Antropoceno Dr. Fiocruz
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A Terra entrou em uma espiral da morte. A sexta extinção em massa das espécies e a
crise climática são as ameaças mais urgentes do nosso tempo. E o prazo para reverter
essa espiral da morte está se esgotando. Será necessária uma ação radical para salvar a
vida no Planeta. O progresso demoeconômico tem gerado externalidades negativas para
o meio ambiente.
Em 250 anos, a economia global cresceu 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2
vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes. Este crescimento demoeconômico foi maior
do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo
sapiens. Mas todo o crescimento e enriquecimento humano ocorreu às custas do
encolhimento e empobrecimento do meio ambiente. O conjunto das atividades
antrópicas ultrapassou a capacidade de carga da Terra, e a Pegada Ecológica da
humanidade extrapolou a Biocapacidade do Planeta. A dívida do ser humano com a
natureza cresce a cada dia e a degradação ambiental pode, no limite, destruir a base
ecológica que sustenta a economia e a sobrevivência humana.
No Antropoceno, a humanidade danificou o equilíbrio homeostático existente em todas
as áreas naturais. Alterou a química da atmosfera, promoveu a acidificação dos solos e
das águas, poluiu rios, lagos e os oceanos, reduziu a disponibilidade de água potável,
ultrapassou a capacidade de carga da Terra e está promovendo uma grande extinção em
massa das espécies. O egoísmo, a gula e a ganância humana provocam danos
irreparáveis e um ecocídio generalizado, que pode se transformar em suicídio.
Com mais GEE na atmosfera, a temperatura média tem subido e a Terra está acima de
um grau mais quente do que no período pré-industrial, podendo iniciar um período de
descontrole climático. Essa possibilidade foi aventada em estudo de Steffen e colegas
(2018) que indicou que a Terra pode entrar em uma situação com clima tão quente que
pode elevar as temperaturas médias globais a até cinco graus Celsius acima das
temperaturas pré-industriais. Isso teria várias implicações, como acidificação dos solos e
das águas e aumento no nível dos oceanos entre 10 e 60 metros.
Artigo de Camilo Mora et. al., Broad threat to humanity from cumulative climate
hazards intensified by greenhouse gas emissions, publicado na prestigiosa revista
Nature Climate Change (19/11/2018), mostra que as mudanças climáticas trarão
múltiplos desastres de uma só vez. “Enfrentar essas mudanças climáticas será como
entrar em uma briga com Mike Tyson, Schwarzenegger, Stallone e Jackie Chan – tudo
ao mesmo tempo”, disse o principal autor do estudo, que descreve os inúmeros impactos
que devem atingir a civilização nos próximos anos.
Os pesquisadores identificaram 467 maneiras distintas em que a sociedade já está sendo
impactada pelo aumento dos extremos climáticos e, em seguida, expuseram como essas
ameaças provavelmente se acumularão umas nas outras nas próximas décadas (ver
gráfico). Se algo não for feito para reduzir drasticamente as emissões de gases do efeito
estufa, em vez de lidar com um único grande risco de cada vez, as pessoas em todo o
mundo podem ser forçadas a lidar com três a seis ao mesmo tempo.
Os efeitos danosos das mudanças climáticas vão se agravar com o tempo e, embora
todas as gerações já estejam sendo atingidas, são as crianças e jovens que nasceram
no século XXI que vão sentir as maiores consequências do colapso ambiental
A solução mais simples e barata para evitar o aquecimento global seria o aumento da
cobertura vegetal do mundo para funcionar como absorvedores de carbono. Mas está
acontecendo o contrário. Existiam 6 trilhões de árvores no mundo e esse número caiu
pela metade. A humanidade já destruiu a metade de todas as árvores do planeta desde o
avanço exponencial da pegada ecológica da civilização, segundo estudo (Crowther et
al ) da Universidade de Yale, publicado pela revista científica Nature (2015). Mas o pior
é que os seres humanos estão destruindo 15 bilhões de árvores por ano, enquanto o
aparecimento de novas árvores e o reflorestamento é de somente 5 bilhões de unidades.
Ou seja, o Planeta está perdendo 10 bilhões de árvores por ano e pode eliminar todo o
estoque de 3 trilhões em 300 anos. O Brasil é o país que mais desmata e menos
refloresta, além de bater todos os recordes de desmatamento em 2019.
Enquanto cresce a população humana e seus efeitos negativos sobre o Sistema Terra, as
populações não humanas definham e são arrasadas. A jornalista Elizabeth Kolbert, no
livro The Sixth Extinction, documenta o processo de extinção das espécies que ocorre
com o avanço da civilização. O ecocídio é um crime contra as espécies animais e
vegetais do Planeta. Esse crime se espalha no mundo em escala maciça e a cada dia fica
pior. O desaparecimento ou grande redução dos insetos e, em especial, das abelhas
ameaça a agricultura e a vida selvagem, pois não há reprodução da flora sem os
polinizadores.
O último Relatório Planeta Vivo (2018), divulgado pelo Fundo Mundial para a Natureza
(WWF), mostra que o avanço da produção e consumo da humanidade tem provocado
uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado uma aniquilação da
vida selvagem: as populações de vertebrados silvestres, como mamíferos, pássaros,
peixes, répteis e anfíbios, sofreram uma redução de 60% entre 1970 e 2014.
A Divisão de População da ONU estima que até 2100 a população mundial deve atingir
cerca de 11 bilhões de habitantes e além dos problemas ambientais, existem todos os
problemas de desigualdades sociais que tornam o mundo um barril de pólvora. Toda a
humanidade perderá, mas o apartheid social será reforçado pelo apartheid climático,
pois os pobres pagarão um preço proporcionalmente maior pelos danos causados
principalmente pelos ricos (Alves, 2015).
O fato é que vivemos numa sociedade de risco que gera negatividades crescentes. Assim
como o desenvolvimento sustentável se tornou uma contradição em termos, o tripé da
sustentabilidade virou um trilema, segundo Martine e Alves (2015). Uma Terra estufa e
com menos biodiversidade será não só um lugar arriscado para se habitar, mas o Planeta
pode ter maiores extensões territoriais cada vez mais inabitáveis.
Uma Terra estufa e com menos biodiversidade será não só um lugar arriscado para se
habitar, mas o Planeta pode ter maiores extensões territoriais cada vez mais
inabitáveis
Referências:
ALVES, JED. A crise do capital no século XXI: choque ambiental e choque marxista.
Salvador, Revista Dialética Edição 7, vol 6, ano 5, junho de
2015 http://revistadialetica.com.br/wp-content/uploads/2016/04/005-a-crise-do-capital-
no-seculo-xxi.pdf
Camilo Mora et. al. Broad threat to humanity from cumulative climate hazards
intensified by greenhouse gas emissions, Nature climate change, 19/11/2018
https://www.nature.com/articles/s41558-018-0315-6
Chris Barrie. Can we think in new ways about the existential human security risks
driven by the climate crisis? Centro Nacional Breakthrough para a Restauração do
Clima, Melbourne, 30/05/2019 http://www.climatecodered.org/2019/05/can-we-think-
in-new-ways-about.html
Crowther, T.W., H.B. Glick, K.R. Covey, + 30 authors. Mapping tree density at a global
scale. Nature 525, 201–205, 2015 https://www.nature.com/articles/nature14967?
proof=true
https://www.amazon.com/Uninhabitable-Earth-Life-After-Warming/dp/0525576703
IPCC. Climate Change and Land. An IPCC Special Report on climate change,
desertification, land
degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in
terrestrial ecosystems, 08/08/2019
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/08/4.-
SPM_Approved_Microsite_FINAL.pdf
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé
ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro,
2015 (em português e em inglês) http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-
3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf
Steffen et. al. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene, PNAS August 6,
2018. 06/08/2018 http://www.pnas.org/content/early/2018/07/31/1810141115
Jem Bendell. Deep Adaptation: A Map for Navigating Climate Tragedy, IFLAS
Occasional Paper, 27 July 27th 20181 http://lifeworth.com/DeepAdaptation-pt.pdf
Kevin Casey. Why climate change is an irrelevance, economic growth is a myth and
sustainability is forty years too late. Global Comment, 20/11/2019
http://globalcomment.com/why-climate-change-is-an-irrelevance-economic-growth-is-
a-myth-and-sustainability-is-forty-years-too-late/