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Antropoceno Dr. Fiocruz

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Conjuntura Política

Antropoceno: a Era do colapso


ambiental
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Publicado 16 Janeiro 2020


Atualizado 9 meses ago
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CEE-FIOCRUZ

José Eustáquio Diniz Alves *


“Estamos em um carro gigante, acelerando na direção de uma parede de tijolos e todo mundo f
ica discutindo sobre onde cada um vai sentar”
David Suzuki
O Homo sapiens surgiu e se espalhou pelo mundo no período geológico do Pleistoceno,
mas foi no Holoceno que a civilização floresceu e a espécie humana se tornou uma
força onipresente no território global. A população mundial era de cerca de 5 milhões de
habitantes no início do período Holoceno, há cerca de 12 mil anos. A estabilidade
climática do Holoceno propiciou o desenvolvimento econômico e social, e o ser
humano expandiu as atividades agrícolas e a domesticação dos animais, construiu
cidades e montou uma máquina de produção e consumo de bens e serviços jamais vista
nos 4,5 bilhões de anos da Terra.

O crescimento da população e da produção foi de tal ordem que o Prêmio Nobel de


Química (1995) Paul Crutzen, avaliando o grau do impacto destruidor das atividades
humanas sobre a natureza afirmou que o mundo entrou em uma nova era geológica, a do
Antropoceno, que significa época da dominação humana. Representa um novo período
da história do Planeta, em que o ser humano se tornou a força impulsionadora da
degradação ambiental e o vetor de ações que são catalisadoras de uma provável
catástrofe ecológica.

A Terra entrou em uma espiral da morte. A sexta extinção em massa das espécies e a
crise climática são as ameaças mais urgentes do nosso tempo. E o prazo para reverter
essa espiral da morte está se esgotando. Será necessária uma ação radical para salvar a
vida no Planeta. O progresso demoeconômico tem gerado externalidades negativas para
o meio ambiente.

O Antropoceno representa um novo período da história do Planeta, em que o ser


humano se tornou a força impulsionadora da degradação ambiental e o vetor de ações
que são catalisadoras de uma provável catástrofe ecológica

O Antropoceno é uma era sincrônica à modernidade urbano-industrial. A Revolução


Industrial e Energética que teve início na Europa no último quartel do século XVIII deu
início ao uso generalizado de combustíveis fósseis e à produção em massa de
mercadorias e meios de subsistência, possibilitando uma expansão exponencial das
atividades antrópicas.

Em 250 anos, a economia global cresceu 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2
vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes. Este crescimento demoeconômico foi maior
do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo
sapiens. Mas todo o crescimento e enriquecimento humano ocorreu às custas do
encolhimento e empobrecimento do meio ambiente. O conjunto das atividades
antrópicas ultrapassou a capacidade de carga da Terra, e a Pegada Ecológica da
humanidade extrapolou a Biocapacidade do Planeta. A dívida do ser humano com a
natureza cresce a cada dia e a degradação ambiental pode, no limite, destruir a base
ecológica que sustenta a economia e a sobrevivência humana.
No Antropoceno, a humanidade danificou o equilíbrio homeostático existente em todas
as áreas naturais. Alterou a química da atmosfera, promoveu a acidificação dos solos e
das águas, poluiu rios, lagos e os oceanos, reduziu a disponibilidade de água potável,
ultrapassou a capacidade de carga da Terra e está promovendo uma grande extinção em
massa das espécies. O egoísmo, a gula e a ganância humana provocam danos
irreparáveis e um ecocídio generalizado, que pode se transformar em suicídio.

As emissões de gases de efeito estufa (GEE) romperam com o nível de concentração de


CO2 na atmosfera, de no máximo 280 partes por milhão (ppm), prevalecente durante
todo o Holoceno, e, em 2019, já está acima de 410 ppm, subindo cerca de 2,5 ppm ao
ano, na atual década.

Todo o crescimento e enriquecimento humano ocorreu às custas do encolhimento e


empobrecimento do meio ambiente (...). A dívida do ser humano com a natureza cresce
a cada dia e a degradação ambiental pode, no limite, destruir a base ecológica que
sustenta a economia e a sobrevivência

Com mais GEE na atmosfera, a temperatura média tem subido e a Terra está acima de
um grau mais quente do que no período pré-industrial, podendo iniciar um período de
descontrole climático. Essa possibilidade foi aventada em estudo de Steffen e colegas
(2018) que indicou que a Terra pode entrar em uma situação com clima tão quente que
pode elevar as temperaturas médias globais a até cinco graus Celsius acima das
temperaturas pré-industriais. Isso teria várias implicações, como acidificação dos solos e
das águas e aumento no nível dos oceanos entre 10 e 60 metros.

O estudo mostra que o aquecimento global causado pelas atividades antrópicas de 2


graus Celsius pode desencadear outros processos de retroalimentação e a liberação
incontrolável na atmosfera do carbono armazenado no permafrost, nas calotas polares
etc. Em função do efeito dominó, as esponjas que absorviam carbono podem se tornar
fontes de emissão de CO2 e piorar significativamente os problemas do aquecimento
global. Isso provocaria o fenômeno Terra Estufa, que levaria a temperatura ao recorde
dos últimos 1,2 milhão de anos. Ou seja, seria algo parecido com o apocalipse para a
vida humana e não humana do Planeta.

Para avaliar os piores cenários do aquecimento global, o jornalista David Wallace-Wells


publicou, o livro The Uninhabitable Earth: Life After Warming (fevereiro de 2019),
mostrando que o aquecimento global vai ser abrangente, terá impacto muito rápido e vai
durar muito tempo. Isto quer dizer que os efeitos danosos das mudanças climáticas vão
se agravar com o tempo e, embora todas as gerações já estejam sendo atingidas, são as
crianças e jovens que nasceram no século XXI que vão sentir as maiores consequências
do colapso ambiental. As ondas de calor vão deixar diversas áreas da Terra inabitáveis.

Artigo de Camilo Mora et. al., Broad threat to humanity from cumulative climate
hazards intensified by greenhouse gas emissions, publicado na prestigiosa revista
Nature Climate Change (19/11/2018), mostra que as mudanças climáticas trarão
múltiplos desastres de uma só vez. “Enfrentar essas mudanças climáticas será como
entrar em uma briga com Mike Tyson, Schwarzenegger, Stallone e Jackie Chan – tudo
ao mesmo tempo”, disse o principal autor do estudo, que descreve os inúmeros impactos
que devem atingir a civilização nos próximos anos.
Os pesquisadores identificaram 467 maneiras distintas em que a sociedade já está sendo
impactada pelo aumento dos extremos climáticos e, em seguida, expuseram como essas
ameaças provavelmente se acumularão umas nas outras nas próximas décadas (ver
gráfico). Se algo não for feito para reduzir drasticamente as emissões de gases do efeito
estufa, em vez de lidar com um único grande risco de cada vez, as pessoas em todo o
mundo podem ser forçadas a lidar com três a seis ao mesmo tempo.

Os efeitos danosos das mudanças climáticas vão se agravar com o tempo e, embora
todas as gerações já estejam sendo atingidas, são as crianças e jovens que nasceram
no século XXI que vão sentir as maiores consequências do colapso ambiental

A solução mais simples e barata para evitar o aquecimento global seria o aumento da
cobertura vegetal do mundo para funcionar como absorvedores de carbono. Mas está
acontecendo o contrário. Existiam 6 trilhões de árvores no mundo e esse número caiu
pela metade. A humanidade já destruiu a metade de todas as árvores do planeta desde o
avanço exponencial da pegada ecológica da civilização, segundo estudo (Crowther et
al ) da Universidade de Yale, publicado pela revista científica Nature (2015). Mas o pior
é que os seres humanos estão destruindo 15 bilhões de árvores por ano, enquanto o
aparecimento de novas árvores e o reflorestamento é de somente 5 bilhões de unidades.
Ou seja, o Planeta está perdendo 10 bilhões de árvores por ano e pode eliminar todo o
estoque de 3 trilhões em 300 anos. O Brasil é o país que mais desmata e menos
refloresta, além de bater todos os recordes de desmatamento em 2019.

Além do aquecimento global e da perda de cobertura florestal, a humanidade está


degradando os solos e as fontes de água potável. O relatório Climate Change and Land,
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, publicado
dia 8 de agosto de 2019, mostra que existe um efeito perverso de retroalimentação entre
a produção de alimentos e o aquecimento global. O relatório mostrou que o crescimento
da população mundial e o aumento do consumo per capita de alimentos (ração, fibra,
madeira e energia) têm causado taxas sem precedentes de uso de terra e água doce, com
a agricultura atualmente respondendo por cerca de 70% do uso global de água doce.

O relatório diz que, se o aquecimento global ultrapassar o limite de 2 graus Celsius


estabelecido pelo Acordo de Paris, provavelmente, as terras férteis se transformarão em
desertos, as infraestruturas vão se desmoronar com o degelo do permafrost, e a seca e os
fenômenos meteorológicos extremos colocarão em risco o sistema alimentar. Já estão
aumentando as queimadas, os incêndios florestais e a frequência e a intensidade dos
furacões, tufões e ciclones.

Enquanto cresce a população humana e seus efeitos negativos sobre o Sistema Terra, as
populações não humanas definham e são arrasadas. A jornalista Elizabeth Kolbert, no
livro The Sixth Extinction,  documenta o processo de extinção das espécies que ocorre
com o avanço da civilização. O ecocídio é um crime contra as espécies animais e
vegetais do Planeta. Esse crime se espalha no mundo em escala maciça e a cada dia fica
pior. O desaparecimento ou grande redução dos insetos e, em especial, das abelhas
ameaça a agricultura e a vida selvagem, pois não há reprodução da flora sem os
polinizadores.

O último Relatório Planeta Vivo (2018), divulgado pelo Fundo Mundial para a Natureza
(WWF), mostra que o avanço da produção e consumo da humanidade tem provocado
uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado uma aniquilação da
vida selvagem: as populações de vertebrados silvestres, como mamíferos, pássaros,
peixes, répteis e anfíbios, sofreram uma redução de 60% entre 1970 e 2014.

O ecocídio é um crime contra as espécies animais e vegetais do Planeta. Esse crime se


espalha no mundo em escala maciça e a cada dia fica pior. O desaparecimento ou
grande redução dos insetos, e, em especial, das abelhas, ameaça a agricultura e a vida
selvagem, pois não há reprodução da flora sem os polinizadores.

Confirmando o impacto devastador das atividades humanas sobre a natureza, a


Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES,
na sigla em inglês), da ONU, mostrou que há 1 milhão de espécies ameaçadas de
extinção. O relatório elaborado nos últimos três anos, e divulgado em maio de 2019, fez
uma avaliação do ecossistema mundial, com base na análise de 15 mil materiais de
referência.

Estudo do Centro Nacional Breakthrough para a Restauração do Clima, um think tank


em Melbourne, Austrália (Barrie, 2019), descreve as mudanças climáticas como “uma
ameaça existencial de médio prazo à civilização humana”. De acordo com o documento,
os “resultados extremamente sérios” das ameaças à segurança, relacionadas ao clima
são, com frequência, muito mais prováveis do que o convencionalmente assumido, mas
quase impossíveis de quantificar, porque “estão fora da experiência humana dos últimos
mil anos”. Na atual trajetória, adverte o relatório: “os sistemas planetário e humano
devem atingir um ponto de não retorno até meados do século, no qual a perspectiva de
uma Terra praticamente inabitável leva ao colapso das nações e da ordem internacional.

Portanto, o avanço do progresso humano tem seus limites no processo de


empobrecimento do meio ambiente. A ideia utópica de uma harmonia entre o
crescimento da população e o desenvolvimento está se transformando em uma distopia,
pois o desenvolvimento sustentável virou um oximoro.

A Divisão de População da ONU estima que até 2100 a população mundial deve atingir
cerca de 11 bilhões de habitantes e além dos problemas ambientais, existem todos os
problemas de desigualdades sociais que tornam o mundo um barril de pólvora. Toda a
humanidade perderá, mas o apartheid social será reforçado pelo apartheid climático,
pois os pobres pagarão um preço proporcionalmente maior pelos danos causados
principalmente pelos ricos (Alves, 2015).

O fato é que vivemos numa sociedade de risco que gera negatividades crescentes. Assim
como o desenvolvimento sustentável se tornou uma contradição em termos, o tripé da
sustentabilidade virou um trilema, segundo Martine e Alves (2015). Uma Terra estufa e
com menos biodiversidade será não só um lugar arriscado para se habitar, mas o Planeta
pode ter maiores extensões territoriais cada vez mais inabitáveis.

O aquecimento global, a extinção das espécies a redução da biodiversidade, além da


perda de fertilidade dos solos, numa situação de críse hídrica, pode ser prenúncio de um
colapso ambiental e social. O professor Jem Bendell: “A mudança climática é agora
uma emergência planetária que representa uma ameaça existencial para a humanidade”.
Ele prevê um colapso ecológico acontecendo no curto prazo temporal de uma geração.

Uma Terra estufa e com menos biodiversidade será não só um lugar arriscado para se
habitar, mas o Planeta pode ter maiores extensões territoriais cada vez mais
inabitáveis

Segundo Kevin Casey (20/11/2019), o modelo de desenvolvimento e o crescimento


demoeconômico são as verdadeiras causas da crise climática e ambiental atual. Ele diz:
“O crescimento econômico precisa do crescimento populacional para se sustentar. Mas
quando um planeta empobrecido não pode mais carregar o fardo de uma população
inflada e suas infinitas demandas, o crescimento não passa de uma ilusão perigosa. A
economia saudável de hoje é a miséria distópica de amanhã”.

Na história e na natureza, não é incomum a plenitude e a morte coincidirem no tempo.


Assim, também não é despropositado supor que o Antropoceno – época da dominação
antrópica – possa ser também o começo do fim da Era humana.

*Doutor em Demografia. Publicado no site EcoDebate, em 10/01/20202.


 

Referências:

ALVES, JED. A crise do capital no século XXI: choque ambiental e choque marxista.
Salvador, Revista Dialética Edição 7, vol 6, ano 5, junho de
2015 http://revistadialetica.com.br/wp-content/uploads/2016/04/005-a-crise-do-capital-
no-seculo-xxi.pdf

Camilo Mora et. al. Broad threat to humanity from cumulative climate hazards
intensified by greenhouse gas emissions, Nature climate change, 19/11/2018

https://www.nature.com/articles/s41558-018-0315-6

Chris Barrie. Can we think in new ways about the existential human security risks
driven by the climate crisis? Centro Nacional Breakthrough para a Restauração do
Clima, Melbourne, 30/05/2019 http://www.climatecodered.org/2019/05/can-we-think-
in-new-ways-about.html

Crowther, T.W., H.B. Glick, K.R. Covey, + 30 authors. Mapping tree density at a global
scale. Nature 525, 201–205, 2015 https://www.nature.com/articles/nature14967?
proof=true

David Wallace-Wells. The Uninhabitable Earth: Life After Warming, 2019

https://www.amazon.com/Uninhabitable-Earth-Life-After-Warming/dp/0525576703

IPCC. Climate Change and Land. An IPCC Special Report on climate change,
desertification, land

degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in
terrestrial ecosystems, 08/08/2019

https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/08/4.-
SPM_Approved_Microsite_FINAL.pdf

MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé
ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro,
2015 (em português e em inglês) http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-
3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf

MARTINE, G. ALVES, JED. “Disarray in Global Governance and Climate Change


Chaos”, R. bras. Est. Pop., v.36, 1-30, e0075,
2019 https://www.rebep.org.br/revista/article/view/1317/1001

Steffen et. al. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene, PNAS August 6,
2018. 06/08/2018 http://www.pnas.org/content/early/2018/07/31/1810141115

Jem Bendell. Deep Adaptation: A Map for Navigating Climate Tragedy, IFLAS
Occasional Paper, 27 July 27th 20181 http://lifeworth.com/DeepAdaptation-pt.pdf
Kevin Casey. Why climate change is an irrelevance, economic growth is a myth and
sustainability is forty years too late. Global Comment, 20/11/2019

http://globalcomment.com/why-climate-change-is-an-irrelevance-economic-growth-is-
a-myth-and-sustainability-is-forty-years-too-late/

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