Os Sentidos Da Comunidade: A Memória de Bairro e Suas Construções Intergeracionais em Estudos de Comunidade
Os Sentidos Da Comunidade: A Memória de Bairro e Suas Construções Intergeracionais em Estudos de Comunidade
Os Sentidos Da Comunidade: A Memória de Bairro e Suas Construções Intergeracionais em Estudos de Comunidade
ARTIGO
I
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, Brasil
II
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
Os estudos sobre memória coletiva, em geral, e sobre memória de bairro, em particular, são
interessantes objetos de pesquisa e intervenção em Psicossociologia, embora ainda pouco explorados. A
memória de bairro encontra-se na fronteira e, ao mesmo tempo, no ponto de encontro entre os estudos
psicológicos e sociais, considerando as produções coletivas tanto quanto reservando espaço e valor para
as contribuições pessoais, ainda que contraditórias. A essa complementaridade entre o pessoal e o
coletivo, que não os sobrepõe e não os anula, mas constitui uma complexa soma de saberes e olhares,
propõe-se chamar memória inclusiva,sendo esta o resultado da tecitura entre as memórias contadas, as
leituras das memórias e as histórias ─ oficializadas ou não ─ referentes a determinado espaço, em
determinado momento. Essa proposta se enriquece ainda mais quando, além de investigar a construção
coletiva de memória entre moradores de um mesmo local, considera também a possibilidade de
trabalhar com idosos e crianças, promovendo a valorização dos lugares de ambas as gerações na
comunidade e, ao mesmo tempo, favorecendo a continuidade dessas mesmas memórias.
ABSTRACT
Studies about collective memory in general and on neighborhood’s memory, in particular, are interesting
objects of research and intervention in Psicossociology, although still poorly explored. The memory of
the neighborhood is at the border while at the point of encounter between the psychological and social
studies, considering both collective productions as reserving space and value for each individual
contribution, although contradictory. This complementarity of staff with the collective, not the overlap
and not the override, but is a complex sum of knowledge and looks, it is proposed to draw inclusive
memory, this being the result of sewing between memories counted, the readings of memories and the
stories − official or not − referring to a particular area, at a specific time. This proposal is further
enriches when, in addition to investigate the collective memory among residents of the same place, also
considers the possibility of working with elderly and children, promoting the recovery of the posts of
both generations in the community and at the same time, favoring the continuity of those memories.
1 INTRODUÇÃO
Desenvolver pesquisa sobre memória de bairro é, grosso modo,pesquisar o espaço no tempo e o tempo
no espaço a partir de suas construções coletivas. Essa relação entre o tempo e o espaço se constrói em
movimentos de individuação e coletivização simultâneos, por vezes complementares, outras vezes
divergentes entre si. É nessa produção, sempre anacrônica, que podemos refletir na relação dos grupos
com seu bairro e com sua cidade.
Raimundo et al. (2006, p. 2) comentam que “a cidade é articulada pelos fluxos de toda ordem. Por ser
fragmentado, o espaço urbano reflete as desigualdades sociais e, por ser articulado e dinâmico, é
mutável”. Sendo assim, o estudo de memória de bairro implica uma compreensão das questões relativas
ao tempo e ao espaço.
A memória social é tema de discussão entre sociólogos, antropólogos e historiadores há muito tempo,
havendo atualmente diferentes visões sobre o tema, em muitos aspectos contraditórios entre si.
Se por um lado uma série de autores concorda que a memória se caracteriza pelo resguardo de um
tempo que se perdeu de forma irreversível (BARRENECHEA, 2003), por outro ─ e fazendo frente a este
tipo de abordagem ─, certos autores sugerem uma compreensão sobre a memória que a caracteriza
enquanto evento presente e, portanto, não perdido e recapturado, mas lido e relido permanentemente.
Entre esses autores, e sem perder de vista a proposta de compreender o fenômeno coletivo da memória
─ ou a memória social ─, podemos identificar as percepções de memória propostas por Bosi (2004), que
trabalha com a memória contada,e por Halbwachs (1957-2006), que, já na década de 1950, buscava
compreender e dar novos sentidos para os estudos da memória, sugerindo o conceito de memória
coletiva.
Halbwachs (1957-2006) nos propõe a ideia de que a memória é sempre uma releitura feita a partir de
novas vivências, novos conhecimentos adquiridos e novas representações, sendo assim um evento
concomitantemente sincrônico e diacrônico. Desta forma, não se pode compreender a memória como
resgate de informações do passado, mas uma ressignificação de histórias já vividas a partir de uma
vivência do presente. Para Halbwachs (1957-2006) a memória está impregnada não só de
representações presentes, mas também de representações passadas, anteriores e posteriores ao fato
memorizado.
Lembremos, entretanto, que a memória social é mais do que uma ressignificação de histórias já vividas
a partir de uma vivência do presente: ela é inerentemente coletiva, uma vez que trata da construção
permanente de um espaço e de um tempo coletivo, a partir de um olhar próprio a determinada cultura.
Assim, parece haver íntima relação entre o ato de lembrar e a dimensão do fato recordado para o sujeito
que conta suas lembranças. Daí a diferença entre a matéria da recordaçãoe o modo da recordação. Bosi
(2004) considera que um dos aspectos mais instigantes do tema memória seja a sua construção social.
É aí que ela se torna um objeto de estudo em Psicossociologia.
Discutindo o espaço social e sua relação com as contruções da memória, Dembicz (2000) lembra a
noção de “espaço socialmente concebido”, proposta por Boisier (apudDEMBICZ, 2000, p. 17, tradução
nossa), que considera que
[…] É preciso levar em conta a concepção do “espaço como noção social”, “espaço socialmente concebido” (Boisier, 1988) em todas as suas dimensões
possíveis: física (palpável) ou abstrata (imaginativa). Tal interpretação conceitual é forçada no contexto do complexo estrutural “espaço-memória-
edentidade”.
Tradicionalmente e ao longo da história da ciência moderna até os dias de hoje, os lugares e espaços
concretos são compreendidos como locais de posicionamento, linhas de disposição e áreas contenedoras
de objetos e de eventos. Em alguns momentos aparece, entretanto, a consciência de determinadas
qualidades específicas das coisas contidas nos espaços, como as similaridades e a diversidade entre as
diferentes classes; as inter-relações e sua qualidade processual; os efeitos dos processos provisórios
(DEMBICZ, 2000; COSTA, S. L.; ALVARENGA, L.; ALVARENGA, A. M., 2007).
Assim, ainda mencionando Dembicz (2000, p. 20, tradução nossa), “Cada vez com maior freqüência
vamos recorrendo à memória dos espaços para esclarecer qualquer dúvida sobre nossas raízes e
identidades.”
Para que as memórias dos espaços e das outras pessoas venham a reforçar e completar as nossas, é
necessário que as lembranças deles tenham alguma relação com os acontecimentos que constituem o
nosso passado.
Ainda que a história nacional seja um resumo dos acontecimentos que modificaram a vida do país, ela se
distingue das histórias locais e regionais urbanas, pelo fato de guardar apenas os fatos que interessam
ao conjunto de cidadãos de forma geral e sem particularidades. Entretanto, “cada um de nós pertence
ao mesmo tempo a muitos grupos, mais ou menos amplos” (HALBWACHS, 1957-2006, p. 99).
Nesse contexto, a memória de bairro leva em consideração as relações das pessoas entre si e com o
espaço comum. Assim, a memória de bairro nos traz possibilidades que a história não oferece. Propõe-se
aqui considerar que a memória de bairro, antes de tudo, seja uma memória inclusiva,no sentido de que
não seleciona um roteiro oficial e não exclui roteiros que se distanciam do oficial. Ao contrário, a
memória de bairro inclui as memórias em suas particularidades; suas contradições não afetam a
idoneidade da informação, mas a enriquecem. Ainda que determinadas memórias possam se configurar
como individuais, elas não estão descartadas da construção coletiva da memória de bairro (COSTA,
2008).
Muitas dessas memórias individuais, além de ganharem espaço na memória coletiva, cristalizam-se
como “verdadeiramente acontecidas”. A essas memórias Guedes (1998) chamou de casos. “Os ‘casos’
são relatos mais ou menos cristalizados de determinados episódios, considerados dignos de serem
retidos, ocorridos na vida do narrador ou de pessoas que são classificadas como ‘conhecidas’” (GUEDES,
1998, p. 51). Os casos são considerados memórias da vida privada de um grupo pequeno, de uma
família, de uma igreja ou de um grupamento caracteristicamente reduzido de pessoas que guardam
entre si alguma intimidade, mas cujas memórias da vida privada passaram a ser respeitadas e
reconhecidas pelo coletivo. Os casos ganham especial importância nas narrativas de memória coletiva,
principalmente em suas produções intergeracionais, uma vez que, muitas vezes, ilustram, localizam e
criam pontes entre o desconhecido e o conhecido, nas construções da memória sobre um passado não
vivido pelas novas gerações (GUEDES, 1998).
A Memória de Bairro é o estudo de uma coletânea de memórias sobre um espaço coletivo reconhecido
como bairro. Esse coletivo é sempre o resultado de ações de indivíduos na sociedade, isto é, as
lembranças de um indivíduo e a forma como lembra são construídas coletivamente. Por este motivo, os
estudos de Memória de Bairro se utilizam, basicamente, de relatos orais de Histórias de Vida.
Como lembra Costa (1998), existem poucos estudos sobre Memória de Bairro, no Brasil. “Sem dúvidas,
a tendência para o geral é característica vulgar na historiografia brasileira, pois, mesmo antes de compor
uma história regional, produziu-se uma geral que, recentemente, clama por revisões saudáveis”
(COSTA, 1998 p. 39). Ela sugere que, talvez, a grande lacuna existente com relação aos estudos de
bairros urbanos seja decorrente das dificuldades que cercam a multiplicação da experiência analítica de
bairros.
O bairro pode ser compreendido como o espaço físico e afetivo no qual ocorrem as relações sociais
cotidianas do sujeito.
Halbwachs (1957-2006, p. 161) explica que as imagens espaciais desempenham um importante papel
na memória coletiva:
O lugar ocupado por um grupo não é como um quadro-negro no qual se escreve e depois se apaga números e figuras. Como a imagem do quadro-negro
poderia recordar o que nele traçamos, se o quadro-negro é indiferente aos números e se podemos reproduzir num mesmo quadro as figuras que bem
entendermos? Não. Mas o local recebeu a marca do grupo, e vice-versa. Todas as ações do grupo podem ser traduzidas em termos espaciais, o lugar
por ele ocupado é apenas a reunião de todos os termos. Cada aspecto, cada detalhe desse lugar tem um sentido que só é inteligível para os membros
do grupo, porque todas as partes do espaço que ele ocupou correspondem a outros tantos aspectos diferentes da estrutura e da vida de sua sociedade,
pelo menos o que nela havia de mais estável.
A primeira concepção que podemos utilizar para bairro está relacionada aos critérios de delimitação da
área pela administração pública, podendo ser compreendida como a menor porção da unidade
administrativa. Muitas vezes, porém, os limites desenhados pelo poder público não coincidem com o
bairro “vivido” pela população. Segundo Raimundo et al. (2006, p. 3), “compreender os limites do bairro
é tarefa primária, confrontando e sobrepondo o oficial (delimitado pela prefeitura) e o vivido (percebidos
pelos transeuntes, moradores, usuários do espaço)”.
Lynch (1982) passa então a enumerar fatores que influenciam a imagem de uma cidade e de seus
bairros: o significado social de uma área, sua função, sua história e o seu nome. Para esse autor, os
limites geográficos podem funcionar como “referências secundárias”, tendo as relações pessoais e
grupais como demarcadores de territórios e papéis (LYNCH, 1982, p. 37).
Sendo assim, a Memória de Bairro não se encerra no campo dos estudos psicológicos somente, nem
tampouco no campo de estudos sociais especificamente, mas no encontro e ao mesmo tempo na
fronteira entre esses dois: a Psicossociologia.
A principal característica da Psicossociologia, segundo Moscovici (1985) não é tanto seu objeto de
estudo, mas sim o modo como lida com seu objeto. Moscovici (1985) lembra que, ao contrário da leitura
dicotômica entre Psicologia e Sociologia, que propõe uma relação binária entre sujeito (individual ou
social, respectivamente) e objeto, a Psicossociologia integra esses elementos. O olhar distintivo e ao
mesmo tempo integrativo, que busca a compreensão dos fenômenos em um nível intermediário de
diálogo entre o individual e o macrossocial, para este autor, é o que define a atividade do pesquisador
em Psicossociologia (MOSCOVICI, 1985).
Nasciutti (1996, p. 55), em consonância com o que sugere Moscovici, afirma que superar o sectarismo
social versus o psicológico
[…] sem anexar ou reduzir um campo teórico a outro é possível e desejável, através das relações entre processos pertinentes a disciplinas diferentes,
reconhecendo suas especificidades, mas procurando uma articulação entre elementos teóricos, já que a realidade é indivisível.
Muitos autores na área da Psicologia e da Sociologia, ainda que não usem o nome de “Psicossociologia”,
demonstram uma preocupação com a evidência da complexidade do sujeito psicossocial. Isso ocorre
porque o campo da Psicossociologia, como afirma Nasciutti (1996), é o dos grupos, instituições,
conjuntos concretos, nos quais o indivíduo se encontra e no qual mediatiza sua vida pessoal e a
coletividade. Daí o sentido de se pesquisarem bairros, não como delimitação espacial, mas como
construção coletiva de comunidade.
Cabe aqui refletir também sobre o termo comunidade, considerando que esse é um conceito com várias
vertentes e, por vezes, polêmico, que convém ser problematizado.
Para Giralda Seyferth (2000), é importante discutir os usos contemporâneos desse conceito reapropriado
enquanto categoria social. O conceito migrou entre as várias ciências, sendo também utilizado por
Organizações Governamentais e Não governamentais, tornando-se uma noção corrente no vocabulário
político de distintos segmentos sociais e no do Estado, assim como no do senso comum e intelectual.
“Neste processo de ‘migração’ a noção de comunidade perde seu caráter de unidade em si, de uma
forma de relação social, passando a ser utilizada para designar certos fenômenos de cultura, reportável
a sistemas de representação e marcadores identitários” (SEYFERTH, 2000, p. 3).
Surge então uma disputa pela redescoberta do simbolismo da comunidade (em uma linha de
pensamento ainda do século XIX), que identifica essa forma de associação social com a ‘sociedade boa’,
e com todas as formas de relacionamento caracterizadas por um grau elevado de intimidade pessoal, de
profundidade emocional, de compromisso moral, de coesão social e de continuidade no tempo. Temeu-
se que essas fossem precisamente as características que estavam desaparecendo na transição da
sociedade basicamente rural para uma sociedade urbano-industrial. Este argumento do desaparecimento
da comunidade era central no trabalho de Ferdinand Tönnies (1957), tido como o fundador da teoria da
comunidade. Ele apresentou os retratos ideais típicos dessa forma de associação social, oferecendo um
estudo de contrastes entre a natureza solidarística de relações sociais na comunidade e as relações em
grande escala e impessoais nas sociedades industrializadas.
D’Ávila Neto (2002), entretanto, ressalta que essa leitura dicotômica seja insuficiente, uma vez que
tanto na "comunidade" quanto na "sociedade", há a presença dos movimentos de unificação e de
fragmentação, colocadas por Tönnies (1957) como polos antagônicos.
O conceito de comunidade ganha uma importante dimensão. Sua discussão não se restringe a um universo fechado, a uma unidade que engendra iguais
ligados pela solidariedade. Comunidade e Sociedade deixam de ser tipologias antagônicas, do mesmo modo que relações macro e microssociais
(D’ÁVILA NETO, 2002, p. 2).
É nessa ampliação dos conceitos de Comunidade e de Sociedade, proposta por D’Ávila Neto (2002), que
o estudo de comunidade em Psicossociologia ganha sentido, uma vez que, seja qual for o grupo, sua
relação com a “sociedade” é tão íntima e indissociável quanto limitada e fragmentada.
O conceito de comunidade proposto por Marshall (no Dicionário de Sociologia de Oxford (1994)) traz
limitações a essa categoria analítica, uma vez que parece não levar em conta três aspectos que se
configuram como essenciais nas relações de grupo: a) as intersecções entre o local e o não local; b) a
permanência do individual/privado no corpo do coletivo/público; c) as divisões, a heterogeneidade e os
conflitos inerentes à concepção de grupo. Propõe-se, portanto, uma breve reflexão sobre esses aspectos.
Acerca do primeiro aspecto destacado — as construções locais e não locais nos estudos de comunidade
— cabe ressaltar que, muito embora a polaridade entre local e global já tenha sido objeto de amplo
debate, permanece um lapso nos estudos de comunidade ao ignorarem as ações de um sob e sobre o
outro.
Com essa proposta, a Escola de Chicago inicia uma série de estudos sobre grupos urbanos,
caracterizando-os segundo suas particularidades (MACIEL, 1998).
Entretanto, as comunidades estudadas cada vez menos apresentam fronteiras explícitas entre o dentro e
o fora, ou entre a comunidade e o outro. Mesmo os estudos de regionalismos já não podem ignorar as
influências — em via dupla — das dinâmicas e acontecimentos globais. A questão é que, apesar de toda
Neste sentido, Leeds e Leeds (1978) e Souza (2001), ao revisitarem o termo comunidade,optam por
abrir mão de sua utilização, propondo como alternativa aos conhecidos “estudos de comunidade” os
conceitos de localidade e de instituições supralocais, para caracterizar as construções espaciais e
relacionais de grupos comunitários urbanos e seu entrelaçamento com instituições que estão presentes
em seu cotidiano, mas não são essencialmente locais. No presente trabalho, propõe-se manter a
utilização do termo comunidade; porém, entende-se a relevância de o conceito ser ampliado e
problematizado.
Bauman (2003) comenta que a palavra “Identidade” significa aparecer, ser diferente — assim, a procura
da identidade não pode deixar de dividir, separar. Para esse autor, na história moderna a noção
de“Identidade” surge como substituta da comunidade. “O paradoxo, contudo, é que para oferecer o
mínimo de segurança e assim desempenhar uma espécie de papel tranquilizante e consolador, a
identidade deve trair sua origem; deve negar ser ‘apenas um substituto’ — ela precisa invocar o
fantasma da mesmíssima comunidade a que deve substituir” (BAUMAN, 2003, p. 20).
Com os novos processos de globalização e com a aceleração das comunicações, que diminuem ou
relativizam distâncias, é preciso rever esse conceito, que retoma os primórdios no sentido de se
compreender enquanto inerentemente paradoxal, uma vez que se trata, ao mesmo tempo, de categoria
de integração e de autonomia (SAWAIA, 1996; COSTA, S. L.; ALVARENGA, L.; ALVARENGA, A. M., 2007)
Comunidade é um conceito que está presente de forma intermitente na história das ideias. Sawaia
(1996, p. 37) relaciona essa intermitência ao recorrente conflito entre o coletivo e o individual, nos
estudos sobre o ser humano. O conceito de Comunidade
[...] aparece e desaparece das reflexões sobre o homem e sociedade em consonância às especificidades do contexto histórico e esse movimento explica
a dimensão política do conceito, objetivado no confronto entre valores coletivistas e valores individualistas.
Assim, o conceito de Comunidade proposto por essa autora pressupõe também a individualidade, o que
afasta a ideia de um conjunto que só existe enquanto unidade consensual. Essa ideia de
homogeneização pode negar a noção de Comunidade, pois esta “deve oferecer um espaço total de
atitudes particulares” (SAWAIA, 1996, p. 38).
Negt (2002), concordando com Sawaia (1996), lembra que durante a república romana predominou o
domínio territorial comunitário. Depois veio a privatização. As noções do privado e do público, ao
contrário do que propõe o pensamento moderno, se sobrepõem e se complementam na realidade
brasileira, cuja modernidade se constrói cotidianamente de forma ímpar.
Segundo Schwarcz (2002), grande parte da população da periferia brasileira (urbana e rural), que tem
dificuldades no acesso a propriedades e aos meios mais elementares de sobrevivência, sofreu as
decorrências históricas do exercício frágil da cidadania e da fraca representação do Estado. Em seu lugar
surgem novas noções do que hoje é “público” e do que cabe, em contraposição, à esfera do privado. O
privado não se estabeleceu no Brasil como um modelo fechado, como se esperava dos países modernos.
Em nosso país o privado foi se afirmando enquanto processo histórico mediante um fator complicador: o
desconhecimento sistemático da esfera pública (considerando que grande parte da população constrói
uma percepção equivocada do Estado e das instituições representativas). Desta forma,
[...] ocorre uma espécie de releitura do privado, desfocado dessa maneira. Além disso, diante da evidência de uma realidade global, a privacidade ficou
como que sitiada, já que até dentro de casa não se está mais na “intimidade do lar”. Visitantes cujas regras de etiqueta não primam pela discrição,
como a televisão, o computador e a Internet, fazem com que o âmbito doméstico esteja conectado com o mundo de fora, o que cada vez mais esfumaça
as fronteiras entre o público e o privado (SCHWARCZ, 2002, p. 9).
Por esse motivo, como lembra Pratt (1992), as relações entre o centro e a periferia não se constituem
apenas em uma construção vertical e unidirecional, como podem sugerir à primeira vista. Ao contrário,
enveredam caminhos em vias de mão dupla, uma vez que as verdades universais, aparentemente
impostas pelo centro são, na prática, assimiladas, redimensionadas, apropriadas e transformadas pela
periferia, que oferece às propostas iniciais uma nova leitura, como em um movimento de mediação,
intérprete entre dois campos.
Desta forma, neste trabalho o que se aponta como estratégia é, assim como Costa (1998) no bairro da
Urca, “evitar a polarização traiçoeira que ou colocaria o bairro numa redoma ou, pelo reverso, o faria
parte neutra, sem explicações específicas, do conjunto” (COSTA, 1998, p. 39-40). Neste estudo, o
conceito que se propõe sustentar é aquele proposto por Costa (1998), no qual Comunidade é um
conjunto que produz um “(…) discurso particular, desdobrado em falas localizadas, mas que se
reintegram num discurso coletivo (…). Um ir e vir dialético, um movimento recíproco de influências”
(COSTA, 1998, p. 40).
O bairro tem sua própria história, mas existe também uma história da cidade e de cada uma de suas
regiões. São histórias entrelaçadas no conjunto, mas diferentes em suas particularidades. É, pois, com
intenção de dialogar com a perspectiva conjuntural que o estudo do bairro se constitui a partir da
releitura e da reconstrução coletiva da memória local (COSTA, 2008).
As comunidades são complexos que integram as relações entre tempo, espaço e moradores.
Frochteigarten (2005) e Sarlo (2007) lembram que, exatamente nas situações em que as pessoas foram
ameaçadas de terem suas memórias “apagadas”, caindo no esquecimento, o testemunho e o relato oral
voltaram a ter valor acadêmico-científico. “A Shoah e a bomba nuclear, justamente eventos que
ameaçaram suas vítimas de apagamento e esquecimento, transformaram o testemunho sobre o passado
em uma modalidade decisiva de relacionamento dos homens com os acontecimentos”
(FROCHTENGARTEN, 2005, p. 6).
Embora a memória e o relato oral tenham recuperado seu status no meio acadêmico
(FROCHTENGARTEN, 2005; SARLO, 2007), ainda são poucos os trabalhos que investem em dar voz à
memória e estudar em profundidade o que dizem moradores antigos de determinada localidade. Raros e
recentes também são os investimentos na compreensão das relações que se instauram de forma
dinâmica entre esses moradores, construindo noções de grupos e subgrupos e caracterizando seus
lugares, dentro da comunidade.
Halbwachs (2006, p. 84) sugere que há uma relação com o tempo que aproxima avós e netos: ambos os
grupos não se deixam aprisionar pelas armadilhas do tempo presente.
A criança também está em contato com seus avós, e através deles remonta a um passado ainda remoto. Os avós se aproximam das crianças, talvez
porque, por diferentes razões, uns e outros se desinteressam pelos acontecimentos contemporâneos em que se prendem as atenções dos pais.
Entretanto, sabendo que esses escritos de Halbwachs datam de 1968, no momento das análises das
narrativas proponho um retorno a essas proposições, considerando o contexto desta pesquisa.
No Brasil, sabemos que tanto as crianças — especialmente aquelas que vivem em situação de
marginalização econômico-social — quanto as pessoas mais idosas — ainda que já estejam aposentadas
— encontram-se cada vez mais dentro deste universo adulto, qual seja: o da preocupação cotidiana com
o trabalho e a renda.
Por esse motivo, apesar do comentário feito por Halbwachs a respeito das relações entre avós e netos
que os afastam (por diferentes motivos) de questões contemporâneas, neste estudo as preocupações
com as referências feitas ao tempo presente surgiram com grande frequência, tanto por um grupo
quanto por outro (avós e netos).
Os idosos, ao narrarem aos seus netos e às crianças de sua vizinhança as memórias do bairro,
encontram-se em uma situação mais familiar do que a narrativa clássica de histórias de vida em que o
narrador fala ao pesquisador. Além disso, a escolha dessa narrativa entre gerações favorece a
identificação dos percursos e os temas que esses moradores antigos selecionam para contar aos netos.
Lembrando Bosi (2004), uma memória se desenvolve a partir de laços de convivência. Sendo assim, ao
pensar em registro de história oral poderíamos inferir que o pesquisador em situação de observação
participante não se constitui necessariamente em um agente facilitador de processos relevantes de
memória social, ainda que em situação etnográfica.
Sendo assim, no contexto do relato oral, a presença da criança pode conduzir a lembrança em direção
àquilo que o entrevistado acredita ser importante explicitar para as novas gerações e garantir a
narrativa a partir dos laços de convivência. A coleta de Memória do Bairro a partir de história oral
intergeracional, além de contribuir para o resgate do velho como elemento valorizado socialmente em
seu grupo, contribui para a coletivização da memória, favorecendo a produção de memórias familiares e
comunitárias.
Sobre a História de Vida contada a crianças, Bosi (2004) comenta que, na contação, é a essência da
cultura que atinge a criança por meio da memória. A criança recebe do passado não só os dados da
história escrita. Ela recebe também — principalmente de seus avós — as raízes de sua história vivida. Há
dimensões da cultura que, sem os velhos, a educação não alcança plenamente.
Durante milênios, em diversas culturas, conhecimentos foram transmitidos por uma longa cadeia de
tradição oral. Neste universo, o da palavra falada, surge a figura do — quase sempre idoso — contador
de histórias.
Entretanto, em nossa sociedade, esse lugar e esse papel da pessoa idosa vem perdendo relevância.
Assim como o idoso, a criança também não tem um lugar garantido de expressão própria na sociedade,
como informam Lopes et al. (2001). Para essas autoras, a infância “de parcela significativa da população
brasileira encontram-se [sic] na indigência, vivendo em situação de vulnerabilidade extrema” (LOPES et
al., 2001, p. 49). É importante que, na pesquisa em comunidades, possamos pensar na criação de um
lugar/papel para a criança e para o idoso que os coloque enquanto sujeitos de direito, apresentando aos
adultos jovens da comunidade a oportunidade para revisitar seus próprios conceitos de infância e de
velhice.
Por esse motivo, nos estudos de Memória de Bairro podemos tomar como possibilidade a reinvenção
deste lugar da infância e da velhice no interior das comunidades a partir do diálogo entre essas
gerações, em direção à construção da memória coletiva.
As veiculações midiáticas de contos e notícias substituem, com larga vantagem, em certos aspectos, a
proposta de passagem oral de histórias, uma vez que oferecem uma gama de informações audiovisuais
que superam muito aquelas fornecidas pelo contador de histórias, principalmente quando se destinam às
gerações que já nasceram sob a égide da mídia televisiva.
Entretanto, se por um lado podemos afirmar que a quantidade e a velocidade das informações é
realmente superior, não se pode dizer o mesmo da qualidade da informação, da possibilidade criativa e
da interatividade, que são os principais aspectos constitutivos da narrativa oral.
Ao ouvirem os relatos de seus avós ou das pessoas mais velhas com as quais convivem, as crianças
entram em contato com uma história que, ao mesmo tempo que não lhes pertence, lhes é familiar, o
que pode se apresentar ora como interesse, ora como enfado, ora como intervenções que coloquem em
questão os depoimentos dos narradores.
A opção de pesquisar não a memória, mas sua construção na passagem intergeracional tem como
intenção, além de analisar as memórias, analisar também as formas como são construídas essas
mesmas memórias no encontro com outras gerações. A proposta de trabalhar com a construção de
memória coletiva a partir do encontro intergeracional entre idosos e crianças proporciona não só a
valorização do idoso e da criança, mas também uma revisão do lugar do adulto como parâmetro de ser
humano, em nossa sociedade.
[...] tanto para as crianças, que só têm futuro, quanto para os velhos, que só têm passado, não há presente, são todos marginalizados, privilegiando-se
a figura do adulto. Podemos falar sobre o mito do adulto como um ser pleno e acabado, identificado com atributos não alcançados pelos mais jovens,
como domínio de si, capacidade de manter compromissos, desempenhar seu ofício e transmitir a vida (MIRANDA, 2003, p. 3).
Esse processo é mais amplo, portanto, do que a caracterização da realidade à luz de conhecimentos
prévios: constitui-se em um movimento de construção de conhecimentos (MINAYO, 2004).
A construção da memória coletiva passa pela construção de um espaço coletivo (de convivência, de lutas
e divergências); pela vivência de um tempo comum (relacionado aos fatos que marcam esse tempo);
pela constituição de um grupo. Essa construção é produto da relação entre o tempo, o espaço e o grupo,
que caracteriza uma geração de moradores. Em um determinado momento, o grupo institui as memórias
dessa relação.
À medida que novas construções vão sendo propostas, produzem-se também novas memórias. Essa
permanente sobreposição e reinvenção de memórias, que embora venham de diferentes gerações e de
tempos diferentes, são contemporâneas no presente, acontecem no interior das comunidades, em seus
núcleos familiares, de trabalho e de negociação, seja no espaço privado, seja no espaço coletivo.
A conterraneidade e a contemporaneidade entre duas ou mais gerações promovem uma relação entre
elas que nem sempre é amigável. “O contato entre gerações é constante e inevitável, estando sempre
uma geração sob os cuidados de sua precedente e sendo responsável por sua superação” (MIRANDA, p.
4). Por essa necessidade de superação de uma geração por outra, cada vez mais presente na
modernidade, muitos valores e memórias tendem a ser propositalmente deixados de lado, em um
movimento de criação do novo que nega o velho a partir de sua subestimação ou desvalorização.
Desta forma, as construções de uma geração moderna, ao contrário do que se poderia encontrar em
sociedades da Antiguidade, se apoiam na destituição da força, da verdade e das relações construídas
pela geração anterior. Segundo Sarlo (2007):
Trata-se da crise, também moderna, da autoridade do passado sobre o presente. O novo se impõe ao velho por sua qualidade libertadora intrínseca.
Nesse corte entre o novo e o velho, a subjetividade não está em jogo, pelo menos não em primeiro lugar. A crise da ideia de subjetividade vem e outros
processos e posições, de grande expansividade para além do campo filosófico, a parir dos anos 1970. [...] quando essa guinada do pensamento
contemporâneo parecia completamente estabelecida, há duas décadas, produziu-se no campo dos estudos da memória e da memória coletiva um
movimento de restauração da primazia desses sujeitos expulsos durante os anos anteriores (SARLO, 2007, p. 31).
Esse investimento de retomada daquilo que já foi valorizado, neste caso o testemunho de velhos, busca
os efeitos morais da memória contada, mais do que o resgate do sujeito-testemunha. “É uma dimensão
coletiva que, por oposição e imperativo moral, se desprende do que o testemunho transmite” (SARLO,
2007, p. 36).
Temos então, de um lado, a reconquista dos diálogos entre as gerações e, de outro, a apropriação, pelo
narrador, desse lugar social. Esses dois polos, no testemunho, tornam-se indissociáveis. Porém, no
diálogo entre gerações distantes entre si, a contemporaneidade pode se colocar como uma tênue zona
de contato, fragilizando o próprio diálogo.
Quanto mais antigas as etapas da memória em cena, tanto mais distantes se colocam as crianças. Para evitar essa distância, os narradores podem
lançar mão de diferentes estratégias, ora se valendo de ilustrações a partir de exemplos contemporâneos, ora fazendo pontes longínquas entre o
momento narrado e pessoas ou situações do cotidiano vivido pelas crianças. No diálogo entre as gerações, também as crianças investem em se localizar
diante das memórias narradas, perguntando claramente sobre pessoas, lugares e fatos que conhecem, buscando pontes entre suas próprias memórias e
as memórias que ainda não conhecem.
A este respeito, Guedes (1998, p. 51-52) comenta que, ao contar um caso, este ganha maior idoneidade
quanto mais consiga reunir a distância temporal (fatos antigos) à condição de proximidade relacional.
Quanto maior a proximidade dos atores e a possibilidade de qualificá-los – sendo a moradia no local
e/ou a existência de relações de parentesco próximas os seus mais importantes atributos – maior
veracidade lhe é concedida. [...] Sob este aspecto, podem ser considerados tanto mais representativos
ou maleáveis (no sentido de abertura a novas interpretações) quanto mais se refiram a acontecimentos
ocorridos há muitos anos, atestando a continuidade do interesse que apresentam.
Guedes (1998) lembra que o conjunto de casos em uma determinada rede de relações sociais “é
atualizado pelo simples abandono e esquecimento de alguns e incorporação de outros e, muito
possivelmente, por alterações sutis de significados nos signos que incorporam” (GUEDES, 1998, p. 52).
Sendo assim, pode-se compreender que a identificação por parte das crianças das memórias narradas
pelos idosos significa, entre outras coisas, um reconhecimento grupal da narrativa.
Assim, quando a maioria das crianças demonstra compreensão e acordo com o que é dito, como em um
ritual que encena o domínio público sobre os casos narrados, confere-se a perpetuação das narrativas.
Muitos desses casos já reconhecidos coletivamente são mantidos em conhecimento de todos pela
oralidade há longo tempo (outra característica dos casos, segundo GUEDES, 1998), assim como muitos
também, dentro de algum tempo, terão sido extintos ou transformados.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo a memória de bairro uma produção coletiva e ao mesmo tempo particular (tanto do grupo e seus
subgrupos como de cada um de seus membros), sua construção ocorre necessariamente no diálogo
entre seus conviventes. Esse diálogo confere força e permanência renovada à memória no tempo e no
espaço.
Vale lembrar que para Halbwachs (1957-2006) a memória é sempre anacrônica, uma vez que conduz
um movimento diacrônico e sincrônico simultaneamente.
A memória, que na sociedade moderna parece ter um valor limitado à geração que a produziu, aqui
ganha um tom de desafio: tornar interessante e relevante às novas gerações aquilo que um dia teve
importância para seus idosos. Esse desafio é o desafio da contemporaneidade: vencer as barreiras
impostas pela modernidade entre as gerações, permitindo que estas possam ser interlocutoras na
construção de um presente e um futuro em comum, partindo de uma memóriatambém comum. Para
isso, nem o velho precisa se impor ao novo, nem o novo, ao velho. Antes, o que se pretende é um
diálogo que constrói pontes e redes entre novos e velhos, produzindo respeito à diacronia,
reconhecimento da sincronia e se licenciando criações anacrônicas.
A memória social é sempre uma releitura feita a partir de novas vivências. Ela é essencialmente coletiva,
pois trata da construção permanente do espaço e do tempo coletivo. Neste sentido, as imagens do
bairro desempenham um importante papel na memória coletiva, uma vez que este pode ser
compreendido como o espaço físico e afetivo no qual ocorrem as relações sociais cotidianas do sujeito.
Não o bairro enquanto unidade administrativa ou recorte geográfico, mas enquanto comunidade que se
reconhece como tal.
Alguns autores optam por abandonar o termo comunidade, propondo novas construções linguísticas e
conceituais. No presente trabalho, entende-se que é preciso abrir mão da concepção romântica que
propõe uma leitura de comunidade enquanto espaço de relações homogêneas, essencialmente solidárias
e focadas em questões locais. Ao abordarmos a memória social de uma comunidade, há que se garantir
espaço e escuta para os diferentes conflitos existentes, inerentes à própria condição de grupo. Além
disso, as questões locais atravessam e são atravessadas pelas questões não locais, assim como as
narrativas sobre o privado englobam e são englobadas pelas narrativas sobre aquilo que é de domínio
público.
Nessa produção da memória social, as narrativas não têm como objetivo produzir verdades únicas, uma
vez que, na memória, as contradições não se eliminam. É o que aqui se propõe chamar de memória
inclusiva, resultado da trama entre as memórias contadas e as histórias — oficializadas ou não —
referentes a determinado espaço, em determinado momento.
Essa proposta se enriquece ainda mais quando, além de considerar a construção coletiva de memória
entre moradores de um mesmo local, considera também a possibilidade de trabalhar com gerações de
idosos e crianças, promovendo a valorização dos lugares de ambas as gerações na comunidade e, ao
mesmo tempo, favorecendo a continuidade dessas mesmas memórias.
As construções intergeracionais da memória, como comentam Carreteiro e Freire (2006, p. 3), “[…] não
ocorrem unicamente em momentos privilegiados, mas estão presentes durante todo o processo de vida
dos membros de uma família”.
A construção intergeracional da memória a partir de narrativas de idosos às suas crianças pode, além de
rica estratégia de coleta dados, se constituir em um interessante mecanismo de transformação social.
Entende-se que essa metodologia favoreça a identificação da pessoa idosa e da criança como pessoas
relevantes ao processo de valorização e permanente reconstrução intergeracional da memória da
comunidade, não comprometendo a continuidade histórica e social da cultura local.
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1
Este trabalho é parte da tese de Doutorado defendida por Samira Lima da Costa em março de 2008 e
orientada por Tania Maria de Freitas Barros Maciel (Cf. COSTA, 2008).