Recurso Especial
Recurso Especial
Recurso Especial
Processo nº 0483713-11.2010.8.06.0001
RECURSO ESPECIAL
em face do v. acórdão proferido pela Eg. Segunda Câmara de Direito Privado deste
Col. Tribunal de Justiça (fls. 375-385), integrado pela r. decisão dos aclaratórios
no incidente nº 0483713-11.2010.8.06.0001/50000 (fls. 28-32), pelo que requer,
após cumpridas as formalidades legais, sejam os autos remetidos ao Col. Superior
Tribunal de Justiça com as razões anexas, para processamento e julgamento.
Processo: 0483713-11.2010.8.06.0001
Recorrente: TOYOTA DO BRASIL LTDA.
Recorrido: JOSÉ BESERRA DO VALE FILHO
Terceiro: NEWLAND VEÍCULOS LTDA.
Origem: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ
2
1. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS DE
ADMISSIBILIDADE RECURSAL .
3 Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar -se-ão somente os
dias úteis. (...)
Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo
o dia do vencimento. (...)
Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera -se dia do começo do prazo: (...)
VII - a data de publicação, quando a intimação se der pelo Diár io da Justiça impresso ou eletrônico;
Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta -se da data em que os advogados, a sociedade
de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da
decisão. (...)
§5º Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder -lhes é
de 15 (quinze) dias.
4 Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação
pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.
§3º É dispensado o recolhimento do porte de remessa e de retorno no processo em autos eletrônicos.
5 Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embar gante suscitou, para fins de
pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o
tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.
3
06. Ressalte-se, ainda, no que se refere à divergência jurisprudencial apontada,
que a Recorrente procedeu ao respectivo cotejo analítico, donde se infere que o
acórdão recorrido contrariou o entendimento de outros Tribunais pátrios, inclusive
o desta Eg. Corte Superior, sendo cristalino, também sob esta ótica, o cabimento
do presente recurso.
08. Por derradeiro, tendo sido a Recorrente prejudicada pelo acórdão recorrido,
é inequívoca a sua legitimidade recursal, assim também seu interesse de recorrer,
inexistindo fatos impeditivos ou extintivos de tal faculdade.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO PROCESSUAL E
FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO .
09. O Recorrido propôs a ação alegando que o veículo seminovo adquirido por
ele teria apresentado um “defeito de fabricação”, sendo-lhe negado o reparo em
garantia, sob a justificativa de que ele instalou um “filtro de óleo” não genuíno,
que terminou por se romper, danificando o motor.
6 STJ; APn 841/DF; Rel. Min. Herman Benjamin; Corte Especial; J. 08/04/2019; DJe 22/05/2019: https://sco
n.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201502406451&dt_publicacao=28/03/2017 .
4
12. Ademais, demonstrou ela que, embora não tenha sido citada para responder
à ação, sua revelia fora decretada em sentença, sob a justificativa de que a citação
da litisconsorte seria suficiente para suprir o ato, em que pese o próprio Recorrido
tivesse indicado endereços distintos das partes (fls. 03), e o próprio Juízo de piso
tivesse determinado novamente a sua citação, por Carta Precatória, após a citação
da litisconsorte (fls. 110).
13. Por fim, quanto às nulidades, aduziu a Recorrente que o processo não fora
saneado ou instruído, nem fora anunciado o julgamento antecipado da lide , tendo
sido proferida a sentença logo após a apresentação da réplica – e antes que fosse
expedida a referida Carta Precatória (fls. 114-122).
5
5. O anúncio do julgamento antecipado objetiva evitar uma limitação
ao direito à produção de provas, impedindo, consequentemente, que
os autos sejam enviados à segunda instância com um conjunto
probatório insuficiente à melhor resolução do conflito.
6. Ademais, no que tange ao pedido de nulidade ante o desrespeito
das regras de distribuição da demanda no Juízo de primeiro grau, o
mesmo não merece acolhimento. Com efeito, restando anulada a
sentença e a devolução dos autos para seu regular trâmite, inclusive
com observância do devido processo legal, não há qualquer prejuízo
no fato do processo tramitar perante a Vara de origem, sobretudo
diante da aposentadoria do Julgador prolator da sentença combatida,
ao qual a parte recorrente inquina de várias irregularidades. Dessa
maneira, é indiferente a devolução desta ação para aquela unidade
jurisdicional ou para qualquer outra Vara Cível desta Comarca .
7. É de bom alvitre registrar que a decisão concessiva de tutela
antecipada, ainda que proferida por Juízo incompetente, conserva
seus efeitos, nos termos do artigo 64, §4º, do Código de Processo
Civil, motivo pelo qual também haveria prejuízo à devolução deste
feito à 30ª Cível da Comarca de Fortaleza/CE: (...).
8. Recurso conhecido e parcialmente provido.
6
de validade do ato citatório, em contrariedade ao disposto na “Lei Renato Ferrari”,
tendo aproveitado o ensejo também para pré-questionar a matéria a ser devolvida
a esta Eg. Corte Superior.
19. Nesse contexto, outra alternativa não lhe restou senão interpor o presente
excepcional, a fim de que o direito seja adequadamente aplicado ao caso concreto
e, por conseguinte, seja restabelecido o devido processo legal.
7
20. Ad argumentandum tantum , acaso superada a questão, no que não acredita
a Recorrente, passa-se a demonstrar os erros de julgamento do acórdão recorrido,
os quais impõem a sua reforma por esta Eg. Corte da Cidadania.
21. De início, anote-se que resta incontroverso nos autos ter sido a distribuição
do presente feito dirigida ao D. Juízo da 30ª Vara Cível de Fortaleza/CE, com base
em uma folclórica “prevenção por conexão” (fls. 02).
8
testemunha DIEGO COLARES - e de que os atos de ofício foram praticados, o que
ocorreu, conforme se percebe da leitura das decisões proferidas pelo réu
CARLOS FEITOSA e do próprio contexto em que as proferiu - em plantões
de final de semana (...), em impetrações que poderiam e deveriam ter
ocorrido em dias normais de expediente –, é o que basta para a configuração
do tipo. (...)
52. Não se trata aqui de punir magistrado de tendência liberal, garantista ou
abolicionista. Cuida-se, sim, de punir julgador cujo filho abertamente
comercializou suas decisões, que vieram a ser editadas nos moldes das
tratativas. (...)
56. Observa-se com clareza que a negociação era real, coincidia com os
plantões do magistrado CARLOS FEITOSA e ecoam nas impetrações que
efetivamente vieram a ocorrer e a lograr resultado favorável àqueles
que se propuseram a negociar. Citam nomes, valores, situações efetivamente
ocorridas e resultados, desfechos esses que eram comemorados ao final dos
plantões. (...)
174. CONDENAR o acusado CARLOS RODRIGUES FEITOSA, nos autos
qualificado, à pena de 13 (treze) anos, 5 (cinco) meses e 2 (dois) dias
de reclusão, e multa de 69 (sessenta e nove) dias-multa, ao valor de 2
(dois) salários mínimos vigentes ao tempo dos fatos, cada , devidamente
corrigidos até o efetivo pagamento, dando-o, pois, como incurso nas sanções do
artigo 317, § 1.º, c/c artigo 71, caput, por duas vezes, e 317, § 1.º, c/c art. 71,
caput, por 3 (três) vezes, e as duas formas em concurso material entre si, na
forma do artigo 69, caput, todos do Código Penal, pena essa a ser cumprida em
regime inicial fechado, nos termos da fundamentação supra. (...)
179. Como efeito específico da condenação, inscrito no artigo 92, inciso I, alínea
"a", do Código Penal, declaro a perda do cargo público de Desembargador
de Tribunal de Justiça exercido por CARLOS RODRIGUES FEITOSA. 8
24. Data venia , E. Ministros, isso leva a crer que não houve um mero “equívoco
na forma de distribuição” do processo, mas sim o seu direcionamento doloso a um
magistrado conhecido por ter feito “do Tribunal de Justiça do Ceará autêntica casa
de comércio”, como bem disse o Ministro Herman Benjamin naquela sessão!
25. Não causa estranheza, portanto, que após a distribuição viciada aquele juiz
tenha (i) se dado por competente para julgar a ação, mesmo não sendo prevento,
(ii) deferido a tutela de urgência inaudita altera parte , com astreintes de elevada
monta, e (iii) julgado antecipadamente a lide, sem sanear ou instruir o feito, para
8 STJ; APn 841/DF; Rel. Min. Herman Benjamin; Corte Especial; J. 08/04/2019; DJe 22/05/2019: https://sco
n.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num registro=201502406451&dt_publicacao=28/03/2017
9
(iv) estabelecer uma condenação no teto do pedido autoral, e fixar honorários de
sucumbência também no máximo permitido, além de astreintes milionárias.
26. Não se trata de leviandade tal assertiva, mas de constatação de atos ilegais
ocorridos na distribuição e no processamento do feito, que redundaram em uma
condenação no mínimo “heterodoxa”, pois completamente descolada da legislação
de regência e dos mais comezinhos princípios constitucionais!
27. Ora, como certificado pelo Serviço de Distribuição (fls. 220), jamais houve
na 30ª Vara Cível qualquer outra demanda proposta pelo Recorrido, que pudesse
justificar a distribuição “por prevenção” da presente ação , sendo antes cristalina
a ilicitude da distribuição da causa àquele magistrado...
29. O acórdão guerreado, por seu turno, partindo da (falsa) premissa de que a
anulação exclusiva da sentença, aliada à “aposentadoria” do juiz prolator, seriam
suficientes para sanar as nulidades decorrentes do vício na distribuição , manteve
incólumes todos os atos praticados por ele até o efetivo julgamento – e até mesmo
a sua posterior decisão integrativa (fls. 375-385):
10
do artigo 64, §4º, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual também
haveria prejuízo à devolução deste feito à 30ª Cível de Fortaleza/CE.
30. Como visto, segundo o acórdão, a Recorrente não teria prejuízo algum com
a manutenção de atos processuais reconhecidamente nulos, a exemplo da decisão
antecipatória da tutela (fls. 26-31), da revogação do despacho que determinou
sua citação por Carta Precatória (fls. 110), do capítulo da sentença que decretou
sua revelia (fls. 116), e da decisão integrativa que aplicou a teoria da aparência
e manteve a decretação (fls. 174-178)...
34. Ao assim proceder, data venia , o acórdão terminou por negar vigência aos
arts. 251, 252 e 255 do CPC/73 9, diploma processual aplicável à época, replicados
nos arts. 284, 285 e 288 do CPC/15 10, legislação adjetiva vigente, ferindo de morte
os princípios do juiz natural, do contraditório, da ampla defesa, do devido processo
9 Art. 251. Todos os processos estão sujeitos a registro, devendo ser distribuídos onde houver mais de
um juiz ou mais de um escrivão.
Art. 252. Será alternada a distribuição entre juízes e escrivães, obedec endo a rigorosa igualdade.
Art. 255. O juiz, de ofício ou a requerimento, corrigirá o erro ou a falta de distribuição, compensando-a.
10 Art. 284. Todos os processos estão sujeitos a registro, devendo ser distribuídos onde houver mais de
um juiz.
Art. 285. A distribuição, que poderá ser eletrônica, será alternada e aleatória, obedecendo -se rigorosa
igualdade.
Parágrafo único. A lista de distribuição deverá ser publicada no Diário de Ju stiça.
Art. 288. O juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, corr igirá o erro ou compensará a falta de
distribuição.
11
legal e da boa-fé processual, estampados nos arts. 5º, 7º, 8º, 9º e 10 do CPC/15 11,
e no art. 5º, XXXVII, LIII, LIV e LV, da CF/88 12.
35. Isto porque, de acordo com tais dispositivos, “onde houver mais de um juiz”
“a distribuição (...) será alternada e aleatória, obedecendo-se rigorosa igualdade”
dentre aqueles abstratamente competentes, tornando “a competência cumulativa
de todos em competência exclusiva de só um dentre todos” , como leciona a mais
abalizada doutrina 13.
36. Ora, o princípio do juiz natural é um dos pilares em que se funda o sistema
processual brasileiro e o próprio Estado Democrático de Direito, a teor do disposto
no art. 5º, XXXVII e LIII, da CF/88 14, e reza que, para cada ação, sempre haverá
um único Juízo competente, prévia e objetivamente definido por lei.
37. Consoante as lições da melhor doutrina 15, isto “significa que: 1) não haverá
juízo ou tribunal ad hoc , isto é, tribunal de exceção; 2) todos têm o direito de
submeter-se a julgamento (civil ou penal) por juiz competente, pré-constituído na
forma da lei; 3) o juiz competente tem de ser imparcial”.
38. Nesse esteio, trata-se de comando normativo constitucional que serve para
evitar a instauração de Tribunais de Exceção e impedir que o jurisdicionado possa
escolher, dentre os diversos Juízos, aquele que lhe pareça mais conveniente .
11 Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
(...)
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e fa culdades
processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais,
competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. (...)
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. (. ..)
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do
qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se tr ate de matéria sobre
a qual deva decidir de ofício.
12 Art. 5º (...)
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; (...)
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; .
13 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Parecer inserto na Ação Rescisória tombada sob o nº 46.595 -0,
que tramitou perante o TJBA.
14 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo -se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do dire ito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; (...)
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
15 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7ª ed. São Paulo: Rev ista
dos Tribunais, 2002, p. 28.
12
39. E a garantia constitucional do juiz natural intenta, sobretudo, assegurar aos
jurisdicionados a imparcialidade das decisões, com a utilização de procedimentos
que impossibilitem o conhecimento prévio do julgador da lide pelas partes.
16 THEODORO JR, Humberto. Parecer inserto na Ação Rescisória tombada sob o nº 46.595 -0, que tramitou
perante o TJBA.
17 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Parecer inserto na Ação Rescisória tombada sob o nº 46.595 -0,
que tramitou perante o TJBA.
18 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Vol. 1. 17ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p.
184/202-203.
13
42. O próprio Tribunal a quo já tinha entendimento consolidado nesse sentido,
como se depreende do aresto doravante transcrito, de lavra do Min. Raul Araújo,
quando ainda integrante daquela Eg. Corte Estadual:
19 TJCE; AP 32535-59.2008.8.06.0001/1; Rel. Raul Araújo Filho; Primeira Câmara Cível; DJ 01/03/2010.
14
44. Por óbvio, a decisão vai de encontro à jurisprudência consolidada em outros
Tribunais Federais e Estaduais quanto à interpretação dos dispositivos invocados
(arts. 251, 252 e 255 do CPC/73 ou arts. 284, 285 e 288 do CPC/15), servindo de
exemplo paradigmático os acórdãos cujos excertos seguem doravante transcritos,
em cotejo analítico, em obediência ao art. 1.029, §1º, do CPC15 c/c o art. 255,
§1º, do RI/STJ (Docs. 3 e 4):
ACÓRDÃO PARADIGMA 1
ACÓRDÃO RECORRIDO INTEGRADO
TRF2 - AP 2002.02.01.005817-9 20
15
7. É de bom alvitre registrar que a decisão parte c/c art. 113 § 2º, ambos do CPC).
concessiva de tutela antecipada, ainda 5. Recursos de apelação prejudicados. (...)
que proferida por Juízo incompetente, 2. Primeiramente, ao se vislumbrar a ausência
conserva seus efeitos, nos termos do de livre distribuição ocorrida na presente
artigo 64, §4º, do Código de Processo demanda, necessário se perquirir acerca de
Civil, motivo pelo qual também haveria tal questão, tendo em vista que normas de
prejuízo à devolução deste feito à 30ª natureza processual civil dizem respeito a
Cível da Comarca de Fortaleza/CE: (...). uma relação jurídica de que o Estado (no
9. Inicialmente, da análise do contexto papel de Estado-juiz) necessariamente faz
fático aliado ao posicionamento reiterado do parte. Assim, a possibilidade de o órgão ad
Superior Tribunal de Justiça, mantêm-se a quem examinar de ofício as questões de
conclusão de fls. 176 que confirmou a ordem pública não é decorrência do efeito
revelia da segunda apelante Toyota do devolutivo dos recursos, é sim decorrência do
Brasil LTDA. (...) efeito translativo, que é o poder dado pela lei
21. Ademais, no que tange ao pedido de ao juiz para, na instância recursal, examinar
nulidade ante o desrespeito das regras de de ofício as questões de ordem pública [...].
distribuição da demanda no Juízo de Mesmo porque, efeito devolutivo pressupõe
primeiro grau, o mesmo não merece ato comissivo de interposição do recurso, não
acolhimento. Com efeito, restando anulada podendo ser caracterizado quando há omissão
a sentença e a devolução dos autos para da parte ou interessado sobre determinada
seu regular trâmite, inclusive com questão não referida nas razões ou contra -
observância do devido processo legal, não razões do recurso.
há qualquer prejuízo no fato do processo 3. Outrossim, do ponto de vista ético, a livre
tramitar perante a Vara de origem, distribuição mostra-se como instrumento de
sobretudo diante da aposentadoria do garantia da imparcialidade do magistrado, não
Julgador prolator da sentença ora havendo que se considerar irrelevante a
combatida, ao qual a parte recorrente análise acerca da ausência de distribuição,
inquina de várias irregularidades. Dessa ocorrida na presente demanda. A adoção de
maneira, é indiferente a devolução desta tal tese – facultando-se ao autor, em
ação para aquela unidade jurisdicional ou conseqüência, a possibilidade de se dir igir
para qualquer outra Vara Cível desta diretamente ao Juízo de sua preferência -
Comarca. importa em subordinar ao poder dispositivo da
22. É de bom alvitre registrar que a decisão parte matéria que é de ordem pública e paira
concessiva de tutela antecipada, ainda acima da própria intervenção dos juízes, que
que proferida por Juízo incompetente, não a podem modificar para atender
conserva seus efeitos, nos termos do quaisquer interesses: A distribuição, portanto,
artigo 64, §4º, do Código de Processo Civil, constitui critério de atribuição da competência
motivo pelo qual também haveria prejuízo à e de competência absoluta, tanto como é a
devolução deste feito à 30ª Cível de competência funcional . Mesmo porque,
Fortaleza/CE. segundo a lei, somente a competência
territorial e a fundada no valor da causa
(...) podem ser objeto de eleição pela parte.
8. Consubstanciados, portanto, na presente
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO demanda, vícios processuais advindos da
(...) DECLARATÓRIOS IMPROVIDOS. (...) determinação do juízo competente, necessário
2. O acórdão embargado, resultante do se perquirir se esta decorreu de critérios
julgamento realizado em 26 de agosto de objetivos fixados pela lei (art. 251 do CPC),
2020, foi proferido de forma bastante conforme exigência da Constituição Fede ral
esclarecedora e fundamentada, atento ao ao dispor, expressamente, que ninguém pode
conjunto probatório carreado aos autos,
16
analisando todos os pontos suscitados em ser privado de seu juiz legal (art. 5°, inciso
apelação, inclusive a falta de prejuízo às LIII).
partes, ante a anulação da sentença e a 9. O art. 253 do CPC dispõe que se distribui,
aposentadoria do Julgador prolator da por dependência, as causas de qualquer
mesma. natureza quando se relacionarem, por
conexão ou continência, com outra já ajuizada
(inciso I) ou quando, tendo havido desistência,
o pedido for reiterado, mesmo que em
litisconsórcio com outros autores (inciso II).
Impõe-se, pois, investigar acerca da
ocorrência ou não de conexão ou continência,
que possa justificar a distribuição por
dependência, uma vez que não se vislumbra,
nos autos, ato processual ao qual se imponha
a incidência do inciso II acima mencionado .
(...)
18. A exigência de determinadas formas dos
atos jurídicos visa a preservar interesses da
ordem pública no processo, por isso quer o
direito que o próprio juiz seja o primeiro
guardião de sua observância. Trata-se aqui,
portanto, de nulidade absoluta, que por
isso mesmo pode e deve ser decretada de
officio , independentemente de provocação da
parte interessada: Frauda-se a distribuição
por diversos motivos. Na maioria dos casos, o
fenômeno ocorre por ter o advogado da causa
conhecimento prévio do entendimento do juiz
sobre determinada matéria. Um dos meios
mais comuns de se viciar a distribuição,
escolhendo-se o juiz da causa, é indicar, no
rosto da inicial uma suposta prevenção
existente com outro processo que tramita no
cartório (Vara) do magistrado escolhido,
dirigindo a petição inicial, sem maiores
delongas, àquele Juízo. (...) A existência do
duplo grau de jurisdição não minimiza a
necessidade da burla para os que dela se
utilizam. Muitas vezes, a vitória em primeira
instância já traz por si só diversas vantagens
financeiras para a parte, sobretudo quando há
provimento liminar ou antecipatório, cuja
execução é imediata . (...)
22. Conclui-se, assim, a existência de (i)
ofensa direta ao princípio constitucional
do juiz natural; (ii) desrespeito absoluto
às regras objetivas de determinação de
competência – que afetam a
independência e imparcialidade do órgão
julgador; (iii) tumulto processual com
17
inúmeras irregularidades, e,
principalmente (iv) prejuízos efetivos
com influência no direito material e
reflexo na decisão da causa. (...)
24. Ante o exposto, julgo prejudicados os
recursos interpostos, para reconhecer a
incompetência absoluta do Juízo da 7ª
Vara Federal, daí decorrendo a nulidade
dos atos decisórios por ele praticados no
presente feito (art. 248 primeira parte c/c
art. 113 § 2°, ambos do CPC).
ACÓRDÃO PARADIGMA 2
ACÓRDÃO RECORRIDO INTEGRADO
TJSC - AP 2006.000644-0 21
21 TJSC; AP 2006.000644-0; Rel. Carlos Adilson Silva; 1ª Câmara; J. 02/06/2009; DJ 17/07/2009; Rep.
http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/integra.do?rowid=AAAbmQAABAACFZDAAB&tipo=acordao ; Pub.
http://busca.tjsc.jus.br/dje -consulta/rest/diario/pagina?edicao=728&cdCaderno=5&pagina=149; Html:
http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAABAACFZDAA
B&categoria=acordao
18
para qualquer outra Vara Cível desta “A distribuição errônea por dependência
Comarca. ENSEJA A NULIDADE DE TODOS OS ATOS
7. É de bom alvitre registrar que a decisão PROCESSUAIS PRATICADOS.” (TJ-PE; AP.
concessiva de tutela antecipada, ainda Cív. N. 49877-9; de Recife; quarta Câmara
que proferida por Juízo incompetente, Cível; Rel. Des. Santiago reis; julg. Em 7-4-
conserva seus efeitos, nos termos do 2005; djpe 29- 4-2005). (...)
artigo 64, §4º, do Código de Processo Portanto, in casu , inexiste a conexão, que
Civil, motivo pelo qual também haveria constitui exceção na determinação da
prejuízo à devolução deste feito à 30ª competência. Logo, evidente o erro
Cível da Comarca de Fortaleza/CE: (...). procedimental cometido ao distribuir por
9. Inicialmente, da análise do contexto dependência os autos quando não há
fático aliado ao posicionamento reiterado do prevenção de juízo!
Superior Tribunal de Justiça, mantêm-se a Prezando pela igualdade jurisdicional, o
conclusão de fls. 176 que confirmou a Código de Processo Civil, em seu art. 252,
revelia da segunda apelante Toyota do determinou que "Será alternada a distribuição
Brasil LTDA. (...) entre juízes e escrivães, obedecendo a
21. Ademais, no que tange ao pedido de rigorosa igualdade."
nulidade ante o desrespeito das regras de Na prática, para correta distribuição, "devem
distribuição da demanda no Juízo de abrir, em registro adequado, diversas casas
primeiro grau, o mesmo não merece para controle, conforme a natureza dos feitos;
acolhimento. Com efeito, restando anulada e, à medida que os processos vão dando
a sentença e a devolução dos autos para entrada, vão sendo atribuídos um a
seu regular trâmite, inclusive com cada juiz, até completar o número de varas
observância do devido processo legal, não existentes e depois se reinicia com o da
há qualquer prejuízo no fato do processo primeira vara, repetindo-se sucessivamente a
tramitar perante a Vara de origem, sequência. (Júnior, Humberto Theodoro.
sobretudo diante da aposentadoria do Curso de direito Processual Civil. v.1. Ed:
Julgador prolator da sentença ora Forense, 2007, p.316.) (...)
combatida, ao qual a parte recorrente Logo, a distribuição dirigida, efetuada com
inquina de várias irregularidades. Dessa base em prevenção inexistente, afronta ao
maneira, é indiferente a devolução desta princípio do Juiz Natural e tal ofensa induz
ação para aquela unidade jurisdicional ou à incompetência absoluta do magistrado
para qualquer outra Vara Cível desta processante para o julgamento das pretensões
Comarca. deduzidas pela autora.
22. É de bom alvitre registrar que a decisão Entende-se por princípio do Juiz Natural ou
concessiva de tutela antecipada, ainda Juiz Legal, segundo acórdão da lavra do Min.
que proferida por Juízo incompetente, Vicente Cernicchiaro como "o juízo pré-
conserva seus efeitos, nos termos do constituído, ou seja, definido por lei, antes da
artigo 64, §4º, do Código de Processo Civil, prática do crime. Garantia constitucional que
motivo pelo qual também haveria prejuízo à visa impedir o Estado de direcionar o
devolução deste feito à 30ª Cível de julgamento, afetando a imparcialidade da
Fortaleza/CE. decisão." (HC n. 4.931/RJ, DJU de 20 de
outubro de 1997, pág. 53.136).
(...) Ada Pellegrini Grinover esclarece que a
garantia do Juiz natural desdobra-se em três
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO conceitos: "só são órgãos jurisdicionais os
(...) DECLARATÓRIOS IMPROVIDOS. (...) instituídos pela Constituição; ninguém pode
2. O acórdão embargado, resultante do ser julgado por órgãos constituídos após a
julgamento realizado em 26 de agosto de ocorrência do fato; entre os juízes pré-
2020, foi proferido de forma bastante constituídos vigora uma ordem taxativa de
19
esclarecedora e fundamentada, atento ao competências, que exclui qualquer alternativa
conjunto probatório carreado aos autos, deferida à discricionariedade de quem quer
analisando todos os pontos suscitados em que seja" (O Princípio do Juiz Natural e sua
apelação, inclusive a falta de prejuízo às Dupla Garantia in Revista de Processo. Ed.:
partes, ante a anulação da sentença e a RT v. 29/11-33).
aposentadoria do Julgador prolator da Com efeito, a Constituição Fede ral, em seu
mesma. art. 5º, XXXVII e LIII, revela a garantia
do Juiz Natural: (...)
Desta feita, fundamental a necessidade da
prévia distribuição, a fim de assegurar a
prevalência do princípio do Juiz natural,
garantindo a existência de autoridades
competentes, cuja competência esteja
devidamente delimitada pela legislação em
vigor. Trata-se de verdadeira garantia
constitucional de que os jurisdicionados serão
processados e julgados por alguém
legitimamente integrante do Poder Judiciário,
com base na Carta Magna e nas leis
infraconstitucionais.
De outro norte, considerar irrelevante a
ausência de distribuição “importa em
subordinar ao poder dispositivo parte matéria
que é de ordem pública e paira acima da
própria intervenção dos juízes, que não a
podem modificar para atender quaisquer
interesses. Juiz que concorda em despachar
assunto que não lhe foi previamente
distribuído estará sempre sujeito a parecer
suspeito de parcialidade aos olhos da parte
contrária e do público.” (Aragão, de Muniz.
Comentários ao CPC. Ed.: Forense, v. II, 9 ed,
nº 405).
Assim, a violação ao princípio do Juiz natural,
pela conduta ofensiva às normas de
competência absoluta, importa em romper
normas imperativas, de interesse público .
Ora, “a violação de normas imperativas, ao
contrário do que ocorre com a anulabilidade,
deve ser declarada de ofício pelo magistrado.
Verificado o erro, a qualquer tempo deverá
o juiz retratar-se, a fim de cumprir a norma
imperativa ditada pelo interesse público.
Assim, embora haja pronúncia judicial no
sentido da validade do ato, poderão ser
sempre reexaminadas questões relativas à
incompetência absoluta, à suspeição, à
litispendência (...).
Tais vícios tornam absolutamente nulo o
ato processual e a decisão interlocutória que
20
erroneamente o considerasse válido nenhuma
eficácia teria. (...)" (Lacerda, Galeano. 1953,
op. cit. Carneiro, Athos Gusmão. O
Litisconsórcio Facultativo Ativo Ulterior e os
Princípios do Juiz Natural e do Devido Processo
Legal). (...)
Destarte, in casu , imotivada a prevenção
de juízo, a distribuição por dependência
ofende gravemente a princípios de
ordem pública, como os princípios
constitucionais fundamentais do Juiz
Natural e do Devido Processo Legal, bem
como os princípios infraconstitucionais
da estabilidade da demanda e da livre
distribuição, impondo-se a declaração
de nulidade de todos os atos proferidos
pelo juízo supostamente prevento,
determinando-se a normal distribuição
do feito, que deverá se dar por sorteio.
Ante ao exposto, em razão da
incompetência absoluta do juízo,
violação dos princípios do Juiz natural e
da livre distribuição, voto pelo
provimento ao recurso para declarar a
nulidade de todos os atos processados
por Juiz erroneamente prevento,
determinando a redistribuição do
presente feito, por sorteio.
45. Por todo o exposto, pugna seja reformado o acórdão, a fim de que seja
decretada a nulidade da distribuição e de todos os atos processuais subsequentes,
face à incontroversa violação ao juiz natural e consectária incompetência absoluta
do MM. Juízo da 30ª Vara Cível de Fortaleza/CE, determinando-se a redistribuição
do feito, por sorteio, para que seja adequadamente processado, pela autoridade
competente e investida da jurisdição, nos termos dos arts. 251 e 252 do CPC/73,
ou 284 e 285 do CPC/15.
21
COMERCIAL ENTRE EMPRESAS QUE NÃO
INTEGRAM O MESMO GRUPO ECONÔMICO.
INEXISTÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO EX VI
LEGIS . INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA
APARÊNCIA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO
ART. 16, I, DA LEI RENATO FERRARI E AOS
ARTS. 213 E 214 DO CPC/73 OU 238 E 239
DO CPC/15. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.
47. Com efeito, resta incontroverso nos fólios que a Recorrente teve decretada
a sua revelia, por ter supostamente deixado de contestar a ação, após sua citação
ter sido levada a efeito perante preposto da litisconsorte passiva .
48. A decisão impingida reputou válida esta citação, sob o fundamento de que
(i) o gerente não teria aposto “qualquer ressalva quanto à inexistência de poderes
para representar o citando” , e (ii) por consequência, a teoria da aparência seria
aplicável em favor do Oficial de Justiça (fls. 375-385):
22
12. Esclareça-se, por oportuno, que a empresa Newland Veículos Ltda é a
concessionária representante da Toyota do Brasil Ltda em Fortaleza/CE,
sendo, pois, suficiente para a regularidade do ato citatório desta, em
observância a Teoria da Aparência, amplamente aplicada em querelas que
envolvem Direito do Consumidor. (...)
14. Deste modo, tem-se que a citação impugnada foi válida (fls. 34) e, ante
a inércia da segunda recorrente em contestar tempestivamente o feito, correta
a decisão que decretou sua revelia sem fazer incidir seus efeitos, até porque o
outro demandado apresentou sua contestação, art. 345, I, do CPC (fls. 53/70).
53. Curial destacar, neste ponto, que tal vedação impossibilita a ocorrência de
preposição entre estas empresas ou seus funcionários, sendo inaplicável a teoria
da aparência em casos tais, conforme entendimento já consolidado neste Eg. STJ:
23
(...) VEÍCULOS AUTOMOTORES. (...) FORNECEDOR (FIAT). RESPONSABILIZAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. (...)
A questão central da demanda cinge-se em definir se há responsabilidade da
montadora pelos atos praticados pela concessionária, que faz uso, em suas
atividades comerciais, da marca e garantia da concedente. A tese jurídica
esposada pelo voto do eminente relator, em linhas gerais, é de que (...) “sob a
ótica do consumidor, a concessionária, em qualquer negócio jurídico por ela
celebrado, ao estampar determinada marca, apresenta -se sempre como uma
parceira da fabricante, esta sim, em quem o usuário deposita sua confiança em
razão da marca consolidada no mercado automobilístico”. (...)
De pronto, afasta-se a existência de preposição, eis que esta, como
cediço, tem por essência a subordinação, o exercício da atividade sob a
direção de outrem, qualidade incompatível com a atividade da
concessionária, uma vez que, nos termos do art. 16, I, da Lei 6.729/79 ,
é vedada a “prática de atos pelos quais o concedente vincule o concessionário a
condições de subordinação econômica, jurídica ou administrativa ou estabeleça
interferência na gestão de seus negócios".
No que concerne à representação autônoma, também não se amolda à relação
estabelecida no âmbito da concessão comercial para distribuição de veículos
automotores. (...)
Eventual elastério do termo em análise, se cabível, deve ser procedido “cum
granum salis”, apenas para abarcar figuras análogas ao representante comercial
autônomo, tais como, em rol exemplificativo apresentado por CLAUDIA LIMA
MARQUES, "mandatários de outras pessoas jurídicas do mesmo grupo bancário,
corretores de seguros, agentes de telemarketing, vendedores etc" (Comentários
ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: RT, 1995, p. 511).
Não é o caso, todavia, da revendedora de v eículos, a qual, nos termos
da já transcrita legislação de regência, atua sem subordinação
econômica, jurídica ou administrativa, gerindo seus negócios de
maneira independente.
DE OUTRO LADO, NÃO HÁ ESPAÇO, IN CASU, PARA A APLICAÇÃO DA
TEORIA DA APARÊNCIA, CUJO ESCOPO É A PRESERVAÇÃO DA BOA-FÉ
NAS RELAÇÕES NEGOCIAIS, AFASTANDO-SE O ÓBICE DE PACTUAÇÃO
COM TERCEIRO. (...)
NÃO HÁ QUE SE FALAR, NESTE CONTEXTO, EM TUTELA DA APARÊNCIA
PELO SIMPLES FATO DA UTILIZAÇÃO, NOS CONTRATOS CELEBRADOS,
DA MARCA DA RECORRIDA, PRAXE COMERCIAL AMPLAMENTE
DIFUNDIDA E INCAPAZ DE, POR SI SÓ, OCASIONAR CONFUSÃO AO
CONSUMIDOR. 22
22 STJ; RESP 566.735/PR; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; Rel. Ac. Min. Fernando Gonçalves; Quarta Turma;
DJ 01/03/2010.
24
54. Tanto por isso, contrariando a premissa estabelecida na decisão, o preposto
da litisconsorte não precisaria fazer qualquer ressalva ou “objeção” a respeito dos
poderes para receber a citação em nome da Recorrente, já que ele está proibido
por lei de praticar atos em seu nome, inclusive este...
55. Digno de nota que, ao deferir a tutela provisória, o D. Juízo de piso ordenou
fossem as demandadas citadas nos endereços apontados na exordial e, embora o
Recorrido tivesse discriminado o endereço exato das partes, requerendo inclusive
sua citação em domicílios diferentes, a Serventia da 30ª Vara Cível confeccionou
um único mandado para a citação de ambas (fls. 33), o que também se encontra
devidamente certificado nos autos (fls. 164).
56. Assim, munido do mandado que lhe fora entregue pela Serventia, o Oficial
de Justiça foi ao endereço da litisconsorte NEWLAND e certificou – erroneamente
– haver citado e intimado ambas as partes na pessoa do Gerente de Controladoria
daquela, quando a rigor ele subscreveu a contrafé apenas em seu nome (fls. 34).
59. Assim, também não encontra amparo nos autos, ex vi legis , a assertiva do
acórdão, de que “na hipótese em exame, o funcionário da concessionária, primeira
apelante, recebeu o mandado de citação sem qualquer objeção quanto a poder
representar a própria fabricante, segunda recorrente (fls. 34)” , uma vez que (i)
o referido gerente não é – jamais foi, e nem poderia ser – preposto da Recorrente,
(ii) ele não subscreveu a contrafé em nome da TOYOTA, sendo claro o carimbo
com a razão social exclusiva da NEWLAND, e (iii) o endereço onde foi entregue o
mandado não coincide com aquele descrito pelo Recorrido no petitório inaugural.
25
60. Veja-se, a propósito, que para afastar a incidência da referida legislação, o
acórdão integrativo apenas mencionou que a lide envolve o direito consumeirista,
como se isso – por si só – fosse capaz de derrogar a legislação federal de regência
da relação entre as litisconsortes passivas (incidente /50000 – fls. 28-32):
61. Ora Excelências, o fato de a relação jurídica travada entre o autor da ação
e as demandadas ser de consumo, como todas as licenças, nada tem a ver com a
legislação que cuida da relação havida entre estas, a qual impede a aplicação da
teoria da aparência na hipótese, por imperativo lógico e jurídico!
62. Efetivamente, ao manter o capítulo de uma sentença nula, bem como a sua
decisão integrativa, apenas para preservar a decretação da revelia da Recorrente,
com base na teoria da aparência, o acórdão recorrido terminou por suprimir o seu
sagrado direito de defesa, já que não poderá ela sequer apresentar contestação
a tempo e modo!
64. Nesse sentido, é nítida a nulidade absoluta do processo, que não chegou
sequer a ser formado antes da prolação da sentença recorrida, pela ausência de
citação válida e triangularização da lide, a teor do disposto nos arts. 238 e 239 do
CPC/15 24 (ou 213 e 214 do CPC/73 25).
23 Art. 5º (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
24 Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a
relação processual.
Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as
hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.
25 Art. 213. Citação é o ato pelo qual se chama a j uízo o réu ou o interessado a fim de se defender.
Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.
26
65. Trata-se, inegavelmente, de vício insanável, não sujeito sequer ao prazo
de rescisão, haja vista a “inexistência” da própria decisão e do consectário trânsito
em julgado, como ensina a doutrina especializada:
26 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Gabriel. O Dogma da Coisa Julgada. São Paulo: RT,
2003, p. 29.
27 PEREIRA, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues. O art. 485, V, do Código de Processo Civil. RePro nº 86.
Ano 22. Abr-Jun 1997. São Paulo: RT, p. 120.
27
II - É nula a citação feita em endereço estranho ao do réu, tornando
nulos todos os atos a ela subsequentes. III - Recurso conhecido e provido. 28
67. Os outros Tribunais brasileiros, como não poderia deixar de ser, perfilham
do mesmo entendimento:
68. Que o juiz primevo – aquele citado alhures – tenha preferido ignorar o teor
dos dispositivos legais atinente ao tema ou, mesmo conhecendo-os, tenha optado
por lhes negar vigência, para considerar válida uma “citação” feita ao seu arrepio ,
pode-se até tentar compreender...
69. Mas o acórdão vergastado, proferido já após a depuração daquela Col. Corte
de Justiça por obra republicana deste Eg. Tribunal Superior, seguramente foi fruto
28
da indução em erro do Colegiado pelas próprias decisões provenientes da primeira
instância!
72. A Recorrente, por outro lado, desde a sua apelação (fls. 259-307), e nos
declaratórios (fls. 28-32), colacionou um farto acervo jurisprudencial em sentido
contrário, declinando da aplicação da teoria da aparência em casos análogos, que
envolvem justamente montadoras e concessionárias.
73. De toda sorte, por imperativo legal e regimental, passa-se então ao cotejo
analítico do entendimento manifestado no acórdão recorrido com precedente do
Eg. TJRS (Doc. 5), que deu interpretação divergente às normas legais invocadas
(arts. 16, I, da Lei 6.729/79; 238 e 239 do CPC/15, ou 213 e 214 do CPC/73):
ACÓRDÃO PARADIGMA
ACÓRDÃO RECORRIDO INTEGRADO
TJRS – AC 70065418980 31
29
CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA
NULIDADE DA SENTENÇA. APELO CONTRA PESSOAS JURÍDICAS
CONHECIDO E PROVIDO PARA DETERMINAR DISTINTAS – CONCESSIONÁRIA E
A CASSAÇÃO DA SENTENÇA ANTE A FABRICANTE DE VEÍCULOS –, AS
AUSÊNCIA DO ANÚNCIO DO JULGAMENTO CITAÇÕES DEVEM SER
ANTECIPADO DA LIDE. RECURSO INDIVIDUALIZADAS. CASO EM QUE A
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. CITAÇÃO DE AMBAS AS RÉS SE DEU
(...) APENAS JUNTO À CONCESSIONÁRIA.
1. De acordo com a teoria da aparência, FABRICANTE QUE, AO TOMAR
considera-se válida a citação, bem CONHECIMENTO DA DEMANDA, VEIO A
como a intimação em geral, na pessoa APRESENTAR DEFESA NO DECORRER DO
de quem se apresente perante o oficial PROCESSO. APELAÇÃO QUE DEVE SER
de justiça sem manifestar qualquer DECLARADA TEMPESTIVA. VERIFICADA
ressalva quanto à inexistência de IRREGULARIDADE EM ATO
poderes para representar o citando. INDISPENSÁVEL À FORMAÇÃO DA
2. Embora operada a revelia, o revel poderá RELAÇÃO PROCESSUAL, QUAL SEJA, A
ainda se manifestar em sede de apelação CITAÇÃO, DEVE A SENTENÇA SER
quanto às matérias de ordem pública e às DESCONSTITUÍDA, PARA REGULAR
questões jurídicas enfrentadas na sentença. PROCESSAMENTO DO FEITO NA FORMA
(...) DA LEI. PREFACIAL DE NULIDADE DA
4. Sustenta ainda a nulidade de sua citação SENTENÇA ACOLHIDA. PREJUDICADO O
e, por conseguinte, o afastamento de sua EXAME DOS DEMAIS PEDIDOS E DOS DEMAIS
condição de revel decretada pelo juízo de APELOS. (...)
piso. Informa que não obstante o autor A ré Renault Veículos apelou, sustentando, em
tenha indicado na exordial o endereço suas razões (fls. 160/167), em suma , da
correto para se proceder com a devida tempestividade do recurso, eis que não foi
citação, esta fora feita junto ao endereço da citada, entrando na lide somente agora. (...)
outra recorrente, uma concessionária que Preliminarmente, defende a nulidade absoluta
comercializa os produtos daquela . Aduz do processo, por ausência de citação, já que
tratar-se de pessoas jurídicas distintas e a Carta de Citação com AR (fl. 39) foi
independentes, inexistindo inclusive endereçada para a primeira ré
preposição entre ambas, sendo inaplicável (Concessionária Sulbra). Assim, não
a teoria da aparência. pode ser considerado válido o ato
9. Inicialmente, da análise do contexto citatório. Embora parceiras comerciais,
fático aliado ao posicionamento reiterado do são pessoas jurídicas distintas, não
Superior Tribunal de Justiça, mantêm-se a havendo qualquer poder de gerência ou
conclusão de fls. 176 que confirmou a administração entre elas, afastando a
revelia da segunda apelante Toyota do aplicação da “teoria da aparência”. (...)
Brasil LTDA. Isso porque, de acordo com Analiso, por primeiro, o recurso da ré Renault
a teoria da aparência, considera-se válida Veículos em razão da sua prejudicialidade.
a citação, bem como a intimação em geral, Tratando-se de citação feita pelo Correio, o
na pessoa de quem se apresente perante o prazo para a defesa começa a fluir a partir da
oficial de justiça sem manifestar qualquer data da juntada do AR aos autos, nos termos
ressalva quanto à inexistência de poderes do disposto no inciso I, do artigo 241, do CPC.
para representar o citando. A Carta de Citação com AR da ré Renault
10. Na hipótese em exame, o funcionário Veículos foi expedida para o endereço Rodovia
da concessionária, primeira apelante, BR 116, n. 495, Rio Branco, Novo Hamburgo/
recebeu o mandado de citação sem RS, o qual foi informado pelo autor na inicial.
qualquer objeção quanto a poder No recibo, consta rubrica e RG do recebedor,
tendo sido entregue em 28/06/2012 (fl. 39).
30
representar a própria fabricante, Nos termos do art. 7º, parágrafo único, e art.
segunda recorrente (fls. 34) (...). 25, § 1º, ambos do CDC, nas relações de
12. Esclareça-se, por oportuno, que a consumo, é possível a indicação na inicial,
empresa Newland Veículos Ltda é a para a formação do polo passivo, de todos ou
concessionária representante a Toyota de cada um dos participantes da cadeia de
do Brasil Ltda em Fortaleza/CE, sendo, consumo. Ocorre que, na inicial, o autor
pois, suficiente para a regularidade do informa que tanto a concessionária quanto a
ato citatório desta, em observância a fábrica possuem o mesmo endereço (fl. 02).
Teoria da Aparência, amplamente Nessas circunstâncias, não é possível
aplicada em querelas que envolvem aplicar a “teoria da aparência”, posto
Direito do Consumidor. que as citações devem ser
individualizadas, em se tratando de
(...) pessoas jurídicas distintas. Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO INDENIZATÓRIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO.
(...) DECLARATÓRIOS IMPROVIDOS. (...) CITAÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA.
3. Ademais, no que tange a aplicação da INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO.
teoria da aparência, a alegação implica Tratando-se de ação indenizatória ajuizada
verdadeira rediscussão da matéria, tendo contra pessoas jurídicas distintas -
em vista que a Lei nº 6.729/79 não concessionária e fabricante de veículos -, as
relação (sic) ora estabelecida, que é citações devem ser individualizadas. Caso em
puramente consumerista. que a citação de ambas as rés se deu apenas
2. O acórdão embargado, resultante do junto à concessionária. Fabricante que, ao
julgamento realizado em 26 de agosto de tomar conhecimento da demanda, veio a
2020, foi proferido de forma bastante apresentar defesa no decorrer do processo.
esclarecedora e fundamentada, atento ao Contestação que deve ser declarada
conjunto probatório carreado aos autos, tempestiva, havendo de se afastar os efeit os
analisando todos os pontos suscitados em da revelia. Precedentes. AGRAVO PROVIDO
apelação, inclusive a falta de prejuízo às LIMINARMENTE. ART. 557, § 1º-A, DO CPC.
partes, ante a anulação da sentença e a (Agravo de Instrumento Nº 70056407539,
aposentadoria do Julgador prolator da Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de
mesma. Justiça do RS, Relator: José Aquino Flôres de
Camargo, Julgado em 18/09/2013).
Veja-se que no caso dos autos, o magistrado
a quo nem reconheceu a revelia. E, no
relatório da sentença, constou que:
“Realizadas as citações por AR (fls. 27 e 39),
somente a Sulbra Veículos Ltda. ofereceu
contestação (fls. 40/58).” No entanto, a
sentença condenou ambas as rés ao
pagamento da quantia de R$ 2.900,00,
corrigida pelo IGP-M, desde o seu desembolso
pelo autor, e acrescida de juros a partir da
citação (fl. 102).
DE FATO, INEQUIVOCAMENTE, AS
DEMANDADAS SÃO PESSOAS JURÍDICAS
DISTINTAS: uma, a concessionária Sulbra
Veículos Ltda.; a outra, a fabricante Renault
Veículos do Brasil Ltda.
31
NÃO É OUTRA A RAZÃO, ALIÁS, DE
HAVER LEGISLAÇÃO REGULAMENTANDO
A CONCESSÃO COMERCIAL ENTRE
PRODUTORES E DISTRIBUIDORES DE
VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIA
TERRESTRE (LEI Nº 6.729/79). DAÍ POR
QUE NÃO SE APLICA, AQUI, A TEORIA DA
APARÊNCIA; notadamente tendo em
vista que a obtenção do endereço da
fabricante demandada não seria medida
onerosa ou complexa ao consumidor.
Não obstante, o autor indicou, na inicial, o
endereço da Renault como sendo o mesmo da
concessionária Sulbra. em virtude disso, a
carta de citação (ar) foi encaminhada
para o endereço da concessionária e lá
foi recebida. NESSE CONTEXTO, É DE SER
RECONHECIDA A NULIDADE DA CITAÇÃO
EFETIVADA EM NOME DA REQUERIDA
RENAULT VEÍCULOS DO BRASIL LTDA.
JUNTO À CORRÉ, CONCESSIONÁRIA
SULBRA VEÍCULOS LTDA., JÁ QUE
CONSTITUEM PESSOAS JURÍDICAS
DISTINTAS. (...)
VERIFICADA A IRREGULARIDADE DE
ATO ESSENCIAL COMO A CITAÇÃO, NÃO
É POSSÍVEL EMPRESTAR VALIDADE AOS
ATOS POSTERIORES, PORQUE
SIGNIFICARIA EVIDENTE CERCEAMENTO
DE DEFESA. Em suma, há de se reconhecer
como tempestiva a apelação interposta pela
recorrente Renault e ACOLHER A
PRELIMINAR DE NULIDADE DA
SENTENÇA SUSCITADA, PARA
DESCONSTITUÍ-LA E DETERMINAR QUE
OS AUTOS RETORNEM À ORIGEM E SE
PROCEDA A REGULAR CITAÇÃO DA
CORRÉ, ALÉM DA PRÁTICA DOS DEMAIS
ATOS SUBSEQUENTES, COM VISTAS À
GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL.
74. Pelo exposto, sendo inaplicável a teoria da aparência in casu , em razão das
disposições especiais da Lei Renato Ferrari, requer seja reformado o acórdão,
a fim de que seja decretada a nulidade do ato citatório e de todos os demais atos
processuais subsequentes, devolvendo-se o prazo de contestação da Recorrente,
em obediência às regras de citação e às garantias fundamentais do contraditório,
32
da ampla defesa e do devido processo legal, nos termos do art. 5º, LIV e LV, da
CF/88 c/c o art. 214 do CPC/73, ou 239 do CPC/15.
5. CONCLUSÃO.
76. Por derradeiro, pugna sejam as intimações dos atos processuais doravante
dirigidas exclusivamente ao Bel. Ricardo Santos de Almeida – OAB/BA 26.312, sob
pena de nulidade, a teor do disposto no art. 272, §5º, do CPC/15 32.
Pelo Provimento!
Fortaleza/CE, 25 de março de 2021.
33