Silo - Tips - Projetos de Formaao Escolar para Escolas em Areas de Fronteira
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Resumo
A questão proposta para este paper será abordada na perspectiva das relações estabelecidas em escolas localizadas em áreas
de fronteiras internacionais, situação que confere a estas, características próprias que permeiam a pluralidade cultural, bem
como seus desdobramentos em termos de referenciais identitários. Neste sentido, no presente texto, procuramos apontar
algumas questões referentes à problemática que envolve as escolas em áreas fronteiriças destacando a necessidade de que
esta discussão seja feita em sentido mais amplo, envolvendo a questão da perspectiva monocultural e homogênea que embasa
o currículo e grande parte das práticas pedagógicas desenvolvidas no âmbito da escola. A partir desta reflexão e com base
em elementos obtidos em pesquisas desenvolvidas com professores de Geografia atuantes em escolas de Ponta Porã (MS),
procuramos analisar a inserção desta disciplina neste contexto específico destacando características, limites e possibilidades
de contribuição para formação escolar em áreas de fronteira.
Abstract
In the present paper, we attempt to identify key questions in the problems faced by schools in frontier regions, given the need
for a much wider discussion of the phenomenon, in particular with regard to the homogeneous, monocultural perspective
which underpins the school curriculum and the majority of pedagogical practices adopted in the school environment. Based
on this perspective, and the data obtained from research conducted on geography teachers working in schools in Ponta Porã
in the Brazilian state of Mato Grosso do Sul, we analyzed the role of this discipline in this specific context, with emphasis on
its characteristics, limitations, and potential contribution to the teaching of schoolchildren in frontier regions.
Key words: frontier; Geography teaching; cultural plurality; identity; school graduation.
Resumé
En el presente paper buscamos apuntar algunas cuestiones referentes a la problemática que envuelve las escuelas en áreas
fronterizas revelando la necesidad de que esta discusión sea hecha en sentido más amplio, envolviendo la cuestión de la
perspectiva monocultural y homogénea que represa el curriculum y la grande parte de las prácticas pedagógicas desarrolla-
das en el ámbito de la escuela. A partir de esta reflexión y con base en elementos obtenidos en investigaciones desarrolladas
con profesores de Geografía actuantes en escuelas de Ponta Porã (MS), procuramos analizar la inserción de esta disciplina
en este contexto específico destacando características, límites y posibilidades de contribución para la formación escolar en
áreas de frontera.
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Revista da ANPEGE, v. 7, n. 1, número especial, p. 205-216, out. 2011.
ISSN 1679-768 X © 2003, Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia. Todos os direitos reservados.
www.anpege.org.br NUNES, F. G.
INTRODUÇÃO
Tendo em vista o tema central proposto a este debate/reflexão - “Geografia: projetos de for-
mação escolar para sociedades diversificadas” – bem como os direcionamentos solicitados para
nossa participação no mesmo, neste texto procuramos realizar tal tarefa com base em experiências
de pesquisa em desenvolvimento neste momento .
Desta forma, a abordagem sobre o tema proposto será realizada a partir de elementos e ques-
tões provenientes de investigações sobre as práticas pedagógicas de professores de Geografia em
escolas de Ponta Porã (MS) na fronteira Brasil/Paraguai.
Partimos do entendimento de que os processos educativos formais em áreas de fronteiras
internacionais, principalmente quando existem cidades gêmeas, como no caso de Ponta Porã (BR)
e Pedro Juan Caballero (PY) precisam ser concebidos e desenvolvidos de acordo com as especi-
ficidades sócio-culturais presentes nesses locais. Neste sentido, a idéia de projetos de formação
escolar para sociedades diversificadas proposta para este debate será abordada na perspectiva das
relações estabelecidas em escolas localizadas nas áreas de fronteiras internacionais, condição que
confere a estas, características próprias que permeiam a pluralidade cultural existente, bem como
seus desdobramentos em termos de referenciais identitários.
Para esta discussão, num primeiro momento, abordaremos o próprio conceito de fronteira a fim
de estabelecermos os referenciais teóricos que embasam nossa compreensão quanto aos significados
e sentidos deste. Na seqüência, procuramos apontar algumas questões referentes à problemática
que envolve as escolas em áreas fronteiriças destacando a necessidade de que esta discussão seja
feita em sentido mais amplo, tocando na questão da perspectiva monocultural e homogênea que
embasa o currículo e grande parte das práticas pedagógicas desenvolvidas no âmbito da escola.
206 A partir desta reflexão e com base em elementos de pesquisas desenvolvidas com professores de
Geografia atuantes em escolas de Ponta Porã (MS), procuramos analisar a inserção desta disciplina
neste contexto específico destacando características, limites e possibilidades de contribuição para
formação escolar em áreas de fronteira.
uma fronteira, em função de sua pluralidade e complexidade, que fazem com que seja impossível
a classificação de uma fronteira (como espaço homogêneo), mas sim de fronteiras que se espalham
por toda a extensão de um país. Assim, considera este autor: “(...) Este ambiente plural transformou
as fronteiras em territórios singulares. São singulares em relação ao território-nação e singulares
entre si – cada fronteira é uma fronteira”.
Pode-se dizer que a “(...) fronteira não é encarada como um limite intransponível ou uma
barreira de proteção, mas como marco por onde se estabelece o intercâmbio dos fluxos de toda
natureza.” (CARVALHO, 2006, p. 60)
Para Hanciau (2005, p. 133):
Além de abarcar amplos domínios, as fronteiras muitas vezes são porosas, permeáveis, flexíveis.
Deslocam-se ou são deslocadas. Se há dificuldade em pensá-las, em apreendê-las, é porque aparecem
tanto reais como imaginárias, intransponíveis e escamoteáveis. Estudá-las, se não resolve essa
problemática, leva pelo menos a entender o sentimento de inacabamento, ilusão nascida da incapacidade
de conceber o “entre-dois-mundos”, a complexidade deste estado/espaço e desta temporalidade.
O entendimento de Sandra Pesavento (2001, p. 7-8) apud Hanciau (2005) é de que a fronteira
constitui-se em encerramento de um espaço, limitação de algo, fixação de um conteúdo e de senti-
dos específicos, conceito que avança para os domínios da construção simbólica de pertencimento 207
denominada identidade e que corresponde a um marco de referência imaginária, definido pela
diferença e alteridade na relação com o outro.
Neste sentido:
Antes de serem marcos físicos ou naturais, as fronteiras são, sobretudo, o produto da capacidade
imaginária de refigurar a realidade, a partir de um mundo paralelo de sinais que guiam o olhar e a
apreciação, por intermédio dos quais os homens e as mulheres percebem e qualificam a si mesmos, o
corpo social, o espaço e o próprio tempo. (...) (HANCIAU, 2005, p. 135-136)
Atualmente, as fronteiras estatais não são mais marcadas pela rigidez, tornando-se porosas, de
forma que, culturas identificadas como de caráter nacional, em grande parte das vezes, não podem
ser mais circunscritas aos limites territoriais das nações. As interações, trocas e conflitos nas di-
versas escalas de contato entre grupos sociais e produtos culturais diversos acabam por estabelecer
formas várias de trocas e recriações mútuas cujos processos resultantes são considerados híbridos.
Para Canclini (1997), o cenário das hibridações se destaca por excelência nas linhas fronteiriças.
As fronteiras são, por assim dizer, representadas cotidianamente em diversas esferas da vida,
sejam elas físicas, políticas ou sociais e estão presentes na sociedade em um constante processo de
construção de desconstrução, pois como são fatos sociais, não são necessariamente fixas, podendo
ser transpostas ao longo do espaço e do tempo.
Mesmo que tradicionalmente fronteiras e limites evoquem uma dimensão de barreira e fixi-
dez, agindo como elemento diferenciador e separador, podem também unir e aproximar realidades
distintas, estabelecendo uma relação que Raffestin (1993) chama de “jogo paradoxal permanente”
em função das práticas que são vivenciadas nestas áreas e das relações de poder que são exercidas
pelos sujeitos locais, implicando em territorialidades que são acionadas dependendo do contexto,
podendo manter, destruir ou recriar limites.
As fronteiras são realidades dinâmicas que representam um campo de práticas e interações so-
ciais, políticas, econômicas e culturais que evocam conflitos e tensões que são inerentes aos sujeitos
que nela se localizam. A questão central é que a diferença/alteridade nestes e em outros locais, não
deve ser tratada como essencial, como uma realidade supra-orgânica que paira sobre os sujeitos
e também não deve ser negada ou desprezada, mas sim considerada a partir da lógica plural da
sociedade contemporânea, marcada por práticas diversificadas decorrentes da diversidade humana.
Assim, as relações desenvolvidas de um e outro lado de cada fronteira são parte constitutiva
da vida dos sujeitos que convivem com este tipo de realidade, na qual o elemento identitário ganha
uma dimensão intensa na vida dos sujeitos fronteiriços. Dessa forma, cada fronteira apresenta ca-
racterísticas únicas derivadas de sua base cultural diversa, cada uma com um conjunto de relações e
práticas sociais, culturais e políticas que remetem ao seu país de origem e ao encontro com o outro.
Dessa forma, entendemos que as regiões de fronteiras são locais de grande complexidade
analítica em função do emaranhado de relações e práticas sociais, políticas, culturais e econômicas
que trazem a seus moradores uma vida marcada pelo trânsito, com territorialidades distintas que
se chocam, se criam e se recriam de acordo com o contexto vivenciado.
Martins (1997) destaca, em seu entendimento sobre a fronteira, o lugar da alteridade, pois nela
há embate de temporalidades diversas:
Na minha interpretação, [...] a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade. É isso o que faz dela uma
realidade singular. A primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões são diferentes
entre si, como os índios de um lado e os civilizados de outro; como os grandes proprietários de terra, de
um lado, e os camponeses pobres, de outro. Mas o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente,
a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro. Não só o desencontro e o conflito
decorrentes das diferentes concepções de vida e visões de mundo de cada um desses grupos humanos.
O desencontro na fronteira é o desencontro de temporalidades históricas, pois cada um desses grupos
208 está situado diversamente no tempo da História. (MARTINS, 1997, p. 150-151)
Nesse sentido, acreditamos que a fronteira (internacional), pensada a partir da formação dos
Estados e da configuração do território numa perspectiva integrada, se configura no que Bhabha
(2008) chama de “entre-lugar”, ou seja, lugares de criação do novo, nos quais os sujeitos fronteiri-
ços, através de suas vivências e do contato “eu”/ outro”, ou “nós”/”eles” conseguem vivenciar uma
condição de multiterritorialidade (HAESBAERT, 2006). Assim, Bhabha considera que a cultura
apresenta um caráter fronteiriço altamente inventivo na medida em que:
O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que não seja parte do continuum
de passado e presente. Ele cria uma idéia do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa
arte não apenas retoma o passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado,
reconfigurando-o como um “entre-lugar” contingente, que inova e interrompe a atuação do presente.
[..] (BHABHA, 2008, p. 27).
Desta forma, podemos dizer que a fronteira configura-se como um território de invenção do
outro, onde o indivíduo procura se reconhecer frente à alteridade. É um “entre-lugar”, uma zona
de transição entre os diferentes que estão a negociar uma identidade.
Mesmo havendo um destaque por parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais de levar
em consideração a vivência dos alunos , a vinculação dos possíveis conteúdos, que deveriam ser
trabalhados de forma específica em cada realidade local, aos processos de avaliação nacional de
aprendizagem e aos temas e idéias/conceitos a serem desenvolvidos em sala de aula a partir do
estabelecido nos livros didáticos, os quais são avaliados e aprovados pelo próprio MEC, de certa
maneira comprometem tal autonomia de abordagens.
O que se tem, em grande parte, é uma prática em sala de aula hegemonicamente padronizada,
reproduzindo sempre o olhar e o discurso dos centros detentores do poder econômico e intelectual,
de maneira que para todas as áreas do Brasil os alunos devem estudar os mesmos temas, o que de
alguma forma não valoriza os elementos e especificidades do local.
Fedatto (2005) afirma, ainda, que a escola de fronteira não é diferenciada, entre outros motivos,
porque os professores não recebem formação para tal atuação, ou seja, desde a graduação estes não
estão preparados para trabalharem com tal realidade (FEDATTO, 2005, p. 495), mesmo que esta
esteja à sua volta, muitos não sabem como fazer a relação entre teoria e prática, o que culmina na
homogeneização do ensino.
Para Candau (2008, p. 15):
Hoje esta consciência do caráter homogeneizador e monocultural da escola é cada vez mais forte, assim
como a consciência da necessidade de romper com esta e construir práticas educativas em que a questão
da diferença e do multiculturalismo se façam cada vez mais presentes.
A autora salienta, também, uma nova compreensão das relações entre educação e cultura(s)
que se relaciona a uma concepção de escola como um espaço de cruzamento de culturas, fluído e
complexo, atravessado por tensões e conflitos. 209
Em seu entendimento, é fundamental que sejamos capazes de desenvolver currículos que
incorporem referentes de diferentes universos culturais, coerentes com a perspectiva intercultural .
Nesta perspectiva, trabalhar o cruzamento de culturas presentes na escola constitui-se também uma
exigência que lhe está intimamente associada.
Ao discutir os desafios da diversidade na escola, Gusmão (2003, p. 94) afirma que o que está
em jogo em nossas práticas e propostas educativas, mais que as diferenças e a imensa diversidade
que nos informa, é a alteridade, espaço permanente de enfrentamento, tensão e complementaridade:
(...) Nessa medida, a escola, mais que um espaço de socialização, torna-se um espaço de sociabilidades, ou
seja, um espaço de encontros e desencontros, de buscas e de perdas, de descobertas e de encobrimentos, de
vida e de negação da vida. A escola por essa perspectiva é, antes de mais nada, um espaço sociocultural.
(GUSMÃO, 2003, p. 94)
(...) O saber que se ensina, é então, redutor de culturas que informam as realidades vividas dos sujeitos
e desloca suas vidas das problemáticas imediatas que as envolvem, acreditando que o aluno é uma
tábula rasa sobre a qual deve-se inscrever o conhecimento tido como real e legítimo. (...) (GUSMÃO,
2003, p. 95)
A autora refere-se, na citação destacada, à escola de uma forma geral, independente de sua
localização. No caso da escola fronteiriça essa situação tende a ser ainda mais grave, pois a convi-
vência cotidiana de duas nacionalidades implica uma grande diversidade de referenciais culturais,
a começar pela língua, que pouco são considerados no desenvolvimento das práticas educativas.
Na opinião de Capelo (2003, p. 111): “As políticas públicas educacionais, bem como a sele-
ção de conteúdos, as práticas pedagógicas e a lógica da escolarização, orientam-se por princípios
monoculturais que são aplicados a sujeitos sociais despregados de suas bases sociais. (...)”
O que se conclui a partir do exposto é que o trabalho dos conteúdos, idéias e temas majoritaria-
mente desenvolvidos na escola parte de uma perspectiva cultural hegemônica e que a própria noção
de diversidade cultural, da cultura do outro, se faz a partir do olhar de quem elabora o discurso ou
a proposta de educação.
Tal forma de abordagem, mesmo que bem intencionada, compromete o trabalho a partir do
tão defendido “respeito à diversidade cultural” e da possibilidade de desenvolver ações inclusivas
e de autonomia das atividades pedagógicas em acordo com a realidade local.
Como melhor compreender quem é esse outro que, numa região de fronteira, acaba por esta-
belecer contatos e trocas, nem sempre harmoniosos, com a chamada “nossa cultura nacional”? Eis
uma questão central para se ter uma prática escolar que efetivamente estimule o respeito ao diverso
e contribua para uma aprendizagem mais eficiente, permitindo assim ao conjunto dos alunos uma
leitura do sentido de sua localização e orientação no mundo de hoje a partir do lugar em que se
encontram.
Com base em pesquisas já realizadas sobre educação em áreas de fronteira, constatamos que
não há preocupação com projetos e atividades que contemplem as particularidades locais. Sobre
esta questão Fedatto (2005, p. 495) afirma que:
(...) quanto ao conteúdo da escola fronteiriça Amador e Fedatto (1999), constataram que os
alunos no curso de magistério não recebem informações diferenciadas para trabalharem numa região
210 de fronteira, reforçando, então, que a escola não se diferencia das demais, visto que não prepara o
professor para trabalhar nessa situação peculiar.
A complexidade cultural dessas zonas de fronteira exige respostas educativas e curriculares para atender
uma população diferenciada pela língua, por costumes, crenças e saberes. Questões estas que afetam a
formação do profissional que será responsável direto pela educação infantil e séries iniciais do ensino
fundamental. (2005, p. 499)
A pesquisa em questão está sendo realizada em seis escolas públicas de Ponta Porã (MS), a
saber: Escola Pólo Municipal Ramiro Noronha; Escola Pólo Municipal João Carlos Pinheiro Mar-
ques; Escola Estadual Mendes Gonçalves; Escola Estadual João Brembatti Calvoso; Escola Estadual
Geni Marques Magalhães e Escola Estadual Pedro Afonso Pereira Goldoni. A escolha dessas escolas
se deu a partir de informações fornecidas por representantes da Secretaria Municipal e Estadual de
Educação que apontaram a estas como aquelas que possuem um número mais significativo de alunos
oriundos do Paraguai . Curiosamente, tais escolas apresentam uma característica em comum: todas
estão localizadas paralelas à linha do limite internacional entre Brasil e Paraguai, o que facilita os
deslocamentos de um lado a outro da fronteira.
O objetivo maior da pesquisa é analisar em que medida a Geografia como disciplina escolar
tem considerado (ou não) a diversidade cultural presente nas escolas fronteiriças para trabalhar seus
conteúdos, principalmente aqueles que envolvem mais diretamente os conceitos de fronteira, lugar
e território, tomando por base as concepções e práticas dos professores da disciplina.
Nas escolas selecionadas foram entrevistados 14 professores de Geografia . O roteiro das
entrevistas (e o questionário, nos casos em que este foi aplicado) foi composto pelas seguintes
questões: 1) Como você analisa a presença de alunos de origem paraguaia na escola brasileira? Isso
traz problemas e dificuldades nas aulas de Geografia? Se sim, quais? 2) Você precisa fazer alguma
mudança em sua forma de trabalho por causa da presença de alunos de origem paraguaia em suas
aulas? Se sim, quais? 3) Em relação aos conteúdos trabalhados, é necessária alguma mudança ou
adaptação devido à presença desses alunos? Quais as principais dificuldades em relação aos con-
teúdos? 4) Em relação aos conceitos de território, lugar e fronteira – considerando a diversidade da
fronteira e a presença de alunos de origem paraguaia – como procura trabalhá-los? Quais os recursos
didáticos utilizados para isso? 5) Como trabalha especificamente o conceito de fronteira? Em qual 211
contexto? Em qual ano? Há um conteúdo específico ao qual relaciona esse conceito? Qual? 6) E
para você, o que significa fronteira? Qual sua concepção sobre fronteira?
Na seqüência, destacaremos os elementos que julgamos mais significativos em cada uma das
questões, bem como aqueles que sobressaem na análise do conjunto das questões e dos professores
para que possamos refletir sobre a situação existente.
A presença do aluno de origem paraguaia na escola brasileira e na aula de Geografia
“Eles estão em escolas brasileiras, então devem se adaptar a ela”. Esta frase, dita por um dos
professores entrevistados expressa com clareza a concepção de grande parte dos demais profes-
sores de Geografia sobre a presença do aluno de origem paraguaia nas escolas de Ponta Porã. Isso
significa dizer que as especificidades sociais e culturais desses alunos, as quais estão na base de sua
formação identitária são negadas ou desvalorizadas pela escola brasileira. Mesmo para os profes-
sores de Geografia - uma disciplina que em tese deveria trazer em seu cerne a diversidade cultural
como elemento central de suas reflexões – esta questão não está colocada como importante em sua
prática pedagógica, o que ocasiona até mesmo em posturas preconceituosas dos professores com
relação aos alunos de origem paraguaia.
Em muitas falas dos professores foi possível perceber uma certa compreensão de que o ser
paraguaio é “inferior” e na medida em que é considerado como tal, sua existência é negada. Na
escola os alunos não querem ser paraguaios, não querem ser chamados de paraguaios, enfim, não
querem ser relacionados a nada que remeta ao “ser paraguaio”, pois isso implica em características
que justifiquem sua inferioridade.
Para Pereira (2002, p. 50):
As crianças vindas do Paraguai são “violentadas” não só quanto ao uso da língua, mas também quanto a
sua realidade cultural, pois além de não utilizarem metodologias diferenciadas, os professores brasileiros
têm dificuldade de considerar a complexidade da situação vivida, uma vez que como todo trabalhador
inserido do modo de produção capitalista, ele também foi expropriado de seu conhecimento e reproduz
o formalismo que lhe é exigido dos órgãos superiores de ensino, desconsiderando a diversidade cultural
presente na sala de aula.
Expressando certa “coerência” entre as concepções dos professores de Geografia quanto à di-
versidade cultural da escola fronteiriça e suas práticas pedagógicas, notamos que a grande maioria
dos entrevistados não vê necessidade de realizar mudanças em suas aulas em função das especifi-
cidades presentes nas escolas de Ponta Porã.
Desta forma, os professores apontam que a maior dificuldade ao trabalhar com os alunos de
212 origem paraguaia diz respeito às questões linguísticas que se manifestam na fala e principalmente
na escrita.
Em relação aos conteúdos e ao currículo da disciplina de uma forma geral, não foram identi-
ficadas e apontadas necessidades de mudanças ou mesmo adequações, pois grande parte dos pro-
fessores entende que quem deve se adaptar à escola são “eles” e não o contrário. O máximo que
alguns fazem é: “Quando necessário reforço o conteúdo, fazendo comparações com os aspectos
geográficos do Paraguai” (PEREIRA, 2011, p. 21)
Quanto ao trabalho com os conceitos de território, lugar e fronteira, os professores também
afirmam que são abordados independentemente da presença de alunos de origem paraguaia. Para
um dos professores entrevistados: “Esses conceitos são trabalhados com freqüência nas aulas de
Geografia levando em conta a diversidade cultural que uma área de fronteira abrange, por exemplo,
no calendário escolar de nossa escola procuramos respeitar os feriados religiosos do Paraguai em
relação à Semana Santa e também ao 08 de dezembro, quando sabemos que a clientela vinda de
lá participa desses feriados. Utilizo os recursos disponíveis na escola, normalmente mudo ou não
vejo necessidade, o que explico para eles é que eles estão em território brasileiro e então temos
uma grade curricular a cumprir que é diferente do Paraguai. Trabalhamos o território do Paraguai
no 8º ano sem muita abrangência de conteúdo.”(PEREIRA, 2011, p. 23)
A fala deste professor ao mesmo tempo em que afirma levar em conta a diversidade cultural da
fronteira, circunscreve tal diversidade ao fato do calendário escolar respeitar os feriados religiosos
do Paraguai. Além disso, reafirma o entendimento quanto à necessidade de adaptação por parte dos
alunos em relação à escola por se tratar de uma grade curricular do território brasileiro.
Neste sentido, perguntamos: não seria possível estabelecer maior aproximação com os re-
ferenciais culturais e identitários desses alunos a partir de conteúdos que a Geografia trabalha,
aproximando-os para a troca de experiências em sala de aula?
Fronteira vai aparecer, por exemplo, assim, no 6º ano, que aí tá dentro dos conteúdos. No 8º ano também,
quando você trabalha... o Continente Americano, então nessas duas aí e no... No 7º ano também, porque
você vai trabalhar Brasil, aí de uma certa forma você tem que trabalhar todas as fronteiras, aqui no
Brasil fala dos limites. Então 6º, 7º, e 8º você trabalha, você vai abordando aos pouquinhos... eles
vão estar entendendo a questão dos limites, mas não é de um país para outro não. O que é fronteira?
Eles só vão aprender isso daí... no 7º ano quando vai trabalhar Brasil, aí você pode aprofundar mais.
Depois no 8º ano, que você trabalha especificamente todos os países, do Continente Americano, aí
você vai trabalhar os países platinos, Paraguai, Uruguai e Argentina, aí você dá mais uma engrenada...
Você trabalha mais nessa questão. Porque aí você tem, como você tá na faixa de fronteira, você pode
trabalhar, por exemplo... Junto com a disciplina de história a guerra do Paraguai, aí você tem aqui
aonde que aconteceu batalha final da Guerra do Paraguai... Cerro Corá, você tem também o Parque
do Dourado que fica no município de Antônio João, onde teve também um confronto, não é, quando o
Paraguai invade o Brasil. (Entrevista realizada em novembro de 2010, concedida a Cirlani Terenciani).
O conteúdo é trabalho mais especificamente no 9º, no primeiro bimestre, quando eles [alunos e alunas]
estudam o tema: “Estado, Território e Nação”. Esse é o primeiro conteúdo da ementa do 9º ano. No 9º 213
ano os alunos apresentam noções sobre o conteúdo e não tem problema nenhum em trabalhar. Mesmo
com alunos que vem do Paraguai, eles já estão estudando aqui faz muito tempo, quase não se percebe
que eles são paraguaios. (Entrevista realizada em novembro de 2010, concedida a Cirlani Terenciani)
É possível perceber, com base nas falas dos professores, que em raros momentos a fronteira
aparece como parte da realidade vivida pelos alunos e professores. Quando esta é acionada, é em
referência à Guerra do Paraguai, não fazendo qualquer menção à realidade sócio-espacial da cidade.
A fronteira se resume a um conteúdo que deve ser trabalhado, aos poucos, do 6º ao 9º ano do Ensi-
no Fundamental, pois o currículo assim determina. Neste sentido, verificamos um distanciamento
da Geografia ensinada com uma realidade social que é vivenciada, produzida e reproduzida pelos
sujeitos cotidianamente.
Na medida em que a fronteira é concebida como apenas um conteúdo, um tema da Geografia
e não na dimensão de lugar (como prática sócio-espacial), da mesma forma que os demais assuntos
que a Geografia trabalha, reproduz-se a Geografia distante da vida dos sujeitos. Isto nos leva a crer
que o problema que aqui se coloca é justamente a concepção hegemônica de Geografia (ligada
ao currículo oficial e sua gênese com o Estado nação) que precisa ser questionada e repensada no
sentido de conceber esta disciplina como um instrumento para o exercício cognitivo de apreensão
dos fenômenos que se espacializam em diversas escalas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas informações obtidas até o momento na pesquisa em Ponta Porã (MS), percebe-
mos a grande dificuldade dos professores locais em considerarem ou valorizarem questões relativas
à diversidade cultural em suas práticas pedagógicas, mesmo estando numa área tão diversa como
uma fronteira internacional cujas dimensões de território, territorialidade, identidade/alteridade estão
presentes a todo o momento, no simples ir e vir cotidiano dos sujeitos. No entanto, estas questões
são pouco exploradas durante as aulas de Geografia, a fronteira é entendida como mero divisor
político-administrativo, sendo pouco discutida entre os alunos, imperando a visão tradicional de
território como sinônimo de Estado-nação e fronteira como o limite deste.
Diante desses elementos, podemos perceber que os professores de Geografia atuantes em
Ponta Porã estão bastante distantes ou mesmo alheios à discussão sobre interculturalidade. Mesmo
vivenciando uma situação de fronteira agem como se o lugar onde eles e os alunos estão não fosse
importante para as aulas de Geografia. Mas por que isso ocorre? Talvez, devido à própria concepção
de Geografia hegemônica (herança de sua gênese) na qual os conteúdos estão pré-estabelecidos e
basta aplicá-los fazendo algumas adequações. Neste caso, a Geografia não é entendida/concebida
como uma disciplina alfabetizadora, instrumento para a compreensão das práticas sócio-espaciais
que permeiam a existência dos sujeitos nas mais diversas escalas.
Desta forma, entendemos que de nada adianta inserir a pluralidade cultural como conteúdo
(ou tema transversal) nas aulas de Geografia se a própria concepção e o papel desta disciplina no
processo de escolarização formal não for repensada.
Mudar o currículo ou elaborar currículos específicos para as escolas de fronteira será a solução?
É uma questão de currículo apenas? Ou será uma questão de concepção sobre a própria Geografia
como disciplina escolar?
A abertura ao outro, à pluralidade cultural não pode restringir-se à incorporação de temas e
conteúdos ao currículo da Geografia. Tal postura deve permear os processos de compreensão das
práticas sócio-espaciais, os raciocínios espaciais como aponta Cavalcanti (2005), pois tais práticas
são construídas no embate constante e cotidiano com o outro, com a diversidade.
Além disso, devemos considerar que a Geografia escolar tem como base os conhecimentos
214 e concepções da Geografia acadêmica e num momento em que as bases da ciência moderna são
questionadas e discutidas, devemos também pensar nos desdobramentos disso na escola. Na atu-
alidade, os debates acerca dos limites do conhecimento científico e a necessidade do diálogo com
outros saberes para a compreensão da realidade conduzem a Geografia, assim como as demais
disciplinas escolares e acadêmicas, a valorizarem leituras objetivas e subjetivas do mundo como
forma de melhor compreendê-lo.
É necessário que os professores estejam abertos para as questões do outro, que se fazem tão
marcantes atualmente. O olhar para a alteridade apontado por Fleuri (2003) representa um caminho
para esta abertura, pois sem a devida problematização, a escola continuará a reproduzir as mesmas
práticas, os mesmos olhares, os mesmos saberes representados pelo modelo ocidental-europeu-
-branco-cristão-masculino-heterossexual em voga. Assim, nos reportamos a Candau (2008) sobre
o que ela considera ser a o papel do educador na perspectiva multi e intercultural:
O/a educador/a tem um papel de mediador na construção das relações interculturais positivas, o que
não elimina a existência de conflitos. O desafio está em promover situações em que seja possível o
reconhecimento entre os diferentes, exercícios em que promovamos o locar-se no ponto de vista, no
lugar sociocultural do outro, nem que seja minimamente, descentrar nossas visões e estilos de afrontar
as situações como os melhores, os verdadeiros, os autênticos, os únicos válidos. Para isso é necessário
promover processos sistemáticos de interação com os “outros”, sem caricaturas, nem estereótipos.
Trata-se também de favorecer que nos situemos como “outros”, os diferentes, sendo capazes de analisar
sentimentos e impressões. É a partir daí, conquistando um verdadeiro reconhecimento mútuo, que
seremos capazes de construir algo juntos/as. Nessa perspectiva, é necessário ultrapassar uma visão
romântica do diálogo intercultural e enfrentar os conflitos e desafios que supõe [...] (CANDAU, 2008,
p. 31-32)
Diante destas questões, bem como dos elementos apresentados sobre as especificidades da
escola em áreas de fronteira, acreditamos que pensar projetos de formação escolar para sociedades
diversificadas considerando as contribuições da Geografia pressupõe colocar na ordem do dia não
só a perspectiva multi e intercultural na formação de professores desta disciplina, mas também (re)
pensar o próprio papel desta na formação de diferentes sujeitos.
AGRADECIMENTOS
Registramos apoio fianaceiro da FUNDECT (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do En-
sino, Ciência e Tecnologia do estado de Mato Grosso do Sul) (Edital 02/2010) e do CNPq (Edital
014/2010) às pesquisas que balizaram presente documento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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