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Competência, Atribuições Privativas e Os Desafios Da Ética Profissional

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AULA 1

COMPETÊNCIA, ATRIBUIÇÕES
PRIVATIVAS E OS DESAFIOS DA
ÉTICA PROFISSIONAL

Profª Adriana Zanqueta Wilbert Ito


TEMA 1 – INSTITUCIONALIZAÇÃO E LEGITIMAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO
BRASIL

Esta disciplina tem o objetivo de promover reflexões sobre a profissão de


serviço social e suas contribuições para a sociedade. Machado (1995, p. 18)
define a categoria profissão com um viés sociológico: “profissão é uma ocupação
cujas obrigações criam e utilizam de forma sistemática o conhecimento geral
acumulado na solução de problemas postulados, tanto para indivíduos como um
coletivo”. Partindo desse pressuposto, cada profissão nasce em um cenário em
que urgem demandas oriundas das necessidades presentes nas relações que são
estabelecidas no âmbito da sociedade. Com essa perspectiva em vista, nesta aula
vamos pensar o papel do serviço social no cenário brasileiro.

1.1 Serviço social: profissão reconhecida socialmente

Yasbek (2009, p. 127) nos convida a pensar a profissão de Serviço Social


com base em uma abordagem materialista histórico-dialética. É no cerne do
processo de reprodução das relações sociais que a profissão passa a ter sentido.
Em uma sociedade capitalista, o conceito de reprodução social se configura pela
maneira como as relações sociais são produzidas e reproduzidas. Na visão da
autora,

a reprodução das relações sociais é entendida como a reprodução da


totalidade da vida social, o que engloba não apenas a reprodução da
vida material e do modo de produção, mas também a reprodução
espiritual da sociedade e das formas de consciência social através das
quais o homem se posiciona na vida social. (2009, p. 127)

Assim, ao reproduzir as relações sociais, reincide-se em um modo de vida,


em valores, práticas culturais e políticas, bem como nos conceitos elaborados
nessa sociedade. Pensar o serviço social nesse cenário implica compreender que
o exercício dessa profissão está imbricado aos interesses das classes sociais.
Partindo dessa ideia, é possível dizer que essa profissão contribui tanto com o
processo de reprodução dos interesses de preservação do capital, quanto com as
respostas às necessidades de sobrevivência dos que vivem do trabalho (Yasbek,
2009, p. 129). Um tanto complexo, mas não é possível deixar de apontar a
polarização existente, pois o objeto dessa profissão está exatamente no cerne da
contradição: “o movimento que permite a reprodução e a continuidade da

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sociedade de classes cria as possibilidades de sua transformação” (Yasbek, 2009,
p. 129).
No Brasil, o serviço social se legitima profissionalmente como um
instrumento impulsionado pelo Estado e pelo núcleo empresarial, tendo suporte
da Igreja Católica, com o intuito de enfrentar e regular a questão social, em
especial a partir dos anos de 1930. Nesse momento histórico, se intensificam as
manifestações da questão social:

em suas variadas expressões, em especial, quando se manifesta nas


condições objetivas de vida dos segmentos mais empobrecidos da
população, é, portanto, a "matéria-prima" e a justificativa da constituição
do espaço do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho e na
construção/atribuição da identidade da profissão. (Yasbek, 2009, p. 130)

Dessa forma, é possível afirmar que, assim como as relações sociais são
dinâmicas e determinadas em um tempo histórico, as caracterizações da profissão
também o são.
A lei que regulamenta a profissão (Lei n. 8.662/93) considera que a
inserção do profissional de serviço social na realidade brasileira ocorre com base
nos reflexos da questão social, ou seja, se revela nas situações de desigualdades
sociais e econômicas, na forma de pobreza, variadas formas de violência,
situações de fome, desemprego, além de situações de negligência e preconceito.
O assistente social pode trabalhar em instituições que prestam serviços
destinados a atender pessoas e comunidades que precisam desenvolver
autonomia, fomentar a participação social e exercitar a cidadania, para que assim
todos possam acessar seus direitos sociais e humanos. Um dos principais
objetivos do trabalho é dar respostas aos usuários, garantindo o acesso aos
direitos elencados na Constituição Federal de 1988 e nas legislações
complementares.
A atuação profissional deve ocorrer a partir de políticas sociais que
respondam às necessidades, assegurando o acesso da população a serviços e
benefícios conquistados ao longo da história, em especial daquelas asseguradas
na seguridade social.
O perfil do profissional deve estar em sintonia com a perspectiva
humanista, comprometida com valores que dignificam as pessoas, sempre de
modo articulado com os princípios presentes no Código de Ética Profissional e
com no Projeto Ético-Político do Serviço Social.

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No próximo tema, vamos estudar elementos que nos ajudam a
compreender a caminhada dessa profissão no Brasil.

TEMA 2 – PANORAMA HISTÓRICO DA PROFISSÃO DE SERVIÇO SOCIAL NO


BRASIL

Nossa contextualização histórica será embasada, principalmente, em


Abrahão e Parrão (2017), autores que ponderam os principais acontecimentos
que levaram ao surgimento do serviço social no Brasil. A profissão surge na
década de 30, como investimento de setores da burguesia, respaldados pela
Igreja Católica e tendo como base os fundamentos do serviço social europeu.
No ano de 1932, foi criado o Centro de Estudos e Ação Social – CEAS, em
São Paulo, que desenvolvia os processos de qualificação dos agentes para o
desenvolvimento de práticas sociais. Os cursos eram voltados para moças de
famílias tradicionais, com o objetivo de que passassem a exercer ações sociais.
Assim, surgiu em 1936 a primeira Escola de Serviço Social, em São Paulo.
Esse percurso evidencia a aliança da burguesia com a profissão. O cenário
conjuntural estava apontando para um início de consciência da classe
trabalhadora; com temor da influência das ideias comunistas, a burguesia investe
no serviço social como estratégia para manter a ordem social vigente. Segundo
Martinelli (2011, p. 123, citado por Abrahão; Parrão, 2017, p. 5) “nota-se que essa
estratégia era totalmente voltada para os interesses capitalistas pois sua real
intenção era ter controle sobre a classe trabalhadora de modo que não houvesse
questionamentos”.
Todas as práticas assistenciais, realizadas entre os anos de 1930 e 1940,
voltadas a pessoas que viviam em condição de vulnerabilidade econômica,
pensando nas necessidades imediatas dos trabalhadores, tinham como propósito
reduzir as manifestações, com a conotação de que o Estado estava atendendo os
interesses da população.
No ano de 1942, o governo de Getúlio Vargas, com o objetivo de fortalecer
a perspectiva capitalista, estreita as relações com o governo norte-americano.
Nesse momento histórico, havia um investimento massivo no crescimento
industrial e no desenvolvimento do país. Como resultado desse processo,
crescem também os reflexos da questão social. O que seria a questão social?
Segundo Carvalho e Iamamoto (1983, p. 77, citado por Machado, 1999, p. 42):

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A questão social não é senão as expressões do processo de formação
e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário
político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por
parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da
vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual
passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e
repressão.

Pereira (2004, p. 112) afirma que a “questão social é produto e expressão


da relação contraditória entre os dois elementos (estrutura e histórico), ou
suscintamente, é o produto e expressão da contradição fundamental entre capital
e o trabalho historicamente problematizada”.
Retomando a contextualização da trajetória do serviço social, Abrahão e
Parrão (2017) sinalizam que a estratégia de conciliar os fundamentos da filosofia
cristã com uma proposta política que legitimasse o capitalismo estava colhendo
bons resultados. Sendo assim, entende-se que o processo de desenvolvimento
capitalista oferecia condições necessárias para a institucionalização da profissão
no cenário brasileiro. Para tanto, os assistentes sociais precisavam dar respostas
às exigências da racionalidade do capital, tendo que buscar formação técnica –
nesse momento, à luz do serviço social norte-americano.
Tecnicamente, a influência norte-americana se materializou nos métodos
de caso e grupo. Posteriormente, com a proposta de desenvolvimento de
comunidade, em estratégias de intervenção profissional. É importante ressaltar
ainda que a qualificação profissional contou com a participação dos assistentes
sociais, em especial em congressos da categoria. Assim sendo, entre os anos de
1940 até os anos de 1950, as influências norte-americanas foram significativas,
em especial por seu viés tecnicista. Esse período foi marcado pelos fundamentos
positivistas e funcionalistas.
Já nos anos 1960 e 1970, o serviço social passou por um processo de
renovação, buscando reatualizar as bases tradicionais da profissão. A vertente
modernizadora foi hegemônica até os anos 1970, com a perspectiva
neopositivista. O serviço social passa a ser reconhecido como elemento
dinamizador e integrador do processo de desenvolvimento. A vertente que trouxe
a reatualização do conservadorismo (ou fenomenológica) procurou desenvolver
procedimentos diferenciados para a ação profissional, com destaque para um
enfoque psicologizante das relações sociais.
Na sequência, surge um processo de reflexão crítica, impulsionado por uma
intensificação as lutas sociais, o que refletia nos espaços universitários, na igreja
e no movimento estudantil, dentre outras expressões. Eis que passa a vigorar um
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embasamento mais marxista (materialismo histórico-dialético). Nunes (2017)
contribui com essa questão, quando relata que houve um amplo questionamento
dos profissionais acerca dos fundamentos, dos compromissos éticos e políticos,
bem como dos procedimentos operativos. Havia um movimento que buscava
construir um serviço social que respondesse às genuínas necessidades locais,
recusando a importação de teorias e métodos. Eis que surge, com o Movimento
de Reconceituação, a intenção de romper com uma postura mais conservadora,
de modo a construir um projeto ético-político. Como resultado desse movimento,
é elaborado o Código de Ética de 1986, que foi reformulado em 1993. Ainda nesse
ano, acontece a revisão da lei que regulamenta a profissão (Lei n. 8.662/93), que
foi complementada com as Diretrizes Curriculares para o Curso de Serviço Social,
aprovadas pela categoria em 1996. Eis que o serviço social investiu em
aprimoramento intelectual, pautado em qualificação no âmbito acadêmico, com
base em uma concepção teórico-metodológica crítica.
A partir do Movimento de Reconceituação, o serviço social foi construindo
um aparato instrumental técnico-operativo e teórico-metodológico articulado com
princípios éticos e políticos. Já nos anos 2000, o cenário conjuntural provoca
mudanças significativas nas expressões da questão social. Surgem muitos
desafios, pela necessidade de enfrentar a precarização das políticas públicas e
dos direitos sociais adquiridos ao longo da história, com a redução da capacidade
de mobilização para devolver projetos de cunho coletivo.
Tais circunstâncias apontam para a necessidade de fortalecer o projeto
ético-político da profissão. Para tanto, é necessário fomentar aprimoramento
intelectual, com processos de organização da categoria em conjunto com a classe
trabalhadora.

TEMA 3 – SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE

Como vimos anteriormente, o serviço social se posicionou como uma


profissão sociopolítica, crítica e interventiva, que tem como objeto de trabalho as
diversas expressões da questão social. Nesse cenário de adversidades,
desigualdades têm origem no antagonismo existente nas relações de classes
sociais, entre a socialização da produção e a apropriação privada dos frutos do
trabalho. O profissional interfere por meio de políticas públicas de acesso a direitos
(Abrahão; Parrão, 2017).

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A partir da década de 1990, passamos a viver de forma contundente os
reflexos da lógica capitalista, pautada em movimentos de exclusão, precarização
e subalternização do trabalho, com fragilização dos direitos, havendo redução
significativa da responsabilidade do Estado com relação às demandas
apresentadas pela questão social. Assim, presenciamos a privatização de
serviços públicos e empresas estatais, o que refletiu diretamente na vida da
população (Piana, 2009).
Considerando o exposto, um dos grandes desafios da profissão no
cotidiano é conhecer e interpretar os reflexos dos fundamentos capitalistas
presente nas relações sociais, de forma mais evidente nas alterações ocorridas
no mundo do trabalho e no desmonte do sistema de proteção social.
Piana (2009), com base em Iamamoto (2000), afirma que o assistente
social precisa desenvolver habilidades e competências para decifrar a realidade.
Deve apresentar propostas criativas que possibilitem a preservação e a efetivação
dos direitos conquistados, com a ousadia de ampliá-los.
Para além da execução das políticas sociais, é preciso ter um aporte de
conhecimento que possibilite formular e fazer a gestão, tanto na esfera pública
como no cenário privado (empresas e entidades não governamentais).
Outro grande desafio é estar fundamentado em uma sólida postura ética,
para poder fazer valer as diretrizes do Projeto Ético-Político assumido pela
profissão a partir do Movimento de Reconceituação. As ações devem ser
desenvolvidas à luz de uma práxis educativa e transformadora, visando trabalhar
no processo do despertar da consciência individual e coletiva, pautada em uma
perspectiva dialética, de modo a “transformar a realidade e por ela ser
transformado” (Piana, 2009). Para tanto, cabe ao profissional assumir uma
postura propositiva, que vá além da mera execução de ações designadas pelas
diretrizes das políticas sociais.
Pensar o serviço social na contemporaneidade é antes de tudo perceber a
realidade apresentada na conjuntura política, econômica, social e cultural da
sociedade analisada. As alterações sociais provocadas pelo sistema capitalista
exigem que o assistente social assuma uma postura de resistência, capaz de ver
as circunstâncias para além de uma noção meramente fatalista e/ou predestinada
pela história.
Nesse sentido, analisar a realidade que se apresenta abre a possibilidade
de formulação de políticas sociais capazes de responder demandas complexas.

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Os desafios sociais agudos neste cenário destacam-se a forma de
examinar e lidar com as demandas impostas, como o desemprego
estrutural, que constrói um dos maiores fantasmas da atualidade, o
acirramento do racismo, das lutas éticas, religiosas e de fronteiras,
acompanhado ao fenômeno de exclusão social. Assim constata-se como
desafio à profissão, encontrar formas de resistência e enfrentamento à
altura de tais demandas. (Barbosa et al., 2015, p. 135)

Uma das formas de resistir às adversidades é compreender o


funcionamento do ciclo capitalista, buscando decifrar a dinâmica, as relações de
força, as influências e as contradições. Para tanto, é preciso escolher uma matriz
sociológica que permita analisar a realidade social diante de significativas
desigualdades, além de exploração do trabalho, de gênero, de etnias, de
territórios, entre tantos outros elementos (Pereira, 2006, p. 21-22, citado por
Barbosa et al., 2015). Ao assegurar uma postura crítica, o assistente social
consegue compreender as determinações e contradições existentes na realidade
concreta. Também é fato que um cenário contraditório é um terreno fértil para o
surgimento de movimentos de resistência.

Sendo assim é desafio do profissional se capacitar participando


ativamente de políticas públicas - não só na execução, mas também
formulação e gestão das mesmas - criar novas estratégias junto às
equipes e seus usuários, por meio de uma leitura crítica da realidade,
atentando a uma reflexão das mudanças que vem ocorrendo nesta
conjuntura, isto é, que seu raciocínio se dê através de uma visão
macroscópica, considerando todas as dimensões do fato e não velando
os aspectos mais profundos. (Barbosa et al., 2015, p. 136)

Nesse sentido, os profissionais de serviço social precisam transitar entre o


aparato teórico do materialismo histórico-dialético e a elaboração de estratégias
criativas que possibilitem preservar e efetivar direitos. Dessa forma, ficam
alinhados ao Projeto Ético-Político.

TEMA 4 – PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DA PROFISSÃO DE SERVIÇO SOCIAL

Netto (2015) afirma que o projeto da profissão de Serviço Social está aliado
a uma escolha de um projeto de sociedade. Assim sendo, ele revela a imagem de
uma profissão no âmbito da sociedade. Elege os valores que a legitima, prioriza
os objetivos e atribuições, e desenha os requisitos teóricos, metodológicos e
operacionais para que se efetive o exercício profissional. Alinha as normas e o
comportamento dos assistentes sociais tendo em vista a relação com os usuários,
outros profissionais e instituições.
Vale destacar que uma categoria profissional expressa a sociedade em que
está projetada; sendo assim, é comum encontrar contradição de interesses dentro
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do seio do serviço social. Assim, existe um Projeto Ético-Político hegemônico da
profissão no cenário brasileiro; mesmo diante das diversidades, existe um
predominante consenso profissional.
Teixeira e Braz (2009) apontam que os projetos de sociedade podem estar
pautados em matrizes conservadoras ou transformadoras. A escolha da profissão
de serviço social foi por uma vertente transformadora. Tem em seu núcleo o
reconhecimento da liberdade como valor ético, trabalhando pela perspectiva da
autonomia e da emancipação plena dos sujeitos sociais.
Os autores elencam os seguintes itens para a constituição do Projeto Ético-
Político do serviço social (Teixeira; Braz, 2009, p. 190-191):

• Explicitação de princípios e valores éticos-políticos;


• Escolha de uma matriz teórica e metodológica;
• Crítica radical a ordem social vigente;
• Manifesta-se em lutas e posicionamentos políticos acumulados pela
categoria, através de suas formas coletivas de organização política.

Esses elementos se materializam na realidade através de componentes


significativos para a profissão, ou seja (Teixeira; Braz, 2009, p. 191-192):

• Dimensão da produção de conhecimentos realizados pelos próprios


assistentes sociais. Sistematizações do exercício profissional implicado em
uma dimensão investigativa, alinhada a teorias críticas.
• Dimensão das instâncias político-organizativas da profissão, em espaços
como fórum, associações profissionais, organizações sindicais, conjunto
CFESS/CRESS – Conselho Federal e Regional de Serviço Social,
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS,
e Centros/Diretórios Acadêmicos/Executiva Nacional de Estudantes de
Serviço Social – ENESSO, espaços democráticos de construção coletiva.
• Dimensão jurídico-política que se materializa pelo conjunto legal e
institucional da profissão (conjunto de leis, resoluções e documentos).

Os itens apontados iluminam o exercício profissional no cotidiano. No


entanto, como o próprio nome aponta (projeto), ainda está no patamar do ideal.
Configuram-se em princípios que direcionam a ação. Mota (2011) também
compreende projeto como uma ideia ou projeção de uma proposta a ser realizada,
que geralmente nasce de adversidades presentes na realidade concreta. Segundo
a autora, o projeto se justifica tanto pelas conquistas imediatas nas demandas dos
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diretos sociais e trabalhistas, quanto pelas conquistas históricas de participação no
seio das políticas públicas e de controle social. Nesse sentido, esse projeto,
considerado hegemônico pela categoria, “deve estar comprometido com valores
éticos fundamentais. Sua efetivação no exercício da profissão é uma tarefa árdua,
visto os limites e dificuldades próprias da contemporaneidade, que influenciam
direta e indiretamente na profissão” (Borges, 2012, p. 2).
Podemos dizer que o referido projeto se caracteriza como uma bússola do
exercício profissional, pois a partir de um conjunto de valores éticos e políticos, os
assistentes sociais se posicionam na luta pela preservação e ampliação de
direitos. Assim, há a habilidade de intervir em diversas expressões da questão
social, com posicionamentos de caráter ético, político e técnico.
Acreditamos que o cenário socioeconômico, delineado por imperativos
neoliberais, expande a ideia de Estado mínimo, que restringe os direitos sociais,
precariza as relações estabelecidas no mundo do trabalho, repercute e intenta a
intervenção profissional, demandando assim que o assistente social assuma um
compromisso, com aperfeiçoamento intelectual sistemático e permanente, tendo
como base referências teóricas críticas, capazes de analisar a realidade social.
Tais reflexões nos levam a perceber que, historicamente, o exercício profissional
é tensionado por práticas conservadoras que fragilizam os princípios do referido
projeto. Assim sendo, a consolidação de um projeto ético-político ocorre em um
processo de luta por parte dos assistentes sociais, resultado de um protagonismo
de sujeitos coletivos.

TEMA 5 – CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL EM UM CENÁRIO DE


DESIGUALDADES SOCIAIS

Vamos começar este tema relembrando que o serviço social é uma


profissão especializada no contexto do trabalho coletivo, a partir da divisão social
e técnica do trabalho. Nesse sentido, assim como qualquer trabalhador, sofre os
processos gerais, na atualidade, de precarização do trabalho, de suas condições
e relações, desafiando o assistente social a não retomar ao tarefismo (Moraes,
2016).
Tal situação, por vezes, ameaça a autonomia relativa da dimensão
intelectual de trabalho. Para tanto, cabe ao profissional delinear sua intervenção
a partir de um planejamento crítico da realidade, garantido posicionamentos firmes
diante das adversidades. Moraes (2016) assevera que o assistente social precisa
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ter domínio teórico e jurídico para ultrapassar posturas meramente burocráticas,
além de estabelecer contato com a realidade concreta, de forma a conhecer as
características dos sujeitos sociais e de suas demandas. O processo que
operacionaliza as políticas sociais possibilita a mobilização dos elementos
necessários para garantir as genuínas necessidades dos usuários. Para tanto, o
assistente social precisa ter habilidade de mobilizar os sujeitos, contribuindo para
que tenham subsídios que os fortaleçam como cidadãos autônomos, em busca
de seus direitos. Requer, também, o desenvolvimento de respostas inovadoras e
articuladas, interdisciplinar e intersetorialmente. Assim,

é fundamental o conhecimento do modo e estilo de vida, das estratégias


de sobrevivência, das relações, dos desejos políticos e sociais desses
sujeitos, criando um acervo de informações, depoimentos e dados
capazes de gerar estudos e análises que fundamentem os
posicionamentos éticos e políticos profissionais nas relações com a
chefia e demais profissionais. (Moraes, 2016, p. 8)

Contudo, é necessário estar atento à mediação estabelecida entre a teoria


e a prática, tendo clareza de que esse processo não ocorre de forma
dicotomizada, pois permite a elaboração de documentos e estratégias de
intervenção que respondam às demandas cotidianas de forma crítica. Os
assistentes sociais:

impulsionam o saber pensar e o saber fazer, "na defesa intransigente


dos direitos humanos", no "reconhecimento da liberdade" e no "empenho
na eliminação de todas as formas de preconceito" (CFESS, 2005, p. 16),
enfrentando cotidianamente o racismo, a homofobia, o machismo, que
se manifestam na realidade, desconstruindo um discurso dominante e
segregador, através de um movimento dialético em que não estão
separados o singular, o particular e o geral. (Moraes, 2016, p. 8)

Dessa forma, reconhecemos que as estratégias de intervenção devem


permitir que o profissional seja capaz de socializar as informações apreendidas,
promovendo reflexões críticas em conjunto com usuários e outros profissionais de
políticas públicas e conselheiros de direitos. Ele deve ser capaz de democratizar
os processos e torná-los transparentes, de forma a propiciar o conhecimento e o
controle social. Também é importante romper com as posições que visam culpar
e punir os sujeitos, procurando interpretar as determinações presentes nas
situações cotidianas. Na visão de Moraes (2016), é necessário estabelecer ações
que respondam às demandas coletivas e que promovam participação social. É
necessário construir movimentos coletivos e conscientes.
Iamamoto (2009) também contribui com tais reflexões, destacando que os
profissionais devem promover uma interlocução entre as demandas dos usuários
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e os serviços sociais presentes na rede socioassistencial e/ou no Sistema de
Garantia de Direitos. Porém, corre-se o risco de interferir no espaço doméstico
dos conflitos. Em contrapartida, o trabalho possibilita que as demandas dos
sujeitos e/ou famílias sejam encaminhadas para os recursos e serviços existentes
nas políticas públicas. Para tanto, deve exercer uma ação de cunho
socioeducativo, com a prestação de serviços sociais, contribuindo para que os
usuários compreendam seus direitos, para além de acessá-los. Nesse sentido,
Iamamoto (2009, p. 97) acredita que é importante delinear um novo perfil
profissional:

afinado com a análise dos processos sociais, tanto em suas dimensões


macroscópica quanto em suas manifestações quotidianas; um
profissional criativo e inventivo, capaz de entender o “tempo presente,
os homens presentes, a vida presente” e nela atuar, contribuindo,
também para moldar os rumos de sua história.

Ianamoto (2009) acredita que as possibilidades estão presentes na


realidade, mas os profissionais precisam pensar em alternativas para responder
às demandas da população. Devem pinçar as demandas e transformá-las em
projetos de trabalho. Em conclusão, os assistentes sociais devem pensar em
soluções capazes de ir além das versões apresentadas pelo senso comum,
estando sempre amarradas a um fio condutor de teorias e métodos, de estratégias
técnico operativas e, principalmente, de valores éticos e políticos.

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REFERÊNCIAS

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seu contexto contemporâneo. In: ETIC – ENCONTRO DE INICIAÇÃO
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Federal de Serviço Social. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências
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