Análise Da Cena II Do Ato I de Frei Luis de Sousa
Análise Da Cena II Do Ato I de Frei Luis de Sousa
Análise Da Cena II Do Ato I de Frei Luis de Sousa
● Antecedentes da peça
Datas Acontecimentos
▪ Antes de 1578 ▪ Casamento de D. Madalena com D. João de Portugal.
▪ Batalha de Alcácer Quibir.
▪ 4 de agosto de 1578 ▪ Desaparecimento de D. Sebastião e de D. João de Portugal.
▪ Suposta viuvez de D. Madalena.
▪ Diligências de D. Madalena para encontrar D. João, mas sem
▪ 1578-1585
sucesso.
▪ 1585 ▪ Casamento de D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho.
▪ 1586 ▪ Nascimento de Maria.
▪ 1589 ▪ Ano em que decorre a ação da peça.
▪ D. Madalena:
. nobre: a designação dona só se dava na época às senhoras da aristocracia;
. receosa e hesitante no que quer dizer a Telmo;
. critica o ascendente do aio sobre si e, sobretudo, Maria, pedindo-lhe que não insista nesse
ascendente;
. casou muito jovem com D. João de Portugal;
. enviuvou com 17 anos;
. procurou exaustivamente D. João, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir, durante 7 anos;
. terá 38 anos: a batalha de Alcácer Quibir ocorreu há 21 anos, tinha ela 17; o seu segundo
casamento teve lugar 7 anos depois, teria ela 24; casou pela segunda vez há 14; Maria tem 13;
. vive constantemente atormentada e aterrorizada pelo passado e pelos agouros de Telmo, que lhe
mantém esse passado bem vivo, ou seja, a dúvida de que D. João não morreu e pode voltar a
qualquer momento, o que destruiria o seu casamento e tornaria Maria uma filha ilegítima, por
isso não consegue ser feliz, já que não se consegue libertar desse medo;
. não amou D. João, mas respeitou-o sempre;
. é profundamente apaixonada por Manuel de Sousa;
. sente-se vítima do destino;
. a contradição entre a felicidade aparente e a desgraça íntima que revela uma consciência moral
atormentada pela imagem sempre obsessivamente presente de D. João de Portugal e pelo
remorso proveniente da consciência de pecado – de facto, a personagem sente-se culpada por
ter casado com Manuel de Sousa, sem ter a certeza acerca da morte do primeiro marido;
. revela, na última fala da cena, a tendência para o devaneio, o que já acontecera na primeira cena
e está de acordo com a tendência romântica e a extrema sensibilidade da sua alma.
▪ Telmo Pais:
. não possui nobreza de sangue, mas está intimamente ligado à aristocracia pelo modesto título de
escudeiro;
. manifesta ideias reformistas ao condenar o uso do latim na Bíblia (posição dos Protestantes);
. o seu verdadeiro senhor continuar a ser D. João, primeiro marido de D. Madalena, dado como
morto na batalha de Alcácer Quibir (“… não sei latim como o meu senhor… quero dizer, como o
sr. Manuel de Sousa Coutinho…”);
. possui grande ascendente sobre Maria e D. Madalena;
. é o confidente de D. Madalena, a quem reprova o segundo casamento;
. nas palavras de D. Madalena, é “… o aio fiel de meu senhor D. João de Portugal…”, digno “… da
confiança, do respeito, do amor e do carinho…” de todos e “o escudeiro valido, o familiar quase
parente, o amigo velho e provado de teus amos…”;
. era o aio de D. João, a quem queria como “filho”; é-o também de Maria, a quem “… ao princípio
não podia ver”, mas ela acabou por o cativar: “quero-lhe mais que seu pai” – a sua não aceitação
inicial era originada por ela ser fruto do casamento de Madalena e Manuel de Sousa, que Telmo
via como uma traição a D. João, cuja morte não aceita; porém, com o passar dos anos, a
formosura e bondade de Maria cativaram-no de tal modo que agora afirma ter-lhe mais amor do
que os próprios pais;
. foi “carinho e proteção” e amparo de D. Madalena quando esta enviuvou;
. atormenta-a com os seus constantes agouros, presságios e acusações – é a lembrança viva e
permanente do «remorso» oculto e recalcado na consciência de D. Madalena;
. ama profundamente Maria, como se constatará no ato III, pretendendo ter-lhe mais amor do que
os próprios pais;
. não aprova o segundo casamento de D. Madalena e atormenta-a com insinuações, agouros,
profecias (como, por exemplo, a da carta de D. João de Portugal, escrita na madrugada da
batalha de Alcácer Quibir, onde afirmava: “vivo ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelo menos
ainda uma vez neste mundo” – se não voltou, é porque está vivo; além do mais, D. João nunca
deixaria de cumprir a sua palavra;
. atormenta-a também com ciúmes póstumos, por conta de D. João: é isto que explica as
prevenções de Telmo em relação a Manuel de Sousa e a sua aversão inicial por Maria;
. começa a ser visível a sua divisão entre o amor a D. João e o amor a Maria (fragmentação que
será confirmada na cena V do ato III): sendo tão amigo dela e pretendendo ter-lhe tanto amor,
sustenta uma crença que, a concretizar-se, significaria a morte da jovem;
. é sebastianista:
- crê que os eu antigo amo não morreu;
- acredita no regresso de D. Sebastião e, consequentemente, de D. João;
. funções ou papéis que desempenha:
- coro:
. alimenta o sebastianismo;
. anuncia desgraças próximas;
. profere contínuos agouros;
. comenta a ação dramática, predizendo o seu desfecho trágico, através dos seus presságios e
agouros;
- alimenta a presença de um passado, um tempo que D. Madalena quereria enterrar mas não
consegue, ou não a deixam;
- confidente de D. Madalena;
- leva à revelação dos pensamentos das outras personagens;
. os seus apartes revelam as dúvidas que possui relativamente à morte de D. João, bem como a
sua intenção de salvar Maria de uma desgraça que considera iminente.
▪ Maria:
. nobre:
- a designação de “dona”;
- o apelido “Noronha” indicia alta estirpe (“é sangue de Vilhenas e de Sousas”);
. o seu nome evoca o da Virgem Maria: é pura e angélica (Madalena e Telmo apelidam-ma
de anjo) – configura a imagem da mulher-anjo dos românticos, contrastando com D. Madalena;
. tem 13 anos;
. é alta;
. é precoce, tanto física (“Tem treze anos feitos… está uma senhora…”) como psicologicamente:
“… em tantas outras coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas de seu sexo também…”;
“Maria tem uma compreensão…”;
. é curiosa (“… aquela criança está sempre a querer saber, a perguntar”) e perspicaz (“tão
perspicaz”);
. é bondosa (“um anjo como aquele… e então que coração!”);
. dotada de espírito vivo (“uma viveza, um espírito!”);
. é sonhadora;
. possui uma imaginação muito fértil;
. segundo D. Madalena, é dotada de “Formosura e engenho, dotes admiráveis daquele anjo”.
Pelo que é dado ler nesta cena, a relação entre estas duas personagens supera em
muito a tradicional ligação entre um criado e o seu senhor. De facto, o escudeiro apresenta-se
mais como um elemento da família de D. Madalena do que enquanto mero aio, graças aos
longos anos passados ao serviço da família (primeiro de D. João e depois de Manuel de Sousa).
Quando ela enviuvou aos 17 anos, foi o seu amparo e quase um pai, daí a liberdade de que
goza quando lida com D. Madalena. Esta respeita-o e reconhece-lhe alguma autoridade sobre si,
seguindo também os seus conselhos como se fosse sua filha. De igual forma, ele respeita-a e
aconselha-a, não obstante ter sido contrário ao segundo casamento.
Assim sendo, é natural que a relação (que se foi estreitando ao longo dos anos) entre
ambos seja de grande respeito, amizade, confiança e abertura, como se comprova ao longo de
todo o diálogo, que é motivado pelo pedido que D. Madalena quer fazer ao seu velho aio: acabar
com as conversas sobre o passado com Maria, ligadas à ideia de que de D. Sebastião está vivo
e, por extensão, D. João, facto que, a ser verdade, acarretaria consequências trágicas para
Maria, reduzida então à condição de filha ilegítima.
E é a questão do passado e da forma como este é alimentado em Maria pelo escudeiro
que perturba a relação. Note-se como Madalena sofre e chora quando Telmo afirma que a jovem
deveria ter nascido “em melhor estado”, pois está claramente a sugerir que ela era merecedora
de ter nascido no seio de uma família constituída por pais casados legitimamente, sem qualquer
sombra a pairar sobre ela, o que não sucede na perspetiva do aio, dado acreditar que D. João
ainda está vivo. A ser assim, a família seria destruída e Maria uma filha ilegítima, com todas as
consequências ao nível da mentalidade e das convenções sociais da época.
Por isso mesmo, no final da conversa, Telmo reconhece que D. Madalena tem razão: se
continuar a estimular o interesse de Maria pelo passado, com as suas crenças e agouros, poderá
levá-la a descobrir o passado da sua mãe. A ideia de que D. João de Portugal poderá estar vivo
despertaria nela a possibilidade da ilegitimidade e o receio de tal situação poderia agravar
seriamente o seu estado de saúde já tão debilitado.
● Tempo
▪ histórico:
- a existência de peste em Lisboa e
- a discórdia entre portugueses e castelhanos, de acordo com as palavras de D. Madalena (última
fala da cena), o que nos remete para o domínio filipino;
- as várias referências à batalha de Alcácer Quibir;
- a alusão de Telmo à Reforma protestante, quando menciona a tradução da Bíblia para as línguas
dos países onde se implantou.
▪ Os agouros e presságios de Telmo.
▪ Agon:
- de D. Madalena:
. interior, de consciência;
. contínuo;
. crescente;
. com Telmo: apesar de, durante os 7 anos de «viuvez», lhe ter obedecido como a um pai, D. Madalena não
segue o conselho de esperar o regresso de D. João, anunciado na carta profética, escrita na
madrugada da batalha de Alcácer Quibir;
. com D. João, presente nas conversas com Telmo, testemunha da «desobediência» de D. Madalena, conversas
essas cheias de reticências, de subentendidos, de duplos sentidos, de alusões, de agouros, de
«futuros», de pressentimentos de desgraças iminentes;
- de Telmo:
. de consciência: começa a ser evidente o conflito de consciência entre o desejo do regresso de D.
João de Portugal e o amor a Maria;
. com D. Madalena:
- desaprova o seu casamento com Manuel de Sousa, baseado nos dizeres da carta profética de D.
João, escrita na madrugada da batalha;
- e na superstição (maravilhoso popular) de que, se ele voltasse e aparecesse a D. Madalena, não
se iria embora sem lhe aparecer também (o que não se tinha verificado);
- daí os “ciúmes”, as alusões, os agouros, os “futuros”;
- o conflito de Telmo com D. Madalena fica sempre sem solução;
. com Maria:
- a princípio, não a podia ver, por causa do seu nascimento em berço ilegítimo (“Digna de nascer
em melhor estado”);
- o conflito com Maria termina, porque ela acabou por o cativar e ele lhe quer como um pai;
. com Manuel de Sousa:
- apesar das qualidades que lhe reconhece, é, em sua opinião, inferior a D. João de Portugal;
- por conta deste tem “ciúmes”
- e uma certa aversão, por o considerar um intruso.