compreender a
formação do conhecimento numa perspectiva pragmática e
associativa. Como os sujeitos pensam do jeito que pensam?
Por que agem de uma determinada maneira? Nessa direção,
discute-se brevemente a teoria da experiência de John Dewey

22
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

em diálogo com autores da Ciência da informação, sendo um


caminho possível às pesquisas realizadas no campo dos
estudos de usuários de informação.

2 O VALOR DA “EXPERIÊNCIA” NA OBRA DE JOHN


DEWEY
Conhecido como pragmatista, John Dewey (1859 –
1952) filósofo e educador, valorizou na sua obra a formação
do ato de pensar a partir das experiências. Para ele, a
característica humana de escrever a vida pessoal e social,
acreditar no conhecimento acumulado pela humanidade,
produzir imageticamente possibilidades, desenvolver o
pensamento reflexivo e conhecer a realidade depende do
processo de significação ancorado na experiência.
A experiência para Dewey é uma ação educativa que
promove a aprendizagem, capacita os sujeitos para fazer suas
escolhas e organizar suas ações. Nas palavras de Dewey, “[...]
o estágio inicial do ato de pensar é a experiência” (DEWEY,
1979, p. 168). Para o filósofo é na experiência que os sujeitos
conhecem o mundo e formam o pensamento que os leva ao
conhecimento.
Influenciado pelos elementos básicos advindos das
teorias de Francis Bacon (1561–1626), John Loke (1632–1704)
e Rousseau (1712–1778) como a indução na teoria da ação, o
pragmatismo compreende a teoria da experiência humana e a
reação das ciências e da cultura em relação à formação do
conhecimento. Segundo Moreira (2002, p. 12), o pragmatismo
é uma corrente filosófica que se originou nos EUA no final do
Século XIX, cuja palavra vem do grego “Pragma” que,
etimologicamente, significa ação, influenciado pelo
pensamento contemporâneo de Charles Sander Peirce (1839–
1914), William Janes (1842–1910), Georg Mead (1863–1931),
conterrâneos de John Dewey.
Embora, consolidada como uma das teorias da formação
do conhecimento, em alguma medida se tem um
entendimento equivocado em torno do que seja o
pragmatismo, notado no senso comum, ligado ao objetivismo

23
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

e ao utilitarismo, que retira da ação pragmática as categorias


de reflexão, ponderação e imaginação, contestado pelos
pragmatistas que consideram tais categorias constitutivas do
pensamento humano a partir da experiência.
Para Dewey (1959, p. 18), a experiência é parte da
gênese do pensamento reflexivo que forma a ação “um ativo,
um prolongado e cuidadoso exame de toda crença ou espécie
hipotética de conhecimento, um exame efetuado à luz dos
argumentos que a apoiam e das conclusões a que chega”,
referindo-se aos desdobramentos da experiência dos
sujeitos.
Para o filósofo, o pensamento reflexivo “firma uma
crença em sólida base de evidência e raciocínio” e
dependente de “um esforço consciente e voluntário” que
passa pela observação da realidade na ordenação de
hipóteses, na ponderação da experiência, usadas para
construir inferências e chegar a conclusões provadas pelos
sujeitos que as adquirem de primeira mão, mediante às
exigências da experiência vivida, influindo diretamente de
modo significativo na ação (DEWEY, 1979, p. 391).
No livro “Como Pensamos”, Dewey (1959, p. 150)
considera sobre o conhecimento que “[...] nada é
verdadeiramente conhecido senão quando compreendido”, a
compreensão em Dewey dependente da experiência, para
que seja criado o significado, nesse sentido a experiência é a
arena em que se dá a construção da significação.
Em termos de pesquisa pragmática, o fato de aprender
a significação de algo, seja em um acontecimento, uma dada
situação ou por meio de algum conceito, significa observar o
que esses elementos têm a ver com outros elementos e como
se relacionam uns com os outros na circunstância do sujeito
envolvido na ação, como um método científico da própria
vida. A significação para Dewey é “[...] notar como opera ou
funciona, quais consequências traz, qual a sua causa e
possíveis aplicações” do qual a significação se dá no processo
de reflexão sobre uma determinada experiência que conduz a
ação (DEWEY, 1979, p. 142).

24
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

A experiência em Dewey é responsável pela capacidade


do sujeito de organizar seu conhecimento a partir da análise
dos fatos vivenciados, a capacidade de ideias anteriores e ligá-
los às novas situações para serem conduzidos coerentemente
em circunstâncias inaugurais, apresentando -se como um
hábito quase naturalizado.
Dewey (1974) nesse aspecto relaciona essa capacidade
à formação do sistema nervoso e sensorial que são
responsáveis por produzir a matéria do conhecer e do pensar
dos seres humanos. As tomadas de decisão, as escolhas e
pensamentos complexos que requerem ponderação.
Contudo, apesar das conclusões retiradas das
experiências, resultados inusitados poderão ocorrer,
podendo não se confirmar em fatos ulteriores, já que o
conhecimento não é garantia de acerto permanente, diante
das imprevisões associativas. Isso porque a experiência forma
o repertório, mas não garante a seguridade dos
acontecimentos e o sucesso nas decisões.
Na teoria pragmatista, Dewey destaca que o
conhecimento e o ato de conhecer não são formados por
camadas, junções de saberes, mas novas aprendizagens,
provocado inclusive em situações de frustação. Em Dewey
(1979, p. 14), cada experiência engendra as ideias que apoiam
novas ideias para as ações de forma operatória “[...] virtude da
qual os fatos presentes sugerem outros fatos. [...] de tal modo
que os induzam a crer no que é sugerido, com base numa
relação real nas próprias coisas, uma relação entre o que
sugere e o que é sugerido” (DEWEY, 1979, p. 21).
Dewey considera o conhecimento uma percepção das
conexões de um objeto, que o torna aplicável em dada
situação (DEWEY, 1979, p. 373). O que o autor chama atenção
para a experiência que leva ao exame da situação, de
equilíbrio e afetação. A experiência é a atividade da
significação associada ao contínuo que evoca as categorias já
conhecidas sobre o objeto, no caso das experiências
vivenciadas pelo sujeito da ação.
Nesse contexto, a ação observada por vezes nas práticas
dos sujeitos como um dos elementos que as formam e

25
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

materializam o pensar, seu aspecto ativo, sustentam-se na


experiência como a tentativa de alcançar o que se imagina ser
possível ter como resultado, ou seja, a significação que se
apresenta em termos de experimento, associada ao que o
sujeito compreende como conhecimento. A simples ação não
é tão pouco o conhecimento, pois não constitui a experiência,
a depender da criação psíquica do sujeito que imagina,
experimenta e age pelos meios em relação aos fins que lhe
são compreensíveis no tempo e espaço que lhes pertence.

3 A EXPERIÊNCIA E O CONHECIMENTO COMO


OPERADORES DAS PRÁTICAS INFORMACIONAIS
A construção do conhecimento, o nascimento das
formas de pensar consiste na relação ativa do sujeito com a
experiência no ambiente natural e social, envolve frustações,
releituras e revisão dos acontecimentos e situações de
sucesso, resultantes da experiência que o sujeito teve em
relação ao que ele produziu ou tentou produzir. (DEWEY,
1979, p. 301).
Nesse aspecto, a historicidade está sempre presente na
experiência, além do fator surpresa da produção pela
imaginação formada na ocorrência. O passado, o presente e o
novo sempre estão presentes na formação do conhecimento,
integrados para se perceber na realidade ao que melhor se
aplica. A ação produzida evoca o passado, apresenta-se no
presente pelo valor da experiência e se torna referência
instrumental do desejo e dos fins reconhecidos nas práticas
informacionais.
As práticas informacionais postas como o conhecimento
em ação é a amálgama da experiência construída pela
vivência, reconhecida em termos de conhecimento produzido
que modula a ação aplicada em desejo e que se projeta no
futuro em ideia do que se espera, uma antecipação. A
materialização do passado manifesta na ação que se projeta
no futuro, em um outro momento e que se refere ao
movimento de construção das variáveis de constatação, que
se dá na reelaboração de um jogo de vivências, necessidades

26
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

e desejos, validado por uma teia cultural exposta por hábitos


no âmbito coletivo.
É na experiência que se comprovam as hipóteses e dá
sentido as informações que são apropriadas, dando forma aos
significados “[...] se prova o valor dos conhecimentos ou
dados e das ideias, que em si mesmos eles são hipotéticos ou
provisórios” (DEWEY, 1979, p. 209). Para Dewey (1979, p. 83)
“o aumento ou enriquecimento do sentido ou significação da
experiência corresponde a mais aguda percepção das
conexões e das continuidades existentes no que estivermos
empreendendo”.
Ademais, no exercício de compreender a experiência
como parte da construção do conhecimento, não é incomum
a pergunta sobre como se dá a relação dos aspectos
individuais e biológicos na aprendizagem no que tange à
formação do pensamento. Para Dewey (1970, p. 113), “não
significam que a herança biológica e as diferenças individuais
inatas não tenham nenhuma importância”, mas que a forma
social para as pessoas não parece ser uma escolha, mas um
interveniente indissociável presente na experiência, já que
não se separa da realidade vivida pelos sujeitos “[...] são
moldadas e entram em vigor dentro dessa forma particular”.
A cultura nesse contexto é o que valida a experiência
como uma possibilidade aplicável e não o entendimento
individual, pois é dependente de reconhecimento, conforme
destaca o filósofo, cultura é [...] alguma coisa tratada, alguma
coisa amadurecida; opõe-se ao que é “bruto” ou “cru”, do
individual e biológico para o cultivo da apreciação das ideias,
da arte e dos interesses humanos mais gerais. Tendo em vista
que Dewey considera necessário “[...] descobrir e verificar os
efeitos de interações entre diferentes componentes de
diferentes seres humanos e diferentes costumes, regras,
tradições, instituições” (DEWEY, 1979, p. 132).
A vida para o filósofo, a forma como vivem os seres
humanos, suas ações e práticas, está associada a “ligar a causa
ao efeito, a atividade e a consequência”, numa relação de
método de tentativas de erro e acerto, conduzida pelas
experiências vividas que levam os sujeitos a observar algo

27
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

mais, pela análise do que existe entre uma coisa e outra.


Nesse sentido não se trata de considerar um sujeito passivo
na experiência, já que não há a possibilidade de existir uma
condição humana sem pensamento.
Tem-se nesse aspecto, se isso ocorrer, a colonização do
pensamento e da experiência do outro, que não é uma
condição contemplativa, mas uma condição subjugada de
acomodação do pensamento do outro “[...] se o ser vivo, que
está a adquirir experiência, participa intimamente das
atividades do mundo a que pertence [...]. Ele não pode ser a
contemplação ociosa de um espectador desinteressado”
(DEWEY, 1979, p. 374).
A experiência não é uma condição escolhida pelo
sujeito, ela é inerente à vida e à forma como se estabelecem
as categorias do pensamento humano presente nas relações.
Da mesma forma que a reflexão, ponderação e imaginação é
o anúncio do futuro que o pensamento forma dentro de uma
perspectiva do alcance da ação.
O pensamento reflexivo é o conhecimento que dirige a
ação. A investigação de práticas informacionais olha para a
ação como um indício da negociação interior, o índice da
significação que se dá no processo de reflexão sobre uma
determinada experiência que conduz a ação. A experiência é
a própria vida e o pensamento é o pós-experiência dentro de
um contínuo temporal, que poderá ser imediato ou evocado
tempos depois, sempre posterior à vivência que leva à
previsão das consequências, à capacidade de evitar um fato
ou a impulsionar a nova ação.
A ação nesse sentido é formada pelo pensamento
reflexivo, não são controláveis, pois não é o descolamento da
relação com a experiência, já que não pode ser detida. Mesmo
que se queira ignorar e até se ignore, Dewey destaca que a
memória recorre à ação anterior e permite criar as hipóteses
e dirigir a intencionalidade, nas palavras do pragmatista “[...]
a observação e o controle deliberado daquilo que se faz para
se tornar aquilo que nos acontece” (DEWEY, 1979, p. 152).
Em larga medida, Dewey destaca que a reflexão
acontece por meio da comunicação nas suas mais diferentes

28
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

formas, não apenas com palavras escritas ou orais, mas como


“[...] gestos, figuras, movimentos, imagens visuais,
movimentos dos dedos – tudo que seja empregado
intencional e artificialmente como um sinal” (DEWEY, 1979, p.
228) que se renova a existência física e pela “[...] crenças,
ideais, esperanças, venturas, sofrimentos e hábitos” (DEWEY,
1979, p. 4).
Nesse aspecto, a reflexão, o conhecimento que se forma
pela construção do sentido, se dá segundo Dewey (1979, p.
83) pelo “aumento ou enriquecimento do sentido ou
significação da experiência ao corresponder a mais aguda
percepção das conexões e das continuidades existentes no
que estivermos empreendendo”.
Os sujeitos, como destaca Dewey, no seu livro
“Experiência e Educação” (1979, p. 46) apresentam um tipo de
pensamento reconhecido no “cidadão comum” que acha não
estar sendo controlado pelos valores sociais e que não vê
limitação na sua liberdade pessoal de escolha. Nesse enfoque,
a consciência do homem fica prejudicada para fazer a leitura
ideal do mundo real, fazendo-se necessária a percepção das
relações técnicas, intelectuais e sociais encerradas naquilo
que está sendo feito por eles, até para se evitar o pensamento
formado por “[...] procedimentos monísticos, globais,
absolutistas é uma traição à liberdade humana, seja lá qual for
o disfarce com que se apresente” (DEWEY, 1970, p. 261).
Para Dewey (1979, p. 25), os sujeitos não podem
renunciar à sua capacidade reflexiva, ignorar a potência do
pensamento reflexivo, nem ignorar os intervenientes sociais,
sendo essa uma atitude de “[...] preguiça mental, frouxidão ou
por impaciência de chegar ao fim”. Segundo o autor, para que
o pensamento elaborado dos sujeitos se torne minimamente
autônomo, influindo nas suas decisões reflexivas, precisam
estar dispostos a fazer uma “[...] investigação perfeita, na qual
nenhuma ideia se aceite, nenhuma crença se afirme
positivamente, sem que lhes tenham descoberto as razões e
justificativas.”
A teoria da experiência na produção do pensamento
reflexivo valoriza a cautela, a operação da observação da

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

realidade não prevendo uma neutralidade, mas a capacidade


de concatenar e refletir para escolhas conscientes “[...]
transmitir a objetos e acontecimentos da vida, significações
originalmente adquiridas por exame meditado e, por
conseguinte, não há limites para o desenvolvimento contínuo
do significado na vida humana” (DEWEY, 1970, p. 30).
Dewey destaca que não há argumento suficiente para
afirmar que o conhecimento comum dos homens não seja um
conhecimento elaborado. Segundo Dewey (1959, p. 47), este
tipo de conhecimento é “[...] antes, resultante de desejos do
que de estudo intelectual, pesquisa ou especulação”. Pois a
depender da atitude científica de reflexão só resta com as
pessoas deixadas a si mesmas, os palpites se fazem opiniões
e as opiniões, dogmas” (DEWEY, 1970, p. 232). Para Dewey, as
experiências levam ao conhecimento, e a reflexão é
fortemente conduzida pelo desejo, vinculada à
intencionalidade dos sujeitos.

4 PRÁTICAS INFORMACIONAIS PELA GÊNESE DA


EXPERIÊNCIA
Reijo Savolainen da Universidade de Tampere, na
Finlândia, em 1995, foi quem primeiro discutiu a abordagem
social dos estudos de usuários adotando o conceito de
práticas informacionais na Ciência da Informação. O autor
destacou nas suas pesquisas a centralidade da dimensão
social da informação ao propor uma maneira de compreender
as ações dos sujeitos no cotidiano, a partir das suas
experiências. Para o autor, o “modo de vida” tem como
concepção o modo como os sujeitos resolvem os seus
problemas, vinculando-os aos aspectos construtivos do
conhecimento, uma imbricação de uma unidade individual e a
construção social, que só é compreensível com a aproximação
situacional, contextual, permeada de pessoalidades.
Savolainen (1995), recorre ao conceito de habitus de Pierre
Bourdieu (1984, p. 170-175) para destacar a dimensão da
naturalização das práticas cotidianas incorporadas pelos
indivíduos por meio de normas, expectativas sociais e das

30
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

experiências vividas. Conforme Bourdieu, o habitus é um


sistema de pensamento social, culturalmente determinado.
Na constatação de Savolainen, os fatores socioculturais,
vistos como determinantes das ações dos indivíduos que
partilham atitudes convencionadas, entendidas como a
“ordem das coisas”, advindas de uma tipificação social e de
uma linguagem compartilhada, são intervenientes nas
interações dos sujeitos com a informação advindas da
experiência.
Em suas referências, Savolainen (1995) elucida a
perspectiva social ao relacionar a “ordem das coisas” ao modo
como os sujeitos informacionais solucionam seus problemas,
diferenciando a busca e o uso da informação em condições
específicas de situações corriqueiras. Para o autor, as
situações corriqueiras ou do cotidiano são resolvidas com
base nas interações dos sujeitos, de maneira que as
experiências de vida são a centralidade da formação das
práticas informacionais. Embora os modelos cognitivos levem
em consideração fatores sociais, desconsideram o contínuo
das situações vividas pelos sujeitos que buscam em suas
vivências um universo de opções para direcionar suas ações,
formadas com base na cultura que estrutura suas escolhas.
Para o autor, as práticas informacionais estão vinculadas
à formação de um sujeito interativo e em construção
permanente que se dá por uma relação de elementos
heterogêneos que cooperam entre si. Sem atribuir uma
ordem de importância aos constituintes dessa relação, os
valores que direcionam suas escolhas são os mesmos
ensinados a esse sujeito, sobre como funciona o mundo, o
qual atribui a este conhecimento, categorias inscritas em
enquadramentos sociais. Nesse sentido, as práticas
informacionais caracterizam-se como sendo uma das formas
de olhar para os sujeitos, um modo de se compreender os
atores sociais e suas relações informacionais que incluem
percepções, escolhas e apropriações da própria experiência.
A compreensão das práticas informacionais dos sujeitos
apresentada por Savolainen (1995) foi baseada em uma
pesquisa empírica realizada com dois grupos, um formado por

31
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

professores e outro por trabalhadores com escolaridade


inferior e carga horária de trabalho superior, além de
limitações no tempo de lazer em relação ao primeiro grupo. O
autor constatou que os grupos se distinguiram
qualitativamente quanto à percepção e à limitação na
apropriação da informação. Para Savolainen, alguns
elementos sociais presentes na relação cotidiana dos sujeitos
da pesquisa, entre eles os recursos materiais, referente à
classe social e o capital cultural que possuem, conformavam
as possibilidades que os sujeitos tinham de acionar esses
recursos e as formas e possibilidade de experimentação e
vivência, além do capital cognitivo também amplamente
influenciado, referente ao conhecimento já apropriado,
ligado à forma como o sujeito pensa o mundo.
A realidade social é composta por aspectos objetivos e
subjetivos, interiorizada no processo contínuo da experiência
humana que constitui o social. Nesse aspecto, quanto ao
contexto informacional, a informação recebe do sujeito um
status decorrente de um conhecimento prévio construído e
apropriado intersubjetivamente, ou seja, para que uma
determinada informação serve. Nesse sentido, observa-se a
desnaturalização das ações dos sujeitos, desfazendo-se da
ideia de elementos desconectados, que colocam a informação
e os sujeitos separados. Os sujeitos não são simples
intérpretes das representações do mundo que os compõem,
atribuindo supostamente ao homem a condição de
consumidor do social, ou seja, do mundo informacional,
entendido como pronto, acabado, que está à disposição e
independe da sua ação.
Em conformidade com as investigações de Savolainen
(1995), Araújo (2012) e um conjunto de outros autores da CI,
indicam que as práticas informacionais não podem ser
baseadas na explicação unicamente racional e abstrata de
conformação das necessidades, busca e uso da informação,
mas da gênese da experiência cujas construções
intersubjetivas, embasam as relações informacionais dos
sujeitos. Nesse aspecto, o conceito de práticas informacionais
evoca os conceitos de interação e cultura para compreensão

32
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

das ações dos sujeitos, referente tanto às suas escolhas


informacionais, quanto ao seu valor e significação que se dá
no interior das experiências de vida.
As práticas informacionais são conformadas nas ações
dos sujeitos, influenciadas por processos conscientes e
inconscientes, que perpassam as interações sociais, em que
pessoas e informação, embora diferentes e independentes,
constituem-se em uma relação de reciprocidade no campo
dos significados. Com essa compreensão, o conceito de
cultura ocupa um lugar importante na discussão, de modo que
se consideram os valores dados à informação pelos sujeitos,
baseados nas atribuições construídas no contexto, bem como
sedimentadas pelos valores socialmente construídos (BERTI;
ARAÚJO, 2017). Em corroboração Geertz (1989) defende o
conceito de cultura antropológico, considerando que ao
mesmo tempo que os sujeitos recorrem aos significados para
compreensão do mundo, contribui para produzi-los e reforçá-
los.
Nesse sentido, os estudos de práticas informacionais
ancorados na perspectiva social, têm se consolidado a partir
das críticas atribuídas aos aspectos do comportamento
informacional, vinculado às características individuais dos
sujeitos, restringindo-se ao indivíduo interpretativo. A
compreensão pragmática da constituição do social tem
reforçado que o sujeito é atuante permanente no processo de
significação da informação, construído pela experiência que
conduz suas ações pela intencionalidade. O sujeito da
pragmática é ativo e produtor de informação e de
conhecimento, se distanciando de um usuário passivo e
consumidor de uma informação de sentido único,
frequentemente encontrado nas abordagens tradicional e
cognitiva.
De acordo com Dewey (1979, p. 92) na teoria da
experiência, quando um sujeito se encontra passivo, tais
atitudes ocorrem por parte de um indivíduo isolado no
interior de um grupo social, gerando por consequência “[...] a
rigidez e a institucionalização formal da vida, e os ideais
estáticos e egoístas” do ser humano. Não é uma condição

33
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

estimulante e propícia à formação das possibilidades de


análise da realidade, a qual, por ser restritiva, o próprio
sujeito está renunciando à sua vida ativa e à capacidade de
reflexão que envolve a condição inerentemente humana de
interação social, que se associa à formação do pensamento
humano, à racionalização das ações, compreendidas como
conhecimento.
No campo científico, as primeiras pesquisas com
abordagens integrativas, associativas, surgiram no Século XX,
momento em que passaram a compreender tanto a
sociedade, como os sujeitos, constituídos por categorias mais
complexas, diferenciando-se dos paradigmas anteriores,
fortemente ancorados no cognitivismo. O paradigma
científico integrativo inclui o aspecto fenomenológico nos
quais as categorias intervenientes consideram a negociação
interior e pública dos sujeitos, quanto aos valores sociais e à
intencionalidade que os envolvem nas ocorrências cotidianas
(LATOUR, 2012). Nesse sentido, ao tratar de práticas
informacionais, os limites não são absolutos e rígidos entre as
abordagens, mas um exercício proposto conforme ao que a
investigação pretende alcançar e responder.
Na perspectiva social, presente nas investigações de
práticas informacionais, ao contrário de dicotomias entre
cognitivo X interação, emerge nas ações a complementação
de ideias em patamares de complexidade. A interação
presente na formação do conhecimento se apresenta como
“ação recíproca”, que põe em relevo o fato de uma ação ou
influência exercida por algo ser também afetada por esse algo
em vários segmentos da vida humana. Numa abordagem
interacionista e pragmática, o sujeito não é totalmente
determinado pelo contexto em que está inserido, “nem é
totalmente isolado ou alheio a ele; a determinação que o
contexto exerce existe, é real, mas não é mecânica nem
absoluta, é interpretada e alterada pelo sujeito” (ARAÚJO,
2012, p. 149).
Na concepção das práticas informacionais, a informação
e a formação do conhecimento são entendidas a partir das
relações de construção interpretativa, associativa e

34
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

integrativa, conforme as experiências pessoais de cada


indivíduo, e das significações atribuídas a partir da dimensão
intersubjetiva, baseadas nas interações múltiplas, próprias
dos seres humanos. À medida que as informações provocam a
ação mental do indivíduo e passam a ser aplicadas em
situações do cotidiano, reforçam o arsenal cultural
institucionalizado por meio do funcionamento sócio-
histórico, como defende Marteleto (1995). Como ocorrem as
relações e interações dos sujeitos, como a metáfora da teia
proposta por Geertz (1989), a questão informacional é um
emaranhado de pontos que formam uma substância e se
sustenta a partir das ligações que fazem, como prevê a
perspectiva pragmática, que se liga a situações peculiares,
podendo assumir outros sentidos em outros pontos,
concebendo novos conhecimentos.
Em corroboração, Latour (2012) aborda o entendimento
das relações associativas à construção do conhecimento; para
o autor, a ideia de uma entidade social pronta e acabada,
desloca erroneamente o conceito de informação, impedindo,
por vezes, a compreensão de sua natureza pragmática e da
virtualidade da mudança constante. Da mesma forma, é um
equívoco conceber a construção do conhecimento como
peças justapostas, que não consideram a reflexão, a
ponderação e a imaginação, condições que se dão tanto no
âmbito individual, quanto no social em uma atividade
simbiótica.
Para Dewey, a interação dos sujeitos que formam as
práticas informacionais é o diálogo constante da consciência
e da vida pública dos sujeitos, vivido no meio social, o que ele
chama de transação. O termo remete a uma negociação dos
sujeitos à adaptação e ajustamento, na intenção de
transformar o meio natural, social e cultural. Dessa forma, na
negociação entendida por Dewey como uma necessidade
para ajustar a realidade, os sujeitos estão, eles próprios,
suscetíveis a sofrerem alteração. Dewey entende que a
dinâmica de interação e cooperação consiste na experiência
dos sujeitos, sendo que o meio ou a situação é qualquer
condição que interage com as necessidades pessoais, desejos,

35
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

objetivos e capacidades à criação da experiência, ou seja,


ligadas às condições objetivas e internas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitas são as experiências dos sujeitos, por exemplo, no
contexto da Pandemia. Cada qual guiado por um conjunto de
valores que os identificam a determinados grupos sociais e
formas de pensar. Contudo, ao mesmo tempo que os sujeitos
e os grupos se constituem de múltiplas formas, ligam-se e
desligam-se a tantos outros fatores, como econômicos,
culturais e pessoais, com desdobramentos como: o tipo de
trabalho que exercem, se tem ou não religião, partido político
e o atual estado de saúde. Essas são particularidades
consideradas em pesquisas sobre fenômenos informacionais,
envolvem processos sociais, cognitivos e comunicacionais que
precisam ser levados em conta para se compreender os
valores que formaram a ideia por detrás das ações dos
sujeitos. São configurações que se atravessam e se
apresentam em práticas, meios, recursos e linguagens em
uma expansão indefinida para determinados fins.
Busca-se compreender os sujeitos, suas interações e
negociações reflexivas no processo de significação da
informação por meio das investigações de práticas
informacionais – desenvolvidas pela abordagem social,
envolvendo um movimento de construção de valor que se liga
na ordem da antecipação, ação e proposição em um
continuum. Nessa acepção, a discussão sobre o valor da
experiência à formação do conhecimento, teve como objetivo
destacar a necessidade de aproximação dos sujeitos
envolvidos nas pesquisas para o exercício analítico das
práticas informacionais, procurando o valor das ações, nas
vivências, nas contradições e nos elementos que os motivam
a agir de uma determinada maneira. Para tanto, faz-se
necessário se embrenhar em aspectos transversais da vida
cotidiana e das ocorrências presentes nos fatos das
investigações.

36
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, C. A. Á. Paradigma social nos estudos de usuários da


informação: abordagem interacionista. Informação & Sociedade:
Estudos, João Pessoa, v. 22, n. 1, p. 145-159, jan./abr. 2012.
BERTI, I. C. L. W; ARAÚJO, C. A. Á. Estudos de usuários e práticas
informacionais: do que estamos falando? Informação &
Informação, Londrina, v. 22, n. 2, p. 389-401, maio/ago. 2017.
BOURDIEU, P. Distinction: a social critique of the judgement of
taste. London: Routledge, 1984.
DEWEY, J. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes,
2010.
DEWEY, J. Experiência e Educação. São Paulo: Cia. Ed. Nacional,
1979.
DEWEY, J. Experiência e Método Filosófico. In: DEWEY, John.
Experiência e Natureza. São Paulo: Abril, 1974.
DEWEY, J. Como pensamos: como se relaciona o pensamento
reflexivo com o processo educativo (uma reexposição). São Paulo:
Nacional, 1959.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar,
1989.
LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do
ator-rede. Salvador: EDUFBA; Bauru: EDUSC, 2012.
MARTELETO, R. M. Cultura informacional: construindo o objeto
informação pelo emprego dos conceitos de imaginário, instituição
e campo social. Ciência da Informação, Brasília, v. 24, n. 1, 1995.
MOREIRA, Carlos. O. F. Entre o indivíduo e a sociedade: um
estudo da filosofia da educação de John Dewey. Bragança Paulista:
EDUSF, 2002.
SAVOLAINEN, Reijo. Everyday life information seeking
approaching information seeking in the context of “way of life”.
Library & Information Science Research, Norwood, NJ, v. 17, n. 3,
p. 259-294, 1995.

37
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

38
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

A CATEGORIA DE COTIDIANO EM AGNES


HELLER COMO CONTRIBUTO PARA AS
PESQUISAS EM PRÁTICAS INFORMACIONAIS
Gabrielle Francinne de S. C. Tanus

1 AS PRÁTICAS INFORMACIONAIS EM DIREÇÃO AO


COTIDIANO
As pesquisas que se voltam para os usuários têm três
distintas abordagens comumente conhecidas: a tradicional, a
alternativa e a sociocultural. Sobre essa trajetória, há uma
diversidade de publicações que visam recuperar esse
desenvolvimento antes fortemente marcado pela
centralidade atribuída aos sistemas, depois aos usuários, e
mais, recentemente, aos indivíduos em um duplo movimento
de compreensão como sujeitos informacionais estruturantes
e que estruturam a sociedade. Os modelos esquemáticos,
divididos em fases, possibilitam um agrupamento a partir da
centralidade das características que se sobressaem em cada
um dos distintos momentos, os quais podem ainda ser
relacionados com os paradigmas da Ciência da Informação
(ARAÚJO, 2010; TANUS, 2014). Essas sínteses trazem, por seu
turno, uma visualização didática e panorâmica de um processo
complexo e o próprio desenvolvimento das pesquisas
localizadas dentro do que, no Brasil, convencionou-se chamar
de “Estudos de usuários da informação”.
Dado nosso enfoque, concentraremos nosso texto,
nesse último momento, no “paradigma social”, em que se
localizam as pesquisas sobre “práticas informacionais”. Como
já dito, apesar da possível interpretação de substituição de
uma abordagem pela outra é válido destacar que elas
coexistem, a depender do problema e do objetivo da pesquisa
proposto pelo(a) pesquisador(a). Interessa-nos olhar para os
sujeitos como “seres sociais” que constroem a vida social,
afastando-nos das concepções de naturalidade, isolamento e

39
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

autonomia irrestrita. Como bem posto por Marilena Chauí, a


vida social é resultado da ação humana, em que coexistem os

[...] seres humanos em conformidade com


símbolos, práticas, crenças, costumes,
valores, regras, normas e leis que definem
a identidade de cada um dos participantes
da relação, definindo as maneiras como se
relacionam e o sentido que conferem às
suas ações recíprocas (CHAUÍ, 2013, p. 11).

É esse duplo movimento que nos interessa, ao


investigar as práticas informacionais:

[...] constitui-se num movimento constante


de capturar as disposições sociais,
coletivas (os significados socialmente
partilhados do que é informação, do que é
sentir necessidade de informação, de
quais são as fontes ou recursos
adequados) e também as elaborações e
perspectivas individuais de como se
relacionar com a informação (a aceitação
ou não das regras sociais, a negociação das
necessidades de informação, o
reconhecimento de uma ou outra fonte de
informação como legítima, correta, atual),
num permanente tensionamento entre as
duas dimensões, percebendo como uma
constitui a outra e vice-versa (ARAÚJO,
2017, p. 21).

Decerto, o envolvimento com as diversas correntes,


escolas e modelos teóricos advindos das Ciências Sociais e
Humanas potencializam o diálogo, o olhar integrativo e
compreensivo das pesquisas sobre práticas informacionais.
São os diversos conceitos e as teorias advindos, em particular,
da Sociologia, da Antropologia e da Filosofia, que conformam
e redirecionam os “estudos de usuários” no caminho das
práticas informacionais vistas como ‘práticas sociais’

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

(MARTELETO, 1995, SAVOLAINEN, 2007). Por seu turno,


compreendemos a prática social como manifestação de uma
determinada sociedade que é construída pelos sujeitos
sociais, sendo vista como uma macro instância (estrutura
social) que produz de forma consciente e inconsciente, as
práticas informacionais que se localizam dentro dessa
realidade marcada por processos sociais, culturais,
econômicos, políticos, ideológicos e de poder.
Assim, as práticas informacionais são também práticas
sociais que podem ser investigadas a partir da “teoria da
prática” de Pierre Bourdieu, que buscou superar as
dicotomias entre a macrossociologia de um lado, e a
microssociologia3, do outro lado, estabelecendo um novo
olhar para compreender a sociedade e os indivíduos de modo
relacionado, integrado e processual. A “Sociologia relacional”
tem como um dos principais representantes dessa superação
dicotômica o sociólogo Pierre Bourdieu que discute de
maneira holística sobre as relações objetivas versus
subjetivas, coletivo versus indivíduo, externacionalização
versus internacionalização, agência versus estrutura, fazendo
confluir as "estruturas objetivadas" e as "estruturas
incorporadas" em uma "filosofia da ação", uma "teoria da
prática” (BOURDIEU, 2000).
A ação não é vista como uma prática descolada da malha
da sociedade, e nem a prática deve ser vista como uma ação
despretensiosa ou mero ato de fazer algo. O agente social, em
processo de interação com outros agentes, produz e resulta
efeitos de força e de poder, que por sua vez, estão vinculados
aos espaços e às condições sociais, materiais e de acumulação

3A compreensão da sociedade a partir das estruturas, das coletividades é a


tônica da macrossociologia, que tem como exemplos as seguintes escolas
de pensamento, o marxismo, o estruturalismo, o culturalismo. A
microssociologia, parte das ações individuais dos sujeitos e das interações
subjetivas para compreender a sociedade, como fizeram o interacionismo,
a fenomenologia e a etnometodologia, marcando a vertente nomeada de
“construção do social” que pode ser percebida na literatura da
Biblioteconomia (TANUS, 2016).

41
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de capital econômico, cultural ou simbólico. Renato Ortiz


(2002, p. 155) deixa claro que com Bourdieu:

A ação não pode ser mais considerada


como simples execução, mas é o núcleo de
significação do mundo, pois nesta
concepção, a sociedade não existe
enquanto totalidade, mas como
intersubjetividade, cuja origem encontra-
se na manifestação do sujeito.

Essas ações intersubjetivas se ligam a outro conceito


essencial é o de habitus que se funda em um duplo movimento
individual e social, conformando um enfoque praxiológico. A
internacionalização subjetiva se faz a partir de um mundo
objetivo, isto é, de disposições estruturadas e estruturantes
que organizam as formas como os agentes percebem e
reproduzem o mundo social. O modo de agir, sentir, pensar
dos indivíduos estão relacionados com a incorporação do
capital cultural, que se vincula a estrutura social onde os
agentes sociais se localizam e realizam suas práticas distintas
e distintivas (BOURDIEU, 1996). É nessa direção relacional
entre o indivíduo e a sociedade que se localizam as pesquisas
sobre práticas informacionais, claramente, influenciadas, pela
praxiologia de Pierre Bourdieu.
Um dos expoentes é Reijo Savolainen (1995), que criou
um modelo para estudar a informação no domínio da vida
cotidiana, nomeado de Everday Life Information Seeking
(ELIS), isto a partir de uma leitura bourdieusiana, fortemente,
ancorada no conceito de habitus. Savolainen (1995) mobiliza
uma crítica quanto aos estudos de “comportamento
informacional”, e à escola behaviorista, que influenciou uma
diversidade de estudos de usuários nos campos da
Biblioteconomia e da Ciência da Informação. O autor deixa
claro que, embora os conceitos de comportamento e de
práticas possam se relacionar, eles também se afastam
drasticamente, a começar pelo poder de nomear e pela via da
discussão teórica e, tendo em vista, o ponto de vista do

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

cognitivismo, do primeiro, em contraposição ao do


construtivismo social, do segundo (SAVOLAINEN, 2007).
Os estudos sobre práticas informacionais vêm se
conformando, portanto, como outro modo de fazer as
pesquisas que visam compreender dos sujeitos em seu
cotidiano e suas relações tecidas com o mundo, em que a
informação é um dos fenômenos de interesse nessa
complexidade que é a vida em sociedade. As práticas vão ao
encontro analítico de perceber as estruturas sociais nas ações
dos sujeitos na vida cotidiana. Vários são os autores e as
autoras que compartilham das pesquisas sobre práticas
informacionais, como: Pamela J. Mckenzie, Tami Oliphant,
Sanna Talja, Alison Yeoman, Bryan Kalms, Jenna Hartel, Mary
Cavanagh, entre outros. No Brasil, tais pesquisas em práticas
informacionais passaram a assumir um espaço maior mais
recentemente, isto é, na última década, em particular, nos
Programas de Pós-graduação em Ciência da Informação. Em
síntese, percebemos um deslocamento teórico e conceitual
que vem sendo realizado nos estudos das práticas
informacionais e uma forte influência das Ciências Sociais e
Humanas nas pesquisas tanto no âmbito internacional quanto
no nacional.
Dentre os conceitos que estão sendo rediscutidos a
partir do olhar das práticas informacionais estão os de
usuário/sujeito, contexto, informação, conhecimento,
cultura, imaginação e sociabilidade (ROCHA; GANDRA, 2018;
ARAÚJO, 2015). É, preciso, portanto, compreender essa
“virada” realizada para que não caiamos em anacronismo de
conceitos nas pesquisas de práticas informacionais.
Colocamos luz, em particular, em um dos conceitos caros das
Ciências Sociais e Humanas, que é o de cotidiano, o qual está
intimamente relacionado à “Sociologia do cotidiano”.
Segundo Pais (1986), não se deve entender o quotidiano do
senso comum como sendo algo trivial ou o que se sucede
habitualmente, com a rotina, aproximando-se de uma certa
banalidade e monotonia. Nas análises acerca do cotidiano
caberia para além de uma certa rotina, perceber o
extraordinário, o excepcional, a aventura, o inesperado, o

43
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sonho dentro de uma possível rotina da vida cotidiana (PAIS,


1986).
O conceito teórico do cotidiano pode ser o fio condutor
da compreensão do conhecimento na/da sociedade. Nessa
direção, o cotidiano é um lugar privilegiado da análise
sociológica na medida em que é um lugar revelador, por
excelência, de determinados processos do funcionamento e
da transformação das sociedades e de determinados conflitos
que opõem os agentes sociais (PAIS, 1986, p. 8). A
constituição de uma sociologia da vida cotidiana impõe que o
seu objeto ultrapasse a ordem das trivialidades, de tal forma
que seja possível compreender a vida social em seus múltiplos
aspectos (PAIS, 1986, p. 17). O desafio dessa sociologia
específica é fazer combinar dentro dela as análises
sociológicas macro e micro, em uma dimensão relacional dos
fenômenos e da vida social. E nessa perspectiva da “Sociologia
do cotidiano” estão diversos autores, como, por exemplo:
Georges Balandier, Claude Javeau, Michel Maffesoli, Henri
Lefebvre, Erving Goffman, Mauro Wolf, Christian Lalive
d'Epinay, Michel de Certeau, Boaventura de Sousa Santos e
Ágens Heller.
Tais autores conformam diversas correntes sociológicas
dentro dessa sociologia específica nomeadas de Formalismo,
Interacionismo, Marxismo e Fenomenologia do quotidiano
(PAIS, 1986). É preciso conhecer o pensamento sociológico de
cada um desses autores antes de assumir como ferramental
teórico-metodológico para as pesquisas, tendo em vista as
especificidades de cada um em sua jornada científica. Como
Michel de Certeau e Ágens Heller, por exemplo, embora se
aproximem pela via do cotidiano, os caminhos de
entendimento são diferentes. Segundo Aguiar e Herschmann
(2014), Heller não visa observar as práticas exercidas nos atos
da vida cotidiana, como ocorre com "A invenção do cotidiano"
(CERTEAU, 1994). Para esse autor, de tradição
fenomenológica, interessam o “mundo diário”, as “mil
maneiras de fazer”, as performances, as táticas, as
fabricações, as invenções e as práticas cotidianas dos sujeitos.
Assim:

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

O cotidiano, para Certeau, seriam essas


artes e não os fatos da sociedade ou os
produtos da cultura. Através de uma teoria
interpretativa, igualmente dialética, tal
como a abordagem de Heller, seu objetivo
é mostrar as ações dos atores envolvidos
no mundo social, os sentidos latentes
desses atos e suas funções sociais
(AGUIAR; HERSCHMANN, 2014, p. 10).

Neste texto, concentramo-nos em Ágens Heller com


vistas a abrir caminhos de seus escritos, em especial, para a
“teoria do cotidiano”, para que possa ser um dos caminhos
teóricos para as pesquisas de práticas informacionais.
Destacamos, em tempo, que Ágnes Heller, filha de pais
judeus, nasceu em Budapeste, em 12 de maio de 1929, e em,
19 de julho de 2019, faleceu na Hungria aos 90 anos. Foi uma
filósofa húngara, professora de Sociologia na Universidade de
Trobe, na Austrália, que também lecionou na New School for
Social Research, em Nova Iorque. Foi aluna e assistente de
Georgy Lukács, principal expoente marxista, sobretudo, no
campo da Estética e da Ontologia do Ser Social. Heller foi
considerada por Lukács como o membro mais produtivo do
grupo de intelectuais denominado de Escola de Budapeste.
Esse grupo tinha o objetivo de formular uma linha de
pensamento baseada nos escritos teórico-filosóficos de
Lukács e fazer uma releitura da obra marxiana, no sentido de
uma maior compreensão do método em Marx (VERONEZE;
MARTINELLI 2015).
É a partir das contradições expostas na obra de Marx
que Agnes Heller redefine o lugar do sujeito (do indivíduo),
diferente da compreensão exposta pelo materialismo
histórico que, grosso modo, se concentra no desenvolvimento
histórico e sociocultural a partir dos modos de produção
econômico, da vida material das sociedades. A autora traz
todos os homens [seres humanos] para compor o motor da
História de modo individualizado a partir do olhar do mundo
na vida cotidiana, sem, contudo, deixar de pensar na

45
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

macroestrutura. Segundo Veroneze e Martinelli (2015), suas


obras, escritas até 1978, são marcadas pela influência
marxista e trazem importantes contribuições para a
consolidar a consciência ética e política do ser social, tendo
como base a ontologia do ser social, a sua teoria sobre a vida
cotidiana e de seus escritos direcionados à consciência ética e
política. Portanto, é sobre esse momento, de sua vida e obra
que iremos debruçar para compreender o cotidiano, um lugar
privilegiado da vida cotidiana em que o sujeito histórico, o ser
social se funda e é fundado, num duplo movimento.
Compreendemos também esse sujeito, como ser social
particular, que carrega sua condição de singularidade e de
humano-genérico. Portanto, não é um ente natural, mas o
responsável pelo processo histórico, por sua humanização e
pela própria humanidade. As principais obras de Agnes Heller
mobilizadas são: “Sociologia da vida cotidiana” (primeira
edição original húngara foi publicada em 1970) e “Cotidiano e
história” (traduzido e publicado pela Editora Paz e Terra no
Brasil, em 1972).

2 O COTIDIANO COM AGNES HELLER


A vida cotidiana do ser humano, sob o ponto de vista de
Agnes Heller, é o conjunto de atividades cotidianas e não-
cotidianas que caracterizam a reprodução dos “homens
particulares”, os quais, no âmbito da estrutura social ocupam
espaços na divisão social do trabalho. Para Rossler (2004),
leitor de Heller, a vida cotidiana é constituída a partir de três
tipos de objetivações do gênero humano (objetivações
genéricas em-si), que constituem a matéria-prima para a
formação elementar dos indivíduos: a linguagem, os objetos
(utensílios, instrumentos) e os usos (costumes) de uma dada
sociedade. Já as esferas não-cotidianas se constituem a partir
de objetivações humanas superiores (objetivações genéricas
para-si), isto é, mais complexas, como as ciências, a filosofia, a
arte, a moral e a política. São esses níveis distintos que
possibilitam a produção e a reprodução da vida cotidiana e,
mas também mais do que isso, perceber o grau de
desenvolvido, isto é, o processo histórico da humanidade.

46
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

As reproduções e as particularidades da vida dos


homens os colocam como únicos e como construtores de uma
determinada sociedade. Assim, a vida cotidiana compreende
o “ambiente imediato” do sujeito e, “[...] em particular, se
reproduz a si mesmo a seu mundo (pequeno mundo)
diretamente e em conjunto com a sociedade (grande mundo)
de modo indireto” (HELLER, 1987, p. 25). Por mais que todos
nós compartilhemos necessidades comuns, como comer,
dormir, entre outras, ninguém é igual a ninguém, não
comemos e nem dormimos da mesma maneira, do mesmo
modo. A vida cotidiana é heterogênea e hierárquica, tanto no
que diz respeito ao conteúdo quanto à importância que é
atribuída a cada uma das atividades. O mundo, inclusive antes
do nascimento de cada homem e de cada mulher, em
particular, é posto em processo, como, por exemplo, a
linguagem, a cultura, os costumes. O cotidiano define cada
indivíduo em particular e envolve a socialização desse sujeito
que se forma com e por meio da sociedade. Heller (1985, p.
18) assevera que:

O homem já nasce inserido em sua


cotidianidade. O amadurecimento do
homem significa, em qualquer sociedade,
que o indivíduo adquire todas as
habilidades imprescindíveis para a vida
cotidiana da sociedade (camada social) em
questão. É adulto quem é capaz de viver
por si mesmo a sua cotidianidade.

Esses são os sujeitos produtores da vida em sociedade.


E em toda sociedade há uma vida cotidiana que se objetiva de
diferentes formas, e todo homem e mulher, seja qual for o seu
lugar que ocupa na divisão social do trabalho, tem uma vida
cotidiana, que é a vida comum do indivíduo, marcada pelo
cotidiano e pela socialização que requerem normas e valores
da sociedade e criam um “cotidiano rotinizados”, conforme
expõe criticamente Leite (2010). Para a autora, amadurecer a
vida cotidiana significa assimilar as relações sociais, o mundo

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

da vida e de sua reprodução social. Então, o cotidiano é a vida


de todo ser humano, “é a vida do homem inteiro”, e mais é “a
reprodução do homem, em particular, é sempre reprodução
de um homem histórico de um particular em um mundo
concreto” (HELLER, 1987, p. 21). Nesse duplo envolvimento, o
indivíduo e a sociedade, são produzidos e reproduzidos
socialmente:

Nenhuma sociedade pode existir sem que


o homem particular se reproduza, assim
como nada pode existir sem reproduzir-se
simplesmente. Por conseguinte, em toda
sociedade há uma vida cotidiana e todo
homem, seja qual for seu lugar ocupado na
divisão social do trabalho tem uma vida
cotidiana (HELLER, 1987, p. 19).

É importante ressaltar que, se essa reprodução sem


uma tomada de consciência do ser social, ele será conduzido
a um processo de alienação. A condução da vida do homem,
de modo crítico e autônomo, é ameaçada pela assunção de
"papéis sociais" que cumprem uma condição social de
manipulação que acaba levando-o à alienação. Isto porque a
individualidade, a particularidade do sujeito, cede espaço ao
comum, ao conformismo e abre caminhos para uma unidade
genérica que segue determinadas regras sociais
generalizáveis. E quando essa exterioridade suplanta a
interioridade, esse movimento empobrece e aliena o homem.
Contudo, é válido destacar que essa manipulação não é
indefinida em qualquer direção ou aplicada em todo
momento, porquanto sempre existe um ponto limite
(HELLER, 1985).
Para Agnes Heller, o mundo da vida preexiste e se soma
com a particularidade da ação humana que é produtora e
transformadora. Assim, o/a pesquisador/a precisa
compreender a influência de autores como Lukács, Marx e as
devidas implicações do pensamento marxiano na construção
de sua teoria do cotidiano. O caminho da autora transita entre

48
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

o macro e o micro, porque compreende que o homem, imerso


no cotidiano e consciente da totalidade, pode encontrar
caminhos para transformar o cotidiano no mundo de certo
modo estável, com regras de convivência e regras sociais
postas antes mesmo de sua chegada. Os aspectos objetivos
da existência social humana possibilitam observar o
desenvolvimento histórico da humanidade. Para Heller, a
formação do indivíduo na vida cotidiana é estruturada por
formas de pensamento que são fulcrais tanto para sua
reprodução individual quanto para a construção da sociedade.
Diante disso fica claro o duplo movimento de relação e
de construção entre o indivíduo e a sociedade, em que nos
interessa olhar para o “sujeito informacional” como esse ser
social que imerso no cotidiano, consegue perceber a si e aos
outros em determinada sociedade e tempo histórico.
Perceber o mundo da vida onde se localiza esse sujeito social
que age e pensa é um dos interesses da teoria do cotidiano
sob essa influência helleriana. Compartilhamos da
centralidade posta pelas práticas informacionais nesse sujeito
imerso na vida cotidiana e pela:

[...] compreensão de todo o processo da


relação socioinformativa dos sujeitos,
considerando, em especial, os contextos,
em vez de um foco somente em um
momento recortado de uso, de contato
físico e/ou virtual com a informação. E é
pelo foco nos contextos e relações que a
ideia de sujeito informacional parece se
adequar melhor à perspectiva das práticas
informacionais e não à da tipificação de
ações, comum nos estudos de
comportamentos informacionais (CRUZ;
ARAÚJO, 2020, p. 18-19).

Em suma, é preciso entender que o conceito de usuário


é inadequado para os estudos que visam discutir sobre o
agenciamento e a relação entre os indivíduos (seres humanos)
e entre os objetos informacionais (objetos significativos,

49
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

produtos sociais) nos contextos sociais, econômicos e


culturais. Esse “sujeito informacional” não está dissociado de
sua dimensão humana e social que é amparada pelos estudos
das Ciências Sociais e Humanas (DAY, 2011). Por sua vez, há
que se colocar luz no cotidiano desse sujeito, que interfere
nas relações e nas construções sociais e é interferido por elas.
Compreender a dimensão informacional na vida do sujeito
como uma prática social, política e ética é o caminho
adequado para o aporte dos estudos sobre práticas
informacionais. Sem o conceito de cotidiano ou de vida
cotidiana, as práticas informacionais correm o risco de se
esvaziar da profundidade analítica que lhe é requerida como
um traço distintivo. Todos nós, independentemente do
estágio de consciência histórica, somos lançados por inteiro
no mundo em funcionamento e vivemos nossas vidas, todos
os dias, em uma sociedade com potencial de se transformar
pela via da ação e consciência comprometida do sujeito social.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da vida quotidiana pode e deve,


portanto, contribuir para despertar a
sociologia de um prolongado sono, ora
excessivamente empiricista, ora
excessivamente positivista. Eis, por
conseguinte, como configuro a sociologia
da vida quotidiana: espécie de lançadeira
de tear, de um lado para o outro, num
movimento pendular, cerzindo no
universo social as micro e as
macroestruturas (PAIS, 1986, p. 51).

É com esse movimento pendular que compreendemos


os estudos das práticas informacionais, que são pesquisas que
visam superar a dualidade entre os indivíduos e a sociedade,
como se cada uma dessas instâncias fosse dissociada da
realidade social. Decerto, os estudos de usuários têm a
tradição de investigar os sujeitos, mas reduziram seu papel
social ao de informantes de questionários e, depois, de

50
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

entrevistas. E apesar de essas falas serem deveras


importantes, o imbricamento desse sujeito na vida cotidiana
com a realidade social acabava em segundo plano, isso
quando era descortinado pelo(a) pesquisador(a). Reiteramos
que, embora as pesquisas de “comportamento informacional”
concentrem no usuário, este sujeito é visto como um
indivíduo cognitivo dentro de um contexto restrito, o que
provocou uma compreensão mais generalizada dos
comportamentos, sem uma discussão mais articulada, ou
melhor, verticalizada sobre como os fenômenos
informacionais intersubjetivos estão imbricados com os
fenômenos sociais e históricos.
Por outro lado, não podemos deixar de mencionar a
importância desses estudos de comportamento
informacional que incorporou conceitos e teorias das Ciências
Sociais, bem como possibilitou uma construção teórica mais
própria a partir dos estudos empíricos desenvolvidos com os
diversos “tipos de usuários” para além do comumente
mobilizado que eram da categoria dos cientistas das ciências
exatas e naturais. A crítica aos estudos de comportamento
informacional não é nova, já que foi a partir desse embate e
da vontade de superar certas limitações que as práticas
informacionais começaram a se sistematizar como uma outra
possibilidade de estudos e de pesquisas. Obviamente,
aqueles estudos de usuários centrados nas necessidades,
busca e uso da informação são essenciais para diversas
finalidades, razão por que não se tem o objetivo invalidá-los
nem as futuras produções acadêmicas, as quais são
importantes para compor agenda de pesquisa da
Biblioteconomia e da Ciência da Informação. Não há
definições unívocas tanto para o comportamento
informacional quanto para as práticas informacionais, mas há
diferenças teórico-metodológicas entre elas que
impossibilitam dizer que são a mesma coisa (PINTO; ARAÚJO,
2019).
Há que se ressaltar que não interessa aos estudos das
práticas informacionais entender o indivíduo como um
usuário, mas como um sujeito social e histórico localizado

51
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

ativamente na malha complexa da sociedade. Portanto, o


sujeito informacional é um ser social que constrói e se
apropria das coisas do mundo que também é construído
socialmente. Nesse contexto, nas práticas informacionais, o
que interessa é o jogo de poder e de forças do
microssociológico e do macrossociológico, porque o social
existe a partir dos indivíduos, os quais existem a partir das
normas, das instituições, dos valores e das representações
que criam e absorvem em um duplo movimento de construção
de subjetividades e objetividades, e não, a dualidade
separada ora observada pela manifestação do paradigma
objetivista e do paradigma interpretativo das Ciências Sociais,
como observado nos referentes teóricos e nas dimensões
aplicadas nos estudos de usuários (GONZÁLEZ-TERUEL,
2017).
Para realizar as práticas informacionais, o/a
pesquisador/a precisa muito mais do que estar ao lado dos
sujeitos, mas estar com eles ao longo do caminhar da
pesquisa. A via qualitativa, a reflexão e a compreensão, o
olhar particular, o singular e o ser-genérico e a vida dos
sujeitos sociais e históricos interessam às práticas
informacionais a partir do cruzamento com a teoria do
cotidiano. Pais (1986) assevera que é contraproducente o
embate sociológico de um olhar macro versus micro,
sobretudo quando o cotidiano se (re)constrói efetivamente
dentro e fora desses dois modelos de sociologia. A sociologia
do cotidiano não é um retorno do indivíduo para fora do seu
contexto social, como se as ações individuais fossem
desprovidas das posições, dos efeitos de poder, das
estruturas e das instituições sociais.

Obviamente que a sociologia da vida


quotidiana deve dar uma especial atenção
à análise do situacional, geralmente
identificada com os espaços microssociais.
Em contrapartida, parece
contraproducente supor que as práticas
quotidianas aparecem dissociadas de

52
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

determinados níveis contextuais


(estruturais e institucionais). Como seria
igualmente contraproducente vocacionar
a sociologia da vida quotidiana para o
estrutural e o institucional,
desinteressando-a das situações e práticas
diretamente observáveis (PAIS, 1985, p.
49-50).

Nessa mesma direção, estão as práticas informacionais


que devem conjugar, no âmbito de suas pesquisas, o micro e
o macro. O cotidiano - um conceito sociológico, uma instância
da vida cotidiana - não deve ser ignorado nas pesquisas sobre
práticas informacionais. O cotidiano é um conceito-chave
empregado para se pensar nas práticas informacionais, e
investigar essas práticas requer como pressuposto básico
compreender o indivíduo no cotidiano, na cotidianidade.
Como já dito, outro conceito caro aos estudos das práticas
informacionais é o de práxis4, trabalhado pelos "filósofos da
práxis" como Marx, Lukács, Gramsci e Korsch, que buscaram
dar uma resposta a partir de uma concepção totalizadora do
social que levava a uma direção da emancipação absoluta da
sociedade.
Agnes Heller também trouxe a discussão da práxis a
partir do papel das massas nesse processo, expondo as
necessidades humanas em cada um dos quatros tipos de
práxis: reforma parcial, reforma geral, movimentos políticos
revolucionários, revolução social total (BOLTVINIK, 2018).
Essas discussões estão presentes no momento “pós-
moderno” de Heller, e que a afasta das teorias totalizadoras
marcadas pelos “ismos”, decerto, sua teorização da vida
cotidiana a partir do indivíduo e da integração da filosofia
política e reflexão ética, possibilitam uma aproximação de seu

4 Essa discussão fecunda sobre a práxis pode ser conferida também nos
autores: Theodor W. Adorno, Friedrich Pollock, Rosa Luxemburgo, Richard
J. Bernstein, Ira J. Cohen, Anthony Giddens, Pierre Bourdieu, Paulo Freire,
entre outros.

53
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

pensamento com uma "antropologia social” (RIVERO


RODRÍGUEZ, 1996).
Por fim, dentre os autores localizados na sociologia
especializada sobre a “teoria do cotidiano”, elegemos Agnes
Heller, em razão de seus contributos para esse campo de
estudos das Ciências Sociais e Humanas e, mais
recentemente, da Biblioteconomia e da Ciência da
Informação. As práticas informacionais também devem se
valer de seus conceitos e teorias para construir melhor suas
investigações em uma direção crítica, política e ética. Pensar
nos indivíduos como sujeitos sociais produtores da vida
cotidiana, em meio às contradições sociais, abre caminhos
para mudar a realidade por meio da práxis, isto é, de ações
sociais realizadas pelos sujeitos em prol da transformação da
e na vida de homens e mulheres dotados de individualidade,
particularidade e genericidade.

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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56
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

PRÁTICAS INFORMACIONAIS E COGNIÇÃO


DISTRIBUÍDA: APROXIMAÇÕES TEÓRICAS E
INSTRUMENTAIS
Janicy Aparecida Pereira Rocha

Cognition is not just ‘in the head’; it


extends well beyond the skull and the
skin.5

1 INTRODUÇÃO
Comumente, na Biblioteconomia e Ciência da
Informação, o sujeito que estabelece contato com a
informação (ou que potencialmente pode vir a fazê-lo) é
denominado usuário da informação, tornando-se sujeito de
pesquisa da subárea estudo de usuários. Araújo (2013) alerta
que, nos últimos anos, ampliações nessa subárea
demandaram abordagens de pesquisa que integrassem o
caráter individual e coletivo das ações dos usuários e o
entendimento destes como inseridos em contexto. Essas
ampliações marcam o percurso histórico da subárea,
caracterizado pela transformação do usuário passivo em
sujeito social ativo que interage com a informação,
construindo-a coletivamente e sendo, também, por ela
construído.
Tal percurso, geralmente, é descrito a partir de três
abordagens de estudo: tradicional, alternativa e sociocultural.
O foco dos estudos pertencentes à abordagem tradicional
volta-se para o planejamento e a melhoria dos sistemas de
informação, a partir da identificação de padrões de uso,
geralmente com uma abordagem quantitativa. O foco dos
estudos vinculados à abordagem alternativa desloca-se dos
sistemas para os usuários, sendo conduzidos de forma
qualitativa, muitas vezes sob a perspectiva do
5ELLIS, Nick C. Essentials of a theory of language cognition. The Modern
Language Journal, v. 103, p. 39-60, 2019.

57
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

comportamento informacional. Neles, os usuários são


compreendidos como seres individuais que, movidos por
necessidades, procedem a buscas com o objetivo de
preencher lacunas informacionais. Na abordagem
sociocultural, os estudos, também qualitativos, passam a
considerar os usuários e suas ações como indissociáveis de
seu contexto, sendo a informação uma construção
intersubjetiva.
Ao considerar ambos – sujeito e informação – sob esse
prisma, bem como a complexidade da interação entre ambos,
o usuário da informação passa a ser referenciado como
sujeito informacional (ARAÚJO, 2013). O termo usuário
permanece uma referência adequada para quem acessa e usa
a informação para preencher lacunas, mas torna-se
insuficiente para designar sujeitos sociais que não apenas
usam, mas também se apropriam, produzem e disseminam a
informação. As formas como esses sujeitos sociais interagem
com a informação podem ser entendidas como práticas
informacionais (SAVOLAINEN, 2007) em uma referência às
suas atividades como sujeitos ativos, para os quais a
informação e o conhecimento não são “meramente
cumulativos” (ARAÚJO, 2013, p. 17), mas construídos
socialmente de forma contínua.
O estudo das práticas informacionais, mais que
identificar lacunas informacionais e estratégias ou ações
empreendidas para preenchê-las, “[...] busca compreender a
relação de cada ação do sujeito com a cultura, com os
referenciais sociais que o cercam e influenciam. Investiga-se o
significado que as ações têm para o próprio sujeito que as
realiza [...]” (GANDRA, 2017, p. 93). Para tanto, confere-se ao
sujeito o papel de protagonista em suas “ações ordinárias
diretamente relacionadas à informação” (NUNES, 2014, p.
172). A perspectiva de práticas informacionais assume
pressupostos condizentes com essa demanda de integrar o
caráter individual e coletivo das ações dos sujeitos
informacionais inseridos em contextos socioculturais, porém
ainda carece de constructos teóricos que possibilitem sua
operacionalização.

58
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Assim sendo, no presente capítulo6 objetiva-se


apresentar a Cognição Distribuída como perspectiva teórico-
metodológica adequada para operacionalizar pesquisas em
conformidade com a perspectiva de práticas informacionais.
Seus principais pressupostos teóricos são apresentados e as
três formas de distribuição dos processos cognitivos são
indicadas como possíveis categorias para orientar a análise de
dados. Adicionalmente, apresenta-se a etnografia cognitiva
como alternativa metodológica para atender à postura
etnográfica demandada pelos estudos de práticas
informacionais.

2 PRÁTICAS INFORMACIONAIS: UMA PERSPECTIVA


SOCIOCULTURAL
No livro “The practice-turn in the contemporary theory”
Theodore R. Schatzki discorre sobre a denominada “virada da
prática”, movimento das teorias sociais que considera que
“[...] fenômenos como conhecimento, significado, atividade
humana, ciência, poder, linguagem, instituições sociais e
transformação histórica ocorrem dentro e são aspectos ou
componentes do campo das práticas.” (SCHATZKI, 2001, p. 11,
tradução da autora). Esses elementos, para o autor, se somam
a artefatos e outros elementos não humanos que medeiam os
nexos das práticas de forma que a ordem social pode ser
definida a partir das relações estabelecidas entre elementos
humanos e não humanos.
Nesse contexto, “[...] o social é um campo de práticas
incorporadas, materialmente entrelaçadas, organizadas
centralmente em torno de entendimentos práticos
compartilhados.” (SCHATZKI, 2001, p. 12, tradução da autora).
Conforme o autor são várias as teorias da prática que buscam
oferecer contribuições para a construção teórica e caminhos

6 Capítulo derivado da tese “A produção do conhecimento como Cognição

Distribuída: práticas informacionais no fazer científico”, defendida pela


autora em abril de 2018 no Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de
Minas Gerais.

59
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

empíricos de pesquisa para a compreensão da ordem social.


Não obstante a multiplicidade e as diferenças entre si, as
teorias da prática possuem como ponto de convergência a
crença de que as práticas são a unidade básica de análise do
social.
Apropriações das teorias da prática em estudos
conduzidos nas Ciências Sociais e, mais especificamente, na
Ciência da Informação, sob a perspectiva de práticas
informacionais, são relatadas por autores como Cox (2012) e
Isah (2012). Inclusive, Cox (2012) retoma o mencionado
trabalho de Schatzki (2001) para frisar que, embora as
comunidades de prática não sejam mencionadas por aquele
autor, na Ciência da Informação essa é uma das mais
conhecidas e utilizadas teorias da prática. Já Isah (2012)
aponta o uso da Aprendizagem Situada de Lave e Wenger
(1991) como frequente na área.
Na Ciência da Informação, o termo práticas
informacionais tem sido adotado para referências a um
conjunto de ações informacionais, construídas social, cultural
e historicamente e mediadas materialmente (HARLAN, 2012;
ISAH, 2012). O termo “informação em práticas sociais”
(information in social practices) é sugerido por Cox (2012) para
referências à apropriação das teorias da prática pelos estudos
de usuários com o intuito de explorar como as atividades
informacionais são “tecidas” através das práticas sociais.
Todavia, prevalece entre os autores da área o termo “práticas
informacionais”, tal qual utilizado pelos pioneiros McKenzie
(2001) e Savolainen (2007), que o propuseram como
alternativa crítica ao conceito de comportamento
informacional.
Sobre tal distinção, os estudos de comportamento
informacional têm o foco direcionado ao sujeito cognitivo em
detrimento da comunidade social (WILSON; SAVOLAINEN,
2009; HARLAN, 2012). Já os estudos de práticas
informacionais enfatizam a natureza intersubjetiva, as
interações e a produção coletiva do conhecimento em
detrimento do foco no individual (LLOYD, 2010). Todavia, o
foco no coletivo não exclui a subjetividade dos indivíduos que

60
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

o compõem. Um estudo conforme a perspectiva de práticas


informacionais “[...] envolve a compreensão de como se dá a
articulação entre o comportamento individual dos sujeitos e
os referenciais sociais presentes na interação do sujeito com
a informação.” (GANDRA, 2017, p. 19).
Pesquisas conforme a perspectiva de práticas
informacionais, para Isah (2012), tendem a compreender os
processos informacionais influenciados pela dimensão
sociocultural, bem como pelas relações dialógicas presentes
no contexto em que tais práticas se dão. O contexto não é
uma estrutura totalizante, de limites bem definidos, ou
apenas um quadro de referência. Ele é produzido pelas
interações entre atores humanos e não humanos, sendo que
atores e contexto se moldam mutuamente, de forma
constante (COURTRIGHT, 2007; COX, 2012). Harlan (2012)
alerta que, embora as práticas informacionais estejam
situadas em um contexto permeado por dimensões sociais,
culturais e históricas, elas se transformam ao longo do tempo,
conforme a comunidade evolui. “Portanto, é importante
reconhecer a prática como situada dentro de um período
temporal específico.” (HARLAN, 2012, p. 75).
Em conformidade com Schatzki (2001) – para quem
existe uma variedade de abordagens possíveis para se
analisar as práticas – e com Rocha, Gandra e Rocha (2017) –
para quem o caráter abstrato do conceito de práticas
informacionais traz desafios para a operacionalização de
pesquisas, na Seção 3 é apresentada a Cognição Distribuída
como proposta de suporte teórico para as pesquisas de
práticas informacionais. Como possibilidades para
instrumentalização de tais pesquisas apresentam-se,
respectivamente, nas Seções 3.1, 3.2 e 3.3, as três formas de
distribuição dos processos cognitivos – social, temporal e
material - enquanto categorias de análise possíveis. Na Seção
3.4 é apresentada a etnografia cognitiva como possibilidade
metodológica. Essas três formas de distribuição contemplam
os elementos mencionados como importantes para a
perspectiva de práticas informacionais. Já a etnografia

61
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

cognitiva se justifica pela demanda por um “olhar


etnográfico” (NUNES, 2014; GANDRA, 2017), colocada pelos
estudos de práticas informacionais, e por sua coesão com a
Cognição Distribuída enquanto fundamentação teórica.

3 COGNIÇÃO DISTRIBUÍDA
A década de 1980 demarca a proposição das bases
teóricas da Cognição Distribuída pelo antropólogo cognitivo
Edwin Hutchins e outros pesquisadores da Universidade da
Califórnia. Apesar disso, na primeira metade do século XX
seus elementos basilares já se despontavam em trabalhos de
autores como o alemão Wilhelm Wundt; o polonês Hugo
Münsterberg; o bielo-russo Lev Vygotsky e os soviéticos
Alexei Leontiev e Alexander Luria, entre outros (COLE;
ENGESTRÖM, 1993). Tais bases teóricas condizem, ainda, com
ideias de autores como Geertz (1989) e Bruner (1987), para os
quais a atividade mental se inter-relaciona com aspectos
físicos e socioculturais dos ambientes nos quais o sujeito se
insere, estando os processos cognitivos distribuídos entre os
vários componentes de um grupo que atua ao longo do tempo
em busca de objetivos comuns.
A partir de sucessivas publicações sobre seu uso em
estudos empíricos com objetos diversos (HUTCHINS, 1995;
NEMETH et al., 2004, 2006; NERSESSIAN, 2005; VAN GINKEL;
VAN KNIPPENBERG, 2012), a Cognição Distribuída tem se
mostrado como uma alternativa profícua à visão tradicional
das teorias cognitivas, quando o intuito é estudar a
informação e o conhecimento a partir da colaboração entre
pessoas e objetos atuando em contexto, extrapolando os
processos cognitivos circunscritos em mentes individuais,
isoladas do contexto. Para Hutchins (1995, p. 13), a atividade
cognitiva deve ser analisada em contexto, sendo este mais
que um conjunto fixo de condições do entorno; pelo
contrário, ele é “[...] um processo dinâmico mais amplo do qual
a cognição de um indivíduo é apenas uma parte”.
Assim, os pressupostos dessa teoria defendem que a
cognição, além de ser um fenômeno distribuído entre dois ou
mais sujeitos, também o é entre esses sujeitos, ambientes e

62
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

objetos e recursos com os quais eles se relacionam e nos quais


se apoiam para executar tarefas diversas. Diferentes autores
(NORMAN, 1991, 1993; DENNETT, 1997; HUTCHINS, 1995,
2000) argumentam que o entendimento da capacidade
humana não pode prescindir da atenção direcionada a tais
objetos e recursos utilizados pelos sujeitos em suas tarefas
cognitivas. Ambos, no contexto da Cognição Distribuída, são
denominados artefatos cognitivos. Porém, esses não são
cognitivos em si: somente quando usados e integrados
funcionalmente a elementos humanos, eles alcançam status
cognitivo. A agência cognitiva, portanto, está restrita aos
elementos humanos posto que, embora alguns artefatos não
sejam inertes, eles são incapazes de manifestar pensamentos
e estados mentais como crenças, desejos ou intenções (GIERE,
2006; HEERSMINK, 2017).
A ideia fundamental da Cognição Distribuída é que
tarefas cognitivas são executadas, conjuntamente, por esse
coletivo heterogêneo composto por artefatos, sujeitos e suas
práticas, todos inseridos em contexto sociocultural, sob os
quais a cognição se estende, metaforicamente, como um
manto (GIERE, 2006; SALOMON, 1993). Esse coletivo recebe a
denominação de sistema cognitivo distribuído e constitui a
unidade de análise em estudos que adotam a Cognição
Distribuída como suporte teórico. Para Cheon (2013), definir
determinada unidade de análise como um sistema implica em
identificá-la como composta por partes funcionais
interdependentes. Já o caráter cognitivo e o caráter
distribuído do sistema são caracterizados, respectivamente,
pelo que o sistema faz (incorpora pessoas, instrumentos e
modelos para produzir saídas cognitivas) e como o faz (a
partir do processamento de informação). Uma saída pode ser
considerada cognitiva se for resultado da cognição humana
que realiza o processamento de informações (CHEON, 2013).
Ao considerar a interação entre indivíduos, artefatos e
ambientes como estruturas distribuídas, a tradicional divisão
entre dentro e fora dos indivíduos é desfeita, o que significa
que a cognição passa a ser vista como um fenômeno
contextual e social, construído na interação dos indivíduos

63
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

entre si e com o ambiente e os artefatos cognitivos nele


existentes. Sua ênfase está no indivíduo e em sua interação
com o meio, ao invés de se concentrar apenas na atividade
cognitiva circunscrita em mentes humanas.
Para Hutchins (2000) o que distingue a Cognição
Distribuída de outras abordagens semelhantes é o
comprometimento com dois princípios teóricos relacionados:
a ampliação dos limites da unidade de análise e a variedade
de mecanismos que podem ser levados em conta como
participantes dos processos cognitivos. Hollan, Hutchins e
Kirsh (2000) afirmam que, ao se considerar ambos os
princípios teóricos, três formas de distribuição dos processos
cognitivos podem ser observadas: material, social e temporal.
A noção de distribuição material engloba tanto os
artefatos cognitivos quanto o ambiente por eles e a partir
deles constituído, pois o “[...] o arranjo de artefatos é em si um
artefato.” (HUTCHINS, 1999, p. 26, tradução da autora). A
dependência de artefatos pelas atividades humanas leva à
ampliação dos limites das unidades de análise, posto que elas
não podem ser analisadas em suas totalidades sem a devida
atenção aos artefatos (HUTCHINS, 2000). Ferramentas,
instrumentos e representações simbólicas, tais como figuras,
gráficos, planilhas e outros são exemplos de artefatos
cognitivos que auxiliam os indivíduos em suas atividades. O
uso de artefatos não só modifica a forma como uma atividade
é realizada; mas também facilita e acrescenta melhorias,
reduzindo o tempo de realização e o alcance dos objetivos
traçados.
A distribuição social dos processos cognitivos está
relacionada à coordenação de esforços entre diferentes
indivíduos para a realização de uma atividade, geralmente
norteada por um objetivo em comum que dificilmente seria
alcançado individualmente. Esses esforços envolvem tanto o
trabalho colaborativo, quanto a comunicação e até mesmo o
uso, como insumo, de resultados de atividades anteriores
realizadas por outras pessoas (HUTCHINS, 1995).
Sobre os processos cognitivos distribuídos no tempo,
Cole e Engeström (1993) afirmam que o mundo atual é

64
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

interpretado e o futuro é vislumbrado a partir de experiências


passadas dos indivíduos. Isso significa que o indivíduo, ao se
deparar com dada situação, recorre a lembranças de situações
similares já vividas e, a partir delas, traça linhas de ação. Como
cada indivíduo conhece e vivencia as situações de forma
subjetiva, a mesma situação vivenciada por diferentes
pessoas pode resultar em diferentes visões e aprendizados
coletivos.
Esses três tipos de distribuição dos processos cognitivos
reverberam na forma como os indivíduos localizam e usam
informações para gerar conhecimento, determinar cursos de
ação e tomar decisões. Por esse motivo, podem se constituir
como amplas categorias de análise das práticas
informacionais.

3.1 DISTRIBUIÇÃO MATERIAL: ELEMENTOS NÃO HUMANOS


DESPROVIDOS DE INTENCIONALIDADE
Como categoria de análise em estudos conduzidos sob
a perspectiva das práticas informacionais, a distribuição por
artefatos abarca os diversos elementos não humanos
utilizados e produzidos pelos sujeitos enquanto performam
suas práticas informacionais em determinado sistema
cognitivo distribuído. Do campo das teorias da prática, evoca-
se Schatzki (2001), para quem o entendimento das práticas
envolve a compreensão de configurações materiais, visto que
a atividade humana está sujeita a elementos não humanos
que compõem o ambiente no qual elas se constituem. Harlan
(2012, p. 77) corrobora o referido autor afirmando que “as
práticas são mediadas por estruturas materiais”.
Os diferentes entendimentos existentes sobre os
artefatos cognitivos possuem algumas características comuns
a serem consideradas para que eles sejam compreendidos
enquanto elementos relevantes para análises sob a
perspectiva das práticas informacionais. De forma geral, eles
são conceituados como elementos mentais ou objetos físicos
e artificiais que possuem a função de contribuir para a
realização de tarefas cognitivas (HUTCHINS, 1999;
NERSESSIAN, 2005; NORMAN, 1991, 1993). Assim, “Leitura,

65
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

aritmética, lógica e linguagem são artefatos mentais [...]”


(NORMAN, 1993, p. 4, tradução da autora) capazes de
desempenhar, em processos cognitivos, papéis similares
àqueles desempenhados por objetos físicos. Em relação a
isso, Hutchins (1999, p. 126, tradução da autora) ressalta que
um artefato físico é útil apenas quando usado em conjunto
com seu correspondente mental: “o conhecimento de como
usá-lo”.
Se Norman (1993) e Hutchins (1999) concordam que
elementos mentais também são artefatos cognitivos, ambos
apresentam visões diferentes quanto a eles serem
exclusivamente artificiais. O primeiro autor defende que,
físicos ou mentais, os artefatos cognitivos são artificiais, pois
“[...] qualquer coisa inventada por humanos com a finalidade
de melhorar o pensamento ou a ação é um artefato, quer
tenha presença física, sendo construído ou fabricado; quer
seja mental e ensinado.” (NORMAN, 1993, p. 5, tradução da
autora). Já o segundo autor entende que “[...] estruturas que
não são feitas pelos humanos desempenham o mesmo papel
que os artefatos cognitivos.” (HUTCHINS, 1999, p. 127,
tradução da autora), exemplificando com um relato sobre
marinheiros micronésios. Tais marinheiros usam o céu
noturno da Micronésia como um artefato de navegação, uma
espécie de bússola que os guia por entre ilhas e auxilia em
questões relacionadas ao tempo e à distância.
A exemplo do uso oportunista dos artefatos, descrito
por Hutchins (1995), Kirsh (1995) se refere às situações nas
quais informações importantes são codificadas em artefatos
não projetados para fins cognitivos como “uso inteligente” do
espaço. Ele ressalta que o improviso e o uso inteligente de
espaços físicos ou virtuais e de objetos e recursos facilitam o
controle e a execução de atividades, reduzem a carga da
memória, diminuem a complexidade do ambiente e mostram
o estreito acoplamento entre humanos e artefatos
cognitivos. Heersmink (2013) cita o uso do espaço e de
objetos diversos “para fins cognitivos”, quando estes são
usados de forma improvisada como suporte ou transmissor
de algum tipo de informação.

66
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

A denominação artefato cognitivo mental (ou interno) é


questionada por Heersmink (2013) a partir da seguinte
distinção entre tecnologia e técnica: a primeira, geralmente,
é definida como um objeto físico intencionalmente projetado,
construído e usado para um fim específico; já a segunda é um
método ou procedimento para fazer algo. Para o autor, ambas
são desenvolvidas e utilizadas para algum propósito, sendo,
portanto, artificiais e somente tecnologias são artefatos
(objetos físicos construídos). O que Hutchins (1999)
denomina como artefatos internos para Heersmink (2013)
deveria receber a denominação de técnicas cognitivas
internalizadas – e não internas – posto que são repassadas por
sujeitos experientes àqueles recém-incorporados ao sistema
e por eles internalizadas.
Não obstante, Hutchins (1995) recomenda cautela no
uso do termo internalização já que, em processos de
aprendizado de procedimentos diversos, nada se desloca
literalmente, de fora para dentro. O que acontece é a criação
de um processo interno baseado na relação com um artefato
cognitivo externo. Esse argumento é baseado no exemplo de
uso do que o autor chama de “procedimento escrito”. Um
sujeito usa tal procedimento – um artefato cognitivo externo,
como uma checklist, por exemplo – repetidas vezes para
orientar uma tarefa na qual a ordem das etapas é
fundamental. Em decorrência do uso contínuo, o sujeito se
torna capaz de reproduzir, sequencialmente, as etapas sem
precisar recorrer ao procedimento escrito. Não houve
deslocamento através da fronteira externo/interno; apenas
uma nova habilidade funcional foi criada.
Essa transformação, para Hutchins (1995) acontece por
meio da propagação de estados representacionais – ou
propagação de representações – através de diferentes meios,
sejam eles externos ou internos. A trajetória da
transformação das representações, bem como do conteúdo
informacional em cada etapa dessa trajetória, permite a
compreensão tanto da forma como os artefatos simplificam a
execução de tarefas, quanto da forma como eles contribuem
para a emergência e a transformação de habilidades e

67
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

estruturas internas (HUTCHINS, 1995). Assim, artefatos


cognitivos exercem importante papel nas representações
externas e muitos consistem na própria representação, como
é o caso de mapas, modelos, simuladores e outros. Porém, a
representação externa por meio de um artefato pressupõe a
existência de uma representação mental, pois é necessário
um intérprete capaz de relacionar um artefato com o objeto
que ele representa. Diferentes intérpretes estabelecem
diferentes relações entre objetos e suas representações
devido às experiências e vivências individuais.
Para Cole e Griffin (1980) e para Norman (1993), a
princípio, a crença de que artefatos cognitivos aumentam a
capacidade humana é a mais óbvia, porém equivocada. Um
sujeito não se torna mais forte ao usar um sistema de
roldanas; mais rápido ao utilizar carros ou mais inteligente ao
usar lápis e papel, embora comumente se tenha essa
percepção. Nesses casos, o que ocorre é a mobilização de
diferentes capacidades cognitivas e não a ampliação destas.
Hutchins (2000) corrobora esses autores argumentando que
a memória do indivíduo não é amplificada quando ele escreve
algo em um pedaço de papel para leitura posterior. Ao invés
disso, o indivíduo está usando um conjunto de diferentes
habilidades cognitivas, incluindo a escrita, a leitura e a
interpretação, utilizando artefatos cognitivos como papel e
lápis ou caneta.
Diante do exposto, conclui-se que artefatos cognitivos
são objetos e recursos, internos e externos, utilizados pelos
sujeitos para operar sobre a informação, gerando-a, exibindo-
a ou armazenando-a, e, portanto, possuem uma função
representacional que transforma habilidades e tarefas
cognitivas. Além disso, entende-se que esses artefatos não
são apenas artificiais, no sentido estrito de serem inventados
pelos humanos. Porém, reconhece-se que existe certa
artificialidade no uso oportunista de artefatos naturais: os
sujeitos se apropriam deles para uso intencional e, apesar de
não serem fruto da invenção humana, o uso oportunista o é.
Entende-se, ainda, que tais artefatos são elementos

68
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

constitutivos de sistemas cognitivos distribuídos, capazes de


melhorar sua performance.
Portanto, os artefatos cognitivos são relevantes para a
perspectiva de práticas informacionais apresentada neste
capítulo, porém não tanto quanto o elemento humano,
representado pelos sujeitos informacionais, por duas
principais razões. A primeira é que os artefatos tão somente
medeiam as práticas informacionais, sendo os humanos quem
as propagam, reforçam ou contestam. A segunda razão deve-
se ao fato de que por detrás do artefato está a
intencionalidade humana: o artefato cognitivo é construído
ou utilizado intencionalmente para alcançar determinado
propósito (HUTCHINS, 1995, 1999, 2000). Assim, as práticas
informacionais dos sujeitos ancoram-se em determinado
espaço, físico ou virtual, permeado por normas sociais e
culturais e é esse espaço que provê suporte para que os
sujeitos possam interagir entre si e com artefatos diversos. A
maneira como o ambiente é organizado e a forma como os
artefatos estão distribuídos nele afetam as ações dos sujeitos
e a propagação da informação ao longo do tempo.

3.2 DISTRIBUIÇÃO SOCIAL: SIGNIFICADOS NEGOCIADOS


DISCURSIVAMENTE
Conforme os princípios da Cognição Distribuída, a
distribuição social caracteriza-se pelo engajamento de
diversos atores com habilidades idênticas ou
complementares em uma atividade cuja coordenação social
gera sinergia suficiente para o alcance de objetivos
impossíveis de serem atingidos por um único sujeito (COLE;
ENGESTRÖM, 1993; HUTCHINS, 1995, ALMEIDA, 2011). A
centralidade, aqui, direciona-se às interações entre os
componentes humanos do sistema cognitivo distribuído,
considerando as motivações para tal e as saídas cognitivas
derivadas de decisões coletivas. Estas são fruto de
negociações discursivas, e discursos podem ser
compreendidos como técnicas utilizadas por sujeitos
engajados em práticas informacionais para justificar práticas
sociais institucionalizadas (SUNDIN; JOHANNISSON, 2005).

69
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Tais negociações também institucionalizam novas


práticas conformadas por acordos coletivos tácitos.
Marteleto (1995, p. 92) disserta sobre o movimento dialético
a partir do qual os sujeitos negociam discursivamente
significados e representações da informação, reforçando-os
ou rejeitando-os, para argumentar que “[...] toda prática social
é uma prática informacional [...]”. Conforme a referida autora,
tal expressão refere-se aos mecanismos por meio dos quais
“[...] significados, símbolos e signos culturais são transmitidos,
assimilados ou rejeitados pelas ações e representações dos
sujeitos sociais em seus espaços instituídos e concretos de
realização (MARTELETO, 1995, p. 92).
Para alguns autores (HOLLAN; HUTCHINS; KIRSH, 2000;
COLE; ENGESTRÖM, 1993), os estudos dos processos
cognitivos distribuídos são indissociáveis do estudo da
cultura, posto que os indivíduos vivem em complexos
ambientes culturais. Experiências culturais passadas
influenciam a interpretação do mundo atual e a percepção do
futuro. Nesse cenário, cultura é entendida como “[...] um
processo que acumula soluções parciais para problemas
encontrados frequentemente.” (HOLLAN; HUTCHINS; KIRSH,
2000, p. 5, tradução nossa).
Considerar que as atividades cognitivas dos indivíduos
não se resumem apenas às suas determinações estruturais,
mas se estendem também à interação com seus semelhantes
e com o meio, possibilita repensar os fenômenos relacionados
à informação e ao conhecimento. Os indivíduos são,
indissociável e simultaneamente, seres individuais e sociais e,
portanto, atribuem sentido à informação e constroem o
conhecimento a partir de suas vivências. Estas congregam,
além da dimensão cultural, as dimensões sociais, emocionais,
motivacionais, históricas, entre outras.

3.3 DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL: O CONHECIMENTO


INCORPORADO PELAS EXPERIÊNCIAS
Considere algumas formigas andando aleatoriamente
em uma praia em busca de comida. Encontrada a comida, elas
retornam à colônia deixando rastros de curta duração

70
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

formados pelos feromônios, substâncias químicas por meio


das quais seres da mesma espécie se reconhecem e
interagem. Outras formigas seguem uma dessas trilhas e
quantas mais passam por ela, maior é a concentração de
feromônios; mas eles demoram a evaporar e maior tempo
dura a trilha. Dessa forma, a trilha tida como mais
interessante prevalece e as muitas trilhas aleatórias
desaparecem. Considere, agora, seguir uma formiga em
particular por essa trilha e compará-la àquelas primeiras que
andavam aleatoriamente. Ela não é mais inteligente que as
demais por encontrar comida e voltar para a colônia em
menos tempo. Ela é a mesma formiga, mas o ambiente não é
mais o mesmo. Ele foi transformado e a formiga está apenas
reagindo a ele. Apague os rastros e a formiga andará
aleatoriamente como suas antecessoras.
Essa é a metáfora apresentada por Hutchins (1995) para
argumentar que, assim como as formigas, as pessoas, em
comunidades sociais, herdam ambientes enriquecidos por
seus antecessores e isso tende a facilitar suas atividades. Nas
palavras do autor, “os humanos criam seus poderes cognitivos
criando os ambientes nos quais exercem esses poderes.”
(HUTCHINS, 1995, p. 169, tradução da autora). Este, para ele,
é o processo da cultura, embora também possa ser chamado
de história. E, como processo, abarca as formas como as
práticas cotidianas são performadas ao longo do tempo em
ambientes constituídos por artefatos cognitivos materiais e
imateriais, tais como estratégias, processos, procedimentos e
conhecimentos prévios. Estes compõem aquilo que Dennett
(1997) e Berndt, Furniss e Blandford (2014) denominam de
herança cultural7, marcas adicionadas ao mundo ao longo do
tempo e das quais os sujeitos contemporâneos se beneficiam.

7 Nessa pesquisa, o termo “herança cultural” é adotado em sentido lato para

tradução livre do termo “cultural heritage” (BERNDT; FURNISS;


BLANDFORD, 2014), estando em conformidade com Dennett (1997), para
referências ao conjunto de artefatos cognitivos (tangíveis ou não)
transmitido entre integrantes de um grupo social ao longo do tempo.

71
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

[...] somos os beneficiários de literalmente


milhares dessas tecnologias úteis,
inventadas por outros [...], mas
transmitidos por meio de estradas
culturais, não por meio dos caminhos
genéticos da herança. Aprendemos, graças
a esta herança cultural, como espalhar
nossas mentes no mundo, onde podemos
colocar nossos talentos inatos,
maravilhosamente projetados, de
rastreamento e reconhecimento de
padrões para uso otimizado (DENNETT,
1997, p. 126).

Todavia, a transferência dessa herança cultural ao longo


do tempo só é possível se existem sujeitos com trajetórias nas
quais foram construídos referenciais que permitam sua
apropriação. Isso é fundamental em uma perspectiva
informacional na qual seja abordada a herança cultural
registrada em forma de processos, procedimentos, manuais,
relatórios e similares – que nos estudos de práticas
informacionais pode ser denominada como informação como
artefato (HARLAN, 2012). Isso vale para a herança cultural
tácita, o conhecimento, “[...] incorporado, transitório, local e
de propriedade de um grupo específico, [que] não é algo que
pode ser ‘extraído’ ou ‘codificado’ apoliticamente e sem
problemas em um banco de dados. (COX, 2012, p. 183,
tradução da autora)”. Informação e conhecimento, como dois
conceitos correlacionados e fundamentais para a perspectiva
de práticas informacionais, têm seus significados
dependentes de sujeitos dotados de historicidade (ROCHA;
GANDRA, 2018).
Quanto mais tempo uma pessoa passa em um sistema
cognitivo distribuído, participando de sua construção; quanto
mais ela interage com a herança cultural daquele sistema,
melhor é seu desempenho naquele contexto. Berndt, Furniss
e Blandford (2014) utilizam o termo “acoplamento
especialista” para referências à relação entre a proficiência de
um sujeito e sua integração ao sistema cognitivo distribuído.

72
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Normas de aprendizagem coletiva, construídas a partir das


características do ambiente, são formas de interação
espontânea nas quais um sujeito assume a responsabilidade
de compartilhar com os colegas, especialmente aqueles
recém-integrados ao sistema, os conhecimentos que possui.
Assim, a cognição se distribui por meio de “parcerias
cognitivas” (NERCESSIAN et al., 2003) estabelecidas entre
ambos ao longo do tempo em que o ambiente se transforma.
Portanto, como categoria de análise a distribuição
temporal possibilita que seja analisada a incorporação do
conhecimento por meio da aprendizagem situada ao longo do
tempo, bem como as formas como eventos anteriores podem
transformar eventos posteriores. Da perspectiva das práticas
informacionais, Harlan (2012) argumenta que, embora elas
estejam situadas em um contexto permeado por dimensões
sociais, culturais e históricas, elas se transformam ao longo do
tempo, conforme a comunidade evolui. Assim, é preciso “[...]
reconhecer a prática como situada dentro de um período
temporal específico.” (HARLAN, 2012, p. 75, tradução da
autora).

4 ETNOGRAFIA COGNITIVA
Fundamental para a Antropologia, a etnografia tem sido
adotada por outras áreas do conhecimento como método,
como uma das formas de se apreender práticas em contexto.
Originalmente, mais que apenas “ir a campo”, o método
etnográfico é composto por três fases: (i) um mergulho nas
teorias e interpretações disponíveis sobre o objeto de estudo;
(ii) um longo tempo vivendo entre nativos e (iii) a escrita, por
meio da qual se ordena o vivido em campo (URIARTE, 2012).
São muitas as definições e entendimentos acerca da
etnografia dita prototípica por Ball e Ormerod (2000): um
método complexo, de relação intrínseca com a disciplina
antropológica, considerado como a forma mais tradicional, o
protótipo a partir do qual variantes menos típicas podem
surgir. Para os autores, se por um lado, a etnografia
prototípica não é passível de adoção em todos os trabalhos;
por outro, variações que se distanciem substancialmente do

73
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

exemplar prototípico devem ser referenciadas por termos


que evidenciem sua origem e, ao mesmo tempo, assinalem
suas diferenças com o original.
Partindo desse pressuposto, o termo “etnografia
cognitiva” é adotado para referências ao método adotado por
alguns estudos fundamentados na Cognição Distribuída.
Conforme Ball e Ormerod (2000), a etnografia cognitiva se
traduz, em essência, na adoção de algumas características da
etnografia prototípica e na deliberada violação de outras, de
forma que três princípios básicos a caracterizam. O primeiro
princípio refere-se à especificidade observacional – coleta de
dados em pequena escala e em menor espaço de tempo – em
oposição à intensidade de uma etnografia prototípica. O
segundo princípio diz respeito à intencionalidade da
observação, guiada por questionamentos e objetivos
predefinidos, em contraposição à característica de
independência da etnografia prototípica. O terceiro princípio
enfatiza a importância da verificabilidade das observações, o
que permite a validação dos resultados, mas desafia a ênfase
à personalização e ao reconhecimento da interferência que
caracterizam a etnografia prototípica.
Williams (2006, p. 838, tradução da autora), ao comparar
ambas as formas de etnografia, afirma que a “[...] etnografia
tradicional descreve o conhecimento; [a] etnografia cognitiva
descreve como o conhecimento é construído e utilizado.”.
Vanderstoep e Johnston (2009) também apontam
semelhanças e diferenças entre tais métodos, conforme
Quadro 1. Para esses autores, três aspectos principais se
destacam como diferenças: o foco no objeto de estudo; a
unidade de análise adotada e a forma de descrição e
interpretação da unidade de análise. Já a interpretação do
fenômeno estudado, em ambos, oferece espaço para a voz do
pesquisador. Outro ponto de convergência entre os métodos
são as técnicas adotadas para a coleta de dados. A etnografia
cognitiva não possui técnicas próprias e, portanto,
compartilha de técnicas da etnografia prototípica, tais como
observações, entrevistas e gravações de áudio e vídeo.

74
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Quadro 1 - Comparativo entre etnografia prototípica e etnografia


cognitiva.
Unidade de
Abordagem Foco Interpretação Resultado
análise

Pesquisador e
Etnografia Cultura Comunidades Mapa cultural
participantes

Sistemas Descrição e
Etnografia Processos
Pesquisador cognitivos interpretação
cognitiva cognitivos
distribuídos de processos

Fonte: Elaborado pela autora, a partir de VANDERSTOEP,


JOHNSTON (2009); ALMEIDA (2011).

Dadas as suas características, a etnografia cognitiva


permite que seja considerada a influência exercida pelo
contexto sobre as ações e os significados que emergem no
decorrer das atividades, posto que, conforme Hollan,
Hutchins e Kirsh (2000), a etnografia cognitiva é
observacional. Adotá-la para instrumentalizar pesquisas sob a
perspectiva das práticas informacionais que adotem a
Cognição Distribuída como suporte teórico possibilita que o
interesse do pesquisador esteja “[...] não apenas no que as
pessoas sabem, mas em como elas utilizam o que sabem para
fazer o que elas fazem.” (HOLLAN; HUTCHINS; KIRSH, 2000, p.
179, tradução da autora).

5 CONSIDERAÇÕES POSSÍVEIS
As práticas informacionais, como afirma Isah (2012), se
constituem em contexto, em relações dialéticas entre
pessoas e ambiente. O espaço físico e o arranjo de artefatos
cognitivos são configurações materiais nas quais – e por meio
das quais – as práticas informacionais se constituem e são
propagadas a partir de interações sociais ao longo do tempo.
Cada ambiente é, nas palavras de Hutchins (1995), um sistema
funcional montado oportunamente pelos seus integrantes.
Artefatos organizados pela similaridade, pela proximidade
física, pela sequência de uso, ou por diversas outras formas,
refletem o “uso inteligente do espaço físico” (KIRSH, 1995).

75
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Corroboram as palavras de Berndt, Furniss e Blandford


(2014), o que pode ser visto, ouvido e acessado pelos sujeitos
em determinado espaço influencia diretamente a realização
de suas atividades.
No presente capítulo partiu-se do pressuposto de que a
informação, o conhecimento e a cognição encontram-se
distribuídos entre indivíduos, ambiente e artefatos e que é a
partir da interação entre eles que as práticas informacionais
se constituem e são propagadas. Seguiu-se a proposição da
Cognição Distribuída como uma teoria da prática adequada
para estudos de práticas informacionais conduzidos no
âmbito da Ciência da Informação. Argumentou-se que seus
princípios contribuem para a formação de uma base
conceitual para pesquisas conforme a perspectiva das
práticas informacionais dadas as suas aproximações teóricas.
O movimento metodológico possível de ser empreendido por
meio da etnografia cognitiva viabiliza que a coleta de dados
se aproxime do fazer etnográfico demandado pelos estudos
de práticas informacionais sem ter, no entanto, a pretensão
do alcance de uma etnografia prototípica. Por fim, as três
categorias de análise discutidas permitem que se desvelem
algumas características do fenômeno a ser abordado, sem se
restringir apenas a elas, pois categorias mais específicas de
determinado contexto ou época podem emergir dos dados
coletados.

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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81
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

82
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

A CONTRIBUIÇÃO DA PERSPECTIVA
PRAXIOLÓGICA PARA OS ESTUDOS DE
USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO
Carlos Alberto Ávila Araújo

1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste texto é apresentar a perspectiva
praxiológica enquanto uma forma específica de se pensar os
sujeitos e suas relações com o mundo e o conhecimento e, a
partir dessa apresentação, identificar algumas de suas
potencialidades para o campo de estudos sobre os usuários
de informação. A perspectiva praxiológica tratada neste texto
é aquela desenvolvida por Louis Quéré (1991) para o campo
da comunicação. O campo de estudos de usuários é
apresentado a partir de uma interpretação já consolidada e
muito divulgada, que entende o desenvolvimento do campo a
partir de três modelos de estudo, que acompanham os
grandes modelos de estudo da área de ciência da informação
como um todo.
O texto se estrutura em três momentos. Inicialmente, é
apresentada a proposta teórica de Quéré. A seguir, analisa-se
a sua pertinência para o campo informacional. Por fim, aplica-
se a sua conceituação para a discussão do campo de estudos
de usuários da informação, em basicamente dois movimentos.
O primeiro é o de aproximar o chamado modelo
representacionista das abordagens tradicional e cognitiva de
estudos de usuários da informação. O segundo é evidenciar
elementos do modelo praxiológico que podem alargar e
potencializar a análise dos usuários a partir de um outro
modelo conceitual.

2 A PROPOSTA PRAXIOLÓGICA DE QUÉRÉ


A proposta de Quéré é a de uma chave de interpretação
dos fenômenos humanos e sociais a partir da noção de
comunicação. Ao buscar compreender o que é a comunicação,

83
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

o autor identifica a existência de dois grandes modos de


compreensão. O primeiro é o que ele chama de modelo
“epistemológico”, ou “representacional” ou “informacional”.
Esse modelo, herdado de tradições intelectuais que
remontam pelo menos até o século XVII, possui um modo
próprio de entender a subjetividade e a objetividade, a
linguagem e o processo de conhecimento.
Tal modelo está baseado numa concepção de que
existem um mundo interior (a subjetividade individual dos
sujeitos) e um mundo exterior (a objetividade do real) pré-
determinados, estáveis, aos quais apenas caberia aos sujeitos
conhecer adequadamente. Como consequência dessa
concepção, a comunicação seria basicamente um processo de
aquisição e transmissão de informações, isto é, de
representações corretas sobre os fatos aos quais se referem.
Os problemas comunicacionais estão relacionados com a
produção e a transferência de conhecimentos tanto sobre o
mundo como sobre as pessoas. Também como consequência
dessa visão, o processo de conhecer é basicamente a
representação adequada do que existe, isto é, deste mundo
subjetivo e objetivo pré-determinado, que independe das
percepções, valorações, julgamentos e ações dos sujeitos que
o conhecem.
Juntando-se as duas noções, tem-se que a comunicação
é um processo essencialmente relacionado com o
conhecimento, com a apreensão do existente (por isso é
chamado de “epistemológico”) e com a adequada transmissão
dessa apreensão, isto é, a reprodução, num outro sujeito
(receptor das mensagens transmitidas) do mesmo conteúdo
já apreendido pelo sujeito emissor.
A linguagem, nesse contexto interpretativo, tem
apenas uma dimensão representacional. Existe um mundo
objetivo pré-determinado, dado, no qual os sujeitos atuam
como observadores privilegiados e descomprometidos,
tendo uma condição de acesso à sua objetividade. Esse
mesmo sujeito tem estados internos (desejos, crenças,
intenções, pensamentos, opiniões) que também são dados,
são realidades em si, independentes de suas ações e

84
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

igualmente diretamente acessíveis a um processo de


conhecimento. É por isso que a linguagem serviria, portanto,
apenas para designar as coisas do mundo.
Em contraposição a esse modelo, Quéré apresenta o
que chama de uma perspectiva “praxiológica” ou
“constitutiva”. Nessa concepção, a objetividade do mundo e a
subjetividade dos agentes não estão previamente dados, elas
são construídas, modeladas, conjuntamente por esses atores,
no decurso de suas ações e interações, de sua “atividade
organizante”.
A comunicação, nesse modelo, deixa de ser um
problema “epistemológico”, um problema de conhecimento
(conhecer adequadamente o real e transmitir esse
conhecimento) e se torna um fenômeno da esfera da ação
humana, da experiência dos sujeitos no mundo e de suas
intervenções na própria constituição desse mundo. Não há
sujeitos isolados, meros observadores do real, mas, antes,
sujeitos imbricados neste real, seres que se constituem como
sujeitos no interior do seu existir e sobretudo no seu
relacionar – isto é, são sempre sujeitos com os outros.
Tal compreensão coloca a centralidade do processo não
no movimento cognitivo de um sujeito descolado do mundo,
mas na reciprocidade de tal movimento, na construção de
uma perspectiva comum (que não significa concordância de
opiniões, mas definição comum do horizonte de questões,
dos termos em discussão). E, por meio dessa perspectiva, na
própria definição e delimitação do que é o real (subjetivo e
objetivo). A linguagem deixa de ser algo representacional,
designativo, e se torna algo constitutivo. Na famosa fórmula
de Wittgenstein, os limites do mundo são os limites da
linguagem.
É com base nessa distinção que será realizada, no
próximo tópico, uma análise do campo de estudos sobre os
usuários da informação.

3 PRAXIOLOGIA E O CONCEITO DE INFORMAÇÃO


Os estudos de usuários da informação constituem uma
tradição de pesquisa com quase um século de existência.

85
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Existe um significativo consenso de que, ao longo desse


período, surgiram três grandes modelos de estudo: um
modelo de estudos de uso da informação, os estudos em
comportamento informacional e, mais recentemente, uma
abordagem sociocultural a partir do conceito de práticas
informacionais (PÉREZ GIFFONI; SABELLI, 2010; CUNHA,
AMARAL, DANTAS, 2015). Tais modelos acompanham a
evolução dos modelos de estudo presentes na ciência da
informação, que se deram desde uma perspectiva fisicista,
construindo-se posteriormente um modelo cognitivista e, nos
últimos anos, uma abordagem social ou pragmatista
(ARAÚJO, 2018).
Como o modelo de Quéré foi pensado para o campo da
comunicação, é preciso discuti-lo, inicialmente, desde uma
perspectiva informacional. A respeito dos modelos de estudo
gerais da ciência da informação, destaca-se a categorização
de Saracevic (1999). O autor identifica que há um conceito
restrito de informação, no qual ela é considerada em termos
de sinais ou mensagens que não envolvem processamento
cognitivo – ou que tal processamento pode ser expresso em
termos de algoritmos e probabilidade. Há um segundo
conceito, chamado de sentido amplo, no qual ela está
envolvida com um processo cognitivo, de compreensão. A
informação seria o resultado da interação de duas estruturas,
a mente e a mensagem, ou seja, o tanto que o estado de
conhecimento de um sujeito é alterado pelo contato com uma
nova mensagem. Ainda conforme este autor, haveria um
sentido ainda mais amplo para o conceito de informação, no
qual ela está relacionada com um contexto. Informação, neste
entendimento, não estaria envolvida apenas com mensagem
ou ação cognitiva, mas também com situações, problemas,
intencionalidades e ambientes culturais, profissionais, sociais,
políticos, ideológicos. Tal abordagem estaria ligada ao “papel
social” da informação, seu papel enquanto ente constituinte
da realidade.
Ainda sobre a ciência da informação como um todo,
Capurro (2003) identifica três grandes paradigmas. O
primeiro, ao qual denomina físico, entende a informação

86
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

como vinculada essencialmente a um processo de


transmissão de dados de um sujeito para outro, pressupondo
condições ideais para o reconhecimento unívoco de
determinado conteúdo. A informação se relaciona, neste
caso, apenas com as possibilidades de seleção dos conteúdos
a serem transmitidos e a redução da incerteza. O papel ativo
dos sujeitos é ignorado. Ainda conforme o autor, haveria no
campo um segundo paradigma, de natureza cognitivista, que
entende a informação como o processo de transformação
cognitiva dos “usuários”. Possuidores de determinados
estados mentais, tais sujeitos veriam esses estados alterados
por meio do contato com a informação. É um modelo
essencialmente mentalista sustentado na ideia de sujeitos
buscando informação. Conforme Capurro, nos anos mais
recentes estaria emergindo um terceiro paradigma, centrado
justamente na crítica a uma visão dos sujeitos como
exclusivamente seres cognoscentes, que negligenciaria os
condicionantes sociais, culturais e políticos dos seres
humanos. Esse paradigma seria, ao contrário do anterior,
sensível à constituição social dos fenômenos informacionais.
Num outro trabalho, o autor assim define informação:

Informação, num sentido existencial-


hermenêutico, significa partilhar o mundo
comum em termos temáticos e
situacionais. Se procurarmos as condições
que fundamentam nossa ação de
comunicar um ao outro o possível
significado das coisas dentro de
horizontes específicos de entendimento,
então a resposta hermenêutica é que nós
podemos fazê-lo porque nós já
compartilhamos o mundo. Portanto a
informação não é o produto final de um
processo de representação, ou algo que
está sendo transportado de uma mente
para outra, ou, finalmente, algo separado
de uma subjetividade encapsulada, mas
sim, uma dimensão existencial do nosso

87
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

estar-no-mundo-com-os-outros
(CAPURRO, 1991 apud ROBREDO, 2003, p.
64).

De imediato, já se pode identificar uma aproximação


entre a discussão proposta por Quéré e o movimento
intelectual que caracterizou a ciência da informação. O
chamado modelo epistemológico proposto por Quéré se
identifica basicamente com os dois primeiros “conceitos”
(conforme Saracevic) ou “paradigmas” (conforme Capurro) da
ciência da informação. Nesse sentido, tanto perspectiva
fisicista como cognitivista se complementam. A primeira é
pautada na ideia de transporte físico de um conteúdo com
significado pré-determinado, girando sua problemática em
torno da adequada emissão e recepção. Estão aí a lógica
transmissiva e representacionista apontadas por Quéré, bem
como a subjetividade e a objetividade pré-determinadas,
dadas, analisada pelo autor. Já a segunda vê os sujeitos como
seres que atuam no mundo apenas processando-o, isto é,
inserindo novos dados sobre um mundo pré-determinado a
uma subjetividade também já pré-determinada e constituída
apenas de representações designativas desse mundo. Essa
concepção mentalista da perspectiva informacional está
muito bem expressa na fórmula que prevê que os sujeitos
agem, em relação à informação, apenas sentindo a falta de
determinados dados, e buscando tais dados para o
preenchimento de suas lacunas (ou estados anômalos).
Já a perspectiva praxiológica apontada por Quéré
encontra sintonia com a perspectiva ainda mais ampla de
estudo da informação tal como definida por Saracevic, que vê
na situacionalidade, no atravessamento pelo contexto, o
elemento definidor da informação. Também na perspectiva
do paradigma social de Capurro se pode ver que existe uma
intersubjetividade, uma constituição social, tanto dos sujeitos
como do mundo no qual eles vivem e agem. A definição de
Capurro apresentada na tradução de Robredo, embora não
faça menção a Quéré, é bastante próxima a suas ideias: a ideia
de subjetividade encapsulada de Capurro corresponde à de

88
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sujeito monádico, isolado e descomprometido, de Quéré; a


ideia do estar no mundo com os outros de Capurro é
semelhante à construção conjunta de um mundo comum em
Quéré; a crítica de Capurro à ideia de informação como o
produto final de um processo de representação é exatamente
a crítica que faz Quéré a uma dimensão exclusivamente
representacional, designativa, da linguagem. Os dois modelos
de Quéré, portanto, são muito adequados para elucidar os
aspectos e problemas envolvidos nas definições de
conhecimento, subjetividade, objetividade e linguagem, que
tanto podem estar presentes em fenômenos
comunicacionais, como também nos fenômenos e processos
informacionais.

4 OS ESTUDOS DE USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO


Como apontado no tópico anterior, os estudos de
usuários da informação vivenciaram basicamente três
modelos de estudo ao longo de sua existência. Seguindo a
periodização proposta por Cunha, Amaral e Dantas (2015), da
década de 1940 à década de 1980 os estudos tinham
basicamente por objetivo produzir elementos diagnósticos,
junto aos usuários, para a melhoria dos produtos e serviços
prestados pelas bibliotecas e outros sistemas de informação.
Os sujeitos eram estudados como “clientes”, isto é, como
usuários de determinados serviços: era necessário estudar o
seu perfil (características socio-demográficas) e a sua
avaliação a respeito das diferentes fontes de informação e
atributos dos sistemas.
Uma efetiva construção teórica para o campo só
ocorreu na década de 1980, com a emergência da abordagem
cognitiva centrada em torno do conceito de comportamento
informacional, quando se deu a troca de uma perspectiva
system-oriented para uma efetivamente user-oriented.
Diversos modelos foram propostos a partir de virada
paradigmática proposta pelo movimento cognitivista nos
estudos de usuários da informação, sendo que pelos menos
cinco modelos se destacam (GONZÁLEZ TERUEL, 2005;
CUNHA, AMARAL, DANTAS, 2015).

89
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

O primeiro destes modelos a adquirir uma grande


importância nos estudos foi o modelo de comportamento
informacional proposto por Wilson (1981). Neste modelo,
está pressuposto que a necessidade de informação é o
mecanismo ativador do comportamento (ou seja, é a
existência de uma lacuna cognitiva que faz os sujeitos
começarem a agir, em termos informacionais). O
comportamento informacional consiste na procura por
informação, com demandas a sistemas de informação e a
outras fontes de informação, sujeitas a sucesso ou fracasso –
sendo o sucesso responsável pelo uso da informação, que
pode ser a transferência ou não, que pode satisfazer a
necessidade ou não. Neste mesmo modelo, o autor apresenta
um quadro de compreensão dos mecanismos de motivação
para a busca de informação. Neste quadro existem aspectos
relacionados ao meio ambiente (ambiente de trabalho,
sociocultural, político-econômico e físico), ao papel social (e
laboral, relativo a níveis de desempenho) e às características
individuais (fisiológicas, afetivas e cognitivas).
Outro modelo que gerou muito impacto nas pesquisas é
o de Krikelas (1983), que também buscou determinar padrões
de comportamento. Seu ponto de partida é o estado de
incerteza, que motiva a coleta de informações, que se dão em
função de necessidades que podem ser futuras ou imediatas,
e em escolhas (ou preferências) por fontes que podem ser
internas (a memória, as observações do indivíduo, seus
arquivos pessoais) ou externas (contato com outras pessoas
ou informações registradas).
Um terceiro modelo fundamental da perspectiva
cognitivista é o da teoria da construção de sentido de Dervin
(1983). Esse modelo é baseado no tripé situação, lacuna e uso.
Trata-se de uma metáfora em que se imagina que o ser
humano age no mundo, mas, em alguns momentos, não
possui a informação necessária para agir (lacuna). Essa
situação o impulsiona a procurar informação. Ao obtê-la, o
indivíduo transpõe a situação problema e, por meio do uso da
informação, retoma sua linha de ação.

90
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Um outro modelo muito influente nos estudos é o de


Ellis (1989) centrado em oito categorias sequenciais de busca
da informação: início, encadeamento, rastreamento,
diferenciação, monitoração, extração, verificação e
finalização. A ideia síntese por detrás dessa sequência é a
seleção, por parte do indivíduo, do que é útil ou pertinente e
a eliminação do que não é; o uso da informação para a solução
de determinada tarefa ou atuação.
O último modelo a ser apresentado aqui, que constitui a
base dos modelos mais influentes em comportamento
informacional, é o de Kuhlthau (1991) baseado no princípio da
incerteza. A autora também identifica um conjunto de etapas
sequenciais (iniciação, seleção, exploração, formulação,
coleta e apresentação), apontando, para cada um deles, quais
são as emoções, os pensamentos e as ações presentes. Ela
enfatiza, portanto, as emoções como fator interveniente
importante e a efetiva formulação de um foco de busca como
o elemento fundamental no sucesso ou fracasso da ação
informacional dos sujeitos.
Uma análise geral destes cinco modelos permite
perceber que eles se filiam a uma mesma concepção de
sujeitos: os indivíduos vivem e agem no mundo, mas sua ação
informacional é apartada dessa dinâmica, ela segue uma
lógica própria (a constatação de uma lacuna ou incerteza; a
satisfação dessa lacuna pelo contato com fontes, serviços ou
sistemas de informação). Existe uma dinâmica linear de ação
informacional, com passos pré-estabelecidos, aos quais estão
associadas emoções e ações, metas e condições de sucesso ou
fracasso. Todos os elementos do mundo ao redor do sujeito
(ambiente, outras pessoas) são tidos como elementos
interferentes, quase “ruídos”, que atuam sobre a estipulada
linearidade das ações.
Aplicando-se o quadro intelectual de Quéré a tais
estudos, pode-se perceber que não ocorre uma efetiva
ruptura com o modelo anterior. Permanece o pensamento
positivista que enxerga subjetividade e objetividade dadas,
pré-determinadas, e uma linguagem meramente
representacionista. Nos estudos até a década de 1980,

91
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

predomina a lógica da transferência, do efetivo contato com


os conteúdos, da adequada transmissão de um conteúdo de
um ponto a outro. Nos estudos em comportamento
informacional, o foco passa a ser o detalhamento desse
processo, nos termos de Quéré, “epistemológico”, isto é, esse
processo de preenchimento, por parte dos sujeitos, de dados
do mundo para a solução dos estados anômalos.
Apenas em uma terceira abordagem de estudos de
usuários, chamada de social ou sociocultural, em torno da
perspectiva das práticas informacionais (PÉREZ GIFFONI,
SABELLI, 2010; CUNHA, AMARAL, DANTAS, 2015; ARAÚJO,
2018) é possível encontrar traços de uma mentalidade
praxiológica.
Neste caso, uma perspectiva pioneira é a de Chatman
(1999), expressa em sua theory of life in the round. Articulando
conceitos como os de mundo restrito, normas sociais, visão de
mundo e tipos sociais, ela busca compreender como se dão,
num ambiente com grande controle social e rotinas
previsíveis, as tentativas individuais de adaptação para
sobrevivência e busca por segurança. A autora se fundamenta
na teoria de Berger e Luckmann sobre como se constroem os
sentidos partilhados socialmente e, dentro deles, os
comportamentos apropriados ou adequados e, ainda, dentro
destes, os comportamentos de busca da informação
apropriados – com a identificação dos limites em que as ações
individuais devem ser mantidos, e as ocasiões excepcionais
em que tais limites podem ser ultrapassados (no caso do
estudo mencionado, quando a informação é percebida com
algo crítico, como especialmente relevante e quando os
limites do mundo restrito não se mostram suficientes).
Um outro modelo, bastante influente em âmbito
internacional, é o modelo de busca de informação na vida
cotidiana de Savolainen (1995). Articulando o conceito de
habitus de Bourdieu, o autor desenvolve uma perspectiva de
estudo em que os fatores individuais (a ocupação do tempo,
os modelos de consumo, os hobbies) e os fatores sociais e
culturais (valores, atitudes, capital cultural, capital social) se
constituem mutuamente e se atualizam no decurso do

92
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

contato mesmo dos sujeitos com a informação. As ações


informacionais não são, assim, algo externo à vida concreta
das pessoas – antes, estão imbricadas em sua própria
constituição. Desse modelo nasceu o conceito de práticas
informacionais, que depois passou a ser utilizado por diversos
pesquisadores como, por exemplo, McKenzie (2003). O
conceito de práticas informacionais também passou a ser
fundamentado teoricamente por vários autores (TALJA,
1997; TUOMINEN; SAVOLAINEN, 1997, TUOMINEN; TALJA;
SAVOLAINEN, 2002, TALJA; TUOMINEN; SAVOLAINEN, 2005)
que destacaram, justamente: o caráter constitutivo da
linguagem, em oposição a uma concepção exclusivamente
representacionista; o caráter construído tanto da
subjetividade dos indivíduos quanto da objetividade do real;
a inserção das ações informacionais nas demais ações e
intervenções que marcam a experiência dos sujeitos no
mundo).
Uma última perspectiva a ser mencionada é a de Lloyd
(2010). A autora apresenta uma distinção entre o que chama
de teorias sociais tradicionais e teorias praxiológicas. Ela
aponta que, embora essa segunda possibilidade ainda seja
pouco conhecida no campo da ciência da informação, ela pode
ser extremamente útil para a análise de aspectos da realidade
humana como a subjetividade, a intersubjetividade, a
construção do significado, a racionalidade, entre outros. Ela
aponta que a vida social existe, e se atualiza, sempre no
interior de um contexto, está imbricada a ele. A autora critica,
assim, concepções que separam os sujeitos e o mundo. Em sua
visão, sujeito e mundo estão sempre conectados por meio de
práticas como vestir, comer, falar, caminhar, trabalhar,
estudar - e, também, buscar e usar informação. Em seu estudo
sobre a competência informacional, a autora identifica que as
habilidades também são um produto social, e refletem os
aspectos sociais, históricos e políticos de um contexto
específico. A identificação com o modelo praxiológico de
Quéré é muito grande neste caso, inclusive com o uso da
mesma nomenclatura para a identificação da perspectiva de
estudo.

93
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão apresentada neste texto se estruturou em
torno da aplicação das ideias de Quéré sobre os modelos
epistemológico e praxiológico para o estudo da informação e,
especificamente, para o estudo de estudo de práticas
informacionais. O objetivo foi tornar mais explícitas as
orientações conceituais que suportam os estudos de práticas
informacionais, mostrando, a partir da concepção de
subjetividade, objetividade, conhecimento e linguagem,
como podem se apontar as limitações de modelos de estudo
muito restritos e se construírem, em contrapartida, modelos
mais sensíveis à complexidade que caracteriza as relações das
pessoas com a informação.

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96
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

PRÁTICAS INFORMACIONAIS, USUÁRIO E


RALÉ ESTRUTURAL COMO NÃO-PÚBLICO:
PRAXIOLOGIAS RESTRITIVA OU RECEPTIVA
Rodrigo Rabello

1 INTRODUÇÃO
O presente capítulo pretende abordar e refletir sobre
desafios para a realização de pesquisas sobre práticas
informacionais, considerando grupos caracterizados pela
desigualdade e invisibilidade social. Há aqui o interesse de
problematizar pressupostos teóricos que restringem ou
podem limitar a ação investigativa e/ou de atuação
profissional, bem como apresentar alternativas teóricas
receptivas de sujeitos e suas práticas, em abordagens
agregadoras.
As ciências da informação e da documentação – dentre
as quais biblioteconomia, arquivologia, museologia,
documentação, ciência da informação, cada qual com sua
particularidade – tendem a considerar, em seu quadro teórico,
sujeitos que, por suas características sociais, culturais e
econômicas, adquirem visibilidade e proeminência como
público de interesse.
O público é composto por sujeitos denominados
usuários de informação. Estes podem ser pensados em ao
menos duas dimensões interdependentes. A primeira tocante
à definição constitutiva do usuário de informação e a
segunda, como parte daquela, relativa à instituição onde se
realizam práticas. Ambas as dimensões são, portanto,
relevantes para demarcar o sujeito como usuário e o espaço
de atuação e intervenção.
As ciências da informação e da documentação tendem a
focar um tipo de espaço em particular para, a partir deste,
definir os sujeitos que com ele se relaciona. Esses espaços são
as instituições de mediação da informação ou unidades de
informação, que podem se configurar como bibliotecas,

97
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

centros de documentação, arquivos, museus, produtos e


serviços de informação em determinado contexto.
As unidades de informação constituem, elas próprias,
sistemas de mediação da informação, já que, com a finalidade
de mediação, coletam, selecionam, tratam e disponibilizam
conteúdos produzidos e consumidos em determinado
contexto ou situação. Aquelas também podem constituir e
manter subsistemas mediacionais, como é o caso dos
catálogos, bases de dados, acervos e coleções, fundos
documentais, dentre outros.
As práticas de mediação são realizadas pelos
profissionais de informação e pelos serviços-meio, os quais,
ainda que indiretamente, também as fazem. Na relação entre
profissionais e serviços-meio, podem ser citados, como
exemplo, os produtos e serviços derivados do tratamento da
informação. Seus recursos são disponibilizados em meios
particulares, como catálogos e bases de dados. Estão
inseridos em espaços institucionais particulares, estruturados
seguindo alguma lógica e organização direcionada a um
determinado público.
Há aqui a consideração de ao menos dois tipos de
sujeitos humanos abordados pela literatura das ciências da
informação e da documentação: o profissional que trabalha
para e/ou com a mediação da informação; e o usuário de
informação, a quem a informação será mediada. Tais sujeitos,
em diferentes graus de relação com o sistema, interferem
direta ou indiretamente no seu desenho, gestão,
gerenciamento, (re)composição e (re)direcionamento.
Nesse cenário, espaço e profissional são dependentes,
ao menos idealmente, dos utilizadores. Se não há demanda
social, em tese, não há sentido de existência e manutenção de
uma instituição ou sistema de mediação da informação. Tal
demanda é criada por ou induzida para um público, isto é, por
ou para usuários de informação reais ou potenciais.
Os usuários de informação reais (ou efetivos) são
aqueles sujeitos que, depois de realizado algum trabalho de
mediação em determinado contexto institucional, utilizam
efetivamente espaços e produtos e serviços de informação lá

98
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

disponibilizados. Já os usuários de informação potenciais


correspondem àqueles sujeitos que, ao possuírem
determinados atributos, podem vir a se tornar usuários reais
ou efetivos. Se no primeiro caso há utilização do espaço ou de
algum produto ou serviço a partir de uma situação de
necessidade de informação, no segundo, o uso pode vir a
ocorrer potencialmente, ainda que dependente, dentre
outros aspectos, de condições prévias dos sujeitos.
Dito de outro modo, os usuários de informação
correspondem aos atores principais ou coadjuvantes no
cenário de atuação mediacional das unidades e dos sistemas
de informação. As práticas informacionais desses atores
podem ser estudadas e facilitadas quando há interação
destes com o sistema de mediação; ou quando os atributos
definidores dos sujeitos podem ser identificados; ou, ainda,
quando – e aqui se diferenciando do pressuposto do sistema
de mediação – há interação e associação entre sujeitos em sua
relação com a informação no contexto de uma comunidade.
Em síntese, o cenário da mediação informacional –
composto por instituições, infraestruturas, dispositivos,
profissionais mediadores e sujeitos utilizadores – define o
público formado por usuários reais ou potenciais. Todavia,
faz-se necessário problematizar tais categorias de usuário
quando deixam de contemplar outros sujeitos no cenário
informacional.
É possível dizer que os sujeitos que permanecem
excluídos de qualquer cenário de mediação da informação
formam o denominado não-público, constituído por não-
usuários. Esses sujeitos – definidos pela negação
correspondente – podem ser investigados, p. ex., em termos
de invisibilidade de grupos e/ou quando se considera algum
tipo de desigualdade social.
O conceito de não-público é abordado por Flusser
(1980), inspirado em ideias do educador e filósofo Paulo
Freire. Questionando a ausência do não-público em contextos
institucionais, Flusser propõe o que, em sua visão, seria
particularmente necessário para a valorização de diferentes
vivências culturais para a transformação de uma “biblioteca

99
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

tradicional” – que desconsidera o não-público – em uma


biblioteca receptiva e agregadora, ou seja, uma “biblioteca
verdadeiramente pública” ou “biblioteca ação-cultural”.
Para além da desigualdade cultural, que culmina na ideia
de não-público, ainda é possível pensar em outros modos de
desigualdade e invisibilidade social. Tais modos podem ser
estudados em termos de desigualdade de classes sociais.
Souza (2011) tem se debruçado, no âmbito do pensamento
social brasileiro, sobre tais questões.
Com tal contribuição é possível refletir sobre uma classe
social que formaria a base da pirâmide no Brasil. Ela se
edificaria tendo como alicerce uma parcela significativa da
população. Ela estaria à margem da “sociedade” e apareceria
“invisível” aos olhos das camadas superiores da pirâmide. De
modo não pejorativo, mas provocativo, Souza (2011)
denomina essa classe de “ralé estrutural”, fruto de um
passado de escravidão e da formação de um Estado
patrimonialista, cujos valores e práticas estão presentes e
moldam o pensamento dominante na sociedade brasileira.
Ambos os conceitos – não-público e ralé estrutural –
foram empregados por Rabello e Almeida Junior (2020), ao
observarem que parte importante do não-público (não-
usuários) é constituída pela ralé estrutural. O caráter parcial
decorre do fato de que a noção de não-público pode se
estender ulteriormente à dimensão da classe social
desprivilegiada, já que a não utilização de determinada
unidade de informação e de seus produtos e serviços pode
ocorrer por motivações diversas, como preconceitos e
inadequação institucional.
Segundo a investigação, há limitações inerentes ao
conceito de usuário de informação, sendo estas de ordem
epistemológica e política, com implicações éticas. Nessa
direção, em virtude do pressuposto limitador do construto de
usuário de informação, este se apresenta como um
imperativo teórico que dificultaria ou impediria conceber a
ralé estrutural como público.
Não obstante, considerando tal percurso, pergunta-se:
como pensar as práticas informacionais de um grupo que, em

100
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

termos teóricos e de atuação institucional, está praticamente


invisível socialmente e, por conseguinte, tende a estar fora do
alcance dos holofotes das ciências da informação e da
documentação?
Há – com tal questionamento – o objetivo de refletir
sobre os desafios para o estudo das práticas informacionais,
estas pensadas em termos de praxiologias restritiva ou
receptiva. Para tanto, o texto propõe uma revisão de
literatura não exaustiva, mas que busca trazer luz a pontos de
inflexão, quais sejam: a possibilidade de concepção da ralé
estrutural como público e, além disso, a receptividade de
práticas em cenários diversificados de desigualdade e de
invisibilidade social.

2 USUÁRIO E PRÁTICAS INFORMACIONAIS


Na presente seção será abordado um aspecto particular
relacionado ao conceito de usuário de informação, para, em
seguida, estabelecer, preambularmente, caminhos para a
relação do conceito com estudos de práticas informacionais.
Finaliza apresentando desafios para tais estudos, quando o
sujeito se encontra em situação de desigualdade e
invisibilidade social.
O estudo de Rabello e Almeida Junior (2020)
fundamentou conceitualmente usuário de informação a partir
de três argumentos ou aspectos conceituais. Tais aspectos
tangenciam a(s): 1. Posição dos sujeitos em modelos que têm
o sistema de mediação de informação como pressuposto; 2.
Posição dos sujeitos para além dos sistemas, num modelo
contextual e situacional ou, numa palavra, social; e 3.
Características dos sujeitos segundo sua posição em classes
ou campos sociais.8

8 Os aspectos 1 e 2 e os respectivos enfoques (paradigmas ou modelos)

informacionais podem também ser apreciados nos estudos de Ørom (2000),


de Capurro (2007), de Araújo (2014), dentre outros. O aspecto 3, tocante às
características dos sujeitos, pode ser observado em termos de classes
sociais, em Rabello e Almeida Junior (2020), ou em campos bourdieusianos,
em Lucas e Silveira (2017).

101
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Nesse momento, o foco será direcionado para o terceiro


aspecto conceitual de usuário de informação. Segundo
observam Rabello e Almeida Júnior (2020), a abordagem das
classes e/ou campos sociais corresponde a um
desdobramento que está sob o espectro do modelo social. A
seguir serão apresentados elementos da fundamentação
daquela pesquisa.
O percurso para essa conceituação de usuário de
informação contou com a fundamentação do estudo de Souza
(2011), ao abordar a ralé estrutural como uma classe social.
Esta estaria subjugada por classes privilegiadas – média e alta
–, as quais lançariam mão de violência simbólica de modo a
lograr ressonância e aceitação junto à opinião pública.
A proposta se apresenta como uma visão alternativa à
ênfase na economia para a definição de classes sociais. A
perspectiva economicista, segundo o autor, daria maior
ênfase às condições materiais. De modo a considerar outras
esferas da vida social para a diferenciação de classes sociais,
Souza (2011) recorre à perspectiva multidimensional advinda
da noção de “habitus” de Bourdieu. Entretanto, ante a uma
suposta restrição praxiológica na concepção bourdieusiana,
Souza (2011) caminha para uma ampliação dos sujeitos
passíveis de serem investigados ao considerar a ralé
estrutural.
Na noção bourdieusiana, o poder simbólico, meio para a
violência simbólica, encontra espaço em disposições das
relações sociais. Tais relações ocorrem, para Bourdieu, em
campos multidimensionais. Neles há a articulação de modos
de capital particulares, como é o caso dos capitais simbólico,
econômico, cultural, social, para citar aqueles que
fundamentaram o estudo de Souza (2011), embora não
estivessem nele sistematizados. No quadro, em apêndice, há
uma proposta de sistematização, haja vista que parte dos
conceitos é empregada no presente texto.
Convergindo com as dimensões propostas por Bourdieu
e com a releitura destas realizada por Souza (2011), o terceiro
aspecto tocante ao conceito usuário de informação – real ou
potencial – foi delimitado considerando-o na condição de

102
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

[...] uma expressão empregada segundo


características atribuídas a determinado
indivíduo com mais ou menos condições
materiais – estando ou não em situação de
invisibilidade social –, mas que goza de
algum capital cultural e social que lhe
confere algum privilégio. [Refere-se à]
figura de um indivíduo com um ou mais
atributos, um sujeito alfabetizado em seu
e/ou em outro(s) idioma(s), com hábito ou
familiarizado com a leitura ou a fruição de
alguma linguagem ou manifestação
estética “socialmente” aceita (cinema,
teatro, música, literatura, poesia, dentre
outras), com certa competência
informacional em termos educacionais,
científicos, técnicos, tecnológicos, dentre
outras. Esse perfil ideal do usuário da
informação determina, mesmo que não
explicitamente, as bases para políticas de
ações e serviços oferecidos nos
equipamentos informacionais [...]
(RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020, p. 19).

Essa concepção, ao posicionar o sujeito que utiliza e se


apropria da informação – segundo a dinâmica e as condições
prévias que o caracterizam – encontra na praxiologia
bourdieusiana um referente. Nela, as práticas realizadas são
situadas e condicionadas por fatores presentes no tipo de
capital incorporado. Como uma característica própria de
qualquer capital, ele pode ser acumulado e reconhecido como
um valor.
Os modos de disposição para a ação são forjados num
sistema de relações sociais. Os usuários de informação
reproduzem privilégios, quando pertencentes às classes alta
e média. Contam com diferenciais advindos da acumulação de
capitais econômico, social, cultural, dentre outros. Como
consequência, gozam de hábitos, capacidades e competências
incorporadas no bojo da família, das relações sociais, das
possibilidades de educação, formação e acesso à informação

103
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

e ao conhecimento, além de condições materiais que também


permitem, em maior ou menor medida, a manutenção ou
ampliação de privilégios.
Em contraponto, o termo ralé estrutural foi empregado
destacando os sujeitos que, para Souza, evidenciam o maior
conflito brasileiro: “o abandono social e político, ‘consentido
por toda a sociedade’, de toda uma classe de indivíduos
‘precarizados’ que se reproduz há gerações enquanto tal.”
(SOUZA, 2011, p. 21). Nessa reprodução, existe, portanto,
“uma sociedade que ‘naturaliza’ a desigualdade e aceita
produzir ‘gente’ de um lado e ‘subgente’ de outro.” (SOUZA,
2011, p. 24).
Nessa direção, as classes alta e média – quando não
ignoram a classe invisibilizada – consideram a ralé estrutural
como corpos e músculos, mercadorias desqualificadas,
destituída de valor. Com preço módico no mercado de
subempregos, a ralé estrutural fornece àquelas o dispêndio
muscular dos afazeres domésticos, dos serviços da
construção civil etc. As classes privilegiadas logram, com isso,
o tempo livre necessário para a manutenção de seus
privilégios.
Aqueles na base da pirâmide social – se pensados em
termos de sujeitos informacionais9 – podem resistir (se
munidos com informação) quando defrontados com discursos
opressores. Os sujeitos se articulam e criam vínculos
identitários em relações sociais complexas, dispostas em
estruturas socioinformativas e inovativas (RENDÓN-ROJAS;
GARCÍA CERVANTES, 2012). Podem admitir “outros sujeitos
influentes em políticas informacionais e que atuam em
dessemelhantes regimes de informação” (RABELLO, 2017, p.
101). Eles podem, ainda, ser estudados a partir das agências
informacionais, expressas, p. ex., em termos de práticas
informacionais.

9O termo “sujeito” utilizado em relação à informação ou a algum fenômeno


a ela tangente tem nomeado conceitos emergentes para representar
aqueles que realizam práticas ou outras intervenções informacionais em
determinados contextos (CRUZ; ARAÚJO, 2020).

104
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Os estudos das práticas informacionais, segundo Araújo


(2020), reconhecem na praxiologia e no movimento da
“práxis” o fundamento da expressão “práticas” em questão.
Nessa direção, os estudos seriam marcados pelo pensamento
relacional, por disposições sociais de significação para busca
e escolha de recursos, por modos de se relacionar com a
informação (regras sociais, negociação, legitimação de
fontes), dentre outros aspectos.
Depois de resgatar e de traduzir o conceito de
Savolainen (2008, p. 2) – a quem as práticas informacionais
correspondem a um conjunto de maneiras “social e
culturalmente estabelecidas para identificar, buscar, usar e
compartilhar as informações disponíveis em várias fontes,
como televisão, jornais e a Internet" – e de trazer parte do
entendimento desse autor sobre o construcionismo social,
Araújo (2020) apresenta contribuições de autores para o
campo, tais como os trabalhos de Caidi, Allard e Quirke (2010),
de Kalms (2008) e de Floegel e Costello (2019).
Os estudos de práticas informacionais – quando
consideram o usuário de informação real ou potencial –
abordam as práticas como fenômeno social que, quando
compreendido, auxilia o profissional a criar, a manter e a
ofertar serviços e recursos em unidades de informação.
Numa outra dimensão, as práticas informacionais
podem ser estudadas como um fenômeno social sem
necessariamente ter no horizonte uma aplicação ou
preocupação com o funcionamento de alguma unidade ou
sistema de mediação da informação.
Há, todavia, em ambas as possibilidades, questões com
implicações epistemológicas, políticas e éticas expressas, p.
ex., nas seguintes perguntas: Como pensar os sujeitos na
condição de não-público ou não-usuário de unidades de
informação? Ou quando estes, complementarmente, se
encontram em contextos de desigualdade e de invisibilidades
social? Noutras palavras, como pensar o estudo das práticas
informacionais dos sujeitos quando na condição, p. ex., de ralé
estrutural como não-público?

105
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

3 PRAXIOLOGIAS RESTRITIVA OU RECEPTIVA


A presente seção objetiva abordar a ralé estrutural
como não-público e situações de agências de modo a refletir
sobre possíveis desafios para os estudos das práticas
informacionais, identificando espaços de atuação em termos
de praxiologias restritiva ou receptiva.
A acepção de ralé estrutural serviu de contraponto para
Rabello e Almeida Junior (2020, p. 19-20) refletirem sobre o
conceito usuário de informação, quando pensado no contexto
das unidades de informação. Este último conceito
desconsidera, segundo os autores, a condição de
desigualdade e de invisibilidade dos sujeitos, já que tende a
“[...] desatender o sujeito que não goza de algum capital
econômico e cultural socialmente aceito.” Conforme esse
entendimento, a ralé estrutural forma “[...] o montante do
não-público das unidades de informação.”
O termo não-público foi utilizado por Flusser (1980) no
sentido de colocar como foco a impossibilidade de a maioria
da população usufruir, em parte ou totalmente, bens
artísticos e culturais. Independe, por assim dizer, do desejo de
fazê-lo ante o espaço ou os recursos e serviços oferecidos.
Para o não-público lhe é cerceada essa possibilidade de
fruição artística e cultural.
O não-público concebido por Flusser (1980) também
corresponde ao contexto da biblioteca; por essa razão,
conforme acrescentam Rabello e Almeida Junior (2020),
igualmente pode ser pensado em termos de não-usuário(s).
No entanto, para Flusser, o não-público foi pensado no
cenário de uma instituição em particular, naquilo que
denominou de biblioteca tradicional.
Nela, o impedimento de utilização de bens culturais
pode ser gerado pela instituição de mediação da informação
e da cultura; ou seja, ela própria – a instituição – pode gerar o
não-público. Para a instituição de mediação, o não-usuário é
aquele sujeito impossibilitado de usufruir do espaço e dos
recursos e serviços informacionais oferecidos. Tal
impossibilidade de utilização pode ocorrer em virtude da

106
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

“ausência” de algum atributo ao não-usuário (RABELLO;


ALMEIDA JUNIOR, 2020).
Nesse sentido, pode-se dizer que a “ausência” de
determinados atributos simbolicamente aceitos auxilia a
definir não-público também em termos de ralé estrutural.
Para esta última classe haveria a carência de capital
econômico e dos capitais social e cultural, aceitos e
valorizados pela sociedade. Portanto, as carências relativas à
posição dos sujeitos em classes sociais também definem o
não-público.
Não obstante, as barreiras institucionais auxiliam a
observar que a condição de não-público transcende as
questões de classe. Existem barreiras diretas e/ou indiretas
para a constituição do não-público. Dentre várias barreiras, a
unidade de informação pode oferecer obstáculos linguísticos
ou de linguagem, afastando pessoas analfabetas, ao só
disponibilizar o texto escrito, ou ao somente oferecer
manifestações culturais aceitas ou acessíveis pelas classes
privilegiadas. A unidade de informação pode possuir, ainda,
barreira arquitetônica, ao não oferecer acessibilidade às
pessoas com deficiência, aos idosos etc. e/ou quando não
permite a entrada de pessoas trans em banheiros e/ou o
acesso de pessoas com determinados trajes.
Nesses termos, mesmo o usuário em potencial –
pertencente às classes privilegiadas – pode ser içado à
categoria de não-público. Além disso, o contraste entre
usuário de informação e não-público aponta para desafios
ético-políticos para o ensino e a pesquisa nas ciências da
informação e da documentação, culminando em desafios para
atuação profissional em unidades de informação.
Há desafios – apontados por Flusser (1980) e reiterados
por Rabello e Almeida Junior (2020) – que precisam ser
enfrentados, como a necessidade de as instituições
tradicionais deixarem de trabalhar para o usuário e passarem
a fazê-lo com a comunidade (considerando também o não-
usuário); ou de as instituições deixarem de ser implantadas na
comunidade, passando a ter uma atuação orgânica; ou
passarem a fomentar uma “[...] conexão crítica com a ‘cultura

107
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

do passado’, [...] para dar voz ou protagonismo à ralé


estrutural como público.” (RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020,
p. 20).
A situação da ralé estrutural como não-público traz um
problema ético-político-epistemológico inerente ao conceito
de usuário de informação, quando pensado no contexto das
unidades de informação ou, noutras palavras, no contexto dos
sistemas de mediação da informação.

A ralé estrutural como não-público desvela


algo que as áreas de biblioteconomia e
ciência da informação, ao priorizar o
usuário de informação, tendem a
desconsiderar. A invisibilidade e a
desigualdade social estão encobertas sob
o véu do conceito de usuário de
informação como um “tipo ideal”, um
imperativo teórico. Tal conceito sintetiza
os atributos materiais, ideológicos e
simbólicos das classes alta e média. Nele
quase não há lugar para relações ou
conflitos de classe. Nesse contexto,
quando o usuário é potencial há a
expectativa de alçá-lo a usuário real, pois
aquele, de antemão, possui algum capital
econômico e/ou cultural para tanto.
Nesses termos, a ralé estrutural como não-
público, sem dispor de tais atributos,
praticamente inexiste ou, sequer, é
colocada no horizonte. (RABELLO;
ALMEIDA JUNIOR, 2020, p. 20).

O cotejo conceitual entre usuário de informação e ralé


estrutural como não-público levanta questões para o estudo
das agências informacionais quando realizado por
pesquisadores para compreender os fenômenos e/ou para
subsidiar ações de profissionais de informação que trabalham
criando, mantendo e/ou ofertando serviços e recursos em
unidades de informação. Nessa perspectiva, corre-se o risco
de se considerar práticas sob uma praxiologia restritiva, que

108
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

apenas contempla sujeitos com atributos das classes


privilegiadas, encarnados no termo usuário de informação.
Os estudos de “informação e comunidade” e/ou de
“usuários e não-usuários” oferecem caminhos com um escopo
ampliado (RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020). Podem ser
pensados no sentido de uma praxiologia receptiva, que
considera a variedade de sujeitos e de suas agências. Nesses
estudos, a “práxis” recepciona, também, questões de classe
social. Assim, eles podem se preocupar com a condição da ralé
estrutural como não-público, mas no sentido de evidenciá-la
ou de apresentar alternativas para transformá-la em público.
Todavia, nesse contexto de receptividade e de
alargamento praxiológico, as práticas informacionais podem
ser estudadas como um fenômeno social sem
necessariamente ter como horizonte alguma aplicação – ou
seja, gerir, manter ou aperfeiçoar sistemas, produtos e
serviços de informação –, ainda que, em última instância, o
conhecimento produzido possa ser relevante em contextos
institucionais de mediação.
Apresentam-se, a seguir, estudos que apontam para
uma praxiologia receptiva de sujeitos e suas práticas. Isso
pode ocorrer em ambiências diversificadas, em situações para
além dos contextos profissionais, apreciando a vida cotidiana
e podendo acolher diferentes estratos sociais.
O estudo de Caidi, Allard e Quirke (2010)10 aborda
práticas informacionais de imigrantes, apresentando
investigações que desvelam barreiras e dificuldades de

10 A revisão de Caidi, Allard e Quirke (2010) se diferencia dos demais

trabalhos publicados pela Annual Review of Information Science and


Technology (ARIST) – entre 1966 a 2009 – sobre o campo que se estabeleceu,
no Brasil, com o nome de estudos de usuários. Até 1990, as revisões da
ARIST publicaram investigações sobre necessidade, busca e uso da
informação e, a partir de 2001, passaram a agregar abordagens sobre
comportamento e práticas informacionais em contexto (RABELLO, 2013).
Contudo, o fizeram sem mencionar, no título da revisão, uma determinada
categoria de grupo, como foi o caso dos imigrantes na revisão de 2010.
Estudos sobre práticas informacionais passaram ganhar proeminência nas
revisões da ARIST do final da primeira década de 2000, como é o caso da
revisão de Courtright (2007).

109
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

acesso à informação, como as estruturais (de tecnologia, de


língua) e sociais (dificuldades de comunicação, valores
culturais, isolamento). Ao reconhecer a relevância do tema, a
revisão de literatura traz investigações que visam fornecer
subsídios aos profissionais de informação para que obtenham
dados a respeito de como imigrantes buscam, acessam e
utilizam informações, quais suas necessidades e quais
práticas adotam ante as barreiras enfrentadas na vida
cotidiana.
A revisão sobredita trouxe critérios orientadores para a
formulação e aplicação de políticas de imigração no Canadá,
quais sejam: familiar (consanguinidade com cidadãos do país
anfitrião), refugiado (questões humanitárias) e econômico
(adaptação ou utilidade ao sistema produtivo no país). Este
último representa a maioria de casos identificados naquele
país e a partir dele se prioriza um sistema de pontos no qual
são valorizados fatores como situação econômica, habilidade
linguística, experiência de trabalho, idade etc.
Apesar das implicações relativas ao imigrante em um
contexto cultural a ele diferente ou estranho, os três critérios
para a admissão e permanência do imigrante tocam, direta ou
indiretamente, questões ou privilégios de classe. O capital
social (familiar e/ou redes de colaboração no país anfitrião
e/ou advindo desde o país de origem ou de outros) soma-se
aos capitais cultural, econômico e político, onde se valorizam,
p. ex., formação, conhecimento e experiência técnico-
profissional, habilidades linguísticas, comunicativas, de
adaptação à nova cultura, às normas e regras cívicas etc.11
A pesquisa de Kalms (2008) explora como e por que uma
família assume o controle de informações, abordando o
ambiente doméstico como um lugar de consumo e gestão de
informação. A casa, nesses termos, se configura como um

11 Ainda que os modos de capitais não tenham sido abordados em termos


bourdieusianos – exceto em uma aproximação das interpretações aos
conceitos de capitais econômico e social –, os problemas descritos por Caidi,
Allard e Quirke (2010) se traduzem em barreiras para o estudo das práticas
informacionais, algo que pode ser observado em termos de “integração”,
“inclusão/exclusão” e “residência” dos imigrantes.

110
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sistema no qual os sujeitos lançam mão de recursos, serviços


e tecnologias informacionais. O autor estudou as práticas
informacionais de chefes de família na Austrália, mediante a
análise dimensional proposta por Schatzman. Chegou-se a
dois processos de habilitação e nove dimensões de ação, por
intermédio dos quais foi possível observar que as práticas
“representam uma ordem negociada para processamento e
gerenciamento de informações em uma casa.” (KALMS, 2008,
tradução nossa).
O estudo de Floegel e Costello (2019) investiga práticas
de informação de pessoas queer12 em mídia de
entretenimento, considerando, especificamente, conteúdos
ficcionais e de não-ficção criativa, veiculadas em filmes e na
televisão. A identidade dos sujeitos na relação com os meios
e as práticas inclui aspectos como busca, satisfação, consumo,
validação, avaliação e apuração de fatos. Revelam aspectos
positivos e negativos não apenas nas práticas das pessoas
queer tocantes às mídias de entretenimento, mas também em
suas experiências em acessar os conteúdos em instituições de
informação.
À luz de uma praxiologia receptiva – em cujas práticas
podem ser estudadas em contextos múltiplos, em agências de
sujeitos diversificados – quais convergências podem ser
apontadas nos estudos sobre imigrantes, donos de casa e
pessoas queer? Adiante seguem ponderações de ordem
epistemológica e teórico-metodológica, com alcance
conceitual e ético-político, também relativas a questões de
práticas no cenário de classes sociais, algo de interesse para a
reflexão sobre a ralé estrutural como não-público.
Os três estudos sobre práticas informacionais
demonstram o emprego de uma praxiologia receptiva. Dois

12 Conforme explicam Floegel e Costello (2019), a palavra queer, para além


de ser uma expressão pejorativa – quando abordada como uma
manifestação homofóbica no sentido literal das palavras “estranho”,
“ridículo”, "desviante", "aberração" etc. –, tem se apresentado como um
termo construcionista para tratar de aspectos de gênero e sexualidade em
contextos socioculturais de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais,
queer, intersexuais, dentre outras (recepcionados pela sigla LGBTQI+).

111
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

dos estudos – sobre imigrantes e pessoas queer –


investigaram temas e sujeitos que podem sofrer situações de
desigualdade e invisibilidade social. Conquanto o
direcionamento não tenha sido o de estudar as práticas de
usuários de algum sistema de informação específico, os
autores admitiram a relevância dos resultados para aplicação
em instituições.
Em relação ao lugar dos sujeitos priorizados, ainda que
situados no espaço e no tempo, existe um aspecto definidor
nos três estudos exemplificados. Os sujeitos foram
investigados no contexto de países desenvolvidos, como é o
caso dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália, algo que
pode influenciar ou ser definidor da abordagem da pesquisa.
Apesar de aspectos sobre desigualdade social serem
relevantes para estudos em distintos contextos, faz-se
necessário observar que o conceito de ralé estrutural de
Souza (2011) tem como aspecto orientador características e
construtos desenvolvidos no âmbito do pensamento social
brasileiro. Portanto, está inscrito no bojo dos problemas
histórico-sociais enfrentados na América Latina e,
particularmente, no Brasil.
Nos estudos exemplificados, as pessoas e suas práticas
no ambiente familiar e doméstico, sejam elas queer ou não,
podem ser analisadas à luz de problemas sociais. Barreiras
sociais, para pessoas queer, podem estar associadas, p. ex., a
preconceitos. Dificuldades informacionais no ambiente
doméstico – quando analisadas, p. ex., a partir de famílias com
baixa renda – tendem a ter alguma associação com questões
relativas à estrutura de classes. Já para o estudo sobre
práticas de imigrantes, conforme observado, a dimensão da
classe social tende a ser relevante, quando são considerados,
p. ex., capitais cultural, social e econômico para aceitação ou
permanência do imigrante no país.
Para além do contexto do imigrante, da pessoa queer e
do dono de casa, se a ralé estrutural como não-público fosse
considerada em um estudo de práticas informacionais, seria
possível investigar o não-usuário – pertencente a
determinada comunidade – em sua relação com a informação.

112
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Portanto, a perspectiva das práticas informacionais poderia


acolher estudos das agências de sujeitos – ao mesmo tempo –
imigrantes, queer, donos de casa e pertencentes à ralé
estrutural como não-público. A transversalidade praxiológica
observada no exemplo demonstra sua receptividade ao
acolher sujeitos e suas práticas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pesquisas sobre práticas informacionais têm
apresentado abordagens teórico-metodológicas profícuas
para o alargamento do alcance praxiológico.
A expressão “estudo de usuários” – quando pensada em
contextos tradicionais das unidades de informação – tende a
condicionar a investigação em uma praxiologia restritiva. Isso
porque a acepção de usuário de informação, naquele
contexto, carrega determinantes conceituais que induzem a
desconsiderar, p. ex., a questão social da ralé estrutural como
não-público.
A praxiologia restrita ao usuário (real ou potencial) de
uma unidade de informação tradicional pressupõe que o
sujeito estudado somente o será por trazer consigo atributos
os quais, por vezes, estão expressos em capitais acumulados
e valorados socialmente. O pesquisador e/ou o profissional,
nesse cenário, estuda as práticas no sentido de atuar para o
sistema de mediação ou para o sujeito a quem a informação
ou a “cultura do passado” será mediada.
A praxiologia receptiva – de sujeitos e práticas diversas
– igualmente contribui com o campo das ciências da
informação e da documentação, mas podendo considerar
distintos estratos e contextos sociais. Ela o faz tanto em
termos de ciência básica ou fundamental – para compreender
o fenômeno, mas sem a necessária intenção de aplicação –,
como para fundamentar e/ou subsidiar a aplicação em
instituições e unidades de informação.
Neste último caso, pesquisador e/ou profissional
pode(m) investigar as práticas com vistas a atuar não apenas
para, mas também com a comunidade. Nessa direção, há a

113
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

possibilidade de se trabalhar organicamente junto à


comunidade, promovendo uma mediação crítica da
informação e da “cultura do passado” e dando voz e
protagonismo, p. ex., à ralé estrutural, aos negros, aos
indígenas, às pessoas LGBTQI+, às pessoas com deficiência
etc., no sentido de considerar os sujeitos como público.
Nos estudos das práticas informacionais, como em
qualquer estudo, as escolhas epistemológicas e teórico-
metodológicas serão também ético-políticas. Isso porque
trabalhar com uma praxiologia restritiva ou receptiva de
sujeitos e suas práticas reflete ou contrasta com a visão de
mundo do pesquisador e/ou do profissional e implica
restringir ou ampliar o escopo de sujeitos. Com efeito, tais
escolhas do pesquisador e/ou do profissional darão a régua e
o compasso para a definição de quem deve ou pode ser
estudado. Demarcam quais sujeitos e quais práticas
informacionais serão priorizadas, silenciando e invisibilizando
uns, dando voz e trazendo ao cenário outros.

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116
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

APÊNDICE

Quadro – Parte de conceitos correspondentes ao habitus


bourdieusiano.
Subordinado a outras formas de poder. É difícil de ser
reconhecido já que é transformado, transfigurado, mas
Poder nem por isso deixa de ser legitimado. Ele é invisível e “[...]
simbólico só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que
não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que
o exercem.” (1989, p. 7-8).
Depende das relações de poder “[...] material ou
simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas
Violência instituições) envolvidos nessas relações.” (1989, p. 11).
simbólica Exerce, para algum modo de dominação de uma classe
sobre outra, função instrumental de imposição ou de
legitimação política e de poder simbólico.
Ou distinção, prestígio, reputação, fama, etc. É “[...] a
forma percebida e reconhecida como legítima das
diferentes espécies de capital” (1989, p. 134-135). Nesses
Capital
termos, o modo de disposição do capital é reconhecido
simbólico quase que automaticamente ou percebido “[...] por um
agente dotado de categorias de percepção [...]” (1989, p.
145).
Medido em termos materiais. A “[...] hierarquia que se
estabelece entre as espécies do capital e a ligação
Capital
estatística existente entre os diferentes haveres fazem
econômico com que o campo econômico tenda a impor a sua
estrutura aos outros campos.” (1989, p. 135).
Advém da nem sempre visível “transmissão doméstica”,
somada ao investimento de tempo, para além, mas em
relação, com o ganho e o investimento monetário (1989,
p.73). Ele pode existir sob três formas: “[...] no estado
Capital incorporado, ou seja, sob a forma de disposições duráveis
cultural do organismo; no estado objetivado, sob a forma de bens
culturais – quadros, livros, dicionários, instrumentos,
máquinas [...]; e, enfim, no estado institucionalizado, [sob
a forma de diplomas e certificados escolares].” (1989,
p.74).
É “[...] o conjunto de recursos ou potenciais que estão
ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou
menos institucionalizadas de interconhecimento e de
Capital
inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação
social a um grupo, como conjunto de agentes que não somente
são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem
percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles

117
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

mesmos), mas também são unidos por ligações


permanentes e úteis. [...] O volume do capital social que
um agente individual possui depende [...] da extensão da
rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e
do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico)
que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está
ligado.” (1998, p.67).
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Bourdieu 1989 e 1998.

118
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

ABORDAGENS SOBRE O SUJEITO


INFORMACIONAL E SUAS INTER-RELAÇÕES
COM A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Maira Cristina Grigoleto
Marta Leandro da Mata
Fernando Luiz Vechiato

1 INTRODUÇÃO
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC),
sendo um dos componentes da sociedade da informação, são
preocupações inerentes no tocante aos fluxos e ao
processamento da informação desde a gênese da Ciência da
Informação na década de 1960.
Mais recentemente, Zins (2007, p. 339, tradução nossa),
aborda que a Ciência da Informação “[...] é o estudo de
perspectivas mediadoras do conhecimento humano
universal”, sendo que essas perspectivas abarcam aspectos
cognitivos, sociais e tecnológicos, fatores que devem ser
considerados no projeto de sistemas de informação e na
elaboração de produtos, de recursos e de serviços de
informação no contexto dos ambientes informacionais
analógicos e digitais.
Diante deste cenário, torna-se imprescindível articular
discursos com vistas ao entendimento das interlocuções
teóricas e práticas que permeiam a interação da sociedade
contemporânea com o desenvolvimento tecnológico, mais
especificamente das inter-relações entre as abordagens
sobre os sujeitos informacionais e a sociedade da informação
no âmbito da Ciência da Informação.
Grigoleto (2018), com a proposta de desnaturalizar as
concepções de sujeito informacional, menciona alguns
aspectos para melhor compreendê-lo, trazendo uma reflexão
a partir dos pressupostos da sociedade da informação, de
modo a considerar determinadas alocações,
institucionalidades e historicidades. A autora desenvolve essa

119
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

discussão a partir do olhar da Ciência da Informação,


permitindo repensar o sujeito no modo informacional pelas
suas relações e interações com técnicas e tecnologias.
A partir dessas premissas, este estudo teve como
objetivos: 1) refletir a respeito das abordagens sobre o sujeito
informacional no contexto da Ciência da Informação e sua
relação e/ou suas inter-relações com a sociedade da
informação; e, 2) apresentar uma abordagem teórico-
metodológica dos estudos de usuários da informação em
ambientes informacionais, bem como demonstrar sua
relevância frente à Arquitetura da Informação,
especificamente em ambientes informacionais digitais.
As relações dos sujeitos com técnicas, tecnologias e
ambientes informacionais foram apresentadas, em um
primeiro momento, em analogia com as proposições de
Roberts (1982) sobre a noção de “homem informacional” e
pelas dinâmicas das transformações técnicas e tecnológicas,
pautadas na concepção da informação como força motriz
desde movimentos pós-industriais.
Em um segundo momento, a partir de uma perspectiva
da Biblioteconomia e da Ciência da Informação, pensa-se nos
estudos de usuários da informação e suas abordagens
tradicional, cognitiva e social, de forma que possam ser
observados os enfoques dados nas investigações ao sujeito
informacional ao longo do tempo nestas áreas.
Posteriormente, são abordados aspectos relacionados
aos estudos com sujeitos informacionais frente aos
ambientes informacionais digitais que se desenharam a partir
do advento da World Wide Web, considerando os estudos
interdisciplinares que têm favorecido a reflexão e a prática no
projeto desses ambientes.

2 SUJEITO INFORMACIONAL E SOCIEDADE DA


INFORMAÇÃO
A abordagem da noção de sujeito informacional é
conduzida a partir de alocações realizadas pela Ciência da
Informação, em diferentes historicidades, considerando

120
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

formas de tratamento para problemáticas acerca da relação


entre sujeito e objeto na denominada sociedade da
informação. Mais especificamente, destaca-se como em
determinadas configurações de espaço e de tempo certos
encaminhamentos disciplinares e científicos conceberam o
objeto informação e as práticas dos sujeitos com informação.
Considera-se as formulações de Roberts (1982)
referentes ao “homem informacional”, em analogia a de
“homem econômico”, importante referencial para
entendimentos de processos retrospectivos e diretrizes
prospectivas a respeito de como e para quais efeitos tal
denominação foi atribuída pelos cientistas da informação. Em
complemento, chama-se a atenção para os posicionamentos
do autor relacionados à condição social da Ciência da
Informação e as contribuições que emergiram à época de suas
análises para a aceitação da informação como fenômeno
social, bem como sobre as lacunas em estudos e trabalhos de
informação que relutavam em aceitar esses desdobramentos
intelectuais (ROBERTS, 1976).
Em concordância com Araújo (2013, p. 3), concebe-se
que a noção de sujeito informacional é mais do que uma
“evidência empírica” que trata das relações dos seres
humanos com os objetos documento e informação, sendo
esse sujeito um tipo particular que “[...] usa, busca, sente falta
ou dissemina informação”.
Como questionado por Roberts (1982, p. 96, tradução
nossa): “Que características distinguem o homem
informacional para nós?”. As diretrizes para respostas
esperadas, em um primeiro nível da analogia “com o homem
econômico clássico da informação”, estão vinculadas a alguns
padrões de comportamento: a entrega dos sujeitos “a atos
racionais de informação” para aceitação, seleção e melhor uso
de informações em tomadas de decisões; a consideração da
informação como capital econômico que deve ser gerado,
obtido e utilizado sem influências comportamentais; e o
desenvolvimento de atividades em “ambientes de informação
artificiais” (ROBERTS, 1982, p. 96, tradução nossa).

121
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Os padrões apresentados aproximam-se da concepção


objetiva de informação13 e da forma de relação do sujeito com
essa, pautada na aceitação, uso e nenhuma maneira de
intervenção. Ou seja, o enfoque está no objeto (sistema de
informação ou ambiente de informação artificial), sendo o
sujeito elemento passivo nessa relação (GONZÁLEZ DE
GÓMEZ; RABELLO, 2017). Alguns direcionamentos nesse
sentido podem ser verificados em estudos desenvolvidos, a
partir da década de 1960, nos Estado Unidos da América
(EUA), Inglaterra e países nórdicos, relacionados à information
needs and uses (ARAÚJO, 2013). Para Roberts (1982), este
seria um estágio em que o protagonismo do comportamento
informacional (information behavior) ainda não era declarado.
O estágio de desenvolvimento do sujeito informacional,
o do “homem informacional moderno”, corresponde a
processos e modelos mais interativos e a entendimentos mais
realistas sobre sistemas e comportamentos dos sujeitos,
tendo como base a dimensão subjetiva da informação, com
potencialidade de ampliação para a perspectiva social da
informação (ROBERTS, 1982). Nessa última perspectiva, a
construção de sentido à informação dá-se por intermédio do
contexto social, no qual a apropriação de conhecimento
ocorre independente da noção de sistema e o sujeito pode ser
concebido como um ator cognitivo-social (GONZÁLEZ DE
GÓMEZ; RABELLO, 2017).
Roberts (1982) concebeu que os percursos da década de
1980 traziam indicadores promissores. De fato, no final do
século XX e início do século XXI, percebeu-se o aumento de
investigações com enfoque no sujeito informacional para
integração de características individuais e coletivas do
comportamento dos usuários e a introdução em contextos
socioculturais mais amplos pelos vieses do construtivismo, da

13As apresentações das dimensões objetiva e subjetiva tem respaldo em:


CAPURRO, R. Epistemología y Ciencia de la Información. Enl@ace: Revista
Venezolana de Información, Tecnología y Conocimiento, Año 4, n.1, Enero-
Abril, p.11-29, 2007.

122
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

formação de conhecimento, da fenomenologia e da


subjetividade (ARAÚJO, 2013).
Tais questões podem ser observadas pelos
pressupostos da sociedade da informação e da sociedade em
rede, principalmente desde o início da década de 1970 nos
EUA, recorte espaço-temporal estabelecido por Castells
(1999) para tratar do grande progresso tecnológico com base
na tecnologia da informação. O autor destaca que a revolução
da tecnologia da informação na década de 1980 “[...] foi
essencial para a implementação de um importante processo
de reestruturação do sistema capitalista [...]” (CASTELLS,
1999, p. 50).
Cabe menção ainda à transformação das bases materiais
do industrialismo nos movimentos “pós-industriais”, que
passaram a reconhecer a informação como matéria-prima, a
penetrabilidade dos aparatos tecnológicos e a lógica das
redes como dispositivos relevantes para o tratamento de
processos inter-relacionados nas práticas dos sujeitos em
conjunturas informacionais (CASTELLS, 1999).
É fundamental a indicação de que as relações entre
sujeitos e objetos, com intermédio de dispositivos técnicos e
tecnológicos, são dinâmicas. No entanto, infere-se que alguns
instrumentos analíticos podem contribuir para o tratamento
de questões e problemas a serem enfrentados pelos
cientistas da informação para sustentar estudos que buscam
a centralidade dos sujeitos em dimensões sociais da
informação.
Desse modo, as reflexões de Foucault (2011, p. 155)
sobre o sujeito permitem a recuperação de elementos
estratégicos, principalmente as relativas às noções de
tecnologias de si, ou seja, “[...] as técnicas que permitem aos
indivíduos realizarem, por eles mesmos, um certo número de
operações sobre os seus próprios corpos, almas, pensamento,
condutas”.
O percurso desenvolvido até o momento foi conduzido
em diálogo com o que o autor considera importante para a
análise do sujeito: “[...] o encontro entre as maneiras pelas
quais os indivíduos são dirigidos por outros e os modos como

123
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

conduzem a si mesmos [...]” (FOUCAULT, 2011, p. 155). Em


outros termos, a compreensão de técnicas de coerção em
modos informacionais objetivos e racionais e os
deslocamentos para possibilidades de processos e
procedimentos pelos quais o sujeito possa agir por si mesmo;
não desconsiderando os dispositivos necessários para auxiliá-
los em suas práticas.
Para a continuidade desses apontamentos iniciais, o
sujeito informacional será tratado desde aportes teórico-
metodológicos dos estudos de usuários para o
reconhecimento de necessidades, modelos e práticas em
diferentes ambientes informacionais. Mais adiante, os
ambientes informacionais digitais serão enfatizados a partir
da perspectiva da Arquitetura da Informação.

3 PERSPECTIVAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS DOS


ESTUDOS DE USUÁRIOS
Ao discorrer a respeito do sujeito informacional, é
importante trazer uma breve apresentação sobre o
desenvolvimento histórico dos estudos de usuários a partir de
suas abordagens teórico-metodológicas: a tradicional,
cognitiva e social.
Neste sentido, Pinto e Araújo (2019, p. 16) explanam
que os estudos de usuários envolvem investigações acerca do
levantamento do uso de fontes de informação em bibliotecas
e arquivos, bem como pesquisas com maior nível de
complexidade no que tange aos sistemas ou ao seu escopo
conceitual que, por sua vez, abarcam os “[...] processos de
demanda, necessidade, busca, uso, produção e disseminação
de informações pelas pessoas ligadas ou não às instituições.”
Entre 1940-1970, com viés na abordagem tradicional, os
estudos de usuários encontravam-se direcionados à
biblioteca e aos seus recursos e produtos, com ênfase na
utilização de métodos quantitativos, visto que as pesquisas
“[…] se preocupavam em identificar notadamente a
frequência de uso de determinado material e outros
comportamentos de forma puramente quantitativa”

124
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

(BAPTISTA; CUNHA, 2007, p. 171). Salienta-se que em 1970 as


investigações dirigiam-se para as necessidades
informacionais de determinados grupos (FIGUEIREDO, 1994).
No que se refere aos seus objetivos, estes estavam
voltados para a identificação dos documentos mais usados
pelos usuários das bibliotecas; para a verificação dos hábitos
de seus usuários para saber como obtinham informações nas
fontes disponibilizadas; para averiguar as formas de buscá-las
e acessá-las e; estudar a aceitação do microforma (tecnologia
usada à época que permitia o armazenamento de materiais de
forma reduzida) (FIGUEIREDO, 1994).
A autora também pontua os instrumentos utilizados
para a coleta de dados, que eram: questionário
(pessoalmente ou via correio); entrevistas (estruturada, não
estruturada, gravada em fita); diário (escrito ou gravado em
fita); observação direta (pelo investigador ou filmado para
tela ou vídeos); por meio do controle da interação do usuário
com o sistema computadorizado; análise de tarefas e
resolução de problemas; técnica de incidente crítico
(FIGUEIREDO, 1994).
Nesta abordagem a informação é vista “[…] como
externa, objetiva, alguma coisa que existe fora do indivíduo”
(FERREIRA, 1995, p. 3). Desta forma, desconsidera-se o sujeito
informacional em sua complexidade, de sua realidade
particular e social, dos estoques de informação internos
(conhecimentos prévios que são usados para compreender as
informações externas /e agir diante de diferentes situações).
Ao longo das décadas seguintes, esses modelos
analíticos objetivos e racionais para verificação do
comportamento dos usuários passaram a ser compreendidos
como limitadores e insuficientes para dar conta de sistemas
de informação reais e das formas de interação possíveis dos
usuários. Do mesmo modo, cabe o apontamento de
formulações que começaram a considerar as características
subjetivas da informação, pelas quais passou-se,
paulatinamente, à aceitação do papel dos sujeitos no
processo de atribuição de sentido à informação. Embora a
preocupação com os sistemas de informação ainda recebesse

125
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

certa centralidade, iniciava-se um deslocamento do eixo


sistema-usuário para o eixo usuário-sistema.
Assim, a partir de 1980, os estudos direcionam-se para a
abordagem cognitiva, colocando o indivíduo como elemento
central, tendo-se suas preocupações ligadas aos processos
que dizem respeito ao surgimento das necessidades
informacionais dos sujeitos a partir de determinada
situação/contexto, dos procedimentos de busca realizados e
uso da informação.
Ressalta-se que as teorias que tentam explicar o
comportamento humano, isto é, o reconhecimento de uma
necessidade de informação e o uso da informação (como os
processos de compreensão e aprendizagem) envolvem
elementos cognitivos (WILSON, 2016).
Desta forma, houve um impulso em busca de
ferramentas mais aprimoradas e a elaboração de conceitos
mais complexos sobre a noção de “homem/sujeito
informacional”; tais movimentos podem ser reconhecidos em
trabalhos concernentes ao que foi denominado
comportamento informacional e comportamento de busca da
informação (ROBERTS, 1982). Nesta abordagem, utilizam-se
mais instrumentos de coleta de dados qualitativos.
Neste período, surgem diversos modelos, com destaque
para: Estado Anômalo do Conhecimento (BELKIN, 1980);
Comportamento Informacional (WILSON, 1981); “Sense
Making” (DERVIN, 1983); Modelo Comportamento de Busca
de Informação (ELLIS, 1989); Processo de Busca da
Informação (KUHLTHAU, 1991); Modelo de Comportamento
Informacional de Wilson e Walsh (WILSON, 1999).
Para Roberts (1982, p. 102, tradução nossa), no percurso
de avanços dos modelos pré-estabelecidos e firmados, as
contribuições de Wilson (1981) representavam um
importante “[...] estágio inicial de uma reação contra o
analítico, explicativo e a esterilidade preditiva de abordagens
comportamentais anteriores”. No sentido de respaldar a
projeção de sistemas de informação mais eficazes, Wilson
(1981) indicava a relevância da apropriada aplicação de
pesquisas qualitativas em estudos sobre o comportamento

126
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de busca de informação para o entendimento dos fatos que


impulsionam os sujeitos e suas necessidades de informação
(ROBERTS, 1982).
Wilson (2010) discorre que o uso de métodos
qualitativos propicia investigações mais aprofundadas, com
resultados que podem ser muito reveladores, porém, carece-
se de estudos em grande escala, como era realizado na
abordagem tradicional, tendo-se pouca evidência do impacto
da pesquisa sobre a política ou prática.
A partir de 1990, surgem teorias que consideram os
ambientes de interação dos sujeitos, que são as pesquisas
com abordagem social, pois passou-se a refletir acerca das
“[...] relações entre as pessoas em seus respectivos contextos
para estudarem os fenômenos informacionais” (PINTO;
ARAÚJO, 2019, p. 20), ampliando-se as perspectivas no
âmbito dos estudos de usuários da informação.
Os autores compreendem que as práticas
informacionais estão ligadas “[...] às necessidades, à busca, ao
uso, à produção e à disseminação de informações pelos
indivíduos em todos os momentos da sua vivência dada em
determinadas condições históricas e sociais”. Essa vivência é
mutável no espaço e no tempo, devendo incluir a
historicidade na construção e na atuação dos sujeitos
informacionais (PINTO; ARAÚJO, 2019, p. 29).
Salienta-se que para compreender as práticas
informacionais é necessário analisar as práticas sociais, visto
que o contexto não é algo a parte na vida dos sujeitos. Neste
sentido, ressalta-se que estes estudos se utilizam de
metodologias das áreas de Ciências Sociais e de Antropologia
(ROCHA; GANDRA; ROCHA, 2017). Observa-se que as
investigações neste campo estão em desenvolvimento.
No que se refere às práticas informacionais, foram
elaborados alguns modelos, como o de Busca de informação
na vida cotidiana - Everyday Life Information Seeking (ELIS), de
Savolainen (1995), o Modelo Bidimensional de Práticas
Informacionais, de McKenzie (2003), o Modelo teórico de
desenvolvimento dos adolescentes urbanos, de Agosto e
Hughes-Hassell (2006), o Modelo de Práticas Informacionais

127
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de adolescentes criadores de conteúdos digitais, de Harlan


(2012), entre outros.
Perante o exposto, observa-se que diversas
investigações foram realizadas ao longo do tempo,
contribuindo para uma construção teórico-metodológica
diversificada no que se refere aos estudos de usuários da
informação. Para Pinto e Araújo (2019, p. 28), essas
abordagens “[...] demonstram a importância e a complexidade
dessa temática por se tratar de fenômenos dinâmicos que
surgiram na nossa convivência em comunidade”.
Com a emergência dos ambientes informacionais
digitais da Web, tornam-se necessárias as reflexões
apresentadas nesta seção de forma alinhada a aspectos
relacionados ao projeto e ao desenvolvimento desses
ambientes e de sistemas de informação, o que será tratado na
próxima seção.

4 O SUJEITO INFORMACIONAL NO CONTEXTO DOS


AMBIENTES INFORMACIONAIS DIGITAIS
A importância das TIC para a Ciência da Informação, já
observada por Saracevic (1996), é evidenciada por Santos e
Vidotti (2009) e Vechiato e Vidotti (2014), ao destacarem a
concepção não esvaziadora de que elas seriam meras
ferramentas que atuam na transversalidade dos processos
informacionais. Partem do entendimento de que são
necessários estudos interdisciplinares teóricos e práticos que
expressem a autonomia das TIC como um dos objetos de
estudo do referido campo científico, a fim de atender a
problemas específicos derivados do desenvolvimento
tecnológico.
Essa compreensão se refere ao alinhamento dos
aspectos sociais e culturais no contexto da sociedade da
informação com o desenvolvimento de tecnologias
computacionais e de rede, convergindo para a necessidade de
considerar fatores sociais e cognitivos inerentes aos sujeitos
informacionais para os quais as informações são disseminadas
por meio de ambientes informacionais digitais.

128
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Nessa direção, Moura (2006, p. 4) entende que a Ciência


da Informação tem como função a articulação de sistemas de
informação “[...] que operem no nível físico a diversidade
comportamental apresentada pelos sujeitos na busca da
informação.”
A World Wide Web, que emergiu na década de 1990,
possibilitou às organizações a disseminação de informações e
a oferta de produtos e serviços em ambientes informacionais
digitais. A partir de então, foi constantemente observado o
aumento de informações disponíveis na Internet, o
surgimento de mecanismos de busca, bem como de
ambientes colaborativos que possibilitaram a qualquer
sujeito a produção e o compartilhamento de conteúdos.
Diante desse cenário, a Ciência da Informação passou a
se debruçar na resolução de problemáticas inerentes ao
excesso derivado do crescimento exponencial de informação
e na estruturação de ambientes informacionais digitais,
estabelecendo diálogo interdisciplinar com a Ciência da
Computação, com o Design, com a Administração, com as
Ciências Cognitivas entre outros campos de conhecimento.
No final da década de 1990, Louis Rosenfeld e Peter
Morville publicaram um importante livro sobre Arquitetura da
Informação aplicada à Web (ROSENFELD; MORVILLE, 1998),
abordando elementos que passaram a auxiliar projetistas de
ambientes informacionais digitais na estruturação e na
organização da informação digital. Esses elementos são
resultantes de um diálogo interdisciplinar entre a
Biblioteconomia, o Design, a Ciência da Informação, a
Administração entre outras disciplinas e campos científicos.
Nesta referida obra, os autores apresentam uma
abordagem metodológica para o projeto de ambientes
informacionais digitais, a partir da interseção de três
dimensões, quais sejam:
 Contexto: relativo à organização, em que são
observados aspectos como objetivos do
negócio, cultura, tecnologia, financiamento
entre outros;

129
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

 Conteúdo: relativo ao que será disponibilizado


no ambiente, sendo observados aspectos como:
tipos e formatos de documentos, metadados,
estrutura informacional entre outros;
 Usuários: são observados aspectos como perfil
de usuários, vocabulário, experiência e
comportamento de busca de informação.

A partir dessa abordagem, é possível compreender a


importância do estudo de usuários para o projeto de
ambientes informacionais digitais, considerando o público-
alvo que está associado ao contexto, e a influência de suas
necessidades informacionais para a definição do conteúdo
informacional.
Alguns métodos e técnicas são citados pelos autores
para o estudo de usuários nesse contexto, baseando-se tanto
em técnicas tradicionais de pesquisa, como questionários e
entrevistas, quanto técnicas provenientes da coleta
automática de dados a partir da interação dos usuários.
Para a avaliação de um ambiente informacional em fase
de projeto, protótipo ou após sua implementação, tornam-se
viáveis estudos de Usabilidade e de Experiência do Usuário, a
fim de compreender o comportamento do sujeito
informacional no que diz respeito à sua interação.
Ainda, os estudos relacionados ao Comportamento
Informacional, no contexto da Ciência da Informação, podem,
a partir de teorias e modelos, fornecer subsídios para o
estudo de sujeitos informacionais no contexto de projeto de
ambientes informacionais digitais.
Por exemplo, Vechiato (2010), com vistas a projetar o
Repositório Digital da Universidade Aberta à Terceira Idade
(UNATI) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), aplicou o
modelo Everyday Life Information Seeking do pesquisador
finlandês Savolainen (2006), visando coletar dados a respeito
das necessidades informacionais e da busca de informação
cotidiana de usuários idosos, a partir de entrevistas e de
registro em diários. Os resultados da aplicação do referido
modelo foram significativos para a implementação de

130
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

recursos no referido ambiente, com base nas necessidades


informacionais cotidianas identificadas e no contexto social
vivenciado pelos idosos que participaram da pesquisa.
Dessa forma, os estudos de Práticas Informacionais,
associados à Experiência do Usuário e à Usabilidade,
contribuem para o projeto da Arquitetura da Informação em
ambientes informacionais digitais.
Considerando a importância de evidenciar as
necessidades e as características dos sujeitos informacionais
nas pesquisas relacionadas aos ambientes informacionais
digitais, Vechiato e Vidotti (2014) propuseram que o conceito
e os estudos de Encontrabilidade da Informação, tendo como
base a abordagem de findability de Morville (2005), fossem
incorporados a Ciência da Informação, inclusive como um
processo informacional que difere da tradicional
Recuperação da Informação, sendo que esta enfatiza os
sistemas de informação e, aquela, os sujeitos informacionais,
percepção também corroborada por Roa-Martínez (2019).
As bases para esse entendimento foram encontradas na
Teoria da Intencionalidade, abordada anteriormente por
Miranda (2010) no contexto de findability. A Intencionalidade,
na perspectiva aqui apresentada, se refere às características,
às habilidades e aos comportamentos dos sujeitos
informacionais, em seus contextos sociais, que contribuem
para o direcionamento da experiência do usuário, incluindo: a
busca de informação em distintos ambientes informacionais
digitais, bem como a produção, a organização, a disseminação
e o compartilhamento de informação em ambientes
colaborativos.
Dessa forma, para projetar ambientes informacionais
digitais se faz necessário conhecer a Intencionalidade dos
sujeitos informacionais, o que é possível a partir dos estudos
já mencionados, como Arquitetura da Informação,
Experiência do Usuário, Usabilidade e Comportamento
Informacional, sob a premissa de considerar o contexto social
e as práticas informacionais.

131
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando as escolhas teóricas e epistemológicas
para o desenvolvimento deste capítulo, torna-se possível
compreender que o projeto de sistemas de informação e a
elaboração de produtos, de recursos e de serviços de
informação se pauta epistemologicamente na convergência
dos aspectos mediadores (cognitivos, sociais e tecnológicos),
e a partir de perspectivas teórico-metodológicas que se
desenham na interdisciplinaridade da Ciência da Informação
com outros campos de conhecimento.
As mediações realizadas no âmbito das bibliotecas,
arquivos, ambientes informacionais digitais, entre outros,
podem se embasar em uma das seguintes abordagens -
tradicional, alternativa e social -, conforme os objetivos
delineados na pesquisa.
A contribuição fenomenológica da Teoria da
Intencionalidade converge com as reflexões anteriormente
apresentadas a partir de Foucault (2011), Roberts (1982),
Araújo (2013) e González de Gómez e Rabello (2017),
considerando a importância do enfoque nos sujeitos
informacionais e nos contextos sociais nos quais se inserem
em todas as ações mediadas para eles.
Com base nas reflexões apresentadas, há um caminho
profícuo para a abordagem social dos sujeitos informacionais
no contexto da pesquisa e da prática na Ciência da
Informação. Todavia, se faz necessário o preenchimento de
algumas lacunas em discursos e reflexões futuras, tais como:
 Aprofundamento teórico e prático das questões
que concernem o crescimento da informação em
ambientes colaborativos em relação ao
empoderamento dos sujeitos informacionais na
produção de discursos, considerando o contexto
atual de compartilhamento de fake news;
 Investigação mais consistente em relação a de
que modo as práticas informacionais estão
sendo conduzidas na prática da atuação dos

132
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

profissionais da informação em ambientes


informacionais analógicos e digitais.

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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136
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

PRÁTICAS INFORMACIONAIS E
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: A INFORMAÇÃO
NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOS
SUJEITOS INFORMACIONAIS
Ruleandson do Carmo Cruz

1 PARA COMEÇAR
Contemporaneidade rotineira. O sono termina. Os olhos
se entreabrem. Mais um dia se inicia. Antes de sequer se
levantar da cama, a primeira coisa feita é: pegar o celular
inteligente, desbloquear a tela e conferir as novas conversas
e notícias recebidas no mensageiro instantâneo instalado no
celular. Em geral, é o WhatsApp. Depois, checar as postagens
dos amigos e colegas nas redes sociais, comumente, o
Instagram e o Facebook (cada vez mais o primeiro do que o
segundo). Ao longo do dia, mais conferências da tela e mais
tempo ocupado se comunicando, informando e sendo
informado (a qualidade e a veracidade das informações
trocadas é papo para outra vez...).
Era diferente antes? Hoje, temos algumas situações.
“Ah, a minha colega de trabalho viajou com a esposa e posta
mil fotos no Instagram para mostrar a todo mundo a viagem,
para aparecer”. “O filho drag queen da vizinha passou no
vestibular e ela já postou três vezes a matrícula dele no
Facebook. Tá se achando”. “Nossa, o meu primo começou a
namorar e só posta foto do namorado o dia todo no status do
WhatsApp, quer que todo mundo veja que ele está
namorando”. “Meu professor fica o dia inteiro postando
análises políticas nas redes sociais”.
E antes do advento da Internet? Segure um pouco a
resposta. O convite é para que você, junto comigo, pense um
pouco, por meio dos caracteres a seguir, sobre como a
informação criada e compartilhada integra a rotina dos
sujeitos. As questões-chave aqui, nesta revisão teórica de

137
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

conceitos do campo da comunicação e informação, serão


abordadas na seguinte ordem:

a) práticas informacionais;
b) representações sociais;
c) representação do eu (fachada);
d) sujeito informacional.

O propósito é o de trazer uma base conceitual-teórica a


pesquisadores do campo científico anteriormente
referenciado. Não é propósito promover mais uma extensa
análise de postagens de sujeitos em redes sociais como as
exemplificadas. Análises de tal natureza se tem aos montes.
O que percebo, em mais de uma década me dedicando à
produção e à leitura de pesquisas sobre redes sociais, é a falta
de conceitos que permitam ao pesquisador ir além da
quantificação e da qualificação (tipificação/categorização) de
postagens de sujeitos, passando ao mais complexo: entender
o papel da informação criada e compartilhada pelos sujeitos
na vida deles, na interação, no pertencimento e na
representação social de si e do mundo.
Ah, posta uma foto lendo este capítulo (e este livro,
oras!), pode ser uma boa forma de inspirar a reflexão em
outros. Boa leitura (e boa postagem)! :)

2 PARA FUNDAMENTAR
Cada sujeito que acessa a um aplicativo e/ou site
voltado à formação de redes sociais (CRUZ, 2010) está
envolvido em uma prática informacional ou em várias práticas
informacionais. A ideia de prática informacional pode ser
entendida enquanto um conceito pertencente à abordagem
ou perspectiva social da Ciência da Informação – CI.
Abordagem à qual a presente reflexão social e teórica
também se afilia.
Pode se definir prática informacional enquanto um
foco, em um estudo científico, na relação dos sujeitos com a
informação, pois a prática informacional: “adota como papel
central os aspectos sociais e culturais, enquanto fatores

138
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

determinantes e qualificantes tanto da busca por informação


quanto do compartilhamento de informação pelos sujeitos"
(SAVOLAINEN, 2007, p. 125, tradução nossa). Enquanto um
modo de se focar na maneira, no modo como o sujeito lida
com a informação, a prática informacional considera o lidar
com a informação enquanto uma relação social e cultural dos
sujeitos, afetada tanto pela continuidade quanto por práticas
que se tornam hábitos, de acordo com a cultura e o contexto
social no qual os sujeitos estão inseridos (SAVOLAINEN,
2007).
A inserção dos sujeitos no contexto social se dá, entre
outros, por meio das representações sociais, um sistema de
valores, ideias e práticas com duas principais funções
(MOSCOVICI, 1976):

a) estabelecer uma ordem que possibilite às pessoas


tanto se orientarem quanto controlarem o mundo
material e social delas;
b) possibilitar a comunicação entre os sujeitos, ao
lhes fornecer um código para nomear e classificar,
de maneira não ambígua, os aspectos do mundo e
da história social e individual deles.

Dessa maneira, a ideia das representações sociais é


fundamental ao se estudar os sujeitos no campo da
comunicação e informação. Afirma-se isso porque a
informação é dependente das representações sociais: todas
as informações trocadas pelos sujeitos, ao interagirem entre
si, são (MOSCOVICI, 2007a, p. 40):

a) controladas pelas representações sociais;


b) não possuem sentido além do que é dado pelas
representações sociais.

Então: se o sujeito representa o mundo social por meio


da informação; se o sujeito no mundo social atua por meio da
informação; o mesmo não ocorreria ao sujeito se representar
no mundo social?

139
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Sob tal prisma, se recorre a Goffman (2005). Para o


autor, todas ações dos sujeitos na sociedade são sempre
representações, performances sociais executadas, de acordo
com papel social criado pelo sujeito (ator), com o objetivo de
que os outros (plateia) possam perceber e acreditar ser ele
como aparenta ser. Isso se dá porque:

a) cada sujeito acredita ser o modo como percebe a


realidade o modo como a realidade de fato ocorre;
b) cada sujeito considera que o modo como pensa ser
é o modo como ele é percebido pelos outros.

A essa a impressão de realidade de si se dá o nome de


representação do eu na vida cotidiana (fachada): "toda
atividade de um indivíduo que se passa num período
caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo
particular de observadores e que tem sobre estes alguma
influência" (GOFFMAN, 2005, p. 29). É por meio da fachada
que os sujeitos representam o mundo e se representam.
No campo da comunicação e informação, o sujeito do
qual se fala e o qual se estuda não é qualquer sujeito. É o
sujeito informacional, conceito proposto por Rendón-Rojas e
García Cervantes (2012). De acordo com os autores, a
intensificação das tensões e das desigualdades sociais na
sociedade contemporânea propicia o confrontamento e a
articulação social dos sujeitos, nos aspectos sociais, políticos
e culturais, exigindo de tais sujeitos diversas contingências e
pertencimentos sociais complexos.
Para conseguir lidar com tais complexidades e
intensificações, os autores frisam que os sujeitos fazem
escolhas sociais para se constituírem enquanto sujeitos
sociais. No referido processo identitário, é a relação com a
informação que permite aos sujeitos a participação na
sociedade e, com isso, a construção de uma identidade
cultural autônoma, de modo a, por meio da supracitada
identidade, se: “demandar, construir e articular novas
estruturas socioinformativas, para atuar na conjuntura social
[...] identidades não se impõem, se constroem em relações

140
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sociais complexas” (RENDÓN-ROJAS; GARCÍA CERVANTES,


2012, p. 36-37, tradução nossa).

3 PARA PLANEJAR
Este texto se caracteriza enquanto reflexão social e
teórica, ancorada no campo científico da comunicação e
informação, acerca do compartilhamento de informações
cotidianas dos sujeitos em aplicativos e sites voltados à
formação de redes sociais virtuais, como WhatsApp, Instagram
e Facebook. O objetivo é o de refletir sobre o papel da
informação na construção da identidade dos sujeitos
informacionais, tendo como bases as ideias de práticas
informacionais, de representações sociais, de representação
do eu, e de sujeito informacional.
Como dito inicialmente, busca-se, aqui, trazer uma base
conceitual-teórica a pesquisadores do campo científico
anteriormente referenciado. Para isso, seguiu-se as seguintes
etapas:

a) Pesquisa pelos conceitos clássicos aqui tratados –


citação dos autores considerados os primeiros a
publicarem sobre as ideias abordadas (práticas
informacionais, representações sociais,
representação do eu, sujeito informacional);
b) Reflexão crítica a partir de pesquisas qualitativas
de estudo dos sujeitos imersos em sites voltados à
formação de redes sociais virtuais, no campo da
comunicação e informação (PEREIRA; CRUZ, 2010;
SILVEIRA; CRUZ, 2012; CRUZ; FROTA, 2014; CRUZ;
SILVEIRA, 2012; CRUZ, 2014).

4 PARA DIZER
Para começar este texto, a pergunta foi (não
exatamente com as palavras seguintes, mas, na essência): a
relação dos sujeitos com a publicização da informação, em
diversos formatos, sobre a vida pessoal, era diferente antes

141
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

da popularização dos celulares inteligentes e dos aplicativos


voltados à formação de redes sociais?
Ouso responder que não! Claro que o alcance e a
frequência da publicização das informações sobre a própria
vida mudaram de forma radical, com a chegada: das câmeras
em celulares; dos celulares inteligentes; e das plataformas
voltadas à formação de redes sociais. Quase qualquer um (a
nossa realidade de privilégio, por vezes, nos furta da
recordação das milhões de pessoas sem acesso a comida,
quanto mais acesso a celular e conexão à Internet, no Brasil,
em especial, mas, em todo o mundo), hoje, pode postar o que
está fazendo, em que está pensando, o que está ouvindo ou
está assistindo, em que local se encontra etc. a qualquer hora
do dia.
Na contemporaneidade, hodiernamente, os sujeitos se
deparam com infinitas possibilidades para criarem,
comentarem e compartilharem informações. Todas essas
possibilidades estão ali, na palma da mão, liberadas ao se
desbloquear a tela do celular e se conectar à Internet. São,
assim, infinitas práticas ou ações informacionais possíveis,
infinitas possibilidades de compartilhar representações
sociais e representações do eu, nos mais diversos formatos
(texto, áudio, imagem, vídeo, animação, enquete, comentário
etc.), que se abrem ao sujeito informacional.
É devido a essas infinitas possibilidades de
compartilhamento de informações e à importância dada aos
sujeitos ao hábito de compartilhar informações com os
amigos, familiares, colegas e desconhecidos – desconhecidos
no mundo físico – (qualquer levantamento estatístico sobre o
intenso uso de mensageiros instantâneos e de aplicativos de
redes sociais comprovam isso), que a associação entre os
conceitos de práticas informacionais, representações sociais,
representação do eu (fachada) e sujeitos informacionais
parece adequada.
A aqui sugerida associação permite ao pesquisador o
foco nas relações sociais e culturais e em como elas afetam os
sujeitos ao lidarem com a informação. Por sua vez, isso parece
mais adequado para se entender a complexidade e a imersão

142
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

significativa dos sujeitos em um mundo repleto de trocas e


possibilidades de trocas de informação.
Antes dos dispositivos móveis se popularizarem e terem
conexão à Internet, não se falava de si e/ou sobre o que se
pensava de qualquer local físico, com possibilidade de alcance
instantâneo e mundial. Mas, será que não se tinha o mesmo
hábito de se falar de si e de falar o que se pensa?
Se esqueça das mil fotos da viagem da colega de
trabalho com a esposa, postadas no Instagram, e se recorde
dos almoços antigos em família, e daquele parente chegando
com um álbum de fotografias das férias impresso, com todos
ao redor olhando e o álbum passando de mão em mão. No
trabalho do tal parente, a mesma cena se repetia.
Não julgue a vizinha que postou várias vezes o filho drag
queen se matriculando em medicina. Busque na memória os
tempos bem antigos em que saía no jornal impresso o nome
de todos aprovados na UFMG e em outras universidades
federais, ou, mais recentemente, se lembre de quando você
passava na rua e via faixas em postes, muros e portões,
parabenizando um dos moradores daquela casa pela
aprovação no vestibular, pelo novo emprego, pelo
casamento, e por aí vai.
Antes de silenciar o primo fazendo overposting
(compartilhamentos em excesso) da rotina com o namorado
no status do WhatsApp, pense em como a sociedade, de certa
forma, sempre compartilhou as relações amorosas. Alguém
precisa de postar foto com o parceiro para a relação ocorrer?
Não, não precisa! Mas, também não é necessária a realização
de uma festa de casamento, a realização de um ritual coletivo,
como se tal realização fosse a única forma para se tornar
pública uma união. Não é necessário um evento para se dizer
a dezenas de pessoas (centenas e/ou milhares, no caso dos
mais afortunados) que alguém está se casando e/ou que ama
a alguém.
O professor que se ocupa de análises e críticas do
cenário político no Facebook não seria uma versão pós-
moderna do sujeito que enviava correspondências
(inicialmente físicas, depois eletrônicas) aos principais jornais

143
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

locais e nacionais analisando o contexto político do Brasil e do


mundo? Agora, ele só não precisa mais ter a correspondência
escolhida para ser publicada e, então, lida pelo público de um
veículo jornalístico, pela mídia. Ele tem a sua própria mídia
virtual e seus próprios leitores.
São os novos meios (não tão novos assim) que exigem
da sociedade e, em especial da CI, a busca pela compreensão
das práticas informacionais dos sujeitos e a análise sem pré-
conceitos acerca da apropriação de tais práticas para a vida e
o bem-estar dos sujeitos.
No contexto virtual, diversos estudos, no campo da
comunicação e informação, têm se voltado à investigação dos
hábitos dos sujeitos ao compartilharem os mais diversos tipos
de informação em sites, aplicativos e em demais espaços
virtuais. Como exemplos, cito algumas pesquisas às quais
tenho me dedicado nos últimos anos: a folksonomia e o uso
afetivo de hashtags no Twitter (PEREIRA; CRUZ, 2010); o
compartilhamento de informações de cunho ambiental em
fóruns virtuais buscando a solução de conflitos locais
(SILVEIRA; CRUZ, 2012); as disputas simbólicas de classes em
espaços virtuais no contexto científico (CRUZ; FROTA, 2014);
o envolvimento em fóruns virtuais para a busca pelo
autoconhecimento e apoio para conflitos afetivos e sexuais
(CRUZ, 2011); a apropriação de sites voltados à formação de
redes sociais virtuais para a propagação de preconceitos
sociais de classe e discriminação dos menos afortunados
(CRUZ, 2017).
Mas, algumas outras pesquisas (ou conteúdos
proferidos em salas de aula por universidades brasileiras...)
concluem questões diferentes: costumam menosprezar tanto
os sujeitos informacionais, que usam as redes para troca
cotidiana de informações e compartilhamento de gostos,
quanto os cientistas que os pesquisam. Nos últimos tempos,
vários estudos agrupam todos os sujeitos usuários de redes
sociais, como o Facebook e o WhatsApp, como se fossem
todos compartilhadores de informações falsas. Não são!
E ainda que fossem, não basta apenas condenar o
compartilhamento de informações falsas e/ou de

144
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

desinformação14 e/ou sugerir alienação, por parte de quem


posta uma foto do almoço em casa, enquanto o mundo
vivenciava uma pandemia da COVID-19. É preciso perceber
razões pelas quais determinados tipos de informação e de
práticas são mais apropriadas pelos sujeitos, desvendar as
razões para terem grande alcance e, a partir daí, propor
maneiras de permitir ao sujeito se informar e se formar, de
maneira mais plena e saudável (em todos sentidos).

5 PARA FINALIZAR
Compartilhar informações acerca da própria vida parece
sempre ter sido um hábito dos sujeitos, que, ao que tudo
indica, sempre encontraram formas de dizer aos outros o que
sentiam, o que faziam, aonde iam, com quem iam, quem
amavam, quem odiavam etc. (das histórias contadas nas
pinturas rupestres nas paredes das cavernas aos stories do
Instagram).
O que, agora, a ciência, em especial a da Informação, e
as universidades podem (e devem) fazer, além de somar mais
estudos que quantifiquem e qualifiquem práticas de
informação em espaço virtuais, é atuar para:

a) entender como esse compartilhamento intenso


de informações sobre si, sobre a vida, sobre o que
se pensa impacta a vida dos sujeitos (os sujeitos
informacionais)?;
b) investigar formas de/propiciar formas de
capacitar os sujeitos a obterem e compartilharem
informações que os permitam alcançar, cada vez
mais, o bem-estar, social, cultural, físico e mental;
c) estudar maneiras de/ promover maneiras de os
sujeitos, por meio do acesso às informações em

14 Para o entendimento inicial de tais fenômenos, sugere-se a leitura de

ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O fenômeno da pós-verdade e suas


implicações para a agenda de pesquisa na Ciência da Informação. Encontros
Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, [S. l.],
v. 25, p. 01-17, 2020.

145
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

formato virtual, se empoderarem de si


socialmente e reivindicarem cidadania.

Não se trata de utopia, mas de um chamado à Ciência e


às universidades, para ambas se atentarem aos sujeitos não
cientistas e aos sujeitos fora do contexto laboral deles. Um
chamado para se estudar os sujeitos sem eles serem
menosprezados pelas informações que criam e compartilham,
as informações por meio das quais mostram ao mundo quem
são, de acordo com a cultura que possuem e na qual se
inserem. Se aproximando da compreensão de tais temas se
poderá, então, promover formas de se aproveitar do intenso
uso de mensageiros instantâneos e de redes sociais de uma
maneira que seja, simultaneamente, pedagógica, educativa e
formativa, visando, com tal maneira, a emancipação social dos
sujeitos.
Se os sujeitos poderiam ser mais (em um aspecto de
bem-estar, conhecimento e de cidadania), a falha está no
Estado e no processo educativo, que, tantas vezes, não
permitem que eles sejam mais. Estudar os sujeitos
informacionais, valendo-se para tal estudo, da perspectiva de
triangulação de conceitos com foco no social e no cultural,
como os conceitos de práticas informacionais,
representações sociais, representação do eu (fachada) e
sujeitos informacionais, pode ser um (primeiro?) passo em tal
caminho sugerido à Ciência, à CI e às universidades.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O fenômeno da pós-verdade e suas


implicações para a agenda de pesquisa na Ciência da Informação.
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da
informação, Florianópolis, v. 25, p. 01-17, 2020.
CRUZ, Ruleandson do Carmo. Preconceito social na Internet:
cultura informacional e distinção em redes sociais. Belo Horizonte:
SC Literato, 2017.

146
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

CRUZ, Ruleandson do Carmo. FROTA, Maria Guiomar da Cunha.


"Orkutização do Lattes": cultura informacional e distinção.
DataGramaZero, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, 2014.
CRUZ, Ruleandson do Carmo. Redes sociais virtuais: premissas
teóricas ao estudo em ciência da informação. Transinformação,
Campinas, v. 3, n. 22, p. 255-272, 2010.
CRUZ, Ruleandson do Carmo. SILVEIRA, Júlia Gonçalves da. Redes
sociais virtuais de informação sobre amor. InCID: Revista de
Ciência da Informação e Documentação, São Paulo, v. 3, n. 1, p.
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GOFFMAN, Erving. A representação do Eu na vida cotidiana.
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MOSCOVICI, Serge. O fenômeno das representações sociais. In:
MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em
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MOSCOVICI, Serge. Social Influence and Social Change. Londres:
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PEREIRA, Débora de Carvalho; CRUZ, Ruleandson do Carmo.
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RENDÓN-ROJAS, Miguel Ángel; GARCÍA CERVANTES, Alejandro
Luis. El sujeto informacional en el contexto contemporáneo. Un
análisis desde la epistemología de la identidad comunitaria-
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biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 17, n. 33,
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SAVOLAINEN, Reijo. Information behavior and information
practice: reviewing the “umbrella concepts” of information-
seeking studies. Library Quarterly, Chicago, v. 77, n. 2, p. 109-132,
2007.
SILVEIRA, Júlia Gonçalves da. CRUZ, Ruleandson do Carmo. Análise
de informações sobre sustentabilidade ambiental circulantes no
Orkut: estudo exploratório do tópico “E o rio?”. Perspectivas em
Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 143-157,
2012.

147
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

148
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

PRÁTICAS NAS REDES SOCIAIS DA


INTERNET: ENSAIO SOBRE INFORMAÇÃO E
GUERRA HÍBRIDA
Ana Amélia Lage Martins

1 INTRODUÇÃO
Em julho de 2020, Elon Musk, um dos homens mais ricos
do mundo, chocou milhares de usuários do Twitter ao afirmar
nesta rede social: “daremos golpe onde quisermos-lidem com
isso!”. Tratava-se de uma resposta a um internauta que
acusava os EUA de organizarem um golpe contra o presidente
Evo Morales na Bolívia para beneficiar grandes capitalistas
que, tais como Musk, há muito cobiçam as abundantes
reservas de lítio do país. Embora tenha surpreendido por
tamanha ousadia, a fala de Musk ressoou como a evidência
cínica de um fato recorrente na história dos países da América
Latina: as intervenções e violações sistemáticas nos
territórios, governos e populações que perpetuam e renovam
o projeto colonial/imperialista europeu e, principalmente,
norte-americano na região.
Se, durante o período colonial, estas intervenções se
expressaram pela pilhagem dos recursos naturais, pela
escravização do trabalho a partir da ideia forjada de raça
(QUIJANO, 2000), pela imposição de um padrão cognitivo que
buscou deslegitimar o conhecimento e as subjetividades das
populações não-europeias, no pós-colonial, elas foram se
reinventando, impedindo que a estrutura de poder colonial se
alterasse significativamente. Uma destas formas de
prosseguimento do projeto colonial na América Latina são os
golpes a que se referiu Musk, um modo histórico de
intervenção nos Estados mobilizada, na maioria das vezes,
pela aliança entre diferentes setores da burguesia nacional,
capital internacional, forças militares e políticas internas e
externas e que ganha diferentes e sofisticadas nuanças com a
emergência das “sociedades da informação”.

149
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Embora o uso sistemático da informação e comunicação


como um dos meios importantes para galvanizar a destituição
ilegítima de governos legitimamente eleitos não seja uma
novidade, o emprego maciço de estratégias estruturadas a
partir destes campos para viabilizar golpes de Estado ou
promover guerras indiretas, em diferentes regiões do mundo,
tem se aprimorado significativamente. Evidências
contemporâneas da ampliação do papel da informação na
consecução de objetivos imperialistas puderam ser
percebidas, por exemplo, nas denominadas “primaveras”
ocorridas no mundo árabe a partir de 2010 que contaram,
fundamentalmente, com práticas e táticas de informação e
propaganda possibilitadas pela internet, e que foram
resultantes de sucessivas tentativas de ampliação da
hegemonia norte-americana na região (MONIZ BANDEIRA,
2013). Além disso, se tornou um fato incontornável pensar os
muitos aspectos que envolvem os usos da informação por
diferentes atores como fator preponderante do rumo
descendente que as democracias em diferentes partes do
Ocidente têm tomado (EMPOLI, 2020).
Os desdobramentos destes acontecimentos históricos,
bem como a percepção de suas lógicas organizativas
notadamente informacionais, demonstram que os diversos
modos particulares a partir dos quais os sujeitos produzem,
compartilham e usam informações, especialmente nas
chamadas “redes sociais” da internet, e que se desenvolvem
de modo muito complexo e dinâmico por meio de
apropriações e ressignificações permanentes, são
atravessados pelas dinâmicas da geopolítica e das disputas
pelo poder no sistema capitalista global. É para estas relações
que este texto volta o seu olhar. Buscando problematizar
como modos particulares de uso, compartilhamento e
disseminação de informações nas redes sociais da internet
são instrumentalizados não apenas na consolidação de um
“capitalismo de vigilância”(ZUBOFF, 2021) que amplia as
formas de controle e submissão das pessoas ao capital, mas
na viabilização de golpes e do que hoje tem sido chamado de
“guerra híbrida” (KORYBKO, 2018, dentre outros), o trabalho

150
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

tem como objetivo contribuir com as discussões no campo da


Ciência da Informação que pensam a necessária determinação
dialética entre práticas informacionais e o contexto histórico-
social.
Para isso, propõe a consecução de três movimentos: a)
um primeiro que identifica, pela ótica dos estudos sociais da
Ciência da Informação, o que são, de maneira geral, “práticas
informacionais”; b) um segundo que apresenta definições e
características de estratégias geopolíticas e militares
denominadas de abordagens indiretas, com enfoque para a
“guerra híbrida”, demonstrando a centralidade da
informação/desinformação e do manejo de práticas
específicas para sua viabilização; c) um terceiro que aponta
possibilidades de compreender práticas informacionais nas
redes sociais da internet como elementos mediadores
centrais da guerra híbrida, a qual é especialmente conduzida
pelos EUA no contexto de um “mundo multipolar”.

2 PRÁTICAS INFORMACIONAIS
A Ciência da Informação brasileira tem produzido nos
últimos anos contribuições importantes para a formulação e
aplicação do conceito de práticas informacionais (ALVES;
BRASILEIRO; CÔRTES; MELO, 2020; ARAÚJO, 2017; ROCHA,
GANDRA, ROCHA, 2017), categoria que ampliou
fundamentalmente o entendimento teórico-prático acerca
dos usos, dos comportamentos e das necessidades
informacionais.
A emergência do conceito de prática informacional está
diretamente relacionada à retomada da ideia de práxis em
que a percepção sobre a ação e o produto da ação são
indissociáveis (ARAÚJO, 2017). O trabalho de Savolainen
(1995) é um marco histórico importante para a consolidação
da ideia no campo dos estudos informacionais, na medida em
que propõe a “complementaridade entre as instâncias
individuais e as sociais, isto é, busca ver tanto o caráter ativo
dos sujeitos como também as determinações que incidem
sobre eles” (ARAÚJO, 2017, p. 228). A ideia de prática
informacional, neste sentido, opera com a superação

151
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

epistemológica da dicotomia entre sujeito e objeto; agência e


estrutura, na medida em que compreende que as práticas que
envolvem buscas, usos e apropriações da informação pelos
sujeitos são tanto determinadas quanto determinantes das
estruturas e dinâmicas que constituem histórica e
conflitivamente a complexa trama da realidade social.
Tendo isso em vista, o conceito de práticas
informacionais:

constitui-se num movimento constante de


capturar as disposições sociais, coletivas
(os significados socialmente partilhados
do que é informação, do que é sentir
necessidade de informação, de quais são
as fontes ou recursos adequados) e
também as elaborações e perspectivas
individuais de como se relacionar com a
informação (a aceitação ou não das regras
sociais, a negociação das necessidades de
informação, o reconhecimento de uma ou
outra fonte de informação como legítima,
correta, atual), num permanente
tensionamento entre as duas dimensões,
percebendo como uma constitui a outra e
vice-versa (ARAÚJO, 2007, p. 227).

A ideia de prática informacional se mostra


especialmente profícua para perceber como a diversidade e a
singularidade de modos de acessos, usos e trocas de
informação na internet foram consolidando no Ocidente, nos
últimos vinte anos, modos particulares15 de expressão da
informação e de realização da comunicação entre sujeitos,
grupos e organizações, em determinados tempos-espaços.

15 A ideia de particular e particularidade, recorrente neste texto, tem em

vista exprimir um conjunto de práticas, modos de existência ou fenômenos


que, expressos em um mesmo tempo-espaço, congregam elementos
comuns. Trata-se de aspectos que não são concernentes à totalidade das
práticas (nível universal), mas que também não se constituem apenas como
expressões meramente individuais (nível singular) (SIBILIA, 2016).

152
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

As redes sociais, certamente, representam um ponto de


inflexão importante na reconfiguração das práticas
protagonizadas por sujeitos em interação entre si, com os
dispositivos tecnológicos, com as fontes de informação, com
as linguagens e sistemas simbólicos, cujos efeitos podem ser
sentidos para muito além do âmbito da comunicação. A
adesão generalizada a plataformas estadunidenses, como
Facebook e Twitter, bem como aos serviços disponibilizados
pelo Google, empresas que figuram hoje dentre as maiores do
planeta, possibilitou a emergência e a consolidação de novos
cenários de práticas compartilhadas por usuários em todo o
mundo. Estas práticas, que têm como centralidade a
produção, o acesso, o uso e o compartilhamento de
informações no espaço virtual, são variadas e se alteram
continuamente, como é próprio ao universo social e virtual.
Um olhar em perspectiva para os modos pelos quais se
configuravam práticas informacionais no Brasil em sites como
o Orkut, nos primeiros anos de 2000, e para espaços como o
Facebook, o Twitter e o Instagram no tempo presente, revela-
nos como as práticas informacionais são dinâmicas e se
modificam ao longo dos anos.
O intenso conflito que marca, por exemplo, desde os
últimos anos, a interação entre usuários em redes como
Facebook e Twitter, bem como a distribuição sistemática das
chamadas “fake news” são traços particulares de práticas que
ganham corpo na internet e estabilizam, em determinado
período, “modos de fazer” próprios a aquele universo. O
desenvolvimento das tecnologias de informação, assim como
suas diversas apropriações são, dialeticamente, alguns dos
elementos de renovação destes cenários de práticas nos
últimos anos, os quais se inserem em regimes de informação
específicos à dinâmica da disputa pelo poder econômico,
político, cultural e informacional no sistema global.

2.1 PRÁTICAS NAS REDES SOCIAIS DA INTERNET: CENÁRIOS


PARTICULARES
Ainda que as práticas informacionais (singulares) nas
plataformas de redes sociais, tais como Facebook e Twitter,

153
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sejam assinaladas por uma grande variedade de expressão,


especialmente pela diversidade e alta segmentação de
usuários (individuais, coletivos, anônimos, institucionais e
mesmo robôs etc.), suas intencionalidades, os lugares sociais
a partir de onde se expressam, os capitais a que têm acesso
etc. - o que não nos permite categorizá-las de maneira
genérica - é possível perceber certos aspectos convergentes
do que se tornou modos predominantes (particulares) nestas
plataformas. Estes aspectos podem ser vistos nos pequenos
formatos de documentos, como as “microformas
documentárias” (JEANNERET, 2015), dentre os quais estão os
memes e os posts, bem como nas transmissões audiovisuais ao
vivo e em outros gêneros discursivos híbridos que se valem da
linguagem hipermídia (SANTAELLA, 2014) e cujo alcance e
visibilidade são definidos por programação algorítmica.
Dentre tais aspectos podemos destacar:
a) o regime de exposição da intimidade e o
“narcisismo coletivo”, que colocam temas da vida
privada no domínio do espaço público (SIBILIA,
2016; EMPOLI, 2020);
b) a “economia do prestígio” e da visibilidade, que
faz com que formas de expressão sejam pautadas
em estratégias para angariar reconhecimento
público;
c) a emergência de novos mediadores, que passam
paulatinamente a ocupar o lugar dos especialistas;
d) a lógica de acúmulo de capital social, que pode se
converter em outras formas de capital, como o
econômico e o político;
e) as expressões lacônicas, o reuso de documentos e
a “enunciação em gestos mínimos” (coletar,
transmitir, indexar pelas tags) (JEANNERET,
2015);
f) a montagem de pequenos documentos
padronizados que integram imagem e texto
(JEANNERET, 2015);
g) a grande capacidade de disseminar (viralizar);

154
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

h) o desvanecimento da autoria e a apropriação de


ideias geradas por terceiros;
i) os usos da ironia, da intertextualidade, da
provocação e do humor;
j) a ampla disseminação de conteúdos capazes de
gerar comoção, afetações;
k) a intensa produção de conflitos que geram
ambientes de discórdia.

Um aspecto que vem sendo apontado como de grande


relevância para compreender diferentes práticas
informacionais e os fluxos da informação nas plataformas de
redes sociais em diferentes lugares do mundo é a emoção,
elemento colocado como central na caracterização de um
cenário específico que estaríamos vivenciando denominado
pós-verdade. Tendo se convertido em um objeto para o qual
hoje se lançam diversos olhares no campo da Ciência da
Informação (ARAÚJO, 2020; DODEBEI, 2021, dentre outros),
a pós-verdade foi denominada pelo Dicionário de Oxford
como um contexto “relacionando ou denotando
circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes
na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à
crença pessoal”16. Trata-se de um fenômeno contemporâneo
em que o fator subjetivo, especialmente as crenças, os afetos
e as emoções, se torna mais determinante para a
compreensão da realidade, para a legitimidade conferida à
uma informação e para a interpretação dos fatos do que
fontes de informação ou os fatos em si. A pós-verdade tem
colocado em xeque a racionalidade científica, a possibilidade
da verdade e outros pilares que sustentaram o pacto social
moderno até aqui.
A emoção e as afetações como elementos que
influenciam comportamentos informacionais foi tema

16 Retirado de: KROET, C. ‘Post-truth’ enters Oxford English Dictionary.


Político, June 27, 2017. Disponível em:
https://www.politico.eu/article/post-truth-enters-oxford-english-
dictionary/. Acesso em: jun. 2021.

155
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

tratado por Savolainen (2014) em pesquisa circunscrita ao


campo da Ciência da Informação e Biblioteconomia, sobre
como estes aspectos foram percebidos como relevantes nas
pesquisas sobre buscas e comportamentos informacionais. A
partir de uma revisão de literatura desde 1980, o autor
empreendeu uma análise conceitual tendo como foco
estudos que revisaram explicitamente os fatores afetivos de
busca de informação. Contemplando trabalhos que
destacavam, dentre outros aspectos,17 as “maneiras pelas
quais emoções e sentimentos diversos impulsionam,
expandem, limitam ou encerram a busca de informações”
(SAVOLAINEN, 2014, p. 63, tradução da autora), tais como os
de Heinström (2010), Nahl (2007) e Kuhlthau (1991), o autor
inventariou o acúmulo histórico e teórico produzido pelo
campo dos estudos da informação e Biblioteconomia,
concluindo que: “as emoções podem orientar os indivíduos
em direção a atividades ou comportamentos específicos para
realizar sua busca e o uso de informações” (SAVOLAINEN,
2014, 60, tradução da autora), sendo que a emoção, percebida
em conjunto com fatores cognitivos e situacionais, foi
conceituada como um fator de impacto na seleção de fontes
de informação ou na recusa a estas.
O lugar das emoções e dos sentimentos negativos ou
positivos, dos afetos, portanto, se constitui como um tema de
interesse, ainda que residual (SAVOLAINEN, 2014), dos
estudos dos comportamentos e das práticas informacionais
há alguns anos, nos abrindo importantes perspectivas para a
compreensão da pós-verdade e outros fenômenos correlatos.
Se o fator “emoções e sentimentos” como modo de
compreender os comportamentos de busca e acesso às
informações não é, necessariamente, uma novidade nos
estudos dos comportamentos e práticas informacionais, a

17O autor formou um corpus a partir da pesquisa em bancos de dados da


LIS, usando palavras-chave como afeto, fatores afetivos, emoção e
sentimentos. Conforme ele descreve, foram identificados 85 documentos
relevantes e, destes, chegou-se a um universo de 30 artigos, livros e
conferências que discutiam explicitamente os aspectos motivacionais das
emoções e sentimentos, examinado por meio de análise conceitual.

156
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

compreensão de sua sistemática manipulação para fins


econômicos e geopolíticos também não o é, como
demonstram vários estudos sobre os usos dos algoritmos e o
trabalho seminal de Brito (2015).
As práticas informacionais que hoje se sedimentam no
Facebook são, certamente, a despeito da espontaneidade
relativa aos usos da informação, resultantes de experimentos
históricos que a plataforma realizou com seus usuários, como
demonstra o “Experimental evidence of massive-scale
emotional contagion through social networks” (KRAMER;
GUILLORY; HANCOCK, 2014). O experimento psicológico,
feito sem o consentimento informado de 689.003 usuários da
plataforma Facebook18, em 2012, consistiu em testar como
poderia se dar o “contágio emocional”, bem como em verificar
se as postagens com conteúdos emocionais seriam mais
envolventes e se a exposição a expressões verbais afetivas
levaria a expressões verbais semelhantes. O estudo contou
com dois experimentos paralelos que foram conduzidos para
emoções positivas e negativas: um em que a exposição ao
conteúdo emocional positivo de amigos em seu feed de
notícias foi reduzida e outro em que a exposição a conteúdo
emocional negativo em seu feed de notícias foi reduzida19.
Dentre as conclusões os autores relataram que:

quando as expressões positivas foram


reduzidas, as pessoas produziram menos
18Embora os autores responsáveis considerem que a concordância com os
termos de uso da plataforma implicaria no consentimento livre e
esclarecido dos usuários para participação em experimentos como este, Hill
(2014) ressalta que foi somente quatro meses após o estudo que o
Facebook incluiu, dentre as cláusulas do termo de uso, a possibilidade de os
usuários serem envolvidos em pesquisas. Além disso, a autora ressalta
como é problemática, do ponto de vista ético, a compreensão que a adesão
aos termos de usos da plataforma possa ser tomada como anuência em
participar de um experimento psicológico capaz de alterar o humor e o
estado psíquico das pessoas, e como não ficou claro se o experimento
incluiu usuários menores de idade.
19 As postagens foram determinadas como positivas ou negativas se

contivessem pelo menos uma palavra positiva ou negativa, conforme


definido pelo software Linguistic Inquiry and Word Count (LIWC2007).

157
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

postagens positivas e mais postagens


negativas; quando as expressões
negativas foram reduzidas, o padrão
oposto ocorreu. Esses resultados indicam
que as emoções expressas por outras
pessoas no Facebook influenciam nossas
próprias emoções, constituindo uma
evidência experimental de contágio em
grande escala via redes sociais (KRAMER;
GUILLORY; HANCOCK, 2014, p. 8788,
tradução da autora).

A que se destinaria este experimento psicológico que


buscava manipular o contágio massivo de emoções via redes
sociais? Até que ponto cenários de práticas que tomaram
corpo nestas plataformas podem ser vistos como
manifestações genuínas que dependem da ação e criatividade
dos sujeitos e grupos, quando estamos tratando de
ambientes e ferramentas extremamente controlados e cuja
reverberação ultrapassa o lócus da interação ordinária e a
lógica do consumo individualizado? Quais interesses em jogo
induzem, de forma renovada, a conformação de cenários de
práticas particulares em cenários específicos? Um olhar para
o lugar da informação nas dinâmicas e estratégias da disputa
por hegemonia no sistema global pode não nos trazer
respostas prontas a estas perguntas, mas nos ajuda a pensar
algumas dimensões das relações entre as práticas
informacionais e os contextos sócio-históricos concretos.

3 INFORMAÇÃO, GOLPES E GUERRA HÍBRIDA


Os processos de destituição ilegítima de governos
legitimamente eleitos pelos quais passaram países da
América Latina, como o Brasil e o Chile, contaram, como se
sabe, com diversas ações coordenadas nas quais campanhas
sistemáticas de comunicação e informação operaram como
recursos importantes para a sua viabilização. Muito já se
discutiu sobre como o golpe civil-militar brasileiro de 1964 e
a derrubada do governo de Salvador Allende no Chile, em
1973, por exemplo, tiveram como esteio a organização de

158
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

uma extensa rede de informações que, alinhadas aos EUA,


tinha como objetivo desinformar a população, buscando
conferir legitimidade ao brutal estado de exceção que
assegurava a continuidade de projetos de dominação
imperialista nestes países. A partir do século XXI, no entanto,
a informação e suas tecnologias passam a ocupar o centro da
viabilização de estratégias de intervenção que resultam na
troca de regime ou de governante, o que, em um “mundo
multipolar” tornou-se mais viável que ocupações militares dos
territórios (guerra direta).
Ao conjunto de diferentes estratégias indiretas que
combinam o emprego de ferramentas de informação e
propaganda, operações psicológicas, usos de redes sociais e
cujo objetivo é a desestabilização e derrubada de governos
por meio de manifestações de massa e a provocação de um
intenso conflito social interno tem sido chamada de guerra
híbrida, modelo de conflito que vem sendo percebido
empiricamente na América Latina e no Brasil (RODRIGUES,
2020, LEIRNER, 2020, FIORI; NOZAKI, 2019; MENDONCA,
2018, PENIDO; STÉDILE, 2021).
O termo “guerra híbrida” surgiu no âmbito da literatura
militar norte-americana com a publicação, em 2005, do artigo
“The future of warfare: the rise of the hybrid wars”, do general
americano James Mattis e do coronel Frank Hoffman20. Nele
os autores estabelecem a necessidade de novas formas de
defesa para o que denominam de métodos irregulares
(terrorismo, guerrilha), relatando a relevância da combinação
de novas abordagens que encerrariam “uma fusão de
diferentes modos e meios de guerra, uma “síntese sem
precedentes” a qual denominam de guerra híbrida. Nesta
nova abordagem as operações de informação são tidas como
importante elemento já que: “[...] operações de informação
bem-sucedidas ajudam a população civil a entender e aceitar

20 Otermo aparece também oficialmente no âmbito da cúpula da OTAN, em


2014 e antes, em 2002, foi tratada na tese Future War and Chechnya: a case
of hybrid warfare, do Major William J. Nemeth, do Corpo de Fuzileiros
Navais dos Estados Unidos da América.

159
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

o futuro melhor que procuramos ajudar a construir com eles.”


(MATTIS; HOFFMAN, 2005, s.p. tradução da autora).
Korybko (2018) trata conceitual e empiricamente de
diferentes aspectos deste método que passou a ser usado
para a desestabilização de adversários nas disputas
geopolíticas e que consiste em uma forma de guerra indireta
manejada especialmente pelos Estados Unidos em territórios
de seu interesse. A partir dos casos da Síria e da Ucrânia o
autor assinala a guerra híbrida como “nova abordagem
padronizada com vistas à troca de regime” que se inicia com a
implantação de uma revolução colorida (as “primaveras” são
formas mais típicas) como “tentativa de golpe brando, que é
logo seguida por um golpe rígido, por intermédio de uma
guerra não convencional, se o primeiro fracassar.” (KORYBKO,
2018, p. 13). As revoluções coloridas e a guerra não
convencional são dois eixos que juntos constituem a guerra
híbrida, conforme assinala o autor, em que a informação - seus
fluxos, tecnologias e dispositivos - é um elemento
extremamente relevante.
Embora a prática desta nova abordagem seja também
atribuída à Rússia, há a compreensão por parte de diversos
analistas da geopolítica de que se trata de uma forma adotada
e desenvolvida de forma sofisticada pelo complexo industrial-
militar-tecnológico estadunidense, que para manter e ampliar
a sua hegemonia se vale também de ações sistemáticas que
vão das revoluções coloridas e sanções econômicas ao
chamado lawfare.

No início houve surpresa, mas hoje todos já


entenderam que essa nova estratégia
abandonou os antigos parâmetros
ideológicos e morais da política externa
dos Estados Unidos, de defesa da
democracia, dos direitos humanos e do
desenvolvimento econômico, e assumiu de
forma explícita o projeto de construção de
um império militar global, com a
fragmentação e multiplicação dos
conflitos, e a utilização de várias formas de

160
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

intervenção externa nos países que se


transformam em alvos dos norte-
americanos. Seja através da manipulação
inconsciente dos eleitores e da vontade
política dessas sociedades; seja através de
novas formas “constitucionais” de golpes
de Estado; seja através sanções
econômicas cada vez mais extensas e
letais, capazes de paralisar e destruir a
economia nacional dos países atingidos;
seja, finalmente, através das chamadas
“guerras híbridas” que visam destruir a
vontade política do adversário, utilizando-
se da informação mais do que da força,
das sanções mais do que dos bombardeios,
e da desmoralização intelectual dos
opositores mais do que da tortura (FIORI;
NOZAKI, 2019, grifo meu)

A perspectiva de que a abordagem indireta é uma forma


potente de combate ao inimigo é milenar e pode ser
rastreada desde Sun Tzu, que consignava como o inimigo
podia ser derrotado sem que fosse diretamente enfrentado.
Ela está presente também nas teorias clássicas de Clausewitz
sobre a guerra como forma de política. Na década de 1950, o
conceito de abordagem indireta se institucionaliza a partir do
trabalho de Basel Henry Liddell Hart no livro The strategy of
indirect approach (A estratégia da abordagem indireta), em
que o autor define uma estratégia militar particular baseada
em métodos indiretos que buscam derrotar o inimigo
surpreendendo-o física e psicologicamente.
É no âmbito do desenvolvimento das “guerras de quarta
geração” que o conceito propriamente de guerra híbrida se
desenvolve e ganha corpo no meio militar. As “guerras de
quarta geração” são identificadas como uma nova fase dos
conflitos em que há maior ênfase na guerra de informação e
operações psicológicas que, juntas, encerram um modus
operandi típico das revoluções coloridas. Resgatando um
artigo seminal assinado por, dentre outros, William Lind, um

161
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

dos teóricos sobre as “guerras de quarta geração”, Korybko


(2018) assinala nele o seguinte trecho.

As operações psicológicas podem se


tornar a arma operacional e estratégica
dominante assumindo a forma de
intervenção midiática/informativa. O
principal alvo a atacar será o apoio da
população do inimigo ao próprio governo
e à guerra. As notícias televisionadas se
tornarão uma arma operacional mais
poderosa do que as divisões armadas
(LIND, 1989 apud KORYBKO, 2018, p. 26).

O símbolo deste modelo previsto pela “guerra de quarta


geração”, a última fase da guerra no contexto globalizante
das “sociedades da informação” é, segundo Korybko (2018) a
guerra híbrida.
A teoria dos cinco anéis criada pelo coronel das Forças
Aéreas dos EUA John Warden é central para compreender
este novo modelo. Segundo ela, existem cinco centros de
gravidade principais que mantém uma força adversária unida:
liderança (o núcleo, mais importante), bases do sistema,
infraestrutura, população e mecanismos de combate (as
forças militares em campo). Nesta concepção, de acordo com
Korybko (2018), o inimigo é visto como um sistema, de modo
que suas partes estão interconectadas. Quanto mais próximo
do núcleo um ataque, mais poderoso e reverberante ele será.
Um golpe contra as bases do sistema, por exemplo, afetará
todos os círculos a sua volta, ao passo que atingir as forças
militares em campo manterá o ataque isolado somente a esse
anel. Este conceito será bastante relevante, segundo Korybko
(2018), tanto para as guerras não convencionais como para as
revoluções coloridas. Nas revoluções coloridas os cinco anéis
são distintos, havendo dois conjuntos de anéis para cada alvo:
a sociedade e o indivíduo. Tão logo haja a decisão de instaurar
uma desestabilização, a sociedade passa a ser visada pela
“revolução colorida em massa”, cujo objetivo é a “tomada de
poder e a derrubada da liderança do Estado” (KORYBKO,

162
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

2018, p. 28). Trata-se de uma forma eficiente na medida em


que une a população em um enxame que faz com que ela
subjugue as instituições públicas que representam o governo.
O anel mais externo, portanto, (população) aparenta unir-se
para atingir diretamente o anel interno (a liderança). A elite é
o terceiro anel mais profundo porque tem o poder de
influenciar a mídia e a população, mas em geral é incapaz de
induzir as Forças Armadas ou polícia. As mídias internacional
e nacional têm graus de importância variáveis dependendo do
Estado-alvo, mas ambas têm algum efeito sobre a população
(KORYBKO, 2018).

Fonte: Korybko, 2018, p. 28.

O segundo alvo da revolução colorida é o indivíduo a


quem o “movimento” “procura conhecer ao máximo antes do
início da desestabilização” (KORYBKO, 2018, p. 29). Aqui os
anéis se diferenciam em cada cultura, uma vez que há, como
lembra o autor, muitas e significativas diferenças entre os
Estados-alvo. Um dos exemplos que ele revela demonstra as
“camadas” às quais são direcionados os ataques no campo da
individualidade.

163
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Fonte: Korybko, 2018, p.29

No modelo apresentado pelo autor, a família constitui o


centro da vida do indivíduo, de modo que campanhas de
informação e operações psicológicas serão mais eficazes se
direcionarem-se a ela, manejando-a como vulnerabilidade.
Assim, para a adesão ao movimento, há mais vantagens em
invocar a família do que mobilizar sentimentos pouco
relevantes para a maioria da população, como causas sociais,
por exemplo. É por isso que as revoluções coloridas
necessitam de uma quantidade gigantesca e precisa de
informações sobre as características e traços singulares de
uma determinada população e por isso que elas também
terão na informação um elemento estruturante de ataque a
cada um destes núcleos. Assim como previsto por Lindel, os
fluxos de informação, a comunicação e suas mídias tornam-se
as armas extremamente relevantes e poderosas na
viabilização das abordagens indiretas.
De acordo com Korybko:

as revoluções coloridas são consideradas


um ataque indireto ao governo da nação
alvo porque nenhuma força externa
convencional está sendo usada, e o mesmo
é verdade para a guerra não convencional.
Em vez de enviar um exército anti-
establishment diretamente para uma
batalha contra o Estado ou contra suas
Forças Armadas, as revoluções coloridas e

164
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

a guerra não convencional travam a guerra


indiretamente atacando seletivamente
várias partes dos cinco anéis. Isso faz delas
amorfas e difíceis de prever. (KORYBKO,
2018, p. 30-31).

Ao operarem com a imprevisibilidade, as revoluções


coloridas21, centram-se em desestabilizar o “ciclo OODA”,
modelo concebido pelo piloto de caça da Força Aérea dos
Estados Unidos, John Boyd, que se baseia na compreensão
estratégica de que decisões são tomadas seguindo-se o
seguinte fluxo: Observação, Orientação, Decisão e Ação. O
fator imprevisibilidade teria a capacidade de “driblar o ciclo
OODA do alvo, desorientando-o” (KORYBKO, 2018, p. 31),
impactando a capacidade de os indivíduos tomarem decisões
corretas ou agirem da maneira mais apropriada. As revoluções
coloridas operam tanto parecendo, estrategicamente, algo
imprevisível quanto simplificando uma mensagem
estruturada por meio do ciclo OODA, buscando otimizar a
capacidade de orientação desejada de uma ação. Outro fator
importante é a produção do caos como estratégia geopolítica,
um elemento importante para pensar revoluções coloridas
tais como a Primavera Árabe e a desestabilização orientada
externamente e por atores desvinculados do Estado na Síria e
no Iraque (KORYBKO, 2018).
Neste novo modelo de desestabilização dos Estados, a
informação desempenha uma mediação fundamental na
medida em que tanto é elemento para difundir ideias e
recrutar participantes que levarão a cabo diferentes
estratégias das revoluções coloridas quanto para viabilizar

21 Revoluções coloridas vêm ocorrendo desde o final da década de 1980, na


área de influência russa/soviética, em territórios cujos governos não se
alinhavam ao Ocidente. Dentre elas destacam-se – Alemanha Oriental (sem
nome, 1989), Tchecoslováquia (VELUDO, 1989), Iugoslávia (BULLDOZER,
2000), Geórgia (ROSA, 2003), Ucrânia (LARANJA, 2004), Quirquistão
(TULIPAS, 2005), Síria (2012), Hong Kong (2014), dentre outras (SOUZA,
2019, MONIZ BANDEIRA, 2013). As revoluções coloridas são
frequentemente destinadas à adesão de países ao Ocidente e a
implantação de uma agenda neoliberal que favoreça os EUA e Europa.

165
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

operações psicológicas que buscam promover ajustes


cognitivos dos indivíduos, enfraquecendo a sua capacidade de
percepção e reação22.
Cumpre ressaltar que um dos primeiros trabalhos sobre
a temática da desinformação no campo da Ciência da
Informação brasileira, a tese de Vladimir Brito, de 2015, expõe
de maneira sistemática e aprofundada como a desinformação
enquanto estratégia de guerra pode ser vista na história da
humanidade desde as primeiras civilizações e como ela se
intensifica exponencialmente ao ser empregada pelos
Estados Unidos que, por meio de operações de informação
que unem desinformação, decepção23 e operações
psicológicas, buscam manter e intensificar o seu poder militar,
financeiro, tecnológico, monetário e cultural no sistema
global. A partir de uma extensa análise de doutrinas militares,
referências bibliográficas e instrumentos empregados pelo
Departamento de Estado, Departamento de Defesa e
agências de inteligência do estado norte-americano, entre
1970 e 2014, o autor conceitua o poder informacional
construído pelos Estados Unidos, por meio do gerenciamento
de uma ampla infraestrutura física, incluindo a internet,
estratégias militares e geopolíticas e poder simbólico, como a
“capacidade de influir no comportamento humano mediante
a manipulação das bases informacionais que alicerçam os
demais tipos de poder” (BRITO, 2015, p. 373).
É neste sentido que os fenômenos da informação, como
as práticas informacionais que se viabilizam nas redes sociais
da internet, tem outros de seus matizes revelados quando

22
É preciso lembrar que a informação sempre se constituiu como um
recurso de grande relevância tanto na produção de inovações para a guerra
quanto para viabilização de campanhas militares (através das operações de
informação). O que haveria de distinto é que a informação passa a viabilizar
uma forma de guerra que ultrapassa o meio militar e é operada no espectro
social de forma multidimensional, não linear e ambígua, trabalhando com o
espaço tanto físico quanto virtual e desvanecendo a separação entre guerra
e paz, civil e militar.
23 O termo decepção está relacionado a uma “estratégia específica, que visa

enganar o inimigo e induzi-lo ao erro, a tomar uma decisão baseada em


informações fraudadas (desinformações)”. (BRITO, 2015, p. 19-20)

166
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

olhados sob o prisma da disputa geopolítica em que os EUA


são a expressão do “poder global”24.

4 INFORMAÇÃO E PRÁTICAS INFORMACIONAIS


COMO MEDIAÇÃO DA GUERRA HÍBRIDA
As mídias sociais, as diversas práticas de informação e
sociabilidade que se organizam a partir dos recursos por elas
disponibilizados e a lógica de um mundo em redes oferecerão
uma oportunidade extraordinária para a consecução das
abordagens indiretas.
A espinha dorsal básica para iniciar e difundir uma
revolução colorida tem sido a disseminação da informação
entre a população, seja uma parcela específica dela ou a
sociedade como um todo (KORYBKO, 2018), o que é feito
tradicionalmente a partir do apoio da imprensa local e,
especialmente, das redes sociais.
Além da disseminação da informação, a disseminação de
práticas particulares de informação é um aspecto importante,
na medida em que as revoluções coloridas operam não apenas
incentivando que determinadas parcelas da população
descreditem e se insurjam contra os governos, como também
instrumentalizando a resistência, o que confere a elas uma
grande complexidade e a capacidade de dominação do
“espectro total” (LEIRNER, 2020) das sociedades-alvo.
As operações psicológicas25 são o esteio das revoluções
coloridas que encontraram nas tecnologias da informação e
comunicação uma oportunidade exemplar de sua aplicação.

24 Para compreender a constituição histórica da hegemonia dos EUA no

sistema global ver FIORI, J.L. O poder americano. Petrópolis: Vozes, 2007.
25 Operações psicológicas podem ser compreendidas, de maneira geral,

como “ações em que se objetiva atuar sobre um setor social, ou mesmo


sobre todo o conjunto da sociedade, influenciando-o com a perspectiva do
operador da ação, de maneira a moldar sua opinião. Ao invés de estimular a
tomada de decisão de um indivíduo em posição de comando, busca-se
induzir uma população a desistir de lutar, perder a fé em seus dirigentes, ou
abandonar desconfiada algum tipo de produto que antes consumia. (BRITO,
2015, p. 20).

167
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

No caso das revoluções coloridas, as operações


psicológicas são organizadas frequentemente para que
parcelas da população compartilhem as mesmas ideias contra
o governo, organizando uma “mente de colmeia” que busca
simplificar o pensamento em massa a partir de determinados
temas (como a corrupção e outros “sensíveis”, por exemplo,
relacionados à família) manejados nos canais tradicionais da
imprensa e nas mídias “alternativas” a ela. Opera-se aí o
princípio do “contágio massivo”, verificado pelo experimento
do Facebook.
Para isso, é preciso que haja a fabricação de um
consenso por meio de “campanhas de informação
multifacetada” (KYROBKO, 2018) que contam com notícias
fabricadas transmitidas por diferentes setores da mídia e
diversas “bombas semióticas” (FERREIRA, 2020) que criam,
por meio de recursos linguísticos e semiológicos específicos,
o ambiente propício para a formação de uma opinião pública
que culmina na percepção de um “caos” vivido e em reações
de massa (sem a mediação política de partidos), amplamente
noticiadas como espontâneas.
No entanto,

pode-se perceber que as revoluções


coloridas, tal como as campanhas de
publicidade ou relações públicas, não são
espontâneas mas sim fabricadas muito de
antemão à sua implementação. É a
disseminação da informação
(“propaganda”) na sua mais crua essência,
e as ideias contra o governo devem ser
propagadas de maneira coordenada para
fabricar consenso em uma parcela
apropriada (decisiva) da população para
que participe da revolução colorida
(KORYBKO, 2018, p. 50).

É importante salientar que os indivíduos, muitas vezes


motivados genuinamente a participar dos movimentos, não
tomam consciência do seu papel de agenciados na construção

168
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

do consenso pela derrubada dos governos. Isto faz com que


estes percebam suas próprias motivações relacionadas à
ocupação das ruas (tática decisiva das revoluções coloridas)
ou às suas práticas informacionais na internet como ações
políticas legítimas de um ideal político autêntico nascido de
um sentimento de indignação ou vontade comum. Isto
porque:

o principal objetivo da campanha de


informação é que o alvo internalize as
ideias que lhe são apresentadas, dando a
impressão de que os próprios
manifestantes chegaram, por conta
própria, às conclusões induzidas de fora.
As ideias contra o governo devem parecer
espontâneas e não forçadas, dando-se
grande ênfase à abordagem indireta para
comunicá-las. Se as pessoas perceberem
que estão sendo manipuladas por mãos
invisíveis, elas rejeitarão em massa a
mensagem. Se, contudo, for possível
internalizar essa mensagem em uma
pessoa e ela começar a difundi-la para seus
amigos íntimos e pessoas próximas, que
jamais sequer imaginariam que essa
pessoa está sob influência involuntária de
uma operação psicológica estrangeira,
então o vírus [...] contaminará a sociedade
e começará a espalhar as ideias da
revolução colorida por conta própria
(KORYBKO, 2018, p. 48).

É neste sentido que a percepção deste fenômeno


complexifica estudos sobre os comportamentos políticos que
culminam na destituição dos governos (PINHEIRO MACHADO,
2019) ou no enfraquecimento das democracias, os quais,
algumas vezes, ressaltam a capacidade (autônoma) da
agência (CASTELLS, 2013), dando pouca relevância a
possibilidade efetiva de instrumentalização de práticas
concretas e emoções dos atores num contexto de disputa

169
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

geopolítica. Assim, os conceitos de guerra híbrida, revoluções


coloridas e operações psicológicas se tornam fatores de
análise incontornáveis para pensar práticas informacionais
particulares desenvolvidas nas redes sociais da Internet cuja
aparência imediata é a de disputas entre narrativas políticas e
de visões de mundo entre atores que se opõem na vida social.
As redes sociais da internet são, inegavelmente, um
grande laboratório da guerra híbrida na medida em que
possibilitam tanto novas e sutis formas de controle que
incidem sobre a produção de subjetividades e identidades
particulares (SIBILIA, 2016), quanto a efetivação de operações
psicológicas destinadas a indivíduos ou grupos bastante
específicos. Sobre a propagação de formas ubíquas de usos
de redes digitais, Brito (2015) lembra que o:

[...] manancial infinito de dados não existe


tão somente para prover o Estado
informacional de conhecimento oportuno
sobre os indivíduos. Redes de
comunicação [...], muitas vezes, são o meio
privilegiado com que diversos
protagonistas atuam de maneira
proposital para confundir, distorcer ou
impedir que se obtenha informação
adequada, mediante o emprego de
operações de decepção e negação de
dados [...] Multidões que compõem a
população de um Estado, ou mesmo
indivíduos em posições chave, são vítimas
de orquestrações de agências de
inteligência, sem que se deem conta disso.
(BRITO, 2015, p. 388).

A intensa utilização de informações pode meio das


práticas das redes sociais podem ser instrumentalizadas,
assim, para o que Richard Szanfranski chama de “guerra
neocortical”, forma de guerra que incide sobre a moldagem
do comportamento do indivíduo, buscando, por meio da
influência, controlá-lo. A guerra neocortical objetiva penetrar

170
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

nos ciclos de OODA dos adversários, abastecendo os líderes


do adversário de percepções, dados cognitivos projetados
que resultem em uma gama de cálculos e avaliações estreita
e controlada que coincide com os resultados desejados
(SZANFRANSKI, 1994 apud KYROBKO, 2018, p. 49).
As revoluções coloridas, no entanto, conforme assinala
Kyrobko (2018, p. 49), miram o “cérebro coletivo” do grosso
da população e não exatamente a liderança, buscando
influenciá-lo de modo indireto a se manifestar para derrubar
o governo. Para isso, lembra o autor, é preciso conhecer em
profundidade os valores, a cultura e a visão de mundo e criar
estratégias usando a língua, informações e outros elementos
que incidem sobre a mente, modificando a sua vontade.
O compartilhamento de formas e conteúdos nas redes
sociais da internet, juntamente das mídias tradicionais,
possibilita a criação de uma “mente de colmeia” que faz com
que seus membros formem um enxame contra o alvo de
maneira aparentemente caótica, emulando em massa o
“poder do povo”. No contexto de guerra híbrida vê-se massas
insurgindo contra os centros simbólicos e administrativos de
poder das autoridades como um enxame unificado e
descentralizado buscando suscitar a troca de regime por meio
do caos dirigido e organizado (KORUBKO, 2018, p. 58).
Leirner (2020) lembra que os posts são “armas por
excelência da guerra hibrida [que] se apoiam justamente na
crença da agência das imagens e de seu poder de
interferência nas mentes e no comportamento das pessoas”.
Assim, prossegue o autor, “a guerra opera,
determinantemente, por posts condensados em imagens [e]
é nesta concepção imagética que a guerra híbrida se associa à
produção de autômatos, cativos capturados por coisas que
não existem (LEIRNER, 2020, posição 162). As redes sociais
seriam o “equivalente bélico do que era o terreno nas guerras
clássicas” (LEIRNER, 2020, posição 682).
Plataformas de redes sociais, tais como o Facebook, tem
viabilizado três braços importantes das abordagens indiretas,
como demonstram Niekerk e Maharaj (2015): a possibilidade
de traçar perfis psicológicos e sociais sobre os diferentes

171
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

atores e conjuntos de populações dos territórios que se tem


em mira, identificando questões sensíveis a uma determinada
sociedade; dirigir informações específicas a estes segmentos;
proporcionar diversas e restritas formas de engajamento,
através da disponibilização de recursos que permitem a
consolidação de um universo de práticas e de produtos que se
disseminam26. É assim que as agências de inteligência podem
empregar estes dispositivos gerenciados por grandes
corporações capitalistas como “mecanismos da engenharia
social” (KORYBKO, 2018, p. 56).

Hoje em dia Google Maps, Youtube,


Facebook e Twitter são partes integrantes
do arsenal que os guerreiros híbridos
empunham, sendo os dois últimos
especificamente reconhecidos por ter
ajudado a concretizar os eventos
Primavera Árabe. É assim que a teoria das
guerras híbridas vê essas quatro
plataformas sociais, todas disponíveis em
telefones celulares modernos,
trabalhando em conjunto para
desestabilizar caoticamente a sociedade e
ajudar na formação de enxames
(KORYBKO, 2018, p. 62).

Cumpre ressaltar que estas formas de desestabilização


contam com o fornecimento de uma ampla infraestrutura que
pode ser viabilizada financeira e operacionalmente por
agências internacionais, think tank e organizações não

26 Além disso, plataformas como Google podem contribuir através da


remuneração pelos anúncios veiculados em conteúdos contrários ao
governo dos estados-alvo, a exemplo do que revela a matéria do The
Intercept Brasil a respeito de blogueiros que foram orientados a “investir”
em ataques contra o Partido dos Trabalhadores no Brasil GHEDIN, R.; DIAS,
T; RIBEIRO, P. V. Grana por cliques. The Intercept Brasil, São Paulo, 19 nov.
2019. Disponível em: https://theintercept.com/2019/11/19/fake-news-
google-blogueiros-antipetistas/ Acesso em: 10 jun. 2021.

172
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

governamentais ou estatais externas, como foi verificado nos


casos da Geórgia e Ucrânia.
Por fim, é importante salientar que as revoluções
coloridas que incidem na destituição de governos têm como
referência importante o trabalho do cientista político Gene
Sharp, que descreveu em suas duas principais obras “Da
ditadura à democracia: políticas de ação não-violenta” e “198
métodos de ação não-violenta”, estratégias para
desestabilização de governos considerados (de forma um
tanto imprecisa) não democráticos através da “resistência
não-violenta”. Trata-se, segundo ele, de uma luta que deve ser
“travada por armas psicológicas, sociais, econômicas e
políticas aplicadas pela população e as instituições da
sociedade”. (SHARP, 2015, p. 58).
Dentre os métodos elencados por Sharp (2015) estão:
discursos públicos, cartas de oposição e apoio, petições
públicas, slogans, caricaturas, exibição de bandeiras e cores
simbólicas, uso de símbolos, oração e culto, marchas
peregrinações, remoção de placas e sinais, dentre diversas
outras que certamente compõem um cenário bastante
familiar para quem vivenciou manifestações de massa no
Brasil nos últimos anos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva teórico-metodológica das práticas
informacionais, ao ultrapassar a noção de comportamento
informacional, abre caminhos para uma apreensão mais
aproximada dos modos a partir dos quais indivíduos e
coletividades lidam com a informação em diferentes
contextos. Ela destaca serem estes modos tanto modulados
por fatores e elementos de caráter subjetivo-cognitivo,
linguístico e cultural, quanto por determinações históricas,
contextuais e conjunturais- econômicas, geopolíticas que
atravessam, configurando, formas particulares por meio das
quais se realizam as práticas de produzir, compartilhar,
disputar, negociar e apropriar informações e conhecimentos.

173
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Se, por um lado, a perspectiva teórica das redes ampliou


os modos de leitura acerca das relações sociais e das
diferentes dinâmicas da sociedade, por outro ela também
serviu de referencial para a inovação dos modelos de guerra,
que sempre foram fundamentais para a criação do
capitalismo como um sistema global. Se os usos das redes
contribuíram para aproximar os indivíduos distanciados no
território global e promover vias de acesso ao conhecimento
registrado, eles também foram instrumentalizados para a
produção de formas específicas de consumo, controle,
produção de subjetividades e de cisões radicais no tecido
social, que incidem hoje sobre a própria possibilidade do
conhecimento e seu lugar no pacto social (pós-verdade).
Compreender como as práticas informacionais que se
consolidam nas redes sociais podem ser manejadas para a
produção de vantagens geopolíticas em que abordagens
indiretas emergem como modelos de desestabilização de
Estados é um movimento teórico-prático que pode contribuir
de maneira significativa para aprofundar o conhecimento a
respeito deste importante objeto para o campo da Ciência da
Informação. Um passo inicial deste movimento foi o que
tentamos empreender aqui, ao aproximar referenciais da
geopolítica mobilizados contemporaneamente aos estudos
sobre comportamentos e práticas que, embora sejam
singulares, são influenciados por modos de exercício e
disputa pelo poder no sistema global, renovados desde o final
do século XX.

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

178
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

MODELO DE PRÁTICAS INFORMACIONAIS


EM COMUNIDADES DIGITAIS POR MARY ANN
HARLAN
Rafaela Pereira de Carvalho
Jefferson Veras Nunes

1 INTRODUÇÃO
Este capítulo é fruto de uma dissertação de mestrado
defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência
da Informação da Universidade Federal do Ceará (CARVALHO,
2020), que teve como objeto as práticas informacionais dos
fãs de As Crônicas de Gelo e Fogo27. Todavia, no presente
texto, o foco se dirige apenas à discussão acerca do modelo
adotado, à época, para a análise dos dados – a saber, o Modelo
de Práticas Informacionais em Comunidades Digitais
proposto por Mary Ann Harlan. Nesse sentido, o objetivo
perscrutado aqui é a exploração do referido modelo e de suas
categorias, tendo como finalidade principal contribuir para o
avanço de pesquisas sobre a temática no campo da Ciência da
Informação (CI).
A abordagem orientada ao estudo das práticas
informacionais reforça uma espécie de virada sociológica nas
pesquisas de uso da informação – especialmente se
comparada ao conceito de comportamento informacional,
frequentemente investigado sob uma ótica cognitivista
(TALJA, 2006). Grosso modo, conceitua-se práticas
informacionais como todas as formas adotadas pelos sujeitos
na busca, uso e compartilhamento de informações,
destacando-se sempre a importância do contexto social para
o empreendimento dessas ações. Tal conceito ambiciona dar

27 Na pesquisa mencionada, aborda-se a relação entre “cultura


participativa” e “cultura de fãs” tomando como ponto de partidas as
práticas informacionais empreendidas pelos sujeitos em plataformas
midiáticas que se ocupam de informações acerca da obra As Crônicas de
Gelo e Fogo – e, consequentemente, da série televisa Game of Thrones.

179
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

conta de perspectivas que surgiram na CI a partir de


desdobramentos teórico-conceituais que resultaram no
desenvolvimento de uma abordagem preocupada com
aspectos sociais e culturais no âmbito dos estudos de
usuários.
O conceito de práticas informacionais surge na
literatura da CI ligado, portanto, à abordagem sociocultural
dos estudos de usuários, reivindicando certa transversalidade
teórica e conceitual como uma de suas características
principais. De acordo com Berti e Araújo (2017, p. 394), “as
práticas informacionais precisam ser compreendidas do
ponto de vista de outras áreas do conhecimento, como a
antropologia e a sociologia”, isso porque tais áreas buscam
estudar o sujeito a partir da compreensão da realidade social
em que ele se insere.
Diante disso, é empreendida aqui uma pesquisa
bibliográfica com caráter qualitativo, com o objetivo de
possibilitar a apreensão do estado da arte sobre o tema do
estudo. Inicia-se com uma análise sobre a Teoria da Prática de
Bourdieu (1983) e a Teoria da Estruturação de Giddens (2005),
consideradas substanciais para destacar a necessidade de
compreensão do contexto no que diz respeito à forma pela
qual o indivíduo se relaciona com a informação. Tais
abordagens têm acarretando desdobramentos importantes
ao delineamento teórico-conceitual de diferentes modelos
no âmbito das Práticas Informacionais.

2 PRÁTICAS INFORMACIONAIS, TEORIA DA PRÁTICA


E TEORIA DA ESTRUTURAÇÃO: RELAÇÕES TEÓRICO-
CONCEITUAIS
Como dito na introdução deste capítulo, uma das
características principais da noção de práticas informacionais
é a interdisciplinaridade; nesse sentido, Savolainen (2007) e
Cox (2012) destacam duas teorias como pioneiras, que
serviram como base para o seu desenvolvimento no campo
dos estudos sobre informação, quais sejam, a Teoria da
Prática de Bourdieu e a Teoria da Estruturação de Giddens.

180
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Ambas se lançam ao desafio de tentar compreender a


complexidade da sociedade e a dinamicidade das relações
entre os indivíduos propondo a superação de uma clássica
dicotomia no terreno das Ciências Humanas e Sociais, que é
justamente o embate entre interioridade e exterioridade e
agência e estrutura. É a partir dessas ideias que será discutido
inicialmente a abordagem das Práticas Informacionais.
De acordo com Ortiz (1983), grande parte da obra de
Bourdieu é orientada por três axiomas substanciais: o
Conhecimento Praxiológico, a noção de habitus e o conceito
de campo. O autor defende a necessidade de compreensão de
cada um deles para interpretar melhor o trabalho de Bourdieu
e os seus desdobramentos.
Bourdieu (1983) destaca que a relação entre indivíduo e
sociedade é constantemente debatida sob dois pontos de
vista: objetivismo e subjetivismo. Essas duas formas de
compreensão do mundo dizem respeito à fenomenologia
caracterizada pelo subjetivismo da apreensão primeira, e o
conhecimento objetivista que percebe o real como resultado
de relações objetivas, estruturando as práticas e suas
representações. Assim, enquanto a primeira tem o sujeito
como foco principal de sua análise, esquecendo-se do
contexto no qual ele se insere; a segunda compreende o
indivíduo de modo coadjuvante, deslocando-o do contexto,
com pouco ou nenhum poder de ação, estando apenas a
executar o que lhe determina a estrutura.
Para fugir dessa dicotomia, Bourdieu (1983, p. 47)
propõe a noção de conhecimento praxiológico, salientando
com ela “[...] não somente o sistema das relações objetivas
que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas
também as relações dialéticas entre essas estruturas e as
disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e que
tendem a reproduzi-las”. O autor descreve essa relação como
um “duplo processo de interiorização da exterioridade e de
exteriorização da interioridade” (BOURDIEU, 1983, p. 47).
O conhecimento praxiológico aborda o indivíduo a
partir de sua relação com a estrutura, o seu processo de
apreensão e exteriorização de um aprendizado, as

181
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

possibilidades de ação dispostas pela estrutura, apontando o


indivíduo enquanto agente social, mas também
compreendendo que a sua ação é influenciada pela estrutura
a qual ele pertence.
Consoante a isto, Bourdieu (1983, p. 47) expressa que o
conhecimento praxiológico prevê uma ruptura com o modo
de conhecimento objetivista, ou seja, questiona as condições
de possibilidade e os limites do ponto de vista objetivo “que
apreende as práticas de fora, enquanto fato acabado, em
lugar de construir seu princípio gerador situando-se no
próprio movimento de sua efetivação”.
Conforme Araújo (2017), a ideia primeira de práticas,
oriunda da expressão práticas informacionais, provém da
noção de práxis que é estabelecida por Bourdieu (1983). Para
este, a ideia básica de um conhecimento praxiológico deve
estar amparada pela ideia de que o indivíduo constrói sua
realidade, mas num determinado espaço que condiciona suas
ações; portanto, ao mesmo tempo em que o indivíduo é
percebido como entidade dotada de agência, ele também é
interpretado como resultado de uma estrutura.
O conhecimento praxiológico resume o conflito
existente entre a autonomia conferida pela agência e as
limitações intituídas pela estrutura. Não obstante, para
esquadrinhar essa tensão, Bourdieu recorre ao conceito de
habitus, definindo-o da seguinte maneira:

Habitus são sistemas de disposições


duráveis, estruturas estruturadas
predispostas a funcionar como estruturas
estruturantes, isto é, como princípio
gerador e estruturador das práticas e das
representações que podem ser
objetivamente "reguladas" e "regulares"
sem ser o produto da obediência a regras,
objetivamente adaptadas a seu fim sem
supor a intenção consciente dos fins e o
domínio expresso das operações
necessárias para atingi-los e
coletivamente orquestradas, sem ser o

182
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

produto da ação organizadora de um


regente (BOURDIEU, 1983, p. 60-61).

O habitus, nesse sentido, alude ao sistema pelo qual o


indivíduo absorve as noções de regras e valores, mas também
como ele utiliza isso para agir no mundo, conformando o seu
conjunto de representações. O habitus produz a ação, sendo
resultado das relações e interações estabelecidas pelos
indivíduos, tendendo a perpetuar as relações objetivas das
quais deriva. Conforme coloca Bourdieu (1983), o habitus
compreende o modo de perceber, pensar e o que leva o
indivíduo a agir de determinada maneira em dada
circunstância. Assim, entende-se o habitus como o princípio
gerador de práticas e representações, sendo ele o principal
responsável pela produção e reprodução de práticas dentro
de determinado espaço social.

As práticas que o habitus produz


(enquanto princípio gerador de
estratégias que permitem fazer face a
situações imprevisíveis e sem cessar
renovadas) são determinadas pela
antecipação implícita de suas
consequências, isto é, pelas condições
passadas da produção de seu princípio de
produção de modo que elas tendem a
reproduzir as estruturas objetivas das
quais elas são em última análise, o produto
(BOURDIEU, 1983, p. 61).

As práticas são criadas pelo habitus; elas tendem a


reproduzi-lo. De modo geral, corresponde à ação, mas é
também o entendimento subjetivo do que foi apreendido na
estrutura e que orienta a prática de um indivíduo em diversas
situações. Ainda nesse sentido, é preciso observar que a ação
(ou mesmo a sua possibilidade) já se encontra previamente
estabelecida na estrutura. Ou seja, a estrutura corresponde a
um tipo de espaço ou esfera social apreendida por princípios.
Esse espaço ou esfera social diz respeito justamente ao

183
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

campo – definido por Bourdieu (2004, p. 20-21) como: “espaço


relativamente autônomo, esse microcosmo dotado de leis
próprias”, que é, também, influenciado por um macrocosmo.
É no campo onde os agentes interagem e, conforme a teoria
da prática, é a partir dele que se deve compreender o
indivíduo considerando as relações objetivas que regem a
estrutura (ORTIZ, 1983).
A teoria da prática busca entender como o conjunto de
noções do indivíduo, e seu sistema de representações, o
ajudam a se movimentar dentro de um espaço, a partir da
criação de práticas que o orientam e exteriorizam aquilo que
o indivíduo aprendeu ao longo de sua trajetória no mundo.
Pensamento semelhante é proposto por Cox (2012), baseado
nas ideias de Schatzki, que considera as práticas enquanto
construções coletivas que moldam a vida em sociedade, que
os orientam como agir em determinada situação.
Destarte, outro autor que aborda a noção de práticas de
maneira semelhante é Giddens (2003), que inicia sua teoria
explicando que conhecer o social pelo ponto de vista da
dicotomia entre objetivismo e subjetivismo não é o suficiente
para assimilar a complexidade dos fatos sociais, já que as
diferenças entre as abordagens são ontológicas, e o
pensamento de cada uma tende a excluir o que a outra
propõe. O autor sugere que, para entender o social é
necessário assimilar como os conceitos das diversas teorias
sociais se relacionam entre si. Para isso, propõe que

O domínio básico de estudo das ciências


sociais, de acordo com a teoria da
estruturação, não é a experiência do ator
individual nem a existência de qualquer
forma de totalidade social, mas as práticas
sociais ordenadas no espaço e no tempo.
As atividades sociais humanas, à
semelhança de alguns itens auto-
reprodutores na natureza, são recursivas.
Quer dizer, elas não são criadas por atores
sociais, mas continuamente recriadas por
eles através dos próprios meios pelos

184
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

quais eles se expressam como atores. Em


suas atividades, e através destas, os
agentes reproduzem as condições que
tornam possíveis essas atividades
(GIDDENS, 2003, p. 2-3).

Na teoria da estruturação não importa a experiência do


indivíduo, nem a coerção da estrutura, mas analisar as práticas
sociais em um determinado espaço-tempo, de forma que se
possa captar como as relações sociais se mantêm estáveis e
como elas reproduzem as práticas sociais. Essas práticas
orientam a vida em sociedade, são de natureza recursiva, pois
não são criadas pelos atores, mas continuamente recriadas
por eles, através dos meios em que se expressam enquanto
atores. Assim, para uma melhor compreensão de como
funciona as práticas, o autor evoca a ideia de reflexividade
enquanto aquilo que perpetua as práticas sociais.

A continuidade de práticas presume


reflexividade, mas esta, por sua vez, só é
possível devido à continuidade de práticas
que as tornam nitidamente “as mesmas”
através do espaço e do tempo. Logo, a
“reflexividade” deve ser entendida não
meramente como “autoconsciência”, mas
como o caráter monitorado do fluxo
contínuo da vida social (GIDDENS, 2003, p.
3).

A reflexividade age como condutora das práticas sociais


na medida em que permite um reexame constante dessas
práticas, reformando-as em seu caráter constitutivo, a partir
de mudanças no espaço social. Dessa maneira, sua razão de
existir são as práticas e sua continuidade na construção do
espaço. A reflexividade é tida como parte da atividade
humana. É a partir dela que o indivíduo pode vivenciar um
constante processo de monitoramento das suas ações, bem
como das ações de outrem. Conforme Giddens (2003), trata-
se, da forma como o indivíduo monitora suas ações e espera

185
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

que os outros também o façam. O autor denomina esse


processo de monitoração reflexivo da ação.

A reflexividade da vida social moderna


consiste no fato de que as práticas sociais
são constantemente examinadas e
reformadas à luz de informação renovada
sobre estas próprias práticas, alterando
assim constitutivamente seu caráter. [...]
Em todas as culturas, as práticas sociais
são rotineiramente alteradas à luz de
descobertas sucessivas que passam a
informá-las. Mas somente na era da
modernidade a revisão da convenção é
radicalizada para se aplicar (em princípio) a
todos os aspectos da vida humana,
inclusive à intervenção tecnológica no
mundo material (GIDDENS, 1991, p. 44).

Compreende-se, então, que a reflexividade possibilita a


manutenção e a reestruturação da vida cotidiana. A partir de
uma leitura do contexto do indivíduo, as práticas
transformam o espaço e alteram a si próprias na medida em
que o sujeito precisa se adaptar ao novo contexto. De forma
semelhante ao que pontua a teoria da prática, a teoria da
estruturação abre espaço para o entendimento do social, a
partir das práticas que o indivíduo produz para interagir em
seu contexto, essas práticas são constantemente
monitoradas e recriadas pela reflexividade do sujeito, como
forma para atuar dentro da estrutura.
A partir desses conceitos de práticas é possível
compreender melhor a noção de práticas informacionais, já
que segundo Marteleto (1995, online), todo o processo que
leva à criação de artefatos culturais é tanto um processo
informacional quanto social, portanto, “toda prática social é
uma prática informacional”. Nesse sentido, analisar as
práticas informacionais requer o entendimento do contexto e
como ele influencia o indivíduo. Essa é a gênese que rege o
conceito de práticas informacionais, conforme Araújo (2017,

186
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

p. 221),

Constitui-se num movimento constante de


capturar as disposições sociais coletivas
[...] e também as elaborações e
perspectivas individuais de como se
relacionar com a informação [...], num
permanente tensionamento entre as duas
dimensões, percebendo como uma
constitui a outra e vice-versa.

Assim, as práticas informacionais são sobre como o


indivíduo consegue, a partir de um determinado contexto,
identificar e buscar uma informação e a partir da sua interação
com essa informação, reinventá-la e compartilhá-la.
De acordo com Tuominen, Talja e Savolainen (2006), ao
pensar os processos informacionais a partir de um viés
construcionista, a noção de práticas informacionais se mostra
como algo profícuo, já que a partir dela pode-se defender com
mais ênfase a ideia de

[...] que os processos de busca e uso da


informação são constituídos social e
dialogicamente, ao invés de basear-se nas
ideias e motivos de atores individuais.
Todas as práticas humanas são sociais e
originam-se das interações entre os
membros da comunidade (TUOMINEN;
TALJA; SAVOLAINEN, 2006, p. 328,
tradução nossa).

Segundo McKenzie (2003), as práticas informacionais


são utilizadas em referência a todos os elementos presentes
em relatos de como a informação pode ser encontrada
através da iniciativa ou interação entre os agentes. Ela
engloba tanto a busca, como o encontro acidental com a
informação. Para Talja e Hansen (2005 apud Savolainen, 2007,
p. 122-123), os processos informacionais fazem parte das
práticas socais “e são instâncias e dimensões de nossa

187
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

participação no mundo social em diversos papéis e em


diversas comunidades de compartilhamento”, enfatizando
que as práticas informacionais estão inseridas tanto no
contexto do trabalho, quanto em outras práticas sociais,
compondo outras esferas da vida.
Com relação a isso, Savolainen (1995) propõe um
modelo para analisar a busca da informação na vida cotidiana,
já que conforme o autor, os modelos de comportamento
informacional não são suficientes para dar conta de processos
que não envolvem uma busca ativa pela informação.

3 MODELOS DE PRÁTICAS INFORMACIONAIS


As práticas informacionais surgem da necessidade de
dar conta dos novos contextos e sujeitos que começam a ser
percebidos a partir do florescer de uma abordagem
sociocultural, desenvolvida sob uma ótica eminentemente
interdisciplinar, no seio dos estudos de usuários. Para
McKenzie (2003), os estudos de práticas informacionais
deslocam as análises da cognição para o social, sendo mais
coerente com a ideia de que informação deve ser entendida
como algo socialmente construído, estando a sua busca e uso
pelos sujeitos orientado de acordo com o contexto.
Conforme Savolainen (1995) e McKenzie (2003), os
modelos de comportamento informacional focaram,
inicialmente, nos estudos de busca de informação no domínio
do trabalho na esfera acadêmica, porém, não conseguiam
capturar a diversidade de elementos que influenciava direta
ou indiretamente o uso da informação na vida cotidiana, nem
puderam prever uma zona que abraçasse o encontro
acidental com a informação, definido muitas vezes como
busca não ativa. Assim, os estudos sobre práticas
informacionais surgem, desde sua proposta inicial, como um
vale para poder semear estudos acerca dessas questões.
O modelo de Busca da Informação na Vida Cotidiana,
desenvolvido por Savolainen (1995), é considerado pioneiro
dentre os modelos existentes. O autor estabelece uma
relação entre a busca por informação no trabalho e na vida
cotidiana, compreendendo que o sujeito pode associar a

188
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

busca e o uso da informação a diversas tarefas importantes


no dia a dia.

Figura 1 - Modelo de Busca da Informação na Vida Cotidiana.

Fonte: Adaptado de Savolainen (1995).

Consoante ao que se apresenta na Figura 1. Savolainen


(1995) inicia seu modelo a partir de dois conceitos: o conceito
de modo de vida – que se baseia no conceito de habitus de
Bourdieu – para indicar as escolhas que se faz na vida diária,

189
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

possibilitando ao indivíduo manter uma lógica interna sobre


atividades diária; e o conceito de domínio da vida, que indica
como as pessoas lidam com os problemas diários. Ambos são
utilizados como base para analisar questões de busca por
informação fora do ambiente de trabalho (non-work context),
aludindo também ao comportamento dos indivíduos nos
processos de busca pela informação na vida cotidiana.
Em uma pesquisa realizada em duas importantes bases
de dados nacionais, Rocha, Duarte e Paula (2017)
identificaram outros três modelos de práticas informacionais
existentes: o Modelo Bidimensional de Práticas
Informacionais de Pamela McKenzie; a versão estendida do
modelo de Mckenzie aprimorado por Alison Yeoman; e, o
Modelo de Práticas Informacionais criado por Mary Ann
Harlan para estudar adolescentes criadores de conteúdos
digitais, que será discutido na próxima seção do presente
capítulo.
Baseando-se no conceito de vida cotidiana de
Savolainen (1995), Mckenzie (2003) opta por aplicá-lo a uma
situação específica, no caso, em um estudo com mulheres
grávidas de gêmeos. Assim, para a construção do seu modelo,
utilizou-se da literatura sobre a busca não ativa pela
informação. Conforme afirma a autora, Wilson foi o primeiro
teórico a postular que as pessoas encontram informação na
vida cotidiana, enquanto monitoram o mundo, embora os
modelos de comportamento informacional não envolvessem
o fenômeno do encontro acidental com a informação

190
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Figura 2 - Modelo Mckenzie.

Fonte: Adaptado de Mckenzie(2003).

Como pode ser visualizado na Figura 2, o modelo de


Mckenzie consiste em “quatro modos de práticas
informacionais, cada um dos quais podem figurar nas duas
etapas de busca por informação” (MCKENZIE, 2003, p. 25,
tradução nossa). Uma das principais contribuições do modelo
da autora refere-se à abrangência de novas formas de busca
por informação que excedem a busca ativa, tais como o
monitoramento não direcionado; o encontro acidental; ou,
ainda, a busca por procuração, quando a interação com a

191
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

informação é possibilitada por meio de um terceiro


(MCKENZIE, 2003).
O modelo formulado por Mckenzie foi aplicado por
Alison Yeoman (2010), todavia, tendo como objetivo principal
testar a sua flexibilidade em outros contextos. Durante a
realização da pesquisa, Yeoman (2010) considerou que o
modelo era, sim, flexível, porém, destacou a ausência de uma
etapa referente ao uso da informação enquanto limitação. Em
decorrência disso, concebe um modelo estendido em que
acrescenta a etapa de uso da informação, levantando a
necessidade de ajustes essenciais “para ajudar a compreensão
de uma situação, para embasar uma tomada de decisão e para
transmitir aos outros” (ROCHA; DUARTE; PAULA, 2017, p. 49).
Por sua vez, o terceiro modelo encontrado no
levantamento realizado por Rocha, Duarte e Paula (2017), que
corresponde ao de Mary Ann Harlan (2012) – o qual está
voltado originalmente ao estudo das ações de informação de
adolescentes criadores de conteúdos digitais – será abordado
numa subseção exclusiva justamente por integrar o objetivo
deste capítulo.

4 MODELO DE PRÁTICAS INFORMACIONAIS EM


COMUNIDADES DIGITAIS POR MARY ANN HARLAN
Harlan (2012) aborda as práticas informacionais como a
interseção entre ações e experiências de informação que os
adolescentes geram, na medida em que os criadores de
conteúdo começam a se inserir nas comunidades digitais, que
tem como principal característica a participação. Para a
autora, a criação de conteúdo sempre fez parte das atividades
dos adolescentes, porém isso foi se modificando, a partir do
momento em que o mundo foi se tornando mais conectado.
Seu modelo foi criado a partir da teoria fundamentada
como metodologia para análise dos dados, que foram
coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e
observação, dentro das comunidades. A partir daí, foram,
então, criadas categorias conceituais, e na medida em que a
análise prosseguia, novos dados eram acrescentados às

192
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

categorias iniciais, de forma a construir um modelo de prática


informacional que englobasse a produção de conteúdo dos
adolescentes (HARLAN, 2014).
A autora explica que, inicialmente, dois elementos
foram identificados no processo de criação de conteúdo:
ações informacionais e experiências de informação. Cada um
desses elementos é composto por outras categorias e é a
partir da sua interseção que emergem as ações de informação
(HARLAN, 2012).
Para Harlan, Bruce e Lupton (2014), as ações
informacionais permitem aos sujeitos vivenciarem diferentes
experiências no tocante à informação; a informação, nessa
perspectiva, é tratada a partir de um elemento subjetivo,
sendo construída através das ações e então corporificada.
Nesse sentido, assim que as experiências de informação

[...] ocorrem por meio da interação com


informações e ações relacionadas à
informação na criação e compartilhamento
de conteúdo. A frase “informação como”
representa as experiências de informação,
corporificadas tanto pelo processo físico
quanto pela interação emocional
(HARLAN, 2012, p. 112-113, tradução
nossa).

São identificadas, assim, cinco categorias de


experiências: a informação como participação, como
inspiração, como colaboração, como processo e como
artefato. Já as ações informacionais são realizadas ao buscar,
encontrar e utilizar as informações. Elas ocorrem em três
categorias: coleta, compreensão e criação (HARLAN; BRUCE;
LUPTON, 2014).

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Quadro 3 – Categorias de Experiências de Informação e Ações


Informacionais.
Experiências de Informação Ações Informacionais

Informação como Participação:


Coleta: ocorre através das
vivenciada como a interação social
atividades de pesquisa por
dentro de uma comunidade que
informação, busca direta, encontro
expunha as normas e regras de
casual.
interação.
Informação como Inspiração:
vivenciada no contexto da vida Compreensão: ocorre na interação
cotidiana, muitas vezes com a informação, em atividades
acidentalmente. de reflexão planejamento, etc.

Informação como Colaboração:


experimentado através do
compartilhamento de Criação: atividades de cópias,
conhecimentos e habilidades para modelagem e adaptação de um
melhorar o desenvolvimento de novo conteúdo.
conteúdo.
Informação como Processo: ocorre
através da criação de conteúdo, a
partir da compreensão de quais
ferramentas estão disponíveis e
ao domínio do uso das
ferramentas.
Informação como Artefato: refere-
se ao conteúdo criado, uma
representação concreta do
conhecimento partilhado.
Fonte: Adaptado de Harlan, Bruce e Lupton (2014).

No Quadro 3 estão sintetizados os conceitos das


categorias de experiências de informação e das ações
informacionais, que no processo de interação dentro das
comunidades participativas digitais dão origem às práticas
informacionais. As práticas informacionais identificadas por
Harlan (2012) são: comunidade de aprendizagem, negociação
da estética, negociação de controle, negociação de
capacidade e representação do conhecimento. Essas práticas
e as relações entre elas estão representadas na Figura 3.

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Figura 3 – Práticas Informacionais

Fonte: Harlan (2012, tradução nossa).

Tomando como base a Figura 1, pode-se perceber como


atuam as práticas informacionais detectadas por Harlan
(2012). A Comunidade de Aprendizagem diz respeito à
inserção dos indivíduos com a finalidade de aprenderem mais
sobre a comunidade; nela, o indivíduo aprende e observa
como a comunidade funciona, podendo avaliar se deseja se
encaixar nela; as Negociações de Estética, de Controle e de
Capacidade podem ocorrer de maneira simultânea e
correspondem ao processo de compreensão da originalidade
e o reconhecimento de valor a um conteúdo. Assim, auxilia o
sujeito a conhecer o que já foi produzido pela comunidade
através da interação com os outros membros, possibilitando
a aplicação desse aprendizado à produção de novos
conteúdos. Já a Representação do Conhecimento refere-se à
assimilação dos três tipos de negociação, depreendendo,
portanto, num conteúdo produzido de fato.
Na figura 4 estão esboçadas as práticas examinadas no
Modelo de Harlan, com suas respectivas categorias de
Experiências e Ações informacionais. Todavia, vale salientar
que, apesar de na figura as práticas serem mostradas de modo

195
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

separado, elas encontram-se interligadas entre si, tendo em


vista que uma depende da outra para ocorrer.

Figura 4 – Modelo de Práticas Informacionais de Harlan.

Fonte: Adaptado de Harlan, Bruce e Lupton (2014).

De acordo com o modelo disposto na Figura 2, a cada


prática informacional vale enfatizar a interseção entre as
ações informacionais e a experiência de informação.
Subjacente a estas categorias, podem ser identificadas
também subcategorias que especificam com maior acuidade
o comportamento do indivíduo dentro de cada prática
informacional.
A prática da comunidade da aprendizagem envolve o
uso da informação enquanto instrumento de participação e
ações de observação e avaliação de comportamentos dentro
da comunidade, bem como do material compartilhado dentro
desse ambiente. Essas avaliações podem levar a criação de
outros conteúdos que podem ser inspirados pelo que se
observou na comunidade, ou criados a partir da identificação

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

do que se espera consumir nesses espaços, estabelecendo


assim um novo padrão de qualidade para o conteúdo
compartilhado.
Apesar de cada uma das práticas de negociação
aparecerem separadas na Figura 4, cabe reconhecer que,
segundo Harlan, Bruce e Lupton (2014), elas podem se
desenvolver de modo concomitante, correspondendo,
portanto, a ações nas quais o indivíduo irá efetivamente
planejar, modelar e produzir conteúdo.
Na prática da negociação da estética, além do uso da
informação enquanto inspiração, o indivíduo se envolve em
ações de coleta de informação, muitas vezes através de um
encontro casual ou de uma navegação focada. A compreensão
dessas informações acontece através das ações de refletir e
considerar e a partir disso podem acontecer as atividades de
criação como cópias e modelagens que levam ao
entendimento do que o indivíduo espera do seu conteúdo, ou
seja, do que será identificado no âmbito da estética.
Na prática da Negociação de Controle, o indivíduo
identifica e observa o que tem sido produzido e
compartilhado dentro da comunidade e por meio de
interações e colaborações com outros membros. É a partir daí
que se inicia o processo de pôr em prática o que do foi
imaginado na negociação da estética. Para isso, o indivíduo
experiencia a informação como colaboração, através de ações
como busca direta por informações, composição,
consideração e planejamento.
A Negociação da Capacidade é a prática que envolve a
experiência da informação como processo, tem a ver com o
desenvolvimento da capacidade de criação do indivíduo e as
maneiras por meio das quais consegue transformar o
conhecimento em algo físico, um produto, seja ele um texto
ou um vídeo, por exemplo. Isso é feito por meio de práticas
como cópias, composição e modelagens, que podem resultar
em ação de coleta de informações ou terem sido
desencadeadas por ela, envolvendo ainda atividades de
planejamento e reflexão durante o processo de criação.
Por fim, a prática da Representação do Conhecimento

197
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

envolve a experiência da informação como artefato através


de ações de reflexão, modelagem e composição. É, portanto,
nela que o indivíduo pode apresentar o conhecimento
assimilado para a comunidade na forma do conteúdo
produzido.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As interlocuções teóricas propostas neste capítulo
amparam as relações entre sujeito, informação e contexto. Os
estudos sobre essas relações vêm se consolidando no campo
dos estudos de usuários, através do conceito de práticas
informacionais, que visa o estudo de todas as ações
empreendidas pelo sujeito no tocante à informação. Mais do
que tudo, a noção de práticas informacionais tem
possibilitado o desenvolvimento de uma abordagem que foca
em ações de informação para além do âmbito profissional e
acadêmico.
Nesse sentido, práticas informacionais envolvem as
atividades desenvolvidas pelo indivíduo no processo de
busca, criação, uso e compartilhamento da informação, a
partir de uma situação específica. Como principal
contribuição à Ciência da Informação, percebe-se que o
estudo das práticas informacionais fortalece o
desenvolvimento de um enfoque apoiado essencialmente em
aspectos sociais e culturais. Nesse sentido, reconhece o
caráter múltiplo da informação na vida dos indivíduos.
Os diferentes modelos existentes no campo das
práticas informacionais têm em comum, por conseguinte, a
tentativa de compreensão das ações de informação no
tocante a vários aspectos do cotidiano dos indivíduos. O
modelo debatido aqui foi concebido por Mary Ann Harlan e
adotado pela autora para analisar os processos
informacionais de adolescentes criadores de conteúdo ao
comporem comunidades digitais. Espera-se, portanto,
contribuir com este capítulo na difusão do referido modelo,
que lida com um cenário cada vez mais desafiador ao campo
da Ciência da Informação, especialmente no campo dos
estudos de usuários.

198
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

REFERÊNCIAS

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo:
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menopause transition. Information Research, Lund, v. 15, n. 4,
2010.

200
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

A FOTOGRAFIA CONECTADA E AS PRÁTICAS


INFORMACIONAIS: UMA PERSPECTIVA DA
NECESSIDADE E O USO DA IMAGEM
Claudiane Weber
Sueli Mara Soares Pinto Ferreira

1 INTRODUÇÃO
A fotografia, enquanto representação e testemunho
dos acontecimentos cotidianos, passou por duas
transformações marcantes na sua história pregressa. Na
década de 1990, temos a primeira transformação da
fotografia: a sua digitalização. De objeto icônico para uma
imagem fluida, resultando na primeira transição digital.
A segunda transformação é, talvez, a maior revolução
que a fotografia vivenciou até o momento, certamente
haverá outras, é a fotografia que nasce em conexão com as
mídias sociais. Da aliança entre o smartphone e o acesso à
internet banda larga, temos, então, uma ferramenta
conectada que pode capturar e registrar um momento
cotidiano qualquer, e isso permite que possamos enviar ou
compartilhar essa fotografia instantaneamente com as
pessoas em diferentes partes do globo, passando, então, para
uma “fotografia conectada”28.
O fato é que, “favorecida pelas ferramentas conectadas
e pelas redes sociais, a segunda transformação da fotografia
digital é a do uso conversacional da imagem.” (GUNTHERT,
2014, on-line, tradução e grifo nosso). Compreendemos aqui
“uso conversacional” (do francês, conversationnels) também
no sentido de uso interativo, comunicativo, participativo.
As mídias digitais ou mídias sociais são comunicações
on-line em que os sujeitos mudam de forma fluida e flexível

28Trouxemos esse termo e o adaptamos ao português, baseado em


Gunthert, 2014. Usaremos a expressão “fotografia conectada” e “imagem
conectada”, como sinônimos neste texto. Este capítulo resulta de tese de
doutorado e para aprofundamentos consultar Weber (2018).

201
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

entre o papel de público e de autor. E, a fotografia conectada,


tornou-se uma ferramenta para a conversa. No contexto das
mídias sociais, não ocorrem conversas sobre fotografias, mas
conversas com fotografias.
A fotografia conectada, é uma fotografia com algo a
mais, que perpassa uma reinvenção do cotidiano, marcado
pela sedução e rapidez do sistema digital. Nesse sentido, há
argumentos e singularidades que marcam a práxis fotográfica
e diluem antigas divisas. A ênfase aqui recai na relação com a
fotografia conectada, enquanto atividade social e partilhada,
atividade essencial e partícipe da práxis das práticas
informacionais.
Ao conceito de práticas informacionais está atrelada a
necessidade de abordar a vida cotidiana, um contexto
permeado por elementos diversos e da apropriação
intersubjetiva da informação. As práticas estão relacionadas
com o coletivo, coletivamente construído com a informação.
Dito de outro modo, nesse sentido, segundo Araújo (2012, p.
149), “interação”, enquanto “ação recíproca” parece emergir
como o conceito-chave de uma nova abordagem para os
estudos de usuários. Ou seja, a abordagem põe em relevo o
fato de uma ação ser uma mútua constituição exercida por
algo (sujeito), e esse algo (sujeito) estar em mútua
constituição por essa ação.
Desse modo, aqui objetivamos analisar o contexto da
fotografia conectada e as mídias sociais com base nas
variáveis derivadas do estudo das práticas informacionais,
para chegar à identificação de distintas formas de uso das
imagens fotográficas.
Serão tratados em detalhes nas próximas subseções a
metodologia deste estudo e os cinco pontos que perpassam
as nuances mais importantes do uso da imagem fotográfica
conectada no cotidiano dos indivíduos, para então, “clicar” a
panorâmica final do estudo.

202
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

2 METODOLOGIA E OS ATRIBUTOS DA FOTOGRAFIA


A partir do levantamento, revisão e análise bibliográfica
para esta pesquisa, e por conta da quase inexistência de
estudos voltados para o uso das imagens fotográficas pela
perspectiva das práticas informacionais da Ciência da
Informação, houve a necessidade de desenvolver um
panorama em que se desse o uso das imagens fotográficas, a
fim de termos uma melhor compreensão desses usos.
Assim, para identificar e compreender o uso das
imagens, foram constituídas as seguintes variáveis de análise:
1) as interações nas mídias sociais, enfatizando o que as
pessoas fazem com as imagens fotográficas nas interações; 2)
o lugar do contexto de uso; 3) a presença dos valores sociais
de “visibilidade, reputação, popularidade e autoridade”, com
base na análise das redes sociais, de Recuero (2009).
As variáveis estão diretamente associadas à abordagem
das práticas informacionais, tendo em vista a necessidade de
abordar a vida cotidiana, um contexto permeado por
elementos diversos e pela apropriação intersubjetiva da
informação. Pautamo-nos na abordagem do conceito de
práticas numa progressiva aproximação ao que é
propriamente humano nos usuários da informação: a sua
capacidade imaginativa e criadora na apropriação da
informação (ARAÚJO, 2012, 2017).
Assim, nossa abordagem se dá sobre as práticas
informacionais pela perspectiva da fotografia conectada, ou
seja, o uso da fotografia como um processo que é
contextualizado em ação ou prática, enfatizando o que as
pessoas fazem com as imagens fotográficas.
Com as variáveis, conseguimos estruturar os resultados
em cinco tópicos, que nos levam a individuar e compreender
que a fotografia, dentro do contexto das mídias sociais, pode
estar associada aos seguintes usos:
I. imagem conectada: caracterizada pela intensa
prática fotográfica e o seu compartilhamento nas
mídias sociais;
II. imagem híbrida e reapropriada: os memes da
internet e a difusão viral;

203
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

III. imagem e autorretrato: a selfie e o discurso


fotográfico do “eu estou lá, e é como eu sou”;
IV. imagem efêmera: “o efêmero e o perpétuo” estão
na base de nossas reflexões sobre imagem e
memória;
V. imagem e os valores sociais.

Esses cinco pontos perpassam as nuances mais


importantes do uso da imagem fotográfica no cotidiano e
serão tratados em detalhes nas próximas subseções.

3 A IMAGEM CONECTADA: UMA REINVENÇÃO DO


COTIDIANO
Com a fotografia conectada, gera-se um uso interativo,
participativo e comunicacional. Convergimos, para um
contexto de intensa prática fotográfica e o sucessivo
compartilhamento das imagens nas mídias sociais. E temos,
assim, todas as premissas para o início de um processo
comunicativo que, na França, foi denominado de fenômeno
"parlimage" (junção das palavras francesas parler e image -
falar e imagem- uma fusão de fala com as imagens).
O fenômeno parlimage, expressão que identificamos
em Thu Trinh-Bouvier (2015a) para o jornal francês Le Monde,
onde autor comenta que esse fenômeno é o discurso da foto,
uma fala com imagens, em que ocorre uma mistura de
imagens com a escrita.
É uma linguagem de imagem em sentido amplo, onde os
sujeitos em seus smartphones trocam mensagens de texto
cheias de sinais, os emoticons, que simbolizam visualmente
suas emoções. Esse objeto visual híbrido é texto, é desenho,
é imagem animada no formato de vídeos e gifs curtos, dentre
outros, ou seja, um somatório de coisas que é resultado da
interação do usuário29 com a tela de toque do próprio
telefone móvel.

29 O termo usuário e sujeito - nas práticas o termo usuário está em contínuo

processo de desuso, justamente, em uma contraposição que o sujeito é


mais complexo do que a ideia de mero uso de algo ou sistema. Contudo, a

204
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Esse fenômeno agora é global. Se antes os movimentos


e as ações juvenis se restringiam a certos países ou a certas
classes sociais, como, por exemplo, luta contra as ditaduras,
movimentos de contracultura, como o movimento punk
alocado mais às tribos urbanas, agora o cenário mudou. É
possível que seja a primeira vez na história que estejamos
observando um movimento global. O fenômeno parlimage é
"uma linguagem com uma dimensão global, uma vez que
conta com ferramentas e tecnologias disseminadas em todo
o mundo" (TRINH-BOUVIER, 2015a, tradução nossa). Essa
linguagem é planetária, jovens das zonas urbanas às zonas
rurais, pobres ou ricas, utilizam-na. Esses sujeitos, jovens em
sua maioria, e o Smartphone, ferramenta com a qual estão
massivamente equipados, conforme Meneghetti (2013, p.
115), são denominados “juventude do Ipod”, entrincheirados
e estruturados numa logística jamais evidenciada antes, mas,
de certo modo, emblematicamente imposta por um poder
digital.
Por outro lado, é importante entender e dominar o
mundo digital, porque é um enorme facilitador: maior é a
informação, maior é a utilidade desse meio tecnológico, mas,
ao mesmo tempo, representa um perigo maior caso não haja
preparação adequada (MENEGHETTI, 2013, p. 110).
Esse público, de modo especial os jovens e os
adolescentes, ama esse complexo mundo digital que
estrutura a sociedade, portanto, o cinema, a música, as mídias
sociais, a consagração da imagem etc. são um todo
transversal, um ventre, que gera uma dialética infinita da qual
não se consegue evadir, caso se confie plenamente na
superficialidade desse poder digital.
Por fim, entendemos que o uso da imagem fotográfica,
nessa subseção, caracteriza-se por um uso conversacional e
interativo da imagem, em uma comunicação oficializada pelo

palavra usuário aqui é empregada para demarcar mais esse papel de uso.
Logo, o sujeito não deixa de ser usuário de sistemas, mas a visão das
práticas informacionais é mais ampliada, não é o mesmo dos estudos de
usuários.

205
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

fenômeno parlimage; esse fenômeno vem gerando práticas


que, por um lado, estão associadas: a) à intensa prática
fotográfica e ao compartilhamento de imagens nas mídias
sociais; b) aos aplicativos de mensagens instantâneas e às
intensas trocas de mensagens preenchidas com emoticons e
emojis.
Logo, o uso dessas imagens, que aqui preferimos
denominar representações visuais, é um uso voltado a
representar e realçar as emoções e os sentimentos humanos
no interior das mensagens interativas de texto ou associados
às imagens fotográficas. Possuem um intrínseco
relacionamento com os memes da Internet, assunto em
discussão, no próximo subtópico, sobre a imagem híbrida.

4 A IMAGEM HÍBRIDA E REAPROPRIADA


A questão principal, nesta subseção, é entender o uso
da imagem híbrida, resultado da sobreposição de fotografias;
uma mescla visual de fotografias, ilustrações, texto etc.
reapropriada por ferramentas de retoque.
Esse é um fenômeno importante e, acreditamos, ser a
assinatura das mídias sociais: a reapropriação da imagem por
meio de colagens e a sua difusão no meio digital, tirando-a do
seu contexto e relevância. São conhecidos como memes da
internet e mashups visuais. São uma combinação ou mescla
visual de múltiplas fontes, são transformações de conteúdos
e imagens geralmente sem relação com as partes originárias,
e geram uma obra derivada.
Fernanda Desastre (2015), assim os distingue: um viral,
como o próprio nome diz, é basicamente aquilo que se
espalha rapidamente e alcança um grande número de
pessoas; o meme pode ser visto como algo que, além de se
espalhar, ganha versões e tem o seu significado alterado,
reapropriado pelos sujeitos.
Os virais, termo relacionado à palavra vírus, de doença,
é um contágio e consequente alastramento de conteúdo
imagético quase que inconsciente pelos sujeitos. Também são
criados e utilizados pelo marketing digital (marketing viral)
para divulgar e propagar uma marca e ou serviço.

206
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Para Guadagno, Rempala, Murphy e Okdie (2013), um


meme está relacionado ao papel da resposta emocional. O
conteúdo que gera respostas afetivas mais fortes tem
implicações para o contágio emocional e para a influência
social e poderá se espalhar como um viral.
Uma forma particular de contágio, o contágio
emocional, envolve a convergência do estado emocional de
uma pessoa com os estados emocionais daqueles com quem
se está observando ou interagindo. No uso de imagens de
memes da Internet, as pessoas experimentam emoções e, ao
compartilhar ou encaminhar esse meme, elas antecipam que
o receptor terá emoções semelhantes (GUADAGNO;
REMPALA; MURPHY; OKDIE, 2013).
Um outro fator, segundo Guadagno, Rempala, Murphy e
Okdie (2013), que pode contribuir para a proliferação de
memes da Internet, é a validação social. A validação social é a
tendência dos sujeitos de olhar para os outros a fim de verem
o que os outros estão fazendo e, assim, determinar se um
comportamento é válido, normativo e apropriado (CIALDINI,
2009 apud GUADAGNO, REMPALA; MURPHY; OKDIE, 2013).
As imagens expostas nas mídias digitais tendem a seguir
o modelo de felicidade que domina o cenário contemporâneo.
Ainda que a felicidade seja algo subjetivo para cada sujeito, o
julgamento do outro se torna balizador para determinar se
aprova ou não o que é mostrado como felicidade. Ou seja, o
contágio emocional e a validação social podem estimular e
influenciar respostas comportamentais desejadas para uma
determinada massa de pessoas.
Portanto, o uso da imagem reapropriada, como meme
da Internet, está associado ao papel da resposta emocional,
cujo conteúdo gera respostas com implicações de contágio
emocional e influência social.
Na próxima subseção, abordaremos uma maneira de
expressão, o autorretrato, que se popularizou com o termo
neologista selfie, que se tornou popular quando os usuários
da internet começaram a postar nas mídias sociais. A ênfase
está no uso da imagem enquanto autorretrato.

207
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

5 O AUTORRETRATO - A SELF (ie) 30


O autorretrato - a selfie- embora já presente em outras
épocas, é uma prática fotográfica contemporânea de
expressão muito representativa, impulsionada com a
fotografia conectada. O ato de tirar fotos de si mesmo é um
fenômeno que se instalou permanentemente. A raiz do termo
inglês self está também associado ao “eu”, conexo à
personalidade e aos sentimentos do sujeito, cuja aproximação
não é casual.
A selfie não é um modismo, “o fenômeno é global e
total”. Tudo é bom motivo para uma selfie. “A selfie penetrou
em todas as esferas da sociedade: privada, pública,
profissional, popular, econômica e política”, afirma a autora
Escande-Gauquié (2015, on-line, tradução nossa). Essa
afirmação nos deixa meio perplexos e até incomodados ao
tentarmos imaginar que essa atividade de “socialização
global” possa ser um fenômeno e também uma forma de
massificação, de memetização global.
A linha de raciocínio da autora é pontual e assertiva,
quando afirma que registrar o momento já não é suficiente, a
imagem deve responder à lógica de “eu estou lá”. Essa
pequena vantagem faz toda a diferença, não é mais
importante capturar o momento. Se, na fotografia tradicional,
o clichê parecia dizer "foi, como eu vi", com a selfie, a
fotografia dá lugar a um novo discurso, "isto é, como eu sou"
(ESCANDE-GAUQUIÉ, 2015, on-line, tradução e grifo nosso).
Em resumo, entendemos que é o discurso fotográfico do “eu
estou lá, e é como eu sou”.
Interpretamos que a lógica do “eu estou lá” e “isto é,
como eu sou” revela um narcisismo representado pelo uso de
fotografias para expor a própria imagem. E,
consequentemente, expõe uma busca pelo elogio e o olhar do
outro para ser admirado e reconhecido. O autorretrato
associado à familiaridade com as mídias sociais faz com que
os sujeitos o usem como uma extensão de si mesmos.

30Self ou si mesmo na psicologia junguiana. O vocábulo selfie é um


neologismo com origem no termo self-portrait, que significa autorretrato.

208
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

As pessoas atuam, constroem e descontroem seus


corpos através de representações em imagens a cada clique
do smartphone ou câmera digital. O resultado é a
transformação na relação do próprio eu para com o outro e
do outro para com o próprio eu.
À selfie, segundo Escande-Gauquié (2015), vem atrelada
a uma necessidade: a obrigatoriedade de compartilhar a
imagem com o público. A necessidade de provocar o like, a
ligação (o link), o comentário, a conversa, a troca, pois uma
selfie não verificada a torna inexistente.
O uso da imagem fotográfica com a selfie está
relacionado a uma identidade que é construída em uma
virtualidade digital, onde o sujeito, apesar da multiplicação de
trocas com outras pessoas nas mídias sociais, gira sobre si
mesmo. Na sociedade das telas, continuando a reflexão com
base em Escande-Gauquié, o ´eu´ sempre procura um olhar
cuja selfie é o modelo ideal, pois permite olhar e ser
observado.
O quadro social contemporâneo gratifica essa
encenação de si mesmo e a recompensa constantemente pelo
sistema de likes. Essa lógica da exposição tem uma
especificidade, ela opera de acordo com uma modalidade do
olhar que é realmente nova: “eu olho para mim, eu olho para
você e eu olho para você me olhar.” (ESCANDE-GAUQUIÉ,
2015, on-line) Esse modo é específico para a selfie.

6 A IMAGEM EFÊMERA: OS APLICATIVOS DE FOTOS


INSTANTÂNEAS
“Efêmero e o perpétuo”, como destaca Kossoy (2014),
estão na base de nossas reflexões sobre imagem e memória.
As imagens agora são efêmeras, são apagadas, não deixam
rastro histórico, são caracterizadas pelo modo de expressão
espontâneo e massivo, onde se contam estórias através de
uma sucessão de imagens.
Independentemente de onde estivermos, os
dispositivos nos permitem estar praticamente sempre on-line.
Isso é algo ainda tão recente que, até uma década atrás, os

209
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

debates se tratavam apenas entre os limites da vida on-line e


off-line.
Nas mídias sociais, como o Facebook, o Instagram, os
sujeitos buscam retratar em seus perfis situações do
cotidiano que consideram importantes, especialmente por
meio da fotografia.
A fotografia que é editada e compartilhada no aplicativo
consegue agregar imagem e comunicação, permitindo que o
sujeito reforce a imagem que constrói de si para o mundo.
Observa-se que a fotografia efêmera modifica
profundamente o uso da imagem, algo que dura um instante,
um registro sem memória e sem história. A imagem
produzida, a partir dessa fase, modifica os resultados e os
formatos de apreensão da realidade.
Assim, podemos concluir que os usos das imagens –
mesmo efêmeras - permitiram reconstrução dos padrões
imagéticos, isto é, um uso caracterizado pela interação em
que se funde o papel de produtor e de usuário da imagem.

7 A IMAGEM E OS VALORES SOCIAIS


Em face do que vimos até aqui sobre os usos das
imagens em mídias digitais, queremos destacar duas
perspectivas que podem ser alinhadas ao contexto do
aplicativo de imagens Instagram. A primeira perspectiva
refere-se ao fato de o aplicativo ter se estruturado como uma
rede social, pelo círculo de sujeitos que interagem entre si. E,
então, a partir das imagens compartilhadas pelos usuários em
seus perfis, forma-se a segunda perspectiva, relacionada aos
valores sociais que surgem da forma como são organizadas as
relações e as interações nesse contexto digital, ou seja, a
interação entre os sujeitos e o valor social que resulta dessas
interações, observadas nas práticas informacionais.
Para uma compreensão mais efetiva desta análise,
recorremos aos estudos sobre as “redes sociais”, de Raquel
Recuero. “Em termos gerais, as conexões em uma rede social
são constituídas dos laços sociais que, por sua vez, são
formados através da interação social entre os atores”, explica
Recuero (2009, p. 30). Portanto, uma rede social não é

210
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

necessariamente digital. A autora propõe os valores sociais


de: visibilidade, popularidade, autoridade e reputação.
Comparamos estes valores com a mídia social
Instagram. A visibilidade, nas mídias sociais, é um valor
resultante do compartilhamento de fotografias e vídeos
curtos, é possível, além de editar e compartilhar as imagens,
distribuir estas fotos em outras redes sociais,
potencializando, assim, a visibilidade do usuário. O segundo
valor está relacionado à audiência, a popularidade: no
Instagram, é possível detectá-la a partir do número de
curtidas que a imagem do usuário recebe por meio de outros
usuários. A autoridade, terceiro valor, evidencia-se pela
quantidade de seguidores que os sujeitos possuem. Por fim, a
reputação configura-se pela junção dos demais valores, está
relacionada às impressões que as pessoas têm das outras, isto
é, uma percepção qualitativa, relacionada a outros valores
agregados. Dessa forma, podemos ressaltar que as práticas
informacionais, de alguma forma, são componentes ligados
ao reconhecimento de um sujeito pelo outro.
Juntamente com as comodidades eletrônicas, vêm
associadas outras formas de expressão que, para alguns
especialistas, já pode ser considerada uma nova linguagem. E
é essa a discussão do próximo tópico.

8 UM CONTEXTO COM UMA CONVERSA APARENTE


Diante das cinco principais práticas informacionais que
identificamos com os usos da fotografia conectada, algumas
das consequências que a realidade digital determina com o
uso das imagens está levando os sujeitos, a serem agrupados
num contexto digital que não é propriamente humano. Uma
dessas consequências, segundo Godart (2016), é um contexto
contemporâneo em que atingimos a universalidade de uma
linguagem.
Essa linguagem, portanto, consiste em capturar
imagens e torná-las uma fala, imagens que substituem
palavras, frases e histórias. “Uma linguagem cujo conteúdo,
difuso, é tão aleatório [fortuito], confuso - ao mesmo tempo
simples e inflexível nesta simplicidade, - que não permite mais

211
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

estabelecer intercâmbios aprofundados que, aliás, não é seu


objetivo.” A imagem conversacional, conectada, oferece uma
´conversa´ apenas em aparência. “A etimologia latina de
conversa, conversatio, refere-se à ´companhia´, mas, nessas
imagens, não existe uma reunião que possibilite a companhia:
o outro não tem cheiro, nem gosto” (GODART, 2016, p. 40,
tradução nossa).
No mundo contemporâneo, a conversa já não permite
trocas reais, no sentido socrático do diálogo. Certamente, um
discurso impaciente e imediatista. Para Trinh-Bouvier, essa
tendência traz o discurso da foto numa linguagem
semiescrita, semifalada, em que não há vestígios de nossas
palavras, exceto na memória subjetiva de cada um dos
protagonistas (o remetente e o receptor). Nos discursos
efêmeros, não há tempo nem lugar para expressar palavras
ou contar histórias. "O discurso da foto é parte de um curto
período de tempo, impaciente," sublinha Trinh-Bouvier. Para
chegar aos seus interlocutores com maior rapidez, os jovens
procuram modos de comunicação rápidos e simples "a
imagem tornou-se tão urgente que seu conteúdo permanece
secundário" (TRINH-BOUVIER, 2015 apud GODART, 2016,
p.40, tradução e grifo nosso).
E, diante de tais práticas em relação ao uso de imagens
no cotidiano, gostaríamos, ainda, de dar ênfase ao social. Para
Huynh-Mai e Peretou (2017, on-line), as razões para o sucesso
de uma imagem compartilhada não são realmente estéticas,
mas sociais. Por conseguinte, os aplicativos de imagem
tornaram-se um modo de expressão espontâneo, natural e
maciço que estrutura a relação do sujeito com o mundo.
Nesse cenário, a economia das imagens se concentra na
autogestão dos usuários, e não somente na guarda,
organização e promoção do acesso, como faziam as
bibliotecas e demais instituições anteriormente. Criaram-se
mecanismos e bens culturais inéditos, calcados em novos
modos de relacionamentos entre os sujeitos.
Neste contexto, as imagens do cotidiano assumem uma
posição de destaque social sem precedentes. A igualdade e a
reciprocidade da interação instituíram a conversação no

212
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

modelo de produção cultural. Dessa forma, a difusão viral


estabeleceu a apropriação como a principal condição das
circulações culturais.

9 REFLEXÕES FINAIS
As práticas informacionais dentro deste contexto do
uso da fotográfica conectada podem ser relativas aos
clássicos processos de formulação de necessidades,
comportamentos de busca, procura e uso de informação. No
entanto, vão além, pois as pessoas usam a fotografia
conectada também por curiosidade, entretenimento, por
ligação afetiva, expressar emoções, só para citar alguns. Ou
seja, a interação entre os sujeitos e o valor social que resulta
dessas interações são questões primordiais.
A razão está no fato de que as mídias sociais estão no
cotidiano da grande maioria das pessoas, e as atividades que
elas exercem no interior desse contexto fornecem um volume
e uma variedade crescente de matéria-prima para as
pesquisas sobre os usos. Poderíamos, então, pensar em
“práticas visuais”, como sugestão de estudos futuros.
Em suma e à guisa de conclusões deste capítulo,
entendemos que o uso da fotografia conectada pela
perspectiva das práticas informacionais, presente nas
atividades cotidianas, indica que estamos entrando para uma
nova cultura de interpretação, conversação e apropriação da
imagem. Mas do que se trata, afinal? Não se trata somente do
uso da fotografia conectada, mas aprendemos um novo
idioma, o da fotografia e seus usos em contexto. Um novo
cotidiano, investido de intensa prática fotográfica, uma
câmera universal, onde o sujeito não existe sem a opinião do
outro, mergulhado em um dilúvio de imagens que o conduz
ou o arrasta para uma mudança de mundo, onde a fotografia
fixa coisas, isto é, movemo-nos para um mundo onde as
imagens mudam de forma constante e fluida. Fotografias
efêmeras, acompanhadas da intencionalidade e da
necessidade de provocar a interação, a curtida – o like, uma

213
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

busca inaudível pelo olhar do outro para ser reconhecido,


admirado, consumido, quiçá amado.

REFERÊNCIAS

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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WEBER, Claudiane. Imagens Fotográficas e Seus Usos:
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2018. Tese (Doutorado em Cultura e Informação) - Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2018.

215
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

216
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

CAMPO SOCIAL, HABITUS E VIOLÊNCIA


SIMBÓLICA NO ESTUDO DE PRÁTICAS
INFORMACIONAIS DE TRANSEXUAIS
Flávia Virgínia Melo Pinto

1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo, objetivamos refletir sobre a
incorporação de conceitos elaborados pelo sociólogo francês
Pierre Bourdieu na concepção teórico-metodológica de
pesquisas sobre práticas informacionais de pessoas
transexuais, relacionadas às demandas consequentes dos
conflitos vividos por esta população com o gênero designado
no nascimento.
Em meados da década de 1990, Frohmann (1995, p. 21,
tradução nossa), influenciado pelas suas leituras de Michel
Foucault, afirmou a urgência dos estudos sobre políticas de
informação captarem a maneira como o poder agia “nas
relações sociais mediadas pela informação”31, como
determinados grupos mantinham sua hegemonia e “como
específicas formas de dominação – especialmente as de raça,
classe, sexo e gênero – estão implicadas no exercício do poder
sobre a informação”32. Para chegarmos à essência dos
fenômenos informacionais, o pesquisador não poderia mais
se limitar às questões instrumentais da produção,
organização, acesso e disseminação de informações como se
fossem processos neutros.
Nesse contexto, alguns pesquisadores passaram a usar
o conceito “práticas informacionais”, incorporando
perspectivas teórico-metodológicas das Ciências Sociais.
Devido às variadas formas de estudos que foram
denominados como práticas informacionais, Savolainen
(2007) acabou por defini-lo como um conceito guarda-chuva.

31“[...] the social realations mediated by information [...]”.


32“[...] and how specific forms of dominance especially those of race, class, sex
and gender are implicated in the exercise of power over information.”

217
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Esses estudos se voltaram para sujeitos e relações sociais


complexas que não eram abordados até então (ARAÚJO,
2017).
Dentre as abordagens adotadas, está a teoria
praxiológica de Bourdieu que, de acordo com Nunes e
Carneiro (2018), oferece elementos teórico-metodológicos
que auxiliam na superação das limitações dos estudos
tradicionais e cognitivistas. As práticas informacionais dos
sujeitos acontecem numa perspectiva ampla, sendo
determinadas pelas estruturas sociais e, ao mesmo tempo,
pelas motivações, visões de mundo e gostos pessoais. Assim,
as pesquisas deveriam considerar o cotidiano, o contexto
social e suas contradições. A informação não pode ser
considerada um elemento atomizado, fruto apenas da
consciência humana. Os processos de produção,
disponibilização e compartilhamento da informação estão
ligados às maneiras como os recursos estruturais como
propriedade, capacidade de tomada de decisão e capacidade
de definição de valor são distribuídos.
Para desenvolvermos estudos que abranjam os fatores
acima, precisamos de uma ferramenta teórico-metodológica
que conceba a inter-relação entre estrutura e agência.
"Agência" é a capacidade de ação independente e livre dos
indivíduos. A "estrutura" é o conjunto dos arranjos
padronizados e recorrentes que podem influenciar ou limitar
as escolhas e oportunidades dos indivíduos. Bourdieu (1983)
apontou a importância de se compreender a dialética entre a
agência e a estrutura social, a partir da articulação dos
conceitos habitus, capital (econômico, cultural e simbólico) e
campo social.
Araújo (2017, p. 220) aponta que essa é a “ideia básica
que fundamenta o conceito de ‘práticas’ presente na
expressão ‘práticas informacionais’”.

É nesse sentido que estudar as práticas


informacionais constitui-se num
movimento constante de capturar as
disposições sociais, coletivas (os

218
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

significados socialmente partilhados do


que é informação, do que é sentir
necessidade de informação, de quais são
as fontes ou recursos adequados) e
também as elaborações e perspectivas
individuais de como se relacionar com a
informação (a aceitação ou não das regras
sociais, a negociação das necessidades de
informação, o reconhecimento de uma ou
outra fonte de informação como legítima,
correta, atual), num permanente
tensionamento entre as duas dimensões,
percebendo como uma constitui a outra e
vice-versa (ARAÚJO, 2017, p. 221).

Assim, o cientista da informação tem na teoria


praxiológica conceitos que podem ser usados para se
compreender a relação entre as práticas informacionais, que
são rotineiras e subjetivas, e o contexto histórico-social em
que ocorrem, superando uma compreensão meramente
fenomenológica desse processo.

2 A ASSIMILAÇÃO DE INFORMAÇÕES NA
CONFORMAÇÃO DO HABITUS DE GÊNERO
As informações que influenciam a nossa forma de ver o
mundo são gestadas em comunidade sob um modelamento
social garantido pela família, a escola, a religião, os meios de
comunicação, o sistema jurídico e os governos. Trata-se de
mecanismos de validação de informações sobre nossos
corpos e comportamentos conforme as relações sociais
estabelecidas num dado período histórico. Essas relações
sociais são a forma como os indivíduos se organizam em
sociedade, como estabelecem relações de trabalho e
desenvolvem os elementos da cultura.
No entanto, os sujeitos não assimilam passivamente
essas informações. Eles reproduzem concepções e modos de
vida, mas também os questionam e os transformam. Para
Vigotski (2007), o sujeito produz sentido e significado na sua
relação com o mundo. Ele não recebe passivamente

219
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

informações, mas constrói novos conhecimentos a partir da


relação entre as suas experiências consolidadas e uma nova
situação, ressignificando e edificando novos sentidos. Ao
relacionarmos essa concepção processual do sujeito com a
teoria bourdieusiana, podemos apontar a limitação
estabelecida pelo habitus nesse processo.
Bourdieu (1983, 2002) estudou as relações de disputa
entre dominadores e dominados numa perspectiva material e
simbólica, das marcas que essas disputas deixam na
subjetividade, conformando as ações delas frente às
situações do cotidiano. Em sua compreensão sobre a
sociedade, o antagonismo entre as classes ou grupos sociais e
as disputas entre os indivíduos determinam a distribuição de
recursos para o confronto num determinado campo social.
Para Bourdieu (1983), as pessoas seguem a lógica da
prática, sem reflexão, a partir das disposições criadas ao longo
da vida. “Disposição” é uma expressão chave usada por
Bourdieu (1977, 1983) que propõe a ideia de estrutura e
propensão ou inclinação a agir de determinada maneira. O
agente realiza suas ações ou faz suas escolhas a partir da
dialética entre a situação vivida e o seu habitus, o conjunto de
ideias, gostos, maneiras de perceber o mundo. Esses sistemas
são assimilados ao longo da vida por meio do acesso ao capital
material (acesso a bens materiais), capital social (rede de
contatos que possibilitam ou não acesso aos capitais
simbólicos) e capital cultural (capacitação, recursos
intelectivos adquiridos por meio da educação formal ou da
vivência).
O habitus é uma “estrutura estruturada” resultante das
experiências específicas de classe ou extrato social, durante a
socialização (BOURDIEU, 1983). Quando nascemos, estamos
imersos em relações que não pudemos escolher, no mundo da
nossa família. A partir daí, passamos a ordenar internamente
o mundo exterior por meio da linguagem oral, construindo o
mundo próprio. A realidade objetiva que conhecemos nos é
apresentada conforme nossa localização na estrutura social e
as idiossincrasias de cada significativo que nos é repassado
pelos nossos familiares. Trata-se de um processo cognitivo,

220
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

porque aprendemos a nomear tudo o que nos rodeia e a fazer


relações; e emocional, porque interiorizamos emoções
relativas às experiências que nos são demonstradas como
boas, alegres ou ruins, tristes etc. Esse mundo acaba nos
parecendo como o único possível, sólido e sem dúvidas.
Durante a socialização secundária, as informações desse
mundo se chocam com as informações disseminadas por
outras instituições como a escola. Nesse momento, várias
crenças podem ser colocadas em xeque pelo processo de
escolarização, que é pautado pelo conhecimento produzido
pela ciência. Por outro lado, a escola também é responsável
pela manutenção de certas tradições, dentre elas, podemos
citar um habitus específico que diferencie homens e
mulheres.
É por meio desses processos que internalizamos a
“informação acumulada” por gerações sobre hábitos culturais
(BOURDIEU; PASSERON, 2008), dentre esses hábitos,
apreendemos as normas de gênero. A inteligibilidade dos
corpos se constrói na somatização das noções binárias de
masculino e feminino, conforme se dá em nossa sociedade
(BOURDIEU, 2002). É o que Judith Butler (2003) chama de
performance de gênero.

As aparências biológicas e os efeitos, bem


reais, que um longo trabalho coletivo de
socialização do biológico e de biologização
do social produziu nos corpos e nas
mentes conjugam-se para inverter a
relação entre as causas e os efeitos e fazer
ver uma construção social naturalizada (os
‘gêneros’ como habitus sexuados), como o
fundamento in natura da arbitrária divisão
que está no princípio não só da realidade
como também da representação da
realidade e que se impõe por vezes à
própria pesquisa (BOURDIEU, 2002, p. 3-4).

A incorporação, pelos indivíduos, de explicações e


termos que naturalizam privilégios e tratamentos de exceção

221
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

constituem o que Bourdieu (2002) denominou de “violência


simbólica”. As pessoas não são subjugadas somente pela
força física, mas, também, pela incorporação de ideias,
gostos, disposições que compõem a formação do habitus.

Em sua forma inicial, a ‘violência simbólica’


é uma violência oculta, que opera
prioritariamente na e pela linguagem e,
mais geralmente, na e pela representação,
pressupondo o irreconhecimento da
violência que a engendrou e o
reconhecimento dos princípios em nome
dos quais é exercida. Ela impõe uma tripla
arbitrariedade (a do poder imposto, a da
cultura inculcada e a do modo de
imposição), violência disfarçada, ela se
exerce não só pela linguagem, mas
também pelos gestos e pelas coisas;
auxiliar das relações de força, ela adiciona
a própria força a essas relações. Desse
ponto de vista, o reconhecimento
atribuído pelos dominados aos
dominantes é duplo: reconhecimento da
pertinência das justificativas ‘religiosas’,
‘naturais’, ‘eruditas’ etc., a respeito dessa
dominação; e reconhecimento suscitado
pelas ‘vantagens’ ou pelos ‘benefícios
secundários’ que ela lhes concede.
(MAUGER, 2017, p. 360).

Bourdieu (1983) estava preocupado em compreender


como os indivíduos incorporam a estrutura social e por que o
poder e a ordem social são mantidos por gerações. A
formação do habitus está sujeita aos elementos que
constituem essa ordem social. Nesse processo, há uma
disputa “em torno do controle da determinação dos
conteúdos informacionais que serão disseminados” (ALVES;
BRASILEIRO, 2017, p. 169), uma vez que a informação é um
fenômeno indissociável dos contextos, normas, situações e
ações das pessoas. Os aparatos informacionais auxiliam na

222
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

partilha de códigos de convivência e maneiras de entender o


mundo, dentre elas, o conhecimento gerado pelo sistema
sexo/gênero.
Pelo fato do habitus estar profundamente enraizado,
Bourdieu compreendia que as mudanças sociais dependeriam
de fissuras entre a estrutura social e esse habitus. As
diferenças entre classes e grupos sociais são ofuscadas pelas
categorias de distinção, por meio de um universo simbólico
que é apreendido pelas pessoas, que mistificam a realidade
social, sendo muito difícil para elas refletirem sobre essas
estruturas que são incorporadas, somatizadas (BURAWOY,
2010), o que faz parte da violência simbólica. Nesse processo,
há a produção de um arcabouço de informações que são
internalizadas, constituindo um acervo acionado pelo
indivíduo durante suas práticas.
Por outro lado, Bento (2006) demonstra que há um
espaço do desvio em relação ao habitus, ligado às disposições
individuais, que são as possibilidades de os indivíduos
exercerem suas escolhas e questionamentos.

Habitus é a matriz, mas há também os


sistemas de disposições individuais,
adquiridos por constantes reestruturações
ou ajustamentos, variando de acordo com
as situações. O grau de desvio que o
indivíduo porta em relação à matriz varia.
É no espaço do ‘desvio’ que se localizam
as subjetividades. As ações dos indivíduos
podem assumir o caráter de ações
coordenadas, ainda que não totalmente,
pois resultam do encontro de diferentes
habitus, sendo este o princípio da
socialização (BENTO, 2006, p. 98).

Nesse sentido, a visibilidade da transexualidade


ampliou o debate sobre a possibilidade de várias
feminilidades ou masculinidades, desvinculadas da anatomia
dos corpos. Desse embate, surgem demandas informacionais
pelas pessoas que vivenciam o conflito com o gênero

223
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

designado no nascimento que culminam no desenvolvimento


de um aparato informacional que questiona o saber médico,
jurídico e as tradições que formam o habitus de gênero.

3 CAMPO DE GÊNERO COMO UMA ARENA DAS


PRÁTICAS INFORMACIONAIS
As sociedades contemporâneas são caracterizadas por
uma grande diferenciação social das atividades, o que se
reflete na maneira como as pessoas se organizam e no espaço
que ocupam. As relações no campo econômico não são
pautadas pelas mesmas regras que as relações estabelecidas
nos campos artístico ou científico, mesmo que, em algum
momento, haja algum cruzamento entre esses campos. A
partir de concepções desenvolvidas, em especial, por Weber
e Durkheim, Bourdieu construiu o conceito de campo para
auxiliar nos estudos sociológicos num nível microcentrado.
Assim, o campo é um “microcosmo incluído no macrocosmo
constituído pelo espaço social global (nacional ou, mais
raramente, internacional)” (LAHIRE, 2017, p. 65).
O campo é um espaço estruturado, ao longo do tempo,
por regras, no qual as pessoas, munidas com seus capitais
materiais e simbólicos, estão em disputa, exercendo práticas
de acordo com estratégias (de conservação ou de subversão)
que só podem ser compreendidas, pelo pesquisador, ao se
considerar os posicionamentos desses agentes. A posição de
cada indivíduo é o resultado da interação entre o seu habitus
e o lugar ocupado por ele no campo. Assim, os campos se
constituem em “[...] arenas de atividade humana que são
definidas por metas, regras e capitais específicos, dando
suporte a diferentes territórios de competição e luta social”
(BURAWOY, 2010, p. 67).
A definição de gênero como campo social foi retirada de
Bento (2006). Nesse campo, se situam os indivíduos que
representam as instituições (família, escola, medicina, Igreja,
o sistema jurídico) com suas ideologias ou justificativas que
naturalizam comportamentos ideais a partir das constituições

224
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

anatômicas dos corpos, definidos como masculino ou


feminino e colocados como se fossem opostos.
Numa posição de heterodoxia, estão as pessoas cujas
práticas questionam as posições hegemônicas, como o
movimento feminista, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais,
travestis, transgêneros e intersexuais
Concomitante ao desenvolvimento do capitalismo, e de
sua ordem burguesa, o sexo passou a ser administrado por
diversas disciplinas científicas a partir do século XVIII. A
questão populacional passou a ser avaliada por meio das
variáveis: natalidade, mortalidade, expectativa de vida,
alimentação, saúde e moradia (FOUCAULT, 1988). Vemos que
Foucault elencou elementos que passaram a ser de domínio
da saúde pública, por meio de levantamentos
sociodemográficos, e de estabelecimento de políticas de
governo para o combate de doenças e promoção da saúde.
Nesse contexto, a medicina, a psiquiatria, a justiça e a
pedagogia foram disciplinas que se debruçaram sobre o sexo.
Passaram a difundir discursos científicos sobre o que se deve
fazer, falar ou silenciar.
As explicações biológicas delimitaram as diferenças
entre a masculinidade e a feminilidade a partir das
verificações científicas. Com o desenvolvimento da medicina
e o conhecimento maior da anatomia dos corpos, houve a
busca das diferenças entre os corpos feminino e masculino,
com a definição de dois sexos opostos e a busca de evidências
que corroborassem com essa teoria. Essa releitura do corpo é
inerente às mudanças sociais e políticas, ocorridas desde o
século XVIII. Não como consequência, mas como parte da
construção de uma nova ordem social (FOUCAULT, 1988;
LAQUEUR, 2001).
Se, por um lado, houve descobertas importantes tais
como a previsão do período fértil e o desenvolvimento de
anticoncepcionais, por outro, houve a transformação da
“sexualidade biológica em produtos de atividade humana”,
conforme defendido por Gayle Rubin em 1975 (LAQUEUR,
2001, p. 23). “Algumas diferenças de sexo na pesquisa
biológica e sociológica acabam se tornando diferenças de

225
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

gênero” (LAQUEUR, 2001, p. 24), isto é, as descobertas sobre


as variações do corpo humano acabaram sendo usadas para
justificar as diferenças entre os gêneros que são construídas
nas relações sociais.

Da espessura da pele ao tamanho do


crânio, da estrutura psíquica aos
complexos, tudo é diferença. A refinada
engenharia da diferença sexual
esquadrinhou os corpos com o objetivo de
provar que não há nada em comum entre o
feminino e o masculino (BENTO, 2008, p.
29).

Bourdieu (2002) apontou que a naturalização das


diferenças de gênero, que acaba favorecendo a dominação
masculina, não está circunscrita à elaboração de ideologias e
discursos sobre os gêneros/sexos. Trata-se de uma estrutura
de pensamento que norteia as visões sobre feminilidade e
masculinidade compartilhadas em todos os âmbitos da vida
em sociedade. A maneira como se delineou essa percepção
dos gêneros se deu a partir do desenvolvimento de esquemas
conscientes e inconscientes de percepção, visão e atuação no
mundo que favorecem a dominação de um papel masculino.
Não se trata apenas de um embate.
A dominação masculina se desdobra em violência física
como também, e antes de tudo, em violência simbólica,
pulverizada nos discursos, conhecimentos que transmitem
informações que recebemos ao longo da vida e que justificam
as diferenças entre os sexos, naturalizando papéis masculino
e feminino ligados a uma determinada anatomia também
definida socialmente como masculina ou feminina. “A divisão
entre os sexos parece estar na ordem das coisas, em todo
mundo social, incorporada nos corpos e nos habitus dos
agentes, funcionando como esquemas de percepção,
pensamento e ação” (BOURDIEU, 2002, p. 8).
Nesse contexto, as pessoas transexuais, que são
aquelas cujas identidades de gênero não estão em

226
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

conformidade com o gênero designado no nascimento,


questionam as regras estabelecidas pelo sistema
sexo/gênero, se apropriam, produzem e compartilham
informações que desestabilizam esse sistema.
Quando nascemos, nossa existência civil está ligada à
identificação do sexo na Certidão de Nascimento que é feita
a partir da nossa constituição anatômica. Essa determinação
cria expectativas de comportamentos ligados ao habitus de
gênero feminino ou masculino. As pessoas que entram em
conflito com essas expectativas demonstram dúvidas sobre o
entendimento do próprio corpo e da sua maneira de ser
(RIGHETTO, 2018; SILVA, 2019; PINTO, 2020). Transexual foi
um termo designado para definir pessoas cujas maneiras de
estarem no mundo não se enquadram nas expectativas sociais
para os corpos-homens e corpos-mulheres e que buscam nas
transformações corporais e/ou nas maneiras de se vestir, de
se maquiar uma imagem com a qual se identificam.
A medicina normatizou o uso desse termo no século XX
para o diagnóstico que estabelecia um roteiro de atuação do
médico para a “adequação” do corpo à percepção do indivíduo
(BENTO, 2006). Ao se padronizar feminilidades e
masculinidades, se mantém a produção e disseminação de
informações sobre a questão de gênero numa perspectiva
que tende a manter uma visão que naturaliza a divisão de
gêneros como opostos. Criando, assim, barreiras de acesso à
informação sobre múltiplas possibilidades de se vivenciar os
gêneros.
Conforme demonstraram as pesquisas de Righetto
(2018), Silva (2019) e Pinto (2020), as barreiras de acesso à
informação enfrentadas pelas pessoas transexuais não são
superáveis somente por um movimento cognitivo. Elas são
resultado das configurações sociais que se pautam, dentre
outros fenômenos, pelas concepções generificadas dos
corpos. Para que essas barreiras sejam superadas, é
necessário um engajamento das pessoas transexuais que vai
além da localização e uso de informações para resolução de
demandas ou lacunas de informação. E esse engajamento
resulta num questionamento de concepções arraigadas na

227
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sociedade que auxiliam, também, na sua desconstrução,


gerando uma gama de novas informações. Essas informações
geradas a partir da vivência de uma identidade de gênero
diferente daquela designada no nascimento são consideradas
efêmeras pelos próprios indivíduos que as elaboram. O que se
diferencia das informações geradas pelos saberes médico e
jurídico, que demandam anos de disputas para serem revistas
e modificadas. A própria concepção de transexualidade pela
medicina e pelo direito mudou ao longo dos últimos 30 anos
devido também à atuação política das pessoas transexuais.
Atualmente, no Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP)
e o Conselho Federal de Medicina (CFM) orientam uma
relação mais dialógica entre pessoas com conflitos com o
gênero designado, não considerando mais a transexualidade
como uma doença.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria praxiológica fornece instrumentos para se
descrever e analisar as práticas informacionais de qualquer
grupo, considerando a relação entre subjetividades e a
sociedade. Dada a complexidade da organização social, é
necessário compreender a conformação dos campos nos
quais atuam os agentes, conforme seus interesses que são
engendrados a partir da relação entre o habitus e a situação
vivida.
Nessa perspectiva, não é possível formularmos um
modelo de práticas informacionais que possa ser replicado e
testado em diferentes grupos sociais, em diferentes
contextos. É necessário compreender qual o campo social que
se está observando e como os agentes se organizam nesse
campo a partir da conformação de seu habitus. Para tanto, não
se pode limitar o olhar às relações intersubjetivas, mas
considerá-las num contexto sócio-histórico, o que significa
buscar suas origens históricas e não limitar a análise ao
fenômeno mais imediato, àquilo que é observado por meio do
instrumento metodológico escolhido (entrevista, observação,
grupo focal etc.).

228
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

As pesquisas de Righetto, (2018), Silva (2019) e Pinto


(2020) apontaram que as práticas informacionais da
população transexual são impactadas pelas relações
estabelecidas no campo de gênero, no qual ocupa uma
posição heterodoxa. A violência simbólica limita a produção e
divulgação de informações que se diferenciem do aparato
tido como legítimo e que normatiza as maneiras como
homens e mulheres deveriam ocupar seu lugar no mundo,
atendendo às expectativas da tradição inculcadas pelo
habitus de gênero. Assim, as pessoas transexuais acabam
superando as barreiras informacionais a partir da busca para
a resolução de conflitos com o gênero designado, se
apropriando de informações produzidas por outras pessoas
transexuais, a partir de suas vivências.

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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231
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

232
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

PRÁTICAS INFORMACIONAIS, CULTURAIS E


COMUNICACIONAIS: PERSPECTIVAS PARA A
SOCIABILIDADE E A POLÍTICA
CONTEMPORÂNEAS
Marco Antônio de Almeida

1 INTRODUÇÃO
Para iniciar nossa “conversa”, vou partir da evocação de
três situações bastante distintas entre si, algumas mais
próximas e outras mais distantes do cotidiano do leitor.
Situação 1: Em decorrência da pandemia causada pela
COVID-19, as escolas públicas, de diversos níveis de ensino,
impossibilitadas de manter as aulas e outras atividades
presenciais, empenham-se num esforço enorme de produzir
conteúdos digitais e estruturar um sistema de comunicação à
distância entre docentes e discentes, envolvendo distribuição
de equipamentos e chips, bem como treinamentos para sua
utilização;
Situação 2: em pleno contexto da pandemia, a difusão e
divulgação de informações sobre medidas de saúde pública –
uso de máscaras, distanciamento social, ações a serem
tomadas diante de determinados sintomas – tornam-se
fundamentais e estratégicas, e passam a ser disseminadas
pelos dispositivos conectados às redes sociais. Por outro lado,
esses mesmos dispositivos e redes, também são responsáveis
pela disseminação de boatos, discursos de ódio e fake news
que prejudicam o combate à doença, além de gerarem um
ambiente de confrontação política e cultural, extremamente
negativo no atual contexto de tentativa de conjugação de
esforços para o controle da pandemia;
Situação 3: O movimento negro produz documentos
históricos – jornais, livros, fotografias, adesivos, cartazes e
outros formatos documentais – há muitas décadas. Trata-se,
infelizmente, de um conhecimento pouco difundido,
insuficientemente organizado e disponível em acervos (fruto

233
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

também do apagamento histórico e da invisibilização dessa


produção). Na contramão dessas circunstâncias, um grupo de
trabalho da UNEafro-Brasil organizou seu acervo físico e
digital, possibilitando o acesso a cerca de dez mil documentos
iconográficos, audiovisuais e textuais. Nesse processo, os
militantes da UNEafro realizaram uma formação teórica e
prática de organização, conservação e recuperação da
informação em acervos documentais, criando uma lógica
própria para a recuperação das informações e a integração do
acervo. A complexa metodologia resultante utilizou o
software livre ATOM, e foi construída de maneira orgânica,
gerando uma série tipológica específica que não fica visível
para quem consulta o acervo, mas que dá ideia do que está
disponível.
São três situações bastante distintas, que em princípio
não teriam nada em comum; todas, porém, implicam em
alguma forma de apropriação social e individual das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Essas
apropriações demarcam novas práticas informacionais,
culturais e políticas, chegando mesmo a incidir sobre as
estruturas sociais das instituições nas quais ocorrem.
Propiciam formas inéditas de promover a educação, de
disseminar a informação – e a desinformação –, de possibilitar
o acesso ao conhecimento e de construir ações políticas e
identitárias. Tentar compreender a maneira pela qual
chegamos até este momento e seus desafios implica em
revisitar certas concepções das Ciências Humanas e das
Ciências Sociais Aplicadas e os contextos históricos nos quais
elas se desenvolveram.
Para enfrentar essa tarefa, o capítulo propõe
inicialmente uma breve discussão teórica sobre as
concepções de práticas, mediações e interações, para em
seguida correlacioná-las com as alterações históricas nas
formas de interação proporcionadas pelas mudanças
tecnológicas. Diante do quadro esboçado a partir dessas
considerações, serão examinadas as dinâmicas das práticas
informacionais, culturais e políticas no presente contexto,
para em seguida refletir sobre algumas dessas práticas e

234
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

experiências exemplares. Encerrando o capítulo, serão


elencados e ponderados alguns dos desafios decorrentes da
desigualdade sociocultural para a efetivação e
implementação de práticas dessa natureza, sinalizando
algumas possibilidades abertas pelas discussões em torno da
concepção de tecnodiversidade.

2 PRÁTICAS, MEDIAÇÕES E INTERAÇÕES


Nas definições dicionarizadas, as “práticas” podem
significar a realização de qualquer ideia ou projeto, a
aplicação das regras ou dos princípios de uma arte ou ciência,
ou o exercício de qualquer ocupação ou profissão. Desse
modo, o sentido que as “práticas” podem vir a ter é atribuído
externamente, a partir de um contexto ou de um conjunto
simbólico significativo: práticas sociais, práticas culturais,
práticas informacionais, práticas profissionais. As chamadas
“práticas”, portanto, não são claramente definidas em si
mesmas, sendo, em geral, subentendidas como um conjunto
de ações que constituem produções (simbólicas ou materiais),
mediações ou interações. No território das Ciências Humanas
ou das Ciências Sociais aplicadas, ocupam um território
movediço, que não é claramente delimitado.
No âmbito das Ciências Sociais, as reflexões acerca das
noções de práticas sociais e práticas culturais receberam um
aporte de destaque com a obra de Pierre Bourdieu, que
propunha um “construtivismo estruturalista” para
compreender as dinâmicas do mundo social. Com essa
perspectiva, que postula uma junção entre as dimensões do
“objetivo” e do “subjetivo”, ele procurou realizar o duplo
movimento de objetivar as estruturas sociais e afastar as
representações subjetivas dos agentes, rompendo
simultaneamente com o pensamento institucionalizado dos
pesquisadores e com a “sociologia espontânea” dos atores
sociais. (ALMEIDA, 2017).
Para efetivar esta perspectiva em seus estudos e
pesquisas, Bourdieu utilizou dois conceitos, os de habitus e o
de campo, que se articulam em seus trabalhos empíricos para
dar conta de compreender o duplo movimento construtivista

235
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de interiorização do exterior e de exteriorização do interior.


Desse modo, o habitus seria todo um sistema de “disposições”
que seriam obtidas pela “aprendizagem implícita ou explícita,
que funciona como um sistema de esquemas geradores; é
gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins
aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido
expressamente concebidas para este fim”. (BOURDIEU, 1983,
p. 94)
O ponto que merece destaque aqui é a noção de
disposições – o conjunto de tendências ou inclinações dos
indivíduos para perceber o contexto e, a partir daí, agir e
pensar de determinadas formas que foram interiorizadas e
incorporadas, geralmente de maneira inconsciente, e que são
decorrentes de sua trajetória social e de suas condições
objetivas de existência. Essas disposições, embora possam se
modificar, tendem a ser persistentes no decorrer da vida, por
se encontrarem enraizadas e resistirem às mudanças,
caracterizando uma marca de continuidade na vida das
pessoas. Com esta formulação, Bourdieu consegue conectar
os planos individual e estrutural na análise das práticas: “essas
disposições adquiridas ao longo de certas experiências e
espaços de socialização (família, escola) exercem efeitos
sobre outras esferas de experiências (profissionais, por
exemplo)” (ALMEIDA, 2017, p. 201).
O conceito de “campo” surge em decorrência dessa
concepção de habitus, como o elemento que permite
perceber as conexões entre indivíduo/estrutura ao tornar-se
o espaço de exteriorização da interioridade. (BOURDIEU, 1983,
1989). O manejo do conceito de campo é parte central da
reflexão de Bourdieu, que concebe as instituições sociais mais
como relações do que como substâncias, destacando o
aspecto praxiológico e interacional de seu pensamento. O
campo se configura, portanto, como uma esfera da vida social
que progressivamente adquire autonomia em torno de certas
relações sociais, recursos e conteúdos específicos,
distinguindo-se assim de outros espaços sociais. Sobretudo,
eles se caracterizam por serem “campos de forças”, já que se
inscrevem sobre uma distribuição desigual dos recursos, o

236
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

que os configura, ao mesmo tempo, como “campos de luta”:


espaços de confrontos e disputas entre os agentes sociais
para a conservação ou transformação dessa relação desigual.
Mas essas disputas não são arbitrárias, se
caracterizando por mecanismos de capitalização específicos
dos recursos considerados legítimos que são próprios ao
campo (que podem incluir uma diversidade de capitais:
econômicos, sociais, culturais, políticos). Essas disputas que
estão no cerne de funcionamento dos campos demandam a
existência de instâncias reconhecidas de legitimação desses
capitais – mesmo que os campos não se caracterizem por uma
única e determinada forma de dominação, mas em distintas
configurações de poder que combinam distintos recursos.
Desse modo, ocorrem modos de “capitalização” dos distintos
capitais, que podem ser concorrentes (por exemplo, o conflito
entre os detentores do capital cultural e do capital
econômico) ou combinados e imbricados (no caso de agentes
que acumulam diversos tipos de capital, seja cultural,
econômico ou social). Há um interesse comum das pessoas
engajadas num campo, um reconhecimento sobretudo das
regras explícitas ou tácitas que determinam seu
funcionamento, que chega a superar os antagonismos e que
permite a própria existência do campo, realçando, portanto,
as características de mediação e interação que permeiam as
práticas realizadas pelos agentes – termo que Bourdieu
prefere ao termo “atores” (BOURDIEU, 1983, 1989;
BOURDIEU; CHARTIER, 2012).
Se formos pensar as práticas a partir das perspectivas
abertas pelas concepções de mediação, é importante
considerar o diferencial entre “mediação” como conceito
sociológico geral que caracteriza os processos sociais, do
conceito especializado de “mediação” como prática
institucional (ALMEIDA, 2014). Nessa perspectiva, estamos
distantes de uma definição consensual de mediação, pois
lidamos com conceito de enorme plasticidade, que prolonga
suas fronteiras para abarcar realidades muito distintas entre
si, agregando novos níveis de complexidade à análise dos
fenômenos dispostos sob esse rótulo. Assim, parcela

237
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

substantiva da bibliografia das Ciências Humanas e Sociais


adotou a concepção de que as ações de mediação não seriam
o estabelecimento de uma simples relação entre dois termos
de mesmo nível, mas que produziriam um “excedente”, um
estado mais satisfatório em relação às condições iniciais
(DAVALLON, 2007). Portanto, a mediação “agregaria valor”
aos processos culturais, informacionais ou comunicacionais,
gerando ganhos em termos de conhecimento aos sujeitos
envolvidos.33
As discussões em torno da mediação no campo da CI,
estruturam-se fortemente em torno de dois eixos. O primeiro
eixo agrega um conjunto de trabalhos, predominantemente
empíricos, mas não só, que se estruturam em torno de
discussões acerca das práticas profissionais – aqui, portanto,
a preocupação maior é com os mediadores (bibliotecários,
arquivistas, museólogos) e as relações que estabelecem com
seus públicos. O segundo eixo, embora contemple também
discussões empíricas, abrigaria um maior número de
reflexões teórico-epistemológicas no âmbito do paradigma
social da informação, revelando uma maior preocupação com
o contexto mais amplo dos processos de mediação. Podemos
incluir, nesse eixo, as discussões em torno das concepções de
práticas informacionais (ARAÚJO, 2017). Trata-se de uma
distinção para fins heurísticos: há trabalhos que articulam,
com distintos pesos, os dois eixos.
Ao refletirmos sobre as práticas infocomunicacionais,
uma perspectiva importante é a das interações entre atores
ou agentes. Um esquema bastante útil para analisar essas
interações é proposto por John Thompson (1998). No
contexto social das interações comunicacionais da história
humana, até o século XV, predominaram as interações face a
face. As mudanças tecnológicas introduzidas a partir daí, com
a invenção da imprensa no Ocidente, não envolveu apenas a
instituição de novas redes de transmissão, mas novas formas

33Alguns autores, como Almeida Júnior (2009), afirmam, inclusive, que a


mediação está presente em todos os fazeres do profissional da informação,
explícita ou implicitamente, e realizada de forma individual ou coletiva.

238
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de interação e novos tipos de relacionamento social. Com os


novos meios de comunicação, a interação se dissocia do
ambiente físico.
Thompson (1998) distingue, inicialmente, três formas
de interação. A primeira é a interação face a face: presencial,
dialógica e orientada para outros específicos. A segunda
forma é a interação mediada: também dialógica e orientada
para outros específicos, rompe com a característica presencial
da forma anterior, estendendo-se no tempo e no espaço,
separando contextos de emissão e recepção. Finalmente, a
interação quase mediada, conjunto de relações sociais
estabelecidas pelos meios de comunicação com os seus
conteúdos, que implica numa ampla disponibilidade de
informação e conteúdo simbólico no tempo e no espaço.
Diferentemente das interações anteriores, a interação quase
mediada é monológica e orientada para um número
indefinido de receptores potenciais. Trata-se de uma situação
estruturada, baseada numa forma de divisão do trabalho, na
qual alguns indivíduos estão encarregados da produção de
formas simbólicas destinadas a outros indivíduos fisicamente
distantes, que irão se ocupar em receber estas formas – que
foram produzidas por outros com quem não podem interagir
fisicamente, mas com quem podem estabelecer laços de
afeto e amizade. Ao distinguir estas distintas formas de
interação, Thompson observa que, no fluxo da vida diária, elas
podem se combinar ou misturar – possuem, portanto, um
caráter híbrido. (THOMPSON, 1998)
O conjunto das mudanças tecnológicas no âmbito da
comunicação trouxe como consequência histórica para o
intercâmbio de informação e conteúdo simbólico o fato das
interações face a face cederem cada vez mais espaço para as
interações mediadas e quase mediadas. Os indivíduos
passaram a buscar outras fontes de informação e conteúdo
simbólico distantes de suas interações face a face cotidianas,
criando e renovando seus hábitos e perspectivas. Para
Thompson, a organização social da interação quase mediada
demanda uma nova relação entre instituições e papéis sociais,
envolvendo a adequação do comportamento a estruturas

239
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

previamente definidas. Desse modo, se estabelece uma


dinâmica envolvendo as condições sociais de produção e
circulação das informações e conteúdos simbólicos que
geram novas formas de monitoramento e reflexividade dos
indivíduos. As ações dos indivíduos envolvidos nas interações
sempre fazem parte de um campo estruturado de interação,
que ao mesmo tempo cria e limita as oportunidades
disponíveis. Entretanto, em relação às interações mediadas e
as interações quase mediadas, ocorre um aumento da
complexidade, visto que eles estão dilatados no espaço (e,
eventualmente, no tempo), o que produz contextos bastante
diversos. O que nos interessa destacar, nessa reflexão, é que

Ainda que os diversos contextos de


recepção tenham certas características
comuns, é importante enfatizar que os
atributos sociais que os indivíduos trazem
para estes contextos não são os mesmos
em todos os lugares. Como a interação
quase mediada torna as mensagens
disponíveis para um número indefinido de
receptores dentro de um vastíssimo
espaço (e talvez também no tempo), a
diversidade dos atributos sociais que
concorrem no processo de sua recepção é
obviamente muito maior do que a
encontrada em interações face a face. (...)
Diferenças entre os receptores afetam
principalmente as maneiras que cada um
tem de se relacionar com as mensagens
recebidas, de entendê-las, apreciá-las,
discuti-las e integrá-las em suas vidas. Por
isso a apropriação das mensagens da mídia
deve ser vista como um processo contínuo
e socialmente diferenciado que depende
do conteúdo das mensagens recebidas, da
elaboração discursiva das mensagens
entre os receptores e os outros e dos
atributos sociais dos indivíduos que as
recebem. (THOMPSON, 1998, p. 102)

240
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Thompson extrai uma série de reflexões desse dinâmica


partir de exemplos empíricos, em especial da televisão,
articulando formas e tipologias de características da
interação mediada e da interação quase mediada. Ele mostra
que o processo de evolução e enraizamento social das
tecnologias de informação e comunicação proporcionam
experiências descontínuas das coordenadas espaço-
temporais, envolvendo os contextos de produção, os
contextos das mensagens em si mesmas e os contextos
diversos de recepção.

3 MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E INTERAÇÕES


SOCIOCULTURAIS
O papel das tecnologias de informação e comunicação
(TIC) é fundamental nesse processo. As TICs estabelecem uma
rede global onde se entrecruzam sociedades com distintos
modos de vida e histórias. Esse novo contexto gerou um
profundo choque nos modos de vida cotidiana dos indivíduos,
produzindo tensões e fricções entre as culturas locais e fluxos
culturais globalizados. À luz da revolução digital e do
crescimento da internet, Thompson (2018) complementou
posteriormente sua tipologia, propondo um quarto tipo: a
interação mediada on-line. Para isso, baseou-se na distinção
de Erving Goffman entre as regiões frontais e as secundárias
ou de fundo.
Para Goffman (2014) qualquer ação ou performance
ocorre dentro de uma estrutura interativa particular que
envolve determinadas suposições e convenções, incluindo
também características físicas e outras (por exemplo, em uma
biblioteca, a mobília, a disposição física dos volumes, o layout
de circulação e atendimento, a decoração, etc.) que
constituem o cenário. Os indivíduos atuantes dentro dessa
estrutura adaptam seu comportamento a ela, projetando uma
autoimagem mais ou menos compatível com a estrutura e
com a impressão que querem provocar. Essa estrutura
interativa e suas características constituem o que Goffman
denomina de “palco”, a região frontal de interação. Por outro

241
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

lado, as ações e os aspectos do “eu” vistos como inadequados


ou suscetíveis de descrédito da imagem pública dos
indivíduos são eliminados ou deslocados para regiões
secundárias de interação, os “bastidores” – regiões nas quais
os sujeitos podem agir de maneiras distintas ou que
contradizem as imagens que projetam no “palco”. Nos
“bastidores”, os indivíduos não precisam mais monitorar suas
ações e expressões com o mesmo alto nível de reflexividade
que utilizam comumente no “palco”, na região frontal de
interação. Thompson mostra como a quase-interação
mediada e a interação on-line mediada criam oportunidades
para o vazamento de informações e conteúdos simbólicos das
regiões secundárias para as frontais, com consequências que
podem ser embaraçosas, prejudiciais e, por vezes,
extremamente perturbadoras.
E qual seriam as propriedades dessa nova forma de
interação, a interação mediada on-line? Como as demais
formas de interação mediada, esta também contempla a
extensão das relações sociais através do espaço e do tempo e
certo estreitamento no leque de deixas simbólicas34. A
diferença em relação às demais formas de interação mediada
é que, distintamente da interação quase mediada, ela possui
caráter dialógico e; em relação à interação mediada, orienta-
se para uma multiplicidade de outros destinatários (muitos
para muitos ≠ um para um). Ao sublinhar o aspecto de
interação mediada por computador, Thompson não a reduz
apenas ao uso de computadores de mesa ou laptops, mas a
qualquer forma de interação similar, como smartphones,
tablets ou outros dispositivos móveis. Inclusive, essas formas
móveis talvez sejam até mais relevantes para compreender as
novas possibilidades de interação criadas pela comunicação
mediada por computador e sua presença cada vez maior na

34 As deixas simbólicas incluem posturas corporais, piscadelas, gestos,

mudanças na entonação de voz, detalhes do vestuário e do ambiente e


assim por diante: “os participantes de uma interação face a face são
constantemente e rotineiramente instados a comparar as várias deixas
simbólicas e a usá-las para reduzir a ambiguidade e clarificar a compreensão
da mensagem”. (THOMPSON, 1998, p. 78)

242
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

vida cotidiana.
A diferença entre a interação mediada e a interação
mediada on-line não reside em um caráter dialógico-
interativo ou no meio utilizado (dispositivos digitais ou
mesmo outras mídias, no caso da interação mediada, que
pode contemplar até o tradicional papel-e-caneta), “mas sim
na orientação para a ação: a interação mediada é orientada
para um outro específico, isto é, entre dois pontos, enquanto
a interação on-line mediada é orientada para uma pluralidade
de outros distantes, ou seja, é aberta” (THOMPSON, 2018, p.
25). Desse modo, usar o e-mail para a comunicação com um
outro específico é uma forma de interação mediada, não
muito diferente de escrever uma carta, distinguindo-se
apenas na extensão tempo-espaço (a segunda é muito mais
lenta). Já postar uma mensagem no Facebook ou no Twitter,
assim como um vídeo no YouTube, que estão disponíveis para
serem vistos, respondidos, comentados, compartilhados etc.
por uma pluralidade de outros indivíduos implica em
propriedades de interação muito distintas.
As mudanças nas formas de interação e as novas
potencialidades abertas pelas características das TIC também
irão trazer mudanças e novas perspectivas para as ações de
mediação, chegando, no limite, a proposições como a de
“desintermediação”. O desenvolvimento de serviços e
produtos informacionais cada vez mais sofisticados e,
simultaneamente, de um uso relativamente fácil por parte
dos indivíduos constitui o contexto que possibilita a
elaboração de um conceito como o de desintermediação. Este
contexto envolve o desenvolvimento de grandes mecanismos
de busca baseados em algoritmos, do qual o Google, surgido
em 1998, se tornou o caso exemplar. Seu algoritmo de busca,
o PageRank, adotou como modelo os procedimentos de
citação acadêmica para aferição da “importância” das páginas
da internet. No cenário contemporâneo dos fluxos de
informação, atribui-se ao Google e seus correlatos o alegado
papel de “guias” precisos e seguros possibilitando aos
indivíduos, por meio da “desintermediação”, o acesso direto à
informação e ao conhecimento. Este tipo de visão colaborou

243
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

para a ideia bastante difundida de que a internet


descortinaria um horizonte de liberdade e acesso infinito e
sem limites ao conhecimento e à informação disponível –
percepção que vem sendo cada vez mais criticada nos últimos
tempos. (ALMEIDA, 2014)
Inicialmente, visões de um universo de liberdade e
abundância informacional, que estaria agora disponível aos
indivíduos e grupos, estava associado à ideia de sociedade em
rede. Entretanto, essa perspectiva vem sendo posta em
questão, assim como a falsa ideia de “neutralidade” das
tecnologias: não há rede sem planejamento, sem hierarquia,
sem estruturação prévia, já que os conhecimentos não
existem fora de um contexto social, nem se reorganizam de
maneira aleatória. O sistema cultural do mundo
contemporâneo caracteriza-se, cada vez mais, por sua
crescente complexidade. Desse modo, a informação, o
conhecimento, os conteúdos simbólicos – a cultura no mundo
contemporâneo – tornou-se um recurso cada vez mais
estratégico. Administrar os recursos culturais, visando atingir
distintos objetivos, tornou-se um desafio para Estados,
empresas e movimentos sociais, que não podem reduzi-los ao
papel de simples mercadoria. A atual configuração da cultura
demanda um sofisticado aparato de informação, envolvendo
recursos físicos e humanos cada vez maiores. (YÚDICE, 2006)
Nesse sentido, para que os indivíduos contextualizem a
informação e a utilizem são necessárias competências críticas
(comunicativas, culturais, educacionais e cognitivas), o que
recoloca a questão das desigualdades sociais. Esta
desigualdade social não se resume somente à partilha
adequada dos recursos, mas envolve a participação na
determinação das oportunidades de vida, tanto individuais
como coletivas. Trata-se de uma perspectiva democrática e
igualitária que fundamenta uma discussão crítica sobre a
mediação algorítmica dos novos regimes de informação.
(BEZERRA; ALMEIDA, 2020)
Ao considerarmos o surgimento de uma “cultura dos
algoritmos”, temos em mente um conjunto de metáforas
articuladas ao redor do fenômeno da explosão dos dados – o

244
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Big Data. São metáforas que buscam traduzir as


consequências desse fenômeno não apenas para o debate da
tecnologia, mas também da cultura, da economia e da política
contemporâneas. O fato é que essa imagem se inscreveu nas
discussões cotidianas, gerando um imaginário social no qual
existem “reservatórios de dados”, verdadeiros estoques de
informação dos usuários, que, num paralelo com o
extrativismo dos recursos naturais, estariam prontos a serem
explorados. Concebidos como recursos infinitos, os dados
permitem às empresas de tecnologia focar seus esforços de
publicidade no “compartilhamento”, ou seja, na concessão
voluntária dessas informações por parte das pessoas. Esse
seria o passo inicial para a construção de uma utopia
comunitária de melhores serviços, de construção de
conhecimentos e de partilha de “experiências”. Não
compartilhar tornou-se o verdadeiro pecado capital da
atualidade. (BEZERRA; ALMEIDA, 2020).
Evgeny Morozov (2018) observa que o fenômeno do
“extrativismo de dados” implica em consequências
econômicas e políticas, sendo a principal o acúmulo de imensa
riqueza – e poder – por um punhado de investidores e
gigantes empresariais. O Uber e fenômenos semelhantes só
podem ser compreendidos quando se conhece a origem de
seus recursos: fundos soberanos e bancos de investimentos
como o Goldman Sachs. Para Morozov, a tecnologia permitiu
ao aplicativo incorporar um gigantesco contingente de
trabalhadores supostamente autônomos, mas a
contrapartida foi a precarização das formas de
regulamentação do trabalho e dos serviços ou, como
preferem os ideólogos do empreendedorismo,
“flexibilização”35. Já no setor público, a reforma dos sistemas

35Há uma conexão entre o trabalho em toda a cadeia produtiva relacionada


às plataformas de dados. Uma tarefa importante é explicitar isso para que
milhões de trabalhadores saiam da invisibilidade. Vale destacar que essa
forma de racionalização do trabalho não está restrita aos trabalhadores
desqualificados, mas alcança o conjunto de outras atividades: médicos,
enfermeiros, serviços relativos à saúde e ao bem-estar, jornalistas,
professores, advogados, arquitetos já atendem por aplicativo e atuam a

245
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de saúde, educação e previdência incluiu a intermediação dos


provedores de serviços digitais, com uma alegada economia
de recursos – mas que implicou na quase nunca discutida
perda de controle político e de governabilidade sobre
decisões, que passaram a serem exercidas “tecnicamente”
pelos algoritmos. Como observa Morozov, “... deveríamos
fazer um balanço dos fatores estruturais que levam os
governos e outras instituições públicas às mãos dessas
grandes empresas de tecnologia” (MOROZOV, 2018, p. 168).
Outra consequência apontada por Morozov que se
relaciona com o desenvolvimento dessa “cultura dos
algoritmos” está na ampliação da disseminação das fake news.
As notícias falsas sempre existiram, mas no atual momento
elas circulam no meio digital com uma facilidade e velocidade
muito maiores – isto porque se adequam bem aos modelos de
negócio baseados em cliques, sintonizados à lógica do
extrativismo de dados. Essa lógica, já instalada no
inconsciente coletivo, guia a forma pela qual a disseminação
de fake news é encarada. As grandes empresas de tecnologia
se auto atribuem o papel de identificar e distinguir o que é
falso do que é verdadeiro, buscando reforçar ainda mais a
confiança do público nelas mesmas. O paradoxo consiste em
que elas só poderiam desempenhar esta tarefa por meio de
algoritmos – e aqui é suficiente recordar exemplos bizarros de
distinção entre fotos artísticas e fotos pornográficas
estabelecidas pelo Facebook para concluir que o recurso aos
algoritmos não basta. Esse tipo de controle algorítmico
“neutro” busca lapidar a imagem das empresas, mas é
politicamente imposto, e “[...] é parte de um esforço maior de
recrutamento de tecnologias preditivas – aproveitando o
enorme volume de dados já acumulados – em nome do
controle e da vigilância” (MOROZOV, 2018, p. 170).

partir da lógica da coleta de dados dos seus clientes. A agilidade, a


facilidade e a acessibilidade que a tecnologia possibilita podem ser
mantidas e ampliadas em vulnerabilizar ainda mais as relações de trabalho.

246
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

4 PRÁTICAS INFORMACIONAIS, POLÍTICAS E O


CONTEXTO TECNOCULTURAL
Como pudemos observar até aqui, as conexões entre
cultura e tecnologia se tornam cada vez mais estreitas e
complexas, e não podem ser analisadas de forma ingênua.
Torna-se necessário pesar, de um lado, o horizonte de
potencialidades que se descortina e, ao mesmo tempo,
considerar caminhos e possibilidades que se fecham, muitas
vezes de forma sutil e desapercebida. O conhecimento, como
observou Antonio Melucci (2001), transformou-se em um
recurso fundamental para os atores sociais. Ao possibilitar a
percepção da natureza real das relações sociais por trás das
aparências que os aparatos dominantes tendem a impor à
vida coletiva, o conhecimento transforma as práticas
políticas, informacionais e culturais dos sujeitos. Desse modo
a construção de novas formas de produção e apropriação da
informação e do conhecimento por parte dos atores sociais
empresta outros sentidos à palavra “inovação”. Se
considerarmos a clássica perspectiva de Schumpeter (1988), a
inovação e seu ciclo organizaram-se historicamente em três
estágios: invenção; imitação (ou difusão); terceirização de
produtos para o consumo. Críticos dessa concepção
questionam a validade exclusiva do conceito para o campo
econômico, argumentando se a perpetuação do modelo
capitalista vigente pode ser considerada, efetivamente, uma
mudança ou inovação.
Em geral, o conceito de inovação é associado à
tecnologia, sendo visto muitas vezes como sinônimo de pura
e simples mudança tecnológica. Nessa perspectiva, nas
últimas décadas o destaque em termos de inovação seria o
desenvolvimento das TIC. Na contramão dessa perspectiva,
Evgeny Morozov critica o que ele denomina de “solucionismo
tecnológico” focado nessa visão limitada de inovação. Para o
autor, tal postura é mantida graças a uma definição bastante
restrita dos problemas sociais – geralmente proposta na ótica
mais rentável para os defensores da dita “solução”. Assim, ele
questiona: “Onde estão os aplicativos para combater a

247
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

pobreza ou a discriminação racial? Criamos aplicativos para


resolver problemas que os aplicativos conseguem resolver –
em vez de enfrentar os problemas que de fato precisam ser
resolvidos” (MOROZOV, 2019, p. 41). Desse modo, traz para o
debate a concepção de que a inovação social na apropriação
das tecnologias se relaciona diretamente com a maneira pela
qual o conhecimento e a informação são organizados,
apropriados e aplicados – decorrendo daí as consequências
desse processo para a sociedade. Tal perspectiva se relaciona
diretamente com a informação, com a cultura e com o
conhecimento comum, contemplando suas formas de gestão,
bem como os processos de sua produção, disseminação e
apropriação.
A esta altura da digressão podemos retornar a Melucci,
quando ele afirma que “[...] sair da ideologia e produzir
conhecimento (conhecimento, capacidade de análise,
capacidade de comunicação, auto-reflexibilidade) torna-se
um recurso-chave para a ação coletiva” (MELUCCI, 2001, p.
142). Os espaços de produção do conhecimento constituídos
pelos movimentos sociais configuram-se como espaços
políticos nos quais confluem demandas provenientes dos
atores sociais e exigências do sistema, espaços que
produzem, transformam e difundem informações. Estes
espaços devem permanecer abertos ao debate e à negociação
dos interesses para preservar sua natureza pública, que
acolhe a participação e a representação das identidades
coletivas. O território da cultura se constitui hoje na arena
onde visões de mundo e modos de vida das classes populares
se confrontam com o negacionismo e o revisionismo na
agenda de disputas pela legitimidade dos direitos sociais.
Desse modo, a cultura torna-se estratégica para gestar
iniciativas políticas que incorporem a possibilidade de os
atores sociais serem co-artífices do conhecimento requerido
para sua implementação. Abre-se, assim, um horizonte de
possibilidades de uma distribuição mais justa de recursos e
oportunidades.
Trata-se de um conjunto de transformações na natureza
da visibilidade e nas possibilidades de participação na vida

248
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

social e política cujo significado ainda é difícil de estimar.


Como observa Thompson,

[...] os indivíduos, as ações e os eventos


agora estão visíveis de maneiras que eles
simplesmente não estavam no passado, e
qualquer pessoa com um smartphone tem
a capacidade de tornar as coisas visíveis
para centenas ou até milhões de pessoas
de formas que antes não eram possíveis
(THOMPSON, 2018, p. 35)

Obviamente, nem todos os indivíduos e organizações se


apropriam dessas possibilidades ou possuem o mesmo poder
ou visibilidade. Mas o importante a se destacar é que os
campos da vida social e política foram e continuam sendo
reconstituídos pelas interações e visibilidades
proporcionadas pelos diversos tipos de TIC, cujas
possibilidades, ao serem exploradas, influenciam as maneiras
pelas quais o poder político é exercido.
Uma boa maneira de refletir sobre estas questões nos é
sugerida por Carlos Scolari (2018) quando ele adota as
metáforas possibilitadas pela noção de interface para
compreender essas inter-relações: a interface como
dispositivo de comunicação, como instrumento, como
conversação, como lugar de interação. Cada metáfora possui
um valor descritivo diferente, e algumas metáforas iluminam
os fenômenos melhor do que outras. Porém, para Scolari,
talvez a melhor metáfora seja a interface como lugar ou
espaço de interação, por revelar traços mais pertinentes:
“Esta metáfora também contém as demais metáforas: em um
espaço podemos manipular instrumentos, receber
informação a partir das superfícies e estabelecer
conversações” (SCOLARI, 2018, p. 29, tradução nossa). Assim,
a noção de interface pode ser útil para analisar outros
fenômenos para além do estritamente tecnológico. Desse
modo, para o autor, esta metáfora também é funcional para
inspirar as ações de quem projeta uma interface: é muito

249
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

diferente desenhar uma interface entendendo-a como um


mero instrumento a serviço do usuário do que imaginá-la
como um intercâmbio conversacional. Assim, as interfaces,
pensadas nessa perspectiva mais ampla, nunca são neutras:

[...] em todas essas interfaces, os atores


individuais ou institucionais nunca estão
acomodados: (re)formulam suas
estratégias e táticas, fixam posições e
sofrem avanços e retrocessos como em
qualquer confrontação. (SCOLARI, 2018, p.
153, tradução nossa)

As implicações do uso da noção de interfaces, por


Scolari, se distinguem daquelas implicações relacionadas à
noção de dispositivo, bastante explorada nas análises de
ambientes e contextos de informação e cultura36. A
perspectiva de Scolari, ao destacar o caráter interacional e
plástico das interfaces, sintoniza-se com o pensamento de
Michel de Certeau (1994), especialmente quando este
ressalta os modos de fazer dos indivíduos, suas estratégias e
táticas que se constituem a partir dos lugares e contextos que
ocupam. O universo digital abre a possibilidade de
compreender as práticas como um grande texto palimpsesto
e polifônico, no qual diversas vozes e escrituras se
entrecruzam. Desse modo, não há sistema de dominação que
não possibilite formas de apropriação distanciadas ou
subversivas – assim como não há táticas exclusivamente
alternativas, que não se enfrentem com condições desiguais
de possibilidades, visto estarmos em sociedades nas quais os
recursos são desigualmente distribuídos.

36 Não iremos explorar esta linha de reflexão neste texto, mas vale

mencionar que ela está presente em muitos trabalhos da Ciência da


Informação, da Comunicação e das Ciências Sociais, que se inspiram nas
formulações de Michel Foucault e, particularmente, na releitura e
sistematização delas proposta por Giorgio Agambem (2009).

250
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

5 PRÁTICAS INFOCULTURAIS & EXPERIÊNCIAS


POLÍTICAS EXEMPLARES
Podemos estabelecer um diálogo entre as concepções
anteriormente mencionadas e aquelas desenvolvidas
contemporaneamente por autores que irão refletir acerca da
apropriação de bens compartilhados, que não são nem
privados nem estatais, denominados de “comuns” (commons),
que realçam os processos inovadores de gestão dos recursos,
dando sentido às formas de resistência ao seu processo de
privatização e monetarização (DARDOT; LARVAL, 2017;
HARVEY, 2014). Aqui se percebe melhor o paradoxo existente
numa definição exclusivamente econômico-tecnicista da ideia
de inovação: muitos dos valores que presidem as concepções
e formas de gestão dos “comuns” ancoram-se na tradição –
mas são, ainda assim, “inovadores” em relação aos padrões
monetizadores vigentes no capitalismo. Embora seja difícil
reduzir a noção de “comum” a uma única definição, ela sempre
pressupõe uma construção comunicativa e coletiva, uma
circulação de informações e saberes (SAVAZONI, 2018).
Podemos vislumbrar o comum em diversas experiências
concretas mundo afora, reunindo compartilhamento,
colaboração, organização emancipatória e autônoma. Evgeny
Morozov e Francesca Bria (2019) elencam um conjunto de
exemplos de utilização da tecnologia na construção de
“comuns digitais” em diversas cidades do mundo, a partir de
práticas colaborativas e de governança coletiva dos dados.
Para os autores, as cidades devem ir além do paradigma das
“smart cities”, principalmente se contrapondo à
financeirização neoliberal e abandonando as agências de
análise de risco, destinando recursos para investimentos
sociais:

[...] políticas públicas devem contestar a


smart city privatizada e construída de cima
para baixo, opor-se ao monopólio da
propriedade intelectual e reverter a
apropriação privada dos valores
produzidos coletivamente por

251
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

plataformas digitais de rent-seeking


(MOROZOV; BRIA, 2019, p. 96)37.

Entre os exemplos elencados pelos autores estão


iniciativas como “Barcelona em Comum”, que criou um Comitê
de Inovação Digital da Prefeitura, cujo objetivo é gerar um
novo olhar sobre a cidade a partir das propostas dos cidadãos.
A principal aposta está na abordagem de “dados da cidade
abertos” (city data commons), que busca coletar essas
informações, garantindo a soberania e a privacidade de seu
uso:

[...] dados são peças centrais da


infraestrutura urbana e podem ser usados
para a tomada de decisões melhores, mais
rápidas e mais democráticas, além de
possibilitarem a incubação de novas ideias,
a melhora dos serviços públicos e o
empoderamento das pessoas (MOROZOV;
BRIA, 2019, p. 100).

Exemplos similares também mencionados são o MyData, de


Helsinque; o DataCités, de Paris; o Health Knowledge
Commons iniciado pela fundação britânica NESTA que reúne
dados sobre doenças, diagnósticos e tratamentos visando
facilitar o acesso a essas informações; os programas CAPS da
Comissão Européia, voltados para plataformas colaborativas
e abertas destinadas à condução de projetos desenvolvidos
pelos cidadãos e que possuam alto impacto social.
A aposta reside na implantação contínua dessas
experiências-piloto experimentais e de pequena escala como
casos exemplares que podem inspirar e potencializar
mudanças mais amplas. Não se trata de romantizar a
apropriação da tecnologia, mas de apontar como sua

37Rent-seeking são mecanismos de obtenção de renda que não consideram


o valor agregado nas transações ou mercadorias, baseando-se no contexto
sociopolítico no qual as atividades produtivas estão inseridas.

252
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

presença torna as dinâmicas sociais mais complexas e amplia


as alternativas e estratégias dos atores envolvidos.
Para refletir sobre cultura e políticas culturais na
perspectiva de “cidades inteligentes”, como proposta por
Morozov e Bria, consideremos a cidade mais rica e populosa
do Brasil, São Paulo. A disponibilidade de equipamentos
culturais no território é uma variável fundamental para
explicar o consumo de cultura de sua população, mesmo
considerando que as dinâmicas culturais da cidade são plurais
e não estão circunscritas aos circuitos institucionais, sendo
antes a expressão do patrimônio cultural de diferentes
grupos, atuando em diferentes pontos do seu território. O
peso significativo da relação entre a presença de
equipamentos culturais em uma dada região e as práticas
culturais de sua população pode ser expressa na constatação
de que a concentração e disponibilidade de equipamentos
culturais na região do Centro Expandido de São Paulo permite
que seus moradores possuam 2,6 vezes mais chances de
serem grandes praticantes culturais, quando comparados
com pessoas de outras regiões, desprovidas de equipamentos
culturais (BOTELHO; FIORE, 2016). Outras pesquisas (por
exemplo, LEIVA, 2014) confirmam a existência de diferenças
significativas quanto aos indicadores de acesso a bens e
serviços culturais em razão da disponibilidade de
equipamentos culturais no território como condicionantes
das práticas culturais (em que pesem as diferenças de
metodologia e escopo das pesquisas). Por outro lado, essas
mesmas pesquisas destacam a importância crescente da
ampliação da posse dos equipamentos e dispositivos
eletrônicos (TVs, smartphones, tablets etc.) e da disseminação
do acesso da internet como elementos importantes na
compreensão da produção, circulação e consumo de bens,
serviços e conteúdos culturais. Uma dinâmica sociocultural
completamente nova começa a ganhar forma, a partir da
apropriação das tecnologias de informação e comunicação
(TIC) e das redes de compartilhamento e sua tradução em
ações e políticas culturais.

253
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Uma primeira iniciativa veio da Secretaria Municipal de


Cultura (SMC-SP), na virada de 2012 para 2013, que lançou o
site SP Cultura. O site se configurou como uma plataforma
para a recuperação das informações sobre uma parte
importante da produção cultural realizada em São Paulo,
tendo em vista o número de equipamentos culturais da SMC
distribuídos pela cidade, porém ainda não permitia uma
compreensão mais ampla das dinâmicas culturais presentes
nos territórios em que se localizavam estes equipamentos.
Nos anos seguintes a SMC imprimiu um novo sentido ao site,
que foi transformado em uma plataforma destinada à
construção de um mapeamento ativo das diferentes
iniciativas do campo cultural realizadas na cidade.
Desenvolvida em software livre e contando com um sistema
de georreferenciamento das informações, a plataforma
passou a contar não apenas com a distribuição territorial dos
equipamentos da SMC, como também possibilitou a inserção
de dados a partir de ações dos próprios atores, e que tomou
a forma de um Mapa Cultural dinâmico e colaborativo mais
amplo do cenário cultural paulistano, dando visibilidade aos
agentes, espaços, eventos e projetos culturais distribuídos
pelo seu território.
Já uma iniciativa que não partiu do governo, mas dos
movimentos sociais, foi a desenvolvida pela Agência Cultural
Solano Trindade, que, ao criar um site para a instituição,
também incorporou um “Mapa Cultural da Quebrada”, por
meio de uma linha de fomento da SMC-SP. Segundo os
membros da agência, o objetivo do projeto era superar uma
dificuldade latente quanto à apropriação das tecnologias da
informação e comunicação (TIC) pela população das regiões
mais periféricas da cidade, expressa tanto na oferta
insuficiente para acesso à internet como na necessidade de
ampliação das capacidades cognitivas necessárias à sua
utilização. Nesse sentido, seus realizadores realizaram uma
pesquisa para compreender melhor quais as ferramentas e
plataformas informacionais disponíveis para utilização no
desenvolvimento do site, dando especial atenção àquelas
baseadas em softwares livres e códigos abertos. Além disso, e

254
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de modo complementar, foi realizada uma consulta com


diferentes coletivos culturais, para entender suas
necessidades e habilidades no uso da internet. (SENA, 2013).
Lançado em 2013, o projeto de mapeamento hoje está
inativo. A iniciativa de criação do Mapa Cultural da Quebrada,
importante para dar visibilidade às iniciativas culturais
produzidas por uma série de atores em diferentes territórios
das periferias da cidade, não resistiu à competição com as
redes sociais e com os custos de manutenção da ferramenta.
Entretanto, outros exemplos poderiam ser citados, como o
Mapa Cultural do Ceará, o Mapa nas Nuvens (Distrito Federal)
e o Londrina Cultural (PENTEADO; HOMMA; TORI; HOMMA,
2020). Todos eles permitem vislumbrar os mapas culturais
como interfaces baseadas em plataformas de código aberto,
e que possibilitam aos cidadãos e aos estados e municípios
seu uso e adaptações, sem necessidade de desembolso de
grandes verbas e pagamento para licenças de uso,
configurando-os como recursos estratégicos para políticas
culturais mais democráticas e participativas.
A utilização de softwares livres para políticas culturais
no Brasil, particularmente para a construção de mapas
culturais, mobilizando recursos gráficos, organizacionais,
operacionais e computacionais de forma colaborativa é um
bom exemplo de interface tecnopolítica ou tecnocultural na
perspectiva de Scolari. Por outro lado, o uso cada vez mais
frequente do Facebook, demonstra alguns dos paradoxos que
a apropriação das TIC pelos movimentos sociais e agentes
públicos podem trazer: embora esta plataforma seja um
importante elemento para a explosão do uso da web, ao
mesmo tempo integra o movimento de cerceamento à
liberdade do uso da internet (SAVAZONI, 2018). Entretanto, é
certo que sua disseminação o tornou uma plataforma
fundamental para as estratégias de articulação e
comunicação dos atores do campo da cultura.
A construção dos mapas culturais, de maneira
colaborativa e com código aberto de construção e atualização
permanente, evidencia o quão estratégico é para a gestão
cultural pública estimular a construção de mapas, dados e

255
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

indicadores culturais extraídos a partir dos usos coletivos e


ampliados permitidos pela chamada internet 2.0 e 3.0, na qual
cerca de 75% de todos os conteúdos criados e distribuídos na
web comercial provém dos usuários. Trata-se de uma nova
possibilidade de protocolo para a elaboração e execução das
políticas culturais por meio da interação cidadãos-
plataformas-poder público. A apropriação da informação por
meio das TIC possibilita conexões e hibridizações inéditas
entre o tradicional e o moderno, entre memórias e sonhos do
futuro, construindo novas narrativas de luta e de identidade.
Nesse sentido, o conhecimento do território, na sua dimensão
material, mas também no que tange às relações e redes
sociais estabelecidas sobre ele, é estratégico para a
implantação de políticas e ações culturais.

6 OS DESAFIOS DA DESIGUALDADE SOCIOCULTURAL


E DA TECNODIVERSIDADE
A posse de dispositivos conectados à internet tem
representado uma forma importante de acesso e produção de
informações, bens e serviços culturais. A enorme oferta de
conteúdos gratuitos e a possibilidade de seu
compartilhamento igualmente sem custo através das redes
sociais e aplicativos de mensagens permitem às pessoas
encontrar informações e conteúdos simbólicos mais afins aos
seus gostos e repertórios culturais, sem precisar contar com a
mediação de qualquer instância de legitimação (embora
permaneçam expostas às escolhas ditadas por algoritmos,
com base nas suas escolhas prévias). Desse modo, observa-se,
já há algum tempo, uma ampliação do acesso à informação e
aos bens culturais que ameniza, em alguma medida, as
desigualdades de oferta presencial, ou seja, da frequência a
eventos ou a equipamentos culturais. Mas aqui, ainda
tomando a cidade de São Paulo como exemplo, também
percebemos uma dinâmica semelhante à da desigual oferta
de equipamentos culturais e de outros bens coletivos. As
condições de oferta não se encontram distribuídas de
maneira uniforme, restando às regiões com alta concentração

256
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de pobreza uma infraestrutura precária para acesso à


internet, ao passo que os domicílios das regiões com
população de maior renda concentram os serviços de maior
qualidade (CETIC, 2019a e 2019b). Uma análise mais
aprofundada das dimensões da infraestrutura, acesso e uso a
partir de indicadores socioeconômicos e territoriais revela um
quadro de grandes disparidades.
Alguns dados são bastante elucidativos dessa
estratificação digital: em 2017 um quarto dos domicílios da
cidade já contava com uma conexão superior a 4Mbps,
parâmetro de medida que afere o acesso à Banda Larga, mas
a proporção de domicílios da classe C com essa conexão era
de apenas 15%, número ainda menor entre as classes DE, de
pouco mais de 3%. Desse modo, embora se tenha constatado
uma ampliação expressiva entre as classes D e E quanto ao
uso da internet no período 2012-2017, é importante atentar
que este acesso se dá basicamente por meio de dispositivos
móveis, com a utilização de conexão de menor velocidade (o
acesso à banda larga se dá através do uso de redes
compartilhadas em espaços e equipamentos públicos e
privados). Temos assim uma realidade na qual coexistem
internautas de primeira classe conectados à Banda Larga e
que mais facilmente conseguem fazer uso das oportunidades
e facilidades disponíveis através da internet, e internautas de
segunda classe, com acesso às conexões de baixa velocidade
e conectadas basicamente através de celulares. Essa
estratificação digital reflete, portanto, tanto desigualdades
individuais (renda insuficiente para aquisição de
equipamentos e pagamento de serviços de acesso à internet),
como coletivas e territoriais (expressas na ausência de oferta
de serviços de melhor qualidade, especialmente conexão de
banda larga, nas periferias da cidade). A dinâmica da exclusão
digital na cidade de São Paulo reflete processos mais amplos
de exclusão social, e a análise dessas duas dimensões precisa
estar associada para uma compreensão adequada deste
fenômeno multidimensional de segregação. Ocorre uma
redução de oportunidades propiciadas pelo acesso à internet
das populações mais pobres quando realizadas

257
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

exclusivamente por conexões de baixa velocidade e/ou via


celular, “tanto em formas de inserção econômica, quanto em
possibilidades de participação da vida política ou no uso de
ferramentas que auxiliem outras dimensões do cotidiano de
vida dos indivíduos” (CETIC, 2019a, p. 152).
Em anos recentes, algumas gestões da Prefeitura de São
Paulo vêm desenvolvendo políticas destinadas a promover a
inclusão digital, considerado esses dados de assimetria social
e digital. As primeiras iniciativas nesta direção tiveram início
ainda na gestão da prefeita Marta Suplicy (2001-2004), com a
criação dos Telecentros; a partir de 2013, a cidade passou a
contar com o Programa WiFi Livre SP, que disponibilizou
acesso à internet gratuito em espaços públicos, e com o
programa FAB LAB LIVRE SP foi criada uma rede de
laboratórios públicos com foco na criatividade e inovação
(WISSENBACH, 2019). Para corrigir as assimetrias e
desigualdades mencionadas, boa parte destas iniciativas
foram implementadas em regiões localizadas nas bordas da
cidade como também na região do centro expandido, que
concentra parte importante dos investimentos, em razão do
fato de que muitas pessoas residentes em outras regiões
frequentam a área central em busca das oportunidades e
serviços ali disponíveis. Embora insuficientes para o
atendimento da demanda potencial para tais serviços, estas
políticas têm contribuído para manter a promoção da inclusão
digital como uma pauta importante na agenda política da
cidade, ponto de permanente reivindicação dos movimentos
culturais, em especial dos que atuam na periferia.
A emergência da pandemia da COVID-19 e as medidas
de isolamento social adotadas para a sua contenção
expuseram de modo dramático como as assimetrias de acesso
às TIC e à Banda Larga limitam o desenvolvimento pessoal,
educacional e profissional de um largo contingente de
pessoas. Não é um cenário isolado, tendo em vista que este
processo combinado de exclusão social e digital é um
fenômeno de alcance global. Como observa Néstor Garcia
Canclini, essa geografia globalizada configura um estado de
constante marginalização de amplas camadas ao redor do

258
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

globo, associado a formas multidimensionais de


estratificação de acordo com a posse de capitais e
competências: "O tecno-apartheid está imbricado num pacote
complexo de segregações históricas configuradas por meio
de diferenças culturais e desigualdades socioeconômicas e
educacionais" (CANCLINI, 2009, p. 237).
Mas as questões colocadas em relevo pela pandemia da
COVID-19 também sugerem que responder às desigualdades
sociais, econômicas e culturais não seja suficiente – ou, pelo
menos, responder a essas demandas sem colocar em questão
a realidade estrutural que as produz. Talvez seja o caso de
refletir acerca de uma mudança verdadeiramente
paradigmática, que coloque em xeque, inclusive, nossas
visões sobre os processos tecnológicos. Muitos autores já
vêm questionando as concepções acerca das tecnologias,
propondo perspectivas inovadoras para refletir acerca delas
e de sua apropriação, partindo de perspectivas muito
diferenciadas – desde Jenkins e sua visão da “cultura da
convergência” como um conjunto de “gambiarras
tecnológicas” (JENKINS, 2009), passando por Morozov e sua
crítica ao “solucionismo tecnológico” (MOROZOV, 2018) e às
concepções ecossistêmicas que Latour vem desenvolvendo
mais recentemente (LATOUR, 2020).
Nessa linha de questionamento paradigmático,
destacam-se as formulações de Yuk Hui (2020) acerca da
concepção de “tecnodiversidade”. Para este autor, tanto as
concepções de modernidade e a pós-modernidade são
discursos europeus, construídos a partir dos contextos
históricos dessas sociedades, e fornecem descrições e
respostas às suas condições. Desse modo, é quase impossível
imaginar que propostas de superação tanto da modernidade
como da pós-modernidade não se defrontassem com a
tecnologia como um tema central. Hui propõe ir além da
crítica do eurocentrismo e do colonialismo do poder,
afirmando que as perspectivas ontológicas e epistemológicas
que são alvo dessas críticas estão materializadas, embutidas
nas tecnologias – nas arquiteturas de bancos de dados e de
algoritmos, nas definições de usuários e nos modos de acesso.

259
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

O sistema capitalista evolui investindo em máquinas,


atualizando-se constantemente de acordo com os avanços
tecnológicos, gerando fontes de lucro na invenção de novos
dispositivos.
Desse modo, a produção das mesmas tecnologias em
diversos países, com atributos levemente diferentes, sob
marcas distintas, não possui relação nenhuma com a
concepção de tecnodiversidade, pois, “na verdade, ela se
refere a uma multiplicidade de cosmotécnicas que difiram uma
das outras em seus valores, epistemologias e formas de
existência” (HUI, 2020, p. 201) Para Hui, uma maneira do
pensamento não-europeu, do pensamento das culturas
tradicionais responder aos dilemas deste contexto
tecnológico seria um renovado retorno à discussão acerca da
Natureza. Assim, ele pode se perguntar o que significariam
uma cosmotécnica africana, aborígene, amazônica, inca, maia
etc. Para além de formas de arte e de artesanato indígenas a
serem preservadas, como essas cosmotécnicas poderiam
contribuir para recontextualizar a tecnologia moderna?
Partindo de diálogos transversais entre diferentes culturas é
possível criar uma solidariedade que inclua e respeite os
pontos de vista da alteridade.
As críticas decorrentes das perspectivas
epistemológicas do “Sul”, da decolonialidade, somam-se às
questões que já vinham sendo fermentadas pelo feminismo,
pela ecologia e pelos debates identitários e étnicos para
contestar os modelos social, cultural, político e econômico
vigentes. As consequências trazidas pela pandemia do COVID-
19 acrescentaram ainda mais questionamentos para a
reflexão. Tudo isso constitui, em relação à discussão da
tecnologia, um horizonte em que muitas formas institucionais
antigas são suspensas, não apenas de modo material, mas
também conceitual. Hui cita o exemplo da Finlândia, que está
analisando o abandono do ensino tradicional baseado em
disciplinas, propondo um currículo baseado numa
colaboração mais estreita entre os professores, com o
suporte das tecnologias digitais (HUI, 2020 p. 71-72). Trata-se
de uma oportunidade de refletir acerca de novas maneiras de

260
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

pensar e conceber estruturas, que podem conduzir a


“epistemes” distintas dos modelos atuais.
Não se trata de uma visão ingênua, pois Hui se questiona
sobre a possibilidade de um diálogo transversal desse tipo, na
medida em que o mundo inteiro foi sincronizado e
transformado pela força incomensurável das mudanças
tecnológicas. Para ele, as culturas não europeias podem
aprender com a modernidade e, ao mesmo tempo,
desenvolver uma visão crítica a partir de seus pontos de vista.
Uma crítica que pode visar estrategicamente a visão ocidental
de tecnologia enquanto mecanismo capitalista voltado ao
aumento da mais-valia e força exclusivamente produtiva,
muitas vezes obliterando a visão de seu potencial
descolonizador, apontando para a necessidade do
desenvolvimento e da manutenção da tecnodiversidade.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece ao CNPq e à FAPESP os subsídios às


suas pesquisas, que permitiram a construção das reflexões
presentes nesse texto.

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264
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

CATEGORIA EMANCIPAÇÃO HUMANA SOB O


VIÉS DA MEDIAÇÃO CULTURAL DA
INFORMAÇÃO E DAS PRÁTICAS
INFORMACIONAIS
Luciane de Fátima Beckman Cavalcante
Ana Cristina de Albuquerque

1 INTRODUÇÃO
Notória é a contribuição da Ciência da Informação aos
estudos que abarcam a informação no âmago da sociedade e
as relações estabelecidas com tal informação pelos sujeitos
informacionais. Nesse contexto, há tempos a Ciência da
informação procura compreender esse processo de relação
entre sujeitos e informação em uma sociedade permeada por
elementos socioculturais divergentes. Em decorrência,
imbricada nos processos de práticas sociais, a ideia de
emancipação, de acordo com Felício (2010), pode ser
compreendida como um processo histórico, ideológico
educativo e formativo em que possa se atingir, de forma cada
vez mais independente e complexa, posturas políticas,
econômicas e culturais que permitam a desalienação
provocada por um estado de estagnação do processo de
divisão do trabalho.
Neste texto, emancipação humana é tratada enquanto
categoria e vem de um recorte específico da abordagem de
Freire (2005), passando por seu papel nas perspectivas
filosóficas e privilegiando a tradição de estudar a necessidade
dos atores sociais se mostrarem esclarecidos, mas, de forma
efetiva, em valores humanistas e de transformação social.
Considerando os atores sociais como sujeitos históricos, o
autor explica que os sujeitos oprimidos e desfavorecidos,
diante de uma organização coletiva e da desnaturalização de
fatores da realidade, têm a possibilidade de modificar seu
ambiente incidindo no concreto para uma libertação da

265
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

opressão (FREIRE, 2005). Essa compreensão remete à


emancipação ligada ao conceito de humanização.
A ideia de emancipação pode também seguir os
preceitos de informação e de cultura em determinados
espaços destinados a oferecer reflexões e atividades e,
principalmente, produção de documentos que façam emergir
as condições elementares a acesso, divulgação, interação,
elaboração e preservação da cultura, porquanto, diante do
exposto, é possível inserir a compreensão da categoria
emancipação numa chave de leitura compreendida também a
partir das concepções de mediação cultural da informação e
das práticas informacionais, uma vez que os sujeitos
estabelecem ações e relações mediadas por processos
socioculturais entremeados por informação.

2 APONTAMENTOS SOBRE A CATEGORIA


EMANCIPAÇÃO HUMANA
Categorias, no sentido filosófico, são princípios de base
para que o conhecimento de algo seja possível, considerando
a perspectiva de que o mundo é um todo integrado. A partir
das causas e efeitos desse todo, as categorias funcionam
como os elementos que mostrarão propriedades, processos e
relações explicitadas pela prática teórica e intelectual.
Historicamente, o primeiro significado atribuído às categorias
é realista: “[...] elas são consideradas determinações da
realidade e, em segundo lugar, noções que servem para
indagar e para compreender a própria realidade.”
(ABBAGNANO, 2000, p. 12)
A noção de todo pode ser compreendida a partir da
dialética da totalidade, ou seja, tudo o que existe é
relacionado. Assim, Ciavatta (2014) explica que, à luz da
epistemologia, o conceito de totalidade social traz a questão
emancipatória como exigência e como desafio, posto que
teoricamente esse termo deve servir à produção de
conhecimento.
A categoria emancipação humana frequentemente é
utilizada em discussões a respeito das características

266
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

socioculturais dos sujeitos ou como abordagem educacional,


o que remete ao questionamento de suas concepções
filosóficas. Uma sociedade autônoma e soberana é também o
meio que congrega indivíduos racionais que, sem
preconceitos ou crenças, podem construir conhecimento
científico a fim de compreender a realidade a partir de
experimentos e, assim, modificá-la a seu favor. Estes
princípios, vindos do Iluminismo, e mais especificamente do
filósofo alemão Immanuel Kant (1902), impõem um papel
fundamental à autonomia dos sujeitos diante da realidade
social.
Ciavatta (2014) explica que totalidade, no sentido de
categoria emancipação humana em Marx (1979), são os fatos
ou o contexto dos fenômenos em suas diferentes relações, o
que incide no que o homem cria e produz socialmente.
Ir além de uma abordagem que coloca os sujeitos
incluídos, em seus diferentes aspectos, nas esferas sociais,
para Ambrosini (2012), baseado em Marx, é também refletir
em ultrapassar os limites da compreensão de que apenas o
ensino de competências e o saber fazer podem dar
contribuições reais de modificação na vida das pessoas. Nesse
sentido, o autor explica que o:

[...] projeto de sociedade moderna,


baseado no sujeito autônomo e na
independência do Estado (garantida pelo
contrato social entre os cidadãos), não
atingiu a emancipação na sua plenitude, no
máximo representou uma emancipação
política. (AMBROSINI, 2012, p. 379)

Essa emancipação política, e não do indivíduo, é


discutida por Bottomore (2012), no Dicionário do
Pensamento Marxista, quando define o verbete
emancipação. Na concepção liberal clássica, o conceito de
liberdade vem imbuído do significado de “[...] ausência de
interferência ou coerção” (BOTTOMORE, 2012, p. 123), ou
seja, ser livre é fazer o que se deseja sem impedimentos, pois

267
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

a concepção liberal tem uma compreensão limitada do que


seja esses impedimentos. Nessa percepção, ser livre pode ser
realizar atos sem restrições, mas não há uma explicação do
que sejam estas restrições, de quais são as interferências
dispostas. Nesse âmbito, a concepção liberal trata os
indivíduos como isolados e sem contexto, com direito a
perseguir o que desejam e que se resumem, na maioria das
vezes, somente ao mercado. Assim, o autor explica que Marx
e o marxismo propõem um espectro mais amplo, no que diz
respeito a definir essas restrições.
Para Bottomore (2012, p. 123), Marx e os marxistas
buscam a definição de liberdade na eliminação de obstáculos
para alcançar a emancipação humana: “[...] ao múltiplo
desenvolvimento das possibilidades humanas e à criação de
uma forma de associação digna da condição humana.”
Eliminar os obstáculos, de acordo com o autor, seria fruto da
ação coletiva, em cooperação e com organização, que levaria
ao controle humano da natureza e dos meios de produção.
Nesse sentido, Ciavatta (2014) coloca duas posições possíveis
para o alcance da emancipação humana.
Na primeira, explica que uma sociedade pautada nas
bases capitalistas não contribui para essa busca e vai no
sentido contrário pois, por meio da exploração do trabalho, o
ser humano é alienado das formas de conhecimento e das
formas de sociabilidade, questão que, de acordo com a
autora, é tratada em O capital, de Marx. Assim, a libertação
do sistema vigente traria a possiblidade de emancipação
humana a partir da negação do sistema capitalista.
A segunda posição traz a educação, os educadores e as
atividades educativas ao centro da discussão proposta por
Ciavatta (2014), quando questiona se seria possível voltar-se
para a resistência à alienação. Os fenômenos sociais são
construídos e regidos pelos sujeitos atuantes que
transformam a realidade e, a partir daí, com ações vindas da
educação que se integrem e deem a percepção de
modificação das relações de trabalho e de vida. Dessa forma,
é possível, de forma progressiva, garantir direitos civis,

268
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

políticos e sociais que conduzam à superação das


desigualdades e a conquista da cidadania.
Sobre o processo de transformação da categoria
emancipação humana trabalhada no marxismo, Decker (2010)
explica que, na Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, Adorno
retoma a discussão e demarca a educação como fator
principal para impedir a barbárie. As questões sobre o papel
da educação de servir para a socialização dos sujeitos, como
prioridade para a conscientização, promovendo reflexão
autocrítica, são nucleares para atender às necessidades e
transformar os sujeitos e seu meio. De acordo com a autora,
Adorno traz a concepção de emancipação humana totalmente
ligada à educação e explica que esta deve preparar:

[...] o sujeito a se orientar no mundo, a


pensar os seus próprios atos, a ter uma
postura decisiva e autodeterminada [...].
Educação direcionada à formação do juízo,
formação das ideias próprias, da
autoconsciência, um processo auto-
reflexivo para evitar o desencadeamento
de novas tragédias. Uma educação voltada
à conscientização e à racionalidade, uma
educação como possibilidade de uma
proposta emancipadora, uma
emancipação. (DECKER, 2010, p. 36)

Assim, para Adorno, a emancipação humana é ligada à


conscientização política e ao sujeito como um ser social. A
Escola de Frankfurt ainda teve Herbert Marcuse, com a
definição de emancipação ligada à conscientização, e Jurgen
Habermas, que relaciona a categoria à comunicação,
passando pela razão e adquirindo um sentido político cultural
(DECKER, 2010).
A partir destas concepções, pode-se perceber que, para
compreender a categoria emancipação humana, é preciso se
voltar ao entendimento também dos elementos de
desigualdade social, bem como para suas formas de
superação. Nesse sentido, a educação é fator primordial para

269
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

a compreensão das mudanças sociais, pois é um ato político,


sem neutralidades. No que tange a Freire (1978), existir é uma
característica marcante de um sujeito que transforma,
produz, questiona e comunica em direção à transformação,
podendo a educação ser o motor dessa transformação.
A educação libertadora em Paulo Freire é, antes de
tudo, gerada por questionamentos nos quais a experiência
concreta e as intervenções dos sujeitos são consideradas a
partir do conhecimento explícito, gerando novos
conhecimentos. Essa dinâmica permite com que educador e
educando atuem na construção conjunta de pertencimento,
reconhecimento e senso crítico da realidade.
A contradição opressão/libertação dá suporte à
construção do conceito de emancipação humana em Paulo
Freire, quando ele considera que a classe popular deve se
libertar e se emancipar para a conquista de sua autonomia,
por meio do exercício da práxis libertadora, que é a relação de
ação-libertação-ação, a qual vai além do senso comum e
proporciona a reflexão filosófica.
De acordo com Decker (2010), a categoria emancipação
humana em Paulo Freire é constituída a partir do que a autora
chama de “categorias de suporte” que se apresentam como
Ser-Mais com indicadores Humanização e Liberdade;
categoria Radicalização, com indicadores Utopia e
Transformação Social; e categoria Diálogo, com indicadores
Conscientização e Palavra.
A categoria de suporte Ser-Mais é trabalhada pela
autora como o fato de os sujeitos sempre se questionarem e
se descobrirem como seres inacabados, em busca de
aperfeiçoamento. Para tanto, a educação poderia ser uma
resposta ao sentido de inacabado, auxiliando e permitindo o
posicionamento e a autorreflexão amparados pela
Humanização e pela Liberdade.
Já a categoria de suporte Radicalização, na análise da
autora, refere-se à própria obra de Paulo Freire, representada
pela pedagogia do oprimido, pedagogia da liberdade, ação
cultural para a liberdade e educação transformadora. A
Radicalização vem dos pressupostos e amadurecimento das

270
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

obras, bem como e do posicionamento do autor, amparada


pela Utopia e pela Transformação Social. (DECKER, 2010).
E, por fim, a categoria de suporte Diálogo é essencial
pela proposição de ser a ferramenta para a educação radical
e para as ações libertadoras. É no diálogo que se inicia o
processo de reconhecimento de ambas as partes, educadores,
sujeitos, espaços, e se consolida o processo de educação que
pode levar à emancipação, sustentadas pela Conscientização
e Palavra. Isso posto, a educação libertadora é construída na
expressão do ensinar e do aprender e nas relações dialógicas
dos sujeitos e dos educadores, de forma horizontal e com a
valorização do diálogo.
De acordo com Jezine (2016), o diálogo é consolidado
quando o educador problematiza a realidade dos sujeitos
levando-os a uma reflexão sobre suas origens, limites e
contradições, o que faz com que adquira a força para
fundamentar a educação libertadora no processo de
construção do conhecimento de forma coletiva, unindo teoria
e prática e favorecendo a conscientização de forma crítica.
Assim: “No processo de conscientização, ao valorizar a
cultura, a realidade do ser humano é objetiva e empreende-se
uma educação com eles e não para eles” (JEZINE, 2016. p. 29).
Desta forma, a categoria emancipação humana em
Paulo Freire, que vem permeada das bases conceituais do
marxismo, incide na motivação e determinação da busca pela
liberdade pelos sujeitos, a partir de suas práticas e de sua
realidade para refletir na tomada de consciência e assim
poderem transformar a realidade e a si mesmos.

3 INTERLOCUÇÕES À MEDIAÇÃO CULTURAL DA


INFORMAÇÃO
Proposições para um entendimento de mediação
cultural da informação demandam discorrer sobre algumas
concepções acerca dos termos aqui expostos, sendo,
portanto, impossível conceber as sociedades sem qualquer
estabelecimento de relações individuais ou coletivas com a
cultura, informação e mediação, visto que o ser humano, em

271
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

seu processo de “construção”, é envolto a todo momento por


tais elementos e constrói a sua realidade baseado sua relação
com eles.
A informação é um elemento intrínseco a todo fazer
humano e aos cenários sociais. É por meio da relação com a
informação que o ser humano se insere, compreende e se
relaciona em sociedade nos mais diversos âmbitos – político,
econômico, social, cultural, e, por meio dela, elabora a sua
realidade. Assim, como argumentam Freire e Silva (2012, p.
17), a informação possui uma

[...] significativa função na formação e


desenvolvimento das culturas e
identidades de grupos, indivíduos,
comunidades e nações, atuando
juntamente com a linguagem e a
comunicação, visando dotar os conteúdos
de sentido (FREIRE; SILVA, 2012, p. 17).

Diante dessa acepção, a condição social que permeia o


sujeito e a dimensão social como perspectiva de compreensão
da informação (CAPURRO; HJØRLAND, 2007) abrangem o
aspecto de construção coletiva, ou melhor, intersubjetiva,
pois perpassam ainda os elementos culturais construídos
coletivamente. Nesse contexto, “O que é informação não é
produto de uma mente única, isolada, mas construído pela
intervenção dos vários sujeitos e pelo campo de interações
resultantes de suas diversas práticas” (ARAÚJO, 2010, p. 97).
Assim, a informação, nessa perspectiva, é uma criação a partir
das relações dos sujeitos com o contexto no qual estão
inseridos, um produto de construções simbólicas, elaboradas
socialmente. Marteleto (2002) evidencia que

[...] informação não é processo, matéria ou


entidade separada das práticas e
representações de sujeitos vivendo e
interagindo na sociedade, e inseridos em
determinados espaços e contextos
culturais (MARTELETO, 2002, p. 102).

272
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Portanto, o escopo informacional está para além da sua


materialidade, residindo também nas trocas simbólicas
advindas dos contextos socioculturais entremeados na vida
humana. Em outro momento, Marteleto (2007, p. 17) discorre
que, no âmbito da Ciência da Informação, “entende-se que a
informação seja um elemento da cultura – pois é da ordem da
criação humana – que carrega sentido a ser comunicado para
produzir conhecimento”.
A complexidade do termo cultura perpassa por
diferentes abordagens. As reflexões de Eagleton (2005),
posicionado no interior do marxismo, propõem um diálogo
com o desenvolvimento do capitalismo e dos
desdobramentos da humanidade para abordar as mudanças
em relação ao termo, pois, antes de tudo, explicita que ao
desenvolver o conceito de cultura está se desenvolvendo
também um conceito histórico, portanto um conceito
mutável. Para Eagleton (2005), a partir de uma análise do
processo histórico, formula-se um conceito que é, portanto,
um conceito mutável. Segundo o autor, o conceito de cultura
muda de significado e compreensão de acordo com a época
em que os sujeitos se encontrando, constituindo um processo
histórico.
A cultura, de acordo com o autor supracitado, não pode
existir fora da constituição da classe dominante e das classes
menos favorecidas, moldando assim um campo de forças em
disputa estritamente relacionado à realidade, que vai resultar
em práticas sociais que tensionam limites vivenciados pelos
sujeitos em sociedade (EAGLETON, 2005). O entendimento
dessas práticas culturais irá favorecer o entendimento de
tradições, costumes, ritos e como ocorrem à medida em que
as mudanças sociais caminham em sua dinamicidade
(EAGLETON, 2005). No sentido de oferecer uma compreensão
pautada no desafio de autocrítica em um sistema capitalista,
tensiona a ideia para promover a superação da crise que,
conforme desenvolvida no âmbito das ciências humanas,
sociais e artes pode caracterizar a cultura como específica ao
se dirigir apenas a uma parte definida da população. Não
haverá sobrevivência da cultura se um debate por meio da

273
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

produção de bens culturais não emergir de forma consciente


e em âmbito geral e crítico (EAGLETON, 2005).
Pode-se perceber, então, a cultura a partir de grupos
que partilham socialmente os elementos referenciados entre
seus pares, na dinâmica de valores agregados e
compartilhados, nas experiências empíricas que podem
contribuir para o conhecer, politizar, desnaturalizar e
redimensionar saberes em movimento na produção de bens
culturais. Quando a cultura se torna parte integrante da vida
desses atores, no sentido de construir e modificar o ambiente
ao seu redor, tem-se uma possibilidade concreta de mudança
e tomada de consciência dos próprios atores como seres
históricos, seres emancipados, que participam das decisões
de seu meio.
Nesse sentido, Jeanneret (2009) afirma que

[...] o objetivo de descrever processos de


informação necessita do estudo de um
complexo de objetos através dos quais as
dimensões sociais, simbólicas e técnicas da
comunicação são constantemente
trocadas (JEANNERET, 2009, p. 27).

Nesse sentido, tais processos simbólicos são difundidos,


perpassados e postergados a partir de elementos de
mediação inseridos no seio da cultura que circunda os
sujeitos. Sobre tal contexto, Feitosa (2016) incide que

[...] a cultura é toda complexidade de


criações simbólicas, de sentidos e
significados que damos às coisas e ao
mundo. Um ‘algo’ que não se sustenta se
não se entender os processos culturais
como mecanismos de mediação entre nós
e os fenômenos (FEITOSA, 2016, p. 102).

Em decorrência, torna-se latente a compreensão de


que, como ser social, informacional e cultural, o ser humano
está sempre em relações em que envolvem, em maior ou

274
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

menor grau, processos de mediação, sejam eles abstratos ou


não.
Como forma de esclarecer as premissas aqui abordadas,
cabe destacar, ainda que não seja o foco de nossa abordagem,
os fatores que congregam às discussões acerca da mediação
da informação. Bastante discutida na Ciência da Informação,
com destaque ao contexto das bibliotecas e atuação
bibliotecária, a mediação da informação envolve, dentre
outras questões, a promoção do “encontro” da informação
com um determinado usuário, tendo a finalidade de satisfazer
uma necessidade informacional, uma ação de interferência.
Pautada na dialogia com o objetivo do protagonismo social, a
mediação da informação é

promotora da construção do espaço crítico


a partir do qual o processo de
problematização, capaz de impulsionar a
recepção, o desenvolvimento intelectual,
assim como a tomada de consciência, pode
representar um apoio significativo à
apropriação da informação pelos sujeitos
envolvidos na ação mediadora (GOMES,
2020, p. 11).

Por essa perspectiva, a mediação da informação


contribui às percepções dos sujeitos informacionais acerca de
sua realidade, de modo a propiciar um protagonismo social
que os leve à emancipação. Inerente à tal premissa, Martins
(2019) evidencia a categoria dialética da mediação, a qual

[...] ilumina importantes questões do


campo informacional e comunicacional,
especialmente no cenário contemporâneo
de evidente contradição, em que a
produção intensa de informação é
produção de intensa desinformação,
quando a produção da ação contra
hegemônica é também fortalecimento da
hegemonia (MARTINS, 2019).

275
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

O viés dialético da mediação remete às interlocuções


que são necessárias ao entendimento do termo, de forma a
expandir sua compreensão e situá-lo em um contexto
entremeado por diversas situações conflitantes que
requerem uma reflexão crítica da realidade, visto que tal
reflexão crítica se faz também pelo entendimento de como a
cultura propicia o desenvolvimento de mediações diversas na
sociedade.
Todo esse processo pode ser expresso na relação do
sujeito com o mundo por meio das práticas informacionais,
uma vez que qualquer prática informacional remete ao
contexto de ações e, sob tal premissa, é possível estabelecer
vínculo com a mediação. De acordo com Almeida (2008, p. 3),
o aporte das “teorias da ação” sustenta que “as mediações são
conexões que se estabelecem entre as ações sociais e as
motivações (individuais e/ou coletivas)”. Em paralelo, a
mediação se dá nas construções e simbologias estabelecidas
por meio de processos comunicacionais, sendo estes
permeados por aspectos informacionais e culturais, como
abordam Bezerra e Cavalcante (2020).
Uma vez que os aspectos culturais são inerentes aos
contextos informacionais, bem como às relações
estabelecidas entre sujeito e informação, cabe destacar a
mediação cultural como um fator crucial nessa relação do
sujeito com o mundo, vinculada a processos comunicacionais.
Entretanto, “mais do que apenas um elemento da
comunicação e da informação, a mediação é, por excelência,
cultural. As diversas modalidades de mediação são apenas
sotaques diferenciados dessa mediação que já nasce como
cultural, conforme frisa Feitosa (2016).

A mediação cultural opera na forma de


uma relação hermenêutica aplicada aos
fenômenos informacionais, cuja regra
tradutora se dá a partir da própria cultura,
essa, por sua vez, interpretada como um
sistema ordenador a criar diversos

276
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sentidos (MENDONÇA; FEITOSA;


DUMONT, 2019, p. 10).

Portanto, não é possível desvincular os fenômenos


informacionais das estruturas culturais que ordenam as
percepções dos sujeitos acerca de tais fenômenos, bem como
da própria relação dele com a informação e as ações que são
decorridas no trilhar de sua construção como ser social, no
ínterim da construção e reconstrução dos sentidos
alicerçados em aportes culturais subjetivos, mas que
carregam intencionalidades. Em consonância, a “mediação
cultural está vinculada à “[...] ação portadora de sentidos
próprios que estão em relação com sentidos incrustados
tanto nos objetos, como nos sujeitos culturais e seus
respectivos contextos” (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014, p. 8-9).
Tais relações são estabelecidas em paralelo a movimentos de
comunicação embicados no conjunto de relações sociais.
Nesse tocante, a partir do entendimento das conexões
que são estabelecidas entre os sujeitos por meio dos
elementos culturais compreendidos em um processo de
mediação – direta ou indireta – que permita a apropriação
para a construção da realidade, Bezerra e Cavalcante (2020)
concebem a noção de “mediação cultural da informação” de
forma ampla, como um processo para aproximação e
interlocução das diferentes formas culturais de compreensão
dos fenômenos informacionais existentes nas sociedades.

Ou seja, a mediação cultural da


informação, ainda que estabeleça
interlocução tanto à mediação da
informação quanto à mediação cultural, se
diferencia ao englobar e propiciar uma
compreensão dos fenômenos
interculturais inseridos na lógica dos
processos das relações
informacionais/culturais que circundam as
pessoas, para além somente de um
contato stricto com a informação ou

277
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

objeto cultural. (BEZERRA; CAVALCANTE,


2020, p. 6)

Um outro viés é o olhar antropológico da cultura


apresentado por Feitosa (2016), no qual “a mediação cultural
da informação se mostra como um meio fértil, capaz de
acessar as múltiplas relações simbólicas de maneira
indissociável ao contexto em que acontece nas interações
porque este, por si, já se constitui mestiço e fluido.” Em
decorrência das argumentações apresentadas e tendo em
vista que, para Mendonça, Feitosa e Dumont (2019, p. 15), “A
cultura permite aos indivíduos, no âmbito de suas vivências, o
protagonismo dos processos de mediação, tornando-os
construtores de experiências significantes e igualmente
informacionais”, evidencia-se que a realidade humana é
estabelecida por processos que envolvem aspectos culturais,
informacionais e mediacionais, desenvolvidos e, muitas vezes,
enraizados em contextos socioculturais que instaram ou, em
certa medida, desenvolvem a visão de mundo dos sujeitos.
Tais processos devem ser analisados pelo viés dialético, de
modo a compreender como, a partir da interlocução dos
sujeitos em um cenário de distintas mediações culturais em
torno da informação, as pessoas podem desenvolver práticas
informacionais que as permitam uma emancipação diante das
disparidades que a utópica sociedade da informação
apresenta.

4 PRÁTICAS INFORMACIONAIS: UM BREVE


CONTEXTO
Em seu percurso histórico, o campo voltado ao usuário
da informação no âmbito Ciência da Informação foi delineado
sob alguns olhares, sendo possível destacar três que se
apresentaram de forma mais evidente. Uma das percepções
teóricas concernia em visão tradicional cujo foco estava em
elementos quantitativos da relação do usuário da informação
com algum sistema informacional, de modo a visar o melhor
desenvolvimento do sistema informacional em questão, com
objetivo somente no acesso à informação, mas não nas

278
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

interlocuções a partir de tal acesso. Tal perspectiva, conforme


discorre Araújo (2010, p. 25),

Trata-se de um campo desenvolvido ao


longo de algumas décadas, com forte
caráter empirista de métodos
prioritariamente quantitativos na busca de
padrões e regularidades do
comportamento dos usuários para o
estabelecimento de leis ‘científicas´ sobre
o uso da informação (ARAÚJO, 2010, p. 25)

Outra abordagem, chamada de alternativa (na década


de 1980) ou cognitiva começou a voltar o olhar ao usuário da
informação, por meio de abordagens qualitativas de pesquisa
com direcionamento à compreensão dos enfoques subjetivos
do comportamento das pessoas em relação à informação. Sob
tal perspectiva, são destacados modelos teóricos para
entendimento da relação do sujeito com a informação em sua
totalidade, por exemplo: os estudos de Belkin (1980), Wilson
(1981), Dervin (1983), Taylor (1986), Ellis (1989) e Kuhlthau
(1991), como argumenta Araújo (2010, p. 25).
O desenvolvimento dos estudos no campo dos usuários
da informação propiciou a compreensão não somente no que
concerne aos

[...] papéis profissionais, mas também


[como] os papéis sociais influenciavam na
complexidade de busca e capacidade de
utilizar os serviços oferecidos pelas
bibliotecas, de maneira que novas
abordagens eram necessárias para o
desenvolvimento dos estudos (ROLIM;
CENDÓN, 2013, não paginado).

As perspectivas dos estudos de usuários que


inicialmente aportaram nos estudos de comunidade e
posteriormente se voltaram às questões que englobam o
contexto de necessidade, busca e uso da informação pelos

279
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sujeitos. Sendo a necessidade algo que evoca o sujeito a um


processo de busca de informação em variadas fontes e canais
informacionais, com o propósito de uso da informação
recuperada para determinada finalidade. Entretanto, cabe
ressaltar que tal processo não se dá de forma linear, visto que
o agir informacional das pessoas sempre pode desencadear
novas necessidades informacionais em um ciclo contínuo.
Um terceiro enfoque (da década de 1990), e o qual será
adotado na perspectiva do presente texto, refere-se aos
estudos socioculturais ao contexto do usuário da informação,
não somente àquele que faz uso de determinado sistema de
informação, mas principalmente como um sujeito envolvido
por questões socioculturais que interferem no modo como tal
sujeito percebe a informação e a utiliza em seu cenário de
atuação, seja ele qual for. É nessa terceira proposição que se
inserem as percepções acerca das práticas informacionais.
Para Marteleto (1994, p. 134), as práticas informacionais
seriam “mecanismos de apropriação, rejeição, elaboração de
significados e valores, não numa sociedade sincrônica, que
guarda uma relação direta e cumulativa com a tradição, mas
naquela onde os sujeitos elaboram suas representações”.
Outrossim,

O estudo das práticas informacionais


demarca uma concepção de informação
que leva a uma perspectiva intersubjetiva,
vindo a preencher algumas das lacunas
deixadas pelas abordagens tradicional e
alternativa dos estudos de usuários.
Intersubjetividade esta que passa a
considerar tanto a relação entre os
indivíduos, como entre estes e a
informação em contextos socioculturais
distintos. (NUNES; CARNEIRO, 2019, p.
157)

As práticas informacionais, no olhar de Berti e Araújo


(2017, p.394), “precisam ser compreendidas do ponto de vista
de outras áreas do conhecimento, como a antropologia e a

280
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sociologia que atribuem uma compreensão complexa da


realidade social”, visto que as práticas informacionais não são
decorrentes somente um elemento, tampouco são
estabelecidas sem quaisquer relações com o cenário macro
que envolve os sujeitos em sociedade.
Embasados por Savolainen (2007), Nunes e Carneiro
(2019, p.157) afirmam que “a noção de práticas
informacionais abrange modos de identificar, buscar, avaliar
e compartilhar informações através de construtos sociais com
base nas necessidades e motivações dos próprios indivíduos”.
Dessa forma, compreende-se que a relação das pessoas com
a informação se dá em um contexto sociocultural, o que pode
embasar ações e comportamentos e sugerir que o olhar à
referida relação deve ser amplo, e não puramente objetivo e
tecnicista, direcionado ao funcionamento de determinado
sistema informacional (arquivo, biblioteca, museu), mas
contextualizado a partir das experiências e percepções dos
sujeitos no seio da complexidade de suas realidades. Tal
acepção remete ao entendimento das interlocuções
socioculturais tecidas por processos informacionais distintos
que contribuem para a construção e percepção social da
realidade. Essas questões são discutidas por Berger e
Luckman (2000, p. 35), de modo que “a vida cotidiana
apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens
e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em
que forma um mundo coerente”. Os referidos autores
discorrem que

[...] as pessoas interagem em um


determinado contexto histórico e social,
compartilham informações a partir das
quais constroem conhecimento social
como uma realidade, o que por sua vez
influencia seu julgamento,
comportamento e suas atitudes
(LUCKMAN, 2000, p. 35).

281
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

O viés social da informação permite compreender os


processos informacionais decorridos pelos sujeitos em um
espectro amplo de relações que são estendidas para além dos
muros das instituições informacionais, arquivo, biblioteca,
museu e de cultura, o que está alicerçado no olhar da Ciência
da Informação com a perspectiva de prática social, segundo
Fromann (2008). Sob o seguinte preceito, Araújo (2003, p. 25)
elucida:

Os sujeitos precisam, necessariamente, ser


incluídos nos estudos sobre a informação
e, sobretudo, precisam ser incluídos em
suas interações cotidianas, formas de
expressão e linguagem, ritos e processos
sociais.

A relevância de um enfoque ao contexto cultural fica


evidenciada como fator importante ao desenvolvimento das
relações dos sujeitos com a informação, tendo em vista a
diversidade e complexidade dos elementos culturais e
dialéticos que cerceiam a relação das pessoas com a
informação. Nesse âmbito, destaca-se que a exclusão
informacional ainda se faz vergonhosamente presente no
contexto social, porém, é preciso frisar que

O contexto é considerado como um


elemento constitutivo das ações dos
sujeitos e, ao mesmo tempo, por elas
constituído a partir de uma relação
dialógica. O individual e o social também
são considerados como interdependentes
(ROCHA; SIRIHAL DUARTE; PAULA, 2017,
p. 39).

Em contraponto ao comportamento informacional que,


em geral, está centrado em quantificações e padronizações,
por meio de variáveis, Silva (2008, p. 59) argumenta que “a
prática informacional, supõe os indivíduos como
protagonistas das ações, e busca compreender os atos

282
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

encobertos das interações e a atividade de dar significado aos


objetos e símbolos informacionais”. Portanto, os preceitos
das práticas informacionais não se expressam somente no
que tange ao contexto da necessidade, busca e uso da
informação, como denotam os estudos de comportamento
informacional, mas circunscrevem tais elementos em cenários
de natureza variada, influenciados por construtos
socioculturais, econômicos que, em maior ou menor grau,
incidem sobre as ações em relação à informação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A categoria emancipação humana direciona o olhar aos
cenários de mediação cultural da informação e das práticas
informacionais que circundam a realidade humana, o que
coaduna com a perspectiva de protagonismo social proposta
por Gomes e Cortês (2020, p. 121), ao afirmarem que este é
social e

envolve todas as demais esferas da vida


humana, nas suas diversas especificidades
e dimensões, incluindo-se entre elas a
própria dimensão cultural, em especial por
se compreender cultura como produção
humana, a partir da qual são produzidas as
informações (GOMES; CORTÊS, 2020, p.
121).

Assim, torna-se elementar ampliar o debate do escopo


amplo que envolve as relações informacionais tecidas pelos
sujeitos em sociedade, de forma a tensionar os fatores que
impedem ou condicionam o desenvolvimento desses sujeitos,
visto que não estão imunes às várias formas de mediação
cultural da informação que se pode incutir em suas práticas
informacionais. O foco dos estudos de mediação deve se
pautar também no modo como o sistema capitalista se
sustenta e reforça suas condições de desigualdade com
aparatos de elementos culturais que são mediados das mais
diversas formas, incidindo direta ou indiretamente nas

283
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

práticas informacionais que estão conjugadas em um cenário


de produção e reprodução social em que

[...] na produção da realidade social e dos


sujeitos, é um universal abstrato que
evidencia a impossibilidade de
entendimento do fenômeno
informacional em si e por si, mas somente
nas complexas relações que estabelece
(MARTINS, 2018, p. 71).

Tais relações podem ser refletidas e analisadas sob o


viés dialético, que compreende não somente as questões que
envolvem a cultura, mas a própria cultura em cenário de
prática social a qual não se desvincula dos processos
históricos, não se furta da análise social da realidade. Em
decorrência, os processos informacionais que permitem
entender a emancipação humana, também devem estar
sustentados pelo olhar dialético, crítico dos cenários que
possibilitam emancipação do sujeito pelo viés informacional.
Sob tal enfoque e tendo como premissa a concepção de
Ciavatta (2014), de que a emancipação humana advém das
lutas políticas primeiro na esfera da ética e, em seguida, na
esfera da política, compreende-se a possibilidade de alcance
de uma perspectiva diferente da realidade em que os sujeitos
se encontram. Nesse sentido, de forma crescente, a tomada
de consciência se faz no sujeito e forma-se a consciência
política que, consequentemente, leva a uma mudança em seu
meio e nas práticas –informacionais – que possam ajudar a
construir uma nova realidade.
Portanto, para a autora, o esforço de compreender a
busca pela emancipação humana se desdobra na
compreensão do trabalho e da educação como fatores
essenciais no sentido de entender os modos e força de
produção, bem como na sociabilidade e construção crítica que
cada sujeito pode e deve adquirir para superação de suas
condições (CIAVATTA, 2014).

284
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Desta forma, reconhece-se que, uma vez que a vida


social se organiza em cenários políticos, econômicos e
informacionais expressos pela cultura, a compreensão dos
processos de interferências da mediação cultural da
informação pode se refletir nas práticas informacionais dos
sujeitos em relação ao cenário que envolve a categoria de
emancipação humana aqui discutida.

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Juliana Moreira Pinto

“A luta pela emancipação é um processo complexo,


envolve o campo das ideias e da realidade
concreta, das práticas e das vivências dos sujeitos
no tempo e no espaço.” (SILVA, 2013, p. 760)38

1 INTRODUÇÃO
Boaventura de Sousa Santos é um sociólogo português,
professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia, da
Universidade de Coimbra, e Distinguished Legal Scholar, da
Faculdade de Direito, da Universidade de Wisconsin-Madison,
e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É,
igualmente, diretor do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra e coordenador científico do
Observatório Permanente da Justiça Portuguesa39. É
internacionalmente reconhecido como um intelectual
importante da área de Ciências Sociais, e tem especial
popularidade no Brasil, onde participou de várias edições do
Fórum Social Mundial40, bem como proferiu diversas palestras

38 SILVA, L. E. O sentido e o significado sociológico de emancipação. Revista


e-Curriculum, São Paulo, n. 11, v. 3, p. 751-765, set./dez. 2013.
39 Para saber mais sobre vida e obra de Boaventura de Sousa Santos, sugere-

se o site disponível em: http://www.boaventuradesousasan


tos.pt/pages/pt/homepage.php. Acesso em: 18 fev. 2021.
40 O Fórum Social Mundial (FSM) é um evento altermundialista organizado

por movimentos sociais de muitos continentes, com objetivo de elaborar


alternativas para uma transformação social global. Seu slogan é “Um outro
mundo é possível”. Sua primeira edição foi realizada em 2001. Devido à

289
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

em universidades públicas brasileiras.


Boaventura de Sousa Santos desenvolveu estudos de
cunho teórico e empírico nos últimos anos, a fim de
problematizar e compreender a questão da emancipação
social. Nesse sentido, tentou determinar em que medida a
globalização alternativa é um movimento social não
hegemônico e quais são as suas possibilidades e limites. Para
trabalhar sua hipótese, o autor realizou pesquisas em
Moçambique, um dos países mais pobres do mundo, e
também na África do Sul, no Brasil, na Colômbia, na Índia e em
Portugal. Conforme o autor, nesses locais foram identificados
movimentos e experiências que mais claramente condensam
os conflitos da dicotomia mundial Norte/Sul. Em suma, o autor
identifica uma problemática crucial:

[...] a justiça social global não é possível sem uma


justiça cognitiva global. [...] se não sabemos que
um mundo melhor é possível, o que nos legitima
ou motiva a agir como se soubéssemos? [...] A
multiplicação e diversificação das experiências
disponíveis e possíveis levantam dois problemas
complexos: o problema da extrema
fragmentação ou atomização do real e o
problema, derivado do primeiro, da
impossibilidade de conferir sentido à
transformação social. […] Do ponto de vista da
razão cosmopolita que aqui proponho, a tarefa
diante de nós não é tanto a de identificar novas
totalidades, ou de adotar outros sentidos para a
transformação social, como de propor novas
formas de pensar essas totalidades e de
conceber esses sentidos. [...] Do ponto de vista
desta concepção do mundo, faz pouco sentido
tentar captar este por uma grande teoria, uma
teoria geral, porque esta pressupõe sempre a
monocultura de uma dada totalidade e a
homogeneidade das suas partes. A pergunta é,

pandemia do COVID-19, a sua 21º edição (2021) foi virtual e deverá forjar
um modelo híbrido para o FSM 2022, a ser realizado no México.

290
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

pois, qual é a alternativa à grande teoria? [...] Se


o sentido e muito menos a direção da
transformação social não estão pré-definidos, se,
por outras palavras, não sabemos ao certo se um
mundo melhor é possível qual é o sentido das
lutas pela emancipação social? (SANTOS, 2002, p.
43-44).

O autor desenvolve três procedimentos sociológicos a


partir da razão cosmopolita a seguir: a sociologia das
ausências que visa trazer à tona experiências de sociabilidade,
cultura, produção, convivência que são cotidianamente
invisibilizadas, de forma a desacreditá-las como alternativas;
a sociologia das emergências que visa dar luz às iniciativas e
experiências de ação e, sobretudo, dar credibilidade às lutas,
aos movimentos de onde são possíveis surgir alternativas de
desenvolvimento e o trabalho de tradução que visa “criar
inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo,
tanto as disponíveis como as possíveis, reveladas pela
sociologia das ausências e sociologia das emergências”
(SANTOS, 2002, p. 30-31).
Boaventura de Sousa Santos esclarece que toda a forma
de compreensão do mundo tem a ver com concepções do
tempo. Por isso, a característica central da racionalidade
hegemônica é o fato de, por um lado, contrair o presente e,
por outro, expandir o futuro41.

A contração do presente, ocasionada por uma


peculiar concepção da totalidade, transformou o
41
A razão metonímica, (a que se reivindica como única forma de
racionalidade), por sua indolência, desperdiçou as experiências, não as
valorizou. As experiências sociais ignoradas durante a modernidade foram
tantas que muitas delas foram definitivamente mortas. Por desperdiçar
as experiências, contrai o presente, afinal de contas não há muito que se
manifestar, não há muito que viver e nem aprender. A razão proléptica, (a
que não se aplica a pensar no futuro porque imagina que sabe tudo sobre
ele), aposta na expansão infinita do futuro pelas intensas expectativas
sobre ele. O horizonte de expectativas é tão vasto que acaba por ser
ilusório e inatingível. Pelo fato da razão metonímica não ter construído
experiências, nada há que se concretizar no horizonte de expectativas.

291
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

presente num instante fugidio, entrincheirado


entre o passado e o futuro. Do mesmo modo, a
concepção linear do tempo e a planificação da
história permitiram expandir o futuro
indefinitamente. Quanto mais amplo o futuro,
mais radiosas eram as expectativas confrontadas
com as experiências do presente. (SANTOS, 2002,
p. 3)

Na contramão desse movimento, o autor propõe dilatar


o presente por meio da sociologia das ausências, criando um
amplo espaço de oportunidades que visam à valorização e
conhecimento de experiências sociais múltiplas em curso no
mundo de hoje e, contrair o futuro por meio da sociologia das
emergências, ou seja, quanto mais vastas e diversificadas
forem as experiências no presente, muito mais contraído será
o futuro, uma vez que os sinais e as expectativas possíveis
serão credíveis no presente. Ambas as sociologias trabalham
em conjunto para valorizar as experiências sociais disponíveis
no mundo.
Boaventura de Sousa Santos (2002) entende que, como
todas as formas de conhecimento, o saber científico é
incompleto e a realidade não pode ser limitada ao que existe,
pois há realidades ausentes, produzidas como não existentes
por meio de silenciamentos, supressões ou marginalizações.
Todo saber é incompleto porque todo sujeito é também
incompleto, mas a ciência moderna qualifica a incompletude
e as incertezas, inerentes à condição humana, como
limitações que precisam ser suprimidas ao invés de superadas.
Nessa direção, segundo Boaventura, é necessário
romper com a lógica da ciência como fonte verdadeira do
saber, do conhecimento, como preconizada pela ciência
moderna, desmistificando seus componentes. É preciso
aceitar que não há conhecimento totalmente livre, isto é, que
não seja influenciado pela realidade, e ainda que todo
conhecimento é socialmente produzido e conhecê-lo, faz com
que possamos intervir no futuro.
Para Boaventura,

292
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Ao contrário, a ciência pós-moderna sabe que


nenhuma forma de conhecimento é, em si
mesma, racional; só a configuração de todas elas
é racional. Tenta, pois, dialogar com outras
formas de conhecimento deixando-se penetrar
por elas. A mais importante de todas é o
conhecimento do senso comum, o conhecimento
vulgar e prático com que no quotidiano
orientamos as nossas acções e damos sentido à
nossa vida (SANTOS, 2004, p. 88).

A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso


comum reconhecendo nessa forma de conhecimento
possibilidades para o enriquecimento da nossa relação com o
mundo. O senso comum é perito “em captar a profundidade
horizontal das relações conscientes entre pessoas e entre
pessoas e coisas”. De acordo com Boaventura, “o
conhecimento científico pós-moderno só se realiza enquanto
tal na medida em que se converte em senso comum”
(SANTOS, 2004, p. 90).
Dito isto, este texto tem como objetivo apresentar, de
modo geral, o pensamento de Boaventura de Sousa Santos,
centralizado na sociologia das ausências, sociologia das
emergências e o trabalho de tradução. Acredita-se que as
práticas informacionais, podem ser discutidas a partir deste
contributo teórico, a começar pela importância e centralidade
atribuída ao sujeito e a todas as formas de conhecimento,
inclusive do senso comum. Olhar para o sujeito no mundo, no
seu contexto e cotidiano, é a tônica tanto das práticas
informacionais quanto do pensamento sociológico deste
autor, possibilitando um cruzamento teórico-metodológico
deveras importante para as pesquisas em Ciência da
Informação42.

42 Como não é objetivo aqui discutir a Ciência da Informação como pós-


moderna sugere-se a leitura de WERSIG, G. Information science: the study
of postmodern knowledge usage Information. Processing & Management,
v. 29, n. 2, p.229-239, 1993.

293
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

2 SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS


A sociologia das ausências tem como missão principal
dilatar o presente e revelar a diversidade de práticas sociais
não consideradas durante a modernidade. Valorizar os
sistemas de produção alternativos procurando expandir o
princípio da cidadania e do empoderamento das pessoas.
A sociologia das ausências é um método sociológico que
permite descobrir existências invisibilizadas pelo
cientificismo moderno, parte de alguns questionamentos
sobre as razões que levaram um tipo de racionalidade
unilateral e excludente a dominar o cenário social nos últimos
duzentos anos. Para o Boaventura de Sousa Santos (2002),
torna-se importante confrontar e superar essa concepção de
totalidade e a razão indolente que a sustenta. Esses
questionamentos já foram alvos de reflexão por várias
vertentes da sociologia crítica, dos estudos sociais e culturais
da ciência, da crítica feminista, da desconstrução, dos estudos
pós-coloniais, e outros. Explicita o autor:

O que proponho é um procedimento renegado


pela razão metonímica: pensar os termos das
dicotomias fora das articulações e relações de
poder que os unem, como primeiro passo para os
libertar dessas relações, e para revelar outras
relações alternativas que têm estado ofuscadas
pelas dicotomias hegemônicas. Pensar o Sul
como se não houvesse Norte, pensar a mulher
como se não houvesse o homem, pensar o
escravo como se não houvesse senhor, que
designo por sociologia das ausências. [...] Trata-
se de uma investigação que visa demonstrar que
o que não existe é, na verdade, ativamente
produzido como não existente, isto é, como uma
alternativa não-credível ao que existe. O seu
objeto empírico é considerado impossível à luz
das ciências sociais convencionais, pelo que a sua
simples formulação representa já uma ruptura
com elas. O objetivo da sociologia das ausências
é transformar objetos impossíveis em possíveis e

294
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

com base neles transformar as ausências em


presenças (SANTOS, 2002, p. 11-12).

Boaventura de Sousa Santos (2002) explica que, para


superar a hegemonia da razão indolente, faz-se necessário
pôr em questão cada uma das lógicas ou modos de produção
de ausência que ela sustenta:
 a primeira lógica deriva da monocultura do saber e do
rigor científico e consiste na ideia de que o único saber
válido é o saber científico. A ciência e a alta cultura são
transformadas em critérios únicos de verdade e o que
não é reconhecido é posto como inexistente;
 a segunda lógica assenta na monocultura do tempo
linear que traz a ideia de que a história tem um sentido
único e previsível, um tempo linear marcado por
relógios, calendários e na frente do tempo seguem os
países centrais do sistema mundial juntamente com os
seus conhecimentos, suas instituições e formas de
sociabilidade dominantes. Tudo que não acompanha
essa evolução é atrasado, assimétrico;
 a terceira lógica refere-se à monocultura da
naturalização das diferenças que naturalizam as
hierarquias por meio da distribuição das populações
em classes raciais, culturais e de gênero. Esta lógica
tem como consequência a relação de dominação
produzindo desigualdades que trazem em si a ideia de
inferioridade. O “superior” terá sempre a
responsabilidade de dominar o inferior como se fosse
uma missão civilizadora;
 a quarta lógica está relacionada à monocultura da
escala dominante que tem como formas principais o
universal e o global vigorando em todos os espaços e
incapacitando as realidades particulares e locais que
somente poderão sobreviver se estiverem à sombra
das entidades globais;
 a quinta lógica da não existência, assenta na

295
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

monocultura dos critérios de produção capitalista que


consiste na lógica produtivista e tem como objetivo
inquestionável o crescimento econômico. Nega-se
tudo que for improdutivo (esterilidade, preguiça,
desqualificação profissional).

Essas lógicas de produção geram cinco principais formas


de não existência: o ignorante, o residual, o inferior, o local e
o improdutivo. Como transgressão a essas lógicas de
exclusão, Boaventura de Sousa Santos (2002) propõe para
cada monocultura uma ecologia conforme exposto no Quadro
1 a seguir:

Quadro 1 - Monoculturas e Ecologias.


MONOCULTURAS
ECOLOGIAS (Emancipação)
(Colonialismo)
Monocultura do saber e do
Ecologia dos saberes
rigor científico
Ecologia das
Monocultura do tempo linear
temporalidades
Monocultura da naturalização
Ecologia do reconhecimento
das diferenças
Monocultura da escala
Ecologia das trans-escalas
dominante
Monocultura dos critérios de
Ecologia das produtividades
produtividade capitalista
Fonte: Elaborado pela autora a partir da teoria de SANTOS, 2002.

Onde:

 ecologia dos saberes, parte do princípio de que todos


os saberes são incompletos e não há ignorância total.
Todo saber possui um tipo de conhecimento, limites
externos e internos dignos de serem considerados
(transformação da ignorância em saber aplicado);
 ecologia das temporalidades, parte da ideia de
multiplicidade de tempos, contrapondo-se à presença

296
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

exclusiva do tempo linear. Diferentes culturas


constroem diferentes regras de temporalidade:
tempo das estações, tempo circular, tempo glacial
(valorização de outras temporalidades);
 ecologia dos reconhecimentos, possibilita
reconhecimentos recíprocos tomando as diferenças
sem desigualdade (diferenças subsistem sem
hierarquização e desigualdades);
 ecologia das trans-escalas, necessidade de articulação
das escalas locais, nacionais e globais (ampliação da
diversidade de práticas sociais de modo a oferecer
alternativas ao globalismo localizado);
 ecologia da produtividade, propõe a valorização dos
modos de produção alternativos que foram, até então,
menosprezados ou escondidos pela produção
capitalista (SANTOS, 2002).

Vê-se que todas essas ecologias retratam a ideia de que


a realidade não deve ser reduzida ao que existe. Revelam um
processo coletivo de produção de conhecimento mostrando
que é possível promover o diálogo entre vários saberes, para
que a diversidade de conhecimentos possa emergir.

3 SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS


A sociologia das emergências, conforme desenvolvida
por Boaventura Santos, consiste em substituir o vazio do
futuro por possibilidades plurais e concretas. Para o autor, a
noção que preside a sociologia das emergências é o conceito
de ainda-não, proposto por Ernst Bloch (1995)43. Conforme
descreve Boaventura Santos, Bloch questiona o fato de a
filosofia ocidental ter sido dominada pelos conceitos de
"Tudo e Nada", nos quais tudo parece estar contido como
latência, mas de onde nada novo pode surgir (SANTOS 2002).
O autor esclarece que:

A sociologia das emergências consiste em

43 BLOCH, E. The principle of hope. Cambridge, Mass: MIT Press, 1995.

297
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

substituir o vazio do futuro segundo o tempo


linear (um vazio que tanto é tudo como é nada)
por um futuro de possibilidades plurais e
concretas, simultaneamente utópicas e realistas,
que se vão construindo no presente através das
actividades de cuidado. […] O Ainda-Não é o
modo como o futuro se inscreve no presente e o
dilata. Não é um futuro indeterminado nem
infinito. É uma possibilidade e uma capacidade
concretas que nem existem no vácuo, nem estão
completamente determinadas (SANTOS, 2002, p.
21-22).

Toma-se aqui, como ponto de reflexão, a Declaração do


Milênio, realizada em setembro de 2000 na cidade de Nova
York, que reflete as preocupações de 147 chefes de Estado e
de Governo e de 191 países, a qual menciona que os governos
não economizariam esforços para libertar nossos homens,
mulheres e crianças das condições abjetas e desumanas da
pobreza extrema. Entre as Metas do Milênio (MDMs) estão:
“formular e aplicar estratégias que proporcionem aos jovens
de todo o mundo a possibilidade real de encontrar um
trabalho digno e produtivo” e, “velar para que todos possam
aproveitar os benefícios das novas tecnologias, em particular
das tecnologias da informação e das comunicações” (NAÇÕES
UNIDAS, 2000, p. 9-10).
Tais metas têm ligação com a educação contínua e com
a competência em informação, um dos temas de pesquisa em
Ciência da Informação, contemplando o uso desse recurso
para a resolução de problemas e aprendizado ao longo da
vida. Em setembro de 2010, o mundo renovou o compromisso
para acelerar o progresso em direção ao cumprimento desses
propósitos, que se tornaram conhecidos como Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM)44, vigentes de 2000 a

44 Disponível em: https://sc.movimentoods.org.br/wp-


content/uploads/2019/10/Decalra%C3%A7%C3%A3o-do-Milenio.pdf.
Acesso em: 18 fev. 2021.

298
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

201545.
A partir da conscientização da importância da
informação, em meio às modificações ocorridas na sociedade
atual, é possível iniciar movimentos em direção a
transformações dos paradigmas informacionais, educacionais
e profissionais existentes, promovendo desse modo,
mudança social e autonomia expressiva na vida dos cidadãos
(VITORINO, 2008). Acredita-se que para alcançar um mundo
de prosperidade, igualdade, liberdade, dignidade e paz, é
necessário o comprometimento de todos os cidadãos, o
esforço de toda a sociedade e o compromisso com uma
mudança cultural na esfera das relações familiares,
comunitárias, das relações do Estado com a sociedade e a
iniciativa privada.
De acordo com Boaventura de Sousa Santos (2002) na
sociologia das emergências, os campos sociais destacados
para prever pistas ou sinais no futuro e importá-los para o
presente são:
 experiências de conhecimentos: referem-se a conflitos,
interações e diálogos possíveis entre diferentes
formas de conhecimento;
 experiências de desenvolvimento, trabalho e produção:
referem-se a conflitos e diálogos possíveis entre
diferentes formas e modos de produção, exemplos:
entre medicina moderna e tradicional; entre
biotecnologia e os conhecimentos indígenas ou
tradicionais;
 experiências de reconhecimento: referem-se a conflitos
e diálogos possíveis entre sistemas de classificação
social: racismo, xenofobia, e outros;
 experiências de democracia: referem-se a conflitos e

45Como agenda pós-2015, foram concebidos pela Organização das Nações


Unidas (ONU) 17 (dezessete) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS), de combate à pobreza e à fome, de proteção dos direitos humanos
e de promoção do desenvolvimento inclusivo, sustentável e saudável, para
assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, sendo um
desdobramento direto dos ODM.

299
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

diálogos possíveis entre democracia representativa


liberal e democracia participativa, exemplo:
participação cidadã nas decisões sobre impactos
científicos e tecnológicos;
 experiências de comunicação e informação: referem-se
a conflitos e diálogos possíveis entre alternativas de
fluxos globais de informação (controle das grandes
empresas transnacionais da área) versus os meios de
comunicação sociais, derivados da revolução das
Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs).

As sociologias das ausências e emergências trabalham


em conjunto para valorizar as experiências sociais existentes
no mundo. Os sujeitos sociais estão localizados no contexto
social que pode ser compreendido justamente a partir da
aproximação com suas múltiplas formas de conhecimento e
de vivências. Como esclarece Boaventura, as relações, as
práticas, o conhecimento são sempre contextuais. Uma das
formas de chegar no “mundo da vida” desses sujeitos é por
meio da tradução.

4 TRABALHO DE TRADUÇÃO

A tradução é o procedimento que permite


criar inteligibilidade recíproca entre as
experiências do mundo, tanto as
disponíveis como as possíveis, reveladas
pela sociologia das ausências e a sociologia
das emergências (SANTOS, 2002, p. 30-31).

Além de ser um trabalho intelectual e um trabalho


político é simultaneamente um trabalho emocional por
presumir a importância de se construir práticas coletivas que
possibilitem a fusão dos saberes.
Para que se possa compreender o trabalho de tradução,
algumas considerações de ordem prática devem ser feitas.
Para tanto, partir-se-á das seguintes indagações, propostas
por Santos (2002, p. 38): O que traduzir? Entre o que traduzir?

300
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Quem traduz? Quando traduzir? Como traduzir?


A resposta à primeira pergunta (O que traduzir?) é dada
pelo conceito de zonas de contato que, segundo Santos (2002,
p. 38), “são campos sociais onde diferentes mundos da vida
normativos, práticas e conhecimentos se encontram, chocam
e interagem”. Para o autor, a zona de contato requerida pela
razão cosmopolita é constituída por aquilo que cada saber ou
prática decide que deve ser posto em contato e com quem
deve contatar, a fim de que se identifique o que há de comum
ou para ser aprendido entre eles.
À segunda pergunta (Entre o que traduzir?), considera-
se que é necessário definir quais os saberes e práticas, que ao
serem traduzidos, poderão criar novas inteligibilidades e
possibilidades de resposta ou compreensão de um mesmo
assunto, minimizando, dessa forma, a sensação de carência ou
inconformismo em relação aos padrões estabelecidos pelo
cientificismo moderno (SANTOS, 2002).
Em resposta à terceira interrogativa (Quem traduz?),
pode-se afirmar, de acordo com Santos (2002, p. 41), que tal
tarefa deve ser empreendida pelos intelectuais que possuem
uma compreensão profunda e crítica a respeito de cada
prática e saber envolvidos no processo de tradução e que
desejam buscar em outros saberes/práticas, respostas que
não se encontram dentro dos limites de seus saberes/práticas
“de origem”.
“Quando traduzir?” A essa pergunta, Santos (2002, p. 41)
responde afirmando que “a zona de contato cosmopolita tem
de ser o resultado de uma conjugação de tempos, ritmos e
oportunidades. Sem tal conjugação, a zona de contacto torna-
se imperial e o trabalho de tradução torna-se uma forma de
canibalização”. À quinta e última pergunta (Como traduzir?),
Santos (2002, p. 42) explica que “o trabalho de tradução é,
basicamente, um trabalho argumentativo, assente na emoção
cosmopolita de partilhar o mundo com quem não partilha o
nosso saber ou a nossa experiência”.
Ressalta, no entanto, as dificuldades ínsitas ao trabalho
de tradução, decorrentes do fato de que toda argumentação
é orientada por postulados, axiomas e ideias que não são

301
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

objeto de discussão, pois são aceitas como evidentes pelas


pessoas que participam de um determinado círculo
argumentativo (topoi46), ao passo que o trabalho de tradução
não dispõe de um topoi, pois os disponíveis são próprios de
determinados saberes ou práticas. Assim, faz-se necessário
que na medida em que avance, o trabalho de tradução vá
construindo os topoi adequados, pois os saberes e práticas
diante do multiculturalismo, dificilmente têm a mesma
linguagem.
Na zona de contato (campos sociais onde diferentes
mundos da vida normativos, práticas e conhecimentos se
encontram) serão construídos os novos topoi, que
confirmarão a “fusão dos saberes”: a) à zona de contato e à
situação de tradução da língua na qual a argumentação é
conduzida, uma vez que os saberes e práticas presentes em
determinada zona de contato cosmopolita, diante do
multiculturalismo que lhes é peculiar, dificilmente têm uma
mesma linguagem; b) aos silêncios, ou seja, aos ritmos
diferentes com que cada saber ou prática articula as palavras
com os silêncios e com os diferentes significados que cada
cultura atribui ao silêncio.
De acordo com Santos (2002, p. 31), “o trabalho de
tradução incide tanto sobre os saberes quanto sobre as
práticas e os seus agentes”. A tradução entre os saberes
ocorre por meio da hermenêutica diatópica, que constitui um
procedimento hermenêutico que viabiliza o diálogo entre
diferentes culturas. Consiste no trabalho de interpretação
entre duas ou mais culturas, objetivando identificar as
preocupações isomórficas entre elas e as diferentes
46 O termo é de Aristóteles, que chamava de topoi as verdades aceitas que

formam a base de nosso pensamento e argumentos e que orientam as


escolhas que fazemos no dia a dia. Os topoi são as verdades, digamos,
populares, que se repetem, se espraiam e acabam por se consolidarem,
adquirindo status de sabedoria. Confundem-se um pouco com os provérbios
e, como eles, transformam-se em sentenças. Não necessitam ter conteúdo
moral como têm os anexins (dito conceituoso, adágio), mas acabam,
igualmente, adquirindo ar de certeza. Também não são dogmas, dado que
estes são pontos fundamentais e indiscutíveis, base estruturante,
sobretudo, das religiões.

302
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

respostas que lhes são dadas. Saldanha (2007, p. 414), salienta


que “o objetivo da hermenêutica diatópica não é atingir a
completude, mas ampliar a sua consciência de incompletude
por intermédio de um diálogo”.
Em linhas gerais, portanto, o trabalho de tradução entre
saberes é a revelação à consciência da impossibilidade de uma
teoria geral:

Em minha opinião, a alternativa à teoria geral é o


trabalho da tradução. [...] Trata-se de um
procedimento que não atribui a nenhum
conjunto de experiências nem o estatuto de
totalidade exclusiva nem o estatuto de parte
homogênea. As experiências do mundo são
vistas em momentos diferentes do trabalho de
tradução como totalidades ou partes e como
realidades que se não esgotam nessas
totalidades ou partes (SANTOS, 2002, p. 30-31).

A teoria da tradução de Boaventura de Sousa Santos


situa-se na mediação entre o mundo e o homem, assumindo a
forma de um procedimento de interpretação entre duas ou
mais linguagens cuja finalidade passa a ser identificar
questões comuns entre elas, transformando-se em um
operador que busca a conexão, a compreensão entre culturas
e conhecimentos distintos, permitindo que se encontrem seus
elementos comuns. Sendo assim, refere-se a um processo de
mediação da informação, que é visto muitas vezes como
“complexo e, consequentemente, forçosamente imperfeito”
(SMIT, 2009, p. 60), pois traduzir não significa transformar
uma linguagem em outra, mas descobrir caminhos que
ultrapassem as divergências de linguagens e comunicar, de
modo singular, aquilo que não pertence à linguagem que
formaliza, mas a quem se utiliza dela.
Na ação comunicativa, a mediação pode favorecer o
acesso e a apropriação da informação, pois essa, em função
de seu caráter estático, “não produz por si só qualquer
conhecimento” e somente se efetiva a partir de uma ação de
comunicação mutuamente consentida entre a fonte (os

303
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

estoques) e o receptor. “Porém, a produção dos estoques de


informação não possui um compromisso direto e final com a
produção de conhecimento” (BARRETO, 1999, p. 373). Para
que a informação faça sentido é necessário organizá-la,
levando-se em consideração os objetivos que a norteiam, de
modo a permitir o acesso à mesma. De acordo com Almeida
Junior (2009), o empoderamento da informação pelo
indivíduo o desloca da categoria de mero receptor da
informação a um ser ativo e participativo na formulação da
informação.
Boaventura de Sousa Santos (2002) em resposta à
interrogativa “Quem traduz?”, cita que toda cultura e todos os
saberes e práticas sociais são vividos e só existem na medida
em que são usados e exercidos por grupos, comunidades,
associações. Por isso os representantes desses grupos devem
ser os responsáveis por participarem do trabalho de tradução.
O procedimento de tradução proposto por Boaventura reafirma
a necessidade e a importância do diálogo entre saberes como
possibilidade de novas aprendizagens, ainda valoriza a forma
plural de se pensar os métodos, a produção de saberes, de
linguagens e representações da realidade, tendo-se em vista
que os indivíduos fazem parte de um contexto social, agindo
sobre o mesmo e sofrendo interferências desse espaço.
Nesse viés, acredita-se que os aportes teóricos do
procedimento de tradução propostos por Boaventura possam
contribuir com os estudos de práticas informacionais, que de
acordo com Araújo (2017) constituem-se num movimento
constante de capturar as disposições sociais, coletivas e
também as elaborações e perspectivas individuais de como se
relacionar com a informação, englobando as noções de
interação e de contexto junto à ação dos sujeitos que fazem
uso, produzem e se apropriam de informação e de
conhecimento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, que a sociologia das ausências (que mostra
que as práticas sociais são práticas de conhecimento), a
sociologia das emergências (que trata de dar luz às iniciativas

304
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

e experiências de ação, as possibilidades que se afirmam, aos


movimentos que existem e de onde são possíveis brotar
alternativas de desenvolvimento), e o procedimento de
tradução (que permite criar inteligibilidade recíproca entre as
experiências do mundo, reveladas pela sociologia das
ausências e a sociologia das emergências) podem contribuir
para pesquisas de práticas informacionais, que se
desenvolvem a partir dos conceitos também trabalhados por
Boaventura, como o de “contexto, cotidiano, conhecimento,
entre outros”, permitindo a compreensão de modo mais
vertical ou intrínseco dos atores sociais.
Ressalta-se que o procedimento de tradução é
essencialmente comunicacional por possibilitar a articulação
de diferenças e equivalências entre vários saberes. A tradução
é um trabalho argumentativo e carrega a ideia de partilhar o
mundo com quem não partilha o nosso saber. Isso torna real a
possibilidade de construção de uma realidade, que implica na
participação ativa do outro como sujeito individual e social,
visando à promoção de diálogos possíveis entre diferentes
formas de conhecimento.
Na área da Ciência da Informação, os constructos
teóricos da tradução reforçam tanto a importância das
práticas informacionais quanto da mediação da informação
entre diferentes formas de saberes e sujeitos, no âmbito da
construção do conhecimento, com vistas à promoção da
competência em informação e ao empoderamento dos
cidadãos para que eles exerçam a cidadania e o
autoconhecimento e convivam melhor na sociedade.

REFERÊNCIAS

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linguagens. Pesquisa Brasileira Ciência da Informação, João
Pessoa, v. 2, n. 1, 89-103, 2009.
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http://www.periodicos.ufc.br/informacaoempauta/article/view
/20655/31068 Acesso em: 18 fev. 2021.

305
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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um aporte da sociedade das ausências e das emergências. In: DIDIER
JR., F.; JORDÃO, E. F. (Org.). Teoria do processo: panorama
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transferência da informação. In: SILVA, H. de C.; BARROS, M. H. T. C.
de. (Org.). Ciência da informação: múltiplos diálogos. Marília:
Oficina Universitária Unesp, 2009.

306
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

PARA SULEAR AS PRÁTICAS


INFORMACIONAIS: CONTRIBUIÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS AMERÍNDIAS,
AFRICANAS E AFRO-BRASILEIRAS AO
PROJETO DECOLONIAL
Juliana Maria de Siqueira

Cruz de estrelas
Apontando o sul, norteando a Terra
Talismã de luz no céu do planeta
Punhal brilhante rasgando a noite da solidão brasileira

Quem me dera
Simplesmente estar e olhar as estrelas
Sem pensar nas cruzes ou nas bandeiras
Quem dera as luzes da Via Láctea iluminassem as cabeças
E acendesse um sol em cada pessoa

Que aquecesse o sonho e secasse a mágoa


Esta terra é boa, esse povo agita
Não é à toa que a gente voa
Que a gente canta e acredita
(Renato Braz, Cruzeiro do Sul)

1 SULEAR: UM REENCONTRO CONOSCO MESMOS


No ano em que se comemora o centenário do
nascimento de Paulo Freire, retomo o termo sulear, utilizado
pelo educador (FREIRE, 1992), para me referir à direção
segundo a qual proponho a construção de conceitos, práticas
e políticas informacionais capazes de expressar um
compromisso com a transformação da realidade vivenciada
no Brasil, na América Latina e no Sul Global. Em vez de dar as
costas ao Cruzeiro do Sul, norteando-me pelo que não integra
nosso horizonte ético e cognitivo, escolho ser iluminada por
essa constelação, que sugere o encontro e a passagem por
uma encruzilhada de saberes afroindígenas, prenunciando a

307
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

chegada ao terreno intercultural.


Já é hora de mergulharmos, coletivamente, na tarefa de
sulear cosmopercepções (não somente uma perspectiva) das
práticas informacionais que têm lugar em nossa sociedade e
ao mesmo tempo ajudam a conformá-la. Ao menos, para
aquelas e aqueles que reconhecem e denunciam que vivemos,
em grande medida, um mundo cujas relações são
configuradas a partir de um padrão de poder colonial, isto é,
uma lógica injusta que separa, hierarquiza e discrimina seres,
culturas, nações, continentes – bem como os conhecimentos
que esses e essas produzem. Em outras palavras, urge semear
alter-ativas47 decoloniais no campo da Informação.
Aquelas e aqueles dentre nós que não desejam
continuar pactuando com o epistemicídio que silencia,
invisibiliza e inviabiliza a existência objetiva de um sem-
número de modos de vida distintos da ocidentalidade, estão,
já, de fato, engajados na busca de referências bem outras que
nos conduzam a um reencontro com as nossas próprias raízes,
muito além da modernidade eurocentrada. Desde as vivências
e sabedorias ancestrais, que nos permitem reconstruir
campos de conhecimento abertos ao diálogo intercultural e
sustentar práticas e políticas autenticamente democráticas,
afirmam-se possibilidades contemporâneas de pensar e agir
em consonância com valores e projetos coletivos em que a
emancipação e a autorrealização não se façam às custas da
Vida – seja ela de seres humanos ou de outras espécies que
povoam o planeta.
É fato que a perspectiva das práticas informacionais se
mostra promissora ao descrever as dinâmicas do campo, sob
o prisma da configuração social hegemônica, isto é, no seu

movimento constante de capturar as


disposições sociais, coletivas [...] e também
as elaborações e perspectivas individuais

47 ‘Alter-ativas’ não são vias ‘alternativas’ ou paralelas às práticas


hegemônicas. Tampouco visam a sua mera transformação (alteração).
Dizem respeito a dinâmicas contra-hegemônicas que buscam sua
reconstrução em outras bases, no longo prazo (ALBÁN-ACHINTE, 2012).

308
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de como se relacionar com a informação


[...], num permanente tensionamento
entre as duas dimensões, percebendo
como uma constitui a outra e vice-versa.
(ARAÚJO, 2017, p. 221)

Mas, também é fato que uma série de sujeitos e


fenômenos, situados além das fronteiras da modernidade
eurocêntrica, estão fora do alcance de sua lente
compreensiva. E, por conseguinte, da possibilidade de serem
plenamente considerados, ouvidos e respeitados em seus
próprios termos, num processo de negociações fundado
nessa perspectiva. Tomar a sociedade moderna, ocidental,
capitalista como totalidade que abarca em seu interior
mesmo toda a diversidade cultural – eis o limite epistêmico,
ético e político dessa linha de pensamento/ação.
É por isso que a alter-ativa decolonial reivindica um
diálogo mais além, que não apenas amplie os conteúdos das
conversações sociais (sobre o que se fala/negocia), mas que
ofereça um giro nos termos mesmos em que elas se dão
(quem pode se pronunciar, de que forma e para quê). Parece
abstrato? Vejamos o problema da definição de políticas
públicas no Brasil.
É já de conhecimento comum que as políticas públicas
são desenhadas com base em sistemas de informações e
indicadores sociais e econômicos, contando, ainda, com
mecanismos de participação e controle social que permitem,
em alguma medida, a escuta e decisão dos grupos
interessados. Eis um campo em que a perspectiva das práticas
informacionais se torna, evidentemente, ferramenta de
análise imprescindível. Ali está em jogo uma política de
governança informacional (ANDRADE; RIBEIRO, 2012) que
abre ou fecha possibilidades de se chegar a uma decisão
amplamente embasada, e, portanto, a lógica sob qual se
concebe, recolhe, organiza e distribui a informação
condiciona os diálogos e as deliberações coletivas.
Exatamente aí é que precisamos investigar como se
entranham e se camuflam os traços da colonialidade.

309
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Conforme assinala Moura (2020), a Ciência da Informação


nasce no processo de “aperfeiçoamento das estruturas
coloniais”, sendo necessário reconhecer que:

Os dispositivos que o campo produz, às


vezes de forma acrítica, funcionam como –
vou utilizar uma expressão da Sueli
Carneiro – dispositivos de racialidade e
biopoder [...] pois eles subsumem em suas
estruturas princípios que modelam lógicas
de circulação do conhecimento com o
consequente e ostensivo
desaparecimento de temas, sujeitos e
agendas. (MOURA, 2020)

Escutemos, pois, aquelas que têm sido, reiteradamente,


excluídas das possibilidades concretas de incidir nessas
conversações – as mulheres negras das periferias:

[...] vivendo, entre nós, as tensões dos


confrontos de nossas diferenças de classe
social, escolarização, faixa etária, entre
outras, vivendo contraditórios
sentimentos e discordâncias quanto a
estratégias a adotarmos, vamos lutando
por justiça para nós, para todos os que são
marginalizados pela sociedade. Não
admitimos as equivocadas análises que
fazem de circunstâncias que nos são
impostas, tampouco aceitamos limitadas
definições do que sejam as mulheres
negras. Somente nós mesmas podemos
nos definir. Somos as fontes mais genuínas
de conhecimento sobre nós; exigimos que
estudos que nos tomem por temática
tenham como centralidade nossos pontos
de vista de mulheres negras. (SILVA, 1998,
grifo meu)

A virada epistemológica que as mulheres negras

310
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

reivindicam e operam é aquela que permite adotar como


centralidade não apenas o seu ponto de vista, mas a inteireza
da experiência dos sujeitos que historicamente têm sido
negados e expropriados nas dinâmicas de produção e
distribuição de conhecimento, riqueza e poder. É disso que se
trata o giro decolonial: uma reorganização do poder, expressa
nos processos de saber e nos modos de ser, atentos e abertos
à alteridade. O resultado desse movimento, que põe em cruzo
princípios e procedimentos de distintas matrizes culturais, é
uma postura interculturalizante nos campos científicos, nas
práticas sociais e nas políticas públicas. Vale, aqui, a proposta:

Con “intercultural” no nos estamos


refiriendo a una combinación de enfoques
diferentes (indígena y científico) sobre un
mismo objeto [...]. Interculturalidad
significa más bien el reconocimiento de una
misma condición (humana) a través de la
construcción de diferentes objetos.
(ROMÁN JITDUJAAÑO, SÁNCHEZ;
ECHEVERRI, 2020, p. 9)

Este texto quer ser convite à comunidade de


argumentação que se dedica ao estudo das práticas
informacionais para dispor-se nessa encruzilhada
intercultural, renunciando à ilusória posição de superioridade
e exclusividade que a perspectiva da ciência ocidental nos
legou e incorporando outras possibilidades de vivência e
produção de conhecimento no campo da informação. A gira
que aqui propomos pretende nos situar num terreno de
diálogo mais amplo com as raízes profundas da América
Latina e da África – ou, antes, de uma Abya Yala Quilombola48,
capaz de retomar convergências históricas e culturais e
inspirar solidariedades libertárias que transcendem as

48Território que se organiza tendo como centralidade a vivência histórica


decolonial, bebendo nas fontes das culturas ameríndias e africanas, e não
mais articulado pela perspectiva (subalternizada), pelo lugar (periférico) e
pelo nome (América Latina) atribuídos pelo colonizador.

311
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

fronteiras estabelecidas no processo colonial. Dessa maneira,


pomos em roda o perspectivismo ameríndio, os princípios das
filosofias afrocêntricas e os saberes das Comunidades
Tradicionais de Terreiro, nas sistematizações elaboradas com
e pelos sujeitos que vivem essas matrizes, promovendo não
uma análise, tampouco uma comparação, mas um jogo cujo
resultado seja o de ressaltar suas convergências e
contribuições epistemológicas ao projeto decolonial49.

2 A GIRA EPISTEMOLÓGICA NA ENCRUZILHADA


DECOLONIAL
Para diversas culturas ameríndias e africanas, a cruz e a
encruzilhada carregam um potente simbolismo de suas
cosmovisões. Concebida pelos povos andinos, a Cruz de
Tiwanaku representa a convergência entre as tríplices
dimensões do tempo e do espaço, que não se limitam aos
planos conhecidos pelo ser humano. No centro dessa cruz,
ligada simbolicamente à constelação do Cruzeiro do Sul, acha-
se a chakana, que é a chave do próprio método da filosofia
andina: a vincularidade. Segundo Lajo (2006), ela significa a
ponte de acesso e o atravessamento rumo à consciência,
transição entre as esferas da existência, em forma de laço ou
compromisso. Revela as conexões entre seres e instâncias
cósmicas, derivando uma ética coletiva ou comunitária que
busca o Bem Viver como ação cuidadora, produtora de
harmonia e equilíbrio (CAMPOHERMOSO RODRÍGUES; SOLIZ;
CAMPOHERMOSO RODRÍGUES, 2015).
Já na cultura Bakongo, dos povos nativos do Kongo, de
origem Bantu, a cruz está presente no centro do cosmograma
Diekenga, que representa os ciclos do sol, da vida, do universo

49 Não sendo objetivo, neste espaço, apresentar cada uma dessas vertentes

e suas singulares derivações, indicamos, para uma visão do Bem Viver e do


Ubuntu, a tese de doutorado de Siqueira (2019). Sobre a Filosofia Kalunga,
da cultura Bakongo, ver Tiganá Santana Santos (2019) e Fu-Kiau (2016);
acerca da Filosofia do Axé, dos Yorubá, indicamos Sodré (2017). Para
abordar as epistemologias das Comunidades Tradicionais de Terreiro, vale
mergulhar nos trabalhos de Nogueira (2020), Oliveira (2005) e Rufino
(2017), entre outros.

312
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

e do tempo, numa espécie de mandala. Conforme revela Fu-


Kiau (2016), no plano horizontal, uma linha (Kalunga,
simbolizando o mar) ordena os mundos físico e espiritual –
dos vivos e dos mortos. Partindo da dimensão espiritual, no
ponto mais abaixo do círculo, dispõem-se, no sentido anti-
horário, quatro acontecimentos ou “represas do tempo”, que
marcam sua divisão: Musoni ou concepção, Kala, ou
nascimento, Tukula, amadurecimento e Luvemba, morte.
Esses marcos permitem distinguir os estágios de germinação,
de crescimento/aprendizagem, de liderança e de
decadência/silêncio. Esse conceito exotérico do tempo,
distinto do sentido ordinário da cotidianidade, está enraizado
na cosmologia e na filosofia Bakongo, fornecendo o sentido
de sua organização social, cuja decifração os humanos
necessitam aprender para com ele atuar:

O tempo é o movimento da energia


consciente (ngolo zasikama) dentro da
matéria biológica/ corpo (ma/nitu) no
caminho tanto individual, quanto do ciclo
cósmico universal da vida e dos sistemas
sociais (dikenga dia zingu/moyo ye fu).
Assim, estar no tempo não é apenas ir
através dele, mas também experimentar a
vida caminhando nas n’kama mia ntangu
(represas do tempo). É estar afinado com o
fluir da energia viva, compartilhando sua
melodia. (FU-KIAU, 2016, grifo meu)

Para as Comunidades Tradicionais de Terreiro, a


encruzilhada abre possibilidades de vida, pois como lugar de
encontros, ela fomenta a variação, a diversidade de sentidos
e sentires, o movimento, a própria ação transformadora
(NASCIMENTO, 2020). É, por excelência, território presidido
por Exu, o senhor das trocas e do mercado – não a banca da
acumulação injusta, mas aquela onde a energia vital circula,
permitindo a satisfação de todas as necessidades. Ponto de
restauração, renascimento e continuidade, a encruzilhada é
onde a memória reencontra as origens ancestrais,

313
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

potencializando a capacidade de (re)criação humana. Assim,


ela é o símbolo de um modo de ser/conhecer que instaura
valores civilizatórios outros.
É, justamente, amparado na epistemologia que brota
dos Terreiros de Candomblé que o educador Eduardo David
de Oliveira adverte: “filosofia rigorosa é filosofia que vive ao
rés-do-chão” (OLIVEIRA, 2005, p. 124). Terreno onde se pisa
com os pés descalços, em sinal de humildade, em
reconhecimento às conexões ancestrais e à solidariedade com
a própria terra. É da experiência concreta que emerge o
pensar.
A gira epistemológica não se inicia com o indivíduo des-
localizado num ponto zero, como quem se separa e se coloca
fora e acima do mundo, para examiná-lo objetivamente,
destituindo-se de corpo, apartando-se da história, isentando-
se de paixões e interesses. Essa hybris com que os filósofos e
cientistas ocidentais supõem poder se livrar dos “límites
propios de la condición mortal y llegar a ser como dioses”
(CASTRO-GÓMEZ, 2005, p. 18-19), observando todas as coisas
sem serem observados, expressa a arrogância e a desmedida
com que se forjam e se impõem seus conhecimentos. É de
modo situado, contingente e contextual que as
Epistemologias do Sul nos conduzem pelas trilhas do saber.
Mas, não somente “a cabeça pensa a partir de onde os
pés pisam” (BOFF, 1997, p. 9): nessa gira, todo o corpo sente
e sabe. Conhecer é mergulhar na experiência. E, se não se
apartam mente e corpo, que, antes, se complementam num
amálgama (OLIVEIRA, 20005, p. 17), a pessoa humana se
converte em um ser sentipensante, isto é, “que combina la
razón y el amor, el cuerpo y el corazón, para deshacerse de las
(mal) formaciones que descuartizan esa armonía y poder decir
la verdad” (MONCAYO, 2015, p. 10). O termo “sentipensante”,
cunhado por uma comunidade de pescadores do Rio
Madalena, na Colômbia, foi transformado por Orlando Fals
Borda em um conceito ou categoria teórica fundamental para
interpretar a realidade latino-americana desde uma postura
colaborativa e compromissada com os sujeitos
subalternizados. No empenho de conciliar as vivências das

314
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

camadas populares com a racionalidade científica, a


expressão busca dar conta dos significados que as
comunidades atribuem à existência, sempre embebidos de
sentimentos.
Atravessadas pela corporalidade, as epistemologias
operadas por homens e mulheres sentipensantes não se
revelam unicamente como cosmovisão, pois não se prendem
a uma noção de conhecimento que privilegia o olhar como
princípio e a escrita como recurso de salvaguarda da memória
e do saber. Sua fenomenologia vai, portanto, muito além da
relação olho-mão. Emergindo de cosmovivências, elas são
geradoras de cosmopercepções, que abarcam todos os
sentidos. Além disso, instauram uma outra ética, que não
passa pela exploração, pelo domínio ou pela apreensão de
objetos, mas pelo jogo da experimentação/ expressão
criativa, que incorpora ou inscreve nos corpos mesmos os
novos repertórios resultantes dessas relações com o mundo.
Martins (2003) atesta esse aspecto da cultura Bakongo:

Em umas das línguas bantu, do Congo, da


mesma raiz, ntanga, derivam os verbos
escrever e dançar, que realçam variantes
sentidos moventes, que nos remetem a
outras fontes possíveis de inscrição,
resguardo, transmissão e transcrição de
conhecimento, práticas, procedimentos,
ancorados no e pelo corpo, em
performance. (MARTINS, 2003, p. 64-65)

Algo análogo foi observado por Carlos Lenkersdorf


(2008) junto aos maias tojolabales, que habitam um território
localizado em Chiapas, México. Segundo ele, esses povos,
para quem homens e mulheres verdadeiros são aqueles que
sabem escutar, são capazes de ouvir não apenas uns aos
outros, mas também aos demais seres, à água, ao vento, a
toda a natureza. E, ao fazê-lo, tornam-se seus irmãos. A essa
escuta alargada, que relacionou às concepções de mundo
tojolabales, Lenkersdorf denominou cosmoaudição,

315
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

assinalando que a inteligibilidade do mundo tojolabal – a sua


filosofia – não se constitui simplesmente pelo que pode ser
visto (uma perspectiva), mas na complexidade de uma escuta
que abarca todo o cosmos e gera uma comunhão entre os
seres. O que resulta na produção de um sujeito coletivo
diverso, um ‘nosoutros’ que é também um ser político.
Também para os Guaranis, Teko Porã é a boa maneira de
ser e viver, que não traduz exatamente um conceito, mas uma
experiência existencial profunda e compartilhada. Cada ato
cotidiano desse povo expressa o seu teko kaú, lei ou norma
sistematicamente formulada e disseminada entre todos os
integrantes da comunidade:

Esta experiência de vida vai desde o


levantar da rede, tomar o mate perto do
fogo, sentir como se dissipa a névoa da
madrugada, ir percorrendo a trilha onde se
tinha colocado as armadilhas, ou chegar
até a roça plantada para cuidar dela, limpá-
la e rezar sobre ela. (MELIÀ, 2012, p. 116)

Conforme Melià (2012), essa existência guarani se volta


prioritariamente aos vínculos profundos entre a terra e a
humanidade primordialmente; e, consequentemente, entre
os seres em geral. O Tekohá, dimensão da existência terrena,
lugar de vida e cosmo(con)vivência, é um corpo com pele,
pelos e adornos. Possui cores, brilho e vozes e por isso é visto
e ouvido pelos indígenas. Ambiente do ser, tekohá permite e,
ao mesmo tempo, produz as relações econômicas, sociais,
políticas, ecológicas e religiosas, sendo inseparável de sua
comunidade. Ali, vive-se bem quando a energia, a palavra e os
objetos materiais fluem livres e em harmonia, graças ao
fundamento da reciprocidade ou jopói, “mãos abertas de um
para o outro”. (MELIÀ, 2012). Sua utopia é a busca pela ivi
maräei, terra sem mal, fértil e resplandecente, na qual todos
trabalham juntos em motiró, compartilhando os frutos numa
grande e farta festa (ALBÓ, 2009).
Nessa relacionalidade robusta, que Trownsell (2013)

316
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

percebeu também entre os povos andinos, gesta-se um


cosmos vivo e pulsante, regido pela ética do cuidado e da
partilha, da qual deriva um saber sistêmico da existência. Esse
mundo encantado, porque comunicante e dotado de agência,
ao qual o todo da percepção indígena se abre, complementa-
se e aprimora-se pelo gesto humano, trabalho coletivo que
expressa o conhecer. Comunicação e conhecimento, aqui, se
estabelecem para além da linguagem e seus signos: as formas
de energia são igualmente entendidas como meios
comunicantes entre tudo o que vive.
A energia ou força vital (axé, ntu, kalunga) é, aliás, o
elemento primordial das cosmopercepções de matriz
africana. Consiste na vibração do sagrado presente e
partilhada por todos os seres, colocando-os em reciprocidade.
Ela inaugura um corpo que "é-no-mundo-com-outros" (LIMA,
2015, p. 20), compondo uma comunidade alargada. É,
simultaneamente, universal e individualizada em relações
concretas; imanente e transcendente. Possui caráter
estruturante da realidade e integra o âmbito da consciência
social, na medida em que, instaurando a dinâmica entre o
corpo e o mundo, move o fazer coletivo em práticas histórias.
Dessa forma, o princípio da força vital ressignifica e reorienta
o conceito e o exercício do poder.
Graças a essa força, compartilhada no agir, o ser humano
se torna co-criador da existência, responsável pela sua
dimensão material. Daí que sua formação é processo
permanente, orientado para o cuidado e o respeito com a
Vida. Seu papel não é o de exercer um poder unilateral sobre
o mundo, mas o de orquestrar relações. Sob essa cosmoética,
é impossível conceber o conhecimento como domínio,
exploração e reprodução da colonialidade.
Consequentemente, a práxis que envolve a explicação da
realidade e, portanto, a produção de conhecimento tem
caráter intersubjetivo: trata-se de um ato comunicativo.
Por carregar esse princípio vital, a palavra – sobretudo a
palavra dita – desempenha aqui papel distinto. Nas matrizes
africanas, ela é substância, sopro ou fluido utilizado na criação
do mundo (LEITE, 1995/1996). Dado esse poder, o exercício

317
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

da palavra implica responsabilidade. Posta em movimento


pelo diálogo, ela revela a interdependência entre os seres e,
por isso, converte-se no instrumento político-pedagógico da
comunidade. Inscrita numa cosmopráxis que não separa nem
opõe vida e morte, mas as religa em continuidade, a palavra
se reveste, ainda, da ancestralidade, princípio orientador
histórico concreto, base da ação social. Uma vez que a
ancestralidade se manifesta primordialmente por meio do
corpo, são as performances que abrem a chave dos processos
comunicativos impregnados da memória cultural e da
consciência ética do estar no mundo.
Nas culturas de tradição oral africana, é a palavra dita
que precede os relatos escritos, os documentos e, portanto,
toda a cultura literária (HAMPATÉ BÂ, 2010). A confiança que
ela inspira é dada pela pessoa que a profere, na
correspondência com seu viver, na tradição da cadeia de
transmissão em que se insere e no valor social da verdade.
Indissociável da dimensão existencial e histórica concreta,
carrega-se de memória, prudência e respeito, gerando
compromisso e coesão social.
Também para as culturas ameríndias, os discursos não
abordam coisas: trazem-nas à existência e, portanto, são
palavras de poder, gestos verbais, enlaçados a outros gestos,
corporais, com capacidade de manter e aumentar a vida
(ROMÁN JITDUJAAÑO; SÁNCHEZ; ECHEVERRI, 2020). Sua
fecundidade criadora não está no representar objetos, mas na
possibilidade de dirigir o manejo de energias cósmicas que se
complementam e combinam – e que podem, por isso,
converter o conhecer em curar.
As contribuições epistemológicas do Sul não se
esgotam nesses aspectos, mas por ora, ficaremos por aqui.
Conquanto fundamentais para a interculturalização das
práticas informacionais, os princípios e conceitos acima
tratados não podem ser incorporados unicamente por meio
do exercício intelectual. É na cosmoconvivência
comprometida com os sujeitos que encarnam essas filosofias
que podemos nos transformar e alargar nosso pensamento e
nossa ação.

318
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

3 CAMINHOS ABERTOS PARA SULEAR A


INFORMAÇÃO
Senhor das encruzilhadas, Exu é o Orixá que abre os
caminhos e “faz o erro virar acerto e o acerto virar erro”. Por
isso, Nogueira (2020) nos ensina que o retorno à encruzilhada
é ação de cura epistemológica.
A encruzilhada em que nos colocamos é ponto de
convergência, no centro do qual pulsa a Vida. Espaço/tempo
de encontro com a pluriversalidade, partilha, comunicação e
dinamização das potências criadoras. Entrar nessa gira
epistemológica, essencialmente intercultural e decolonial,
abre caminhos para o florescimento de muitos mundos
possíveis, em cooperação e complementaridade. Constitui,
finalmente, um projeto de humanização não antropocêntrico,
mas biocêntrico. Alter-ativo, pois parte da ação
transformadora situada em contextos concretos, na
incorporação da relação ética como princípio gerador de todo
sentido e saber.
No campo das práticas informacionais, sulear-nos por
uma constelação epistemológica permite desafiar,
simultaneamente, a negação de sujeitos, povos, culturas e
seus saberes; as pretensões e os feitos totalitários e
monoculturais da colonialidade que se realiza na
necropolítica; o enfraquecimento da palavra
descompromissada com a ação e com a verdade; a lógica
utilitarista da competição e do extermínio da diversidade; a
pedagogia da desmemória e o desperdício da experiência; o
esvaziamento dos sentidos na normalização da violência e na
instrumentalização e precarização da vida; a
despotencialização do humano enquanto semeador e
cultivador de mundos.
Abri este diálogo rememorando o mestre Paulo Freire.
Antes de nos despedirmos, retomo suas palavras, pois o que
nos cabe é assumirmos os rumos de nossa própria
humanização:

A desumanização, que não se verifica,


apenas, nos que têm sua humanidade

319
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

roubada, mas também, ainda que de forma


diferente, nos que a roubam, é distorção
da vocação do ser mais. É distorção
possível na história, mas não vocação
histórica. [...] a desumanização, mesmo
que um fato concreto na história, não é
porém, destino dado, mas resultado de
uma “ordem” injusta que gera a violência
dos opressores e esta, o ser menos.
(FREIRE, 1987, p. 16)

Diante de nós estão os caminhos para a realização do ser


plenamente humano. Saudemos sua abertura: Laroyê!

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322
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

APRENDIZAGEM SITUADA E PRÁTICAS


INFORMACIONAIS DOS BIBLIOTECÁRIOS DE
CIÊNCIAS DA SAÚDE: REFLEXÕES E
DIÁLOGOS
Dayanne da Silva Prudencio

1 NOSSO PONTO DE PARTIDA: O ENCONTRO COM O


CONCEITO DE PRÁTICAS INFORMACIONAIS
Nosso encontro com o termo práticas informacionais
ocorreu durante o doutoramento em Ciência da Informação,
no qual realizamos uma pesquisa dedicada ao exame das
trilhas de aprendizagem dos bibliotecários de Ciências da
Saúde à luz da teoria da aprendizagem situada de Lave e
Wenger (1991). Como pano de fundo desta pesquisa, há a
compreensão de que a formação e as práticas dos
bibliotecários foram, no decorrer de cada época,
manifestadas por diferentes atividades e artefatos. Estas
ações foram sendo influenciadas pelas abordagens teóricas
que sustentavam o ofício, pelas tecnologias disponíveis, por
conhecimento produzido pelos bibliotecários e para os
bibliotecários e – não menos importante – pelo contexto
político, histórico e social.
Tal perspectiva de formação e prática abre a
possibilidade para pensarmos que existe uma construção
sobre o que é ser bibliotecário. Esse olhar e reflexão podem
ser direcionados para diferentes elementos, tais como o
perfil, competências, conhecimentos e habilidades, entre
tantos outros. Não rara é a associação de uma identidade de
uma categoria profissional ao seu campo de trabalho.
Outrossim, certas práticas e contextos tipificam socialmente
uma profissão.
Diferentes elementos, que em uma categoria genérica
vamos denominar como contexto social, implicam em
observações distintas de trajetórias, reconhecimento,
atuação e engajamento de uma profissão. Essa orientação

323
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

talvez explique a diferença entre as práticas dos


bibliotecários brasileiros em comparação com americanos e
canadenses, sobretudo em alguns campos como o da saúde.
Este aspecto sugere análise de diferentes dimensões. Entre
estas, escolhemos a que mais nos intriga, a aprendizagem de
um grupo profissional.
Lave (2015) indica que por muito tempo a aprendizagem
esteve associada a duas orientações: uma ligada ao resultado
da transmissão do conhecimento; e a segunda, como um
desdobramento cognitivo do ensino, alicerçada nos atos do
conhecimento. Por considerar as duas como insuficientes
para explicar um processo complexo como a aprendizagem,
dedicou-se a observar como este processo ocorria em
comunidades de alfaiates – onde não havia escolas dedicadas
ao ensino do ofício – e chegou às proposições que orientam a
teoria da prática social.
Pela perspectiva da teoria da prática social
compreendemos que toda atividade, o que inclui a
aprendizagem, é situada a partir de negociações, relações
entre indivíduos, contextos e práticas. São estes elementos
que permitem o processo de construção e significação da
aprendizagem.
A partir desta perspectiva norteadora, mas ainda não
muito convencidos, fomos a campo e observamos de maneira
simples e participativa como os bibliotecários de Ciências da
Saúde desenvolvia suas práticas e saberes. Nesse tempo, os
resultados de nossos diários de campo, nossas entrevistas
semiestruturadas com utentes destas organizações, a análise
da produção científica nacional e internacional acerca das
competências gerais e especializadas destes profissionais,
bem como seu cotejamento, nos permitiu verificar que havia
uma maneira de usar e performar com a informação que era
contextual e especializada de tal maneira, que nos levava a
crer que a formação de base generalista e a concepção estrita
do que se concebe como práticas biblioteconômicas não
davam conta. Ao mesmo tempo, também se revela que este
coletivo produzia um tipo de conhecimento e não estava

324
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

somente a serviço da produção de outrem. Era uma produção


situada e com capacidade geradora de práticas.
Nesse enquadramento, inquietava-nos a perspectiva de
que estes profissionais aprenderam as especificidades de
seus ofícios em uma formação universitária de base
generalista, diferentemente de países como Estados Unidos e
Canadá, onde há cursos direcionados à biblioteconomia na
área de saúde, tal como os exemplos da Universidade da
Carolina do Norte em Chapel Hill e da Universidade de
Pittsburgh. Dito de outra maneira, queríamos responder à
seguinte questão: Como estes indivíduos no Brasil aprendem
a ser bibliotecários de Ciências da Saúde e desenvolver
práticas informacionais tão especializadas se não tem escolas
que os ensinem?
Neste cenário, nossa hipótese inicial, de que atos de
conhecimento garantiam o processo de aprendizagem, já não
se sustentava. À medida que nossa trajetória avançava, outros
elementos descortinavam-se e uma ontologia relacional foi
sendo estabelecida entre elementos como processo de
aprendizagem, influência do contexto de trabalho, atos de
conhecimento obtidos em formação universitária, produção
de conhecimento situado e as práticas desenvolvida no
campo da saúde.
Da mesma maneira, revela-se uma perspectiva muito
mais social das práticas e de todos os fenômenos que as
constituem. Assim sendo, foi necessário fazer demarcações
sobre nosso entendimento acerca do constructo prática,
neste sentido, recorremos a Cox (2012):

prática se refere a atuação no mundo, a


fazer coisas, mas também dá peso ao ato
de falar (ou não falar) como performar
uma ação. O sentido da ação é definido
dentro de uma prática; a mesma ação pode
significar coisas diferentes em outra
prática. (COX, 2012, p. 177, tradução
nossa).

325
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Gherardi (2009), por sua vez, argumenta que uma


prática é baseada na compreensão do conhecimento.
Conhecimento este na perspectiva de senso de conhecer,
uma atividade coletiva, negociada e distribuída entre os
diferentes atores daquele contexto. Portanto, não
objetivado, mas construído socioculturalmente.
Deste modo, pouco a pouco, alcançávamos a percepção
que aquele coletivo profissional examinado desenvolveu
certas características comuns, maneiras de agir, pensar, fazer
etc. Abrindo um paralelo, é o que Hjorland (2003) sugere ao
dizer que os usos e as necessidades de informação não são
individuais, são construções coletivas. Cada sujeito reflete
sobre as disposições coletivas, concorda com algumas, rejeita
outras.
Essa concepção que reconhece a importância da
influência do ambiente social, mas não ignora o papel do
coletivo de sujeitos, coaduna com a discussão empreendida
por Araújo (2012), quando busca em sua obra aproximar as
ideias de Rafael Capurro sobre o paradigma social da Ciência
da Informação aos avanços recentes no campo dos estudos de
usuários da informação. Para o autor,

o usuário não é totalmente determinado


pelo contexto no qual se insere, nem é
totalmente isolado ou alheio a ele; a
determinação que o contexto exerce
existe, é real, mas não é mecânica nem
absoluta, é interpretada e alterada pelo
sujeito. (ARAÚJO, 2012, p. 149).

Nesse cenário, infere-se que os bibliotecários de


Ciências da Saúde desenvolvem em seus contextos uma
prática que, em alguma dimensão, é informacional. Assim
sendo, tivemos nosso encontro, quiçá fortuito, com o
conceito de práticas informacionais.
Araújo (2012) ainda nos acrescenta que a prática
informacional é, portanto, um conceito que abrange esse

326
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

campo de tensão entre o individual e o social, entre o ator e a


estrutura.
Lloyd (2011, p. 285, tradução nossa) vai definir o
conceito como:

atividades e ações de informação


relacionadas, constituídas, justificadas e
organizadas através dos arranjos de um
campo e mediadas socialmente e
materialmente com o objetivo de produzir
entendimento comum e mútuo acordo
sobre as formas de saber e fazer numa
comunidade.

Deste modo, significar essas práticas – que também são


informacionais – implica compreender os processos de
engajamento, a legitimação de participação desses sujeitos,
os códigos e linguagem utilizada, as crenças, valores e
significados intersubjetivos.
As pesquisas de práticas informacionais são situadas no
paradigma social da informação e vêm se delineando desde
meados da década de 90. A limitação dos estudos de
comportamento informacional para responder inúmeras
questões produzidas em torno das dimensões sociais, bem
como compreender os fenômenos de intermediação
existentes são o principal fator para que estas ganhem força
(ARAÚJO, 2012; ROCHA; DUARTE; PAULA, 2016; ROCHA,
GANDRA, 2018).
Dois esclarecimentos precisam ser realizados para
discutirmos as práticas informacionais. Tanto os estudos de
comportamento informacional quanto os de práticas
informacionais se propõem a compreender a interação entre
sujeitos e informação. No entanto, o fazem de formas
diferentes, isso porque o primeiro se ocupa do sujeito
cognitivo e o segundo se ocupa da comunidade social. Sendo
assim, as práticas constituem um contexto social e são
constituídas por este por exemplo, sob o enfoque dos
programas de competência em informação (COINFO), os
estudos de comportamento informacional tendem a priorizar

327
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

o comportamento individual em detrimento das interações


presentes em comportamentos coletivos (ROCHA; DUARTE;
PAULA, 2016). Desta forma, os programas de COINFO lançam
mão de estratégias de treinamento individual ou grupal, mas
pouco se ocupam em verificar as influências da coletividade
na manifestação da necessidade informacional do indivíduo e
igualmente pouco se dedicam a verificar o alcance da ação
deste sujeito na coletividade e no contexto em que está
inserido.
A segunda questão envolve a própria ideia do conceito
de práticas informacionais. Este é um termo ainda não
sumarizado no campo da Ciência da Informação, e, portanto,
consideramos que está em construção. Mesmo entre os
autores brasileiros de Ciência da Informação (CI), não há
consenso sobre o conceito.
A compreensão que a pesquisa em tela faz de práticas
informacionais apoia-se nos estudos de Cox (2012), Rocha,
Duarte e Paula (2016), Berti e Araújo (2017) e Duarte, Araújo
e Paula (2017) e Rocha e Gandra (2018).
De maneira objetiva, nosso capítulo visa apresentar os
diálogos entre o conceito de prática informacional com as
ideias postuladas pela teoria da aprendizagem situada e como
essa interseção teórica contribui para nosso entendimento
acerca das práticas realizadas por bibliotecários de Ciências
da Saúde brasileiros.
Tendo apresentado nosso percurso até o conceito de
prática informacional, a seguir apresentamos sua
contextualização com a teoria da aprendizagem situada,
principal aporte teórico de sustentação da pesquisa realizada.

2 A TEORIA DA APRENDIZAGEM SITUADA


Ao desenvolver sua teoria da aprendizagem situada,
Lave e Wenger (1991, p. 31) sustentam a aprendizagem como
algo contínuo de nossa participação no mundo. Assim, trata-
se de um aspecto integral e inseparável da prática social.

A aprendizagem é situada em complexas


comunidades de práticas (culturais e

328
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

mutantes, como parte do processo


histórico que constitui a vida social). As
coisas são constituídas por, e constituídas
como, as suas relações; e assim, produção
cultural é aprendizagem que é produção
cultural. (LAVE, 2015, p. 40, tradução
nossa).

O termo “situada” evidencia as negociações ocorridas


entre conhecimento e aprendizagem, bem como entre os
significados que serão atribuídos a partir da relação entre as
atividades e os indivíduos envolvidos (LAVE; WENGER, 1991).
A aprendizagem é situada não apenas no sentido do
pensamento e ações das pessoas em uma perspectiva espaço-
temporal, mas sobretudo no contexto maior, que
compreende as relações entre os agentes e o contexto social
que a origina e impõe significado.
Isso significa que a teoria coloca o processo de
aprendizado como histórico, social e cultural, inserido em um
contexto e distribuídos pelas práticas sociais. Desta forma, o
aprendizado alcançado está intimamente relacionado às
possibilidades desenvolvidas pelo viés do sistema de
relações, ocorridos a partir de diálogo, observação,
negociações discursivas, entre outros. São estas que fazem
com que desenvolvamos atividades, tarefas, funções e a
compreensão do contexto no qual estamos inseridos.
Aprender desenvolve identidade e o nosso pertencimento à
própria comunidade (LAVE; WENGER, 1991, p. 53).
Lave e Wenger (1991, p. 54), compreendem comunidade
como um “grupo de pessoas que compartilham uma
preocupação, um conjunto de problemas ou um interesse por
um tópico, e que aprofundam seu conhecimento e
especialização nessa área pela interação numa base
continuada".
Domínio é outro importante conceito na teoria de Lave
e Wenger (1991), sendo compreendido como o domínio do
conhecimento onde os indivíduos se unem, interagem,
desenvolvem suas práticas (de aprendizagem, informacionais

329
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

e de produção de conhecimento) e mantém iniciativas das


mais diferentes ordens.
Os mesmos autores denominam a participação dos
novatos em uma comunidade profissional como participação
periférica legítima (PPL) e indicam que, ao participar de uma
comunidade profissional que detém o domínio do
conhecimento e da prática, esses indivíduos vão acumulando
as práticas compartilhadas relacionadas a estilo, linguagem,
histórias, modos de fazer etc. Nessas comunidades, é exigido
que o ingressante se dedique e se direcione à plena
participação nas práticas socioculturais da comunidade, caso
contrário ficará marginalizado (LAVE; WENGER, 1991, p. 29).
Em outra passagem da mesma obra, os autores
reforçam a importância das comunidades ao argumentarem
que “uma comunidade de prática é uma condição intrínseca
para a existência de conhecimento, porque fornece o apoio
interpretativo necessário para dar sentido à sua herança”
(LAVE; WENGER, 1991, p. 98).
Para Gherardi (2006, p. 97) “aprender a se tornar um
membro competente dentro de uma cultura de prática é um
processo pelo qual os novatos apropriam-se dentro de uma
cultura de relações desiguais de poder permeados pelo “ver”,
“fazer” e “dizer” que sustentam esta prática”. O tempo de
participação periférica legítima de um novato em uma
comunidade de prática é determinado pelo período de
desenvolvimento de sua aprendizagem, realização de práticas
típicas da comunidade ou até que ele receba um novo
membro e tenha condições de compartilhar aquilo que já
aprendeu. Observa-se, portanto, que o desenvolvimento do
aprender em uma comunidade envolve uma intencionalidade
do aprendiz.
Contudo, Wenger (1998) alerta que os processos de
aprendizagem, em qualquer comunidade, envolvem: a
negociação de novos significados; um caráter experimental e
social; transformação de identidades e construção de
trajetórias de participação; limitação e expansão de
fronteiras; alinhamento entre os praticantes, engajamento e
ação recíproca entre o local e o global (WENGER, 1998).

330
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Isso significa que, do ponto de vista da teoria da


aprendizagem situada, as competências e práticas, incluindo
as informacionais, não poderiam ser ensinadas desarticuladas
do contexto no qual seriam aplicadas, das organizações de
trabalho e da comunidade que as constitui (SAVOLAINEN;
TUOMINEN; TALJA, 2005).
As práticas decorrem de espaços e contextos e nelas são
desenvolvidas atividades. Tangenciando o recorte de nossa
pesquisa, isto é, as trilhas de aprendizagem dos bibliotecários
de Ciências da Saúde, teríamos esta como resultado das
significações ocorridas no contexto revelado, mas não
limitado, entre os regimes de informação da área da Saúde e
da Informação. Figurativamente, concebemos:

Figura 1 – Processo de aprendizagem social

Fonte: Autora (2021).

331
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Conforme esquema acima, nossa pesquisa compreende


que as necessidades de informação presentes entre o regime
de informação do campo da saúde e da Biblioteconomia
geram inputs para que negociações discursivas e interações
sociais ocorram entre os sujeitos sociais inseridos na
comunidade de praticantes50. Assim, uma atribuição de
sentido ao processo de produção e uso da informação ocorre
pelos sujeitos informacionais. Ao mesmo tempo, os fluxos de
informação, internos e externos, influenciam e recebem a
influência do contexto, com isso práticas de informação se
moldam e revelam-se51. Como resultado deste processo, a
aprendizagem ocorre.
Articulando todo esse enquadramento, temos a ideia de
regime de informação articulado entre dois campos, cada qual
com seus usos e necessidades e a percepção de contexto, que
merece ser explicada com maior detalhamento.
A concepção adotada para contexto é fundamentada no
estudo de Rocha e Gandra (2018). Para as autoras, o contexto
é um dos elementos constituintes da noção de práticas
informacionais. De maneira didática, explicam que, pelas

[...] lentes da prática, [de] determinado


contexto pode surgir vários tipos de
situação. Situações fazem parte das
atividades rotineiras, sejam elas
relacionadas ao trabalho ou à vida
cotidiana e o contexto assume maior
amplitude, sem fronteiras bem
delimitadas, por ser construído por meio
de interações sociais e/ou coletivas.
(ROCHA; GANDRA, 2018, p. 575).

Decorrem desta perspectiva duas situações com


capacidade geradora de aprendizagem. Uma parte envolve os
50Comumente comunidades de praticantes dispõem de práticas
sociotécnicas, isto é, infraestrutura e linguagens comuns (TALJA; HANSEN,
2005).
51Para Rivera e Cox (2014) os aspectos coletivos e materiais do contexto da

prática têm efeitos e modificam a própria prática da informação.

332
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

serviços que os bibliotecários oferecem aos seus utentes e na


retaguarda existe um script, ou seja, um conjunto de ações –
entre elas a do aprendizado – que permite que os
bibliotecários desenvolvam suas atividades. Essas atividades
têm seu modos operandi específico e, dessa forma, é somente
no âmbito do contexto que é possível compreender as
diversas facetas que estes fenômenos podem desenvolver.
Por exemplo, o processo de indexar envolve um conjunto de
conhecimentos e competências que podem ser ensinadas em
escolas de Biblioteconomia que oferecem formação
generalista e aplicadas em distintos ambientes
informacionais. Entretanto, a indexação de documentação
jurídica ou em saúde, que é uma prática especializada de
indexação, demanda que novas aprendizagens sejam
desenvolvidas. Outrossim, é possível sugerir que as práticas
desses profissionais desenvolvem uma produção de
conhecimento, situada e orientada ao contexto de sua
produção, isso porque é neste que as negociações discursivas
e de sentido são desenvolvidas.
Por outro lado, evidentemente, isso não contraria a
possibilidade de os bibliotecários serem capacitados no uso
de recursos informacionais de cunho geral, como, por
exemplo, termos a capacidade de usar bases de dados e
realizar expressões de busca. Isso, contudo, não os torna
especialistas em informação daquele assunto. Em algumas
áreas, esses alcances profissionais são suficientes, em outras
não.
Não obstante, Martinez-Silveira (2005, p. 150)
argumenta que não serão as bibliotecas tradicionais, com
seus acervos, que irão suprir com excelência as necessidades
de informação dos médicos, e sim os “bibliotecários
especializados” inseridos no contexto da saúde.
Esta comunicação faz a leitura do termo “contexto”,
indicado por Martinez-Silveira (2005), pela perspectiva de
Rocha e Gandra (2018), ou seja, para além das abordagens
espaciais ou de entendimento como situação. Assim sendo, os
bibliotecários provocam e são provocados em interações

333
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

sociais a desenvolver maneiras de lidar com a informação em


saúde no seu coletivo.
Entendemos que é possível identificar práticas
informacionais típicas de uma categoria profissional, haja
visto que o termo prática remete justamente a uma dimensão
coletiva, uma forma social de fazer alguma coisa, no caso, lidar
com informação. Assim, por exemplo, há uma forma
específica de lidar com informação em saúde, distinta, por
exemplo, de uma informação em arte, assim como há uma
forma "numa biblioteca universitária de saúde" diferente de
“uma biblioteca hospitalar” e uma maneira "que os
bibliotecários de Ciências da Saúde" operam que é distinta
dos “informacionistas”.52 Algumas vezes, essas maneiras se
sobrepõem, outras vezes não.
Assim sendo, quando ocorre o acionamento de objetos,
ferramentas e artefatos (que se posicionam como elementos
de intermediação ou fronteira para facilitar ou atrapalhar o
fluxo de informação) que serão utilizados pelos sujeitos,
descortinam-se as práticas informacionais. Entretanto, Roos e
Hedlund (2016) alertam que as práticas de informação
precisam ser estudadas pelo espectro do contexto, não
entendidas como independentes, ações separadas.
Essa associação entre prática, informação e contexto
desenvolve conceitos, movimentos e abordagens em diversas
áreas do conhecimento. Relacionada ao campo da saúde, uma
manifestação é a prática da medicina baseada em evidência,
iniciada em 1990 e fundamentada na aplicação da evidência
científica na prática clínica e sua retroalimentação.
Não distante, essa abordagem é aplicada na Ciência da
Informação e Biblioteconomia. Neste caso, é quando, em
2000, Jonathan D. Eldredge desenvolve o conceito de
Biblioteconomia baseada em evidência (BBE).
Fundamentalmente, essa abordagem sugere a
associação entre as evidências decorrentes de pesquisas e as
experiências de trabalho em Biblioteconomia, bem como sua

52 Para compreender melhor a diferença entre essas ocupações


recomendamos consulta ao estudo de Prudencio e Rodrigues (2020).

334
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

aplicação às práticas de trabalho biblioteconômicas, visando


melhorar a tomada de decisão e o trabalho diário dos
bibliotecários (ELDREDGE, 2002, p. 72, tradução nossa). O
autor acrescenta que essas pesquisas podem ser de natureza
quantitativa e/ou qualitativas, a depender do contexto, das
práticas e dos sujeitos sociais inseridos/participantes.
Nesta perspectiva, há que se lembrar que não apenas os
médicos devem ser considerados como clientes,
interlocutores e pares dos bibliotecários. Isso significa que
pacientes, outros profissionais de saúde e o próprio sistema
gestor podem beneficiar-se dos saberes e fazeres
biblioteconômicos. Ao mesmo tempo, é possível que a
integração entre esses profissionais e saberes opere como
elemento de fomento ao desenvolvimento da aprendizagem
mútua do grupo envolvido.
Para assumir esses papéis, pensar no seu processo de
aprendizagem é condição fundamental. Aprendizagem essa
que, em dada proporção, pode ocorrer pela via da instrução
formal em instituições clássicas e certificadas, mas que em
grande proporção acontece situada no contexto de trabalho,
no exercício das práticas, nas atividades desempenhadas,
bem como nas relações estabelecidas com bibliotecários mais
experientes, utentes, parceiros, colegas de fora da unidade
de informação, bem como pelo enfrentamento ao cotidiano
do trabalho e suas situações.
A partir desse ângulo, entendemos que as práticas de
informação operam entre elementos objetivos e subjetivos.
Ao mesmo tempo, configuram elementos de interseção entre
dois campos, onde cada qual representa um regime e/ou uma
política de informação.
Para elucidar essas práticas, é necessário entender as
negociações discursivas (interações discursivas) que
acontecem, o contexto destas práticas, as posições
individuais e coletivas no que se referem à busca e ao uso da
informação, a posição da linguagem para estes sujeitos
informacionais (ROCHA; GANDRA, 2018), as ações
informacionais que constituem um social e o social que é
constituído por ações desta natureza. Enfim, trata-se de um

335
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

grande apanhado que busca elucidar os elementos


constituintes destas práticas.
A linha que orienta a preferência por indicar o
desenvolvimento de práticas informacionais é justificada pela
já apresentada teoria da aprendizagem situada, que concebe
a aprendizagem como uma prática social e, portanto, inserida
em contextos socioculturais. Da mesma maneira, as
abordagens de Lave e Wenger (1991) e Cox (2012) fornecem-
nos perspectivas suficientemente relevantes para
compreendermos as práticas como instâncias de
aprendizagem.

3 APRENDIZAGEM SITUADA E PRÁTICA


INFORMACIONAL
O pano de fundo dessa subseção apoia-se na
perspectiva da teoria da prática social, que vê as práticas
como e com abordagens sociais e, neste sentido, inferimos
que a aprendizagem que bibliotecários desenvolvem é uma
prática social. Portanto, influenciada pelos atores que
compõem a comunidade, pelo contexto, tipo da unidade de
informação, regras institucionais, políticas regulatórias, entre
outros fatores (LAVE; WENGER, 1991; WENGER, 1998;
SAVOLAINEN, 2007).
No desenvolvimento de seus afazeres, o bibliotecário é,
por um lado, um prestador de serviço que auxilia seus utentes
a obter o conhecimento e desenvolver habilidades
informacionais que o auxiliem na execução de suas práticas e,
por outro, um membro da comunidade dos utentes. O
contrário também é verdadeiro. Atores operam dentro das
expectativas ou responsabilidades de uma forma
compartilhada de fazer criando uma prática (CORRADI;
GHERARDI; VERZELLONI, 2010, p. 277). Ou seja, existe uma
importante coparticipação de produção de conhecimento
entre bibliotecários de Ciências da Saúde e profissionais de
saúde que muitas vezes é negligenciada.
A ideia de que os bibliotecários são membros destas
comunidades de conhecimento não se pauta apenas em sua

336
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

participação mediadora, mas também na concepção de


autoria, ou seja, como produtor de conhecimento da
comunidade.
De acordo com Wenger (1998, p. 47, tradução nossa), “a
prática desenvolvida num contexto histórico e social dá
estrutura e significado ao que fazemos”. A esse respeito, faz
sentido complementar o autor e sugerir que esse conjunto
também influencia o que não fazemos. A ausência de um
elemento que poderia desenvolver uma aprendizagem pode,
por exemplo, influenciar a capacidade de obter respostas
numa pesquisa bibliográfica, ou a ausência de conhecimentos
normativos pode levar à entrega de produtos e serviços que
não auferem os benefícios esperados ou que violem regras
sociais da comunidade. A aprendizagem é uma parte
integrante da prática social geradora do mundo em que
vivemos (LAVE; WENGER, 1991, p. 23). Em outras palavras, a
aprendizagem é um dos fatores que influencia o trabalho do
bibliotecário.
Compreendemos a aprendizagem como um processo
que muda o estado do conhecimento de um indivíduo ou de
uma organização (OLIVEIRA JÚNIOR, 2001). Neste sentido, a
constituição desse aprendizado é influenciada pelo
conhecimento disponível, pelo contexto de desenvolvimento
e pelas disposições negociadas na comunidade (RECKWITZ,
2002). Assim, a sua execução não depende exclusivamente do
indivíduo aprendiz.
A ideia de aprendizagem situada aqui desenvolvida se
afasta de uma aprendizagem mecânica e se aproxima de uma
aprendizagem significativa (AUSUBEL, 1968), pois reconhece
que a transformação da informação em conhecimento
depende de estruturas e significações anteriores. Trata-se de
desenvolver as práticas intra e extramuros da comunidade.
No entanto, também não se pode compreender que as
práticas são reproduções sociais. Assume-se, portanto, a
concepção bourdieusiana que rejeita a ideia de prática como
simples execução.
A percepção de conhecimento como construção social é
também compartilhada por Gandra e Araújo (2016, p. 210), ao

337
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

indicarem este como resultante de “um processo dialético de


assimilação e acomodação. É um processo permanente de
construção mútua de significados”.
Wenger (1998) resume a perspectiva social da
aprendizagem nos seguintes princípios:

● A aprendizagem é inerente à natureza humana;


● Consiste na primeira e principal habilidade para
negociar novos significados;
● É, fundamentalmente, experimental e social;
● Transforma identidades e constrói trajetórias de
participação;
● Significa lidar com fronteiras;
● Envolve poder, alinhamento e engajamento;
● Direciona uma ação recíproca entre o local e o
global.

Numa comunidade, nem todos os membros detêm o


mesmo tipo de participação. Esse tipo de reconhecimento é
especialmente importante para aqueles que não são nativos
do campo e, portanto, não tem o que Bourdieu (2004)
denomina de ciência infusa. Neste sentido, os usuários de
uma unidade de informação – no nosso contexto, os
profissionais de saúde – são os “detentores” das regras do
jogo. Entretanto, se a princípio pode parecer que são os atos
de conhecimento que tornam essa participação facilitada,
precisamos esclarecer que não. Este é apenas mais um dos
tantos elementos, tais como o reconhecimento atribuído
pelos pares-concorrentes no interior do campo, a produção
colaborativa entre estes, a produção e reprodução da ordem
social, entre outros (LAVE; WENGER, 1991).
Todavia, é importante lembrar que nem mesmo entre o
mesmo grupo profissional há uniformidade de participação.
Os recém-chegados têm a participação periférica legitimada.
Isso não significa que um novato não traga consigo
conhecimentos, habilidades e práticas que não possam ser
compartilhados e quiçá incorporados à nova comunidade. Os
veteranos precisam se ajustar a desdobramentos da prática e

338
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

o significado da prática é constantemente renegociado


(WENGER, 1998).
Na mesma linha, Cox (2013) argumenta que o sujeito
não é indiferente à ação do contexto e opera dentro de um
quadro normativo de expectativas, ou seja, de uma prestação
de contas relacionada a um modo de fazer compartilhado,
criando e alterando práticas já existentes.
É salutar compreender que as práticas não são
imutáveis, ou seja, podem e frequentemente passam por
transformações. É bem verdade que em alguns domínios há
uma maior estabilidade do que em outros, mas isso não muda
a necessidade de compreender essas transformações sob
uma perspectiva flexível e temporal.
Por exemplo, no domínio da saúde, onde transitam
conhecimentos e práticas de diferentes comunidades, nem
sempre a construção e ressignificação de práticas é livre de
tensão, haja vista que ali se encontram diferentes interesses,
onde cada agente luta pelo seu protagonismo. Mais que isso,
esse novo modo de práticas e/ou produção de conhecimento
não apresenta garantias, porque ao mesmo tempo em que
parece indicar uma autonomia e endereçamento ao aprender
a aprender, necessários aos interesses do mercado de
trabalho, não pode garantir o aprender para a emancipação
dos indivíduos.
Fazendo uma correlação com nosso plano de pesquisa,
uma biblioteca da área de saúde é um espaço de interseção e
interação entre dois campos, Saúde e Biblioteconomia, cada
qual com seus regimes de necessidades e de provisões.
No desenvolvimento destas práticas transdisciplinares,
cada domínio oferece seus saberes e modos de ver o mundo,
e ocorre uma inter-relação visando solucionar problemas das
mais diferentes ordens e relativos a distintos sujeitos.
Ressalta-se que essa cooperação pode ocorrer tanto no nível
individual quanto no institucional.
Signorini e Cavalcanti (1998, p. 13) chamam a atenção
para o fato de que os “percursos transdisciplinares de
investigação produzem e não simplesmente consomem teoria
no campo aplicado”. Isso significa que essa abordagem gera

339
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

configurações e contribuições teórico-metodológicas


próprias.
Nesta direção, inferimos que os desafios existentes no
campo da informação em saúde sugerem abordagens
transdisciplinares. Vamos dar um exemplo e nos explicar:
quando o setor de saúde realiza reformas para melhorar o
acesso equitativo à informação em saúde, ou para melhorar a
qualidade das informações recebidas por todas as
comunidades de usuários, cria uma necessidade de que essas
informações sejam localizadas, recuperadas, filtradas,
armazenadas, algumas vezes traduzidas, para que possam ser
avaliadas e aplicadas na tomada de decisão pelos gestores.
Sendo assim, cria-se a oportunidade para que os
bibliotecários possam atuar com suas competências
informacionais no processo das fases de busca até a tradução
e os profissionais de saúde atuem na avaliação e aplicação.
Não se trata de transformar o profissional de saúde em
profissional de informação, nem tampouco o contrário. O que
é esperado sob o prisma da transdisciplinaridade é que as
práticas existentes no contexto de informação em saúde
articulem múltiplos saberes, habilidades, competências
procedimentais, atitudinais, gerais e específicas, bem como
reúna equipes de trabalhos e redes com vistas a contribuir
com a melhor tomada de decisão em relação ao sistema, área
ou necessidade contextualizada no campo.
Em campos complexos e especializados como o da
saúde, os bibliotecários são desafiados a reconhecer a
complexidade dos fenômenos informacionais existentes,
antecipar-se a necessidades informacionais, aplicar seu saber
especializado de maneira a contribuir na melhoria da relação
profissional de saúde-paciente, no compromisso com a
segurança, com a ética profissional, com os procedimentos e,
sobretudo, com o desenvolvimento de práticas que possam
garantir uma melhoria da qualidade no atendimento à
população.
De maneira mais aplicada, essas ações são manifestadas
no apoio ao serviço de pesquisa, na instrução informacional
realizada nas escolas de saúde, no processamento de

340
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

informações, no desenvolvimento e gerenciamento de


sistemas de informação, no gerenciamento de bases de
dados, no fornecimento de informações que possam auxiliar
profissionais de saúde nos processos de tomada de decisão,
em subsídios a políticas públicas na área da saúde e na
promoção de programas de prevenção de doenças etc.
(MOTA; OLIVEIRA, 2005, p. 108).
Portando, significar as trilhas de aprendizagem dos
bibliotecários de Ciências da Saúde insinua a necessidade de
compreender que o contexto e os praticantes da comunidade
desenvolvem diálogos e negociações, criando a condição
essencial para o estabelecimento de contratos tácitos e
explícitos entre os membros dessa comunidade e isso implica
na produção de artefatos de conhecimento, práticas sociais e
informacionais e suas trilhas de aprendizagem.
Entretanto, é importante demarcar que esses acordos e
contratos resultantes de práticas transdisciplinares não
eliminam os fatos de que cada agente ou instituição dessa
teia tem seus objetivos, interesses e de que há uma
autonomia para decidir as práticas comuns que serão
estabelecidas e as que serão excluídas. Bourdieu (2004) nos
recorda que cada campo tem seus nativos e é um espaço de
lutas simbólicas.
Em nossa pesquisa, compreendemos o bibliotecário de
Ciências da Saúde como um dos agentes do campo, mas não
como um agente nato. Desta forma, é preciso ter elementos
que subsidiem sua força de resistência. Nas palavras de
Bourdieu (2004, p. 23), “os agentes criam o espaço, e o espaço
só existe (de alguma maneira) pelos agentes e pelas relações
objetivas entre os agentes que aí se encontram”.
Essas relações se engendram com o reconhecimento,
pelos profissionais de saúde, do lugar de fala, da posição e do
capital dos bibliotecários. Junta-se a compreensão de
diferentes construções sociais e representações que se
constituem no campo e orquestram o desenvolvimento de um
habitus, aqui compreendido como um conjunto de disposições
adquiridas e duráveis que colaboram para que um agente
resista ou se oponha às forças existentes no campo

341
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

(BOURDIEU, 2004). Essas disposições são incorporadas ao


longo do tempo, porém afastam-se de uma mera reprodução,
haja vista que são mais complexas e, além disso, organizadas
em ações socialmente constituídas. “Habitus é, ao mesmo
tempo, um sistema de esquemas de produção de práticas e
um sistema de esquemas de percepção e apreciação das
práticas” (BOURDIEU, 2004, p. 158).
Nesta perspectiva, podemos inferir que quando um
campo se abre a uma ação transdisciplinar é porque as
disposições que o sustentam foram alteradas em alguma
medida. Não bastante, aventamos que o conceito é produto e
produtor de práticas coletivas e individuais. Nas palavras de
Thiry-Cherques (2006, p. 31) ao debater a teoria da prática de
Bourdieu, “o habitus manifesta-se em práticas, jogos de
interesses, ações e ‘têm uma capacidade geradora’” (THIRY-
CHERQUES, 2006, p. 31).
Essa prática, se documentada e compartilhada entre os
demais bibliotecários da equipe, pode contribuir com a
geração de aprendizagem aos demais profissionais. Mas
sempre sob a ressalva de que a plena aprendizagem é uma
prática ativa, material e situada, isto é, sem apoiar as
conexões entre os membros da comunidade e reconhecer a
influência dos contextos, a aprendizagem pode não ocorrer.
Dito de outra maneira, constitui um ponto de partida falso
compreender a aprendizagem dos bibliotecários como um
conjunto de habilidades, conhecimentos e competências
genéricas que podem ser ensinadas independentemente de
contexto, práticas e ensaios discursivos dos campos.
Portanto, concluímos que a aprendizagem dos
bibliotecários e suas práticas informacionais são influenciadas
pelas práticas sociais e, continuamente, estas são modificadas
pela primeira.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os colóquios estabelecidos entre as trilhas de
aprendizagem e as práticas informacionais dos bibliotecários
de Ciências da Saúde permitiram-nos compreender que os
elementos que moldam essas práticas têm influência sobre o

342
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

discurso profissional, a identidade, a socialização do


conhecimento e desenvolvimento teórico e empírico do
campo.
Portanto, nosso encontro com o conceito de práticas
informacionais foi fundamental para entendermos que o
pertencimento e reconhecimento dos bibliotecários como
praticantes ou não do campo da saúde é resultado de uma
trama complexa, sendo as práticas realizadas por este grupo
insuficientes para garantir isso.
Portanto, constatamos que não é o ato de
conhecimento normatizado em currículos acadêmicos que
exclusivamente possibilita ampliar e subsidiar a ação dos
bibliotecários no campo da saúde, mas sim um conhecimento
situado e produzido nas práticas, cuja aprendizagem revela-
se nos desdobramentos do contexto social.
Outro desdobramento foi a compreensão de que, na
articulação entre práticas e saberes, ocorre uma produção de
conhecimento situada na área de Informação e Saúde.
Idealmente esta produção deve contribuir com as práticas de
instrução formais praticadas em escolas de formação
biblioteconômica objetivando mitigar o descompasso entre
os processos de ensinar e aprender existente na academia e
as práticas reveladas no mundo do trabalho.
Pelo recorte proposto para esta pesquisa, ou seja,
articular a teoria da aprendizagem situada com a noção de
práticas informacionais, consideramos que alcançamos nosso
objetivo.
Nosso próximo desafio é investigar como os sentidos da
noção de práticas informacionais relaciona-se e quiçá
contribui com a ideia de biblioteconomia baseada em
evidência.

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346
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

PRÁTICAS INFORMACIONAIS E
COMPETÊNCIA CRÍTICA EM INFORMAÇÃO:
POSSÍVEIS RELAÇÕES
Renata Lira Furtado
Maria Ivone Maia da Costa
Felipe Cesár Almeida dos Santos

1 INTRODUÇÃO
Os estudos sobre Práticas Informacionais e
Competência Crítica em Informação podem ser
compreendidos como uma visão crítica para abordagens já
consolidadas na Ciência da Informação: Comportamento
informacional e Competência em informação. As relações
existentes entre as abordagens estão pautadas nos
conceitos, modelos e práticas em torno dos processos de
busca e uso da informação.
Bruce (2008), nas suas discussões acerca da
Aprendizagem informacional, entende que a Competência em
informação necessita estar envolvida em práticas de
informação para aprender e Lloyd (2010), por sua vez, destaca
que o conceito, as teorias e as ações que delineiam as Práticas
Informacionais são relevantes para compreensão do conceito
de Competência em Informação como uma prática
sociocultural.
Com base na integração teórica já consolidada entre
Comportamento informacional e Competência em
informação, a presente pesquisa propõe traçar um diálogo em
torno das temáticas Práticas informacionais e Competência
Crítica em Informação, considerando-as como ferramentas
que podem minimizar os impactos de uma sociedade
opressora e possibilitar a transformação das condições em
que vivem os sujeitos (MELO, 2019).
Assim, este estudo apresenta discussões em torno dos
fundamentos e características que embasam as pesquisas de
Práticas informacionais e Competência Crítica em

347
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Informação, com o objetivo de identificar possíveis diálogos


entre as temáticas e as teorias que as estruturam.
Para alcançar o objetivo proposto, elegeu-se como
procedimento metodológico uma revisão bibliográfica não
sistemática, a fim de identificar estudos com as temáticas
Práticas Informacionais e Competência Crítica em
Informação, e por meio de seus conceitos e teorias
estabelecer possíveis diálogos. As relações identificadas
foram representadas em uma estrutura gráfica desenvolvida
com base na inter-relação existente entre as temáticas. A
estrutura relacional foi construída tendo como eixos:
Fundamentação teórica, Objetivos e Características.
Foram estabelecidas quatro relações – 1. Aspectos
Teóricos, 2. Demanda Informacional, 3. Sujeito Informacional
e 4. Ações do Sujeito – entre as temáticas Práticas
Informacionais e Competência Crítica em Informação. Tais
relações configuram-se como reflexões iniciais em torno de
uma díade com elevado potencial de pesquisa e em cada uma
das relações vislumbram-se inúmeras possibilidades de
pesquisa. Cabe ressaltar que as reflexões aqui apresentadas
não representam resultados de uma pesquisa exaustiva e sim
anseios acerca de um amplo horizonte de pesquisa que se
descortina.

2 PRÁTICAS INFORMACIONAIS
Entende-se como Práticas informacionais as
abordagens vinculadas à interação estabelecida entre os
sujeitos e a informação, constituídos social e biologicamente,
onde o usuário deixa de ser percebido como um ser isolado
no mundo que o cerca (TALJA, TUOMINEN, SAVOLAINEN,
2005; ARAUJO, 2013).
Araújo (2017) define o estudo das Práticas
informacionais como um movimento constante de capturar as
disposições sociais e coletivas, bem como as elaborações e
perspectivas individuais de como se relacionar com a
informação, num permanente tensionamento entre as duas
dimensões – individual e coletiva, percebendo como uma
constitui a outra e vice-versa.

348
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

A estrutura conceitual que sustenta as pesquisas acerca


das Práticas informacionais desenvolveu-se embasada em
distintas áreas das Ciências Humanas e Sociais, assim como
outros estudos na Ciência da Informação, que estabeleceram
vínculos entre elementos consolidados na Teoria Social e
questões pertinentes ao campo informacional, evidenciando
a relevância interdisciplinar das teorias sociais para
compreensão de questões práticas e teóricas da informação.
No caso dos estudos das Práticas Sociais, estes
desenvolveram-se influenciados pelo paradigma
socioconstrucionista, embasados em distintas áreas como
Etnometodologia, Antropologia e Sociologia, a partir de
perspectivas em torno do sujeito social e cultural e suas ações
no cotidiano (MARTELETO, 1994; TALJA, 2005; SAVOLAINEN,
2007; ARAÚJO, 2013; ARAÚJO, 2017; ROCHA, DUARTE,
PAULA, 2017; MARTELETO, 2017; ROCHA, GANDRA, 2018).
Nunes (2014) ressalta a existência de um imbricamento
entre práticas sociais e práticas informacionais ao indicar que
o sujeito informacional é o principal protagonista de suas
ações relativas à informação, cujo foco deve se concentrar
tanto nas ações ordinárias – relacionadas à informação, como
no modo por meio do qual essas práticas são geradas e
significadas, considerando os variados espaços
sociointerativos dos quais esses indivíduos participam direta
ou indiretamente.
Nesse contexto, vale recorrer a Savolainen (1995)
considerado um dos precursores nas discussões acerca da
abordagem de práticas informacionais, que surgiu como uma
crítica às discussões em torno do Comportamento
informacional. Para Savolainen (2007) é possível abordar os
fenômenos de uso da informação a partir da perspectiva da
“práxis da informação”, onde existe um pressuposto de que
toda ação prática relacionada à informação ocupa um espaço
dentro de um contexto social.
A abordagem das práticas informacionais altera o foco
no comportamento individualizado, direcionando-o aos
membros de grupos que compartilham o contexto de suas
atividades cotidianas. Tais contextos foram identificados por

349
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Savolainen (2007, 2012) como: situação de ação, relacionada


a fatores temporais e espaciais, que contribuem na formação
de um conjunto de circunstâncias; desempenho de tarefas,
contexto mais perceptível, com objetivo na solução de
problemas; e diálogo, o mais dinâmico dos contextos, que
envolve um processo de troca entre a comunicação escrita e
oral.
O conceito de habitus, proposto por Bourdieu (1983),
configura-se como um elemento constituinte das discussões
acerca das práticas informacionais. O habitus direciona as
escolhas da vida cotidiana, estabelecendo um parâmetro
entre o que deve ser natural ou necessário para um grupo
social, e funciona como um princípio gerador e ordenador de
todas as práticas sociais e culturais existentes. É o conceito
mediador entre ação e estrutura, indivíduo e sociedade,
subjetividade e objetividade, fenomenologia e objetivismo
(BOURDIEU, 1983; MONTEIRO, 2018). Savolainen (1999, p. 18)
evidencia que “a aplicação dos conceitos de Bourdieu abre
novas possibilidades para conceber os processos de busca de
informação e usar como fenômenos profundamente sociais e
culturais”.
Nessa perspectiva, cabe mencionar o estudo
desenvolvido por Rocha e Gandra (2018) que apresentou
conceitos e elementos comuns à subárea Estudos de
Usuários, ressignificados à luz dos estudos de práticas
informacionais: o Usuário passa a Sujeito Informacional,
considerando o Contexto – socialmente construído, que
prioriza sujeitos sociais que interagem ativa e
intersubjetivamente nos processos informacionais. A
Informação configura-se como um processo com distintas
dimensões e intrinsecamente relacionado com o
Conhecimento, configurado nessa perspectiva como uma
construção social, da coletividade, resultante da interação
entre pessoas e dessas com a realidade. O conceito de
Cultura, na concepção das práticas informacionais, delineia-
se na interação entre usuários e informação: “busca-se a
relação de cada ação do sujeito com a cultura e com os
referenciais sociais que o cerca” (ROCHA, GANDRA, 2018

350
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

p.582). As autoras destacam ainda os conceitos de


Imaginação Simbólica e Sociabilidade (ARAÚJO, 2015);
Autoridade (MCKENZIE, 2003; OLIPHANT, 2010); Resiliência
Informacional e Posicionamento (LLOYD, 2014, 2016).
Os estudos sobre as práticas informacionais
apresentam um acentuado discurso sobre os fatores que
diferenciam as práticas informacionais de outras abordagens;
dentre eles, destaca-se a valorização da prática cotidiana
como formador de conhecimento e das realizações diárias das
pessoas, caracterizadas pelas ações, motivações e habilidades
coletivas dentro de um contexto, o que reforça o paradigma
socioconstrucionista em que se fundamenta essa prática.
Tendo como subsídios os resultados da revisão
bibliográfica, desenvolveu-se a Figura 1 com o intuito de
sistematizar os principais elementos evidenciados nas
discussões sobre Práticas Informacionais:

Figura 1 – Estrutura conceitual de Práticas Informacionais

Fonte: Elaborado pelos autores com resultados da pesquisa (2021).

351
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

A Figura 1, conforme mencionado, apresenta a


sistematização dos elementos identificados na revisão
bibliográfica. Destaca-se a fundamentação teórica que
originou e vem ofertando sustentação no desenvolvimento e
consolidação da temática; os objetivos centrais e as principais
características identificadas na literatura.
Cabe ressaltar que as pesquisas de práticas
informacionais estão dando lugar a sujeitos e temáticas
pouco abordados nas pesquisas da Ciência da Informação:
presidiários, profissionais do sexo, deficientes visuais,
portadores de necessidades especiais, idosos, adolescentes
grávidas, desempregados, feministas, indivíduos
marginalizados da sociedade, ou seja, todo e qualquer sujeito
inserido socialmente em um tempo e espaço (TANUS, 2014).
Fomentar pesquisas sobre práticas informacionais com
uma abordagem comprometida em refletir o papel da
informação e de sua ação sobre esses sujeitos sociais –
principalmente, aqueles com trajetórias de vida marcadas por
diversidades culturais, sociais e históricas, relacionadas a uma
série de conflitos e desigualdades sociais – amplia discussões
teóricas acerca das inúmeras práticas sociais e informacionais
presentes na sociedade contemporânea, proporciona a
oportunidade dos cidadãos expressarem seu ponto de vista
em relação aos problemas sociais e direciona à elaboração de
ações que encaminhem os cidadãos para o uso responsável do
grande volume de informações. Esses estudos têm o enfoque
de oferecer, acima de tudo, condições para que o indivíduo se
reconheça como produtor de conhecimento e de saberes que
impliquem em suas práticas informacionais e fortaleçam suas
identidades culturais (AQUINO, 2008).

3 COMPETÊNCIA CRÍTICA EM INFORMAÇÃO


O eixo central que norteia a definição da Competência
Crítica em Informação está no desenvolvimento de uma
consciência crítica sobre a informação. Tem como finalidade
preparar os sujeitos para olhar criticamente a informação,
para que desenvolvam a capacidade de distinção entre o que
é relevante e/ou irrelevante, para buscar fontes seguras de

352
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

informação, hierarquizar as informações, utilizá-las, produzir


novas informações, ser criativo, contextualizar etc.
(ELMBORG, 2006; BRISOLA; ROMEIRO, 2018).
A Competência Crítica em Informação configura-se
como uma vertente crítica da Competência em Informação,
resultante de uma agenda de pesquisas em torno da
atualização e ampliação do conceito original, bem como do
desenvolvimento de novas teorias e aplicações, sob uma
perspectiva crítica.
Para compreender as discussões sobre a Competência
Crítica em Informação, vale retomar a origem da Competência
em Informação, expressão utilizada para a tradução de
Information Literacy no Brasil. A temática surgiu em 1974, a
partir do relatório The information service environment
relationships and priorities, submetido à National Commission
on Libraries and Information Sciences – NCLIS, assinado por
Paul G. Zurkowski, cujo objetivo era instruir a população para
lidar com o volume de informações disponíveis que excediam
desde aquele momento, a capacidade humana de avaliar, com
a diversidade de procedimentos de busca de informação
existentes e com a variedade de rotas de acesso e fontes
informacionais mal compreendidas e subutilizadas
(ZURKOWSKI, 1974, tradução nossa).
Após mais de quatro décadas de desenvolvimento de
pesquisas, políticas, diretrizes, modelos, eventos e
documentos, com o engajamento de instituições em todo o
mundo para consolidação e disseminação da Competência em
Informação, os preceitos norteadores - reconhecimento de
uma necessidade de informação e as habilidades para
localizar, avaliar e utilizar efetivamente a informação, que
pautaram o conceito durante décadas, vêm passando, nos
últimos anos, por um processo de ressignificação.
A definição proposta pela Association of College and
Research Libraries (ACRL, 2016) conceitua a Competência em
Informação como um conjunto de capacidades integradas que
contempla a descoberta reflexiva da informação, a
compreensão sobre sua produção, valorização e uso, na
criação ética e legal de novos conhecimentos, configurando-

353
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

se como umas das definições que melhor se adequa à


sociedade contemporânea e corrobora com o pensamento de
Elmborg (2012) que compreende a Competência em
informação não como uma "coisa" que pode ser definida e
localizada, mas como um conjunto aplicado de práticas
móveis, flexíveis e maleáveis entrelaçadas e disponíveis em
distintos lugares e em fluxo constante.
O conceito apresentado pela ACRL em 2016 está
presente no documento Framework for Information Literacy
for Higher Education, indicado por Bezerra e Doyle (2017)
como um passo importante em direção a uma compreensão
crítica da Competência em informação, ainda que apresente
uma série de limitações.
Adentrando a perspectiva crítica da Competência em
informação, Vitorino e Piantola (2009) indicaram que tal
perspectiva deveria ir além do caráter instrumental e ser
entendida como uma “arte” que inclui saber usar
computadores, acessar a informação, refletir criticamente
acerca da natureza da informação, sua infraestrutura técnica,
contexto e impacto social, cultural e filosófico, o que
permitiria uma percepção mais abrangente de como nossas
vidas são moldadas pela informação que recebemos
cotidianamente (VITORINO; PIANTOLA, 2009).
Doyle (2018) identifica que a Competência crítica em
informação integra três dimensões: reflexão, crítica e ação.
Configura-se como uma linha de estudos direcionada à críticas
acerca da Competência em informação, cujo embasamento
está sustentado na Teoria crítica da sociedade e na Pedagogia
crítica e tem como objetivo combater os efeitos do capital
sobre os processos informacionais.
A fundamentação teórica que sustenta os preceitos da
Competência Crítica em Informação está na Teoria Crítica da
Sociedade, na Teoria Crítica da Informação e na Pedagogia
Crítica de Paulo Freire. A Teoria Crítica da Sociedade tem
como fundamentos a compreensão da sociedade, a
formulação de diagnósticos da realidade em âmbito histórico
e filosófico, a construção de alternativas e tem por atitude
epistemológica a desconfiança, a negação do evidente, a

354
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

busca do que pode estar escondido ou camuflado (ARAÚJO,


2019).
A Teoria Crítica da Informação, segundo Fuchs (2009)
não deve estar focada apenas no papel da informação para a
sociedade, e sim no relacionamento da informação com
contextos e processos de opressão, exploração, dominação e
controle, uma vez que evidenciar a informação como processo
e suas relações, bem como reconhecer as demandas
econômicas, políticas e culturais, possibilita a construção e
oferta de alternativas eficazes no combate a esses
fenômenos sociais e contribuir para o estabelecimento de
uma sociedade participativa e cooperativa (FUCHS, 2009).
A terceira teoria que fundamenta as bases da
Competência Crítica em Informação, a Pedagogia Crítica, é,
em essência, uma teoria que posiciona a educação como um
catalisador por justiça social. Paulo Freire é uma das principais
referências com sua teoria educacional crítica e libertadora,
pautada na conscientização e capacitação do sujeito, para o
desenvolvimento de uma compreensão crítica acerca da sua
relação com o mundo, e para produção de conhecimento que
possibilite o empoderamento e a emancipação social
(TEWELL, 2015).
Os fundamentos teóricos apresentados direcionam
para discussões em torno do pensamento crítico e reflexivo e
de questões éticas, que visam proporcionar uma perspectiva
de emancipação social, no sentido de despertar um valor
moral, igualitário e autônomo nos sujeitos. Aliar esses
fundamentos com ações práticas é um dos grandes desafios
em torno da Competência Crítica em Informação. A
disponibilização da informação, e seu caráter efetivo na
construção do conhecimento, requer do indivíduo um
posicionamento que vai além das habilidades técnicas para
utilizar ferramentas tecnológicas; acima de tudo, faz-se
necessário o desenvolvimento de um senso crítico que vai
orientar a atenção e seleção informacional. A motivação e a
capacitação técnica e intelectual induzem a uma apropriação
da informação, despertando um interesse maior por

355
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

informação qualificada (BEZERRA; SCHNEIDER; BRISOLA,


2017).
A sistematização dos resultados da revisão bibliográfica
acerca da Competência Crítica em Informação está
evidenciada na Figura 2, estruturado em três tópicos –
Fundamentos teóricos, objetivos e características.

Figura 2 – Estrutura conceitual de Competência Crítica em


Informação.

Fonte: Elaborado pelos autores com resultados da pesquisa.

A estrutura conceitual representada na Figura 2


apresenta os principais preceitos que pautam as discussões
em torno da Competência Crítica em Informação. A sociedade
contemporânea – informacional, “desinformacional”, líquida,
tecnológica, digital, exige dos sujeitos um posicionamento
crítico acerca das suas necessidades informacionais.
Posicionamento este que se configura como urgente e

356
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

necessário para consolidação de uma sociedade


independente e participativa, onde os sujeitos sejam livres
para se posicionar e refletir sem influências de sistemas
manipuladores de informações direcionadas a finalidades de
interesses de poder. A Competência Crítica em Informação
promove um reencontro do indivíduo com o seu ser no
mundo, seu potencial de modificar sua realidade e história,
torna-se uma escolha individual, uma filosofia pessoal
(ELMBORG, 2012; BEZERRA, SCHNEIDER, BRISOLA, 2017;
BRISOLA; SCHNEIDER; SILVA JUNIOR, 2017; BRISOLA,
ROMEIRO, 2018).

4 RELAÇÕES ENTRE PRÁTICAS INFORMACIONAIS E A


COMPETÊNCIA CRÍTICA EM INFORMAÇÃO
As discussões apresentadas na pesquisa indicam
possíveis relações entre as duas temáticas abordadas. Foram
evidenciadas relações em torno da fundamentação teórica, os
alicerces que sustentam o desenvolvimento e consolidação
de ambas as temáticas, os objetivos que as direcionam e suas
principais características. A Figura 3 representa indicações
acerca das relações que permeiam as discussões entre as
Práticas informacionais e a Competência Crítica em
Informação.
As relações estabelecidas entre as Práticas
Informacionais e a Competência Crítica em Informação
podem ser observadas num primeiro nível nos aspectos
teóricos a partir: 1) da crítica à conceitos e teorias
previamente consolidados como Comportamento
Informacional e Competência em Informação e 2) de subsídios
teóricos oriundos das Ciências Humanas e Sociais – Sociologia,
Antropologia e Pedagogia. Dessa forma, é possível identificar
nos discursos dessas temáticas um compartilhamento de
ideias e questões sociais, políticas e culturais que colaboram
para a formação do sujeito crítico e autônomo nos processos
de informação.

357
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Figura 3 – Práticas informacionais e a Competência Crítica em


Informação: possíveis relações.

Fonte: Elaborado pelos autores com resultados da pesquisa (2021).

A segunda relação que destaca a confluência dos


elementos concentra-se na demanda informacional
contemporânea. As reflexões sobre as Práticas
Informacionais e Competência Crítica em Informação
demonstram a complexidade de lidar com as informações em
meio ao acelerado desenvolvimento tecnológico que
desemboca nos processos de produção e disseminação de
informação, ao volume e a rapidez do tráfego de informações
nas redes e mídias sociais e digitais, processos estes
relacionados também com o fenômeno da desinformação e
suas vertentes, configurados com um dos grandes desafios
sociais contemporâneos. Tal evidência encontra respaldo com
a dimensão coletiva e com o contexto, especificamente na
categoria apresentada por Savolainen (2012) – Situação de

358
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

ação, considerando que esse conceito é relacionado a fatores


temporais e espaciais, que contribuem na formação de um
conjunto de circunstâncias.
A terceira relação que se apresenta está direcionada ao
sujeito informacional, ator social, principal protagonista nas
discussões em torno das Práticas informacionais e da
Competência Crítica em Informação. Indivíduos que
produzem, usam, buscam, tem necessidade e disseminam
informação. Produtores e consumidores ativos de informação
que não devem ser rotulados simplesmente como agentes
isolados ou alienados em relação ao seu entorno. Contudo, é
evidente que a produção de informação volumosa e
desordenada, influenciada pelo acesso às tecnologias afetam
a democratização dos processos informacionais, e torna
complexo o exercício de uma prática que permita com que o
sujeito tenha autonomia para romper os artifícios usados para
dominar e oprimir a emancipação social (ARAUJO, 2013; HAN,
2018; BEZERRA, 2019). Cabe aqui relacionar que é requerido
do sujeito um posicionamento que vai além das habilidades
em utilizar ferramentas tecnológicas: o desenvolvimento de
senso ético e crítico acerca das necessidades informacionais,
a capacidade cognitiva em meio à hiperinformação, a
perspectiva individual e coletiva - elementos que contribuirão
para uma melhor apropriação da informação despertando um
interesse maior por informação qualificada (BEZERRA;
SCHNEIDER; BRISOLA, 2017).
As abordagens acerca das ações desempenhadas pelos
sujeitos, tanto no contexto das Práticas informacionais como
na Competência Crítica em Informação, configuram-se como
a quarta relação e evidenciam que as discussões ultrapassam
os processos de necessidade e de uso da informação:
convergem num propósito de impulsionar o sujeito para um
aprendizado contínuo, ao longo da vida, com a pretensão de
estimular a reflexão crítica, ética e autônoma sobre as
informações, considerando elementos socioeconômicos e
culturais, com enfoque numa práxis transformadora,
impactando a sua realidade e interferindo nas mudanças
sociais. É possível relacionar este quarto nível com o contexto

359
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

de “desempenho de tarefa” mencionado por Savolainen


(2012), considerando que o objetivo desse contexto é a
solução de problemas. Wilson (2000) destaca que a interação
entre as ações do sujeito e o contexto é um elemento comum
nas Práticas Informacionais. Nessa relação o foco deve se
concentrar tanto nas ações relacionadas à informação, como
no modo por meio do qual essas práticas são geradas e
significadas, considerando os variados espaços
sociointerativos dos quais esses indivíduos participam direta
ou indiretamente. Cabe ainda apontar, no âmbito das
relações com foco nas ações do sujeito, o conceito de habitus,
que permeia reflexões tanto em torno das Práticas
informacionais, como da Competência Crítica em Informação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa apresentada propôs traçar um diálogo em
torno das temáticas Práticas informacionais e Competência
Crítica em Informação, tendo como eixo as teorias que as
estruturam.
As quatro relações estabelecidas – Aspectos Teóricos,
Demanda Informacional, Sujeito Informacional e Ações do
Sujeito - entre as temáticas Práticas Informacionais e
Competência Crítica em Informação configuram-se como
reflexões iniciais em torno de uma díade com elevado
potencial de pesquisa.
Outras reflexões ainda permeiam as relações aqui
apresentadas, e configuram-se como perspectivas para
pesquisas futuras, como as discussões acerca da tríade
bourdiesiana “campo, capital e habitus”, as categorias Práxis,
Classe e Poder na perspectiva freiriana, os debates sobre
Regimes de Informação e as relações entre política,
informação e poder, dentre outros temas pertinentes à
Ciência da Informação e às áreas de estudo Práticas
Informacionais e Competência Crítica em Informação.

360
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

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364
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

POSFÁCIO

PRÁTICAS INFORMACIONAIS E CULTURA:


UMA PROPOSTA ORIGINAL DE PESQUISA

Carlos Alberto Ávila Araújo53

Este livro, “Práticas informacionais em diálogo com as


ciências sociais e humanas”, representa um momento muito
especial de consolidação de uma perspectiva de estudos no
campo da informação. Ao longo dos 17 capítulos que
compõem a obra, é possível identificar a contribuição de
pesquisadores de várias instituições brasileiras, trabalhando,
de maneira explícita ou implicitamente conectada, com
diferentes conceitos, teorias ou categorias (cotidiano,
experiência, cognição distribuída, competência crítica em
informação, entre outras) e também relacionada com
diferentes aspectos da realidade ou objetos de estudo
(pessoas transexuais, fotografia, redes sociais, comunidades
digitais, entre outras). Essa composição mostra uma presença
hoje clara, fundamentada e amadurecida no estudo das
práticas informacionais. Mas nem sempre foi assim. Quinze
anos atrás, essa expressão praticamente inexistia na
produção científica em ciência da informação no Brasil –
exceto por alguns poucos trabalhos nos quais, na verdade,
representava apenas um jeito de nomear e não uma
abordagem específica de estudos (e, sobretudo, não
relacionada aos estudos de usuários da informação).
É relativamente recente o surgimento de “práticas
informacionais” como uma perspectiva de estudos na área de
usuários da informação. Nesse sentido, parece pertinente
terminar uma obra dedicada a essa perspectiva com um texto
que trate de como essa abordagem chegou e se instalou no

53 Universidade Federal de Minas Gerais.

365
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

país, a partir da experiência de um dos atores desse processo:


o grupo de pesquisa EPIC, Estudos em Práticas Informacionais
e Cultura, registrado no CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e sediado junto ao
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação
(PPGCI) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O
EPIC foi o primeiro grupo de pesquisa brasileiro a ter,
explicitamente, a referência de tratar-se de um grupo
dedicado ao estudo em práticas informacionais; o primeiro a
fazer a ligação entre essa referência e o campo de estudos em
usuários da informação; e também o primeiro a propor uma
abordagem específica e original nesta perspectiva, evitando
ser mera apropriação e repetição de modelos estrangeiros, ao
demarcar a composição de sua proposta com a ideia de
cultura.
O grupo nasceu, institucionalmente, no ano de 2013.
Sua origem, contudo, remonta ao ano de 2005, com a
chegada, à Escola de Ciência da Informação (ECI) da UFMG,
dos professores Carlos Alberto Ávila Araújo e Adriana
Bogliolo Sirihal Duarte para ministrarem disciplinas na área de
Usuários da Informação no curso de biblioteconomia (para as
turmas do matutino, do vespertino e do noturno) e no recém-
criado sistemas de informação no Instituto de Ciências Exatas,
com o projeto, no horizonte de um futuro próximo, também
para as turmas de arquivologia e de museologia, cursos a
serem criados na ECI.
O primeiro desafio colocado foi o de decidir como
deveria ser o programa dessa disciplina – quais conteúdos,
quais textos, quais unidades programáticas, quais atividades
e métodos didáticos. Surgiu ali o desafio de se propor uma
mesma disciplina para os quatro cursos, atualizando os
conteúdos ministrados até então (considerando as mudanças
teóricas, tecnológicas e outras), e incorporando
especificidades de cada uma das áreas e seus campos de
atuação técnica e profissional. Foram consultados os
programas da disciplina que haviam sido ministrados até
então na UFMG e em outras universidades. Uma primeira
avaliação evidenciou que a disciplina possuía um perfil

366
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

bastante instrumental, como uma espécie de apoio para a


gestão de bibliotecas e unidades/sistemas de informação. A
maior parte dos conteúdos de praticamente todos os
programas era relacionado a métodos quantitativos de coleta
e tratamento de dados sobre perfil de usuários e
diagnóstico/avaliação de bibliotecas e sistemas de
informação, mapeando usos, frequências, indicadores de
satisfação, itens de necessidade. Como resultado dessa
primeira avaliação, percebeu-se que a área tinha potencial
para ser muito mais do que isso, sem prejuízo destes
conteúdos já estabelecidos. Percebeu-se principalmente a
ausência de uma fundamentação teórica e conceitual para
esses estudos, e principalmente uma ausência de teorias e
conceitos das ciências humanas e sociais que pudessem
fundamentar o campo de estudos. De uma forma geral, havia
apenas uma definição instrumental de conceitos como
requisito, demanda, necessidade e uso; uma apresentação
também instrumental dos métodos de coleta de dados e
algumas noções de estatística para o tratamento descritivo
dos dados; e a articulação com algumas noções de
planejamento de bibliotecas, para o aproveitamento dos
dados levantados.
Colocado o desafio de construção de um outro tipo de
programa para a disciplina, iniciou-se uma ampla busca na
literatura da área. De maneira imediata, o que mais chamou a
atenção foi a existência de uma relevante e extensa produção
científica naquilo que era chamado “abordagem cognitiva” ou
“abordagem alternativa” de estudos de usuários,
principalmente os trabalhos em teoria sense-making de
Brenda Dervin, o modelo information seeking process de
Carol Kuhlthau, os modelos de comportamento informacional
de Tom Wilson e o modelo integrativo de Chun Wei Choo.
Algumas dessas teorias e autores até apareciam em alguns
programas de disciplina, mas suas contribuições eram,
efetivamente, pouco ou nada incorporadas aos programas de
disciplinas de Usuários da Informação no Brasil. A primeira
decisão tomada foi a de incorporar essa abordagem com
praticamente o mesmo grau de importância da abordagem

367
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

quantitativa instrumental até então em vigor. A disciplina


teria, então, dois momentos distintos: introdução,
apresentação e exemplificação da primeira abordagem, a
“tradicional”; e o mesmo conteúdo para a abordagem
“alternativa”. Mas esse movimento não parecia ser suficiente
para colocar em prática todo o potencial de um campo de
estudos voltado para os sujeitos, para os usuários da
informação. Fazia falta uma fundamentação conceitual para
cada uma das abordagens, que demonstrasse de onde vinham
os conceitos, os métodos de estudo, os objetivos de cada
uma. Foi a partir dessa preocupação que houve um
questionamento e um aprofundamento teórico em cada uma
das abordagens.
No caso da abordagem dita tradicional, o movimento foi
o de buscar compreender o positivismo e o funcionalismo, as
duas matrizes teóricas dessa abordagem. O positivismo, como
transposição, para as ciências humanas e sociais, do mesmo
modo de raciocínio das ciências naturais (exatas e biológicas),
representa uma concepção de que a realidade possui um
fundamento nela mesma, isto é, que pode ser objetivamente
compreendida pelo método científico. Representa também a
pressuposição de que a realidade é composta por
regularidades, que podem ser expressas em leis; e de que os
aspectos da realidade relevantes são aqueles que podem ser
observados e quantificados. Já o funcionalismo, que é uma
vertente ou aplicação dos princípios positivistas, baseia-se
numa concepção organísmica da realidade humana, isto é,
compreende as ações, instituições e atores humanos como
parte de uma estrutura maior exercendo determinadas
funções ou tarefas para a manutenção do equilíbrio dessa
estrutura (ou, eventualmente, desempenhando
determinadas disfunções).
No caso da abordagem dita alternativa, foram buscados
nos trabalhos dos autores mais destacados os seus
fundamentos, e foram encontrados elementos relacionados
ao construtivismo, ao interacionismo simbólico, à
fenomenologia e à etnometodologia. São todas abordagens
das ciências humanas e sociais que se construíram em

368
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

oposição ao positivismo, calcadas nas ideias de que a


causalidade dos fenômenos humanos e sociais é distinta dos
fenômenos naturais (o ser humano é um sujeito consciente
das suas ações, possui intencionalidade, atribui significado ao
que faz) e que o caráter situacional e contextual dos
fenômenos é decisivo (os fenômenos são profundamente
imbricados nas realidades econômicas, culturais, políticas nos
quais se inserem). A disciplina passou a incluir e contemplar
aspectos relacionados tanto ao positivismo e ao
funcionalismo quanto às perspectivas compreensivas e
fenomenológicas, buscando ver as contribuições delas para o
desenho do campo de estudos de usuários da informação.
Outra questão que nos parecia fundamental é que a
disciplina não deveria ser apenas teórica, mas envolver
também um trabalho de efetiva pesquisa por parte dos
alunos. Nos programas que haviam sido analisados, havia
sempre a previsão de um trabalho de campo a ser realizado
pelos alunos. Como o programa proposto estava dividido em
duas partes, concluí/iu-se que deveria haver dois trabalhos de
campo, ou um trabalho de campo em dois momentos: um com
uma pesquisa seguindo os moldes da abordagem tradicional,
outro a partir dos parâmetros da abordagem cognitiva. Isso
implicava a compreensão de duas maneiras de aproximação
da realidade: uma basicamente quantitativa, buscando dados
sociodemográficos dos usuários, indicadores de uso, de
frequência, de satisfação; e outro buscando significados,
interpretações, impressões, por parte dos sujeitos.
Uma vez concluída essa primeira tarefa, a disciplina foi
ministrada em conjunto pelos dois professores para mais de
uma turma. Foram realizadas sessões de críticas e
comentários, incorporação de sugestões, exemplos, métodos,
e com isso foi se consolidando a maneira como a disciplina
seria ministrada daí em diante e também sua importância
dentro dos cursos de biblioteconomia e sistemas de
informação, e dentro da área de ciência da informação. Houve
ainda a preocupação em evidenciar para a comunidade
científica o trabalho realizado, em congressos científicos
(ARAÚJO, 2007; ARAÚJO, 2008; ARAÚJO; JILOCHKIN;

369
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

SIRIHAL DUARTE, 2008; SIRIHAL DUARTE, 2011) e, depois, na


apresentação da maneira como se deu esse processo de
construção da disciplina (ARAÚJO, 2009; ARAÚJO, 2010b;
SIRIHAL DUARTE, 2012; ARAÚJO; SIRIHAL DUARTE, 2014;
ARAÚJO, 2014b; ARAÚJO, 2019).
Nos anos seguintes, novos desafios foram se
apresentando. O primeiro deles se deu com a inserção dos
dois professores no Programa de Pós-Graduação em Ciência
da Informação da UFMG. Até o momento, pesquisas de
mestrado e doutorado sobre usuários vinham sempre sendo
defendidas na linha de pesquisa “Gestão da informação e do
conhecimento”. Os dois professores ingressaram em outra
linha, chamada “Informação, cultura e sociedade”, na qual
praticamente inexistia uma tradição de pesquisa sobre
usuários da informação, embora houvesse outras temáticas
(inclusão, leitura, mediação, informação e cidadania) com
vários pontos em comum. Foi efetivamente no trabalho de
orientação das primeiras pesquisas de mestrado no tema que
o EPIC nasceu, por meio de reuniões coletivas de orientandos
de mestrado dos dois professores envolvidos com a temática
no PPGCI.
De modo paralelo, as primeiras apresentações em
congressos e publicações em periódicos provocaram
interlocuções interessantes com outros pesquisadores
brasileiros. Havia uma grande produção científica relevante
sobre o assunto, embora não sob a designação de “usuários
da informação” – estudos em mediação da informação,
competência informacional, informação e cultura, informação
e sociedade, entre outros, numa realidade parecida com a do
PPGCI/UFMG. Particularmente no âmbito do grupo de
trabalho 3 (GT 3 – Mediação, circulação e apropriação da
informação) da ANCIB, a Associação Nacional de Pesquisa em
Ciência da Informação, pesquisadores vinham apresentando
resultados de pesquisas com temas e contribuições
fundamentais para se entender os usuários da informação,
ainda que não usassem essa expressão. Era preciso conhecer
essa produção, estabelecer diálogos com ela e incorporar

370
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

suas contribuições, como foi feito, por exemplo, em SIRIHAL


DUARTE (2009) e ARAÚJO (2012).
Um outro desafio se deu quando efetivamente
começaram, na ECI/UFMG, os cursos de graduação em
arquivologia (2008) e de museologia (2009). Usuários da
informação era uma disciplina presente nos dois cursos, e
ainda que alguns elementos já estivessem previstos no novo
formato de disciplina vigente desde 2006, era preciso realizar
uma série de adaptações no programa para incorporar
questões, aspectos e demandas destas áreas de
conhecimento. Começou também aí um processo coletivo de
leitura, discussão e estudo de questões relativas a estudos de
usuários de arquivos e estudos de público de museus, de
forma a ampliar o escopo conceitual e teórico da disciplina de
Usuários da Informação (ARAÚJO, 2013; 2014a).
Além disso, começaram algumas interlocuções
internacionais. A primeira delas se deu com Martha Sabelli,
pesquisadora da Universidad de la Republica, Uruguai, que
esteve como professora visitante na UFMG no ano de 2012.
Em 2013, a professora Aurora González Teruel, pesquisadora
da Universidad de Valencia, na Espanha, também esteve como
professora visitante na UFMG. Em 2014, foi enviado um
trabalho para o ISIC: The information behaviour conference, o
evento mais importante do mundo na área de usuários da
informação, que iria acontecer em Leeds, Inglaterra. O
trabalho foi aprovado (ARAÚJO; SIRIHAL DUARTE, 2014) e os
professores participaram do evento, criando laços com
pesquisadores da Europa, da América, da Ásia e da África e
possibilitando que se situassem em relação à produção
científica mundial. Grande parte dessa produção já era
conhecida por leituras, mas a interação face a face com os
pesquisadores e o acompanhamento tanto das apresentações
e dos debates foi fundamental. Na volta da Inglaterra, os dois
pesquisadores ainda passaram pela Espanha, para alguns dias
de reunião com Aurora González Teruel.
Como resultado dessas atividades, houve também um
amadurecimento e uma ampliação do quadro conceitual, com
a incorporação de uma terceira maneira de se estudar os

371
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

usuários, situada num quadro teórico distinto das abordagens


“tradicional” e “alternativa”. O modelo cognitivo, com sua
lógica mecânica baseada na ideia de estímulo/resposta, sua
apreensão dos sujeitos unicamente a partir de suas cognições
e isolados de sua vivência social, não parecia responder
adequadamente às demandas das pesquisas, nem mesmo
combinar com os referenciais calcados no construcionismo e
na fenomenologia. Essa ampliação se deu com o
tensionamento da noção de “usuário da informação” por meio
de duas categorias, “sujeito” e “informação”. Na perspectiva
dos sujeitos, aprofundaram-se as leituras e estudos nas
ciências sociais e humanas em torno do entendimento das
três grandes correntes de estudo que as compõem: a
positivista/funcionalista, a crítica/marxista e a
compreensiva/fenomenológica. Do ponto de vista da
informação, avançou-se nos estudos dos fundamentos da
ciência da informação, a partir do estudo das três grandes
perspectivas de estudo que compõem a área: a fisicista, a
cognitivista e a pragmaticista ou sociocultural. Esse foi, aliás,
o trabalho apresentado em Leeds e sobre o qual se buscou o
escrutínio da comunidade internacional. Tratava-se de
perceber que o estudo do sujeito informacional perpassava
dois quadros de referência distintos (três modelos de estudo
dos sujeitos; três modelos de estudo da informação)
resultando num quadro complexo de possibilidades de
estudo e pesquisa.
Durante esse processo, foi ficando cada vez mais clara
a insatisfação com o modelo cognitivo ou “alternativo” de
estudos de usuários, em termos de seu poder explicativo. De
maneira intuitiva, vinham sendo adotados alguns caminhos
alternativos de pesquisa, que foram sendo desenvolvidos ao
longo dos anos – uma perspectiva fenomenológica
(GANDRA; SIRIHAL DUARTE, 2012), interacionista (ARAÚJO,
2010a), vinculada ao paradigma social da ciência da
informação (ARAÚJO, 2010b; ROCHA; SIRIHAL DUARTE, 2013;
MOREIRA; SIRIHAL DUARTE, 2016), ao pensamento crítico
(PINTO; ARAÚJO, 2012), à discussão sobre pós-modernidade
(TANUS, 2014), à cognição distribuída (ROCHA; PAULA;

372
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

SIRIHAL DUARTE, 2016), à abordagem clínica da informação


(ANTUNES; PAULA; SIRIHAL DUARTE, 2016) e ao conceito de
sujeito informacional (CRUZ, 2018).
E foi nesse momento, nos debates internacionais, nas
leituras sobre o assunto, nos congressos, nas pesquisas, que
os pesquisadores descobriram a abordagem das “práticas
informacionais”. Depois de conhecerem alguns autores e
alguns textos, percebeu-se que estava aí a possibilidade de
avanço nas preocupações e de constituição de um campo de
pesquisa original. Como resultado de todos esses processos,
resolvemos, Carlos Araújo e Adriana Sirihal Duarte
formalizaram a criação do grupo de pesquisa EPIC em 2013.
Na verdade, desde 2007 já havia um grupo de estudos com os
orientandos de ambos no mestrado e doutorado do
PPGCI/UFMG. Esses grupos funcionavam de maneira informal,
às vezes com uma agenda de encontros mais intensa, algumas
vezes menos, dependendo da quantidade de mestrandos ou
doutorandos envolvidos com a temática. Nesse período,
orientamos dissertações e teses com realidades empíricas
muito variadas, tais como profissionais do sexo (SILVA, 2008),
ouvintes assíduos de rádio (PESSOA, 2010), professores da
rede municipal (PINTO, 2012), bibliotecários no trabalho de
indexação (ALONSO, 2012), bibliotecários realizando estudos
de usuários (SEPÚLVEDA, 2012), pessoas da terceira idade
(GANDRA, 2012), deficientes visuais (ROCHA, J., 2013),
bibliotecários na atividade de indexação (ARAÚJO, E., 2013),
diferentes profissionais da informação (ROCHA, E., 2013) e
usuários de um sistema de informação de extensão
universitária (TERTO, 2013). Tais pesquisas buscavam avançar
numa perspectiva além das abordagens tradicional e
cognitiva, mas não havia ainda uma proposta única, um
referencial comum, senão fragmentos de aproximações.
A ideia de trabalhar com práticas informacionais nos
situava no âmbito de um movimento internacional que se
construiu no campo de estudos de usuários da informação -
representado por, entre outros, pesquisadores da Finlândia
como Reijo Savolainen, Sanna Talja e Kimmo Tuominem; da
Suécia, como Annemarie Lloyd; e do Canadá, como Pam

373
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

McKenzie. Ao mesmo tempo, as pesquisas empíricas e


reflexões epistemológicas desenvolvidas no grupo
apontavam para uma certa originalidade no campo,
mobilizando determinadas categorias e formas de
compreensão específicas – que os aproximavam,
principalmente, do conceito de cultura e de uma abordagem
mais antropológica. Em função disso, e como forma de
amarrar todas essas questões (os diálogos no GT 3 da Ancib,
com os parceiros internacionais, com nossas próprias
percepções conceituais e as pesquisas desenvolvidas no
âmbito da linha Informação, cultura e sociedade do PPGCI)
surgiu a ideia de criar o grupo, associando as duas ideias,
práticas informacionais e cultura. Logo no início, juntaram-se
ao grupo os professores Cláudio Paixão Anastácio de Paula e
Eliane Cristina de Freitas Rocha. A ideia de “grupo” marcou de
maneira decisiva os trabalhos: a possibilidade de produzir
conhecimento em conjunto, compartilhar ideias e leituras,
construir conjuntamente nossa perspectiva, aproveitando as
singularidades e competências de cada um.
A partir de 2014 o grupo passou efetivamente a existir,
unido em torno da consolidação e clarificação de uma
perspectiva original e que poderia ser uma referência para as
novas pesquisas a serem realizadas dali em diante. Isso de
fato aconteceu, e desde então um conjunto de novas
pesquisas foi realizado, também com realidades empíricas
muito diversas tais como nativos digitais (ANTUNES, 2015),
docentes e discentes em relação de orientação (SÁ, 2015),
formação dos arquivistas (VAZ, 2015), mães de crianças
alérgicas (BARROS, 2016), clientes de serviços de estética
(VASCONCELOS, 2016), visitantes de museu (GANDRA, 2017),
detentas grávidas (BARBOSA, 2017), usuários de redes sociais
interagindo a partir de acontecimentos políticos (BERTI,
2018), nativos digitais na biblioteca escolar (PAIVA, 2018),
pesquisadores de um instituto de pesquisa (ROCHA, 2018),
blogueiros literários (SÁ, 2018), pessoas interagindo em
aplicativo de mensagens instantâneas (SILVA, 2019),
bibliotecários de serviços de referência (LIMA, 2018),

374
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

pesquisadores (SILVA, 2020), alunos de ensino médio (SILVA,


2020), pessoas trans (PINTO, 2020).
A existência do grupo de pesquisa também foi
importante no sentido da internacionalização. Passaram a
fazer parte formalmente do grupo as professoras Martha
Sabelli (Uruguai) e Aurora González Teruel (Espanha), e um
primeiro trabalho em conjunto foi apresentado no XI
Encontro de Diretores e X Encontro de Docentes de Escolas
de Biblioteconomia e Ciência da Informação do Mercosul
(SIRIHAL DUARTE; SABELLI; GONZÁLEZ TERUEL; ROCHA;
ARAÚJO, 2016). Pouco depois ingressaram no grupo Silvia
Albornoz, da Universidad Nacional de La Plata, Argentina,
Edilma Naranjo, da Universidad de Antioquia, Colômbia.
Enquanto grupo, e engajados num processo efetivo de
colaboração e construção coletiva, buscou-se sintonizar a
proposta de pesquisa com as perspectivas contemporâneas
da ciência da informação e com as discussões teóricas em
práticas informacionais, a partir do conceito de
intersubjetividade, buscando um equilíbrio entre as
dimensões coletivas e individuais dos fenômenos
informacionais, contemplando também as questões
emocionais e afetivas envolvidas nos processos, as dinâmicas
de significação e produção de sentidos, a importância do
enraizamento das práticas nos contextos nos quais tomam
existência e o caráter ativo dos sujeitos. O grupo se apropriou
de diferentes conceitos, como conhecimento, imaginação,
sociabilidade, identidade e práxis, que foram reconstruídos
como rede conceitual em torno das ideias de práticas
informacionais e cultura.
O EPIC atingiu seu ponto de consolidação em 2018,
quando realizou em março a I Jornada em Práticas
Informacionais. Foram convidados palestrantes de distintas
áreas para tratar de temas como praxiologia, construcionismo
social, interacionismo simbólico, representações sociais e
etnografia. Também foram ministradas palestras das
pesquisadoras estrangeiras do grupo sobre seus temas de
pesquisa. Os debates foram ricos e sinalizaram a maturidade

375
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

das nossas questões. Em 2018 também o grupo acolheu dois


pesquisadores em realização de estágio de pós-doutorado.
Em 03 de dezembro de 2018, porém, faleceu a
professora Adriana Bogliolo Sirihal Duarte, líder do grupo. Em
sua homenagem, foi realizada em janeiro de 2019 a II Jornada
em Práticas Informacionais, com apresentações dos membros
do EPIC ressaltando aspectos de parcerias e orientações com
a professora. No começo de 2019, foi publicada uma edição
especial do periódico Informação em Pauta, da Universidade
Federal do Ceará, em homenagem à professora Adriana e com
trabalhos dos pesquisadores do EPIC. Desde então, o grupo
passou a ser liderado pelo professor Carlos Alberto Ávila
Araújo. Em 2020 as atividades presenciais do grupo foram
suspensas em função da pandemia, sendo retomadas de
maneira remota em 2021.
Nos últimos anos, algumas publicações de membros
do grupo demonstraram essa maturidade de sua proposta de
pesquisa (ARAÚJO, 2016; ROCHA; GANDRA; ROCHA, 2017;
ARAÚJO, 2017; BERTI; ARAÚJO, 2017; SIRIHAL DUARTE;
ARAÚJO; PAULA, 2017; ROCHA, SIRIHAL DUARTE; PAULA,
2017; ROCHA; GANDRA, 2018; ARAÚJO; SIRIHAL DUARTE;
DUMONT, 2019; FERREIRA; ABREU; LIMA; SÁ, 2019). Hoje, o
EPIC é um grupo consolidado, com a participação de 19
pesquisadores doutores, vinculados a distintas universidades,
tais como a Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
Universidade Estadual de Londrina, Universidade Federal do
Espírito Santo, Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, além de outras instituições e setores como a
Prefeitura de Belo Horizonte, Sistema de Bibliotecas da UFMG,
Instituto Federal de São Paulo, Polícia Militar de Minas Gerais,
Centro de Comunicação da UFMG, entre outras. Além disso há
membros de outros quatro países, parcerias com professores
de várias outras universidades brasileiras, e ao qual se
vinculam diversos alunos de iniciação científica, mestrado e
doutorado, além de profissionais bibliotecários, arquivistas e
museólogos atuantes em diferentes instituições.

376
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

O grupo faz questão de manter, como traço


identitário, o fomento à sua rede de relações, de
aprendizados conjuntos e de parcerias, que marca as relações
entre seus membros e destes com os demais pesquisadores
da área (GANDRA; ROCHA, 2019; ARAÚJO; PAULA, 2019). Ao
mesmo tempo, o compromisso com o contínuo avanço
teórico, conceitual e metodológico sobre os sujeitos e suas
relações com a informação, sempre a partir da noção de
práticas informacionais e seus vínculos com a dimensão da
cultura.

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Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013.
ROCHA, E. C. F.; GANDRA, T. K.; ROCHA, J. A. P. Práticas
informacionais: nova abordagem para os estudos de usuários da
informação. Biblios, v. 68, p. 96-109, 2017.
ROCHA, E. C. F.; SIRIHAL DUARTE, A. B. Reflexões sobre os
paradigmas de estudo da usabilidade na Ciência da Informação.
Datagramazero, v. 14, 2013, p. 03.
ROCHA, J. A. P. (In) Acessibilidade na web para pessoas com
deficiência visual: um estudo de usuários à luz da cognição situada.
2013. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) –
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013.
ROCHA, J. A. P. A produção do conhecimento como cognição
distribuída: práticas informacionais no fazer científico. 2018. Tese
(Doutorado em Ciência da Informação) – Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.
ROCHA, J. A. P.; PAULA, C. P. A.; SIRIHAL DUARTE, A. B. A cognição
distribuída como referencial teórico para os estudos de usuários da
informação. Informação & Sociedade, v. 26, p. 91-105, 2016.
ROCHA, J. A. P.; GANDRA, T. K. Práticas informacionais: elementos
constituintes. Informação & Informação, v. 23, p. 566-595, 2018.
ROCHA, J. A. P.; SIRIHAL DUARTE, A. B.; PAULA, C. P. A. Modelos de
práticas informacionais. Em Questão, v. 23, n. 1, p. 36-61, jan.-
abr./2017.
SÁ, J. P. S. Ler e compartilhar na web: práticas informacionais de
blogueiros literários. 2018. Dissertação (Mestrado em Ciência da
Informação) – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo
Horizonte, 2018.
SÁ, R. M. C. Compartilhamento do conhecimento e o processo de
orientação de discentes de pós-graduação stricto sensu. 2015.

381
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade


Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.
SEPÚLVEDA, M. I. M. A relação dos bibliotecários com a profissão,
com a rotina profissional e com os usuários a partir de uma
perspectiva compreensiva. 2012. Dissertação (Mestrado em
Ciência da Informação) – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo
Horizonte, 2012.
SILVA, A. G. F. Entrando em ação, movendo a cena: práticas
informacionais nos ambientes do aplicativo Telegram. 2019.
Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade
Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2019.
SILVA, K. R. Comportamento informacional de alunos do Ensino
Médio Integrado: um estudo no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Maranhão. 2020. Dissertação (Mestrado em
Ciência da Informação) – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo
Horizonte, 2020.
SILVA, M. P. As práticas informacionais na produção científica:
uma análise a partir dos pesquisadores dos programas de pós-
graduação. 2020. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) –
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2020.
SILVA, R. As práticas informacionais das profissionais do sexo da
zona boêmia de Belo Horizonte. 2008. Dissertação (Mestrado em
Ciência da Informação) – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo
Horizonte, 2008.
SIRIHAL DUARTE, A. B. Inclusão digital e competência informacional:
estudo de usuários da informação digital. In: ENCONTRO NACIONAL
DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 10., 2009, João
Pessoa. Anais [...] João Pessoa: Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em Ciência da Informação, 2009.
SIRIHAL DUARTE, A. B. Mediação da informação e estudos de
usuários: interrelações. InCID: Revista de Ciência da Informação e
Documentação, v. 3, p. 70-86, 2012.
SIRIHAL DUARTE, A. B. Mediação, usos e usuários: reflexões e
análise de caso. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 12., 2011, Brasília. Anais [...] Brasília:
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da
Informação, 2011.

382
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

SIRIHAL DUARTE, A. B.; ARAÚJO, C. A. Á.; PAULA, C. P. A. Práticas


informacionais: desafios teóricos e empíricos de pesquisa.
Informação em Pauta, v. 2, p. 111-135, 2017.
SIRIHAL DUARTE, A. B.; SABELLI, M.; GONZÁLEZ TERUEL, A.; ROCHA,
E. C. F.; ARAÚJO, C. A. Á. Práticas pedagógicas na área de usuários
da informação em três universidades iberoamericanas. In: EBCIM -
ENCONTRO DE DIRETORES, 11; ENCONTRO DE DOCENTES DE
ESCOLAS DE BIBLIOTECONOMIA E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO DO
MERCOSUL, 10. 2016, Belo Horizonte. Anais [...] Belo Horizonte:
Escola de Ciência da Informação da UFMG, 2016. v. XI. p. 596-609.
TANUS, G. F. S. C. Enlace entre os estudos de usuários e os
paradigmas da ciência da informação: de usuários a sujeitos pós -
modernos. RBBD: Revista Brasileira de Biblioteconomia e
Documentação, v. 10, p. 144-173, 2014.
TERTO, A. L. V. A extensão universitária e o Sistema de
Informação da Extensão (SIEX/UFMG): um estudo de usuários a
partir de uma perspectiva compreensiva. 2013. Dissertação
(Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade Federal de
Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013.
VASCONCELOS, P. M. As práticas informacionais das clientes dos
serviços de estética. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciência da
Informação) - Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte,
2016.
VAZ, G. A. A importância dos estudos de usuários na formação do
arquivista. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação)
- Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015.

383
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

384
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

SOBRE AS ORGANIZADORAS
GABRIELLE FRANCINNE DE SOUZA CARVALHO
Professora do Departamento de Ciência da Informação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Docente
permanente do Programa de Pós-graduação em Gestão da
Informação e do Conhecimento (PPGIC-UFRN). Pesquisadora
vinculada ao grupo “Informação na Sociedade Contemporânea”,
cadastrado no CNPq. Doutora em Ciência da Informação, Mestra em
Ciência da Informação e Bacharela em Biblioteconomia pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trabalhou como
bibliotecária no Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal de
Minas Gerais, nas seguintes instituições: Faculdade de Direito e
Escola de Ciência da Informação. Durante o Mestrado foi bolsista
CAPES/REUNI vinculada ao curso de Museologia (ECI/UFMG). Ao
longo da graduação foi monitora de disciplina, bolsista CNPq de
Iniciação Científica e realizou estágios em bibliotecas universitárias,
escolares, centros de documentação e na Biblioteca Pública
Estadual de Minas Gerais. E-mail: gfrancinne@gmail.com

ILEMAR CHRISTINA LANSONI WEY BERTI


Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
informação - UEL – Edital 14/2021. Pós-doutoranda em Ciência da
Informação PNPD/CAPES no PPGCI/UEL (2019 - 2022) e mestra pela
mesma instituição. Doutora em Ciência da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na linha de pesquisa
em Informação, Cultura e Sociedade (2014-2018). Foi bolsista
(CAPES) e participou do programa PDSE pela Universidade Lusófona
do Porto, Portugal em 2017, no programa de doutoramento em
Estudos em Comunicação para o desenvolvimento. Tem interesse
em: Estudos de Usuários em Informação, Comportamento
informacional, Práticas Informacionais, Regime de informação,
Políticas de informação, Cultura e Educação. E-mail:
christinaberti@uel.br

385
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

JANICY APARECIDA PEREIRA ROCHA


Professora adjunta do Departamento de Processos Técnico-
Documentais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Doutora e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Bacharela em Sistemas de Informação pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Tem como
interesse de pesquisa os aspectos sociais do uso da tecnologia,
atuando nas seguintes temáticas: planejamento, projeto e avaliação
de serviços de informação inclusivos e adaptáveis, estudos de
usuários da informação, práticas informacionais e produção, gestão
e difusão de dados, informação e conhecimento científicos em
conformidade com o movimento ciência aberta. E-mail:
janicy.rocha@unirio.br

386
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

SOBRE A PREFACIADORA
REGINA MARIA MARTELETO
Doutorado em Comunicação e Cultura (ECO/UFRJ), Mestrado em
Sciences de l´Information et de la Communication (EHESS/França),
Graduação em Letras (PUC/MG) e Biblioteconomia (UFMG). Faz
parte do corpo docente permanente do Programa de Pós-
Graduação em Ciência da Informação do Ibict/Eco/UFRJ.
Pesquisadora visitante do Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da UERJ entre 2016 e 2017. Presidente da ANCIB-
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da
Informação, de 2003 a 2006, e coordenadora do Grupo de Trabalho
Mediação, Circulação e Apropriação da Informação, de 2007 a 2009.
É líder do Grupo de Pesquisa Cultura e Processos
Infocomunicacionais. Representante e responsável científica, pelo
Brasil, da Rede Franco-Brasileira de Pesquisadores em Mediações e
Usos Sociais de Saberes e Informação - Rede MUSSI, desde 2008.
Membro de Comitês Editoriais e/ou parecerista de revistas
científicas das áreas de Ciências da Informação, Comunicação,
Saúde, do Brasil e do exterior, bem como de agências avaliadoras de
fomento do Brasil e da França. Áreas principais de pesquisa: cultura
e informação; conhecimento, informação e sociedade; informação e
comunicação em saúde; mediações infocomunicacionais em redes
sociais; sujeito, leituras e linguagens de informação na
contemporaneidade; teoria social, epistemologia e
interdisciplinaridade nos estudos da informação.

387
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

388
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

SOBRE O POSFACIADOR
CARLOS ALBERTO ÁVILA ARAÚJO
Professor associado da Escola de Ciência da Informação da
Universidade Federal de Minas Gerais, da qual foi diretor de 2014 a
2017. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Doutor em
Ciência da Informação pela UFMG, com pós-doutorado pela
Universidade do Porto, Portugal (2011) e pela Universidad de
Salamanca, Espanha (2019). Presidente da EDICIC, Asociación de
Educación e Investigación en Ciencia de la Información de
Iberoamérica y el Caribe (2016-2021). Foi vice-presidente da ANCIB,
Associação Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (2016-
2018). Líder do grupo de pesquisa EPIC - Estudos em Práticas
Informacionais e Cultura, cadastrado no CNPq. Foi Editor Adjunto
da revista Perspectivas em Ciência da Informação de 2007 a 2011 e
de 2013 e 2015. Fez parte, em 2008, da Comissão de planejamento
e desenvolvimento do projeto pedagógico do curso de Arquivologia
da UFMG e, em 2009, foi presidente da Comissão de planejamento
e desenvolvimento do projeto pedagógico do curso de Museologia
da UFMG. Autor dos livros “O que é ciência da informação” (KMA,
2018) e “Arquivologia, biblioteconomia, museologia e ciência da
informação: o diálogo possível” (Briquet de Lemos, 2014). E-mail:
carlosaraujoufmg@gmail.com

389
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

390
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

SOBRE OS AUTORES E AUTORAS


ANA AMÉLIA LAGE MARTINS
Professora adjunta do Departamento de Processos Técnico-
Documentais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-
UNIRIO. Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UFMG e
graduada em Biblioteconomia pela mesma instituição. Realizou pós-
doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação do IBICT/UFRJ. E-mail: ana.martins@unirio.br

ANA CRISTINA DE ALBUQUERQUE


Possui graduação em Biblioteconomia (2003), Mestrado em Ciência
da Informação (2006) e Doutorado em Ciência da Informação (2012)
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP). Docente do Departamento de Ciência da Informação da
Universidade Estadual de Londrina (UEL) com aulas nos cursos de
graduação em Arquivologia e Biblioteconomia. Docente
permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação (PPGCI UEL) desde 2013. Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual
de Londrina (PPGCI UEL) gestões 2016, 2017/2019 e 2019/2021.
Vice-presidenta da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Ciência da Informação (ANCIB), gestão 2020/2022.
Tem experiência em Ciência da Informação, Biblioteconomia,
Arquivologia e Museologia com ênfase em Organização da
Informação e do Conhecimento e atua com os seguintes temas:
Teoria da Classificação na Arquivologia, Biblioteconomia e
Museologia, Organização e Representação do Conhecimento de
Recursos Imagéticos, Documento Fotográfico, Fundamentos da
Ciência da Informação. E-mail: albuanati@yahoo.com.br

391
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

CARLOS ALBERTO ÁVILA ARAÚJO


Professor associado da Escola de Ciência da Informação da
Universidade Federal de Minas Gerais, da qual foi diretor de 2014 a
2017. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Doutor em
Ciência da Informação pela UFMG, com pós-doutorado pela
Universidade do Porto, Portugal (2011) e pela Universidad de
Salamanca, Espanha (2019). Presidente da EDICIC, Asociación de
Educación e Investigación en Ciencia de la Información de
Iberoamérica y el Caribe (2016-2021). Foi vice-presidente da ANCIB,
Associação Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (2016-
2018). Líder do grupo de pesquisa EPIC - Estudos em Práticas
Informacionais e Cultura, cadastrado no CNPq. Foi Editor Adjunto
da revista Perspectivas em Ciência da Informação de 2007 a 2011 e
de 2013 e 2015. Fez parte, em 2008, da Comissão de planejamento
e desenvolvimento do projeto pedagógico do curso de Arquivologia
da UFMG e, em 2009, foi presidente da Comissão de planejamento
e desenvolvimento do projeto pedagógico do curso de Museologia
da UFMG. Autor dos livros “O que é ciência da informação” (KMA,
2018) e “Arquivologia, biblioteconomia, museologia e ciência da
informação: o diálogo possível” (Briquet de Lemos, 2014). E-mail:
carlosaraujoufmg@gmail.com

CLAUDIANE WEBER
Professora universitária e bibliotecária. Doutora em Ciência da
Informação pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou estágio
doutoral na ÅBO Akademi University, Finlândia. Pós-graduada em
Psicologia, na Universidade Estatal de São Petersburgo, Rússia.
Bibliotecária, pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Atualmente trabalha na Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), onde coordena a Subdivisão de Serviços de Apoio à
Pesquisa (Manancial), é vice-diretora do sistema de bibliotecas;
integrante da comissão de implantação da Agenda 2030 na
Universidade e membro do Conselho Universitário da UFSM. É
professora da Antonio Meneghetti Faculdade (AMF) no Curso de
Pedagogia, do curso de Especialização em Ontopsicologia e do MBA
Identidade Empresarial. Professora do Programa de Pós-Graduação
em Gestão da Informação (PPGInfo-UDESC), SC. É membro do
Standing Committee da IFLA na Section Continuing Professional
Development and Workplace Learning (2019-2023). Foi fotógrafa
profissional em estúdio fotográfico, e hoje, além de fotografar,

392
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

organiza, planeja e orienta a organização de acervos fotográficos e


audiovisuais. E-mail: clauweber@gmail.com

DAYANNE DA SILVA PRUDENCIO


Doutora em Ciência da Informação pelo PPGCI IBICT/UFRJ (2019).
Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal
Fluminense (2015). Especialista em Gestão Empresarial e Sistema de
Informação pela UFF (2013). Especialista em Tecnologias da
Informação e da Comunicação aplicadas à Educação na Universidade
Federal de Santa Maria (2019) e Bacharela em Biblioteconomia pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2011).
Professora Adjunta do Departamento de Biblioteconomia da
UNIRIO, onde pesquisa e desenvolve ações de extensão nas áreas
de Informação e Saúde; Formação do Bibliotecário; Gestão da
Informação e do Conhecimento e Inovação no ensino com foco em:
Recursos Educacionais Abertos. Líder do grupo de pesquisa:
Estudos sobre práticas inovadoras de ensino-aprendizagem em
Biblioteconomia da (UNIRIO) E-mail: dayanne.prudencio@unirio.br

FLÁVIA VIRGÍNIA MELO PINTO


Analista de Políticas Públicas - Bibliotecária na Prefeitura de Belo
Horizonte/ Minas Gerais, estando na coordenação da ECOTECA do
Centro de Educação Ambiental do Programa de Desenvolvimento e
Recuperação da Bacia da Pampulha (CEA-PROPAM). Mestra e
doutora em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de
Minas Gerais (PPGCI-UFMG). E-mail: biblioflavia@gmail.com

FELIPE CESÁR ALMEIDA DOS SANTOS


Mestrando em Ciência da informação e Bacharel em Arquivologia
pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Integrante do Grupo de
Pesquisa Grupo de Pesquisa "Arquivologia e Competência em
Informação" (GpArqCoInfo). Arquivista na Prefeitura Municipal de
Portel/Pará. E-mail: felipecalmeidasa@gmail.com

FERNANDO LUIZ VECHIATO


Doutor e mestre em Ciência da Informação e bacharel em
Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP – Campus de Marília). Atualmente é
professor adjunto III da Universidade Federal do Rio Grande do

393
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Norte, com atuação na graduação em Biblioteconomia e também no


Programa de Pós-graduação em Gestão da Informação e do
Conhecimento-PPGIC/UFRN. E-mail: vechiato2008@gmail.com

GABRIELLE FRANCINNE DE S. CARVALHO TANUS


Professora do Departamento de Ciência da Informação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Docente
permanente do Programa de Pós-graduação em Gestão da
Informação e do Conhecimento (PPGIC-UFRN). Pesquisadora
vinculada ao grupo “Informação na Sociedade Contemporânea”,
cadastrado no CNPq. Doutora em Ciência da Informação, Mestra em
Ciência da Informação e Bacharela em Biblioteconomia pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trabalhou como
bibliotecária no Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal de
Minas Gerais, nas seguintes instituições: Faculdade de Direito e
Escola de Ciência da Informação. Durante o Mestrado foi bolsista
CAPES/REUNI vinculada ao curso de Museologia (ECI/UFMG). Ao
longo da graduação foi monitora de disciplina, bolsista CNPq de
Iniciação Científica e realizou estágios em bibliotecas universitárias,
escolares, centros de documentação e na Biblioteca Pública
Estadual de Minas Gerais. E-mail: gfrancinne@gmail.com

ILEMAR CHRISTINA LANSONI WEY BERTI


Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
informação - UEL – Edital 14/2021. Pós-doutoranda em Ciência da
Informação PNPD/CAPES no PPGCI/UEL (2019 - 2022) e mestra pela
mesma instituição. Doutora em Ciência da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na linha de pesquisa
em Informação, Cultura e Sociedade (2014-2018). Foi bolsista
(CAPES) e participou do programa PDSE pela Universidade Lusófona
do Porto, Portugal em 2017, no programa de doutoramento em
Estudos em Comunicação para o desenvolvimento. Tem interesse
em: Estudos de Usuários em Informação, Comportamento
informacional, Práticas Informacionais, Regime de informação,
Políticas de informação, Cultura e Educação. E-mail:
christinaberti@uel.br

394
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

JANICY APARECIDA PEREIRA ROCHA


Professora adjunta do Departamento de Processos Técnico-
Documentais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Doutora e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Bacharela em Sistemas de Informação pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Tem como
interesse de pesquisa os aspectos sociais do uso da tecnologia,
atuando nas seguintes temáticas: planejamento, projeto e avaliação
de serviços de informação inclusivos e adaptáveis, estudos de
usuários da informação, práticas informacionais e produção, gestão
e difusão de dados, informação e conhecimento científicos em
conformidade com o movimento ciência aberta. E-mail:
janicy.rocha@unirio.br

JULIANA MOREIRA PINTO


Doutora em Ciência da Informação (na linha de pesquisa:
Informação, Cultura e Sociedade 2014/2018), Mestra em Ciência da
Informação, Especialista em Gestão Estratégica da Informação e
Bacharela em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Trabalhou como Bibliotecária na Faculdade de
Farmácia e Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
(1989 a 1993) e na Faculdade de Direito da UFMG (1994 a 2019),
onde atuava no Setor de Catalogação e ministrava treinamentos e
cursos sobre Bases de Dados Jurídicas e Portal de Periódicos CAPES.
Tem experiência na área de Ciência da Informação, com ênfase em
Biblioteconomia, atuando principalmente nos seguintes temas:
qualidade da informação, informação e saúde, mediação e uso da
informação. E-mail: julianamoreirapinto2@gmail.com

JULIANA MARIA DE SIQUEIRA


Doutora em Museologia pela Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias (Lisboa, Portugal, 2019), com tese
defendida sobre "A Educação Museal na Perspectiva da
Sociomuseologia". Mestre em Ciências da Comunicação pela
Universidade de São Paulo (2009), estudando "A Educomunicação e
a formação de docentes em serviço". Especialista em Multimeios
pela Unicamp, MBA em Marketing de Serviços pela Escola Superior
de Propaganda e Marketing (2003) com graduação em Comunicação
Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996).
Frequentou cursos livres em artes visuais em Belo Horizonte e

395
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Campinas. Desde 2002 trabalha como especialista cultural da


Secretaria Municipal de Cultura de Campinas, com atuação na
Coordenadoria de Ação Cultural. Trabalhou durante 15 anos no
Museu da Imagem e do Som, no desenvolvimento do Programa
Educativo Pedagogia da Imagem e do curso DOC360o. Possui mais
de dez anos de experiência em formação de docentes do sistema
municipal de educação em Campinas, com foco em linguagens
audiovisuais e cartografia sociocultural. Trabalha na estruturação e
na implementação do Laboratório do Bem-Viver, programa
intersetorial destinado a promover a resiliência comunitária a partir
de ações de educomunicação, memória, criação e preservação
cultural e práticas integrativas transdisciplinares. Assessora atuante
na estruturação do Museu Vivo Cândido Ferreira. Participa do Grupo
de Pesquisa “Educação Museal: conceitos, história e políticas”, do
Museu Histórico Nacional. Integrante da Rede São Paulo de
Memória e Museologia Social (REMMUS-SP) desde 2014 e do grupo
de cultura popular Caixeiras das Nascentes, desde 2017. Instrutora
de Movimento Vital Expressivo formada pelo Sistema Río Abierto
Campinas. E-mail: ju.de.siqueira@gmail.com

JEFFERSON VERAS NUNES


Possui doutorado em Ciência da Informação pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP) e mestrado em Sociologia pela
Universidade Federal do Ceará (UFC). É professor adjunto do
Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal
do Ceará (DCINF-UFC) e integra o corpo docente do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI-UFC),
desenvolvendo pesquisas junto à linha Mediação e Gestão da
informação e do conhecimento. Tem experiência em temas
relacionados a processos ensino-aprendizagem, práticas
informacionais, mediação e uso da informação, aspectos históricos
e epistemológicos da Ciência da Informação. E-mail:
Jefferson.veras@ufc.br

LUCIANE DE FÁTIMA BECKMAN CAVALCANTE


Professora do Departamento de Ciência da Informação da
Universidade Estadual de Londrina. Doutora em Ciência da
Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marilia)
com Bolsa Capes até o ano de 2012. Atualmente é Vice-
coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciência da

396
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

Informação da UEL. Líder do Grupo de Pesquisa: Informação,


Conhecimento e Cultura em Múltiplos Ambientes - INFOCCULT -
UEL. Coordenadora da Comissão de Pesquisa do Departamento de
Ciência da Informação. Mestre em Ciência da informação pelo
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marilia) com bolsa FAPESP
(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Bacharel
em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (UNESP/Marília) em 2007. Pesquisadora na área de
Competência em Informação, Comportamento Informacional,
Cultura Organizacional, Cultura Informacional, Mediação da
Informação. Mediação Cultural. Espaços Culturais. Possui
conhecimento nas áreas de Ciência da Informação, Biblioteconomia;
Inteligência Competitiva; Gestão do Conhecimento e da Informação;
Comportamento Organizacional, Comportamento Informacional,
Competência em Informação, Mediação da Informação. E-mail:
luciane@uel.br

MARIA IVONE MAIA DA COSTA


Mestra em Ciência da Informação e Bacharel em Biblioteconomia
pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Integrante do Grupo de
Pesquisa "Arquivologia e Competência em Informação".
(GpArqCoInfo). Atualmente é bibliotecária/documentalista da
Universidade Federal do Pará. E-mail: ivomcost@gmail.com

MARCO ANTÔNIO DE ALMEIDA


Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP)
e mestre em Sociologia pela mesma instituição. Doutor em Ciências
Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), na área
de Cultura e Política. Livre-Docente em Ciência da Informação e
Documentação pela USP. Atualmente, é professor da Universidade
de São Paulo, no curso de Ciências da Informação e Documentação
da FFCLRP-USP. Também é professor e orientador no programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação da ECA-USP. Foi
coordenador do GT "Mediação, Circulação e Apropriação da
Informação" do ENANCIB (2011-2012). Realizou período de pós-
doutorado junto à Universidade Carlos III de Madrid (2013-2014). Foi
editor-responsável do periódico InCID (2015-2017). Líder do
PRACTIC - Grupo de Estudos de Práticas Culturais e Tecnologias de
Informação e Comunicação. Pesquisador Bolsista de produtividade
do CNPq e pesquisador associado do Projeto Temático de Pesquisa

397
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

da FAPESP “Para além da distinção: gostos, práticas culturais e


classe em São Paulo”. Atualmente é presidente da Comissão de
Cultura e Extensão da FFCLRP-USP. Pesquisa e trabalha
principalmente nas seguintes áreas: teoria social da comunicação e
da informação; mediação e ação cultural; sociologia da cultura,
sociabilidade e novas tecnologias; políticas culturais e informação.
E-mail: marcoaa@ffclrp.usp.br

MAIRA CRISTINA GRIGOLETO


Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Licenciada em
História pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Atua
como docente na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) nos
cursos de Mestrado em Ciência da Informação (PPGCI-Ufes) e de
Graduação em Arquivologia. Participa do grupo de pesquisa
“Competência em Informação e Processos Inter-relacionados”.
Possui interesse em pesquisas que abordam as potências e
potencialidades do documento, pela materialidade e
institucionalidade, em correlação com práticas e políticas de
memória, de preservação do patrimônio, de arquivos e de
informação. E-mail: magrigo@hotmail.com

MARTA LEANDRO DA MATA


Doutora e Mestre em Ciência da Informação (2009) e Bacharel em
Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP/Campus de Marília), com período de doutorado sanduíche
na Universidade Carlos III de Madrid (2013). Possui Pós-Doutorado
em Ciência da Informação pela Universidade Estadual de Londrina
(2016). É professora adjunta no Departamento de Biblioteconomia
e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). É responsável pela
coluna "Entre conexões e processos informacionais", no site
Infohome. Tem experiência na área de Ciência da informação e
Biblioteconomia, atuando, principalmente com os seguintes temas:
competência em informação, fontes de informação, avaliação de
fontes de informação e de desinformação, formação e atuação do
bibliotecário, estudo de usuários (com abordagem tradicional,
alternativa e social). E-mail: martaleandrodamata@gmail.com

398
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

RAFAELA PEREIRA DE CARVALHO


Mestra em Ciência da Informação pela Universidade Federal do
Ceará (UFC). Possui graduação em Biblioteconomia pela
Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é tutora no curso
de Biblioteconomia EAD da Unifaj. Atuou como bibliotecária em
UNICE - Ensino Superior. Tem interesse nas áreas de Mediação da
Informação, Estudos de Usuário, Práticas Informacionais e Cultura
de Fãs. E-mail: rafaela.sy@gmail.com

RENATA LIRA FURTADO


Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP - Campus Marília. Mestre em
Ciência da Informação e Bacharel em Arquivologia pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente no Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação e no curso de graduação
em Arquivologia na Universidade Federal do Pará. Líder do Grupo de
Pesquisa "Arquivologia e Competência em Informação"
(GpArqCoInfo). E-mail: renatalira@ufpa.br

RODRIGO RABELLO
Professor Adjunto da Faculdade de Ciência da Informação da
Universidade de Brasília (UnB). Professor Permanente do Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UnB. Bacharel em
Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (UNESP). Doutor em Ciência da Informação pela
UNESP. Realizou estágios de pós-doutorado em Ciência da
Informação no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia (IBICT) e na UnB. Faz parte da equipe de editores do E-
LIS (International Open Archive of Library and Information Science) no
Brasil. Temas de interesse: fundamentos da Ciência da Informação,
estudos epistemológicos, políticos, sociais, histórico-conceituais
sobre informação, documento, usuário de informação, sujeito
informacional, agências informacionais, coleções. E-mail:
rdgrabello@unb.br

RULEANDSON DO CARMO CRUZ


Jornalista (TV UFMG – Cedecom) e pesquisador científico do campo
da comunicação e informação (Epic) – na UFMG. Ativista em prol dos
direitos humanos, em especial, em prol da questão LGBTQIA+ – na
vida. Bacharel em jornalismo (UniBH), especialista em criação e

399
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas

produção para rádio e TV (UniBH), mestre e doutor em Ciência da


Informação (UFMG), com residência pós-doutoral concluída (UFMG).
E-mail: ruleandson@gmail.com

SUELI MARA SOARES PINTO FERREIRA


Professora Titular da Universidade de São Paulo (USP), Brasil, onde
também concluiu mestrado e doutorado em Ciências da
Comunicação, tendo feito parte de seus estudos na Syracuse
University e na Vanderbilt University, ambas nos EUA. Docente e
orientadora de doutorado no Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação da mesma Universidade. Também é
professora no programa de bacharelado em biblioteconomia desde
1994. Colaboradora ativa na área da Ciência da Informação,
Biblioteconomia, Comunicação Científica e Desenvolvimento da
Ciência, sendo membro ativo em muitas organizações, como:
Membro do Conselho Diretor da Biblioteca Virtual da FAPESP (2009-
2010). Diretora do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP (2010-
2013). Parecerista e avaliadora da FAPESP e do CNPq no Brasil
(desde 2005). Membro Grupo de Especialistas Internacional do IAP
Group (International Advocacy Programme) da International
Federation of Library Association (IFLA, 2015-2016). Membro do
Comitê Profissional da IFLA (2017-2021). Coordenadora da
Comissão Brasileira de Direitos Autorais e Acesso Aberto da
Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da
Informação e Associados (FEBAB, desde 2016). E-mail:
sueli.ferreira@gmail.com

400
Na conjuntura brasileira deste ano de 2021, publicar um livro
coletânea que reúne o trabalho de uma importante rede de
autores e autoras vinculados a diversas universidades do país,
em diferentes estágios de experiência acadêmica, é um
projeto renovador e fortalecedor do compromisso científico e
educativo com a pesquisa, que articula conceitos e métodos
das Ciências Sociais e Humanas no estudo das práticas de
informação e suas mediações, numa perspectiva
interdisciplinar, além da reunião de contribuições de leituras do
campo informacional em revisões da literatura em amplitude
internacional.
A obra, composta por dezessete capítulos, convoca autores
que têm se distinguido no estudo dos conceitos de usos,
usuários e práticas de informação, referências na perspectiva
epistemológica da revisão conceitual de teorias e modelos das
Ciências Sociais e Humanas aplicados à leitura dos fenômenos
informacionais. Porém a sua riqueza mais evidente consiste em
reunir diferentes abordagens das práticas informacionais e sua
rede conceitual, desde aquelas mais diretamente teóricas, as
quais convocam autores e conceitos de outras disciplinas, até
aquelas com foco mais diretamente direcionado para objetos
concretos, além de abordagens das práticas da informação no
universo digital.

Regina Maria Marteleto


Instituto Brasileiro de Informaçãoem Ciência e Tecnologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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