Introdução À Teologia Sistemática e Antropologia Teológica TS 1-1
Introdução À Teologia Sistemática e Antropologia Teológica TS 1-1
Introdução À Teologia Sistemática e Antropologia Teológica TS 1-1
À TEOLOGIA SISTEMÁTICA
E
ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA
TS I
A ciência de Deus e de suas relações com a criação em
linguagem humana
Rio de Janeiro – RJ
nelsonceliorocha@gmail.com
1
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
• O valor do conhecimento teológico
• Conselhos para quem vai estudar Teologia
Parte I - Prolegômenos
1. TEOLOGIA
1.1. Definição e Divisão
1.2. Teologia e Ciência
1.3. Necessidade de uma Teologia
1.4. Material da Teologia
2. TEOLOGIA SISTEMÁTICA
2.1. Definição
2.2. Importância
2.3. Propósito
2.4. Diferença entre Teologia Sistemática e Teologia Dogmática
2.5. Símbolo de Fé
2.6. Método da Teologia Sistemática
2.7. Requisitos para o estudo da Teologia Sistemática
2.8. Divisões da Teologia Sistemática
Parte II – Bibliologia
1. REVELAÇÃO
1.1. Definição de Revelação
1.2. A Revelação Universal de Deus
1.3. A Revelação Especial de Deus
2. O CONHECIMENTO DE DEUS
2.1. O conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos (método de correlação)
2.2. A finalidade do Conhecimento de Deus
2.3. O conhecimento de Deus na mente Humana
2.4. O conhecimento de Deus na obra da Criação e no seu Governo
3. OS NOMES DE DEUS
3.1. Os nomes de Deus em geral
3.2. Os nomes de Deus no Antigo Testamento e seus significados
3.3. Os nomes de Deus no Novo Testamento e sua interpretação
CONCLUSÃO GERAL
BIBLIOGRAFIA
3
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
TEOLOGIA SISTEMÁTICA I
Prolegômenos – Bibliologia – Teontologia
- Antropologia Teológica
INTRODUÇÃO
Premissa: “Teologizar é preciso...” Estudar teologia é importante, porque vale à pena gastar
tempo no mistério de Deus, o que não deixa, aliás, de redundar em benefício próprio e de todo o povo.
Pelo menos cinco instâncias pedem teologia:
1
Para uma melhor compreensão faz-se necessário ter um contato com a obra de ERICKSON, M. J. Introdução
à Teologia Sistemática. São Paulo, Vida Nova, 1997. Cf. páginas 15-20. O autor ao tratar da natureza da
Teologia aborda a questão da Teologia como estudo doutrinário.
2
Segundo define o Dicionário de Teologia Fundamental editado pela Editora Vozes, num artigo de Guido
Pozzo, se a Teologia se define como reflexão crítica, metódica e sistemática da fé da igreja, a reflexão sobre o
método tem por objeto o estudo das normas, dos critérios e das operações que o teólogo realiza para
desenvolver corretamente sua atividade teológica (Cf. o artigo completo, páginas 607-619).
3
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 16.
4
BOFF, C. Conselhos a um jovem teólogo. Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1999. Artigo, p. 1-14. In: Teoria
do Método Teológico. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, 754pp.
4
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
1. A fé pede teologia. A fé busca compreender o que crê. Sem o estudo a fé cairá na cegueira,
como diz Sto. Anselmo: “A teologia é a fé que deseja entender.”
2. O mundo que existe pede teologia. A própria criação é um grito inarticulado por um Criador.
A teologia nada faz senão recolher esse grito e articulá-lo racionalmente.
3. A vida pede teologia. Nós, os viventes, buscamos inelutavelmente o sentido último e radical
das coisas. Por que a existência, a dor, a culpa, a morte? Como responder adequadamente a
essas questões fundamentais e perenes sem recorrer a alguma teologia?
4. Nossa época pede teologia. A cultura moderna é essencialmente reflexiva: não se contenta
apenas com o recurso à tradição, mas pergunta sempre pelo porquê de tudo. Mesmo a chamada
razão pós-moderna, embora prefira o “discurso fraco”, ela também precisa ser submetida a
discernimento. Mais: as questões atuais com que a fé se vê confrontada são tão complexas que
exigem reflexão elaborada e rigorosa. Pense somente nas questões que põem hoje a economia
(neoliberalismo, mercado, globalização, tecnologia, etc.), ou as que colocam as ciências
modernas como a biologia (clonagem, inseminação e gestação humanas em meios artificiais),
a cosmologia (origem e fim do cosmos, leis constitutivas do universo, a hipótese de outros
mundos habitados, etc.), e também a ecologia.
5. A realidade social em que vivemos pede teologia. Qual é a missão dos cristãos frente aos
grandes desafios sociais de hoje? Para confrontar seriamente a fé com esses desafios é preciso
colocar a razão teológica para funcionar.
1o Conselho: “Antes de falar de Deus, ponha-se de joelhos e fale com Deus”. Não se atreva
a fazer teologia sem antes ter feito a “experiência de Deus”. Tem de se fazer primeiro uma teologia
genuflexa, uma teologia devota. A teologia tem, em sua raiz etimológica, o sentido de anúncio e de
louvação. A lição é clara: a teologia há de guardar a natureza de sua raiz: a fé.
2o Conselho: “Nunca perca de vista o tema central da teologia: o mistério de Deus”. Este
é o assunto próprio da teologia. Neste ponto, é mister falar sem equívocos: o objeto direto da teologia
é Deus, e nenhum outro. Isto está até na própria palavra “teo+logia” = estudo de Deus. O pensamento
moderno frequentemente nos engana: ele nos induz a colocar, não Deus, mas o homem no centro de
suas preocupações. É preciso deixar bem claro: somente à luz de Deus as realidades humanas
adquirem seu significado profundo e completo.
que sabe de teologia quem nunca leu Orígenes, Agostinho, Tomás de Aquino, Newman e outros
grandes?
6o Conselho: “Tenha paixão pelo conhecimento de Deus e das coisas de Deus”. Mistério é
um abismo de luz, e de uma luz tão deslumbrante que ofusca a razão. É por isso que o excesso do
esplendor divino que a pobre razão humana fica como que cega. O Mistério não é o limite do
conhecimento, mas o conhecimento de nosso limite frente o ilimitado. Por isso mesmo, o Mistério
representa a mais forte provocação à potência da racionalidade. Não se deve ter medo de “ir fundo”
na penetração do Mistério divino. Sem uma fé curiosa, no bom sentido, nunca se terá um bom teólogo,
mas apenas um burocrata do saber religioso. Se alguém quiser ser um bom estudante de teologia, terá
que expulsar para bem longe estes dois vícios: a preguiça mental e o diletantismo.
7o Conselho: “Faça uma teologia que esteja a serviço do Povo de Deus”. Teologia para quê?
Estuda-se teologia não por interesse pessoal, ou por mera satisfação individual, como uma forma de
“arte pela arte”. A teologia é “serva da fé”. Teologizar é um serviço eclesial. É, em suma, uma forma
de amar. A teologia existe para ser comunicada, para enriquecer a pastoral, para produzir “vida
eclesial”, enfim, para servir ao povo e à sua salvação. Para servir bem à prática, a teologia tem que
estar assentada numa boa teoria. A própria prática, para ser verdadeira, pede uma fundamentação na
verdade. Portanto, para encontrar as boas respostas pastorais é preciso ter um adequado lastro
teológico.
8o Conselho: “Que sua teologia leve sempre em conta a realidade do povo”. A teologia
precisa estar largamente aberta a toda a aventura humana, ser sensível à vida das pessoas, aos
problemas do “homem da rua”. A teologia é para gente comum e não para uma elite. Alguns enfoques
podem ser detectados hoje:
1) O enfoque sócio-libertador;
2) O enfoque feminista;
3) O enfoque étnico;
4) O enfoque ecumênico;
5) O enfoque ecológico.
Mas é preciso ter cuidado, porque todos esses enfoques não devem de modo algum substituir e
nem mesmo enfraquecer o enfoque originário principal e específico da teologia, que é o enfoque da
fé.
10o Conselho: “Faça teologia com o ouvido aberto ao pobre”. Ora, o ouvido de Deus é
inclinado para o clamor do pobre. “Vi a aflição do meu povo e ouvi o seu grito” (Ex 3.7). Por “pobre”
se entende o que vai desde o pobre sócio-econômico até o pecador. “Pobre” refere-se, em suma, a
todos os sofredores e perdidos desse mundo.
Fecho: o elogio da teologia. A teologia é uma ciência digna só de Deus. Mas é verdade que só
Deus mesmo é “teólogo absoluto”, enquanto nós, humanos, somos apenas “teólogos relativos”. De
fato, só Deus conhece bem Deus.
Parte I - Prolegômenos
1. TEOLOGIA
1.1.Definição e Divisão
O termo “teologia” compõe-se etimologicamente de dois termos, que lhe definem já
grandemente a natureza: Théos, + logia = Deus + ciência. No centro está Deus, seu objeto principal.
Qualquer reflexão teológica refere-se de alguma maneira a Deus. Teologia tem a ver com “logia”,
com palavra, com saber, com ciência. Coloca-se Deus em discurso humano. Etimologicamente,
significa um “discurso, um saber, uma palavra, uma ciência de ou sobre Deus”. 5
Teologia significa um estudo racional sobre Deus. Esse termo foi aplicado, primeiramente no
Cristianismo, por Pedro Abelardo, no século XII, utilizado no estudo sistemático da doutrina, ou da
verdade cristã. Foi também usado pela Patrística no estudo da Trindade. 6 Pode-se afirmar que é a
DOUTRINA DE DEUS. No sentido mais amplo e usual, o termo veio a significar todas as doutrinas
cristãs, não somente a doutrina específica sobre Deus, mas também todas as que se relacionam com
Deus e com o Universo. 7 Teologia não é somente “a ciência de Deus”, nem mesmo “a ciência de
Deus e do homem”. Ela dá conta das relações entre Deus e o universo. 8
A Teologia é a rainha das ciências. Os antigos gregos utilizavam o termo para registrar suas
genealogias, nascimentos, obras, batalhas, amor, casamentos e todas as teorias para explicar a origem
do mundo (cosmogonia). Aristóteles distribuía a Filosofia especulativa em três ramos: Física,
Matemática e Teologia. A Teologia ocupava o primeiro lugar, denotando-se como a ciência do
ser, da ontologia e da metafísica. Pherecydos, de Siros, mestre de Pitágoras, foi o primeiro a ser
chamado de teólogo.
Os Pais da Igreja 9 denominavam o evangelista João, de teólogo, 10 porque ele tratou das
relações internas das Pessoas da Trindade. O apóstolo Paulo é considerado teólogo no Novo
Testamento, porque entendeu e organizou o ensino de Jesus Cristo, de maneira profunda. Basta
verificar a Epístola aos Romanos, que é considerada um verdadeiro tratado de Teologia. Gregório de
5
LIBANIO, J. B. e MURAD, A. Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1998,
p. 62-63.
6
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática. Ver página 1 de sua obra. Não somente esta obra, mas as
que constam na Bibliografia apresentam es definição com mais profundidade.
7
Esta definição nos é dada por CHAVES, A. F. em sua obra Teologia Sistemática, 1983. O autor utilizou
vários autores notáveis, especialmente Augustus Hopkins Strong em sua obra de Teologia Sistemática, muito
estudada nos seminários teológicos, e já se encontra parcialmente traduzida para a língua portuguesa, pela
Editora Teológica (Volumes I, II e II).
8
STRONG, A. H. Teologia Sistemática. São Paulo: Teológica, 2002, Vol. I, p. 21.
9
Pode-se considerar a patrística como o momento do nascimento da teologia, segundo o Dicionário de
Teologia Fundamental editado pela Vozes (Ver página 607).
10
STRONG, A. H. Teologia Sistemática. Vol. I, p. 21.
7
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Nazianzeno (328) recebeu essa designação porque defendeu a divindade de Cristo contra os arianos.
11
A Teologia é utilizada no sentido Geral e Particular. A Teologia Geral inclui todos os ramos
de estudo que prepara o ministro de Evangelho: Teologia Sistemática, Teologia Bíblica, Teologia
Histórica, Teologia Contemporânea, Teologia Homilética, Teologia Prática, ou Poimênica, ou
Teologia Pastoral, e Teologia Apologética. No sentido Particular, teologia é um ramo da Teologia
Sistemática que age com a existência, Natureza e Obras de Deus.
Definições acerca do termo Teologia: “A Ciência da Religião” (Thornwell); “Instituição da
Religião Cristã” (Calvino); “Piedade” (Schleiermacher); “Expressão intelectual da Religião”
(Machintosh); “Exposição Sistemática do Propósito de Deus como revelado no Novo Testamento”
(Ritschel); “A Ciência de Deus” (Dabney e Shedd); “Teologia é a Ciência de Deus e das relações
entre Deus e o Universo” (Strong).
A) A existência do objeto ou do fato. A Teologia age com a existência de Deus que tem
relação com a sua criação, que é um fato. É fundamental a Fé nesse sentido. A Fé é
conhecimento e o mais alto tipo de conhecimento. A própria Ciência repousa sobre a Fé.
Calvino afirma que a Fé é conhecimento certo e seguro. 16 Fé não é elemento simplesmente
emocional, fictício e sem objeto. Não há Fé onde não existe objeto. Fé sem objeto pode ser
11
Ibidem.
12
Esta definição consta na obra de LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática, p. 2.
13
STRONG, A. H. , I, p. 21,22.
14
Verificar a obra de ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 18.
15
STRONG, p. 23-41.
16
CALVINO, J. As Institutas da Religião Cristã. Vol III. São Paulo: CEP, 1985. Páginas 6-54. Calvino trata
da Fé de maneira mais aprofundada. Ver também o seu Comentário de Hebreus (Hb 11) sobre a fé, onde com
mais profundidade discorre sobre esse dom do Espírito Santo.
8
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pura imaginação. Fé tem que haver com fatos objetivos. Fé é o órgão pelo qual aprendemos
o que está além do nosso conhecimento. A Fé é a percepção dos fatos espirituais, das cousas
eternas (Hb 11). 17 A Fé nos dá entendimento de realidades que são inacessíveis aos
sentidos, como por exemplo, a existência de Deus e suas relações com a criação.
17
Ver o Comentário de Hebreus sobre Hebreus 11, elaborado por Calvino, editado pela Parácletos, São Paulo,
1997.
18
CHAMPLIN, R. N. & BENTS, J. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia,
Vol, 3, 1995. Thomas Henry Huxley – Biólogo inglês, 1825-1895. Tornou-se conhecido em face de sua hábil
defesa e aplicação da evolução aos moldes de Darwin. Ele promovia o sistema mecânico aplicado à vida. Ele
acreditava que nosso conhecimento é limitado às novas experiências físicas, e que a verdadeira natureza do
universo está acima de nossa maneira de tomar conhecimento das coisas. Foi ele quem cunhou o termo
agnóstico.
19
Ibidem, Vol. 3. David Hume – Filósofo escocês, 1711-1776. Além de filósofo tornou-se conhecido como
grande historiador e como político. Foi influenciado desde os treze anos pelo estudo científico. Foi para a
França, onde estudou. Hume baseava o chamado conhecimento sobre as impressões, ou seja, as informações
colhidas pelos cinco sentidos humanos. Daí é que emergem as idéias. Para ele, as idéias seriam meras cópias
e impressões simples. Essas idéias dos sentidos são fracas em relação à experiência: o conhecimento empírico.
20
Ibidem, Vol. 3. Emanuel Kant – Filósofo alemão, 1724-1804. Foi professor de Lógica e Metafísica. Ele
acreditava que os sentidos físicos não nos concedem um conhecimento seguro. Foi influenciado por Hume.
Escreveu duas obras fundamentais: Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática. A idéia de um raciocínio
a priori, negando a validade das idéias inatas, uma vez que a razão não está isolada. O racionalismo e o
empirismo inglês influenciaram o seu modo de pensar.
21
Ibidem, Vol. 1. Augusto Comte – Filósofo francês, 1798-1857. Fundador da Filosofia Positivista.
Representante do humanismo exagerado. Pregava que as sociedades passam por vários estágios de
pensamento. Haveria os estágios teológico e metafísico, mas, finalmente, mediante o desenvolvimento da
ciência e sua influência crescente. Antigas explicações teológicas e metafísicas cederão lugar às explicações
científicas. O mais importante progresso da sociedade seria o desenvolvimento intelectual. Uma verdadeira
religião humanista unirá o intelecto e os sentimentos.
9
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2. Só podemos conhecer aquilo que tem analogia com a nossa própria natureza ou
experiência. O homem só conhece por analogia. A verdade é que conhecemos não só por
analogia, mas aprendemos muitas coisas por contraste. Esse pensamento é também
agnóstico, mas ainda assim podemos conhecer a Deus uma vez que fomos feitos à Sua
Imagem, havendo analogias entre o divino e nós mesmos (atributos).
4. Só podemos conhecer o que se pode apreender no seu todo. Deus é infinito, logo não
podemos conhecê-lo; não se pode ter dele um conhecimento total. A objeção confunde
conhecimento parcial com conhecimento de uma parte. Nós conhecemos o Universo em
parte; nosso conhecimento dele é parcial. Mas não o conhecemos no seu todo. Isso não
significa que não conhecemos nada do Universo, por ser parcial essa cognição. Na
realidade, não conhecemos nada em sua plenitude. Deus não é composto de partes, logo
podemos perfeitamente ter um conhecimento parcial dele, e este conhecimento é real e
adequado às leis da ciência.
5. Conhecer é limitar: o Absoluto como ilimitado, e o infinito como indefinido, não pode
ser conhecido, pois, não pode ser limitado. Definir Deus é negá-lo. a) Deus é absoluto não
como existindo em “nenhuma” relação, mas como existindo em nenhum necessário
relacionamento; b) Deus é infinito não como excluindo toda co-existência com o finito,
mas como sendo a base do finito; c) Deus é atualmente limitado pela imutabilidade de
seus próprios atributos e distinções pessoais, tão bem como pela auto-escolha de suas
relações com o Universo, que Ele criou, e com a humanidade na pessoa e obra de Jesus
Cristo. I - A PERFEIÇÃO DIVINA envolve sua limitação: personalidade; Trindade;
Justiça; II - A REVELAÇÃO envolve sua autolimitação: no decreto; na criação; na
preservação; no governo; na educação do mundo; III - A REDENÇÃO envolve sua infinita
autolimitação na pessoa e obra de Jesus Cristo. Deus, portanto, é limitado e definido em
um tal sentido tornando possível o conhecimento dele.
C) Algum meio de comunicação pelo qual o objeto possa ser colocado em contato com a
mente humana. A REVELAÇÃO É ESSE MEIO. 22 Mas, há algumas objeções
levantadas:
2. Muitas das verdades reveladas são indefinidas para poder constituir material da
ciência, porque essas verdades pertencem à região dos sentimentos, estando além do
nosso pleno entendimento ou são destituídas de um ordenamento. Os fatos da
Revelação têm efeitos objetivos sobre a mente humana, como acontecem com os fatos da
Psicologia. Alegar que os fatos da Revelação não são plenamente compreensíveis, é
rejeitar toda e qualquer outra ciência, pois muitos setores dela não são plenamente
inteligíveis ao homem, como a eletricidade, a energia atômica, a cosmologia, etc.
3. Que Deus e suas relações com o Universo são objetos apreendidos só pela Fé, não
sendo, portanto, objetos de conhecimento ou científicos. Fé é conhecimento e o mais
alto grau de conhecimento. Verificar os textos bíblicos: Hb 11.3; Jr 24.7; Mt 5.18; Lc
24.25; Jo 7.17; Ef 1.18; 1 Jo 4.7,8; 1 Co 2.14; 1.21.
4. Deus não sendo fenômeno não pode ser objeto de conhecimento. A Ciência prova que
se pode conhecer a substância que é a base de todos os fenômenos. Assim, também
podemos conhecer a Deus pelas suas manifestações, revelações.
Teologia é ciência em alto nível. Somente um coração regenerado poderá sentir propriamente
sua necessidade de uma revelação divina. Somente o Espírito Santo pode penetrar as cousas de Deus,
e assim, iluminar a mente para compreender a Revelação (1 Co 2.11.12).
22
STRONG, A. H., p. 35-41.
23
STRONG, A. H., p. 41-46. Segue-se aqui o conteúdo desse grande teólogo sistemático.
11
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Porque a verdade relativa a Deus é a mais importante de todas, a teologia vai ao encontro da
mais profunda necessidade da natureza racional do homem.
5. Nas injunções diretas e indiretas das Escrituras. A Bíblia exorta, com energia, no sentido
de se estudar diligentemente a verdade: Jo 5.39; 1 Co 2.13; Cl 1.27; 2 Tm 4.2; Mt 13.52;
Ef 4.11; 1 Tm 3.2; 2 Tm 2.15; Tt 1.9; 1 Tm 4.16.
24
STRONG, p. 53-71.
12
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
• Definição de principium, do grego arché: é o que dá origem, o que forma a base do pensamento
e do conhecimento, e sobre o qual estes se apóiam.
• Vejamos cada um desses princípios, a fim de termos uma percepção do material da Teologia,
com o qual passaremos toda a nossa vida de estudo:
1. Principium Essendi. A fonte da Teologia é Deus, e somente Ele pode ser a única fonte, pois
a Teologia é um sumário e explanação do conteúdo das revelações de Deus. Deus é a fonte
e a origem de todo nosso conhecimento. A Criação e a Bíblia são revelações desse
conhecimento eterno de Deus, adaptado à finita capacidade humana. São apenas necessárias
para o propósito de Deus revelar a Sua Glória (Sl 19). Portanto, a teologia é um resumo e
explicação do conteúdo das revelações que Deus faz de si mesmo. São estas, em primeiro
lugar, a revelação de Deus na natureza; em segundo lugar e supremamente a revelação de
Deus nas Escrituras. 25
2. TEOLOGIA SISTEMÁTICA
2.1. Definição
A Teologia Sistemática diz respeito às crenças em uma apresentação lógica, em sua relação
com o pensamento e a vida contemporâneos. Portanto, é um sistema lógico, uno e orgânico de
verdades acerca de Deus e de suas relações com o Universo. Toma o material fornecido pelas
Teologias Bíblica e Histórica e, com este material, busca edificar um todo orgânico e consistente do
25
Ibidem, p. 52.
13
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
nosso conhecimento de Deus e de suas relações com o universo, quer este conhecimento seja
originariamente derivado da natureza, quer das Escrituras.26
Teologia Sistemática é qualquer estudo que responda à pergunta “O que a totalidade da Bíblia
nos diz hoje?” a respeito de um tópico específico. Envolve a coleta e o entendimento de todas as
passagens relevantes da Escritura sobre vários tópicos, assim como o resumo claro de seus ensinos,
de forma que saibamos em que crer cada tópico. 27
As fontes informativas da Teologia Cristã são as Sagradas Escrituras, o Testemunho cristão
através dos séculos, e até os pronunciamentos dos concílios eclesiásticos. Teólogos se tornaram
exímios intérpretes da doutrina cristã.
2.2. Importância
É importante para o estudante de Teologia, porque tem a incumbência de organizar a doutrina
bíblica na mente, de forma a se caracterizar como a melhor preparação no sentido de saber articular
o saber teológico com convicção, refletir e ensinar a Palavra de Deus de maneira mais profunda. 28
As mentes seminais da Teologia cristã foram os escritores sagrados do Novo Testamento.
Mais especificamente ainda, a autoridade apostólica, ou mediante os apóstolos, ou através de
seus discípulos mais chegados.
2.3. Propósito
Tem o seu propósito através da indagação dos fatos com respeito a Deus e às suas relações com
a sua criação; a demonstração desses fatos em sua unidade sistematizada, como partes
importantes de estudo, a respeito das verdades formuladas organicamente.
As verdades teológicas são colocadas no seu devido lugar. Tudo na Teologia Sistemática há
uma ordem. O Deus que se revelou a nós pecadores é um Deus inteligente, que criou tudo segundo a
Sua Palavra, com ordem, estabelecendo leis próprias para cada obra criada.
É preciso entender que a Teologia Sistemática é a base ou o ponto de partida para o
entendimento da Divindade e suas relações com o Universo. Ela não se constitui um fim em si
mesma, para determinar o que Deus é e o que deve ser. Paul Tillich afirma que, no sentido de propor
que a existência teológica seja teônoma, isto é, autônoma em sua forma, mas aberta à dimensão de
profundidade, do ser e do sentido que é, em categorias teológicas, o Espírito. Que esteja centrada na
figura concreta de Jesus, o Cristo, como sendo objeto de preocupação última de todos os tempos e de
todos os espaços. 29
26
STRONG, p. 77.
27
GRUDEM, W. Manual de Teologia Sistemática. São Paulo: Vida, 2001, p. 17.
28
Sobre esta parte ver GRUDEM, p. 17-30; STRONG, p. 76-89.
29
TILLICH, P. Teologia Sistemática. São Paulo: Paulinas; S. Leopoldo, RS: Sinodal, 1987. Ver toda a
Introdução, pp. 13-64.
30
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática, p. 15.
14
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
2.5. Símbolo de Fé
“Símbolo” vem de SYMBALLO = um resumo ou uma exposição condensada das doutrinas
cristãs essenciais. São sinônimos: confissão, credo, declaração, formulário, cânon, artigos de Fé.
A Dogmática explica as doutrinas já estabelecidas na Igreja, procurando prová-las pelas Escrituras.
Já a Teologia Sistemática tem na sua natureza o motivo pelo qual estuda as Escrituras tirando delas
as doutrinas que norteiam a vida eclesial. 31
1. Uma mente disciplinada: para poder coligir os fatos, agrupá-los, conduzir as conexões
prová-los pelas Escrituras e pela experiência. Somente a mente pode, com paciência, coletar
31
Ibidem.
32
TILLICH, Teologia Sistemática, p. 37. O Método de Correlação é um elemento da própria realidade. O
método de correlação explica os conteúdos da fé cristã através de perguntas existenciais e de respostas
teológicas, em interdependência mútua (ver pp. 57-62).
33
Ibidem.
34
Ibidem, 38,39.
35
STRONG, Teologia Sistemática, p. 72-76.
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
os fatos, sustentar em suas mãos muitos fatos de uma vez, inferir através de contínua
reflexão seus princípios que estabelecem conexão, suspender um julgamento final até que
suas conclusões sejam verificadas pela Escritura e pela experiência.
2. Um hábito mental intuitivo ao invés de puramente lógico, ou seja, confiar nas convicções
primárias da mente tanto quanto no processo de raciocinar;
3. Conhecimento relativo da Ciência nos seus vários setores de investigação humana, uma
vez que ela se relaciona com a Bíblia, seja para explicações, como para criticá-la;
4. Conhecimento das línguas originais em que foi escrita a Bíblia, a fim de se poder
determinar com precisão o significado dos termos;
5. Santa afeição para com Deus: somente o coração regenerado poderá sentir propriamente
sua necessidade de uma revelação divina, ou entender aquela revelação;
• A Teologia Bíblica tem como alvo ordenar e classificar os fatos da revelação limitando-
se às Escrituras quanto ao seu material e tratando a doutrina só na medida em que ela se
desenvolveu até o fim da era apostólica.
• A Teologia Histórica traça o desenvolvimento das doutrinas bíblicas desde o tempo dos
apóstolos até os nossos dias e dá conta dos resultados deste desenvolvimento na vida da
Igreja.
36
Ibidem, p. 76-80.
37
Ver os seguintes sumários: STRONG, Teologia Sistemática, Vol. I e GRUDEM, Manual de Teologia
Sistemática. Nos manuais de dogmática, apresentam-se as seguintes ordens: Prolegômenos à Dogmática
Cristã; O Deus Triúno; O conhecimento de Deus; A Criação; O pecado e o Mal (Cf. BRAATEN & JENSON,
Dogmática Cristã, S. Leopoldo, RS: Sinodal e IEPG, 1995); SCHNEIDER, Manual de Dogmática,
Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, Vol. I segue o mesmo sumário: Prolegômenos, Doutrina sobre Deus, Doutrina da
Criação...).
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Parte II – Bibliologia
1. REVELAÇÃO
O ser humano é finito, e não pode conhecer o infinito (Deus) a não ser que este se revele, se
mostre a nós de tal forma que possamos conhecê-lo e ter comunhão com ele. 38
Mais pormenorizadamente, segue-se uma análise sobre a REVELAÇÃO GERAL e a
REVELAÇÃO ESPECIAL.
De um lado, a Revelação Geral significa Deus comunicando a respeito de Si mesmo a todas as
pessoas de todos os tempos e de todos os lugares. De outro, a Revelação Especial, abrange
comunicações particulares e manifestações de Deus para pessoas específicas. 39
Antes de tudo é bom alvitre aprendermos com P. TILLICH, sobre o que ele trata de
considerações metodológicas,42 no sentido de se fazer descrições cuidadosas dos conceitos que serão
vistos e de saber usá-los com consistência lógica. Assim, se pode evitar preencher lacunas lógicas
com material devocional. O mais importante é que as descrições podem iluminar outras idéias afins.
A proposta metodológica de P. TILLICH está devidamente correta, em termos de reflexão
bíblico-teológico-sistemática, pois vivemos numa época em que a palavra REVELAÇÃO tornou-se
objeto de uso inadequado pelo ramo ortodoxo do protestantismo e também do catolicismo romano.
A palavra passou a fazer parte do cotidiano, perdendo o seu sentido teológico, sendo reduzido apenas
a fenômeno.
É necessário refletir com profunda atenção acerca deste assunto, no sentido de haver uma
preparação dentro da realidade pastoral-eclesial.
NO ANTIGO TESTAMENTO
NO NOVO TESTAMENTO 45
P. TILLICH, em sua obra de Teologia Sistemática afirma que a palavra “revelação” (remove o
véu) foi usada tradicionalmente para significar a manifestação de algo escondido que não pode ser
alcançado através das formas ordinárias de conhecimento. 47 É muito mais profundo do que, por
exemplo, alguém revelar um segredo à outra pessoa. Este é o uso da palavra no cotidiano. Mas,
segundo esse teólogo “Uma revelação é uma manifestação especial e extraordinária que remove o
véu de algo que está escondido de forma especial e extraordinária”. 48 O que está oculto é chamado
de mistério.49
Tudo o que Deus faz é revelação de seu caráter, propósito e vontade. No sentido especial essa
atividade divina é a revelação de si mesmo, com o objetivo de chamar os seus eleitos, no
conhecimento de Deus através de seu Filho. 51
Revelação é a manifestação daquilo que nos diz respeito de forma última. O mistério revelado
é de preocupação última para nós porque é o fundamento de nosso ser. 52
É profundamente marcante o que TILLICH afirma ainda sobre a revelação: “Não há revelação
se não houver ninguém que a receba como a sua preocupação última.” 53 Isso mostra o método de
correlação do próprio autor, se referindo ao Deus que se relaciona com a sua criação, e esta que
dá uma resposta ao Criador, como forma de percepção do agir da graça.
OS MEIOS DA REVELAÇÃO:
47
TILLICH, p. Teologia Sistemática. Pág. 96-97.
48
Ibidem, p. 97.
49
Ibidem, p. 97. Dá o significado: “fechar a boca”; “fechar os olhos”. Para ganhar conhecimento é preciso
abrir a boca, a fim de compreender o objeto.
50
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática. Pág. 20.
51
Ibidem. Pág. 20.
52
TILLICH, P. Teologia Sistemática. Pág. 98. São palavras literais da obra.
53
Ibidem.Pág. 99.
54
Ibidem, p. 104-111.
19
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
1. A natureza como meio de revelação – Não há realidade, coisa ou evento que não se possa
tornar um portador do mistério do ser e entrar numa correlação revelatória. Toda pessoa e
toda coisa participam no ser-em-si, isto é, no fundamento e sentido do ser. Não há diferença
entre uma pedra e uma pessoa em sua potencialidade de se tornar portadores da revelação,
entrando em uma constelação revelatória. Mas, há uma grande diferença:
TILLICH afirma que a natureza não pode ser uma base argumentativa para conclusões sobre
o mistério do ser. Isto é observado face às distorções da revelação através da natureza.
Assim, a maior parte da linguagem se move entre dois pólos: quanto mais
científica e técnica, tanto mais perto do pólo denotativo; quanto mais poética e
comunitária, tanto mais perto do pólo expressivo.
1. A natureza – A própria Escritura afirma que existe um conhecimento de Deus que se revela
pelas obras criadas (Salmo 19.1; Romanos 1.20).
2. A história – Deus está atuando no mundo e move-se em direção a certos alvos. Pode-se
afirmar que Deus faz história. Deus usa quem Ele quer, o povo que Ele quer para cumprir
os seus decretos. Um exemplo de revelação de Deus na história é o próprio povo de Israel.
Os povos de todo o mundo têm sua atenção voltada para esse povo. Eis um sinal da
existência de Deus.
Antes da Revelação Natural – Deus se comunicava com o homem oralmente, antes dele cair. 57
A comunicação e a interpretação eram feitas diretamente por Deus (Gênesis 2.15-17; 19.25; 8.24).
Depois da queda do homem, Deus continuou revelando-se, mas de um modo especial
transmitindo-lhe sua vontade e determinação (Gênesis 4.1-16; 4.26; 5.22,23; 6.9; 11.1-9; 12.1-3). A
queda fez também com que a revelação natural fosse insuficiente para o homem. O homem tornou-
se um inimigo na natureza. Ele a destrói com as suas próprias mãos. 58
A chamada Revelação Oral – era também chamada de Revelação Primitiva, que torna os
pagãos indesculpáveis diante de Deus (Romanos 1.15 e 2.1-16). Houve deterioração no ensino
divino, obscurecimento da mais pura luz de Deus, afundando-se a espécie humana no politeísmo e
imoralidade das mais grosseiras. 59
• A Natureza, basicamente não foi distorcida por nada que tenha ocorrido após a criação.
Daí, o mundo que encontramos à nossa volta é basicamente o mundo que surgiu da mão
criadora de Deus e como se pretendia que fosse. 60
55
Este título é emprestado da obra de ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. Pág. 41.
56
Ibidem. Páginas 42-43.
57
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática. Página 22.
58
É de profundo valor desenvolver uma teologia que esteja preocupada em resgatar também o cosmos. Pode-
se pensar sobre “Uma Salvação não-dissociada da Criação”. Assim, a teologia pode contribuir para que o
cosmos seja salvo, tornando autêntico o ensino escatológico de um “Novo Céu e uma Nova Terra”.
59
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática. Página 22.
60
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. Pág. 43.
21
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
61
Ibidem, p. 44.
62
Ibidem.
63
SANTO TOMÁS DE AQUINO. Os Pensadores. Bauru-SP: Nova Cultural. Páginas: 5-6. Nascido no castelo
de Roccasecca, perto de Aquino (Reino das Duas Sicílias), em 1225. Morreu no convento dos cistercienses de
Fossanova, no dia 7 de março de 1274, com 49 anos de idade. Tomás de Aquino foi um trabalhador incansável
e um espírito metódico que se empenhou em ordenar o saber teológico e moral acumulado na Idade Média. O
seu grande mestre foi Alberto Magno.
64
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 44.
65
Ibidem.
66
Ibidem. Página 44.
67
Ibidem.
68
Não é a partir deste argumento que alguns pensam que são salvos pelas obras?
69
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 44.
22
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Todos esses argumentos são empíricos e surgem da observação da natureza pela experiência
sensorial. O principal argumento a priori ou racional é o argumento ontológico. Esse argumento é
puramente intelectual. Assim se observa: Deus é o maior de todos os seres concebíveis. Mas um ser
que não existe, não pode ser o maior de todos os seres concebíveis, pois o ser inexistente de nossa
concepção poderia ser maior, (caso possuísse o atributo da existência). Portanto, por definição, é
preciso que exista Deus.
• Há verdades que a razão por si mesma não pode descobrir. Haverá sempre uma
necessidade de suplementação, que é a Revelação Especial. 71
• Há a falta de relação específica com o homem. Embora a natureza seja uma fonte
reveladora de Deus, falta uma relação específica. Mesmo que a razão possa produzir
verdades acerca de Deus, ela não terá uma percepção a não ser pela Revelação Especial.
70
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática. Página 22-24.
71
Será estudado mais à frente.
72
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática, p. 25.
73
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 55.
23
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
no Homem. A própria Bíblia nos mostra um Homem não metafísico, mas um ser moral e ético. Os
homens perderam o relacionamento de favor com Deus, que possuíam antes da queda. Após a queda,
a raça humana estava afastada de Deus e em rebelião contra Ele; seu entendimento sobre as questões
espirituais estava obscurecido. Daí, a necessidade de haver uma instrução mais completa. 74
Foi quebrado o relacionamento entre o homem e Deus. Assim, houve uma mudança no plano
ético. Destarte, foi preciso um poder renovador subjetivo, uma revelação especial, ou como queiram
alguns, adicional. 75 O homem passou a precisar não de mais informações, mas de uma verdadeira
interpretação de Deus e de si mesmo, e ser tornado uma nova criatura.
O pecado entrou na raça humana e logo foi diminuindo a compreensão humana da revelação
geral, reduzindo-a a eficácia. A insuficiência da revelação geral, por conseguinte, exigia a revelação
especial. Na realidade, a Teologia enfoca não uma suplantação da Revelação Especial sobre a Natural,
mas a clareza da primeira, a fim de se compreender a vontade de Deus.
A natureza pessoal da Revelação Especial - Um Deus pessoal só poderia apresentar-se a
pessoas. Várias formas podem configurar essa apresentação. Deus se revela anunciando o seu próprio
nome. Nada é mais pessoal do que o nome (Êxodo 3.14). E, muito mais, Deus firmou aliança com
pessoas e também com a nação de Israel.
A Sagrada Escritura é pessoal, quanto a sua natureza. Não encontramos nela um compêndio de
teologia, mas algo que nos toca como pessoas na história; nos toca de forma profunda e
existencialmente. Ela fala ao ser humano. Isto é pessoal. O que Deus revela é principalmente a si
mesmo, como pessoa e, em especial, suas dimensões mais significativas para a fé.
A natureza antrópica da revelação especial 76 - Significa que, a revelação de Deus, sendo
pessoal, vem em linguagem humana e em categorias humanas de pensamento e ação. Esse caráter
humano importa no uso de linguagens humanas comuns na época. Daí a necessidade daquele
que faz uso da Bíblia para transmitir a mensagem de Deus, interpretar o Sitz im Leben das perícopes
ou dos diversos livros e cartas da Bíblia.
A natureza analógica da revelação especial77 - Isso quer dizer que, quando Deus age, temos em
mente um significado exatamente igual ao que temos quando dizemos que um ser humano age. 78
Assim, o termo analógico quer dizer “igual em qualidade”.
A) Os eventos históricos – A Bíblia destaca toda uma série de acontecimentos divinos pelos
quais Deus se faz conhecer. Da perspectiva do povo de Israel, um evento básico foi o
chamado de Abraão, considerado pai da nação. O nascimento de Jesus, suas obras
maravilhosas, sua morte e, em particular, sua ressurreição, foram ações de Deus. Na criação
e expansão da Igreja, Deus também estava atuando, fazendo surgir seu povo.
74
Ibidem, p. 56.
75
LORIA, R. Introdução á Teologia Sistemática, p. 26.
76
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 58-59.
77
Ibidem, p. 59-60.
78
Ibidem, p. 59. ERICSON faz referência ao pensamento de GILKEY, L. “Cosmology, ontology, and the
travail of biblical language”, Journal of Religion 41 (1961): 196.
79
Ibidem, p. 61-63. Os tópicos são do autor, que muito tem em colaborar com a Teologia Sistemática.
24
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
não uma revelação direta. Assim, o discurso divino tem várias formas: pode ser uma
fala audível, um ouvir silencioso, interno, da mensagem de Deus. 80
É importante observar que à medida que os autores das Escrituras escreviam, Deus lhes
colocava na mente os pensamentos que deseja comunicar. 81 Os escritores podiam ter ou não
consciência daquilo que estava acontecendo. A Palavra de Deus era a interpretação de um fato, o que
não era uma simples percepção ou um produto de reflexão de um autor bíblico.
A natureza da Profecia - O que significa? É a revelação que Deus faz de si mesmo ao homem.
Na Profecia Deus se interpreta a si mesmo ao homem. Deus fala aos homens por meio de outros
homens, o PROFETAS.82 O Profeta é o homem escolhido por Deus para levar aos outros essa
comunicação, essa revelação divina, essa interpretação própria de Deus.
A Sagrada Escritura como revelação – A revelação de Deus teve que ser escriturada, porque
se consideramos que a própria Revelação contém verdades proposicionais, então teria de ser
escriturada. E, essa Escritura é uma reprodução fiel da revelação original. Pode-se afirmar que a Bíblia
é a Revelação de Deus.
Palavras e profecias – Na formação da Bíblia como a revelação de Deus aos homens, podem
ser encontrados vários meios de Deus se revelar para compor a sua Palavra escrita:
• Profecias - Deus usou pessoas especiais, ungidas para falar em seu nome ao povo.
• Sortes - Lançar sorte (Josué 7.14-18l 18.10; 1 Samuel 10.20; 1 Reis 14.40-45; Lucas 1.8; Atos
1.24). Encontramos a Eleição de Matias no NT - e, depois desta nunca mais se fez ver outra.
• Sonhos - Proféticos e instrutivos de que Deus se servia, quando a revelação era ainda
incompleta, e que tinham em si mesmos as credenciais do ensino divino. Com a vinda do
Espírito Santo, cessaram.
• Visões – Um estado mental em que a consciência era mantida. Foi um meio usado por Deus
para, de modo especial, transmitir a sua vontade ao povo, pelos profetas. Esses profetas
recebiam o nome de “videntes”.
• Urim e Tumim – Luz e Retidão. Não se tem hoje uma compreensão exata do que signifique.
Por meio do Urim e Tumim o Sacerdote consultava a vontade de Deus. Eram doze pedras
preciosas (diamantes) grafados com o nome das Doze Tribos de Israel. Somente o sacerdote
gozava do privilégio de consultar o Senhor.
• A encarnação83 – É o meio mais completo de revelação. O argumento aqui é que a vida e o
discurso de Jesus eram uma revelação especial de Deus. Na realidade, Jesus é a Revelação
máxima de Deus. Deus falou em seu Filho ou por intermédio dele (Hebreus 1.1,2). A
encarnação de Cristo quer dizer “O Deus encarnado”; Deus feito carne. O que parecia
impossível aos homens, Deus tornou possível. Toda a plenitude de Deus se deu em Jesus
Cristo, a qual ultrapassa a de profetas e apóstolos. É muito importante saber que, quando os
profetas falavam, eram portadores de uma mensagem de Deus e sobre Deus. Quando Jesus
falava, era Deus em pessoa falando.84 Em João 14.9 está escrito: “Quem me vê a mim vê o
Pai.”
80
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 61.
81
Ibidem, p. 61.
82
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática, p. 28.
83
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 62.
84
Ibidem, p. 63.
25
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Como seria a Revelação de Deus difundida no cotidiano das pessoas, se, portanto, continuasse
a denominada “Tradição Oral”?85 Diz o adágio popular: “Quem conta um ponto, aumenta um outro
ponto.”
Foi a Bíblia escriturada diretamente por Deus ou por pessoas escolhidas por Ele? Como foi essa
escrituração processada?
Qual o acento principal para que o registro da Revelação Divina tivesse autoridade?
O que garante ser a Bíblia a Palavra de Deus, reconhecida pelos cristãos em todo o mundo?
A essa autoridade da Sagrada Escritura a Teologia Sistemática classifica de INSPIRAÇÃO.
Assim, a Bíblia é inspirada por Deus.86
DEFINIÇÃO:
A Inspiração deve ser definida, não por seu método, mas por seu resultado. É um termo geral
incluindo todos estes tipos e graus de influência do Espírito Santo que operaram nas mentes dos
escritores da Bíblia a fim de garantir a postura na forma da verdade permanente e escrita mais bem
adaptada às necessidades morais e religiosas do homem. A inspiração pode freqüentemente incluir a
Revelação, ou a comunicação direta da verdade de Deus que o homem não poderia atingir por forças
desauxiliadas. 89
85
Segundo ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997, página 68,
a tradição oral está sujeita à erosão e modificação.
86
Verificar o texto bíblico de 2 Timóteo 3.16,17: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino,
para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito
e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (Revista e Atualizada no Brasil).
87
Sobre este assunto tão importante da Sistemática, tratam os seguintes autores: ERICKSON, M. J.
Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997. Páginas 67-68; LORIA, R. Introdução à
Teologia Sistemática. Campinas: 1986. Páginas 37-45, onde consta uma grande Bibliografia; BERKHOF, L.
Teologia Sistematica. Edición (revisada) es publicada y distribuda por La Antocha de Mexico, A.C. 4ª Edición
española (revidada), 1979. Nas páginas 728-733, o autor trata do registro bíblico inspirado pelo Espírito Santo,
como meio de graça.
88
STRONG, Teologia Sistemática, Vol I, p. 293. Ver todo o conteúdo constante nas páginas 292-304.
89
Ibidem, p. 293.
26
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
1. A opinião dos autores do NT (2 Pedro 1.20-21; 2 Pedro 1.21; 2 Timóteo 3.16; Atos 1.16;
3.18,21; 4.25).
3. A posição de Jesus a respeito dos escritos do AT (João 10.35; Mateus 5.18); dois objetos
eram considerados igualmente sagrados em Israel nos tempos de Jesus: o Templo e as
Escrituras. Jesus destacou a transitoriedade do Templo e a eternidade da Escritura.
4. O que produz a Bíblia na vida das pessoas que a lêem e aprendem os seus ensinamentos.
90
ALAND, K., BLACK, M., MARTINI, C. M., METZGER, B. M. E WIKGREN, A. The Greek New
Testament. Edited by: Third Edition (corrected). United Bible Societies, 1983. Printed in West Germany by
Biblia-Druck GmbH Stuttgart. UBS – 1984. Este texto é considerado pelos exegetas como um dos melhores
do Novo Testamento.
91
STRONG, Teologia Sistemática, Vol. I, p. 296-302.
92
Ibidem, p. 302-316.
27
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
de Deus na alma do escritor; dinâmica porque contém tanto o elemento humano como o
divino, assim que apresentando um corpo de verdades reveladas, estas são formadas em
moldes humanos e adaptadas à inteligência humana, comum; plenária porque a influência
do Espírito Santo se estende a toda Escritura, a toda a Bíblia, tornando-a, desta maneira, a
revelação autorizada de Deus (esta é a teoria calvinista).
• Segundo, não se deve conceber esta união dos agentes como conceito e recebimento
externos. Aqueles que Deus levantou e qualificou para a realização de sua obra, falaram e
escreveram as palavras de Deus, quando inspirados, não de fora, mas de dentro, não
passivamente, porém na mais consciente posse e no mais elevado exercício de seus próprios
poderes do intelecto, sentimento e vontade.
• Terceiro, a Inspiração não removeu as peculiaridades pessoais dos escritores com todos
os seus defeitos de cultura e estilo literário. Assim, toda a imperfeição não inconsistente
com a verdade na composição humana pode existir na Escritura inspirada. A Bíblia é a
Palavra de Deus no sentido de que ela nos apresenta a verdade divina nas formas humanas
e é uma revelação não para uma classe seleta, mas para a mente humana comum.
93
STRONG, Teologia Sistemática, Vol. I, p.316-330.
28
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
• Oitavo, não obstante o elemento humano sempre presente, a inspiração das Escrituras,
totalmente permeável, faz destes vários escritos um todo orgânico. 94
• Décimo, conquanto a Inspiração constitui a Escritura uma autoridade mais fidedigna que a
razão individual ou os credos da Igreja, a autoridade última é o próprio Cristo.
Pode ser definida como a interpretação e aplicação no crente daquilo que está registrado na
Bíblia. É a influência do Santo Espírito interpretando para o crente as verdades que Ele fez conter em
registro, a revelação divina, aplicando o seu ensino à vida cristã.
O Testemunho do Espírito Santo – Para que tenhamos certeza da veracidade da Bíblia, o
Espírito de Deus nos faz compreender o significado da Revelação Escrita. E, nesta tarefa, nem a Igreja
e nem a Razão são suficientes, uma vez que a própria Revelação não foi desenvolvida pela mão
humana unicamente.
94
STRONG, Teologia Sistemática, Vol. I, p. 324ss.
95
Dados contidos na obra de ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova,
1997. Página 93.
29
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
O homem necessita de uma certeza a respeito das coisas divinas. Essa certeza a razão humana
não pode prover, porque é a própria razão um instrumento para receber a Revelação e aplicá-la. Mas,
cabe ao Espírito de Deus a tarefa de fazer que a razão desenvolva o pensar conforme o conteúdo da
Revelação, que é a Palavra de Deus. Destarte, se tirará da Escritura os ensinos para toda a existência,
com o objetivo de se viver a verdadeira humanidade. Tudo isso é garantido pele testemunho interno
do Espírito Santo, que faz parte do ponto a seguir.
1. Espírito Santo ensinará todas as coisas aos que crêem e os fará lembrar tudo o que Jesus
ensinou a eles (João 14.26);
2. Espírito Santo dará testemunho de Jesus (João 15.26,27);
3. Espírito Santo convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo (João 16.8);
4. Espírito Santo conduzirá os que crêem a toda verdade (João 16.13).
Os fundamentalistas pensam que em si, e por si a leitura da Bíblia é um fim em si mesma. Basta
apenas ler um capítulo por dia para manter o diabo à distância. Com isto, há o perigo de que a Bíblia
torne-se um fetiche. 98
Por outro lado, há certos grupos carismáticos que crêem que as profecias ocorrem hoje, no
sentido de que há novas revelações; novas mensagens de Deus estão sendo dadas pelo Espírito Santo.
Um fator de importância urgente é saber que a Palavra escrita, corretamente interpretada, é a
base objetiva da autoridade do cristão. Para isto, há o trabalho interno do Espírito Santo de Deus.
Sendo assim, quem nos dá uma grande contribuição sobre este assunto é BERKHOF, 99 quando trata
da relação da Palavra com o Espírito Santo. Trata também das diferentes opiniões a respeito da
eficácia da Palavra de Deus, e, respectivamente, em relação à obra do Espírito Santo. Por exemplo: 100
98
O que se pode observar é que em muitos lugares e ocasiões há pessoas que lêem a Bíblia sob forma de auto-
ajuda. Essas pessoas têm a Bíblia não como Palavra de Deus educativa, mas um livro em que possam encontrar
“preciosas promessas” para se obter bênçãos. Verifica-se também que, chega-se a ler a Palavra de Deus, em
forma de hábito, para se ter uma noite calma ou um dia tranqüilo, como se fosse uma talismã. Quem não já viu
as “tradicionais” caixinhas de promessas! Não precisa ler a Bíblia, é só puxar de dentro de uma caixinha um
versículo e ler a promessa para o dia ou para a ocasião, como se processasse tudo num passe de mágica.
99
BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Campinas, SP: Luz Para o Caminho, 1990, p. 616.
100
Ibidem.
101
Ibidem.
31
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Agindo desta forma, teremos mais cristãos convictos e preparados para responder a todos
quantos perguntarem pela razão da esperança que há dentro de cada um de nós; teremos mais igrejas
obedientes ao Senhor.
É preciso que todos se empenhem em valorizar a Bíblia como Palavra de Deus, desenvolvendo
o seu estudo sério e comprometido com a sinceridade de um coração regenerado pelo Espírito Santo.
Como é que os muçulmanos vêem seu livro sagrado, o “Alcorão”? Não é conhecido por
“Alcorão Sagrado”? “E, durante os vinte e três anos de vida missionária, do Profeta, o Alcorão foi
um guia para os costumes, para o comportamento e para o caráter da sociedade, resolvendo-lhe os
problemas religiosos, políticos, sociais, econômicos e culturais.” 102 Para os muçulmanos o Alcorão
é a Palavra de Deus, o Altíssimo, revelada a Maomé... 103
Para o hinduísmo o conceito de “escritura sagrada” é mais fluído do que no cristianismo. Por
exemplo, o Bhagavad Gitã, pode ser conhecido como escritura sagrada (sruti) por alguns ramos do
hinduísmo religioso.104
O problema da canonicidade 105 é o do reconhecimento por uma comunidade religiosa, dos
escritos sagrados em que se dá valor ao que se chama de Escritura Sagrada. Que é que faz um livro
sagrado ser uma Escritura Sagrada?106 Os cristãos reconhecem ser os escritos sagrados de outras
tradições religiosas como “sagrados”? Se for positiva a reposta, pergunta-se: de que maneira?
Vivemos num mundo pluralista, 107 globalizante, onde tudo é relativo: família, trabalho, idéias,
religião, etc. A idéia dominante é que não há verdade absoluta, salvação única, salvador único, etc.
Diante disso, como é que o cristão se posiciona diante da Sagrada Escritura, a Palavra de Deus?
Terminologia:
102
“ALCORÃO SAGRADO”. Versão portuguesa diretamente do árabe por Samir El Hayek. Apresentação
de S. E. Dr. Abdalla Abdel Chakur Kamel, Tangará, 1979. Apresentação, p. x-xi.
103
Ibidem, p. x.
104
DUPUIS, Jacques. Escrituras Sagradas. Dicionário de teologia Fundamental, dirigido por René Latourelle
e Rino Fisichela. São Paulo: Santuário; Rio de Janeiro, Vozes, 1994. P. 262-265.
105
Nem mesmo entre os diversos ramos do cristianismo existe acordo completo sobre a “canonicidade” dos
livros sagrados. Por exemplo, a tradição católica romana distingue entre livros canônicos e deuterocanônicos
(Ibidem), p. 262.
106
Sobre as grandes religiões do mundo e seus escritos sagrados, verificar a excelente obre de WILGES, I.
Cultura Religiosa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989 a . 214p.
107
Sobre estes assuntos em termos de cristianismo e religiões, verificar as seguintes obras: MIRANDA, M. F.
O Cristianismo em face das outras religiões. Coleção Religião em Diálogo. São Paulo: Loyola, 1998. 153p.
Ibidem. Um Homem Perplexo. O cristão na sociedade. São Paulo: Loyola, 1992, 70p. TEIXEIRA, F.
Teologia das Religiões. São Paulo: Paulinas, 1995. 241p.
108
Segundo DAVIS, J. D. Dicionário da Bíblia. Rio de Janeiro: Juerp, 1984. P. 87. Crê-se que a palavra grega
Bíblia, foi aplicada a princípio aos livros sagrados, por João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla, entre
398 e 404 A. D.
32
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
2. Romanismo – A Bíblia é um produto da Igreja; por isso a Bíblia não é autoridade única ou
final – As encíclicas papais; a Tradição; os santos, etc., são considerados como autoridade
ao lado da Bíblia. Parece que esse conceito tem sido mudado nos últimos tempos, pois na
primeira encíclica do Papa Bento XVI “Deus é Amor”, 2006, consta que a base dessa
escritura é a Palavra de Deus.
5. Seitas – A Bíblia e os escritos do líder ou fundador de cada seita possuem igual autoridade.
Segundo João Calvino a Bíblia é a Palavra de Deus escriturada, e a Mestra para que alguém
conheça o Criador. 111 É a Bíblia a Palavra de Deus porque ela revela Deus aos homens. 112 É ela
superior à Revelação Natural (Salmo 19).
Deve-se ver na Sagrada Escritura uma palavra inicial de Deus ao homem, inspirada pelo
Espírito Santo, e não apenas uma palavra humana sobre Deus, ou também uma palavra do homem a
Deus? 113
Não é a Escritura Sagrada a Palavra de Deus em palavras de homens? Uma vez que Deus é seu
autor, não é apenas uma palavra humana, mas a Palavra do próprio Deus. O Espírito Santo a inspirou,
isto significa que a Revelação de Deus foi escriturada, dirigida pelo Santo Espírito. 114
A Palavra de Deus é vista na Teologia Reformada como “Meio de Graça”. 115 Ela é superior
aos sacramentos, pois aí é que está uma das grandes diferenças entre a Igreja Reformada e a Católica
Romana. A Igreja Católica Romana não considera a Bíblia como meio de graça, e sim a Igreja, com
109
RYRIE, C. Um Resumo da Doutrina Bíblica. Bibliologia – A Doutrina das Escrituras. Estudo contido
na Bíblia Anotada. São Paulo: Mundo Cristão, 1991, 1a ed., 1991. P. 1624.
110
Ibidem, p. 1624.
111
CALVINO, J. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Tradução: Rev. Waldyr Carvalho Luz., São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, Livro I, 1985. P.83-86.
112
Ibidem.
113
Esta é a pergunta contida no Artigo de DUPUIS, Jacques. Escrituras Sagradas. Dicionário de Teologia
Fundamental, dirigido por René Latourelle e Rino Fisichela. São Paulo: Santuário; Rio de Janeiro, Vozes,
1994, p. 263. Desperta a curiosidade para se refletir acerca da linguagem da Bíblia se acessível ao ser humano
como sendo a Palavra de Deus, com a finalidade de se compreender a verdade que liberta, pois será sempre
uma Palavra libertadora.
114
Ibidem, p. 263. Inspiração divina entende-se o fato de Deus, embora respeitando a atividade do autor
humano, guiá-la e assumi-la de modo a fazer com que o que é escrito seja, em sua totalidade, Palavra de Deus
dirigida ao homem.
115
BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Edición (revisada) es publicada y distribuda por T.E.L.L. Mexico 7,
DF. 1979, p. 728-735.
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
uma exaltação dos sacramentos. 116 O que garante ser esse “meio de graça” é justamente ser a Bíblia
inspirada por Deus. É a Revelação Especial de Deus.
As Escrituras Sagradas constituem o principium cognoscendi, isto é, a fonte de todo o
conhecimento teológico. A Bíblia não é somente esse principuim, mas base da extensão da Igreja
e também a edificação e nutrimento dos santos de Deus, no mundo.
O teólogo Paul Tillich em sua obra Teologia Sistemática apresenta seis sentidos diferentes
sobre o termo “Palavra de Deus”, 117 que merecem atenção por parte do estudioso de teologia.
Vejamos cada um em destaque:
2. A Palavra é o meio da criação, a palavra espiritual dinâmica que medeia entre o mistério
silencioso do abismo do ser e a plenitude dos seres concretos, individualizados, auto-
relacionados.
4. A Palavra é a manifestação da vida divina na revelação final. A Palavra é o nome para Jesus
como o Cristo.
5. O termo Palavra é aplicado ao documento da revelação final e sua preparação especial, isto
é, a Bíblia. A Bíblia é a Palavra de Deus em dois sentidos: 1) É o documento da revelação
final; 2) Participa na revelação final da qual ela é o documento.
PALAVRA – No AT, a palavra (dãbbãr) de Deus é usada por 394 vezes para designar alguma
comunicação divina da parte de Deus aos homens, na forma de mandamento, profecia, advertência
ou encorajamento. A fórmula usual do AT é “Palavra de Yahweh”. É uma extensão da personalidade
divina, investida de autoridade e deve ser ouvida por todos. 118
116
Ibidem. P. 728.
117
TILLICH, P. Teologia Sistemática. São Leopoldo (RS): Sinodal; São Paulo: Paulinas, 1987. P. 135-137.
Uma outra obra que merece destaque é a de JENSON, R. W. Os meios de graça. Décimo Locus. Dogmática
Cristã. Editores: Carl E. Braaten e Robert W. Jenson. São Leopoldo (RS): Sinodal e IEPG, 1995. P. 259-321.
118
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. Vol. III. Editor em português: SHEDD, R. P. Junta
Editorial Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1966. P. 1178.
119
Duas obras em português merecem destaque acerca do Antigo Testamento: 1. SCHMIDT, Werner H.
Introdução ao Antigo Testamento. [Tradução: Annemarie Höhn]. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1994. 395p.;
2. ZENGER, Erich et ali. Introdução ao Antigo Testamento. [Tradução: Werner Fuchs]. São Paulo: Loyola,
2003. 557p.
120
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática, p. 48-49.
34
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Ezequiel 24.1; Daniel 12.4; Habacuque 2.2). Muitas Profecias foram dadas por Deus com
o propósito de que ficassem escritas para conhecimento do povo, a fim de serem praticadas
pelo povo (Jeremias 36.27-32; Ezequiel 26 a 32 e 39; Isaias 34.16).
2. Deus fala diretamente ao ser humano (Isaias 10.24; Oséias 4.6; Malaquias 1; Zacarias 9.12).
1. O Senhor Jesus Cristo cita o AT como sendo Palavra de Deus. O que está registrado é a
própria Palavra de Deus (Mateus 4.4,7,10; João 6.45; Lucas 4.4,8; Mateus 26.31,54; Lucas
7.27; 20.17; 19.46; Marcos 14.21).
2. O que está escrito são as Escrituras divinas (Marcos 12.10; Lucas 4.21; João 10.36; Lucas
24.27; 24.46; Mateus 22.29; João 10.35; Marcos 14.49; João 13.18; 17.12).
3. As palavras dos autores (instrumentos) são identificadas como sendo as do próprio Deus
(Mateus 15.7; 24.15; 15.4; 19.4; Lucas 16.29; Marcos 10.5-9, 27; João 15.25; Lucas 24.27;
Mateus 26.54; João 5.39; Mateus 21.16,42).
Identificavam “Escritura” e “Deus” e que aquilo que a primeira diz é o próprio Deus quem o
diz, ou opera; o Evangelho que pregavam era baseado no AT, e a veracidade da mensagem era
provada com citações dele. Como Jesus, tinham o registro do AT como “Palavra de Deus”, citando o
refrão: “está escrito”, ou a “escritura” ou “as escrituras”. Verificar os textos bíblicos: Atos 1.16; 4.25;
8.26-35, 13.34; 17.2,3,11; 8.24,28; Romanos 1.17; 3.4,10; 4.3,17; 8.36; 9.17,33; 10.11; 11.8,26;
14.11; 15.4,9,21; 1 Coríntios 1.19; 3.19; 15.45; 2 Coríntios 4.13; Gálatas 3.8,10,13,22; 4.22,27,30; 1
Timóteo 5.18; 2 Timóteo 3.16; Tiago 2.8,23; 4.5,6; 1 Pedro 1.10-12, 16; 2 Pedro 1.19-21; Hebreus
1.5; 3.7; 4.3; 5.6; 7.21; 8.5; 10.15,16. Segundo LORIA, a referência à Escritura, e na expressão “como
está escrito” é para mostrar que o que está acontecendo ou se está fazendo é a continuação do
planejado por Deus ou realizado no passado. 123
Podemos ter absoluta certeza de que o NT é a Palavra de Deus, e que tudo o que ali está
registrado é infalível e inerrante ensino de Deus pelas provas seguintes: 125
1. Promessas feitas aos apóstolos, pelo Senhor Jesus, de direção sobrenatural – De modo
que a pregação deles, seu ensino e escritos seriam operações especiais do Espírito Santo,
de que seria o próprio Deus quem daria testemunho de Cristo, a eles. Verificar
121
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática, p. 48.
122
Ibidem, p. 49.
123
Ibidem.
124
Obras em português que merecem destaque sobre o Novo Testamento: 1. CARSON, D. A.; MOO, Douglas,
J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. [Tradução: Márcio Loureiro Redondo]. São Paulo:
Vida Nova, 1997. 556p.; 2. LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo, RS: Sinodal,
1980. 268p.; 3. MAZZAROLLO, Isidoro. A Bíblia em suas mãos. Porto Alegre: EST Edições, 1996. 224p.
125
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática, p. 49.
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4. Os ensinos e as obras de Jesus de Nazaré. Suas próprias palavras chegaram até nós com
grande fidelidade, indicando uma memória altamente desenvolvida por parte dos
escritores dos evangelhos. E isso só poderia ter ocorrido por uma intervenção sobrenatural
de Deus na mente dos escritores, conforme a promessa feita por Jesus.
6. As cartas apostólicas. Os escritos das epístolas reclamavam para elas absoluta inspiração,
colocando-as no mesmo nível das Escrituras do AT. Não tinham a menor dúvida a respeito
da exatidão das suas palavras. Reconheciam a participação direta do Espírito Santo, tanto
no ensino oral às igrejas, como nos escritos. E tão grande era a convicção apostólica que
Paulo chega a afirmar autoritariamente, que o seu Evangelho é o único, e de estarem
errados e serem malditos todos os que ensinassem outras doutrinas, mesmo que isso fosse
feito por mensageiro celeste (Gálatas 1.6-9).128 Paulo afirma que não aprendeu de homem
algum, mas do próprio Cristo. Pedro pôs os escritos de Paulo no mesmo pé de igualdade
com os do AT (2 Pedro 3.15,16). E João afirma que têm bênçãos os que guardam os seus
126
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática, p. 49. Citação direta do da obra, pois a sua forma concisa
é clara e de acordo com a Teologia Reformada.
127
Ibidem. P. 50.
128
LORIA, R. Introdução à Teologia Sistemática, p. 51.
36
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Tudo isso prova que a Bíblia é a Palavra de Deus, 129 pois se não fossem os escritores sagrados,
seriam os mais loucos e presunçosos homens do mundo. Mas ninguém, absolutamente, será capaz de
tirar-lhes essa pecha. Nem os seus mais acirrados inimigos. Porque de seus registros transcende a
maravilhosa Palavra de Deus. Há outros livros sagrados. Neles se podem encontrar fragmentos da
verdade, conceitos de moral e as ruínas de uma grandeza que desmoronou. Há neles algumas vozes
de Deus, mas, quando muitos serão apenas alguns sons longínquos, ecos da revelação da natureza, e,
por isso mesmo improfícuos. Daí a enorme diferença que os separa da Bíblia da qual, podemos dizer
que, na sua íntegra, é a Palavra de Deus.
A Bíblia é livro sui generis, único em sua espécie, porque é o único livro divino dado ao homem
por Deus, pelo qual, através do qual e no qual Ele nos fala.
1. A NATUREZA DE DEUS
A doutrina de Deus130 apresenta uma coloração especial dentro do estudo teológico,
especialmente em referência ao estilo de ministério e à filosofia de vida da pessoa. Crer em Deus é a
verdade primeira que perpassa o mais íntimo da pessoa. Logicamente precede e condiciona toda a
observação e raciocínio. Assim, é fato reconhecido que a grande maioria das pessoas na verdade tem
reconhecido a existência de um ser ou seres espirituais de quem elas supõem depender.
O que é possível dizer antes da identificação de Deus certamente deve ser dito. Com que
finalidade as pessoas usam esta palavra DEUS, para que perguntemos com tanta urgência a quem ou
a que ela se aplica verdadeiramente?
Nesta parte deste trabalho, consta o conteúdo como resposta à pergunta elaborada sobre DEUS.
A abordagem é sistemática, e conta com o auxílio das principais obras estudadas em todo o universo
teológico-sistemático.
1.1. Confissões de Fé
fonte e começo de todo o bem; o Filho, eternamente gerado do Pai, o qual, cumprida a plenitude
do tempo, se manifestou em carne ao mundo, sendo concebido do Santo Espírito, nasceu da
virgem Maria, feito sob a lei para resgatar os que sob ela estavam, a fim de que recebêssemos
a adoção de próprios filhos; o Santo Espírito, procedente do Pai e do Filho, mestre de toda a
verdade, falando pela boca dos profetas, sugerindo as coisas que foram ditas por nosso Senhor
Jesus Cristo aos apóstolos. Este é o único Consolador em aflição, dando constância e
perseverança em todo bem.
• Confessamos e reconhecemos um só Deus, a quem, só, devemos apegar-nos, a quem, só, devemos
servir, a quem, só, devemos adorar e em quem, só, devemos depositar nossa confiança.1 Ele é
eterno, infinito, imensurável, incompreensível, onipotente, invisível;2 um em substância e,
contudo, distinto em três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. 3 Cremos e confessamos que
por ele todas as coisas que há no céu e na terra, visíveis e invisíveis, foram criadas, são mantidas
em seu ser, e são governadas e guiadas pela sua inescrutável providência para o fim que
determinaram sua eterna sabedoria, bondade e justiça, e para a manifestação de sua própria
glória.4
1. Dt 6:4; 1Co 8:6; Dt 4:35; Is 44:5-6.
2. 1Tm 1:17; 1Rs 8:27; 2Cr 6:18; Sl 139:7-8; Gn 17:1; 1Tm 6:15-16; Êx 3:14-15.
3. Mt 28:19; 1Jo 5:7.
O ÚNICO DEUS
• Todos nós cremos com o coração e confessamos com a bocal que há um só Deus2, um único e
simples ser espiritual3. Ele é eterno4, incompreensível5 invisível6, imutável7, infinito8, todo-
poderoso9; totalmente sábiol0, justol1 e bom12, e uma fonte muito abundante de todo bem7.
1
Rm 10:10. 2 Dt 6:4; 1Co 8:4,6; 1Tm 2:5. 3 Jo 4:24. 4 S1 90:2. 5 Rm 11:33. 6 Cl 1:15; 1Tm 6:16. 7
Tg 1:17. 8 1Rs 8:27; Jr 23:24. 9 Gn 17:1; Mt 19:26; Ap 1:8. 10 Rm 16:27. 11 Rm 3:25,26; Rm 9:14;
Ap 16:5,7. 12 Mt 19:17. Veja também Is 40, 44 e 46.
➢ Segunda Confissão Helvética (1564)
3. De Deus, sua Unidade e Trindade
• Deus é uno. Cremos e ensinamos que Deus é um em essência ou natureza, subsistindo por si
mesmo, todo suficiente em si mesmo, invisível, incorpóreo, imenso, eterno, criador de todas as
coisas, visíveis e invisíveis, o supremo-bem, vivo, vivificador e preservador de todas as coisas,
onipotente e supremamente sábio, clemente ou misericordioso, justo e verdadeiro. Abominamos
a pluralidade de deuses, porque está claramente escrito: “O Senhor nosso Deus é o único Senhor”
(Deut 6.4). “Eu sou o Senhor teu Deus. Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.2-3). “Eu
sou o Senhor, e não há outro; além de mim não há Deus. Deus justo e Salvador não há além de
38
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
mim” (Is 45.5.21). “Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo, e grande em
misericórdia e fidelidade” (Êx 34.6).
• Deus é trino. Entretanto, cremos e ensinamos que o mesmo Deus imenso, uno e indiviso é
inseparavelmente e sem confusão, distinto em pessoas - Pai, Filho e Espírito Santo - e, assim
como o Pai gerou o Filho desde a eternidade, o Filho foi gerado por inefável geração, e o Espírito
Santo verdadeiramente procede de um e outro, desde a eternidade e deve ser com ambos adorado.
• Assim, não há três deuses, mas três pessoas, consubstanciais, co-eternas e co-iguais, distintas
quanto às hipóstases e quanto à ordem, tendo uma precedência sobre a outra, mas sem qualquer
desigualdade. Segundo a natureza ou essência, acham-se tão unidas que são um Deus, e a essência
divina é comum ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.
➢ A Confissão de Fé de Westminster (1647)
DE DEUS E DA SANTÍSSIMA TRINDADE
I. Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e perfeições. Ele é um espírito
puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável, imenso, eterno,
incompreensível, - onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, fazendo
tudo para a sua própria glória e segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e
imutável. É cheio de amor, é gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro
remunerador dos que o buscam e, contudo, justíssimo e terrível em seus juízos, pois odeia todo
o pecado; de modo algum terá por inocente o culpado.
Deut. 6:4; I Cor. 8:4, 6; I Tess. 1:9; Jer. 10:10; Jó 11:79; Jó 26:14; João 6:24; I Tim. 1:17; Deut.
4:15-16; Luc. 24:39; At. 14:11, 15; Tiago 1:17; I Reis 8:27; Sal. 92:2; Sal. 145:3; Gen. 17:1;
Rom. 16:27; Isa. 6:3; Sal. 115:3; Exo3:14; Ef. 1:11; Prov. 16:4; Rom. 11:36; Apoc. 4:11; I João
4:8; Exo. 36:6-7; Heb. 11:6; Nee. 9:32-33; Sal. 5:5-6; Naum 1:2-3.
II. Deus tem em si mesmo, e de si mesmo, toda a vida, glória, bondade e bem-aventurança. Ele é
todo suficiente em si e para si, pois não precisa das criaturas que trouxe à existência, não deriva
delas glória alguma, mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas, para elas e sobre elas.
Ele é a única origem de todo o ser; dele, por ele e para ele são todas as coisas e sobre elas tem
ele soberano domínio para fazer com elas, para elas e sobre elas tudo quanto quiser. Todas as
coisas estão patentes e manifestas diante dele; o seu saber é infinito, infalível e independente
da criatura, de sorte que para ele nada é contingente ou incerto. Ele é santíssimo em todos os
seus conselhos, em todas as suas obras e em todos os seus preceitos. Da parte dos anjos e dos
homens e de qualquer outra criatura lhe são devidos todo o culto, todo o serviço e obediência,
que ele há por bem requerer deles.
João 5:26; At. 7:2; Sal. 119:68; I Tim. 6: 15; At - . 17:24-25; Rom. 11:36; Apoc. 4:11; Heb.
4:13; Rom. 11:33-34; At. 15:18; Prov. 15:3; Sal. 145-17; Apoc. 5: 12-14.
III. Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade - Deus
o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo, O Pai não é de ninguém - não é nem gerado, nem
procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do
Pai e do Filho.
Mat. 3:16-17; 28-19; II Cor. 13:14; João 1:14, 18 e 15:26; Gal. 4:6.
1.2. A doutrina de Deus na Teologia Sistemática
39
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
O horizonte da vida e suas preocupações é o tempo, o inescapável já, não mais, ainda e ainda
não de tudo que conhecemos e desejamos. Todo ato humano se movimenta daquilo que era em direção
daquilo que haverá de ser. Isso quer dizer que a vida humana e tudo o que se movimenta, só tem
sentido em Deus.
A doutrina de Deus é parte integrante e fundamental inserida no campo da tradição cristã,
porque Deus é o fundamento de todo ser e de toda a realidade. Esta premissa está arraigada no mais
íntimo dos seres racionais, ainda que alguns não queiram aceitar. É por isso que a Teologia
Sistemática trata do estudo sobre Deus e suas relações com a sua criação.
Empreende-se o estudo da Teologia Sistemática sobre Deus com as seguintes pressuposições:131
Deus existe
A existência de Deus é a grande pressuposição da teologia. Não tem sentido tratar do
conhecimento de Deus, a menos que se admita que ele exista. Deus é um ser pessoal de quem se
originam todas as coisas, que transcende a toda a criação, e que por sua vez é imanente em cada parte
dela. A existência de Deus se aceita pela fé, que encontra sua fidedignidade na Palavra inspirada de
Deus. A aproximação mais parecida com uma declaração está em Hb 11.6. A Bíblia pressupõe a
existência de Deus desde a sua primeira declaração em Gn 1.1. A Bíblia diz que Deus criou todas as
coisas segundo o conselho de sua vontade, e revela a realização gradual de seu grande propósito de
redenção. Deus se tem revelado através de sua Palavra. É por esta razão que não é impossível tratar
sobre Deus, uma vez que ele se revelou e se interpretou ao ser humano, através de sua Palavra. Assim,
é preciso consultar a sua revelação para saber o que ele nos tem revelado de si mesmo, e para conhecer
a relação que guarda a suas criaturas.
Em livre autodeterminação para a autocomunicação, Deus se revelou na história como um Deus
apaixonado pela existência e salvação e bem-estar dos seres humanos. 132 A teologia, que é o discurso
humano sobre Deus, está possibilitada, segundo a compreensão cristã, pelo próprio discurso de Deus,
por sua palavra dirigida a nós seres humanos.
As formas como Deus falou outrora ao povo de Israel, e a fé que dali surgiu neste povo, por
este testificada nos escritos do Antigo Testamento, continuam sendo fontes também do nosso
conhecimento de Deus. Além disso, elas constituem o pano de fundo que permitirá reconhecer como
tais ênfases colocadas pelo judeu Jesus de Nazaré.
Experiências com Deus que possam ser testificadas em palavras por pessoas, sempre estão em
veiculação histórica; estão ligadas a lugares bem concretos e épocas bem específicas. Uma descrição
adequada da experiência de Deus por Israel, por isso, somente pode ser prestada se, nos pontos
adequados, também se fizer referência ao contexto histórico.
Sendo a existência de Deus uma primeira verdade, é fundamental refletir sobre algumas
premissas:133
1. Que o conhecimento da existência de Deus responde ao primeiro critério da universalidade.
É fato reconhecido que a grande maioria dos seres humanos na verdade tem reconhecido a
existência de um ser ou seres espirituais de quem eles supõem depender.
2. Que o ser humano, sob circunstâncias adequadas à manifestação deste conhecimento, não
pode deixar de reconhecer a existência de Deus. A contemplação da existência finita,
inevitavelmente sugere a idéia de um ser infinito como seu correlato. Quando a mente
131
BERKHOF, L. Teologia Sistematica, p. 19 ss.
132
SCHNEIDER, T. (Org.) Manual de Dogmática, Vol. 1, p. 55 ss.
133
Cf. STRONG, A. H. Teologia Sistemática, pp. 98-106.
40
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
4. Que aquele que nega a existência de Deus deve tacitamente assumir tal existência em seu
próprio argumento, empregando processos lógicos cuja validade se apóia no fato da
existência de Deus.
Deus se revela como trinitário: Pai, Filho e Espírito Santo
Na natureza de Deus há três distinções eternas que se nos representam sob a figura de pessoas
e estas três são iguais. 134 A tripessoalidade de Deus é uma verdade exclusiva da revelação. Faz-se
claramente, apesar de não formalmente conhecida no Novo Testamento e podem achar-se indicações
dela no Antigo Testamento.
A doutrina da Trindade pode expressar-se nas seguintes seis afirmações:
1. Há na Escritura três que são reconhecidos como Deus.
2. Estes três são descritos de tal modo que somos compelidos a concebê-los como pessoas
distintas.
3. Esta tripessoalidade da natureza divina não é simplesmente econômica e temporal, mas
imanente e eterna.
4. Esta tripessoalidade não é triteísmo; pois, conquanto haja três pessoas, há apenas uma
essência.
134
Cf. STRONG, A. H. Teologia Sistemática, p. 452 ss.
135
KELLY, J. N. D. Doutrinas Centrais da Fé Cristã, Vida Nova, p. 64 ss.
136
JUNGMANN, J. A. The Place of Christ in Christian Liturgical Prayer, New York, Alba, 1965. In:
BRAATEN, C. E. Dogmática Cristã, p. 108.
41
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
até que ponto do passado ele remonta. Certamente remonta a uma época ainda mais remota que os
traços fracos da reflexão trinitária, e parece ter sido uma expressão imediata da maneira como os
crentes experimentaram Deus.
É na liturgia, no ambiente cúltico da Igreja Primitiva, que nasceu uma nova experiência de
Deus.137 E, quando falamos sobre Deus, mas a ele e por ele, que precisamos do nome de Deus e o
usamos, e é aqui que aparecem as fórmulas trinitárias, tanto no princípio quanto até o dia de hoje.
1.3. A Imanência e a Transcendência de Deus
Um importante par de ênfases que devemos preservar com toda certeza é a doutrina da
imanência de Deus em sua criação e de sua transcendência em relação a ela. 138
Ambas as verdades são ensinadas na Escritura. Jeremias 23.24, por exemplo, destaca a presença
de Deus em todas as partes do universo. Nesse contexto, entretanto, tanto a imanência como a
transcendência aparecem juntas: “Acaso, sou Deus apenas de perto, diz o Senhor, e não também de
longe”? Conferir também o que Paulo disse aos filósofos no Areópago em Atenas (At 17.27b, 28) e
Isaias 55.8-9; 6.1-5.
O significado de imanência. Significa que Deus está presente e ativo dentro de sua criação e
dentro da raça humana, mesmo naqueles membros que não crêem nele ou não lhe obedecem. Sua
influência está em toda parte. Ele age nos processos naturais e por meio deles.
O significado de transcendência. Significa que Deus não é uma mera qualidade da natureza
ou da humanidade; ele não é simplesmente o mais elevado dos seres humanos. Ele não é limitado à
nossa capacidade de compreendê-lo. Sua santidade e bondade vão muito além, infinitamente além
das nossas, e isso também é verdade em relação a seu conhecimento e poder.
É importante manter juntas essas duas doutrinas, mas nem sempre é fácil fazê-lo, pois há
problemas em saber como entendê-las.
Implicações da Imanência
1. Deus não se limita a agir diretamente para cumprir seus objetivos.
2. Deus pode usar pessoas e organizações que não sejam declaradamente cristãs.
3. Devemos ter apreço por todas as coisas criadas por Deus.
4. Podemos obter algum conhecimento acerca de Deus por meio de sua criação.
5. A imanência de Deus significa que há pontos em que o evangelho pode fazer contato com
o descrente.
Implicações da Transcendência
1. Existe algo mais elevado que os seres humanos.
2. Deus nunca pode ser completamente determinado pelos conceitos humanos.
137
BRAATEN, C. E. Dogmática Cristã, p. 109.
138
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, Vida Nova, 1999, p. 100 ss.
42
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
além de ti' (Salmo 16.2; na versão usada pelo autor, literalmente: " ... a minha bondade não chega a
Ti"). Em toda a sua extensão, este é um Salmo sobre Cristo. A bondade e a justiça de Cristo
alcançaram os Seus santos na terra (Salmo 16.3), mas Deus estava acima e, além disso, tudo, pois
unicamente Deus é "o Bendito" (Marcos 14.61, no grego).
É absolutamente certo que Deus é honrado e desonrado pelos homens; não em Seu Ser
essencial, mas em Seu caráter oficial. É igualmente certo que Deus tem sido "glorificado' pela criação,
pela providência e pela redenção. Não contestamos isso, e não ousamos fazê-lo nem por um momento.
Mas isso tudo tem que ver com a Sua glória declarativa e com o nosso reconhecimento dela. Todavia,
se assim Lhe aprouvesse, Deus poderia ter continuado só, por toda a eternidade, sem dar a conhecer
a Sua glória a qualquer criatura. Que o fizesse ou não, foi determinado unicamente por Sua própria
vontade. Ele era perfeitamente bem-aventurado em Si mesmo antes de ser chamada à existência a
primeira criatura. E, que são para Ele todas as Suas criaturas, mesmo agora? Deixemos outra vez que
as Escrituras dêem a resposta- "Eis que as nações são consideradas por ele como a gota dum balde, e
como o pó miúdo das balanças. eis que lança por aí as ilhas como a uma coisa pequeníssima. Nem
todo o Líbano basta para o fogo, nem os seus animais bastam para holocaustos. Todas as nações são
como nada perante ele; ele as considera menos do que nada e como uma coisa vã. A quem pois fareis
semelhante a Deus: ou com que o comparareis?" (Isaías 40.15-18). Esse é o Deus das Escrituras;
infelizmente Ele continua sendo o "Deus desconhecido' (Atos 17.23) para as multidões desatentas.
'Ele é o que está assentado sobre o globo da terra, cujos moradores são para ele como gafanhotos; ele
é o que estende os céus como cortina, e os desenrola como tenda para neles habitar; o que faz voltar
ao nada os príncipes e torna coisa vã os Juizes da terra" (Isaías 40.22-23).
Quão imensamente diverso é o Deus das Escrituras do "deus" do púlpito comum!
O testemunho do Novo Testamento não tem nenhuma diferença do que vemos no Antigo Testamento;
como poderia ser, uma vez que ambos têm o mesmo Autor! Ali também lemos. "A qual a seu tempo
mostrará o bem-aventurado, o único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores; aquele que
tem, ele só, a imortalidade, e habita na luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu nem pode
ver. Ao qual seja honra e poder sempiterno. Amém" (1 Timóteo 6.15-16). O Ser que aí é descrito
deve ser reverenciado, cultuado, adorado. Ele é solitário em Sua majestade, único em Sua excelência,
incomparável em Suas perfeições. Ele tudo sustenta, mas Ele mesmo é independente de tudo e de
todos. Ele dá bens a todos, mas não é enriquecido por ninguém.
Um Deus tal não pode ser encontrado mediante investigação; só pode ser conhecido como e quando
revelado ao coração pelo Espírito Santo, por meio da Palavra. É verdade que a criação manifesta um
Criador, e isso com tanta clareza, que os homens ficam "inescusáveis" (Romanos 1.20); contudo,
ainda temos que dizer com Ló: "Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos; e quão pouco é
o que temos ouvido dele! Quem pois entenderia o trovão do seu poder?' (Jó 26.14). Cremos que o
argumento baseado no desígnio, assim chamado, argumento apresentado por "apologetas" bem
intencionados, tem causado mais dano que benefício, pois tenta baixar o grande Deus ao nível do
entendimento finito e, com isso, perde de vista a Sua singular excelência.
Tem-se feito uma analogia com o selvagem que achou um relógio e que, depois de um detido
exame, inferiu a existência de um relojoeiro. Até aqui, tudo bem. Tentemos ir mais longe, porém.
Suponhamos que o selvagem procure formar uma concepção pessoal desse relojoeiro, de seus afetos
pessoais, de suas maneiras; de sua disposição, conhecimentos e caráter moral - de tudo aquilo que se
junte para compor uma personalidade. Poderia ele chegar a imaginar ou pensar num homem real - o
homem que fabricou o relógio - de modo que pudesse dizer: "Eu o conheço"? Fazer perguntas como
esta parece fútil, mas estará o eterno e infinito Deus tanto mais ao alcance da razão humana?
Realmente, não. O Deus das Escrituras só pode ser conhecido por aqueles a quem Ele próprio Se dá
a conhecer.
Tampouco o intelecto pode conhecer a Deus. "Deus é espírito... " (João 4.24) e, portanto, só
pode ser conhecido espiritualmente. Mas o homem decaído não é espiritual; é carnal. Está morto para
tudo que é espiritual. A menos que nasça de novo, que seja trazido sobrenaturalmente da morte para
a vida, miraculosamente transferido das trevas para a luz, não pode sequer ver as coisas de Deus (João
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3.3), e muito menos entendê-las (1 Coríntios 2.14. É mister que o Espírito Santo brilhe em nossos
corações (não no intelecto) para dar-nos o ' ... conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus
Cristo" (2 Coríntios 4.6). E até mesmo esse conhecimento espiritual é apenas fragmentário. A alma
regenerada terá de crescer na graça e no conhecimento do Senhor Jesus (2 Pedro 3.18).A nossa
principal oração e finalidade como cristãos deve ser que possamos " ... andar dignamente diante do
Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda a boa obra, e crescendo no conhecimento de
Deus" (Colossenses 1.10).
É comum em teologia se afirmar que os atributos de Deus são Deus mesmo segundo o que se
nos tem revelado. Logo, devemos nos colocar alerta contra a idéia de separar a essência divina e os
atributos ou perfeições divinas; e também contra um falso conceito de relação que guardam entre si.
Os atributos são qualidades inerentes do ser de Deus.
Para compreendermos a relação entre Deus e a sua criação, é importante compreender sua
natureza. Quando falamos dos atributos de Deus, 141 estamos nos referindo àquelas qualidades de Deus
que constituem o que ele é. São as próprias características de sua natureza. Não se quer dizer com
isso, que se os atributos se referem aos atos que Deus realiza tais como criar, guiar e preservar, nem
aos papéis correspondentes que desempenha – Criador - Guia - Preservador.142
Os atributos são qualidades da Deidade inteira. Não se deve confundi-los com
propriedades 143 que, em termos técnicos, são as características distintivas das várias pessoas da
Trindade. As propriedades são funções (gerais), atividades (mais específicas) ou atos (extremamente
específicos) de cada membro da Divindade.
Os atributos são qualidades permanentes. Não podem ser adquiridos ou perdidos. São
intrínsecos. Portanto, a santidade não é um atributo (uma característica permanente, inseparável) de
Adão, mas é um atributo de Deus. Os atributos de Deus são dimensões essenciais e inerentes de sua
própria natureza. Embora nossa compreensão de Deus seja filtrada por nossa estrutura mental, seus
atributos não são nossas concepções projetadas sobre ele. São características objetivas de sua
natureza.
Os atributos são inseparáveis do ser ou da essência de Deus. É melhor pensar nos atributos
de Deus como sua natureza, não como uma coleção de partes fragmentadas nem como algo que se
adiciona à sua essência. Portanto, Deus é seu amor, santidade e poder.
141
Cf. ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 104 ss.
142
Ibid.
143
BERKHOF, L. Teologia Sistematica, p. 59, não compartilha dessa idéia, pois assume o uso do termo
“propriedades”.
144
Cf. com mais profundidade: BERKHOF, L. Teologia Sistematica, pp. 59-95; ERICKSON, M. J.
Introdução à Teologia Sistemática, pp. 105-126.
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• Infinidade. Deus é infinito, isto é, sem limite em seu ser, pois é o ser por si, o ser que
existe por sua própria essência. Nada existe além e acima de Deus, que de nada depende e
ao qual tudo está subordinado.
• Imensidade. Sendo infinito, Deus não pode ser circunscrito ou limitado por qualquer
coisa. A imensidade é a perfeição infinita pela qual Deus, sem ser extenso, ou ocupar algum
espaço, porque é absolutamente simples, o enche integralmente com a sua presença e
onipotência.
• Eternidade. Sendo necessário e infinito, Deus não tem começo nem fim. Só possuem
duração limitada os seres imperfeitos. Deus, sendo infinitamente perfeito, é eterno. Não tem
passado, futuro, nem presente.
2. ATRIBUTOS OPERATIVOS:
• Inteligência. Sendo tudo, em Deus, infinito, sua inteligência e sua ciência são também
infinitas. Para saber, Ele não precisa raciocinar. Tudo vê e conhece por intuição direta e
imediata.
• Vontade. A vontade divina não possui limites e é livre de todo obstáculo. A Deus basta
querer para fazer. Age com absoluta independência e sem contradição. Deus é onipotente.
3. ATRIBUTOS MORAIS:
• Bondade. Deus é amor infinito e perfeito. Ama as coisas segundo seu valor e na proporção
do seu mérito. Sendo o Bem supremo, ama a si mesmo e a todos os seres criados, na medida
em que participam da sua infinita perfeição, isto é, que imitam sua essência divina.
• Justiça. Sendo em grau infinito, inteligente, sábio e bom, Deus é justo. Possuindo santidade
absoluta que é ordem do amor, Ele age com justiça infinitamente perfeita. Por isso, pune o
mal e recompensa o bem.
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145
O presente estudo tem como fundamento o pensamento do reformador de Genebra João Calvino. Cf.
CALVINO, João. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985,
Volume 1. Páginas 53-111.
146
Conhecer a Deus não significa decorar perguntas do Catecismo ou até mesmo da Sagrada Escritura, mas
conhecer como a própria Bíblia afirma ser Ele: Deus de amor e de misericórdia.
147
Sobre este assunto tão importante da Teologia Sistemática, verificar a obra de BERKHOF, L. Teologia
Sistemática. Em espanhol, páginas: 19-95. O autor trata da existência de Deus e de seus atributos para uma
melhor compreensão acerca da doutrina.
148
“Hamartia” é o substantivo mais comum no Novo Testamento traduzido por “pecado”. Ocorre 60 vezes nas
cartas de Paulo. “Hamartanein” é o verbo usual traduzido por “pecar”. No grego clássico tem a idéia de
“fracasso”. É traduzido mais profundamente por “errar o alvo”. Pode-se usar também no sentido de perder o
rumo certo, para o fracasso nos planos, esperanças ou propósitos (ROCHA, N. C. M. Estudo sobre o
Pecado, RJ, 02.01.1992).
149
A Grande Enciclopédia Delta Larousse, 1998, assim define orgulho: “Do germ. urgoli, pelo cat. orgull.” 1.
Elevado conceito que alguém faz de si próprio. - 2. Amor-próprio exagerado. - 3. Brio. - 4. Altivez, soberba. -
5. Ufania. Ser orgulhoso é apresentar-se com um olhar altivo, arrogante. Está ligada profundamente à vaidade,
altivez. “É o senso de superioridade perante os outros.”
150
Cf. ROCHA, Nelson Célio de M. A cristologia de João Calvino. In: Revista Teológica - Seminário
Teológico Presbiteriano do Rio de Janeiro, Vol. 1. Rio de Janeiro: 2001, pp. 52-62.
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santidade. A Bíblia diz que todos pecaram (Rm 3.23; 6.23). Quanto nos enganamos ao avaliarmos
a nossa alma no corpo visível.
Imaginamos-nos semideuses. Queremos dominar o mundo. 151 Mas quando olhamos para Deus
percebemos como fracos somos. Em Deus reside a perfeição, a justiça, a sabedoria, o poder. Não dá
para fazer uma comparação entre a nossa vida e a realidade divina.
COMO É O HOMEM DIANTE DE DEUS? É somente horror e espanto. Quando o homem
é inclinado a buscar a Deus, percebe a sua indignidade. Pessoas do passado, na Bíblia, que viram a
glória de Deus disseram: “Morreremos, pois que nos apareceu o Senhor”. Ver os textos: Jó 38.1-
40.5. Abraão se reconheceu terra e pó desde que mais próximo se achegou a Deus (Gn 18.27). Elias
não teve a ousadia de falar com Deus com a face descoberta (1 Rs 19.13). Estas e outras são pessoas
que não suportaram a glória de Deus. O homem é podridão (Jó 13.28); é verme (Jó 5.7; Sl 22.6).
2.2. A FINALIDADE DO CONHECIMENTO DE DEUS
Que é conhecer a Deus e qual a finalidade desse conhecimento? É necessário reconhecer que a
piedade é requisito para tal conhecimento.
Conhecimento de Deus não é somente saber que existe um Deus, mas importa conhecê-lo e dar-
lhe a glória devida ao seu nome. Deus não pode ser conhecido onde não existe piedade, não podendo
haver uma verdadeira concepção de religiosidade sem esse exercício.
Nenhuma pessoa pode conhecer a Deus verdadeiramente, sem o reconhecimento da mediação
de Jesus Cristo.152 Ele é o autor da salvação. A partir desse ponto fundamental, podemos perceber
que Deus é o nosso criador, sustentador e mantenedor da existência. Na sua providência governa a
todos, providenciando todas as bênçãos, e em Cristo nos reconcilia à verdadeira vida.
Na estrutura do mundo e no ensino da Escritura Sagrada Deus se mostra como o Criador, e na
face de Cristo, o Redentor. Daí se conclui haver um duplo conhecimento da Divindade.
Deus é a fonte de todo o bem que existe. Ele é Um e Único que importa ser de todos cultuado
e adorado. Não devemos buscar em outra parte o bem senão em Deus somente. Destarte, a tudo
sustenta com Seu poder e graça. Sustenta o mundo que criou por sua sabedoria e bondade, bem como
ao gênero humano especialmente. Com sua justiça e misericórdia o sustenta, guardando-o em sua
proteção.
O que significa PIEDADE? É a reverência associada com o AMOR DE DEUS, que o
conhecimento de seus benefícios nos favorece. O gênero humano deve tudo a Deus, pois age o Senhor
paternalmente, assistindo a todos; Ele é o autor das coisas boas.
CONFIANÇA e REVERÊNCIA são fatores do conhecimento de Deus. Em Deus aprendemos
o que é bom e o que nos conduz à felicidade. Todos foram criados por Deus e para Ele. Portanto, há
um vínculo profundo entre a criatura e o Criador. Todos devem a vida ao Senhor.
A vontade de Deus é que todos vivam, e deveria haver o apego e a confiança no Senhor, mas
por causa da depravação153 houve o desvio do ponto crucial e determinante da verdadeira vida.
Deus é justo. Ele governa, guia e protege a sua criação. O Gênesis apresenta a confissão
bíblica do Deus Criador, conforme os seus dois primeiros capítulos. Sendo assim, a confissão de
salvação precede e engloba a confissão de Deus Criador. Temos, portanto, uma salvação inscrita na
criação.154 Deus é o criador de todas as coisas, e essa criação tem a mediação realizada em Cristo. A
criação, desta forma, é pura graça de Deus ao homem.155 Portanto, o Senhor defende os seus de todo
o mal em sua clemência, e sempre providencia o remédio para as enfermidades. Os piedosos confiam
em Deus, atentam para a sua soberania e lhe obedecem. O Senhor age com justiça na vida dos
piedosos.156
Aos piedosos que conhecem a Deus há a justiça e o livramento diante da condenação, mas aos
ímpios há a punição, por causa de suas impunidades. Esse é o castigo pelo pecado que desagrada a
Deus.
Eis o que consiste a religião pura e real: fé aliada a sério temor de Deus, contendo
espontânea reverência, produzindo profunda adoração legítima, segundo o que a Lei de Deus
prescreve. Isto se deve observar de todo coração: que todos veneram a Deus de maneira vaga e geral,
e que pouquíssimos o reverenciam de verdade, enquanto, por toda a parte, grande é a ostentação em
cerimônias, mas rara é a sinceridade.
154
Aqui já é uma análise de GISEL, P. La création. Essair sur la liberté et la nécessité, l’histoire et la loi,
l’homme, le mal et Dieu. Genève: 1987, p. 19.
155
Ibidem, p. 21,22.
156
Segue o pensamento de João Calvino sobre o “Conhecimento de Deus”, contido no Volume I das As
Institutas ou Tratado da Religião Cristã.
157
Fundamentados nesse pensamento podemos refletir que não há ateus neste mundo.
158
Essa verdade é configurada na própria Escritura, bem como no interior de cada ser humano. Os povos mais
bárbaros e também aqueles que a civilização ainda não alcançou, esboçam suas religiosidades de diversos
modos.
159
ALVES, R. O que é religião. São Paulo: Abril Cultural, Brasiliense, 1984. Esta obra tem sido estudada em
universidades e seminários, bem como nas escolas seculares. É uma excelente obra sobre o assunto.
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• Que religião?
O homem tem uma inclinação para adorar outras criaturas, e para que isso aconteça se humilha.
Adora a madeira e a pedra, pois o seu desejo é todo corrompido; a sua mente é obliterada. O seu
coração é altivo.
Mas, mesmo tendo a sua mente corrompida, tem uma inclinação para a religião. No mais
profundo de sua alma tem uma firme convicção acerca de Deus, ainda que seja tortuosa. Assim, a
religião não é algo da cabeça do homem, mas Deus imprimiu essa marca no ser humano. Todos têm
sempre uma noção de Deus.
Não pode haver possibilidade de ateísmo real. Diante desta afirmação, o que pode acontecer
se tirar o senso de religião do coração humano? Calvino afirma que está gravado na mente humana
um senso da divindade que não pode ser erradicado.
O mundo com suas filosofias tenta tirar da mente humana que Deus existe, corrompendo-lhe o
culto, afastando para longe essa certeza. Muitos dizem que não há Deus e tentam tirar até das escolas
o aprendizado sobre Deus, mas todos precisam saber que, desde o ventre, cada um, já possui uma
centelha de percepção de que há um Deus.
Homens sem religião são iguais a animais irracionais. O sumo bem da alma é semelhança com
Deus, e quando há o conhecimento dele tudo se transforma. Destarte, entende-se a importância do
Culto160 ao Deus vivo e verdadeiro, pois é nessa assembléia santa que se aspira a vida plena; a vida
que tem sentido. Deus deve ser cultuado em espírito e em verdade.
A IGNORÂNCIA E A DEPRAVAÇÃO SUFOCAM O CONHECIMENTO DE DEUS
SUPERSTIÇÃO 161 - Está ligada à vaidade e ao orgulho no coração de pessoas que não rendem
o verdadeiro culto a Deus. Medem a Deus em conformidade com o padrão de sua obtusidade,
negligenciando uma sólida investigação, antes se movem pela curiosidade e vãs especulações. 162
160
Uma pergunta que se faz nesses últimos tempos é a seguinte: QUE CULTO A DEUS PRESTA-SE HOJE?
Os cultos nas igrejas têm sido cristocêntrico ou antropocêntrico, ou seja, são feitos a Deus ou aos homens?
161
A Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998 assim define SUPERSTIÇÃO: (Do lat. superstitio,
superstitionis.) 1. Desvio do sentimento religioso, fundado no temor ou na ignorância, que empresta o caráter
sagrado a certas práticas destituídas de transcendência; crendice. -2. Presságio infundado e vão, tirado dos
acontecimentos meramente fortuitos (como uma vasilha emborcada, número treze, etc). - 3. “Apego exagerado
ou infundado a qualquer coisa.”
162
Calvino está tratando dos gregos com suas vãs filosofias; pelas suas especulações ficavam mais distantes
de Deus.
50
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Imaginam um Deus, mas não tendo nada a ver com o Verdadeiro. Adoram aquilo que imaginam as
fantasias e sonhos do seu coração. Esta depravação Paulo frisa com muita precisão, que se fizeram
loucos (Rm 1.22); fúteis em suas cogitações.
APOSTASIA - Muitas pessoas pela constância de pecar, repelem furiosamente a toda
lembrança de Deus, que, no entanto lhes é sugerida espontaneamente no íntimo. 163 Negar a Deus é
apostasia, mas assim como Deus não pode negar-se a si mesmo, por isso permanece igual a si próprio;
assim também estes, ao forjarem um ídolo inerte e inane, com verdade se dizem negar a Deus. 164
IDOLATRIA - É falsa adoração; é colocar deuses falsos no lugar do verdadeiro Deus. Muitos
cultuam e adoram quantos quer que a Deus elaborem seus ritos inventados, afirmando que é a Deus,
entretanto, são absurdos e ridículos. Ver o que Paulo diz aos Gálatas 4.8-10.
HIPOCRISIA - É o parecer estar se aproximando de Deus, entretanto há a fuga. O que deveria
se caracterizar como obediência em todos os atos, concretiza-se a rebeldia. Essa hipocrisia é o parecer
viver uma vida santa, que pelos ritos e observâncias aparentes pensam agradar a divindade, mas nada
acontece no interior, e mente a si mesmo quem possui tal procedimento.
Mas, apesar de todos esses males permanece a semente da Divindade, e que de algum modo
não pode ser erradicada, pois foi implantada de natureza nos corações humanos.
163
Calvino está falando do senso da divindade (sensu divinitatis) que está dentro do ser humano.
164
Calvino está se referindo à Igreja Antiga, que se desviou da verdadeira adoração, em sua época.
165
GISEL, Pierre, La création, p. 29.
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Não abrem a mente e o coração para Deus. Quão detestável é a sandice 166 que o homem tem de
ignorar Deus e as obras de suas mãos; afirmam que são obras do acaso.
No lugar de Deus colocam a natureza como primeira. Adoram a criatura e não ao Criador.
Assim, há uma confusão entre criatura e Criador. Aconteceu uma inversão de valores. No início não
foi assim, porque Deus é quem deve ser reverenciado, adorado e não a criatura. A natureza é a ordem
prescrita por Deus, em questões de tão grande peso e em que se deve especial reverência, logo, é
prejudicial envolver a Deus com o curso inferior de Suas obras.
166
Sandice deriva-se de sandeu, que quer dizer idiotice.
167
STRONG, Teologia Sistemática, Vol. I, p. 614.
168
Calvino não trata daqueles que elaboram obras para a salvação, mas daqueles que foram justificados por
graça e que têm o conhecimento da Divindade.
169
Este assunto será estudado na Soteriologia, parte da Teologia Sistemática, que trata da salvação do homem.
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1. Deus socorre os desgraçados e quase perdidos que vagam por ermos, e os reconduzem pelo
bom caminho (v. 4-7);
Quais as causas dessa cegueira? A mente humana foi tomada por deuses de sua própria
criação. As categorias filosóficas faziam as pessoas se afastarem de Deus. Por exemplo, os Estóicos
172
, que eram engenhosos ensinavam que de todas as partes da natureza se podiam extrair vários
nomes de Deus. Além da teologia dos egípcios com seu esoterismo, os Epicureus 173 eram ousados
e desprezadores da piedade; rejeitavam todo o senso de Deus. O certo é que os homens trazem
tormento sobre si, quando se põem a investigar um Deus que não existe. Imaginar deuses discutíveis,
bem como suscitar contendas sem nexo.
Ao Espírito Santo, toda e qualquer religião humana é abominação. Adulterar a religião
pura é se afastar do Deus único. Aqueles que se entregam à sua própria opinião não podem servir ao
Deus verdadeiro. O Espírito de Deus pronuncia apóstatas a todos quantos, em virtude da cegueira da
própria mente, colocam os demônios no lugar de Deus (1 Co 10.20).
170
Calvino afirma que, por mais que refulja a glória de Deus, dificilmente um em cem lhe é verdadeiro
espectador.
171
Sobre a vida futura, há uma disciplina, a Escatologia, que faz parte também do estudo da Teologia.
172
Pertencentes à Escola fundada por Zenão. Diz-se de um indivíduo firme, senhor de si mesmo. A virtude
consiste em viver segundo a Natureza, aproveitar a vida como ela é. Negavam a ressurreição do corpo. Eram
rígidos em Moral.
173
Eram discípulos de Epicuro (Sec. II a.C.). Moral que se propõe à busca exclusiva do prazer.
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Para dar lugar ao Deus verdadeiro e único, a Escritura (Hc 2.18-20) condena de falsidade e
mentira tudo quanto foi outrora celebrado da Divindade entre os povos. A sabedoria de Deus não foi
apreendida pelos príncipes deste mundo.
É falta pesada adorar ao acaso, a um Deus desconhecido (At 17.23). Todos os homens são
inescusáveis diante de Deus, pois as obras da criação atestam o Seu poder. Mas, por causa da cegueira
não conseguem ver o Criador. Pela fé entendemos que tudo foi criado por Deus, logo, todos não têm
desculpas (Rm 1.19-20). Destarte, é preciso ter a natural capacidade para que possamos ascender até
o puro e líquido conhecimento de Deus, porque o defeito da nossa obtusidade está dentro de
nós.
2.5. A SAGRADA ESCRITURA É A MEDIAÇÃO PARA SE CONHECER A DEUS
Vejamos cada passo dessa mediação, da Sagrada Escritura, que revela quem de fato é Deus,
segundo a análise de João Calvino em sua grande obra “As Institutas”, Livro I.
Para que alguém chegue ao Deus criador é necessário ter a Escritura Sagrada 174 por guia e
mestra. Nela há o verdadeiro conhecimento de Deus. Devido às confusões da mente humana, Deus
nos deu a sua Palavra para que a nossa mente não permaneça mais na obscuridade. Nela há clareza
no que tange ao conhecimento de Deus.
Para instruir a Igreja, Deus não apenas se serve de mestres mudos, 175 mas ainda abre a sua
sacrossanta boca, a fim de que possamos reconhecer o seu poder e lhe prestar toda adoração. A
Bíblia é a Palavra de Deus que, nos diz haver o Criador estabelecido todas as coisas, bem como ter
nos dado o Mediador da nossa salvação, Jesus Cristo. Esta é a função da Palavra de Deus, para que
não tenhamos uma concepção errada da Divindade.
fundamento na Escritura (Ef 2.20). Está fundamentada no ensino dos Profetas e dos Apóstolos. A
Igreja depende da certeza da Bíblia e não o contrário.
A suprema prova da Escritura se estabelece reiteradamente da pessoa de Deus nela a falar. É o
testemunho interno do Espírito. 177 Mediante o qual todo mundo está compelido à obediência. Mais
alto do que a própria razão, a voz de Deus fala ao coração de cada pessoa, pelo agir do Espírito Santo,
que aplica a Palavra diretamente.
A Bíblia é autenticada pelo Espírito Santo. A palavra gregasignifica
autenticada de si mesma. Daí pode-se comprovar que, a fé verdadeira, é aquela que o Espírito de
Deus sela em nosso coração. E, assim podemos fazer parte da Igreja renovada.
4. Há fidedignidade escriturística;
5. As promessas cumpridas no decorrer da história;
6. A sua preservação e sua transmissão. A Bíblia é maravilhosamente preservada por Deus;
7. A sua simplicidade. Todos podem compreender a sua mensagem;
8. A sua perenidade é vista pela beleza de suas partes e pela transformação que opera no
interior das pessoas;
9. O testemunho dos mártires. Muitos por ela deram a própria vida.
A Bíblia é o árbitro do Espírito. Ela não se dissocia dele. O apóstolo Paulo chama sua
pregação de ministério do Espírito (2 Co 3.8), significando, sem dúvida, que o Espírito Santo de tal
modo se une à sua verdade que expressou nas Escrituras, que manifesta e patenteia seu poder, então,
afinal, onde se rende à Palavra a devida reverência e dignidade.
A firme religião da Palavra se implanta em nossa alma quando brilha o Espírito, que nos faz aí
contemplar a face de Deus, assim como, reciprocamente, abracemos ao Espírito, sem nenhum temor
de engano, quando o reconhecemos em sua imagem, isto é, na Palavra. É a Palavra o instrumento
pelo qual o Senhor dispensa aos fiéis a iluminação de Seu Espírito.
3. OS NOMES DE DEUS
A Bíblia apresenta em seu conteúdo diversos nomes de Deus,178 e também nos fala do nome de
Deus, no singular, como por exemplo, nas seguintes declarações: “Não tomarás o nome do Senhor
teu Deus em vão” (Ex 20.7); “Quão grande é teu nome em toda a terra” (Sl 8.1). “Conforme o teu
177
KRAUS, Hans-Joaquim. Calvin’s Exegetical Principles. Published by them in vol. 79 (1968), 329-41.
Tradução particular: Rev. Nelson Célio de Mesquita Rocha, RJ, setembro de 1998. Para Calvino a autoridade
da Bíblia provém do seu autor que é Deus. O Senhor fala através da Escritura. Aí está a base de sua autoridade:
é a Bíblia a Palavra de Deus. Aqueles que escutam ou lêem a Escritura, encontram o poder da majestade divina,
que é superior aos desejos e conhecimentos humanos. Todos somos incapazes de compreender os mistérios de
Deus sem termos sido iluminados pela divina graça. Essa iluminação se dá através do “Testemunho interior
do Espírito Santo”. Deus é suficiente no testemunho do seu ser revelado na sua Palavra, que opera no coração
dos homens, confirmado pelo testemunho interno do Espírito Santo.
178
Cf. BERKHOF, L. Teologia Sistematica, pp. 53 ss.
55
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
nome, oh Deus, assim és tu” (Sl 58.10); “Seu nome é grande em Israel” (Sl 76.1); “Torre forte é o
nome de Jehová: a Ele socorrerá o justo e será levantado” (Pv 18.10).
Para falar de ou a respeito de Deus nós precisamos ter um certo cuidado sobre qual “Deus –
deus” nós estamos realmente falando.
NOMES GENÉRICOS DE DEUS
Genérico, por si só já diz não ser peculiar ou específico da divindade. Genericamente podem
ser usados pelo Deus verdadeiro como por falsos; feminino ou masculino. Vejamos biblicamente:
É o primeiro nome que surge na Bíblia: “No princípio criou Deus (Elohim – )אלחיםos céus
e a terra” (Gênesis 1:1).
Elohim – אלחיםaparece 2498 vezes e Eloah – ה׀לאaparece 57 vezes e desse total apenas
245 não se refere ao verdadeiro Deus de Israel. Esse substantivo vem do verbo hebraico
Aláh - Alá, e significa “ser adorado, temido e reverenciado, ser excelente”.
2. El ( = )אלDeus, “aquele que vai adiante ou começa as coisas”:
Nome apenas no singular e aparece 250 vezes. Extremamente conhecido pelos povos que
falam a língua semita.
179
Ibid., p. 53.
180
Cf. BORGES, Daniel, http://www.dannybia.com/danny/jesus/nom_deus.htm
56
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Pode ser usado com “deus” para divindades falsas, mas também “Deus” para o verdadeiro
Deus de Israel. Com pouca freqüência foi usado para significar “o poderoso”, mas apenas
ara homens e anjos. Normalmente aparece sozinho, mas foi combinado formando termos
compostos significando deidade, ofício, natureza ou atributos do Deus verdadeiro.
3. El-Berit = Deus que faz pacto ou aliança (Gênesis 31:13, 35:1-3).
4. El-Elyon ( = )עליוןאלDeus que faz pacto ou aliança (Gênesis 31:13, 35:1-3); Elyon, adjetivo
que deriva do verbo hebraico Aláh e usado para coisas significa: “subir, mais alto, mais
elevado, superior e utilizado para se referir a Deus significa “o excelente, o alto, o Deus
glorioso”.
5. El-Ne‘eman = Deus de graça e misericórdia (Deuteronômio 7:9);
6. El-Nosse = Deus de compaixão (Salmos 99:8);
7. El-Olan ( = )םאלעלDeus eterno, da eternidade (Gênesis 21:33);
Também foi o nome que deu Abraão após a providência do Senhor para aquele sacrifício, não
tendo ele que sacrificar Isaque, seu filho: “Pelo que chamou Abraão àquele lugar Jeová-Jiré; donde
se diz até o dia de hoje: No monte do Senhor se proverá”. (Gênesis 22:14).
E tal como aconteceu com Abraão, também Deus proveu para nós, pecadores, um Cordeiro;
Jesus! (João 1:29).
1. YHWH Rafa – ( = )יהוהדפהO Senhor que te sara. (Êxodo 15-26).
2. YHWH Nissi – ( = )יהוהנסיO Senhor é a Minha Bandeira. Moisés assim chamou o altar que
edificou. (Êxodo 17-15).
3. YHWH Shalom – ( = )יהוהשלוםO Senhor é Paz. Hoje pregamos ao mundo a Paz que é o
Senhor; a Paz que só o Senhor pode trazer aos corações aflitos. Foi o nome dado por Gideão
ao altar que edificou. (Juizes 6:24).
4. YHWH Raah – ( = )יהוהדעהO Senhor é o Meu Pastor.
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Acredita-se que não haja quem não conheça essa passagem nas Escrituras. Mas, para podermos
clarear nossa mente vamos ao Salmo escrito por Davi “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará”.
(Salmos 23:1).
E como é bom saber que o nosso Pastor é o Senhor; Quão bom é saber que à frente das nossas
veredas segue o Senhor tirando os espinhos, e, melhor ainda; quão bom é saber que as veredas eternas
prometidas pelo Senhor são maravilhosas.
1. YHWH Tsidikenu – ( = )יהוהצדקנוSenhor Justiça nossa. Jeremias profetizando a respeito
de Judá disse: “Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro; e este é o nome de
que será chamado: O Senhor Justiça Nossa”. (Jeremias 23:6).
2. YHWH Sabaoth (Sebhãôh) – ( = )>יהוהצכאחO Senhor dos Exércitos.
Todo exército tem um General; ele cuida, ele dá ordens, ele vai adiante dos seus soldados,
e nós temos ao Senhor dos Exércitos que comando miríades de anjos celestiais que estão
sempre ao redor e à disposição daqueles que O buscam. (Salmos 24:10).
3. YHWH Shammah – ( = )יהוהשמהO Senhor está ali. A divisão das tribos. “Dezoito mil
côvados terá ao redor; e o nome da cidade desde aquele dia será Jeová-Samá”. (Ezequiel:
48:35).
NOMES DE DEUS NO NOVO TESTAMENTO
A Septuaginta foi a primeira tradução Bíblica hebraica para o grego, isso porque havia uma
clima de desacordo entre os Judeus e os gregos. Os Judeus sempre foram monoteístas, mas os gregos
existiam vários deuses. O Panteão grego, que, etimologicamente, deriva de pan (todo) e theos (deus),
literalmente significando o templo dedicado a todos os deuses. Aristóteles, o filósofo, para demonstra
a fragilidade da religião grega, afirmou: "O homem fez os deuses à sua semelhança e lhes deu seus
costumes".
É devido a Septuaginta que notamos a demonstração de zelo pela sua religião, e, é por meio
dela que descobrimos os equivalentes gregos dos nomes usados para Deus no Antigo Testamento,
como El, Elohim, Eluon e YAWH.
O nome mais comum utilizado no Novo Testamento é (Өєόζ - Theos). Assim como as palavras
hebraicas el, elohim, eloah no Antigo Testamento, theos no Novo Testamento pode significar "Deus"
ou "deuses".
"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus (Өєόζ - Theos), e o Verbo era
Deus (Өєόζ - Theos)." (João 1:1).
Қύριοζ (Kurios) – Senhor
Podemos notar que no Novo Testamento a tradução na Septuaginta de ambas as palavras
Adonai e do nome impronunciável YHWH foi pela palavra grega Қύριοζ (Kurios - Kuriov), "Senhor".
Kurios/Adonai traz a idéia básica da soberania de Deus, da suprema posição do Criador, em todo o
Universo que criou. E mais, tanto o Pai (Deus) como o Filho (Jesus) são chamados pelo termo grego
Kurios.
"E tocou o sétimo anjo a sua trombeta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: O
reino do mundo passou a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos
dos séculos". (Apocalipse 11:15).
59
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"... e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, (Қύριοζ - Kurios) para glória de
Deus Pai (πατήρ - pater)". (Filipenses 2:11).
"Portanto vos quero fazer compreender que ninguém, falando pelo Espírito de Deus, diz: Jesus
é anátema! e ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor! (Қύριοζ - Kurios) senão pelo Espírito Santo". (I
Coríntios 12:3).
"Portanto, orai vós deste modo: Pai (πατήρ - pater) nosso que estás nos céus, santificado
seja o teu nome". (Mateus 6:9).
O Cristão fala de muitos privilégios, mas acreditamos que o maior deles seria chamar ao nosso
grandioso Deus de Pai - "Pai Celestial". Sabe por que? Os judeus afirmam que Deus jamais teve um
filho, portanto não reconhecem Cristo como o Unigênito de Deus. O islamismo rejeita a idéia de Deus
ser Pai. A grande diferença entre as três grandes religiões monoteístas, que torna um privilégio único,
é que somente nós os cristãos, ou seja, o cristianismo é que mantém um relacionamento de Pai para
filho com seu Deus.
Mais algumas particularidades bíblicas:
O nome Jesus vem do hebraico (Yehoshua) - "Josué", que significa "Iavé é salvação". Josué era
chamado de Oshea ben Num que significa "Oséias, filho de Num", podemos comprovar pela Palavra
de Deus "Da tribo de Efraim, Oséias, filho de Num". (Números 13:8).
A Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento) usou o nome Iesus para Yehoshua;
Portanto Iesus é a forma grega do nome Yehoshua.
Depois do cativeiro de Babilônia, o nome Yehoshua era conhecido por Yeshua. "E toda a
congregação dos que voltaram do cativeiro fizeram cabanas, e habitaram nas cabanas, porque nunca
fizeram assim os filhos de Israel, desde os dias de Josué, filho de Num, até àquele dia; e houve mui
grande alegria". (Neemias 8:17). Josué era chamado Yeshua ben Num. Yeshua é o nome hebraico
para Jesus, até os dias de hoje em Israel. Isso pode ser comprovado em qualquer exemplar do Novo
Testamento hebraico.
Todos sabemos que nome não se deve traduzir, mas sim transliterar conforme a natureza de
cada língua. Por exemplo: Os nomes de Eva, David e outros que em nosso idioma levam a letra "v"
em hebraico o "v" é substituído por "u", aparecendo nos textos como Eua e Dauid. A letra beta "b",
na antiguidade, No grego moderno é "v". Hoje se escreve Dabid, para David, e Eba para Eva.
Ainda assim, existem nomes que permanecem inalteráveis em outras línguas, mas não em sua
maioria. Por exemplo, o nome João, é Yohanan ou Yehohanan (decomposição Yeh, Yo, Yaho,
contração de Yahweh, Javé (Deus) e hanan (compadecer-se), tendo o sentido de Deus teve
misericórdia, Deus se compadeceu.) em hebraico; Ioannes em grego; John em Inglês; Jean em
francês; Giovani em italiano, Juan em espanhol, Johannes em alemão, e assim por diante, isso ocorre
com vários nomes.
Há nomes que mudam substancialmente de um idioma para outro. Lázaro em grego é Eleazar
em hebraico. Elizabete é a forma hebraica do nome Isabel. O argumento, portanto, de que o nome
deve ser preservado na forma original, em todas as línguas, é contraditório não havendo assim muito
apoio bíblico.
Vejamos abaixo uma lista dos nomes de Deus:
Eliom Altíssimo
Gibbor Poderoso
Kadosh Santo
Margen Protetor
Palet Libertador
Shaphatar Juiz
YHWH (Jeová) Shammah – ()יהוה שמה O Senhor está presente; O Senhor está ali
YHWH (Jeová) Tsidikenu – ()יהוה צדקנו Senhor Justiça nossa; O Senhor é a nossa Justiça
4.2. Análise nas três passagens bíblicas: Joel 2.28; João 14.6; 1 Coríntios 3.16
➢ Joel 2. 28 – “E acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos
filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões.”
Segundo David Allan Hubbard, acontecerá a inauguração de uma nova era no relacionamento
com Deus; de Deus com o seu povo. “Derramarei” significa que Deus não é sovina. “Meu Espírito”-
o próprio poder e vitalidade de Deus, constitui-se o canal de toda a sorte de bênçãos. O mesmo
Espírito que se movia na criação produzindo ordem a partir do caos (Gênesis 1.2). Joel traz sua própria
contribuição para a descrição do ministério do Espírito na nova era prevista pelos grandes profetas.
O legado do Espírito: 1) Retidão e justiça (Isaias 32.15-20); 2) Fecundidade e devoção (Isaias 44.3-
5); 3) Descanso e refrigério (Isaias 63.10,11); 4) Obediência (Ezequiel 36.22-28). “Toda a carne” –
significa que todo o povo participará. 186
181
Somente estes textos serão enfocados, pois a Bíblia contém uma série de outros textos relacionados a estes,
e com certeza o pesquisador irá identificar, a partir de uma investigação mais acurada.
182
MOLTMANN, J. Trindade e Reino de Deus. Uma contribuição para a teologia. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000. Páginas 199-122. Esse teólogo trata mais profundamente deste tema, o que vale à pena conferir, no
sentido de um melhor aprofundamento.
183
Ibidem. Página 119.
184
Ibidem. Página 119.
185
Ibidem. Página 122.
186
HUBBARD, D. A. Joel e Amós. Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1996. Para um
melhor aprofundamento, verificar as páginas 78-81.
63
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➢ João 14.16 – “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador (
a fim de que esteja para sempre convosco”.
➢ 1 Coríntios 3.16 – “Não sabeis que sois santuário de Deus ( e que o Espírito de
Deus habita em vós?”
J. Calvino nos faz melhor compreender o que Paulo quis dizer, ao escrever aos Coríntios sobre
este assunto.189 Paulo entendeu bem a promessa de Jesus Cristo, quando afirmou que enviaria o
Consolador. Ele estaria dentro do crente. Assim, “sois santuário de Deus” é bem objetivo: o corpo
do crente é habitação do Espírito Santo. Daí haver a necessidade de cuidado para que nenhuma coisa
venha contaminar esse santuário. Paulo fala aos coríntios para não desonrarem seus corpos. Cada
crente em particular é uma pedra viva para ereção do edifício de Deus. 190
As palavras de Paulo mostram o entendimento do que está na tradição joanina: “o Consolador
habita em vós”. Segundo Calvino, nenhum lugar impuro pode ser habitação de Deus. Assim, a
deidade do Espírito Santo é evidenciada, porque se Ele fosse um ser criado, não poderia habitar-nos.
191
187
BRUCE, F. F. João. Introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão. Páginas 259-260.
188
Ibidem. Página 259. Aqui se entende a permanência do Espírito Santo, polarizando toda a vida da Igreja. É
a assistência completa e definitiva do Parácleto.
189
CALVINO, J. 1 Coríntios. São Paulo: Parácletos. Páginas 117-118.
190
Ibidem. Página 117.
191
Ibidem. Página 118.
192
BOFF, L. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 19996. Páginas 13-16.
Não consta na obra a enumeração. A numeração constante foi elaborada pelo autor do presente estudo.
64
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6. A Trindade se revela também na dimensão política. É necessário haver uma sociedade que
seja mais imagem e semelhança da Trindade.
A Santíssima Trindade é a melhor comunidade, pois Deus age não como solitário, mas em amor
no seu dinamismo trinitário. No Primeiro Capítulo de sua obra, L. Boff desenvolve a afirmativa de
que “No princípio está a comunhão dos Três, não a solidão do Um.” 193 Deus é Deus de amor, e para
ser assim, é necessário existir o outro. Sem o outro não há amor. A solidão é o inferno. 194
A comunhão é a realidade mais profunda e fundadora que existe. Daí o amor ser o seu modo
mais expressivo e dinâmico de agir. Não se pode conceber a idéia de ser a Trindade fechada em si
mesma. Ela se abre para fora. 195 O próprio Jesus Cristo afirmou que para constituir a unidade, é
fundamental que todos sejam um, assim como é o Pai juntamente com o Filho. 196
Por que em nossa Teologia aprendemos sobre a Trindade? Porque se houvesse um Único só,
um só Deus, existiria, no fim de tudo, a solidão. Se houvesse dois Únicos, o Pai e o Filho, haveria,
primeiramente, a separação. 197 Daí, a importância do Espírito Santo na relação trinitária.
Como seria uma experiência desintegrada da Santíssima Trindade? Mais uma vez L. Boff
apresenta uma abordagem exemplar. 198
Consideremos:
“A pessoa humana para ser plenamente humana precisa relacionar-se por três lados: para cima,
para os lados e para dentro. Eis que a Trindade nos vem ao encontro: o Pai é o ‘para cima’ infinito, o
Filho é o ‘para os lados’ radical e o Espírito é o ‘para dentro’ total.” 199
Uma vez que estamos estudando a Pessoa do Espírito Santo, pode-se obter à luz de tudo o que
já foi visto, que o Espírito Santo foi missionado para nos santificar e reconduzir tudo ao Reino da
Trindade.200 Assim, nos possibilita ter uma nova comunidade, não mais marcada pela opressão, mas
pela liberdade do Espírito, no sentido de que toda vida reproduz outra vida.
A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. 201 Não existe somente a comunhão e a
comunidade trinitária, ensimesmada, mas junto com ela está a comunidade humana, sempre
convidada a participar da comunhão divina. 202
A partir do ser e do agir da Trindade, surge uma nova comunidade na terra. Já se observa nos
Atos dos Apóstolos que, mesmo a Igreja tendo as suas dificuldades, se diz também que os cristãos
tinham tudo em comum (Atos 4.32-35). Daí não haver nenhum necessitado entre eles.
193
Ibidem. Páginas: 25-46.
194
Ibidem. Página 27. É uma frase literal da obra de L. Boff.
195
BOFF, L. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 19996. Páginas 29. O
pensamento desse teólogo tem sua base no pensamento de J. Moltmann.
196
Texto de João 17.21, citado por L. Boff. Ibidem. Página 29.
197
BOFF, L. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 19996. Página 31. Esta
profunda obra de Leonardo Boff concentra uma profunda reflexão acerca da Trindade. O texto é claro e
conciso, ao mostrar o interesse com o intuito de que haja uma compreensão, não somente da parte de estudantes
de teologia, mas também de todos os membros da Igreja de Cristo
198
Ibidem. Páginas: 36-37.
199
Ibidem. Página 37.
200
Ibidem. Página 68.
201
Ibidem. Páginas: 96-97.
202
BOFF, L. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 19996. Página 96. Estas
são palavras literais da obra, o que não houve mudança, a fim de que o estudante de teologia possa verificar o
conteúdo com precisão.
65
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
203
Podemos verificar que em Gênesis 3.5 a síndrome do homem que quer se igualar ao Criador é perpassada
em todos os ângulos da humanidade. O texto é bem claro: “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes
se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.” Depois disto, o fato do pecado
foi consumado.
204
BOFF, L. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 19996. Página 109.
205
Sobre esse assunto, verificar o trabalho elaborado por ROCHA, Nelson C. M. sob o título “A Cristologia
de João Calvino”, publicado pela Revista Teológica do Seminário Teológico Presbiteriano do Rio de Janeiro,
Vol. 1, de dezembro de 2001. Páginas 52-62.
206
Um excelente trabalho sobre esse assunto é o de HEFNER, Philip J. “A Igreja”, constante na obra
Dogmática Cristã, cujos editores são os teólogos Carl E. Braaten e Robert W. Jenson. Uma publicação: Sinodal
e IEPG, Vol. 2, 1995. Páginas 193-260.
207
Ibidem. Página 195. Citação literal do autor.
208
Ibidem. Página 195.
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organismo vivo. É a Igreja o povo de Deus que é o Corpo de Cristo no mundo. Assim, a teologia
contempla a Igreja em profundo relacionamento com Deus.
A Igreja somente pode partir da Palavra de Deus, daí é que se evidencia o seu fundamento. A
Palavra apresenta o Deus Trino agindo de modo dinâmico. Sendo a Igreja o projeto histórico de Deus,
ela não pode agir de outra forma, senão segundo o agir da Santíssima Trindade.
A Igreja tem a consistência de ser o genuíno povo de Deus, composto de crentes congregados
pelo Espírito Santo, através dos meios de graça. 209 Povo esse que vive a dinâmica da fé, não
centralizada em si mesma, mas se movendo na dimensão da construção de um mundo novo. É por
isso que concordamos plenamente com F. Hefner quando este afirma que “A Igreja é a comunidade
que está explicitamente centrada na articulação e revelação dos propósitos de Deus em Jesus
Cristo”.210 Da mesma forma que os propósitos de Deus foram explícitos em Jesus Cristo, que agiu
sob o poder do Santo Espírito, assim também é a Igreja na história. Assim se pode entender que a
Igreja nunca pode desaparecer, se é constituída pelo testemunho do que e de quem Deus é.
209
HEFNER, Philip J. “A Igreja”. Página 197.
210
Ibidem. Página 200.
211
Para uma melhor compreensão ver o artigo de JENSON, Robert W. “O Espírito Santo” constante na obra
Dogmática Cristã, cujos editores são os teólogos Carl E. Braaten e Robert W. Jenson. Uma publicação: Sinodal
e IEPG, Vol. 2, 1995. Páginas 115-189.
212
Ibidem. Página 122.
213
Cf. GISEL, P., La création, pp. 17ss.; Création et Eschatologie, pp. 621ss; La thélogie face aux
changements des représentations du cosmos. Quelle odyssée e pour quitter héritages? pp, 22ss.
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O ser humano vive social e culturalmente o retrato da criação. 214 Isso significa que a própria
criação se constitui o espaço de realizações históricas. Na existência humana, que é marcante, não
existe nenhum laivo de acaso. Mas, por outro lado, quer desde sua própria origem, quer da própria
origem da criação, existe um sonho falso que revela um segredo: o homem pensa e age como se ele
precisasse resgatar o mundo. Ao mesmo tempo em que ele pensa em salvar a criação, não cuida direito
dela, antes a maltrata, estabelecendo uma crise. 215 Compromete negativamente seu espaço de vida.
Isso se dá em função de um despojamento do seu passado. E, por não lembrar de suas origens e
respectivamente da criação, vive através de uma obsessão, ansiando por uma perfeição e por um
domínio, onde moralismo e idealismo se conjugam. Portanto, sem passado, o homem será como sem
vida presente, e suas buscas serão voltadas para uma realidade de morte.
A situação do homem moderno está marcada pelas origens de um dualismo de linha grega e de
uma ciência de linha cartesiana, como já foi visto no primeiro capítulo.216 A crítica produzida pelo
Iluminismo tendeu ao abandono a si mesma, esquecendo-se de trabalhar teologicamente o tema
judeu-cristão da criação. Logo, é preciso que sejam buscadas as origens, no sentido de se ter hoje uma
visão mais equilibrada do ser humano e do cosmo, com a finalidade de se proporcionar uma melhor
sociedade.217 Mas, é fundamental que o homem, de per si, não queira transformar a terra e a criação,
segundo as razões de sua própria bondade e bem-aventurança.
Há questões que estão sempre presentes na experiência humana. Por exemplo: o mal, a
liberdade, a lei, a revelação. Há uma natureza em que reside uma realidade profundamente teológica,
daí se ter de refletir com precisão para se poder reconquistar o verdadeiro compromisso histórico,
segundo a ordem do Criador. Sendo assim, a Teologia tem a responsabilidade de enfocar os limites
de uma nova política que preserve a obra de Deus, por um via profundamente compreendida pelo
exercício da memória218 como estrutura teológica fundamental. Isso quer dizer que, fazer memória
não é repetir um passado, nem assegurar uma linha de pura continuidade, mas assumir o presente.
Qual o significado de se apreender a memória como estrutura teológica fundamental? A
214
Cf. GISEL, P. La création, Genève: Labor et Fides, 1987 2, pp. 5-171; Le Christ de Calvin, Paris: Desclée,
1990. 205p. Artigos: Un salut inscrit en création. In: Création et Salut, pp. 121-162. Publications des Facultés
universitaires Saint-Louis, Bruxelles, 1989; Création et Eschatologie. In: Initiation à la pratique de la
théologie. Dogmatique II; Direction de Bernard LOURET et François REFOULÉ, 3 a, 1993, pp. 613-722;
Verité et tradition historique. In: Initiation à la pratique de la théologie. Introduction, Direction: Bernard
LAURET et François REFOULÉ, Paris, Cerf, 1994, pp. 143-159 (Este artigo encontra-se traduzido em língua
portuguesa sob o título: “Verdade e tradição histórica”, In: Iniciação e prática da Teologia: Introdução; São
Paulo: Loyola, 1992, pp. 111-124. Obs: a tradução é de difícil entendimento.); La thélogie face aux
changements des représentations du cosmos. Quelle odyssée e pour quitter héritages?. In: Théologiques 9/1,
Lousanne, 2001, pp. 17-48.
215
Em artigo recente, MIRANDA, M. F. Para uma teologia do imperativo ecológico. In: Atualidade
Teológica; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ano VIII – 2004 – fasc. 16, p. 48-49, chama
atenção para a “atual crise ecológica sentida por todos, que teve seu peso na formação de uma consciência
histórica que busca respeitar, valorizar e refletir teologicamente a natureza”. Continua ele: O problema é grave
e urgente, exigindo a implementação imediata de políticas concretas, que injetem sensatez a uma produtividade
desenfreada e ofereçam fontes energéticas alternativas”.
216
A observação crítica aparece nas seguintes obras de GISEL, P. Verité et Histoire, Paris: Beauchesne;
Genève: Labor et Fides, 1977, pp. 55-57; La création, p. 6; Un salut inscrit en création. In: Création et Salut,
p.140, publications des Facultés universitaires Saint-Louis, Bruxelles, 1989.
217
MIRANDA, M. F. Para uma teologia do imperativo ecológico. In: Atualidade Teológica; Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ano VIII – 2004 – fasc. 16, p. 48-60, aponta para a necessidade da
teologia refletir sobre a criação, revendo e explicitando os textos bíblicos mais pertinentes ao tema. Neste
sentido, contém uma exigência acerca de uma compreensão cristã da criação que deixe suas raízes no próprio
ser de Deus, na própria Santíssima Trindade. E, somente à luz do mistério de Deus, pode haver uma reflexão
que arranque da profundidade indizível da vida trinitária divina, a fundamentação para um imperativo
ecológico.
218
GISEL, P. La mémoire comme structure théologique fondamentale. In: Revue de Théologie et de
Philosophie, 125, Genève: Lausanne-Neuchâtel. 1993/I, pp. 65-76.
68
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Segundo - Uma teologia bíblica e cristã da criação responde a uma questão de origem: de onde
vem esta? Que é isto que provoca a pessoa a ser e decidir o que deve ser? A reposta tem a ver com a
origem, o estalo inicial, o começo de tudo.
Terceiro - Uma teologia bíblica e cristã do Deus indissoluvelmente criador e re-criador, Deus
de realização, deverá problematizar a realidade quanto a isto o que ela é. Um pensamento fiel a uma
teologia correta da criação e da re-criação se recusará, em qualquer momento de sua reflexão, a fazer
219
GISEL, P. Le Christ de Calvin. Paris: Desclée, 1990. 205p. O autor apresenta de maneira sistemática a
Cristologia de Calvino, reformador do Séc. XVI. O tema da mediação cristológica é de fundamental
importância para se compreender a mediação entre Deus e o homem, manifestado por Cristo, implicando
também nas mediações inter-humanas, eclesiais, culturais ou sociais. Este pólo será tratado no Capítulo III.3
“A Dimensão do Polo Cristológico-Pneumatológico”.
220
GISEL, P. La mémoire comme structure théologique fondamentale, pp. 68-76. Conferir também a obra de
pneumatologia desse autor, La subversion de l’Esprit. Réflexion théologique sur l’accomplissement de
l’homme. Genève: Labor et Fides, 1993. 217p. A subversão do Espírito implica, justamente, no
desenvolvimento da realidade humana no coração do mundo. O mundo criado por Deus é lugar de prova e de
bênção. E, a vida segundo o Espírito, é estar voltada para a realidade mundana. Sobre este segundo pólo, será
tratado também no Capítulo III. 3.
221
GISEL, P. La mémoire comme structure théologique fondamentale, pp. 65-76. Neste artigo o autor toma
como base a sua obra L’Excès du croire, Paris: DDB, 1990.
222
GISEL, P. Verité et tradition historique. In: Initiation à la pratique de la théologie. Introduction,
Direction: Bernard LAURET et Fraçois REFOULÉ, Paris: Cerf, 1994, pp. 145-147.
223
GISEL, P. Verité et tradition historique, p. 146.
224
GISEL, P., La création, pp. 17ss.; Création et Eschatologie, pp. 621ss; La théologie face aux
changements des représentations du cosmos. Quelle odyssée e pour quitter héritages? pp, 616-620.
69
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
do mundo uma ordem de realidade neutra. Logo, é preciso aceitar que Deus é Senhor da realização
de todas as coisas.
Quarto - Uma teologia do Deus criador e re-criador aparece de partida ligada a uma figura de
mediação cristológica. Todas as coisas foram criadas através de Cristo – mediação cristológica. O
mundo é essencialmente criado. E nessa criação existe a realidade também do pecado, tornando a
criação um drama. Desta forma, o mundo é lugar de um enigma.
Quinto - Uma teologia cristã do Deus criador e re-criador de todas as coisas, afirma a criação
de um modo tal que ela aparece intrinsecamente trabalhada por uma escatologia, 225 que por sua vez
envia a uma realidade considerada em sua positividade, seu caráter incontornável e sua promessa
possível.
225
Uma reflexão atualizada e concisa sobre a escatologia está em BOFF, Lina. Da Protologia à Escatologia.
In: MÜLLER, I. (Org.), Perspectivas para uma nova Teologia da Criação. Petrópolis-RJ: Vozes, 2003, pp.
111-129. Essa teóloga trata sobre o discurso referente à criação inicial, protologia, que percorre todo o caminho
da história da salvação até sua realidade última, escatologia, de uma maneira objetiva na atualidade. A criação
inicial, assim como a escatologia, do ponto de vista da criação, possuem um horizonte maior para si mesmas:
é o princípio da evolução do propósito de Deus de fazer com que toda a criação participe de sua vida divina
como relação de amor e compartilhe com os seres por Ele plasmados para a sua glória (c. Is 43,7).
226
GISEL, P., La création, pp. 17ss.; Création et Eschatologie, pp. 621ss; La théologie face aux
changements des représentations du cosmos, pp, 22ss.
227
GISEL, P., La création, pp. 19. Esta mesma afirmação encontra-se no bojo das demais obras: Création et
Eschatologie, pp. 621ss; La théologie face aux changements des représentations du cosmos. pp, 616-620.
228
Criação e Salvação numa dimensão integrada foi trabalhada por GISEL, P., no artigo Un salut inscrit en
création. In: Création et Salut, p.140, publications des Facultés universitaires Saint-Louis, Bruxelles, 1989,
com base na sua grande obra La création.
229
O teólogo MIRANDA, M. F., em sua obra Libertados para a práxis da justiça, São Paulo: Loyola, 1991,
levanta a questão de que na cultura cristã ocidental a criação recebeu um enfoque mais cosmológico, deixando
em segundo plano o aspecto antropológico, uma herdade da sistematização aristotélica, que dominou por muito
tempo a teologia da Igreja e marcou profundamente a consciência cristã (p. 31). Mas, a verdade é que não há
dissociação entre criação e salvação.
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Sobre Gênesis 2. 4b-3. 24,230 Pierre Gisel apresenta um plano de fundo histórico dos textos,
onde é percebida neles uma forma de teogonia: o mundo e os deuses estão em jogo num mesmo drama
de vida e de morte. Em Gn 2. 4b-26, o homem não é mais precipitado sobre a terra como um ser
estranho. O homem é terrestre, feito para a terra. 231 Aparece o cenário ou uma natureza mediatizada
pela cultura, história e palavra.
Teologicamente o jardim do Éden é mais terra promissora e trabalhada do que um espaço cego
e primitivo. Nela se abre uma antítese: o conhecimento do bem e do mal. O homem não é Deus, e
enquanto ele se passa por Deus, suas decisões e seus atos, mal grado que ele elabora, retornam contra
si mesmo. Quanto ao acabamento da criação do homem pela criação da mulher, faz que o homem
ocupe no coração da criação um lugar central, e numa certa medida, real. 232 Assim, o homem pode
legitimamente criar (a nominação da criação); mas o homem não é criador primeiro e último, ele é
unicamente criador em situação de resposta. Sobre o lado retirado de Adão, simboliza a falta aberta
justamente na carne, assim, o homem é chamado à uma realidade com suas origens para entrar numa
história a dois, em comunidade e não sozinho. 233
A terra é criação de Deus e não segundo o modelo de uma filosofia gnóstica de herança mais
ou menos grega. Os primeiros capítulos do livro de Gênesis articulam um certo modo de refletir o ser
humano, o mundo e Deus. Os textos designam uma verdade sobre a criação e o seu Criador. O
horizonte textual é configurado sob elementos históricos. O horizonte é primeiro. A escritura (Gênesis
2) se cristalizou provavelmente numa época de organização tribal, ocasião em que Israel entrou no
concerto nas nações. Quanto a Gênesis 1 tem sua redação durante a experiência da queda de Jerusalém
230
GISEL, P., La création, pp. 29ss.; Création et Eschatologie, pp. 624ss.
231
Esta reflexão aparece de maneira mais concisa no artigo Un salut inscrit en création. In: Création et Salut,
p.123-128, publications des Facultés universitaires Saint-Louis, Bruxelles, 1989, com base na sua grande obra
La création; cf. Também La création. Thèses théologiques, In: Cahiers protestants, Le Mont-sur-Lausanne,
1988/5, p. 30-36.
232
O trabalho recente de BOUZON, E., Gn 2,4b-24 e os relatos mitológicos do Antigo Oriente, In: MÜLLER,
I. (Org.), Perspectivas para uma nova Teologia da Criação, Petrópolis-RJ: Vozes, 2003, pp. 133-151, sobre
Gn 2,21-22, nas páginas 139-140, apresenta uma profundidade acerca da criação da mulher, em que estes dois
versículos são, literalmente, construídos por uma série de cinco frases em estilo narrativo, cujo sujeito é Deus.
A série é, apenas, entrecortada pela breve notícia wayyîsan “e ele adormeceu”. O relato da criação da mulher
começa com a menção de um sono misterioso: wayyappêl YHWH’ e lohim tardemah ‘al-há-‘adam: “E YHWH
Deus fez cair um tardemah sobre o homem”. O termo hebraico tardemah indica um sono profundo, geralmente
enviado pelo próprio Deus. Em Gn 2,21 e Gn 15,12 a Septuaginta traduziu o termo hebraico por ekstasis. H.
Gunkel apela neste contexto para o motivo do sono mágico bem conhecido nas lendas. O motivo da introdução
deste sono profundo no relato da criação da mulher é claro para o leitor hodierno. Trata-se de algo misterioso
a que o homem não deve assistir (compare Gn 15,12). O texto afirma que Deus tirou um sela` do homem e
wayyisgor basas tahtennah: “e fechou com carne o seu lugar”. O termo hebraico sela` indica, aqui, “lado”,
“costa”, “costado”. O próximo passo no processo criativo é descrito no v. 22a por meio do verbo banah
(“construir”). Deus construiu a costela que tirara do homem em mulher. O verbo correspondente acádico banú
é o termo técnico para descrever o ato criativo dos deuses babilônicos. No AT o verbo banah descreve o ato
criativo somente neste lugar e em Am 9,6. Como dos animais criados como o homem min-há’adamah o homem
não encontrou um ‘ezer kenegdô: “um auxílio correspondente”, Deus cria essa complementação da própria
carne do homem. Essa formulação explicita em linguagem mítica alguém da mesma natureza do homem. Essa
nova criatura é, então, conduzida ao homem que finalmente encontra sua complementação. Esta experiência
do homem é expressa no v. 23 pela assim chamada “fórmula de parentesco”: “Esta é finalmente osso de meu
osso e carne de minha carne”. No v. 23b o autor apresenta uma etimologia baseada em um jogo de palavras:
“A esta chamar-se-á `issah “mulher” porque do `is “homem” foi tirada”. A narrativa atinge, aqui, o seu clímax.
A criação do homem está, agora, completa. O à Adam não está mais solitário. Ele é, agora, `is e em ao seu lado
a sua companheira `issah. Pela comunidade de vida com a mulher torna-se, finalmente, `iss: o homem no
sentido pleno do termo.
233
Sobre este assunto tão importante, refletido por P. Gisel, verificar a contribuição de WRIGHT,G. E.
Doutrina Bíblica do Homem na Sociedade, São Paulo: Aste, 1966. 190p.
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diante de Nabucodonosor e do exílio na Babilônia. 234 Assim, para se interpretar este texto é preciso
que se determine a sua situação histórica. É levado em conta uma conjuntura concreta, política e
ideológica. É interessante observar o exercício efetivo da realeza e do discurso dos mitos
babilônicos.235
A interpretação de Gênesis 2 e 3 propõe que se mostre realmente que os textos se ocupam de
denunciar a autoposição do homem (mortal) e testemunhar uma outra promessa, que é a promessa de
vida. Para o leitor há a necessidade de uma passagem por uma tipologia. 236 Porque acerca do mito
das origens toma para si a forma de uma teogonia, onde a cosmovisão e a concepção sobre os deuses
estão num mesmo drama de vida e de morte. A guerra e a violência ocupam o centro da cena. A
guerra do bem e do mal; a guerra do ser e do caos. Isto quer dizer que o mal é co-extensivo com a
natureza da realidade criada. O bem resulta de uma guerra vitoriosa e de um rebaixamento do
adversário.237
Qual o significado dos textos? É que não existe lugar para uma história particular, singular, pois
a contingência, limitação do próprio ser humano, fará exceção da totalidade. Não existe história,
origem e projeto, mas Festa, participação nas forças do cosmo, repetição do drama da criação. Os
homens são criados para o serviço dos deuses, e de deuses ciumentos em suas prerrogativas. Um
pacto religa o jogo cósmico ao jogo terrestre, social e político. Por exemplo, o Rei, entronizado, é
investido de poder de representar o centro da criação, isso quer dizer a soberania de Deus. Destarte,
nasce o mito adâmico. 238 Pode-se afirmar que o texto bíblico é um texto interpretado. Interpretou um
horizonte, aplicando a sua realidade no sentido de haver uma mensagem para fortalecer a fé no Deus
criador e salvador, bem como sustentador de todas as coisas.
234
Em trabalho recente, também, TEPEDINO, A. M., “Macho e fêmea”: criação e gênero, In: MÜLLER, I.
(Org.), Perspectivas para uma nova Teologia da Criação, Petrópolis-RJ: Vozes, 2003, pp. 152-166, essa
teóloga em “Contextualizando o texto” (p. 154), traz a lume que a versão hebraica da criação, datada no século
VI a.C., foi produzida no exílio entre os deportados para a Babilônia. Gn 1,1-27 é um texto poético com frases
solenes, onde as palavras correm em determinado ritmo. Seu uso deve ter sido litúrgico, uma vez que aparecem
estrofes e refrões: “Houve tarde e manhã...” Considerando a situação existencial de sofrimento no exílio, o
redator sacerdotal deve ter elaborado o texto com a finalidade de “animar a comunidade reunida”. A
estruturação é minuciosa, sempre com uma frase introdutória e outra conclusiva, que serve de delimitação.
235
GISEL, P., La création, p. 31.
236
Ibid., p. 31. P. Gisel indica que o momento da tipologia deverá preservar o leitor de um supranaturalismo
ou positivismo da revelação. In: RICOEUR, P., Symbolique du mal. Fornece uma ilustração exemplar, em
toda a segunda parte da obra desse teólogo.
237
GISEL, P. La création, 31-32.
238
Ibid., pp. 23-28. Os texos bíblicos relativos à criação foram redigidos segundo à proposta do mito. O que
se entende? É que o mito em relação ao homem tem a ver com suas origens que se situam no mundo, diante
da morte e do enigma do mal, em face de seus deuses. Por mito, se entende um gênero literário. Israel partilha
a sorte de toda a civilização, e faz uso do mito como seus vizinhos fizeram, como por exemplo, os babilônios.
Isto não quer dizer que Israel seja desprovido de originalidade. Seus mitos são particulares e específicos. Como
todo discurso, tudo torna-se palavra, com suas configurações próprias. P. Gisel levanta uma crítica ao
“Aufklärung”, período da crítica, em nome da razão, que diz ser o mito alegoria. A crítica bem direta é ao
programa de R. Bultmann, de proceder a uma demitologização radical do texto bíblico, em proveito de uma
interpretação estritamente existencial. Bultmann entende não demitizar, mas demitologizar. In: MALET, A.
Mythos et Logos. La pensée de R. Bultmann, p. 45, n. 1.
239
GISEL, P. La création, pp. 65-75; Création et Eschatologie, pp. 646-652.
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criação como produto da palavra de Deus, e depois a feitura do ser humano para cuidar do jardim de
modo pleno e responsável.
Os dois relatos da criação são diferentes, e o que significa é a não-existência de uma
representação de cunho pré-científico do universo. O que se destaca é a proposta teológica dos textos.
Tem a ver com a genealogia histórica; um enfoque no que concerne à criação como obra de Deus e
não fruto do acaso. De um Deus que cria mediante o modo separação, instituindo um espaço
ordenado, sendo esta postura enfatizada pelo relato de cunho sacerdotal.240
O relato de Gênesis 1.1-2,4a, apresenta um profunda mensagem. Essa mensagem contém um
ensinamento sob um grau de mediação profundamente refletida. Porque é afinada e concentrada sobre
o essencial. Isso tem a ver com a criação estabelecida em sete dias, sobre um plano de fundo de
abismo e trevas, constituindo-se um paradigma cósmico, sob uma genealogia histórica. 241 Isso mostra
que há um Deus que estabeleceu a criação mediante um modelo de separação, que contém um tempo
e um espaço de forma organizada. Essa ordem da criação se projeta para frente. Esse sentido que se
acha decifrado no coração da criação, mediante o relato, é de que ela própria existe sob a forma de
uma estrutura que possui uma base de exterioridade, e se mantém no grau de uma diferença
perpetuamente reafirmada. Sendo assim, se percebe que há sempre algo novo na criação,
apresentando-se esta como oferta de Deus ao ser humano. A diferença na criação atesta que ela
comanda uma assimetria, constituindo-se um espaço contingente, com uma estruturação singular.
Posturas e mensagens profundamente teológicas podem ser tiradas do relato bíblico de Gênesis
1.1-2,4a.242 São lições do relato; ensinos teológicos para uma existência concreta, através das quais o
crente pode afirmar a sua fé no Deus criador e salvador. Esta é a intenção das reflexões teológicas
encontradas nas obras teológicas de Pierre Gisel.
Os três primeiros versículos do relato de Gênesis 1, mostram a irrupção de uma primeira
intervenção de um Deus que diz “Haja luz; e houve luz” (Gênesis 1.3). Essa luz se constitui o plano
básico em que se desenvolve o ato criador de Deus.
No versículo 1 consta: “No princípio, criou Deus os céus e a terra”. Esta oração sempre
concedeu lugar a muitas disputas gramaticais e teológicas. Pergunta-se: é apenas uma frase
independente do contexto? Muitos estudiosos a contestam. A contestação se dá mediante uma
subordinação circunstancial de tempo, podendo ser traduzida assim: “O dia em que Deus começou a
criação dos céus e da terra...” 243 A expressão tem seu pendor para o versículo 3, onde se encontra a
palavra divina que afirma a criação de luz. Já o versículo 2 consta como um inciso: “A terra, porém,
estava sem forma e vazia...” Também, há uma estrutura paralela constante no início do relato de
Gênesis 2: “O dia em que o Senhor Deus fez a terra e o céu” (4b); “Não havia nenhuma planta do
campo na terra... (v. 5-6); “Então, formou o Senhor Deus ao homem...” (v. 7).
Se pode deduzir dessa estrutura o seguinte: 1. Um anúncio que se apresenta mais ou menos
como inscrição, mas que aparece inserida num drama temporal; 2. Um inciso precisamente como
plano básico sobre o qual vai sobrevir o ato criador; 3. O principal: a intervenção de Deus sobre o
qual comporta todo o acento e que se dá como irrupção, cesura, inauguração. 244
Pierre Gisel entende que se pode hesitar, através de análises sobre os textos referidos, entretanto
é tudo muito claro e importante, pois, nem o versículo 1, nem o versículo 2, podem valer como
apresentação dos atos criadores particulares, quer dizer, anteriores à obra dos sete dias, o que na
realidade o relato vai demonstrar em seguida. Se o versículo 1 deve constituir uma frase
240
GISEL, P. La création, pp. 65-75; Création et Eschatologie, pp. 646-652.
241
EISENBERG, J., ABECASSIS, A., Gênesis 1, op. Cit., p. 200, In: GISEL, P. La création, p. 65.
242
GISEL, P. La création, pp. 65-75; Création et Eschatologie, pp. 646-652.
243
Para situar sobre o assunto, cf. P. Gisel, em nota bibliográfica, In: La création, p. 66, faz constar em sua
pesquisa: Rachi, Aben Esdras, Gersonide, etc. (cf. TOUATI, C., La lumière de I’Intellect, création du Premier
Jour. L’exegese de Genèse 1, 1-3 segundo Gersonide; VAJDA, G., Notice sommaire sur I’interprétation de
Genèse 1, 1-3 no judaísmo pós-bíblico). Cf. também: P. Humbert (TRESMONTANT, C., op. cit. p. 36).
244
GISEL, P., La création, p. 66.
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independente,245 ela se apresenta como título, tomando eco final em Gênesis 2. 4a. Na perspectiva do
texto, sobre a criação do céu, fala com propriedade do segundo dia e este da terra como terceiro. Já
quanto ao versículo 2 “A terra, porém, estava sem forma e vazia...”, salta aos olhos que não se
apresenta o resultado de uma ação criadora de Deus, mas a estrutura de Gênesis 1 tem como propósito
mostrar o contrário, que esta ação tem início com o primeiro dia 246 para se concluir senão com o
sétimo. Assim, há a indicação de que a totalidade da semana já é apresentada no começo. 247
Diante do exposto é preciso refletir um pouco sobre Gênesis 1.2. 248 O texto fala de uma “terra
sem forma e vazia”, de “trevas”, de “abismo” e de “massa líquida”. Em seguida, fala de que “o
Espírito de Deus pairava por sobre as águas”. Esse “Espírito” é o sopro de Deus, desviando-se da
realidade apresentada.
É necessário compreender a mensagem do texto bíblico. Para início de compreensão, a
propósito do primeiro elemento lingüístico, onde se diz que “a terra era sem forma e vazia”, não é
propriamente criada por Deus. Há uma precedência, mas esta se estende para além da cronologia. Isto
significa que precede o tempo, ou seja, que vem antes do primeiro dia, antes da semana inaugural.
Terra sem forma, deserta, trevas, águas, têm um significado carregado de negatividade. Por exemplo,
o “sem forma” vem como antítese do que é posteriormente criado, segundo a continuidade do relato.
As “trevas” são, biblicamente, solidárias com a morte e com a desgraça, opostas à bondade e à vida
que permite a luz. Quanto às “águas”, elas representam um elemento sempre perigoso,
compreendendo as fronteiras do criado, ameaçador sempre de vir submergir de novo no espaço da
humanidade. Assim, é constatada essa realidade negativa, nos sentidos mais profundos dos termos
apresentados. Foi necessário afirmar que essa realidade não ficou estabelecida a partir da criação,
como esta de que a intervenção de Deus põe fim. Ela é colocada radicalmente sob o sinal do passado,
deixada de lado, realidade de que a esta Deus diz seu não de modo profundo.249
A realidade negativa em questão, não desfruta da verdadeira positividade. Teologicamente, se
pode e se deve dizer que, essa situação é propriamente compreendida de nada ter a falar. Segundo
Pierre Gisel, este é um julgamento teológico. 250 Sendo assim, tem parte ligada a um momento de
instauração, segundo a semana inaugural, e que se pode compreender o ser em termo de vitória. 251 O
redator sacerdotal é fortemente polêmico, em apresentar um Deus que criou tudo soberanamente e
que a criação não deve nada a uma matéria ou a um jogo de forças que preexistiram. E que nada
permanece senão Deus, que institui vitoriosamente a criação, no grau de um limite fundamental e
imposto no caos. É no entender de von Rad, citado por Pierre Gisel, que Gênesis 1 se insere na
245
VON RAD, La Genèse p. 45ss, as traduções de Jerusalém, sinodal. Posição inversa: T. O. B., aprovada por
MARTIN-ACHARD, R., Et Dieu crée le ciel et la terre, p. 66. In: GISEL, P., La création, p. 66.
246
CAQUOT, A., Brèves remarques exégétiques sur Gen. 1, 1-2, In: principio, p. 13-15. Uma análise sobre os
diferentes pontos, In: GISEL, P., La création, p. 66.
247
Cf. BEAUCHAMP, Création et séparation, p. 152; DUMAS, A., D. Bonhöffer, p. 158ss. In: GISEL, P., La
création, p. 67.
248
GISEL, P. La création, p. 67; Création et Eschatologie, p. 647.
249
BARTH, K., op. cit., Vol. 10, p. 108ss. In: GISEL, P., La création, p. 67.
250
GISEL, P., La création, p. 67, em nota bibliográfica informa que: “On est donc de parler de creatio ex
nihilo, à condition de ne pas faire jouer l’expression sur un arrière-fond <<positiviste>> (hérité du nihil
negativum rationaliste) étant-néant (car la réalité négative ici désignée, pour chaotique et informe qu’elle soit,
est bien, en sens, un <<étant>>), mais sur l’arrière-fond d’une institution (confessée comme seul être véritable)
opposée à un chaos (confessé comme nétant, en vérité, rien)”. [No direito de falar de creatio ex nihilo, da
condição de não fazer jogar a expressão sobre um pano de fundo <<positivista>> (herança do nihil negativum
racionalista) instante-nada (porque a realidade negativa aqui designada por caótica e sem forma que ela é, é
bem num sentido de um instante), mas sobre o pano de fundo de uma instituição (confessada como único ser
verdadeiro) oposta a um caos (confessada como não-instante, nada)].
251
Em sua obra La création, p. 67, P. Gisel alude ao tema da vitória: BEAUCHAMP, P., op. cit. pp. 16, 85,
205, 215, 228, 230 (transparece sempre o motivo da passagem pelo Mar Vermelho – tradicionalmente, cf. por
ex. LUTHER, op. cit. p. 48 ou as liturgias pascais – cf. p. 195, 202, 206s, 224ss.).
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
oposição caos-cosmos,252 contra uma certa tradição metafísica que vem junto da expressão creatio ex
nihilo, mas esquecida do contexto em que aparece. Sob essa investigação teológica a criação
conforme Gênesis 1 é essencialmente cesura, separação.
Sobre o “sopro de Deus” 253 contido no relato, como interpretá-lo?254 Para uma interpretação
segura é fundamental ter a noção de que esse “sopro de Deus” se constitui um valor antecipador. A
sua menção no relato desapruma o abismo e faz apreender a presença de Deus, estando presente antes
do começo, segundo o desígnio criador de Deus que precede a criação e a comanda. E também, em
outro sentido, compreende prefigurativamente o caos em certos limites. A sua menção antecipa o que
se passa com e na criação. O sopro ou Espírito de Deus é, por excelência, o que se acha hoje,
outorgado sobre o povo santo, povo separado dentre as nações que é a Igreja. Assim, o versículo 2
indica que este Espírito justamente perpassa toda a criação. Mas ele se manifestará plenamente em
termos escatológicos. O Espírito de Deus precede a obra dos sete dias, e antecipa o depois,
sustentando a estrutura da criação com sua força oculta. 255 Sua referência no relato indica,
prolepticamente, que se a criação foi construída de separações, é esta uma via de um reencontro
possível, de uma aliança, de um diálogo, de uma história. Considerando que a criação tem sua origem
da força da palavra de Deus, há entre ela e o Criador uma relação, existindo fundamentalmente,
ruptura, distância e exterioridade recíproca. 256
Em continuidade, no que concerne à obra criadora de Deus, é importante verificar o significado
da expressão: “Disse Deus: Haja luz; e houve luz” (Gênesis 1.3). 257 O que enfatiza esta expressão?
Ao silêncio que é precedido, sobressai o milagre da palavra de Deus. Enfatiza o poder criador da
palavra divina. É uma ordem que se realiza de forma imediata no tempo. Comanda o surgimento do
primeiro dia de uma semana que se concluirá com o sábado. Nessa semana há uma alternância
regulada pelo dia e pela noite. Significa um espaço estruturado. Essa alternância demonstra uma
evolução em regime de ordenamento, em termos de limite e posição. A luz sobressai da ordem da
criatura, nascida da palavra. Não é uma manifestação divina, de assegurar qualquer passagem do
tempo à eternidade. Mas, acentua uma base de uma criação do tempo. 258 O primeiro dia é constituído
como uma célula-mãe, que formará uma base de unidade temporal estruturada, por um ato central de
separação. Assim, o que governa a criação não tem nada a ver com os astros, mas com a palavra de
Deus. Os astros estão inseridos dentro do contexto dos elementos criados. Para não haver equívocos,
o autor do texto bíblico indica que no quarto dia foram criados os astros e outros luminares (Gênesis
1.14ss).
Diante dessa disposição, estruturada sob forma de separação, ou seja, um espaço estruturado e
ordenado, constituído como ato da palavra de Deus, verifica-se que nada há na criação que não seja
divino ou sagrado. Nada há que não seja manifestação direta de Deus. Mas, é necessário entender
que, o que foi criado não contém partes de Deus. Como sendo uma criação boa, é estruturada em
forma de submissão, de resposta à uma injunção. Assim, a criação advinda de Deus, está diante de
Deus por ser boa.259
252
La Genèse, p. 47. Acordado por BLOCHER, H., op. cit. p. 58. Por uma perspectiva judaica, cf.
EINSENBERG, J., ABECASSIS, A., op. cit., p. 68 (o motivo de querer ser redescoberto por GUNKEL, H.,
Schöpfung und Chaos in Urzeit und Endzeit.).
253
A expressão em francês é “Le souffle de Dieu”. A Bíblia de Estudo Almeida, SBB, traduz por “Espírito de
Deus”. A Bíblia TEB, traduz por “Sopro de Deus”. A Bíblia de Jerusalém traduz por “Vento de Deus”. Preferi
utilizar a tradução direta do francês “Sopro de Deus”, por ser mais fiel ao pensamento de Pierre Gisel, que se
mantém e acordo com o hebraico.
254
GISEL, P. La création, p. 68; Création et Eschatologie, pp. 647-648.
255
BEAUCAHMP, P., op. cit., p. 183s. In: GISEL, P. La création, p. 68.
256
GISEL, P., La création, p. 69, toma por base o argumento de VON RAD, G., referindo-se a
BONHOEFFER, D., que sobre esta continuidade entre Deus e sua obra é sua Palavra, op. cit. p. 48.
257
GISEL, P. La création, pp. 68-69; Création et Eschatologie, pp. 647-649.
258
BARTH, K., op. cit. P. 70; BEAUCHAMP, P., op. cit., p. 51s; VON RAD, G., op. cit. In: GISEL, P. La
création, p. 69.
259
GISEL, P. La création, p. 69
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Qual o motivo do Criador ter estabelecido a criação em forma de separação? 260 É que a obra de
Deus não ficou sem as suas intervenções após a criação do primeiro dia. Foi estabelecida uma
dinâmica: após o primeiro dia, vem o segundo, e assim sucessivamente, com todas as suas marcas
fundamentais. O firmamento é obra do segundo dia (Gênesis 1.6-8), assumindo, essencialmente, uma
função de demarcação entre as águas superiores e as águas inferiores. Quanto a terra, ela emerge das
águas inferiores no grau de uma nova separação (v. 9-10). Perseguindo essa dinâmica, a noção de
uma criação como separação terá suas repercussões no nível da vegetação (v. 11-12, no terceiro dia).
Os animais foram criados no início do sexto dia, cada um conforme a sua espécie (v. 24-25). É uma
separação no nível horizontal, instituída diferencialmente. Quanto à criação da humanidade, esta é
percebida na condição de homem e mulher (v. 26ss) que, segundo Pierre Gisel tem sua postura
contrária ao mito andrógeno.261
Essa estrutura que apresenta Gênesis 1.1-2, 3 é percebida como a melhor que faz transparecer
as características da criação. 262 A prioridade que está de acordo com a estrutura de separação,
comanda uma instituição do tempo. Percebe-se que há uma totalidade, que compreende um princípio,
um centro e um fim, constituindo-se um paradigma, uma exemplaridade.
E quanto ao sábado, qual a sua importância na obra da criação estabelecida por Deus? O “sétimo
dia” é o sábado e tem a sua importância, 263 pois, ele está inserido a título de acabamento, de
conclusão.264 O sábado marca o caráter de término da criação. O sábado não tem a intenção de dirigir
qualquer tempo de pausa, de parada, que parará de soprar e de retomar. Ao contrário, tem a conotação
de celebrar os atos criadores de Deus, que por assim dizer, fecha-se sobre ele mesmo nesta finalidade.
É o momento em que se celebra a obra de Deus e a sua bondade, desde o primeiro dia. Neste sentido,
o sábado é, supremamente, marca de separação. Não que ele prefigure um tempo sagrado, diferente
dos outros, mas de concluir a obra dos sete dias, manifestando-se antes que o tempo e globalmente a
promessa de santificação.
O sábado é figura de separação, indicando uma cesura entre a primeira semana, que é
considerada uma recapitulação arquetípica do tempo e promessa escatológica, e a história da
humanidade.265 Essa cesura que é indicada percebe que a obra de Deus se abre ao homem sob sua
forma concluída. Que o repouso de Deus vem na história indicar que a criação tem de responder ao
Criador. Assim, Deus se regozija por sua obra, enquanto o homem se regozija por Deus ser o criador.
Diante do exposto, Pierre Gisel reconhece que é preciso perceber um ponto muito importante
para a Teologia: que essa primeira semana não é unicamente um começo e um fim, mas é provida de
um centro.266 O quarto dia apresenta uma visão particular, no sentido de reaparecer o tema da luz,
sendo o dia da criação dos astros. A luz está presente desde o primeiro dia; ela acompanha a criação
do firmamento, da separação da terra e das águas, da criação dos vegetais. Mas, a criação dos astros
se percebe diferente. É um canto que não se deixa de entoar. 267 O redator de Gênesis 1 sublinha, de
forma polêmica, seu caráter radical sob a condição de criados:268 os astros não foram criados para dar
origem à luz, sendo intermediários possíveis entre Deus e o mundo. Eles ocupam uma posição central
260
Ibid., pp. 69-70.
261
GISEL, P. La création, p. 70.
262
Ibid., p. 70.
263
Pierre Gisel tomando por base CAQUOT, A., afirma que é admitido que o momento do shabbat constitui a
“ponte” do relato, op. cit. p. 9; sobre este tema, cf. BARTH, K., op. cit. p. 105s.; BEUACHAMP, P., op. cit.
p. 60ss; WESTERMANN, C., op. cit. p. 93s; VON RAD, G., op. cit. p. 58ss; BLOCHER, H., op. cit. p. 48. In:
GISEL, P., La création, p. 70.
264
EISENBERG, J., ABECASSIS, A., op. cit. P. 163ss, 169ss. In: GISEL, P., La création, p. 70.
265
GISEL, P., La création, p. 70.
266
GISEL, P., La création, p. 71.
267
Em nota Pierre Gisel afirma que “E aqui atesta a prioridade da coerência simbólica e estrutural com todo
cuidado (a menos de esboçar a teoria de dias semelhantes aos <<dias solares mas sem sol>> ... Cf. BLOCHER,
H., felizmente critica – op. cit. p. 46). In: GISEL, P., La création, p. 70.
268
VON RAD, G., op. cit. P. 52s. In: Gisel, P., La création, p. 71
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
e não inicial na criação. Eles foram investidos de uma missão particular: presidir o desenvolvimento
do tempo. O dia e a noite se desenvolvem sob seus auspícios, e sobre tudo, no que concerne aos anos
e as diferenciações que os constituem, servindo como sinais para festas, dias e anos.
É uma estrutura profundamente interessante. A menção das festas não segue o sábado. O único
momento do relato onde a história da humanidade é denotada não vem no termo da semana, mas no
seu centro. É uma estrutura que sugere que o começo do tempo e da história não venha se inscrever
na mesma linha, no prolongamento de um e de outro. Comporta uma inauguração proposta sob a
forma de uma totalidade que se fecha no estado de figura exemplar, como primeira manhã da história.
E se sublinha também a importância do sábado a título de conclusão. Segundo Pierre Gisel é percebida
uma estrutura mesma do texto, afeto ao seu modo mesmo de refletir. Reflete, pois, a história e seu
começo e a origem da criação se cortam de forma perpendicular. Assim, juntando-se ao redator de
Gênesis 2-3, a origem deve se renovar, os começos da história não fazem nome com a origem da
criação. Isto é porque em Gênesis 2-3, toma-se a forma de declaração e a segunda a forma de
confissão.269
No sentido de se compreender essa noção de perpendicularidade, Pierre Gisel trata do conceito
de “diacronia sobre a sincronia do espaço”. 270 Como a história e seu início e a origem da criação se
cortam de modo perpendicular?
A primeira semana da criação tem em si mesma uma conclusão, com o sábado. A história não
vem depois com o sábado que conclui a obra da criação, porém ela é expressa em seu melhor. O
redator de Gênesis 1 aposta numa abertura espontânea de partida. Ele está certo de um relato da
criação, mas sabe que a totalidade das coisas não se reúne em sistema, que se lê em função de uma
única perspectiva. Neste sentido, o tempo e sua originária diacronia têm a prioridade sobre a sincronia
de espaço.271 Diacronia originária, porque o tempo que é essencialmente presente, vem sempre depois
um passado. O passado é a marca de que qualquer coisa que não é mais. Há uma certa distância. Esta
diacronia é inerente à confissão de uma criação que tem sua origem na palavra. Portanto, evocar a
criação não é, nesta perspectiva, se referir a um puro e simples preenchimento do nada pelas coisas
existentes. Antes, é evocar uma instauração de uma figura específica do mundo, conquista no
confronto com um caos, e este sobre o fundo de um nada que nem pode, nem deve, jamais ser
totalmente e definitivamente conjurado.
A criação, biblicamente, sobrevive sempre tomada por arrombamento. 272 Ela sobrevive em
meio à violência. No entanto, ela foi estabelecida por Deus em alteridade. Mas ela é necessariamente
cortada sobre o fundo de ausência; ela é cunhada de precariedade, e deve sempre ser reconquistada e
novamente ofertada. Assim, Pierre Gisel chama a atenção ao fato de que a positividade da criação
não reside nas coisas, como se o nada nem as ameaçasse mais sobre o único fato que elas existem.
Ela é elevada à palavra que a institui como figura particular do mundo, e esta não parte desta
positividade para além, senão que a vitória sobre o nada pode ser celebrada. Assim, a narrativa mostra
que é possível crer em poder extirpar toda ausência originária e toda descontinuidade presente. E, que
a criação é supremamente ameaçada pelo nada, em linguagem bíblica, pela morte. Mas, também é
verdade que a criação é dom que deve ser recebido.
Ao nascermos já encontramos uma criação que há muito tempo é falada, nomeada, pois é isto
mesmo que a faz ser criação. Mas, ela assinala ao mesmo tempo, que a história não é pensada como
seguida de desenvolvimento linear. Ela será como história descontínua das gerações (tôlédôt).273 Isto
269
GISEL, P., La création, p. 72.
270
Ibid., pp. 72-74.
271
LEVINAS, E., Totalité et infini; Autrement qu’être..., p. 66s., 107, 179, 203. Exegeticamente, cf.
BEUCHAMP, P., op. cit. p. 118; WESTERMANN, C., op. cit. P. 62.: << l’être dans le temps (Seis in der Zeit)
a priorité sur l’être comme étant-à-disposition (Seis als Vorhandensein)>>. In: GISEL, P. La création, p. 72.
272
La création, p. 72. A oração em francês “Bibliquement, la création survient par effraction...” A palavra
“effraction” é traduzida em português por “arrombamento”. A idéia é a de roubo por arrombamento; a criação
é sempre tratada com violência.
273
Tôlédôt – Palavra hebraica, fem. Plural que significa: “descendentes”; “genealogia, geração,
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
significa o valor do tema das gerações na obra sacerdotal. 274 É a história das pessoas que retomam a
palavra, cada um por sua conta e na sua plena singularidade, mesmo sendo finitas. História que deve
ser reunida sob o termo de gerações, porque metaforicamente, ela não pode ser dita senão como
história dos filhos. História dos que sabem quanto é necessário que o mundo tenha de ser falado,
estruturado pela palavra do Criador que, de fato, é escatologicamente, figura de Pai. É necessário que
a palavra tenha sido dita para poder falar e dizer ao mundo e ao seu redor.
O tempo tem prioridade sobre o espaço, entretanto, ele é instituição do espaço. Isto quer dizer
a que a história da humanidade é precedida pela história dos começos. E a menção corrente de que a
obra dos sete dias culmina na criação do ser humano, é demasiadamente simples. Os versículos de
26-31 explicitam bem um só ponto culminante. Atestam a declaração solene: “Façamos o homem à
nossa imagem” (v. 26). Em seqüência, a vocação do homem é de dominar a terra, o que vai ser
reprisado no v. 28. Depois, vem a conclusão: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”
(v. 31).
Uma observação feita por Pierre Gisel demonstra que, ao invés de um ponto culminante, sendo
este a criação do homem, o correto é que existem dois pontos culminantes. 275 É comprovado que o
homem é chamado a instar entre os animais e receber o alimento da mão de Deus (v. 29-30), e sobre
tudo, ele não tem poder para comandar os astros. O homem é erguido no coração do mundo, mas ele
vive sob o céu. E se a criação da terra, dos vegetais e dos animais parece bem convergir na direção à
criação do homem, a obra do quarto dia, dia central, anuncia não o sexto dia mais o sábado. Portanto,
o texto apresenta um duplo ponto culminante: o homem e o sábado. Estes pontos não se inscrevem
numa mesma linha, eles cortam uma estrutura mais complexa, onde, desde já visto, essas linhas se
cortam no anglo direito.
A obra de Deus que é magnificada no sábado, antes de ser proposta ao homem, ela aparece
como espaço. Antes do homem existir, a criação foi criada como espaço. 276 O homem foi inserido no
espaço que é a terra, sob o céu. E longe de ser espaço vazio, a terra e o céu são estribados numa vida
diferenciada e ordenada. Assim, o relato adota um ritmo de celebração, de liturgia cósmica, de louvor.
O texto da criação ignora toda a natureza bruta, mas apresenta em primeira mão uma natureza
construída. A perspectiva bíblica ignora originariamente a noção de elementos sagrados entre si,
opostos a outros de natureza profana.
A teologia cristã reflete de modo profundo a criação como evento ou como desenvolvimento, e
requer do homem uma posição central. 277 A visão de um processo278 proposto desde as origens, e uma
atuação do homem se constitui uma segunda instância.
No relato de Gênesis 1 consta a imagem do homem e da criação descritas de uma outra maneira,
sendo diferente de Gênesis 2, mas em referência à focalização de uma perspectiva no que tange a
relação do homem e do mundo. 279 Apresenta uma realidade com características dinâmicas, um
contemporâneos”; “história, gênese, origem, ordem de nascimento”. Cf. a análise de KIRST, Nelson et alli.
Dicionário Hebraico-Português e Aramaico-Português. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 1988.
O termo aparece dez vezes, introduzido as distintas partes em que se divide o livro de Gêneses. Ver. 5.1; 6.9;
37.2; 10.1; 11.10, 27; 25.12, 19; 36.1; 36.9. Cf. A Bíblia de Estudo Almeida, Barueri-SP, Sociedade Bíblica
do Brasil, 1999. Ver comentário de Gn 2.4.
274
GISEL, P., La création, p. 73.
275
GISEL, P., La création, p. 73.
276
Inid., p. 74.
277
GISEL, P. Un salut inscrit en création. In: Création et Salut, pp. 129-131.
278
GOUNELLE, A. Le dynamisme createur de Dieu. Essai sur la théoligie du Process, Chapitre 1. Le mot
“Process”. Retirado da Internet <La théologie du process>, em 02/09/2004. Em efeito, “processo” não implica
mais que inevitavelmente a idéia de um desenvolvimento orgânico, de um dinamismo criador interno. Este
autor inclui em sua bibliografia o teólogo Pierre Gisel, uma vez que trata da criação em suas obras.
279
VON RAD, G. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Aste, Volume I, 1973, p. 148. Esse autor
afirma que as duas representações, embora por caminhos diversos, chegam à criação do homem, isto é, do ser
humano, homem e mulher. O mundo inteiro se submete ao homem, considerando o ponto culminante de toda
a criação, pois Gn 2.4ss atinge também o apogeu na criação da humanidade representada pela dualidade do
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
processo que se dá através de uma visão que se instaurou de forma ativa, sob a palavra de Deus que,
de um caos sem vida, faz surgir tudo o que existe. Uma criação a partir do nada (ex nihilo), que em
termos da revelação, conduz à reflexão de uma polaridade caos-cosmos.280 E no coração dessa boa
criação de Deus, percebe-se que tudo quanto foi criado é bom. “E viu Deus que isso era bom”. Mas
em contraste, surge a negação do homem em sua existência, também criado por Deus, e colocado
pelo Criador para ser administrador da boa terra. Um homem histórico, partilhado em dois pólos
sexuais, situado no coração da criação, vindo de Deus e concluído por Deus, bem como chamado à
responsabilidade.281
O homem, segundo o relato, é imagem de Deus 282 no coração da criação, e Deus concedeu a
ele o poder de dominar. Desta forma, se dá no coração da criação um processo: o jogo de uma ação
dramática e de uma intriga possível, onde a criação se encontra em acabamento. Esse drama se passa
através do homem. Por mais que as coisas tenham vindo de Deus, o homem não se inscreve nessa
realidade de uma forma positiva, mas de modo negativo, envolvendo-se num drama que chama a um
relevo. Destarte, o mundo das coisas criadas em sua positividade e seu ser, foi profundamente
subvertido no interior da criação de Deus. E essa criação aguarda um gesto de oferenda, na liberdade
do homem e para a glória de Deus e de seus filhos (Romanos 8.18ss). 283
Essa dominação do homem foi permitida pelo Criador como uma dominação diferente da de
Deus, uma dominação segunda, que num gesto do Espírito, sobressaísse para a glória de Deus e da
ordem dos corpos. Mas, ela se transforma posteriormente. O homem teria de entender e aceitar a
ordem positiva: “Vós sereis de Deus”, mas ele quis ouvir a voz de “Vós sereis como Deus”. 284 Assim,
esse mau entendimento do homem perdura até hoje.
Sendo dinâmica a criação é pensada mais como evento intra-histórico. Isso quer dizer que, no
coração de uma matéria, se processa a mudança do caos 285 para a vida como a primeira manhã da
história, porque antes nada existia em termos de matéria. A criação tem o seu desdobramento, o seu
desenvolvimento. O universo tem uma história, esta da matéria que se origina. O universo que se
casal. O homem é o centro em torno do qual Deus distribui as suas ações e, para Gn 1.1ss, é o vértice de uma
pirâmide cosmológica. O interesse cosmológico é bem maior em P, que por isso mesmo traça uma história da
criação que tende para o fim, através de determinadas etapas, e que se dirige à criação do homem.
280
GISEL, P. La création, p. 113.
281
VON RAD, G. Teologia do Antigo Testamento, p. 152, afirma: No entanto, o homem, no degrau mais
alto desta pirâmide, está colocado imediatamente junto de Deus e é nele que o mundo, na sua dependência,
encontra perfeita intimidade com o mesmo Deus. Aliás, ele não é criado pela palavra como o resto das criaturas.
Deus resolveu criá-lo após uma decisão particular e solene, que emanou do mais profundo do seu coração.
282
Ibid., p. 152. Segundo Von Rad o motivo do homem, imagem de Deus, não implica em explicação alguma
direta da natureza desta semelhança divina; seu centro de gravidade se acha antes na definição do fim para o
qual ela foi comunicada ao homem. A dificuldade para nós está no fato de que o texto considera a simples
declaração desta semelhança com Deus como suficiente e explícita. Podemos dizer a tal respeito duas coisas:
as palavras tzélém, “imagem, estátua, objeto esculpido” e demût, “semelhança, equivalência”- sendo que a
segunda interpreta a primeira, salientando a noção de correspondência e de semelhança – referem-se ao homem
todo, não exclusivamente à sua natureza espiritual, mas também, e principalmente, à glória de seu aspecto
corporal, ao hâdâr (“ornamento”, “superioridade”, “majestade”) e ao kâvôd com que Deus o declarou (Sl
8.6). Ez 28.12 fala ainda mais claramente da “beleza perfeita” do primeiro homem. Como imagem de Deus, o
homem está colocado bem acima de todas as criaturas, mas a sua própria dignidade de pessoa lhe impõe
também um limite superior.
283
GISEL, P. Un salut inscrit en création. In: Création et Salut, pp. 130-131.
284
Ibid., p. 131.
285
VON RAD, G. Teologia do Antigo Testamento, p. 151. A maior oposição, numa relação que mal se pode
determinar teologicamente, é a do caos informe, aquoso, tenebroso, abissal. Por causa do versículo primeiro
não é possível chamá-lo de incriado, como se Deus já o tivesse encontrado antes de começar a criar. Mas, por
outro lado, a noção de caos é inaceitável, pois o criado não é caótico. No entanto, a função do v. 2 é
teologicamente importante para a disposição de conjunto visto ser o caos a principal ameaça para a criação; é
uma experiência fundamental do homem; todas as afirmações da fé na criação sempre se referem ao caos:
Deus tirou o mundo do que era informe e o mantém acima do seu próprio abismo.
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arrefece se dilata e se estrutura, da menor escada (o mundo das partículas) como da maior escada (as
galáxias e os acerbos das galáxias). Progressivamente, se prepara o berço no qual a vida surge, à qual
se faz ajustar a idéia que se impõe hoje de uma continuidade entre evolução do universo e a vida. 286
E nesse processo, há de se perceber uma diferença fundamental: o mundo criado é diferente de Deus.
Pierre Gisel ao encerrar as suas reflexões fundamentadas na tradição canônica, particularmente
sobre a obra sacerdotal, o faz de modo brilhante. Assim se percebe, quer na sua obra “La création”
287
ou no seu artigo “Création e Eschatologie”, 288 que existe uma postura que convida o homem e a
mulher a se prostrarem diante da realidade estabelecida pelo Criador, a fim de que todos tenham vida.
A humanidade, literalmente é o centro da criação, e esta tem de ser recebida como dom de Deus.
O homem é administrador e não o criador. Ele vem ocupar um espaço em que ele tem de ir além, pois
é chamado a desenvolver uma obra no coração do mundo. Assim, o homem é único nessa finalidade,
nesse espaço diferenciado. Ele mesmo é diferenciado, homem e mulher, porém único, na
administração da criação. Sua unicidade se sustenta através da unidade de uma obra finita, por sua
vez. Isso tem a ver com a natureza da própria criação, que foi estabelecida mediante alteridade. O
significado disso, é que foi instituído em seu centro um sujeito que responde.
A Teologia tem por toque mostrar que o mundo é sempre referido a uma Palavra, e que,
portanto, deve ser em função de uma obediência responsável, mas que essa Palavra pode ser aceita
ou recusada. Deste modo, o teólogo tem por obrigação mostrar que o mundo tem de ser convocado
ao tribunal de alteridade como questão decisiva. A intenção é de revelar o mundo em sua
singularidade inscrita numa estrutura de vocação e de resposta, mediante a graça de Deus que polariza
toda a vida e toda a história.
CONCLUSÃO
Através deste trabalho se pode observar a importância do estudo da ciência teológica, ainda que
de maneira sintética. Essa importante e profunda ciência, a Teologia, ensina acerca de Deus e de suas
relações com a obra da criação. O seu objetivo é preparar a pessoa para reconhecer que o ser humano
e toda a criação é obra de um Deus sábio e amoroso. Sendo assim, Deus deixou-nos a sua Palavra
escrita, a fim de que possamos observá-la, pois nela está contido tudo o que precisamos saber para
vivermos uma existência saudável.
Deus, o Senhor, se revelou de modo sublime e maravilhoso, ao vir ao encontro de sua criação
para lhe dar vida em todos os sentidos. A começar pelo ser humano, na pessoa e obra de Jesus Cristo,
na força e no poder do Espírito Santo, fez-se perceptível. Assim, nada pode escapar da ação soberana
de Deus, que é amor em sua plenitude.
A Teologia é ciência; é conhecimento certo e seguro. Há um pressuposto fundamental que
marca a vida de quem estuda essa Ciência: a fé. A fé tem a ver com todos os ramos da Ciência,
principalmente a Teologia. E, para se aceitar a Revelação Inspirada de Deus faz-se necessário
perceber a Iluminação do Espírito Santo, aplicando no mais íntimo do ser humano a mensagem da
Revelação. A Revelação escriturada encontra-se tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
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Presbiteriana do Brasil. Casa Editora Presbiteriana, São Paulo, 1991.451p.
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humano. São Paulo: Paulinas, 1993. 203p.
45. TORRES QUEIRUGA, Andrés. A Revelação de Deus na realização humana. São Paulo:
Paulus, 435p.
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
1. ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA
Que é o Ser Humano? Como compreendê-lo nas nossas reflexões e indagações? O maior
problema que se evidencia hoje, bem como em todas as épocas é dificuldade que o homem tem para
conhecer a si mesmo. É necessário entender o uso da palavra homem para referir-se à raça humana.289
O termo ANTROPOLOGIA290 é formado de duas palavras gregas: – homem e
tratado ou estudo. Significa o estudo ou a doutrina do homem, do ser humano.
É importante verificar que a ANTROPOLOGIA 291 pode ser subdividida da seguinte maneira:
289
GRUDEM, W. Manual de Teologia Sistemática, p. 201.
290
Sobre este tema cf. as seguintes obras: 1. GARCIA RUBIO, Alfonso. Unidade na Pluralidade: o ser
humano à luz da fé e da reflexão cristãs. São Paulo: Paulinas, 1989. 578p.; 2. MELLO, Luiz Gonzaga,
Antropologia Cultural: iniciação, teoria e temas. Petrópolis-RJ: Vozes, 2004. 528p.; 3. MONDIN, Batista.
O homem, quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica. [Tradução: R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari].
São Paulo: Paulus, 200311. 331p.; 4. MONDIN, Batista. Antropologia Teológica: História, Problemas e
Perspectivas. [Tradução: Maria Clara Jardim de Amarante]. São Paulo: Paulinas, 1979. 396p.; 5. OLIVA,
Jaime; GIANSANTI, Roberto. Espaço e modernidade: temas de geografia mundial. São Paulo: Atual, 1995.
322p.; 6. SEGUNDO, Juan Luis. Que mundo? Que homem? Que Deus? [Tradução: Magda Furtado de
Queiroz]. São Paulo: Paulinas, 1995. 581p.; 7. WRIGHT, G. Ernest. Doutrina Bíblica do Homem na
Sociedade. [Tradução: Francisco Penha Alves]. São Paulo: Aste, 1966. 190p.
291
CHAMPLIN, R. N. e BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia,
1995. Vol. 1, página 198.
83
Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
porque o teólogo precisa assumir responsabilidades em relação à Palavra de Deus e sua mensagem,
no mundo em que está vivendo.
A tarefa fundamental da Teologia é estabelecer uma clara sintonia entre a mensagem da
salvação, de um lado, e as instâncias, a mentalidade, a visão das coisas, a linguagem, os problemas
humanos de determinado momento histórico e de um dado ambiente cultural, de outro. “A finalidade
de toda pregação, assim como de toda a teologia, é aproximar o Evangelho do mundo ”moderno”,
onde sempre volta a situar-se. Já no Século I, quando o Evangelho fazia sua entrada no mundo, a
missão dos apóstolos foi pregar o Evangelho, que era um corpo estranho para o homem daquele tempo
– escândalo e loucura (1 Co 1.23) – e de tal modo que este conseguisse compreendê-lo. Mas, cada
século o mundo se transforma e, ademais, as missões trazem constantemente para o cristianismo
novos territórios de culturas diversas, o problema permanece sempre aberto. Cada época deve,
portanto, formular de novo a profissão de fé, e a teologia entrar em confronto com o mundo particular
ao qual se dirige.”292
Vejamos um resumo destas características do homem moderno:
5. Pragmatismo. O homem moderno tornou-se prático: é conduzido para a ação. O que o atrai
e absorve completamente é o fazer, produzir, trabalhar. Não encontra mais tempo para
pensar, meditar, contemplar, e, sobretudo, isso não mais o interessa.
6. Historicidade. O homem moderno é histórico: tem muito vivo o sentido da história. Para
ele a realidade está em contínuo movimento e nunca tem nada de definitivo e estável, nada
de duradouro além de certo limite, limite este que tende a encurtar cada vez mais. Essa
característica é um privilégio, mas talvez, um fardo.
8. Utopia. Seguro de si, possuidor de técnicas cada vez mais perfeitas, desfruta tanto de modo
sempre mais eficaz dos recursos da natureza e capaz de controlar a marcha da história, o
homem de hoje faz grandes e ambiciosos projetos para o futuro; propõe metas altíssimas,
onde não haverá mais miséria, nem injustiça, nem ignorância; nem doenças, nem
292
CULLMANN, O. Vero e falso ecumenismo, Morcelliana, Bréscia, 1972, pp. 37-38. In: MONDIN, B.
Antropologia Teológica, p.45.
293
MONDIN, B. Antropologia Teológica. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 45-72.
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discriminações, nem privilégios; mas onde será construída uma sociedade perfeita que
tornará todos plenamente felizes.294
9. Socialização. Todos hoje lutam e empenham seus esforços por uma solidariedade. A
socialização tem assumido nos últimos anos porções cada vez mais vastas: de nacional
tornou-se primeiro internacional, depois intercontinental e assume agora dimensões
planetárias.
12. Alienação e opressão. O homem moderno, não obstante a tanto progresso, encontra-se mais
do que nunca sob o peso enorme e insuportável de uma capa opressiva: é oprimido muitas
vezes pelas necessidades mais elementares: pela fome, sede, miséria; é oprimido e obcecado
pelo sexo, transformando em índole que o tiraniza cada vez mais; é oprimido por uma série
infinita de necessidades supérfluas que se lhe afiguram indispensáveis através de uma
propaganda astuciosa.
13. Contestação. Neste estado de opressão, o homem de hoje, mais do que nunca, tem
consciência da necessidade de libertação. Daí a contestação maciça da sociedade atual em
todos os seus aspectos e estruturas. Daí também, as inúmeras propostas de reforma e de
revolução.
14. Perversão e frustração. O homem moderno tornou-se escravo dos próprios instintos:
egoísmo, prazer, inveja, sensualidade, mentira, avidez, fraude. Recorre a qualquer meio para
satisfazer suas múltiplas paixões.
Portanto, é o homem, inteiro, que exerce a função de sujeito hermenêutico da Palavra de Deus,
daí a necessidade da Antropologia Teológica. Esta verdade mostra a importância e a necessidade,
para o teólogo, de elaborar uma antropologia que não se limite a elucidar fenomenologicamente
alguns fragmentos do ser humano, mas lhe explore de maneira equilibrada.
294
Ibidem.
295
CHAMPLIN, R. N. e BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia,
1995. Vol. 1, página 199.
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
ele está e deve estar com Deus. Assim, a Antropologia Teológica só reconhece a Escritura como a
sua fonte, e examina os ensinamentos da experiência humana à luz da Palavra de Deus. 296
O próprio homem desfigurou essa imagem, e a redenção tem por finalidade restaurá-la por meio
do homem espiritual, uma realização das dimensões espirituais. 297 Isto tem de acontecer em função
do problema do sentido do homem que é mais escaldante hoje do que nunca. De fato, de onde provém
tantas profanações à própria vida, tantas agressões à vida do próximo, tantas injustiças, violências,
vícios, maldades, senão do fato de ter o homem perdido atualmente o sentido de sua própria
existência? O cristão sabe, graças à Palavra de Deus, com segurança o sentido do homem. Mas será
possível também para quem não tem fé em Cristo – em outras palavras, será possível apenas com os
recursos da razão humana – obter conhecimentos seguros sobre o sentido do homem? 298
A Antropologia Teológica considera o homem um ser transcendental, ou pelo menos está
destinado a sê-lo. É preciso entender o sentido metafísico do homem. 299 Há uma experiência singular
no que tange ao homem que é sua autotranscendência, que é o movimento pelo qual ele se supera.
Mas, o que isso significa? É preciso entender que a nossa vontade nunca se satisfaz com o que
conseguiu e adquiriu. Pergunta-se: para onde se dirige a autotranscendência do homem? Aqui já são
as perguntas levantadas pela Filosofia, segundo MONDIN. 300
Há três posições para se tentar responder a estas perguntas levantadas pela Filosofia:
296
BERKHOF, Teologia Sistemática, p. 181.
297
CHAMPLIN e BENTES, p.199.
298
MONDIN, Antropologia Teológica, p. 73.
299
Ibidem, p. 73-89.
300
Ibidem, p. 74-75.
301
NIETZSCHE, F. Così parlò Zarathustra, Bocca, Milão, 1906, p. 92. In: MONDIN, Antropología
Teológica, p. 76-77.
302
Ibidem, p. 87.
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
de Deus. A revelação de Deus na Escritura é uma revelação dada não somente ao homem, mas na
qual o homem é de interesse vital. 303
303
BERKHOF, Teologia Sistemática, p. 181.
304
BEHE, M. A caixa preta de Darwin, p. 13-32. Segundo a Teoria da Evolução o ser humano é descendente
de macacos antropóides, afirmando uma relação de continuidade entre animais irracionais e a raça humana.
Charles Darwin (1809-1882), é o maior expoente da Teoria da Evolução. Nasceu na Inglaterra e foi educado
em Cambridge. Trabalhou como naturalista. Em 1831 fez uma viagem de pesquisas às ilhas dos oceanos
Atlântico e Pacífico. A sua teoria da evolução resultou dos informes colhidos nessa viagem. No entanto,
inspirou-se também no livro de Robert Malthus, “Essay on Population”, que leu em 1838. Em 1858, recebeu
do evolucionista inglês Alfred Russel Wallace um ensaio que correspondia, em muitos particulares, à sua
própria teoria. Darwin produziu a sua grande obra “The Origin of Species”, que apareceu pela primeira vez
em 24 de novembro de 1859.
305
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997. Página 207.
306
GARCIA RUBIO, A. Unidade na Pluralidade, Cap.3, Parte 3, Deus Criador: O Ser Humano Criatura de
Decisão e de Resposta (Antigo Testamento), São Paulo: Ed. Paulinas, pp. 117-178.
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se decidir e a responder afirmativamente. Por isso, o autor afirma que o homem é, antes de tudo, um
ser de decisão e de resposta. A decisão e a resposta positivas do homem consistem, em síntese, na
aceitação e na obediência à vontade de Deus, atitude que deve comportar sempre o compromisso ético
pela justiça e pelo amor efetivo, bem como a realização adequada do culto a Yahweh.
Assim, o mesmo Deus que intervém em certos acontecimentos da história de indivíduos e do
povo de Israel para manifestar o seu desígnio salvífico, cria o mundo e o homem. Para a tradição
hermenêutica "proclamativa", é no contexto desta proposta salvífica de Deus e da necessidade de
decisão-resposta do homem que se pode descobrir o significado da criação. A criação constitui o
início das intervenções salvíficas de Deus. O homem é uma criatura (que recebe) responsável (que
responde).
Mas o autor chama a atenção para o fato de que o homem pode também tentar esquivar-se a dar
uma resposta. Pode não assumir a sua primeira e mais fundamental vocação: ser humano; e assim
omite-se em relação à própria responsabilidade sobre o mundo e sobre a história humana. De tal forma
que na sua arrogância, iludido pela vontade ilimitada de poder, o homem não aceita os próprios limites
e desfigura o sentido do mundo, dominando os outros, levando o seu semelhante a viver uma vida
miserável, infra-humana, no nível quase animal, de perdição, numa situação de não-salvação.307
Rubio, mais uma vez ressalta que a resposta, positiva ou negativa, é dada pelo homem em cada
detalhe de sua vida, nas decisões tomadas no hoje da sua existência e não na fuga para um mundo e
tempo meta-histórico, ou seja, além ou fora da sua própria trajetória de vida.
E sobre o ser humano, os relatos dos escritos Javista e Sacerdotal da criação afirmam que é um
ser radicalmente aberto, um ser de relações, ou seja, relação com Deus vivida na abertura confiante e
na resposta obediente à Sua vontade.
As comunidades cristãs, no seu nível de vivência-reflexão da fé, precisam desenvolver um
verdadeiro círculo hermenêutico, onde aquele que tem a responsabilidade pastoral-eclesial é chamado
a realizar o novo círculo hermenêutico junto com as comunidades de empobrecidos e marginalizados.
Isso tem de acontecer, apesar de existir neste agente, muito da mentalidade moderna, mesmo quando
a critica duramente. E é, portanto, natural que na leitura dos textos bíblicos sobre a fé em Deus criador
e sobre o homem, criado de maneira tão especial por Deus, ele tenha inquietudes e preocupações que
nem sempre coincidem com as de outras comunidades.
Assim o autor relaciona resumidamente o que os relatos Javista e Sacerdotal da criação afirmam
sobre o ser humano:
• O seu ser e o seu existir dependem totalmente do Criador, pois, o homem é criatura, como
os demais seres do mundo.
• A liberdade humana está totalmente fundamentada na dependência em relação ao Deus
criador. A relação com Deus é dialogal, não existindo competição entre Deus e o ser
humano. A relação com Deus criador é vivida no contexto da relação gratuita da eleição,
relação salvífica de interpelação e resposta.
• O homem é como os outros seres vivos, é algo terrestre, da natureza do pó da terra. Não é
um castigo o fato de ser terrestre, de ser corporeidade, mas pertence à perfeição do ser
humano.
• Mas o homem recebe de Deus um rûah com características pessoais. O homem é criado à
imagem e semelhança de Deus. É um ser com responsabilidade e consciência, chamado a
viver uma existência dialógica. E chamado a ser co-criador e administrador responsável
do mundo.
307
GARCIA RUBIO, A. Unidade na Pluralidade, Cap.3, Parte 3, Deus Criador: O Ser Humano Criatura de
Decisão e de Resposta (Antigo Testamento), São Paulo: Ed. Paulinas, pp. 117-178.
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
• Tanto o homem quanto a mulher, ambos, são criados à imagem de Deus. Ambos são
administradores da criação. A humanidade toda é chamada a desenvolver sua
responsabilidade sobre o mundo. A mulher é da mesma natureza do homem. Ambos são
chamados a viver a reciprocidade mútua. O matrimônio forma parte do desígnio criador
divino.
• O homem deve crescer como homem, realizando a sua vocação de imagem de Deus. O
fatalismo, a passividade, a alienação, a fuga da responsabilidade em relação ao mundo e à
sociedade não encontram justificativa alguma na perspectiva bíblica da criação do homem.
• O homem é bom, pois é criatura de um Deus bom, criado à imagem dele. Dignidade da
imagem que é o homem.
• De maneira ainda mais concreta, pode ser percebida a relevância destas afirmações, se
procurarmos utilizá-las como ajuda ao discernimento eclesial em relação às situações de
marginalização e de exclusão experimentadas por uma parte considerável do nosso povo.
Assim, o caminho da libertação integral que vem sendo trilhado por tantas e tantas
comunidades eclesiais populares, em meio a grandes dificuldades, encontra na teologia da
criação, em conexão com a fé em Deus salvador, uma profunda fundamentação e uma
riquíssima fonte de inspiração.
• O ser humano na qualidade de imagem de Deus que cria, mas também repousa, caracteriza-
se não só pelo trabalho, mas igualmente pelo descanso e pela celebração da criação como
dom de Deus.
famílias e tribos israelitas que foram aderindo ao culto de Yahweh, receberam também o dom da
salvação e assim se constituíram, todos, o “povo de Deus”.
O segundo exemplo versa sobre o tema da “aliança” onde os israelitas que seguiram Moisés,
saídos do Egito, assumiram um compromisso com Iahweh, e passaram a considerar-se clã ou povo
d’Ele, e assim, interpretado teologicamente pela tradição Deuteronomista como aliança entre Yahweh
e o povo de Israel, Deus, de maneira soberana e gratuita, resolve escolher Israel para ser seu povo,
compromete-se com Ele, e esta aliança compromete seriamente a Israel.
As abordagens e argumentos de Rubio são muito interessantes e consistentes, quando discorre
sobre cada um dos relatos interpretados. Ele tece uma grande rede de relações e ligações entre um
fato e outro, e entre o relato de uma e outra tradição, bem como interpretando seus vínculos de maneira
extremamente coerente. Assim, o autor interpreta e constrói uma visão teológica clara de escritos que
se apóiam, se justificam e se completam, proporcionando uma legítima reflexão teológico-
antropológica.
Na versão Javista, foi mediante Israel que a salvação chegou para todos os povos.
Primeiramente aos que habitavam a terra de Canaã e finalmente a todos os povos da terra, só que esta
bênção e esta salvação, convém não esquecer, exigem obediência e fé em relação a Yahweh.
Depois, na versão Eloísta, que segundo o autor, é a versão negativa de Israel em relação à
história da salvação, fala-se da pecaminosidade do homem, da rebeldia e da infidelidade de Israel, da
aliança que devia ser uma fonte de salvação para Israel, e se transforma, por culpa sua, em motivo
para o juízo de Deus.
Segundo Rubio as difíceis circunstâncias políticas e religiosas em que viveu o Eloísta explicam
a história da salvação-perdição de Israel, e a constatação reiterada da sua desobediência e infidelidade,
limita grandemente o horizonte de compreensão da história da salvação.
Já na versão Deuteronomista, o autor nos mostra a interpelação da eleição e da aliança, onde
a forte penetração dos cultos cananeus na religião de Israel e depois o influxo dos cultos assírios,
quase sufocaram a fé javista, levando os profetas e os redatores da tradição Deuteronomista a
apontarem a infidelidade a Yahweh como causa do desastre em que se precipita Israel.
Rubio avança em sua análise e diz que com o exílio, chegou o tempo do cumprimento do
julgamento e das ameaças. E deixa esta pergunta: Por que Yahweh abandonou seu povo? E ele mesmo
afirma que os escritos deuteronomísticos respondem que não foi Yahweh quem deixou de lado Israel,
mas, ao contrário, este se afastava do compromisso assumido com Ele. E ainda, que o julgamento de
Deus nada tem de precipitado, pelo contrário, o Deuteronomista chama a atenção para a paciência de
Deus em relação às transgressões dos líderes (juízes, reis...) e do próprio povo.
Assim, a eleição-aliança ressalta nitidamente o tremendo significado destruidor da infidelidade.
E aqui cabe a pergunta: Será que não é possível dar um novo rumo à caminhada de Israel? Esta
resposta, segundo Rubio, a encontramos na versão do escrito Sacerdotal onde o futuro está aberto e
onde este escrito, datado aproximadamente do Séc. V a.C., afirma precisamente que o objetivo
principal desta reflexão teológica é infundir coragem, confiança e esperança nos exilados, onde o
Deus salvador pode abrir um novo futuro de realização das suas promessas e da sua aliança. Mas para
isto, é indispensável que os israelitas se abram à fé no Deus da promessa e da aliança, vivendo a
obediência à lei de Deus e praticando o culto verdadeiro.
Assim, o autor acaba por concluir que tanto a tradição mais antiga de Israel como as diferentes
versões teológicas da mesma, coincidem na afirmação fundamental: Deus se revelou salvador nos
acontecimentos da vida dos indivíduos e do povo de Israel, mas de tal maneira que o fechamento e a
resposta negativa deste podem frustrar o propósito salvífico de Yahweh, em cada um dos casos
particulares. Yahweh, todavia, é sempre soberanamente para recompor suas resoluções salvíficas.
E com esse raciocínio, o autor faz a transição para a abordagem da interpretação profética da
história da salvação afirmando que as antigas tradições israelitas são também atualizadas e
interpretadas pelos grandes profetas individuais. Assim, a experiência de Deus vivida pelos profetas
e sua mensagem, afirma que Deus é o único e exclusivo salvador do homem e fora da comunhão com
ele, o homem se ilude com pseudo-salvações e se encaminha para o desastre. Pois a salvação,
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
resultante da união com a vontade de Deus, não é algo imposto. O “sim” da fé e da obediência do
homem, a sua decisão é indispensável para a concretização da salvação. E este é dado nos
compromissos e nas situações do dia-a-dia.
Fica mais uma vez, a pergunta do autor: “Será que Israel como povo está pronunciando este
“sim”? Será que o julgamento e o castigo são inevitáveis?”
Aborda-se a resposta agradecida do Israel fiel, mostrando-nos que seria falso concluir da
exposição anterior que Israel respondera sempre negativamente à proposta salvífica de Yahweh.
Houve, sem dúvida, respostas positivas de indivíduos e grupos que seguiram o caminho da fé e da
confiança em Yahweh percorrido por Abraão e outros grandes ancestrais.
Os salmos apresentam um material privilegiado para o estudo da resposta do Israel fiel. E
pergunta: Como não confiar num Deus que já fez tantas maravilhas para auxiliar o povo da sua
eleição? Ele continua fiel às suas promessas nas circunstâncias do tempo em que orava o salmista.
E assim, Rubio analisando e expondo sobre cada aspecto da literatura bíblica, sob o enfoque da
criação/salvação, o homem como criatura de decisão e resposta, nos dá toda uma visão panorâmica
de todo os escritos do Antigo Testamento, contemplando desde o Pentateuco, os livros Sapienciais,
os Proféticos, e os Históricos discorrendo sobre a sabedoria, síntese do projeto salvífico de Yahweh;
sobre a escatologia e apocalíptica, onde mostra a tensão entre plenitude futura de salvação e a
situação miserável atual; e assim sucessivamente até chegar ao sábado como conclusão-coroamento
da criação do mundo e do ser humano (Gn 2.2-3), onde o escrito Sacerdotal vê a criação em função
do sábado e não o contrário.
Utilizando-se de Jürgen MOLTMANN, Rubio afirma que o mundo não é apenas natureza, mas
criação de Deus. E como tal deveria ser aceita, celebrada, uma vez que Deus não só cria, como
também repousa. E assim, o sábado leva-nos a superar a perspectiva unilateral do mero “fazer”. O
Sábado deve ser tratado como coroamento da criação e como revelação de Deus que repousa na sua
criação aponta para a realidade da salvação-redenção e, em última análise, para a “nova criação”.308
1. O fato de os homens terem sido criados significa que eles não têm existência independente.
2. A humanidade faz parte da criação e significa que deve haver harmonia entre o homem e o
restante das criaturas.
3. A humanidade, no entanto, ocupa um lugar singular na criação. Os animais irracionais foram
criados cada um segundo as suas espécies, mas o homem à imagem e semelhança de Deus.
4. Há um vínculo comum entre todos os seres humanos.
5. Há limitações definidas sobre a humanidade. Os homens são criaturas, não Deus. São
sujeitos a erros e o conhecimento será sempre incompleto.
6. A limitação não é inerentemente má. A finitude pode nos conduzir ao pecado, caso deixemos
de aceitar nossas limitações, não vivendo de acordo com elas.
7. O ser humano é algo maravilhoso, porque é a única criatura criada à imagem de Deus. Somos
um produto expressamente desejado por Deus. O fato de ser assim é porque Deus nos criou.
O autor da vida é o mais importante, por isso devemos toda a honra e glória ao criador.
Verificar o Salmo 100.
308
Sobre a temática do Sábado “Shabatt”, cf. a grande obra de MOLTMANN, Jürgen, A Vinda de Deus, São
Leopoldo, RS: 2003, pp. 281-288.
309
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997. Páginas 211-214.
Foram inseridos apenas os enunciados, pois, para haver mais aprofundamento, faz-se necessário verificar a
obra bibliográfica de análise, de modo completo.
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
O verdadeiro homem não é o que encontramos na sociedade. 310 O verdadeiro homem é o ser
que surgiu das mãos de Deus, intocado pelo pecado. Segundo a Teologia os únicos exemplares
surgidos da mão de Deus foram Adão e Eva antes da queda. É sem dúvidas que Jesus é desta forma,
intocável pelo pecado. 311
Todos os outros seres humanos são deformados, distorcidos, corrompidos da humanidade
(Romanos 3.23).312
Uma expressão vital usada na descrição da forma original do ser humano é que Deus fez o
homem conforme a sua imagem e semelhança. É por isso que o homicídio é proibido na Bíblia, pelo
fato de a raça humana ter sido criada à imagem de Deus.
A doutrina da imago Dei, ou seja, da semelhança do homem com Deus, é o tema fundamental
da antropologia cristã e lhe abrange todos os aspectos, de modo que se poderia, a partir da mesma,
desenvolver uma doutrina completa do homem. 313
Como entender o significado de IMAGO DEI?
310
Ibidem, p. 215-216.
311
A Cadeira de Cristologia fornecerá uma reflexão sobre este assunto, oferecida pelo Curso de Teologia.
312
Mais sobre a natureza humana decaída será estudada na Soteriologia que é parte da Cadeira de Cristologia,
oferecida pelo Curso de Teologia.
313
MONDIN, Antropologia Teológica, p. 91.
314
ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997. Página 218.
315
Segundo ERICKSON, M. J., 219, citando o desentendimento entre Emil Brunner e Karl Barth, embora os
dois teólogos concordassem com essa concepção em questão, Barth dá importância muito maior à relação
homem-mulher; Brunner está mais propenso a salientar o círculo maior de relacionamentos humanos, ou seja,
a sociedade.
316
Ibidem, p. 222-224.
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Teologia Sistemática I Prof. Nelson Célio de Mesquita Rocha
4. A imagem não está relacionada com nenhuma variável. Significa que não foi condicionada
por nenhuma relação.
5. A imagem é algo localizado na própria natureza dos homens, na maneira pela qual são
formados. Diz respeito ao que somos e não ao que temos ou fazemos.
6. A imagem consiste nas aptidões da personalidade que fazem com que cada ser humano seja
como Deus, capaz de interagir com outras pessoas, 317 pensar e refletir, e possuir livre
arbítrio. A criação divina tinha propósitos definidos. Os homens deviam conhecer, amar e
obedecer a Deus. Deviam viver em harmonia com os outros, como é explicitado no
exemplo da vida e obra de Jesus de Nazaré, através de quem experimentamos não só o
ensino, mas a sua presença atuante na vida de comunhão com Deus. 318
317
Na cadeira de Pneumatologia, acentua-se o intra-relacionamento das pessoas da Trindade, como a melhor
comunidade, modelo para todo grupo social, principalmente a Igreja.
318
ERICKSON, M. J., p. 223-224, traz um enfoque sobre a vida de Jesus, o seu caráter e as suas ações, que
são um guia valioso nessa questão, já que se constituiu o exemplo perfeito.
319
Sobre este assunto de modo mais aprofundado, verificar a obra de BERKHOF, L. Teologia Sistematica.
La Antocha de Mexico, A. C. D.F. Cuarta edición española (revisada), 1979. Páginas 225-249. Esta obra consta
traduzida para o português por Luz Para o Caminho, órgão da Igreja Presbiteriana do Brasil. Também com
detalhes interessantes e contextualizados em ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São
Paulo: Vida Nova, 1997. Página 227-233.
320
Pais alexandrinos defensores: Clemente de Alexandria, Orígenes e Gregório de Nissa.
321
ROBINSON, H. W. Hebrew psycchology, in: The people and the Book, ed. Arthur S. Peake. Citado por
ERICKSON, M. J., p. 230.
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Que é o homem?322 É um ser que pensa, fala, age, sente, recebe orientação, guarda o ensino e
transmite o que aprende.
Deus criou o homem sem pecado, mas este se rebelou contra o seu criador.
É preciso trabalhar o aspecto humano, no sentido de aconselhá-lo, orientá-lo, a fim de que volte
para o Criador.
A importância da Sagrada Escritura deve ser enfatizada, pois ela é o guia para trazer de volta o
homem ao Deus vivo.
CONCLUSÃO
Através deste trabalho se pode observar a importância do estudo da ciência teológica, em sua
primeira parte. Essa importante e profunda ciência trata mesmo de Deus e de suas relações com a
obra da criação. O seu objetivo é preparar a pessoa para reconhecer que o ser humano e toda a criação
é obra de um Deus sábio e amoroso. Sendo assim, Deus deixou-nos a sua Palavra escrita, a fim de
que possamos observá-la, pois nela está contido tudo o que precisamos saber para vivermos uma
existência saudável.
A Teologia é ciência; é conhecimento certo e seguro. Há um pressuposto fundamental que
marca a vida de quem estuda essa Ciência: a fé. A fé tem a ver com todos os ramos da Ciência,
principalmente a Teologia. E, para se aceitar a Revelação Inspirada de Deus faz-se necessário
perceber a Iluminação do Espírito Santo, aplicando no mais íntimo do ser humano a mensagem da
Revelação. A Revelação escriturada encontra-se tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
322
ROCHA, N. C. M. Aconselhamento e integração do Homem. Rio de Janeiro: 1996. Apostilha sobre Curso
de Liderança.
94
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