Métodos e Técnicas de Trabalho Com A Familia
Métodos e Técnicas de Trabalho Com A Familia
Métodos e Técnicas de Trabalho Com A Familia
SUMÁRIO
9 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 78
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1 O NEOLIBERALISMO, AS POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIAIS
Fonte:conselheiros6.nute.ufsc.br
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ações sociais um cunho caritativo que obscurece sua real função e constituição
histórica.
As políticas sociais têm raízes nos movimentos populares do século XIX,
vinculadas aos conflitos entre capital e trabalho surgidos nas primeiras revoluções
industriais. As políticas sociais implicam ações voltadas para a redistribuição dos
benefícios sociais, que determinam o nível de proteção social implementado pelo
Estado, visando diminuir as desigualdades estruturais produzidas pelo incremento
econômico do capital e se relacionam às próprias condições de manutenção do
sistema capitalista. Um exemplo desta relação é a emergência do Estado de Bem-
Estar social na Europa, fomentado economicamente no período pós-guerra como
garantia de manutenção do capitalismo face à ampliação socialista no leste.
Fonte: www.leitura.org
Desse modo, pode-se, por exemplo, entender a educação como política pública
social, cujas ações são informadas por uma acepção particular de Estado. Essas
formas de interferência do Estado visam a manter as relações sociais de certa
formação social. No caso brasileiro, muitas políticas de implementação de escolas
técnicas, por exemplo, vinculam-se à concepção de uma formação pouco crítica e
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meramente instrumental voltada ao mercado de trabalho e dirigida à população de
menor poder aquisitivo. Assim, a divisão de uma ―formação para os ricos‖ e uma
―formação para os pobres‖ consistiu numa política de reprodução de desigualdades
sociais pela diferenciação de escolarização (PATTO, 2005). Offe (1984) ressalta que
seria equivocado pensar nos objetivos da política educacional voltados apenas para
a qualificação da força de trabalho conforme interesses de determinadas indústrias ou
formas de emprego, afirmando que:
(...) parece mais fecundo interpretar a política educacional estatal sob o ponto
de vista estratégico de estabelecer um máximo de opções de troca para o
capital e para a força de trabalho, de modo a maximizar a probabilidade de
que membros de ambas as classes possam ingressar nas relações de
produção capitalistas. (OFFE, 1984, p. 128).
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política do Estado na fase atual do capitalismo, considerando suas funções no
capitalismo neoliberal financeiro.
Analisando as origens das políticas sociais traçadas pelo Estado Capitalista
contemporâneo para a sociedade de classes, pode-se depreender que o Estado atua
como regulador das relações sociais a serviço da manutenção das relações
capitalistas em seu conjunto (OFFE, 1984) e não especificamente a serviço dos
interesses do capital, a despeito de reconhecer a dominação deste nas relações de
classe. No processo de acumulação capitalista e em suas crises, as formas de
utilização da força de trabalho são deterioradas, transformadas ou destruídas, e
escapa aos indivíduos decidir quanto à sua utilização. O sistema de acumulação
capitalista engendra em seu desenvolvimento problemas estruturais referentes à
constituição e reprodução contínua da força de trabalho e à sua socialização através
do trabalho assalariado. Em períodos de profunda assimetria nas relações entre
proprietários dos meios de produção e trabalhadores, o Estado atua visando garantir
a manutenção do conjunto de relações capitalistas. Assim, conforme Offe, "(...) a
política social é a forma pela qual o Estado tenta resolver o problema da transformação
duradoura de trabalho não assalariado em trabalho assalariado" (OFFE, 1984, p. 15).
O Estado não só qualificaria continuamente mão de obra para o mercado, como ainda,
através das políticas sociais, procuraria controlar parcelas da população excluídas do
processo produtivo, assegurando condições materiais de reprodução da força de
trabalho, inclusive visando uma adequação quantitativa entre a força de trabalho ativa
e a força de trabalho passiva, e de reprodução da aceitação da condição de
exploração.
Estas podem ser consideradas funções últimas da política social, em que as
diversas instituições sociopolíticas e estatais intervêm no jogo de forças entre
segmentos sociais divergentes, gerando intervenções do Estado que atingem o todo
da sociedade, equacionadas por referenciais que refletem o pensamento capitalista.
Ressaltando a dinâmica própria do Estado nas sociedades capitalistas modernas, Offe
(1984) relaciona as origens da política social à estratégia estatal de mediação entre
interesses conflitivos:
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(...) para a explicação da trajetória evolutiva da política social, precisam ser
levadas em conta como fatores causais concomitantes tanto exigências
quanto necessidades, tantos problemas da integração social quanto
problemas da integração sistêmica (...), tanto a elaboração política de
conflitos de classe quanto à elaboração de crises do processo de
acumulação. (OFFE, op. cit., p. 36)
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Regime, não deveria gerenciar nem conceder a propriedade privada, mas arbitrar
conflitos surgidos numa sociedade pautada pela competição entre indivíduos, em que
proprietários e trabalhadores disputam interesses, realizam contratos, etc. Adam
Smith expressa essas ideias em A riqueza das nações:
(...) deixe-se a cada qual, enquanto não violar as leis da justiça, perfeita
liberdade de ir em busca de seu próprio interesse, a seu próprio modo, e faça
com que tanto seu trabalho como seu capital, concorram com os de qualquer
outra pessoa ou categoria de pessoas.
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estabelecem e se equilibram naturalmente na sociedade são destacados por
Friedman:
Fonte: www.estudopratico.com.br
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Percebendo a economia de mercado como ordem reguladora da sociedade,
Hayek (1976) a dissocia de um julgamento de justiça que caberia a condutas
humanas, pois a considera como natural, um pressuposto da sociedade humana cujos
resultados não podem assim ser julgados ou modificados:
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trouxe unidades maiores, redução da capacidade dos consumidores de
escolher e aumento do poder dos produtores. (p.81).
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ações sociais enquanto meio de constituição de um espaço público, coletivo e
participativo. Como aponta Plastino (2005),
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Além disso, o viés econômico na análise neoliberal das relações sociais tem
ocultado dados ligados à real condição de vida da população. Por exemplo, mede-se
a pobreza por diversos critérios que mostram seu agravamento, mas ela é
desvinculada do exame de outros aspectos, utilizando-se como critério o dado
macroeconômico do PIB per capita. Esse índice, porém, descreve apenas a esfera
econômica e enxerga o conjunto pela média, cego à sua distribuição real, não
considerando que, em países como o Brasil, tal média é permeada pelo contexto
histórico de desigualdade econômico-social.
O discurso neoliberal, que se dispõe como discurso único e verídico sobre as
relações sociais e políticas, não pode ocultar as decorrências sociais e culturais que
seu modelo e sua racionalidade geram presentes na expansão do desemprego, na
piora da condição de trabalho, na fragilização de vínculos trabalhistas, no aumento da
violência, da miséria e da marginalização.
Seus efeitos se notam ainda na constituição das subjetividades e das relações
humanas, com influências na família, no trabalho, na escola e todos os espaços de
socialização, trazendo para eles a lógica das relações humanas como mercadorias e
do ―lucro‖ social, subjetivo, educacional, político. Uma gestão pública informada por
uma acepção crítica de Estado, que considere seu papel atender toda a sociedade,
sem privilegiar interesses de grupos detentores do poder econômico, deve ter como
prioritários programas de ação universalizantes, que compreendam as ações públicas
sob uma lógica democrática e não sob uma lógica de mercado, e possibilitem o acesso
e a participação equitativa nas conquistas sociais por todos os cidadãos, visando
reverter o desequilíbrio social. Mais do que oferecer "serviços" sociais, as ações
públicas articuladas com as demandas da sociedade, devem se voltar para a
construção de direitos sociais.
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2 NEOLIBERALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO BRASILEIRO
Fonte: direitosocialsaudeparatodos.blogspot.com.br
Fonte:www.emanuellagalvao.com.br
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ressaltam o caráter massivo de fenômenos como o aumento da pobreza, do
desemprego, da desigualdade e exclusão social e da violência, ligando-os às
mudanças operadas na ordem político-econômica, por força de interconexões globais,
metamorfoses no mercado de trabalho e da redução da proteção social.
Na América Latina, a globalização e liberação dos mercados, priorizando a
abertura comercial e financeira e a estratégia de integração à ALCA, a estabilidade
econômica, a reforma do Estado pelas privatizações, aliadas à ausência de uma
política industrial ativa, tiveram consequências destrutivas sobre o emprego e os
direitos sociais. Durante as duas últimas décadas, os processos de globalização da
economia e reestruturação produtiva tiveram alto impacto sobre os centros urbanos,
gerando o aumento do déficit habitacional, a deterioração das condições ambientais,
o encarecimento do solo urbano, o aumento do desemprego, do custo de vida e do
subemprego, a intensificação de desigualdades sociais, da pobreza e da violência. No
mesmo período, a maioria dos governos latino-americanos adotou reformas
estruturais de caráter setorial, enquanto tomava medidas de ajuste fiscal na política
macroeconômica. Tais reformas afetaram o mercado de trabalho, agravando o
desemprego a partir da década de 90, diminuindo o padrão salarial e de renda e
aumentando a participação dos trabalhadores no setor informal.
Em políticas públicas na saúde, tem-se um exemplo desse processo: a
dinâmica demográfica e a mudança na faixa etária da população, ligada à miséria e
às más condições de vida nos bolsões populacionais, geraram a justaposição de perfis
epidemiológicos em que coexistem problemas de higiene e saúde, fazendo ressurgir
doenças que se pensava controladas. De outro lado, políticas cada vez mais voltadas
a dispositivos privados fragilizaram a atenção pública em saúde, mormente em
ocasiões de cunho epidemiológico, dificultando a redução de situações de
vulnerabilidade e o atendimento aos mais excluídos.
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Fonte: www.jornalotabloide.com.br
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político pelas alianças de elite formadas após a ditadura militar, sobre o vazio político
da recém-constitucionalização, num contexto em que ainda não haviam sido
implantadas as diretrizes da Constituição de 1988. Por exemplo, o governo Cardoso
(1994-2002) deflagrou um uso exponencial de medidas provisórias, gerando reformas
constitucionais seguidas, que significaram a revisão de vários de seus contratos
básicos numa direção liberal, ―com intensidade inédita na história republicana do
século XX‖ (CODATO, 2005). Assim, a manutenção das relações autoritárias
constituídas historicamente nas instituições brasileiras, inclusive com o dispositivo de
subordinação do Congresso Nacional ao Executivo, favoreceu a implantação da
política neoliberal a despeito da opinião popular.
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3 POLÍTICAS DE EMANCIPAÇÃO NO ESTADO CAPITALISTA
Fonte: www.arionaurocartuns.com.br
Transferência de Renda
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compensatórias, como o salário-desemprego, e em 1986 fundou-se a Rede Europeia
da Renda Básica.
No Brasil, a ascensão de movimentos sociais contribuiu para a aprovação do
projeto de lei do senador Eduardo Suplicy (PT/SP) em 1991, instituindo o Programa
de Garantia de Renda Mínima (PGRM), no qual toda pessoa de 25 anos ou mais que
não recebesse o equivalente ao salário mínimo teria direito de 30% a 50% da diferença
entre esta quantia e sua renda. A elevada concentração de renda é marcante na
sociedade brasileira, cujos índices de desigualdade estão entre os mais altos do
mundo. Neste cenário, implantar a garantia de uma renda mínima – a transferência
monetária para pessoas que não alçam um nível mínimo de renda – é uma das
políticas compensatórias e meio de combate à miséria.
Tais programas se ampliaram por municípios e estados: é criado em 1995 o
PGRM de Campinas, (gestão Magalhães Teixeira) e o Bolsa-Escola, do Distrito
Federal (gestão Cristovam Buarque). Os resultados positivos no Distrito Federal
tornaram o programa Bolsa-Escola referência para vários países (VAN PARIJS, 2000).
No nível federal, a Bolsa-Escola passou a vincular renda mínima e política
educacional: a complementação busca elevar a renda de famílias pobres e ainda
incentivar a escolarização de seus filhos, atendendo hoje 5% da população, em 5.531
municípios brasileiros dos 5.561 existentes. No programa federal, cada criança entre
6 e 15 anos, frequentando regularmente escolas da rede pública, tem direito a R$
15,00 mensais, até o máximo por família de R$ 45,00. O dinheiro é mensalmente
sacado por cartão magnético pela mãe ou responsável legal, nas agências da Caixa
Econômica. A escolha de favorecidos obedece a critérios legais e o pagamento é
suspenso em caso de frequência escolar mensal inferior a 85%, cujo controle é feito
pelas prefeituras participantes do programa, trimestralmente. Em comparação às
políticas sociais tradicionais no Brasil, os programas de transferência de renda
avançam politicamente ao dispor metas socioeducativas e explicitar a preocupação
de articular políticas diversas. Assim, Van Parijs (2000) elogia o programa brasileiro
como promotor da autonomia dos cidadãos.
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Há, porém barreiras para articular os diversos programas de política social, pois
mesmo com a grande quantia de recursos envolvidos e pessoas atendidas nos
programas nacionais, eles não conseguem formar em seu conjunto uma política
nacional unificada. Assim, muitas vezes, programas de transferência monetária
acabam atuando de modo isolado e regional, sem maior articulação a programas de
educação, saúde, trabalho e outros. Seria preciso sua articulação às iniciativas em
torno do desemprego do país, numa política nacional de cidadania instituída de modo
descentralizado e coordenado. É preciso ainda lembrar que estas políticas não
questionam modelo econômico de pobreza estrutural e podem não implicar
participação popular, mostrando-se vulneráveis ao contexto político.
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composta por 12 centros em vários estados. Em 1989, cria-se na Bahia o Banco que
hoje possui filiais, com apoio do UNICEF e do BID e filiado ao Women's World
Banking.
Essas ações estavam relacionadas à luta pelos direitos sociais do fim da
década de 70 e início da de 80, e ao movimento constituinte, de redemocratização e
da reorganização do sistema público. Até 1994, havia poucas opções de microcrédito,
em apenas 20 agências de financiamento popular. Em 1995, o Conselho Comunidade
Solidária começou a discutir formas legais e apoios de organizações civis para
expandir o microcrédito e em 1996, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) passou a apoiar iniciativas populares, criando o Programa de
Crédito Produtivo Popular. Nos últimos sete anos, com o início das medidas para
ampliar o microcrédito no Brasil, pequenos empreendedores do trabalho informal ou
de microempresas passaram a obter investimentos de até 10 mil reais com juros
baixos (que variam de 1% até 4% ao mês). Várias pesquisas indicam baixo índice de
inadimplência em políticas de microcrédito (3% a 5% após 30 dias), o relacionado à
metodologia de capital social, em que a própria comunidade gerencia os
financiamentos. Porém, seu crescimento no Brasil ainda é baixo e nem sempre
garante acesso a crédito à população de baixa renda. Para Neri & Giovanni (2005,
p.644), ―o mercado de crédito brasileiro visa mais ao consumidor do que ao produtor.
É mais de curto do que de longo prazo e atinge mais a alta do que a baixa renda‖.
Conforme a legislação, a estrutura do setor de micro finanças é formada por
instituições chamadas de "primeira linha" (da sociedade civil, setor público e iniciativa
privada) e "segunda linha" (BNDES, pelo Programa de Crédito Produtivo Popular -
PCPP e SEBRAE, pelo Programa de Microcrédito). As instituições de "segunda linha"
oferecem capacitação, apoio técnico e recursos financeiros para as instituições de
"primeira linha", que atuam diretamente com o cliente. Em 2001 decretou-se a Medida
Provisória 2.172-32, legalizando contratos de microcrédito com Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP ‘s. Antes disso, as iniciativas de ONGs,
não sendo entidades financeiras e sem vinculação ao Banco Central, estavam sujeitas
à Lei da Usura, que limita a cobrança de juros a 12% ao ano. Em 2001, também foi
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publicada a Lei 10.194, que permitiu a criação de Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor (SCM), liberando juridicamente a iniciativa privada a atuar como
instituição de "primeira linha" em organizações de microcrédito.
Há políticas de microcrédito a trabalhadores de baixa renda na maioria dos
estados e em muitas prefeituras no Brasil, com poucas diferenças entre elas, a maioria
de intervenção do governo e viabilizando pequenos empréstimos. Em Recife, o Banco
do Povo dirigido pela prefeitura tem um programa de crédito voltado a microempresas
e trabalhadores informais (sem registro no CNPJ), que inclui análise de viabilidade do
negócio, cursos e acompanhamento. Durante a análise, é definida a quantia a
emprestar, com limite menor a trabalhadores informais e maior para formais, a ser
retirada no Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal. O Banco - MG, criado em
1997 numa parceria entre prefeitura e empresários que criaram uma OSCIP, tem
linhas de microcrédito para capital de giro, de menor valor, e investimentos em
equipamentos, de maior valor, com juros de 3,9% ao mês. Em casos de parceria
público-privada, é preciso observar a idoneidade das iniciativas, que podem servir à
atuação financeira lucrativa de entidades privadas com recursos públicos.
Entre as dificuldades encontradas para o acesso a crédito aos pobres em
programas de microcrédito está a dificuldade de provar garantias de pagamento, a
lentidão da justiça, que dificulta a cobrança em caso de inadimplência, o excesso de
burocracia e impostos, que dificulta o desenvolvimento de micro negócios e exige
informação e acessoria ao empreendedor. Assim, a ampliação do microcrédito exige
a reavaliação de medidas estruturais. Neri & Giovanni (2005) apontam que, embora
em sua pesquisa, apenas 7% dos micros negócios tivessem obtido crédito, houve
aumento de chances para aqueles ligados a entidades de classe (cooperativas,
sindicatos, etc.) e empresas com constituição jurídica, e ressaltam que o microcrédito
se institui mais solidamente atrelado a um programa de crédito solidário, engajado na
associação e na participação coletiva.
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A organização cooperativa como resposta ao desemprego
Fonte: www.investimentosfinanceiros.com.br
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mercadorias distinto do capitalismo quanto como um arranjo entre trabalhadores
capazes de organizar produtos e serviços de forma a ter condições de competir com
a empresa capitalista. A cooperativa não é uma construção teórica de um autor,
embora haja estudos que buscam refletir sobre sua organização. Ela é um modo de
organização surgido em vários períodos da história, criado e recriado pelos que estão
marginais ao mercado de trabalho ou sofrem este risco, sempre que trabalhadores
buscam alternativas à economia marginal que os habilitem para competir no mercado
capitalista. Ela é uma organização surgida da prática, que casa a unidade posse uso
dos meios de produção, próprios da produção simples de mercadorias, com o princípio
de socialização destes, isto é, de sistemas só utilizados por grande número de
pessoas, próprios do capitalismo. Embora este sistema pareça um híbrido entre estes
dois modos de operação da economia, ele é uma síntese que os supera. Há afinidade
entre trabalhadores e a economia solidária porque, embora nem todos os
trabalhadores se oponham ao capitalismo, a maioria deles o faz, e a economia
solidária é também uma base ideológica dessa oposição.
A economia solidária consiste, assim, numa criação em processo contínuo de
trabalhadores em luta contra o capitalismo, que não o precede, mas o acompanha
como uma sombra, condenando a ditadura do capital na empresa e o direito de
propriedade do dono dos meios de produção, que gera desigualdade social e,
sobretudo, uma associação de trabalhadores para produzir, distribuir, comercializar e
comprar bens e serviços, em iniciativas não capitalistas.
Fonte: canalcooperativo.com.br
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Há teorias que afirmam que as cooperativas não teriam condições de se
estabilizar e desenvolver no seio do capitalismo, falindo ou tornando-se empresas
capitalistas pelo fato de haver uma ―cultura capitalista‖: os trabalhadores não
conseguiriam se organizar de forma solidária, pois adotam a lógica capitalista no
arranjo cooperativo, e ficam na contradição de serem simultaneamente operário e
capitalista. Outras teorias afirmam que as empresas capitalistas têm uma lógica de
mercado em que é impossível à cooperativa instalar-se. Mas nenhuma delas se
mostra verossímil ao se observar que algumas cooperativas se estabilizam e
continuam operando como tal durante muito tempo.
De fato, as cooperativas têm de enfrentar desafios para se estabilizar nos
mercados, sendo preciso mudanças organizacionais em comparação ao sistema de
produção capitalista. O desafio inicial se dá, então, na gestão da empresa solidária,
pois se acredita que a administração é um saber científico, decorrendo daí que, se a
maioria de trabalhadores ingressantes na cooperativa tem baixa escolaridade, não
haveria subsídios para sua boa administração. Essa questão na verdade se desdobra
em duas: primeiramente, em oposição à gestão capitalista, na qual o capitalista em
geral contrata um técnico ou corpo técnico que administra a empresa, a gestão da
empresa cooperativa é a um só tempo direito e tarefa de todos os cooperados, sendo
esta lógica de gestão democrática uma das noções que a define. Há aí o embate
ideológico de que, sendo a administração um saber técnico, haveria pessoas melhor
ou pior instruídas para realizá-la e seria inviável a gestão coletiva não efetuada por
um corpo técnico. Porém, deve-se ponderar que a administração, embora seja
estudada ou aprimorada pela ciência, é uma arte que une experiência e conhecimento
de uma pessoa ou grupo de pessoas na tomada de decisões, o que se nota ao verificar
que as decisões na cooperativa, conquanto usualmente mais demoradas que na
empresa capitalista, são também mais acertadas, pois incluem um conjunto mais
abrangente de informações, advindas do conhecimento e da experiência de todos os
cooperados. Assim, o problema que se coloca para a cooperativa não é a falta de
capacidade para a gestão, mas o discurso dominante de que a administração só é
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viável por um discurso competente (CHAUÍ, 1984) de natureza técnico-científica. Isso
não quer dizer que a cooperativa prescinda de informação técnico-científica. Ao
contrário, ela é necessária e a cooperativa poderá incluir membros com saberes
específicos da área em que atua ou contratar serviços de um grupo exterior. Nesse
sentido, a cooperativa torna-se mais viável quando o ―know-how‖ de que ela precisa
pode viabilizar-se aos cooperados. Este é o segundo entrave, de cunho político: a falta
de ação político-governamental para dar subsídios à formação e capacitação de
cooperativas. No Brasil, esse problema é tratado, sobretudo, pelas universidades,
através dos programas de incubadoras de cooperativas, mas não é considerado pelo
governo como um todo, onde não há assessoria tecnológica para este fim.
O problema da falta de políticas públicas que viabilizem cooperativas está
presente ainda em outras áreas necessárias à sua estabilização, como o acesso a
crédito, que é em geral menor para cooperativas em comparação às empresas
capitalistas, a redes de comercialização, etc., havendo assim uma falta de garantia
das bases de sustentação da economia solidária. Um exemplo é a legislação tributária
brasileira: sendo os cooperados sócios da cooperativa, pagam impostos como tal, e
sendo assalariados, também pagam os impostos referentes. Assim, devido à falta de
legislação específica para empresas cooperativas, elas acabam por ser tributadas
duas vezes. Isso ocorre também, além desses fatores, porque a maioria das unidades
cooperativas atua isoladamente em mercados dominados por empresas capitalistas,
sem haver uma rede de cooperativas que atue para minimizar esses problemas. No
Brasil, as cooperativas surgem nos anos 1980, junto ao fortalecimento dos sindicatos
e à redemocratização do país, e se ampliam na segunda metade da década de 90.
Elas resultam de movimentos sociais que reagem à crise de desemprego iniciada em
1981 e agravada pela abertura do mercado para a importação nos anos 90, e se
viabilizam pelo apoio de incubadoras tecnológicas de cooperativas nas universidades
públicas. Mas seu desenvolvimento enfrenta, além dos problemas supracitados, a falta
de fiscalização, que deixa uma brecha para que empresas capitalistas registrem-se
como cooperativas, anulando direitos trabalhistas de seus funcionários e diminuindo
de forma ilícita o preço de seus produtos para competir com as próprias cooperativas.
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Essa operação intensificou-se nas décadas de 1990 e 2000, tanto pelo aumento do
nível de desemprego que levou à degradação das condições de trabalho quanto pela
privatização da oferta de serviços sociais através de ONGs e parcerias público-
privadas. Nestes casos, os contratos, desvinculando do Estado a responsabilidade
social e a contratação de funcionários para oferecer serviços e implantar projetos
sociais integrados a um plano de desenvolvimento social, abrem novas brechas para
a fragilização dos vínculos trabalhistas pelo uso ilícito e falso da organização
cooperativa.
Fonte: www.primacredi.com.br
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mais escolarizado, independente de qual seja a qualificação necessária para o
desempenho da tarefa. A premissa de que o trabalhador melhor qualificado obtém
melhores vagas é uma avaliação que culpabiliza perversamente o desempregado pela
exclusão do mercado, ocultando fatores estruturais geradores do desemprego. O
próprio mecanismo de funcionamento e os preceitos do capitalismo se pautam pela
ampliação da exploração do trabalho e pelo corte de gastos, visando aumentar a
lucratividade e gerar a evolução tecnológica que substitui o trabalho humano.
Compreendendo o homem como mero recurso, a administração capitalista não
permite uma inclusão real: mesmo um crescimento econômico amplo é incapaz de
garantir a participação de toda a sociedade nos processos de produção e
desenvolvimento.
Fonte: www.catho.com.br
Fonte: www.escolainfo.com.br
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Os rumos da gestão social têm sido historicamente traçados pela gerência de
empresas, já que são adotados pressupostos empresariais de produtividade no
desenvolvimento das ações. No Brasil, a gestão pública acaba se vinculando aos
princípios empresariais, dada sua característica capitalista, em que os interesses do
capital atuante nas organizações se reproduzem nas relações políticas e sociais, que
se adaptam a esse modelo hegemônico. Segundo Paro (1996), na sociedade
capitalista "as regras capitalistas vigentes na estrutura econômica tendem a se
propagar por toda a sociedade, perpassando as diversas instâncias do campo social"
(p.48). Nesse contexto, supervisores de ensino, coordenadores de saúde ou diretores
de escola passam a atuar compreendendo suas funções básicas como organizar e
administrar num prisma produtivo e avaliando as ações em termos de eficácia,
eficiência e produtividade em contextos em que seria mais próprio pensar em termos
de pertinência, efetividade, cooperação e participação social. Assim, para entender os
paradigmas presentes na gestão social pública, é preciso antes delinear
historicamente os conceitos de administração na sociedade capitalista, que vêm
condicionando a gestão em instituições e organizações.
Hora (1997) demonstra que a teoria administrativa do século XX se
desenvolveu em três escolas: a clássica, que tem como critério central a eficiência
(capacidade real de produzir o máximo com o mínimo de recursos), representada pela
teoria científica de Taylor, pela teoria de Administração Geral de Fayol e pela
administração burocrática, concebida por alterações da teoria da racionalidade de
Weber; a psicossocial, representada por Mayo e Dickson, que substitui o critério da
eficiência pelo da eficácia, em que os objetivos a alcançar são intrínsecos ao sistema,
e a contemporânea, que tem como critério a efetividade (capacidade de criar a
resposta desejada). Embora com ideias distintas, as duas primeiras teorias têm como
objetivo central obter lucro. Elas nortearam a organização institucional na sociedade
capitalista, trazendo a noção de lucro ao interior das instituições, que passou a
permear as relações humanas, com implicações sociais e políticas.
Ao entender os recursos humanos não como recursos do homem (técnicas e
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procedimentos), e sim o homem como recurso (PARO, 2002), tais concepções
desumanizam as relações humanas, pois deslocam o homem, de sujeito, a objeto do
processo, desconsiderando que "o homem é meio, não fim" (PARO, 2002, p.25), e
gerando relações de dominação. Na Administração capitalista, a produção, que visa
lucro, "só se sustenta a partir da exploração do trabalho alheio" (Ibid., p.44). Paro
(2002) aponta dois campos de administração: a "racionalização do trabalho", ligada à
utilização dos recursos materiais e conceptuais, e a "coordenação", ou seja, o
emprego do esforço humano coletivo.
Fonte: inclusaoprodutiva.org
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também de globalização econômica, avanço da hegemonia neoliberal e queda do
Estado de bem-estar social. Assim, as políticas públicas e sociais são palco de lutas
e jogos de forças entre discursos econômicos focados na redução do Estado e
movimentos sociais e políticos que alertam para a situação ainda mais excludente e
perversa delineada na terceira fase do capitalismo, buscando participação popular
democrática e acesso a condições de desenvolvimento humano melhores. No quadro
internacional, nota-se um novo jogo de forças entre Estado e mercado, em que
organizações multinacionais e conglomerados empresariais, por seu poder
econômico, acabam impondo acordos e exigências aos países, muitas vezes
reivindicando a fragilização de condições de trabalho e menores dispêndios tributários
e sociais, afetando conquistas sociais históricas. Nossos governos, sob forte pressão
financeira internacional, teriam optado por um lado da balança - o do ajustamento
econômico e fiscal. Para Narita (2004),
A opção por um modelo neoliberal limita o papel do Estado que, por meio das
políticas econômicas e sociais, não universaliza os direitos sociais à saúde e
à educação. Isso porque o Estado - democrático e de direito - existe
formalmente, mas de fato, grande parte da população vive sob a condição de
não-cidadania, participando de um contrato social excludente, em um não-
Estado de direito. E, com as reformas do Estado, de cunho neoliberal, torna-
se mais difícil construir um Estado público, democrático e que assegure os
direitos sociais e a cidadania plena a todos (p.26).
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Conselhos Tutelares e de Saúde, tenham tido êxito em certos aspectos, a estrutura
geradora de más condições de desenvolvimento humano e a ação focal do Estado
acabaram dificultando a reversão do quadro de miséria e exclusão da maioria da
população. Desse modo, programas como os de Saúde da Família, de Agentes
Comunitários, de Aleitamento Materno e Atenção Materno-Infantil favoreceram a
redução da mortalidade infantil e programas de incentivo à permanência ou volta à
escola, à educação de adultos, de Livro Didático e Merenda Escolar permitiram a
redução do analfabetismo. Todavia, os índices de pobreza e desigualdade apontam
para os limites das políticas sociais, enredadas em problemas estruturais de duração
secular, agravados atualmente pelo desemprego, a instabilidade do trabalho e a
redução da renda das famílias.
Junto a essas questões, há a distorção dos mecanismos de participação
conquistados na década de 80. Sobretudo nas políticas de educação, assistência
social e saúde, os últimos quinze anos registram um elevado grau de alterações e
inflexões nos programas, afetando desde concepções até financiamento, modo de
operação, organização e estilo de gestão. Projetados para o conjunto das áreas
sociais, os dados registram relevantes mudanças nas metas, orientações e eixos.
Ainda assim, há ganhos para a gestão democrática, cujas diretrizes na Constituição
permitiram a formação de conselhos populares e cuja execução em saúde e educação
tem constituído os melhores resultados nestas áreas.
Fonte: www.rneducacao.com
38
Administração escolar democrática: questões e desafios em educação
39
aluno não é apenas beneficiário (como o cliente capitalista), mas também participante
sujeito e objeto da educação. Ele é a matéria prima (que se altera no processo), mas
não pode ser selecionado como nas empresas. A aula é produzida e consumida ao
mesmo tempo e as relações escolares, mesmo no trabalho de seus agentes, não se
pautam pela produção de lucro. O trabalho pode ser produtivo para o empregador,
mas não para o aluno.
Hoje, também a gestão escolar é similar à gerência capitalista, referida ao
comando administrado do trabalho alheio. A decisão final é do diretor, que está no
topo da hierarquia, responsável pela supervisão das atividades, que têm funções
específicas, facilitando seu controle. Além de pressões de órgãos superiores, todo o
corpo escolar (professores, alunos, pais, funcionários) cobra do gestor, que tem de
conciliar interesses de ambas às partes, inclusive naquilo que não tem domínio direto
(recursos, por exemplo), e quando tais solicitações não são ouvidas, sua imagem se
estigmatiza como autoritário. Nesse quadro, o diretor da escola:
40
não analisarem os determinantes sociais e econômicos da gestão escolar, mostrando-
se acríticas à realidade concreta. A primeira eleva à universalidade um tipo de gestão
socialmente marcado e a segunda considera essa gestão geradora de todo
autoritarismo. Esse debate trouxe questões acerca de uma gestão escolar
democrática, ampliando noções sobre limites e aberturas da gestão participativa.
Nesse sentido, pode-se resgatar a ideia de gestão que, se no capitalismo se liga à
área econômica, tem de fato origem política e precisa ser compreendida nessa esfera.
Arendt (2001) aponta como atributo central da esfera política a ação conjunta, que
consiste no diálogo e no pensamento no plural. Nessa acepção, gestão refere-se à
participação que atua em problemas da formulação de políticas públicas, em especial
nas políticas sociais e de educação e saúde. Paro, por exemplo, propõe uma gestão
escolar voltada a mudanças sociais. Para isso "nem a Administração será vista apenas
enquanto conjunto de princípios, métodos e técnicas (...) nem a escola será tomada
como entidade autônoma para o qual apenas se buscarão os procedimentos
administrativos mais adequados" (1996, p.13).
Assim, compreende-se que a transformação social inicia-se pela análise de
antagonismos e desigualdades sociais, pela conquista de espaços mais amplos na
sociedade civil, visando à transformação do Estado em prol de uma relação menos
coercitiva e mais democrática e convergente com o interesse popular. A educação
escolar pode servir de artifício em poder dos grupos sociais dominados, visando à
autonomia, como aponta Freire (1993): a apropriação crítica do saber historicamente
forjado leva à emancipação cultural, desconstruindo relações de opressão. Hoje, a
educação atenta para os requisitos intelectuais ligados ao treino de funções de
produção, em prejuízo da autonomia e do pensamento crítico, pois o saber veiculado
é guiado por critérios econômicos de produção e consumo, não por metas de
ascensão social coletiva. O papel do educador voltado a mudanças sociais é valorizar
sua ação, questionando, pesquisando e refletindo a realidade para entendê-la e
superá-la. Para mudanças efetivas na escola, deve-se incluir a produção pedagógica,
além de uma gerência que explicite os alvos que deseja alcançar e perceba os reais
interesses da população que atende. O gestor deve estar cônscio da ação tecnocrática
41
de seus órgãos superiores, questionando a função de mero burocrata, obrigado a
fazer cumprir programas educacionais que muitas vezes desconsideram a realidade
e necessidades da comunidade escolar. O ideal de gestão que separa concepção e
execução leva a ações centralizadoras e autoritárias, voltadas ao controle e inspeção
de atividades. Isso gera uma ação fragmentada do professor, na qual ele efetua uma
prática pedagógica planejada por especialistas incumbidos ainda do seu controle,
cerceando o saber constituído nas relações forjadas em sala de aula e desvinculando
sua própria habilidade de pensar e tecer relações favorecedoras da autonomia com
os alunos.
Fonte: zelmar.blogspot.com.br
43
professores e a oferta de vagas, favoreceria os planos de carreira municipais e a
capacitação de professores leigos presentes no sistema de ensino, auxiliando a meta
da LDB de permitir que, até 2006, todos os professores tivessem formação média ou
superior. Porém, houve resistência ao processo, pois a transferência do ensino se deu
de modo hierarquizado, sem discussão ampla junto aos docentes e reorganização
conjunta dos sistemas de ensino, criando conflitos e entraves. Além disso, nem
sempre recursos materiais e humanos se fizeram presentes como deveriam, faltando
profissionais preparados para fazer a capacitação de professores, por exemplo. Além
disso, o Fundef se tornou atrativo para gestores municipais mais preocupados em
receber recursos do que em investir na qualidade do ensino. Por lei, o município deve
aplicar 25% da receita na educação, oriundos do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), do Fundo de Participação dos Estados e dos
Municípios, e de parte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que devem
ser gastos na manutenção e desenvolvimento do ensino público e na valorização do
magistério.
Essa dificuldade em implantar políticas vincula-se ao escasso diálogo entre
legisladores, secretarias de ensino, professores, diretores e alunos. Na passagem da
formulação à implantação, certas medidas tomadas no tocante ao sistema de
progressão continuada pelas Secretarias e Conselhos de Educação acabam por
tornarem-se prescritivas e normatizadoras. A falta de participação na criação e
viabilização das políticas educacionais tem levado ao desencontro entre a escola e a
execução de diretrizes educacionais da legislação. As condições de trabalho dos
professores - jornadas fragmentadas, contrato por hora aula, alta rotatividade e baixos
salários – revelam falta de iniciativa para prestar condições de realização de um
trabalho coletivo. Igualmente, políticas de capacitação para professores muitas vezes
ocorrem prescrevendo inovações, relacionando competências que os educadores
devem aprender e aplicando cursos de treinamento. Tais medidas, pautadas na
racionalidade técnica e na lógica dedutiva que pressupõe que as normas criam a
realidade social, desconsideram o que é criado e vivido na própria escola e buscam
modificar a escola por meio de ações externas e alheias a seu contexto cultural. É
44
preciso, ao contrário, ponderar os modos pelos quais, diante da legislação e das
condições presentes, os professores têm pensado seu papel social e constituído suas
práticas, considerando os sujeitos sociais integrantes do processo de produção de
saberes, criação e transformação das práticas.
45
presentes na sociedade brasileira (MACEDO, 2005). Esse consistia num modelo de
saúde e seguro social não-universalizante e assistencialista, voltado a grupos
assalariados, de maior peso econômico e articulação política. Além disso, a visão
centralizadora das políticas de saúde, justificada exatamente por entraves sociais e
econômicos, reforçava a exclusão da população na tomada de decisões.
Essa situação se alterou mais sensivelmente apenas nos anos 80, quando
movimentos sociais emergentes no processo de redemocratização firmaram a luta
política por soluções aos problemas sociais brasileiros. Isto levou à reorganização da
gestão na saúde, pela Proposta de Emenda Constitucional da Saúde (PEC 29), que
definiu a participação da União, Estados e Municípios no financiamento de ações e
serviços públicos de saúde, através da aplicação mínima de recursos fixada por lei. A
PEC 29 foi o passo inicial em direção ao Sistema Único de Saúde (SUS), que declarou
a saúde ―direito de todos e dever do Estado por princípios de universalidade no
atendimento, descentralização, participação da sociedade, equidade no custeio e
uniformidade de benefícios. Essas diretrizes constitucionais permitiram maior
participação popular, em níveis integrados e descentralizados nos municípios e
estados e na regionalização do atendimento. Mas enquanto a concepção e criação do
SUS se desenrolaram na conjuntura política favorável da redemocratização, sua
regulamentação, em 1990, deu-se num período marcado pelo acirramento da crise
fiscal e econômica e pelo avanço neoliberal mundial. O presidente Fernando Collor
realizou vetos importantes na homologação das Leis Orgânicas de Saúde, mas foi
possível, pela força do Movimento Sanitário, manter os Conselhos de Saúde,
estabelecidos como:
46
Esse espaço, aliado às Conferências de Saúde convocadas periodicamente
pelo governo para propor diretrizes na área, permitiu a inserção popular na gestão em
saúde. No início dos anos 90, proliferaram-se Conselhos de Saúde no país, sendo
criados dois mil entre 1991 e 1993 (MACEDO, 2005). Pela avaliação da
descentralização do SUS, a IX Conferência Nacional de Saúde de 1992 buscou
ampliar a descentralização para além do repasse de verbas pela gestão municipal da
saúde, visando à participação social e o respeito a diferenças regionais. Assim, foi
regulamentado um processo descentralizador que, pela variedade econômica, social
e populacional dos municípios brasileiros, ocorreria em níveis de gestão (incipiente,
parcial e semiplena), e apenas no semipleno os municípios teriam o encargo integral
da gestão. Em 1998 foi criado o Piso de Atenção Básica (PAB), em que os recursos
seriam proporcionais à população municipal, permitindo mais estabilidade na
elaboração de ações locais de saúde. A descentralização ocorreu de modo negociado
e gradual, atrelado à adesão dos municípios, gerando níveis de gestão heterogêneos,
articulados por Comissões Ingestores Tripartites e Bipartites, com integrantes de
distintas esferas de governo.
O processo apenas se dinamizou com a X Conferência Nacional de Saúde,
num cenário de negociações e conflitos entre gestores de várias esferas, que
possibilitou que, em 2000, 98% dos municípios fossem cadastrados em algum nível
de gestão. Isso permitiu a transferência automática de outros recursos além da
assistência médica, como vigilância sanitária e epidemiológica e controle de doenças
transmissíveis, bem como a inverter o modelo assistencialista, pela adoção de ações
como o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários
(PACS).
47
Todavia, embora a legislação afirme a inserção social, leis municipais que
retiram o cunho deliberativo dos conselhos, a ausência de dotação orçamentária
própria a estes e de informações sobre a gestão de governo os tornam órgãos de
mero sentido formal ou consultivo, obstruindo a participação democrática de fato
(FORTES,1997). Além disso, em municípios marcados pela desigualdade de acesso
a recursos, ao poder e à informação, "a implementação da política de saúde do SUS
é marcada por procedimentos clientelísticos, patrimonialistas, associados ao tráfico
de influências no exercício da política pública e muito arraigados na cultura política e
institucional" (GERSCHMAN, 2004, p.1677). Nesse quadro, o privilégio que alguns
vereadores dão à sua base eleitoral e a escolha da pauta dos conselhos por
secretários de saúde mostram que, em contextos altamente estratificados, apenas
legislação e intervenção do poder público não podem garantir direitos básicos de
cidadania. Nos municípios onde a participação popular se efetivou, como Londrina
(LOPES & ALMEIDA, 2001), houve importantes avanços, inclusive com a injeção de
recursos municipais para além das diretrizes estaduais e federais. Em outros, nota-se
que a instituição de programas e práticas de saúde é formulada apenas no nível
federal e efetuada pela gestão municipal apenas como "forma de injetar recursos
externos, principalmente federais, no município" (GERSCHMAN, 2004). Em geral,
notam-se dificuldades relacionadas à falta de estrutura dos conselhos com
participação comunitária e à forte tradição de autoritarismo e centralização do poder
no Brasil, fomentando situações em que o uso dos conselhos para fins eleitoreiros, o
endosso de decisões governamentais não discutidas e a falta de clareza sobre
participação social obstruem a gestão democrática. Assim, o controle social sobre as
ações estatais deve decorrer de transformações nas relações entre Estado e
sociedade, com a consciência de que estes espaços são palco de lutas políticas, de
defesas dos direitos de cidadania e de garantia de idoneidade na gestão pública,
permitindo que os movimentos sociais influenciem as políticas públicas para o
atendimento de suas demandas.
48
5 TERCEIRO SETOR NO BRASIL: QUESTÕES JURÍDICAS, ADMINISTRATIVAS
E SOCIAIS
Fonte: cemedmg.wordpress.com
49
A emergência do Terceiro Setor no Brasil é um fenômeno das últimas três
décadas, sobretudo com as ONG ‘s a partir dos anos 1980. No panorama múltiplo que
tais entidades hoje expressam, devem-se notar os frágeis limites entre o terceiro setor
e os demais setores. Algumas entidades confundem-se com empresas privadas, ou
se instituem pela pressão de empresas como meio de não contratar funcionários pela
CLT, outras se confundem com o Estado, assumindo funções que concernem ao bem-
estar social. Com afirma Lopes (2004)
50
instituindo relações de instabilidade econômica e dependência institucional nas
organizações, que a despeito da expansão do setor em grande parte sofrem crise de
recursos. Tais relações podem intervir na qualidade, reduzir ou fragilizar ações sociais,
condições e vínculos de trabalho, contribuindo para compor a agenda neoliberal de
enxugamento do Estado. Também a globalização da economia com a fragilização de
vínculos trabalhistas e a crescente contratação de empregados como pessoas
jurídicas ou associações profissionais leva ao uso dos dispositivos jurídicos do terceiro
setor de modo desviado da função original.
Numa conjuntura de organização recente e relações de dependência com
empresas privadas e com o Estado numa sociedade capitalista como a brasileira, as
OSC ‘s enfrentam dificuldades e ambiguidades no tocante à sua organização,
profissionalização e seu papel social. Por um lado, a história de tais organizações, em
grande parte vinculada ao voluntarismo e a instituições religiosas, dificulta a
profissionalização e organização de informações. Por outro lado, o próprio quadro
social, marcado pelo discurso econômico neoliberal e a organização empresarial
capitalista, favorece a adoção deste modelo como modo hegemônico de formação das
ONG‘s. Cabe ressaltar, nesse contexto, a ligação entre o crescimento das ONG‘s no
Brasil e o período de redemocratização, quando diversas organizações civis se
formaram na luta por direitos sociais, para resgatar o caráter político e vinculado à
cidadania pelo qual a expansão de organizações civis se pautou.
Fonte: www.envolverde.com.br
51
Desse modo, para permitir um arranjo coerente, sólido e profissional, é
relevante delinear metas, meios e instrumentos das organizações civis, bem como
definir o público alvo e a comunicação da organização com este e informar com
qualidade potenciais financiadores: os próprios beneficiários, empresas, órgãos de
governo ou fundações. Todavia, é preciso diferenciar a gestão civil da gestão
empresarial e do pensamento em termos da ação como um "produto".
O trânsito por várias linguagens e culturas de setores com que a organização
se relaciona, como empresas financiadoras capitalistas, órgãos governamentais de
cultura quantitativa, própria à escala de políticas públicas e usuários que podem cobrar
serviços não pode obliterar uma gestão democrática. Responder a esses desafios
implica clareza do papel da organização, pela definição da missão que orientará o
planejamento de longo prazo, pelo estabelecimento coletivo de metas e meios de
realização, de avaliação de atividades e arranjo da contabilidade e dos custos. Enfim,
uma transformação das instituições, numa ação reflexiva que desenvolva alternativas
de gestão vinculadas, de um lado, à cidadania e participação coletiva e, de outro lado
à gestão profissional e social das ações. Certas caracterizações previstas em lei
auxiliam à compreensão da função social do terceiro setor.
Para as ONG ‘s, há certificações que atuam com distintas regulamentações e
níveis, nas esferas federal ou estadual. As certificações públicas conferidas pela lei
apenas exprimem um atributo da instituição, não garantindo isenção tributária, que
pode ser cassada por órgãos fiscalizadores diante de infrações às leis que
concederam os benefícios fiscais. Os recursos de uma entidade beneficente provêm
inicialmente de doações. Porém, a entidade poderá recorrer a recursos públicos,
efetuando convênios, parcerias e solicitando auxílios e subvenções a governos
municipal, estadual e federal, autarquias e sociedades de economia mista, além de
crédito no BNDES, isenção de tributos, caso seja reconhecida por filantrópica, e
recursos de órgãos internacionais. A entidade pode ainda agregar a seu quadro
associativo um investidor para causas sociais que, embora seja uma opção para
captação de recursos, leva à situação de fragilidade e submissão da instituição a
52
interesses particulares. As empresas que financiam sociedades civis obtêm vantagens
em sua imagem publicitária, propagando preocupação e envolvimento com questões
sociais, bem como na isenção fiscal conferida pela lei de Responsabilidade Social
Empresarial, pois a entidade que tem Certificação de Utilidade Pública Federal pode
fornecer recibo autorizando a empresa a deduzir a doação como despesa operacional,
até o limite de 2% do lucro operacional.
O título não designa uma pessoa jurídica, mas uma qualificação que pode ser
conferida, suspensa ou retirada. A concessão de títulos jurídicos a entidades do
terceiro setor visa distinguir entidades qualificadas em comparação às comuns,
inserindo as primeiras num regime jurídico de vantagens frente ao Estado. Busca-se
ainda padronizar o tratamento jurídico de entidades que apresentem atributos comuns
e orientar o controle das atividades das entidades, tanto pela concessão do título
quanto pela suspensão e cancelamento. Essa organização, em princípio, pode ser
vantajosa, pois entidades que recebem o título e passam a possuir certificação de
idoneidade têm benefícios garantidos em lei e recebem enquadre jurídico distinto do
comum. A titulação evita ainda que se criem vantagens isoladas em favor de entidades
que visem o interesse coletivo.
Mas existem desvantagens nessa concessão de títulos jurídicos, como na
certificação indevida, por falta de critérios, favorecimento político ou fraude. Há
também desvantagem na insegurança jurídica que acompanha a concessão, pois a
manutenção do título se condiciona ao cumprimento de exigências aferidas
periodicamente pelo governo, e este mecanismo de controle gerencial não possui
previsão jurídica clara nem normas que assegurem às entidades garantias contra o
exercício abusivo do controle. A entidade qualificada está então sujeita a desvios,
inclusive pela corrupção. Algumas dessas desvantagens se observam em situações
relativas ao título de utilidade pública.
53
Crise do título de utilidade pública
54
cunho indiferenciado e a debilidade do sistema de controle facilitam abusos, como no
"escândalo do orçamento", esquema de corrupção descoberto por acaso, no qual
parlamentares utilizavam entidades filantrópicas de fachada, que recebiam recursos
públicos por sua ação parlamentar sem nenhum compromisso com ações sociais.
Entidades como estas já foram inclusive chamadas por Leite (1997) como
"filantrópicas". Este contexto levou a discussões dentro e fora do Estado, propondo
formas de reconfigurar o título de utilidade pública. Recentemente, duas propostas
tornaram-se leis (Lei n. 9.637/98 - Organizações Sociais; Lei n. 9.790/99 -
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), criando novos títulos jurídicos.
55
Certificação de Utilidade Pública Federal e do Certificado de Filantropia.
A Lei n. 9.637/98 criou título Organização Social (OS) como uma resposta à
crise do título de utilidade pública. A denominação organização social designa um
título conferido a entidades sem fins lucrativos que atendem requisitos de constituição
e atuação que visam assegurar o interesse público e fixar garantias para uma relação
de confiança e parceria entre a entidade e o Poder Público. Embora tanto o título de
Utilidade Pública quanto o de Organização Social (OS) afiancem benefícios e
controles inexistentes a outras pessoas jurídicas privadas (como vantagens tributárias
e fiscalização pelo Ministério Público), o título de OS confere vantagens e sujeições
inexistentes para entidades de Utilidade Pública. Entre estas está a publicação no
Diário Oficial da União do relatório de execução do contrato de gestão, o uso de bens
materiais e recursos humanos de órgãos extintos do Estado, e a absorção de suas
atividades, contratos e seus símbolos designativos, seguidos do símbolo OS.
O título de organização social busca corrigir desvios do título de utilidade
pública, restringindo a cessão a entidades de fins comunitários, evitando certificar
entidades de favorecimento mútuo. Assim, a lei dispõe regras para compras e salários;
exige um colegiado superior composto por fundadores, representantes da
comunidade e do Estado; prevê auditorias; exige para fomento público um contrato de
gestão com o Estado, que define tarefas a cumprir; responsabiliza os dirigentes pelo
mau uso de recursos públicos, entre outros critérios ausentes no título de utilidade
pública. Mas isso não significa que a legislação de OS seja imune a desvios: este título
foi concedido a apenas duas entidades no nível da União e, em ambas, a qualificação
foi precedida da extinção de entidade ou órgão público, recaindo em entidades com
pouco tempo de existência, sem ações comprovadas nem capital próprio, salvo o
capital humano. Assim, o título acabou atuando como meio de enxugamento do
Estado, com favorecimento privado.
56
Essa situação revela lacunas na lei, como falta de exigência das entidades
candidatas de um tempo mínimo de atuação comprovada em sua área de ação. Em
leis estaduais sobre o título de OS, essa exigência tem sido incluída (v.g, Lei
Complementar n. 846/98, do Estado de São Paulo, exige atuação de mais de cinco
anos). Há ainda lacunas na não exigência de patrimônio ou qualificação técnica e na
não exigência de contraprestação por um percentual de serviços gratuitos diretamente
voltados ao cidadão nos contratos entre Estado e OS.
57
porém, admite por apenas dois anos a cumulação do título de OSCIP com outros
títulos jurídicos para entidades do terceiro setor, após o que a entidade deve renunciar
outras qualificações para manter o título de OSCIP. Como a maioria dos benefícios
para entidades do terceiro setor supõe o título de utilidade pública, pode-se afastar
deste título entidades idôneas pouco dispostas a perder vantagens atuais por
benefícios incertos, mantendo o financiamento nas bases menos claras do título de
Utilidade Pública. A lei cria ainda um paradoxo: nos dois anos iniciais, entidades
duplamente qualificadas (Utilidade Pública e OSCIP) têm mais vantagens que
entidades qualificadas há mais tempo como OSCIP. Evitando tais lacunas, a lei de
organizações sociais é exigente ao qualificar entidades novas, mas não exige perda
de benefícios, pois entidades que obtêm o título OS têm também o título Utilidade
Pública, tornando o título OS um atributo adicional. Há um cuidado nas novas leis para
reduzir a margem de manobra de autoridades administrativas na cessão do título,
alçando um antigo problema do título Utilidade Pública. Mas as leis deixam brechas
relevantes, como a falta de disciplina mais detalhada do processo de cassação do
título, omissões sobre a liberação financeira dos recursos públicos vinculados às
parcerias em ambas as leis. No geral, deve-se avaliar que a concessão de títulos,
embora vise à idoneidade das entidades, participa de relações público-privadas
passíveis do prejuízo público, e não foram instituídas no quadro de um plano articulado
e democrático de atenção social do Estado. Nesse sentido, Oliveira & Haddad (2001)
lembram que:
58
educação, correndo-se o risco de rompimento de um dos aspectos mais
importantes na construção da democracia social brasileira. (p. 81).
Fonte: www.blogdacidadania.com.br
59
transformação do mercado de trabalho afetaram profundamente a organização da
família. O período do final dos anos 70 e início da década de 80 é marcado pela crise
econômica e a acentuação da entrada da mulher no mercado de trabalho, tanto
cônjuges como filhas, que conhece nova ascensão no início da década de 90. Essa
inserção acompanha as próprias restrições colocadas pelo mercado, quando cresce
o desemprego masculino, indicando rupturas na possibilidade concreta de realização
do padrão de família mantido pelo chefe provedor, especialmente nas conjunturas
recessivas (MONTALI, 2003), e pode expressar transformações nas relações internas
de hierarquia e de poder.
Na década de 90, as mudanças na relação família-trabalho ocorrem sob o
impacto da desconcentração industrial, do desenvolvimento do terciário e da
reestruturação produtiva. O intenso processo de inovações organizacionais e
produtivas acentuou a deterioração das relações de trabalho e o desemprego,
gerando novas estratégias de vinculação das famílias ao mercado de trabalho. No final
dos anos 90, há um discreto recrudescimento do desemprego, que, todavia, é
acompanhado pela queda da renda dos ocupados e da renda familiar per capita,
gerando rearranjos de inserção no mercado de trabalho. Percorre toda a década de
90 o maior compartilhamento ou deslocamento da responsabilidade financeira dos
principais mantenedores tradicionais para outros componentes da família, em especial
para a mulher-cônjuge. Essa tendência se delineia face à redução de postos de
trabalho, sobretudo para ocupações predominantemente masculinas, e às maiores
dificuldades de absorção vividas pelos jovens a partir de 1992, que resultaram em
crescente desemprego dos principais mantenedores das famílias até então (chefes e
filhos masculinos e filhas maiores de 18 anos).
Destacam-se nesse contexto duas importantes tendências. A primeira, no caso
de famílias estruturadas em torno do casal, refere-se à participação crescente da
mulher-cônjuge entre os ocupados da família, à redução do peso do chefe masculino
entre estes e à diminuição da participação dos filhos. Uma exceção entre famílias
conjugais é encontrada naqueles cujos casais têm mais de 50 anos e há filhos
residentes, em que cresceu a participação do chefe masculino entre os ocupados da
60
família de forma concomitante à redução da participação dos filhos adultos, afetados
pelo desemprego. A segunda tendência refere-se às famílias com chefia feminina sem
cônjuge, nas quais a participação da chefe entre os ocupados da família aumenta
devido à menor absorção de filhos e parentes jovens pelo mercado de trabalho. Até o
final da década de 90, há a continuidade progressiva destes rearranjos familiares de
inserção no mercado de trabalho.
Fonte: www.a12.com
61
nos anos 90. As transformações nas práticas e representações da paternidade estão
vinculadas às alterações concomitantes na conjugalidade. Assim, pesquisas referem
uma memória da corte mais velha sobre seus próprios pais que, a despeito de
diferentes nuances, é construída à imagem e semelhança de um austero e respeitável
―homem de família‖ provedor, casado e pai.
As tensões introduzidas na relação conjugal ao longo das duas gerações – pelo
trabalho remunerado das mulheres e por suas reivindicações de equidade, pelos
novos padrões de consumo familiar, pela mobilidade social e por projetos de vida
crescentemente mais individualistas – e a fragmentação observada na imagem do
homem de família, constituem um campo para a coexistência de distintas experiências
de vivência parental, com uma crise desta figura paterna tradicional, sem a
consolidação de um modelo que a substitua.
Assim, pesquisas relatam dificuldades de consagração dessa imagem em
contextos de baixa renda, em que os homens se encontram distanciados do modelo
central da masculinidade. Nesse contexto, as redes de relações e as estratégias
comunitárias de sobrevivência preponderam e, paradoxalmente, há dificuldade para
construir lugares masculinos que não sejam o de provedor, chefe e pai. As ações dos
trabalhadores para aproximá-los do modelo partilhado idealmente vinculam-se a
situações que inviabilizam a efetivação desta demanda, pois os trabalhadores são
marcados por períodos de desemprego e constroem argumentos para legitimar sua
condição de desempregados. Nessa conjuntura, há uma dificuldade de continuar a
reivindicar o lugar tradicional de homem devido a períodos de sustento financeiro pela
esposa, a mãe ou outro membro da família e novas relações de gênero caminham
ambiguamente ao lado de múltiplas situações de providência financeira. Por isso,
trabalhar a dimensão da família brasileira sob a ótica da chefia familiar representa
ainda uma delicada questão epistemológica, na medida em que a maioria dos estudos
sobre família tende a incorporar a perspectiva de gênero como um problema
unicamente feminino.
Dados estatísticos sobre o perfil de homens e mulheres chefes de família
permitem mostrar a permanência de diferenciais em termos educacionais e de acesso
62
aos serviços e bens de consumo coletivos bem como ao mercado de trabalho. Esses
dados mostram também que, embora entrando no mercado de trabalho com
desvantagens no tocante ao vínculo trabalhista mais frágil, as mulheres acabam
desenvolvendo alguma vantagem em relação à manutenção do posto de trabalho.
Observa-se ainda a alteração de relações, ou constituição de novas relações de
família como, por exemplo, o crescente afastamento da tradicional imagem de
dependente do idoso e sua relativa substituição pela de contribuinte ou até esteio do
grupo familiar. Além disso, vêm se ampliando os interesses e horizontes sociais dos
idosos no que se refere a outros grupos e relações, principalmente por espaços
sociabilizadores nos programas de lazer e cultura para a ―terceira idade‖, embora
seja mantida a importância da família.
Outro fator para a análise das relações familiares é a transformação, ao longo
das últimas décadas, na compreensão da homossexualidade, alavancada pela
exposição do preconceito com o fenômeno da AIDS. A crescente organização civil em
torno do respeito à homossexualidade, as resoluções de diversos conselhos
profissionais na área da saúde proibindo sua avaliação como doença e o número
crescente de mortos que deixavam parceiros legalmente sem direitos sobre o
patrimônio muitas vezes construído em conjunto contribuiu para que, nos anos 80 e
90, vários países da Europa legalizassem a união entre pessoas do mesmo sexo. Se
a crise da família vem sendo anunciada há alguns anos, a reivindicação do direito a
ser pai e mãe feita por homossexuais, visto como desdobramento desse novo conjunto
familiar, oferece novos matizes à discussão, referindo o surgimento de novas
organizações familiares que fogem ao padrão tradicional, tal como ocorreu há trinta
anos em relação ao divórcio.
No contexto das transformações na formação, estruturação e dinâmica da
família, permanece seu papel central de ―amortecedor‘ social. Frente aos baixos
salários, à carência de serviços públicos e a outros fatores desfavoráveis, o grupo
familiar se viabiliza ―em decorrência de uma lógica de solidariedade e de um conjunto
de práticas no campo de ação de grupos domésticos, que atuam como unidades de
formação de renda e de consumo, procurando maximizar os recursos à sua
63
disposição‖ (CARVALHO e ALMEIDA, 2003, p. ). Assim, a família mantém sua
importância como espaço de sociabilidade e de socialização, e mudanças em seu
entorno refere-se mais à sua grande capacidade de adaptação frente às
transformações econômicas, sociais e culturais do que a uma pretensa ameaça de
dissolução. Por isto, a família tem sido considerada foco central das políticas sociais,
constituindo o eixo sobre o qual os programas e ações podem possuir maior
efetividade e pertinência.
64
violência, desemprego, miséria, etc. Assim, apresentar-se-á alguns trabalhos no
âmbito da saúde e assistência social que usualmente possuem abordagem
interdisciplinar.
Fonte: todahelohim.com
Reintegração Familiar
66
algum tipo de violência, como vitimização psicológica, abusos ou violência física, que
em geral está ligada ao próprio abrigamento e precede o encaminhamento efetuado
pelo Conselho Tutelar, pelo Juizado da Infância e da Juventude ou por familiares.
Quando a família toma a iniciativa para abrigamento, pode haver uma situação de
violência camuflada, sendo relevante investigar as representações e referências que
a criança possui de sua família.
No contexto de investigação das inter-relações nas quais se dará a reintegração
da criança, é preciso analisar junto a ela quais vínculos lhe são mais significativos,
suas motivações e modos de constituição, bem como os fatores que dificultaram a
manutenção dos vínculos entre ela e a família (visitas esporádicas ou inexistentes,
embargo jurídico e outros). Do mesmo modo, a investigação de suas expectativas e
referências de família, de abrigo, de futuro para a sua vida, bem como os sentimentos
com relação ao abandono (como o viveu, e como o vê no momento) alicerça o
desenvolvimento de ações de preparação gradativa para o desligamento do abrigo,
visando tornar essa passagem a menos traumática possível. Por outro lado, o
conhecimento da dinâmica da instituição auxilia a compreender os aspectos que
podem influenciar na manutenção ou não dos vínculos familiares nela (pouca
flexibilidade nos horários reservados para as visitas, por exemplo), bem como
observar quais são os vínculos existentes entre a criança e o abrigo em sua interface
com a família (a criança pode tecer relações no abrigo que lhe garantam uma rede de
significação com a qual compara a dinâmica familiar, por exemplo). Nesse contexto,
é necessário o estabelecimento de um contrato de consenso sobre os objetivos da
reintegração.
Após o desligamento, é necessário um trabalho de acompanhamento, que
avalie os modos da criança e da família de lidar com a reintegração, investigando os
meios de ―reorganização‖ e tessitura de vínculos colocados em prática para o
acolhimento efetivo, as mudanças na dinâmica familiar para viabilizar a permanência
da criança no lar, bem como a necessidade de suportes socioeconômicos de apoio à
família, que devem ser procurados, entre os recursos da rede social (rede de
serviços), dentro da pertinência de cada caso. Durante o trabalho, é importante refletir
67
junto à família a dicotomia entre FAMÍLIA e ABRIGO, preparando-a para eventuais
exigências da criança/adolescente, bem como fortalecê-la no enfrentamento das
dificuldades que poderão ocorrer na adaptação da criança/adolescente, suas
idealizações e expectativas diante da mudança de realidade.
É importante também atentar para as formulações do estatuto da criança e do
adolescente nesse sentido, que afirma em seu artigo 19 que ―Toda criança ou
adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e
comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias
entorpecentes ‘‘. Assim, os abrigos devem ser um recurso provisório, visando sempre
a reintegração familiar, quando possível. Quanto maior o tempo de permanência da
criança no abrigo, maior será o desapego com relação à família (principalmente
quando a instituição não favorece esse contato), o que torna mais difícil reatar os
vínculos. (VASCONCELOS, 1985).
Fonte: psicologaerika.webnode.com
68
vida comprometidas com a saúde. O trabalho com famílias possui uma perspectiva
própria e dever ser distinto da terapia familiar: enquanto o primeiro é um
acompanhamento multidisciplinar com múltiplas intervenções e ações que se valem
das estruturas da família, o segundo propõe uma intervenção especializada, que
busca modificar a dinâmica de relações familiares. O trabalho com famílias se
desenvolve pela compreensão sistêmica, tanto da dinâmica familiar quanto de suas
interações no contexto social e econômico mais amplo: redes de relações e apoio fora
do âmbito familiar, relações de trabalho de membros da família, outras instituições que
participam de seu cotidiano (escola, creche, associações de bairro e instituições de
saúde), etc.
A relação deve ser construída ao longo das ações de saúde, explorando as
estruturas da família a partir das brechas para, compreendendo-a, preparar uma
estratégia pertinente a cada conjunto familiar. A ocasião de cadastro das famílias, as
mudanças de fase do ciclo de vida destas, o surgimento de doenças crônicas ou
agudas de maior impacto são momentos-chave que devem ser explorados. Estas
situações permitem que o profissional de cuidados primários crie um vínculo pertinente
com membros da família, pois atua no momento de emergência de uma demanda
familiar. O trabalho na atenção primária em saúde da família deve considerá-la como
lócus central de atuação e basear-se na realidade local, construindo um fazer
consistente que parta dos recursos comunitários para a melhoria dos indicadores de
saúde. Nesse sentido, é fundamental a constituição de estratégias de investigação e
conhecimento da comunidade, que podem se dar em conjunto com a intervenção. O
processo junto às famílias deve considerar diferentes etapas de trabalho, favorecendo
a aderência e a efetividade do serviço de atenção primária. Assim, o trabalho pode ser
dividido didaticamente em diferentes etapas – Associação, Avaliação, Educação em
Saúde, Facilitação e Referência – para melhor explicação e compreensão. A utilização
destas etapas depende da situação dada e das necessidades de cada família
atendida.
69
Fonte: cap21.blogspot.com.br
Associação
70
necessidade de se perceber as experiências pessoais na construção de uma
comunicação efetiva, deve-se considerar que, para que esta comunicação ocorra, é
preciso que ela se baseie na realidade vivida e constitua uma complexidade de
sentidos pertinente à pessoa que se pretende atingir.
Assim, o trabalho de associação com os pacientes e famílias abrange o
encontro com grupos familiares e a busca de compreensão dos sentimentos e
vivências de cada paciente. Nessa aproximação, é importante a atenção e o cuidado
aos momentos de contato, às crenças, relações e hierarquias familiares. Deve-se
ainda considerar os obstáculos possíveis, tanto de ordem profissional (como a falta de
clareza dos motivos e direções da entrevista familiar), quanto do paciente (como o
temor de perder seu status perante o profissional na escuta dos demais membros da
família) e as armadilhas neste tipo de intervenção que podem expor o profissional
(como a lateralização da comunicação com um dos membros da família, uso de
linguagem inapropriada para aquele grupo familiar, etc.). A associação ao paciente e
sua família possibilita a efetiva inserção dos cuidados primários de saúde para uma
melhoria da qualidade de vida da comunidade.
Avaliação
Uma vez construída a associação com a família, é importante perceber sua
dinâmica, por meio de instrumentos mais objetivos de análise. Essas ferramentas
buscam explicitar as linhas de poder e decisão da família, seu modo de perceber o
processo de saúde e doença, seus recursos concretos e simbólicos e seus apoios
internos e comunitários. A partir desta análise de conjuntura se constituirá o projeto
de intervenção, reconhecendo a crença da família no processo de adoecer e
acordando com ela um plano de ação que respeite o seu modo de vida.
A análise clínica do grupo familiar permite entender os caminhos pelos quais
surgem as diferentes situações de agravo à saúde, como os motivos da grande
incidência familiar do alcoolismo, ou das dificuldades de um paciente hipertenso em
controlar sua hipertensão. Minuchin & Colapinto, por exemplo, descrevem a situação
de gêmeas idênticas portadoras de diabete que mostravam controle desigual da
71
moléstia. Ao analisar as relações familiares destas meninas, constataram que a que
possuía mal controle da doença manifestava-a como sintoma devido aos problemas
de relacionamento dos pais – sempre que estes brigavam, ela apresentava uma crise
na diabete. Assim, além da eficácia das medicações e da pertinência das orientações
profissionais, é necessária uma compreensão das situações de saúde e doença no
conjunto de fatos e relações no cotidiano do sujeito e da família, para prevenir doenças
e suas consequências.
A avaliação adequada do papel da pessoa portadora de qualquer agravo em
sua estrutura familiar (como esta doença é percebida pelos membros do grupo, em
que coisas eles acreditam ou gostam de fazer), possibilita a efetividade e aumenta a
resolutividade das intervenções e ações em saúde. Por exemplo, uso de álcool em
tradições familiares e em momentos de comemoração da família dificulta sua
percepção de risco à saúde ou a compreensão da situação de consumo frequente
como um passo inicial para a dependência. Intervenções que proponham enfrentar o
alcoolismo devem considerar seu significado para o grupo alvo e usar as
representações deste nas ações em saúde, para melhorar os resultados na prevenção
e tratamento. Já o enfrentamento de doenças crônicas deve investigar como o
paciente e sua família entendem a doença, ampliando seu conhecimento através de
orientações em linguagem apropriada à compreensão, sobretudo no tocante à
influência da modificação de hábitos na prevenção ou no retardo da evolução de
doenças. Essas negociações só são possíveis pela efetuação satisfatória do processo
de associação e avaliação, permitindo resultados mais consistentes e duradouros no
acompanhamento do paciente.
Dentre as ferramentas de avaliação disponíveis em atenção primária, há
algumas particularmente úteis, como o Genograma, um instrumento de identificação
de padrões de repetição de patologias que permite uma visualização rápida das ações
a serem desenvolvidas pela família em estudo. O Ciclo de Vida das Famílias é outra
ferramenta relevante, pois identifica as situações mais frequentes de surgimento de
disfunções. Percebe-se, por exemplo, que o surgimento de doenças aumenta nas
fases de transição e estresse, em que a família é desafiada a se reestruturar. A análise
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do Ciclo de Vida permite auxiliar a família a compreender e construir modos de
atravessamento dessas transições.
Um terceiro instrumento é a Rede Social, que permite vislumbrar os apoios e
crenças da família, identificando pessoas chave para a busca de amparo e
compreendendo as bases culturais de interação familiar. Os contatos e estruturas da
comunidade permitem buscar soluções a partir do próprio núcleo, criando alicerces
para o auto cuidado. A cartografia (MORATO, 1999) da comunidade e do núcleo
familiar também constitui um importante método clínico, que permite reconhecer
relações, compreensões e percepções da família, buscando vias de passagem e
construção de soluções. Pode-se, assim, partindo da intervenção e escuta clínica dos
problemas relativos a certo tema, resgatar recursos negados socialmente
(SZYMANSKI, 2004). A enquete clínica (LEVY, 2001), por sua vez, permite conhecer
profundamente vivências e representações sociais de grupos e indivíduos, sendo útil
na investigação de obstáculos, facilitações e motivações da família para a aderência
às ações em saúde. Para um aprofundamento dos instrumentos de avaliação
pertinentes a intervenções em atenção primária, pode ser encontrado material
adequado nas referências bibliográfica.
Educação em Saúde
73
soluções, e que considerar os recursos e discursos da família e da comunidade é a
melhor maneira de promover ações em saúde, bem como de criar novas ações
pertinentes ao contexto. As possibilidades são dadas pela própria comunidade, que
tem parâmetros e crenças, sobre os quais deve trabalhar o profissional, no diálogo
entre suas informações e as percepções dos clientes. Muitas vezes, os pacientes não
seguem orientações do profissional de saúde porque essas foram elaboradas sem
atentar para a contextualização e o sentido das informações e ações junto à história,
experiência e possibilidades da comunidade em questão.
Para possibilitar a discussão e transformação de hábitos perante situações
tratamento e prevenção de doenças, a educação em saúde deve considerar as
informações que a comunidade traz, valorizando as "dicas" expressas de modo velado
e respeitando os caminhos e soluções da comunidade. Muitas vezes, alguns
procedimentos não são possíveis por falta de possibilidades financeiras, por
inadequação às circunstâncias familiares ou outras razões, e será preciso buscar
soluções alternativas. A discussão e percepção de valores, referências e relações,
bem como a abertura de espaços de expressão dos clientes, permite encontrar
recursos pertinentes, que muitas vezes não são reconhecidos por não serem os
tradicionais. Não perceber o modo como as pessoas veem e lidam com questões de
saúde pode levar à oposição perante as propostas apresentadas.
Facilitação
Outra tarefa importante em saúde primária é facilitar a comunicação entre os
membros da família. Para isso, é preciso uma compreensão das inter-relações no
interior da família e do modo de se comunicar que ela apresenta. Segundo a teoria
sistêmica, as pessoas tendem a manter, por meio de mecanismos de controle
negativo, as regras e as posições que ocupam na estrutura. Isto gera, com frequência,
bloqueios de comunicação, que configuram situações de crise e conflito, podendo
desencadear o processo de adoecer. O profissional de cuidados primários, por sua
posição na comunidade, pode abordar estes bloqueios e, por meio de ações
programadas, favorecer uma troca de informações e sentimentos que facilite a
74
manutenção e recuperação da saúde da família em estudo.
Uma das grandes chaves para o sucesso da facilitação da comunicação é
perceber a dinâmica de relações da família, nas suas interfaces de discursos, poderes,
fazeres, práticas e afetos. Na compreensão dessa teia de relações, é possível interpor
e ressaltar caminhos e questionamentos frente aos favorecimentos e
desfavorecimentos para a fluência da comunicação e para o engendramento de
práticas promoção de saúde e doença. Desse modo, podem-se entretecer redes de
significados e sentidos participando dos anéis de comunicação da família, discutindo
os processos e meios de vida do grupo familiar e fazendo um arco de reflexão sobre
sua origem, seu percurso, seu momento e seus projetos. Esse arco de comunicação
permite que a família reconfigure seu senso de união e de direção, interpondo a equipe
de saúde como elo de fomentação do crescimento familiar e da promoção de saúde.
O diálogo em situações de doença ou conflito exige atenção do profissional de
cuidados primários para perceber sentimentos e articulações de sentido que o grupo
manifesta. Situações de doença grave ou óbito iminente podem representar na família
um momento de crise, uma perda de referências desalojante, na qual os recursos e
referências já constituídos não contemplam a experiência que se desenrola, nem
orientam um caminho a seguir. (BRAGA, 2005). Por isso, a comunicação tende a se
dar de modo entrecortado e permeado por silêncios, culpas, angústias. A facilitação
do diálogo permite às pessoas explorar seus sentimentos e esclarecer suas dúvidas,
evocando uma abertura para a expressão de afetos, não ditos e interditos que podem
acompanhar situações de doença.
A construção dessa proposta passa pela discussão do quadro, com respeito às
hierarquias e linhas de comunicação da família, considerando sua perspectiva sobre
as questões que se fizerem e esclarecendo e discutindo o processo e seus agentes
causais. Pessoas importantes na estrutura familiar, mesmo que não pertencentes ao
agrupamento, devem ser convidadas a participar do processo para que a
comunicação atinja o nível desejado de troca. Isto evita a permanência de sombras
na comunicação, o que pode torná-la menos satisfatória. A atitude do profissional
durante estes encontros familiares deve ser de estímulo à troca de sentimentos e de
75
expectativas entre os componentes, de modo a facilitar a interação, e de
esclarecimento das dúvidas que existam sobre a patologia e sua progressão, e das
alternativas de tratamento disponíveis para o caso.
Referência
Nos casos em que é preciso referir a família ou seu paciente a outros serviços,
o trabalho com famílias deve ocorrer de modo interativo, discutindo com a família as
razões e os resultados esperados do encaminhamento e os modos locais mais
pertinentes para atendimento. O encaminhamento deve ser acompanhado, fazendo-
se contato com o profissional referenciado de modo e realizando-se ao menos uma
entrevista de retorno com o paciente para discutir o atendimento junto a este e dar
subsídios tanto sobre a situação experienciada pela família durante o adoecimento
quanto sobre o atendimento a ser realizado junto ao paciente. Este processo de
comunicação aumenta a satisfação com o encaminhamento, além de permitir
resultados mais efetivos, pois garante informações à família e ao profissional de
referência, permitindo acompanhar eventuais problemas e complicações e evitando o
abandono do cuidado de saúde e possíveis agravamentos de problemas não tratados.
Desse modo, a perspectiva preventiva pode continuar a atuar na assistência.
Conclusão
A atenção à família em cuidados primários de saúde redireciona o enfoque do
atendimento exclusivo ao doente - visão tradicional da atenção à saúde no Brasil –
envolvendo a comunidade nas políticas de saúde, contrapondo-se à prática
meramente criadora e executora de políticas de prevenção. A partir das habilidades
clínicas do profissional a execução das ações preventivas se apresenta como
1
Intervenção é compreendida aqui tal como apontada por Heloísa Szymanski (2004)
significando interpor os bons ofícios. Refere-se assim a uma ação constituída em conjunto, de modo
dialógico e plural e não unidirecionalmente.
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8 BIBLIOGRAFIA
78
REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
79
FORTES, P.A.C. A ética do controle social na saúde e nos conselhos de saúde Revista
Bioética, v. 5, n.1, p. 71-76, 1997
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43(507), jun.
80
LOPES, M.L.S. & ALMEIDA M.J. Conselhos Locais de Saúde em Londrina (PR): a
realidade e desafios. Saúde em Debate Rio de Janeiro v.5 n.59 set-dez./2001 p.16-
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SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas.
82
VAN PARIJS, P. Renda básica: renda mínima garantida para o século XXI? Estudos
Avançados, vol. 14, no. 40, São Paulo: Set./dez. 2000, pp. 179-210.
83