Mulheres Ciência
Mulheres Ciência
Mulheres Ciência
UBERLÂNDIA
2020
ALESSANDRA PAVOLIN PISSOLATI FERREIRA
UBERLÂNDIA
2020
17/07/2020 SEI/UFU - 2082849 - Ata de Defesa - Pós-Graduação
https://www.sei.ufu.br/sei/controlador.php?acao=documento_imprimir_web&acao_origem=arvore_visualizar&id_documento=2354835&infra_siste… 2/2
AGRADECIMENTOS
The study, carried out within the scope of the Education in Science and Mathematics Research
Line of the Post-Graduate Education Program of the Federal University of Uberlândia, responds
to the following research question: What places do women of science hold in Biology textbooks
approved by PNLD? From this question, our main goal was to investigate the (in)visibility of
women in Science within Biology textbooks approved by three editions of the National
Textbook Program (PNLD) - 2012, 2015 and 2018. Our specific goals were to identify the
presence of women of Science in these artifacts, as well as to indicate the themes, contents and
subjects associated with them; and also, to identify, in the editions of the books, the continuities
and/or ruptures in the approach of women of Science. From a methodological perspective, it is
a qualitative study that uses a descriptive process and cultural analysis, since it takes a set of 36
Biology textbooks approved by the National Textbook Program (PNLD) - 2012, 2015 and 2018,
the corpus of the research, as cultural artifacts. They convey a set of senses and meanings that,
in turn, produce and announce ways of being and living in society; they operate in the
construction of the identities of school's individuals and define, in different ways, who are
scientists and the places that women and men of Science hold. Thus, we take gender as a
category of analysis and construction of knowledge, in order to apprehend the intertwining of
gender and Science in these artifacts when saying about women of Science. To undertake these
problematizations, we take the Cultural Science Studies and Feminist Studies as theoretical
references to read and analyze our artifacts in search of the places that they position women of
Science. In this movement, what was evidenced by the investigation is the fact that the place
occupied by the women of Science within the analyzed biology textbooks is not fixed. Although
they are predominantly positioned in the accessory texts of these artifacts, the way they are
presented is varied. The location of women of Science is surrounded by a diversity of
knowledge in the field of Sciences, also including other areas of knowledge, such as Social
Sciences. In Biological Sciences, more women of Sciences are presented in contents about
Genetics, than in contents related to Zoology and Botany. The presence of women of Science
is crossed by processes of (in) visibility and erasure. Therefore, we understand that the analyzed
biology textbooks present continuities in the approach of women of Science in accordance with
the history of Science, marked by an androcentric bias. On the other hand, we also identified
discontinuities and ruptures in these artifacts in the way of approaching women in Science,
which shows their potential to subvert the dominant discourse that says scientists are men. We
understand that these discontinuities and ruptures are resonances of the discussions and
problematizations about the intertwining of gender, Science and Education, which are essentials
in the search for a non-sexist scientific education. The textbooks, when operating with
representations of Science and scientists, mobilize behaviors and practices that establish rules
and ways to regulate life and bodies. To problematize such an operation made it possible to
broaden the debate on the intertwining of gender and Science in Basic Education.
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 15
1.1 Apresentação dos caminhos que conduziram a construção da dissertação .......... 15
1.2 Trilhas da pesquisa ..................................................................................................... 23
1.3 Apresentação das seções da dissertação ................................................................... 29
2 EDUCAÇÃO, MULHERES, GÊNERO E CIÊNCIA ............................................. 31
2.1 A educação das mulheres ........................................................................................... 31
2.2 A Ciência Moderna ..................................................................................................... 36
2.3 A crítica feminista à Ciência ...................................................................................... 40
2.4 Ciência: um lugar possível para as mulheres? ......................................................... 45
3 ENTRE(LAÇANDO) ESCOLA, IDENTIDADES, LIVRO DIDÁTICO, GÊNERO
E CIÊNCIA ................................................................................................................. 52
3.1 A escola e as identidades ............................................................................................ 52
3.2 A sala de aula de Ciências e Biologia: lugar de falar de gênero e Ciência? .......... 57
3.3 Modos de pensar o livro didático .............................................................................. 63
4 LUGAR DE MULHER É NA CIÊNCIA? ALGUMAS LIÇÕES DO LIVRO
DIDÁTICO DE BIOLOGIA ...................................................................................... 73
4.1 Um olhar interessado para os livros didáticos de Biologia: sua autoria e
endereçamento ............................................................................................................ 73
4.2 Quem são as mulheres da Ciência presentes nos livros didáticos? ........................ 81
4.3 (In)visibilidades de mulheres da Ciência nos livros didáticos de Biologia ............ 88
4.4 Os apagamentos de mulheres da Ciência nos livros didáticos de Biologia ............ 97
4.5 As mulheres da Ciência nas diferentes edições do PNLD Biologia: continuidades e
rupturas ..................................................................................................................... 102
5 (IN)CONCLUSÕES .................................................................................................. 119
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 124
APÊNDICE A – AS MULHERES DA CIÊNCIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE
BIOLOGIA APROVADOS: DISTRIBUIÇÃO POR COLEÇÃO E FORMA DE
ABORDAGEM ......................................................................................................... 139
APÊNDICE B – MULHERES DA CIÊNCIA POR COLEÇÃO APROVADA NO
PNLD ......................................................................................................................... 140
15
1 INTRODUÇÃO
O transitar através dos motivos pelos quais estabeleci como objeto de pesquisa as
mulheres da Ciência é um movimento de olhar para as minhas experiências, minha identidade
de mulher, professora e pesquisadora. É um aproximar daquilo que me move como ser humano,
o que me faz sentido e o que me faz sentir. Portanto, neste texto narrativo sobre o processo de
elaboração da dissertação, da definição do objeto de pesquisa, da perspectiva teórica, dos
caminhos metodológicos e analíticos, penso sobre meu percurso formativo, sobre os
movimentos que foram me construindo como pesquisadora. Adianto que a escolha por estudar
as mulheres da Ciência não emergiu prontamente, embora hoje, ao rememorar minha trajetória
formativa, eu perceba que ela sempre se fez presente. Também não foi um caminho fácil ou
simples, mas marcado por inquietações e angústias, pelo abalo de “verdades”, pelo desconstruir
e ressignificar modos de pensamento e existência.
Na minha experiência, a aprovação no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas
veio acompanhada de uma crise familiar. A euforia por eu ser a primeira pessoa da família a
ingressar no Ensino Superior e em uma Universidade Federal veio acompanhada de
questionamentos sobre meu futuro. Naquele momento em que eu ainda não tinha decidido sobre
meu caminho na docência, meus familiares se preocupavam e me desencorajavam a segui-lo,
tentavam me persuadir apontando que a docência no Brasil é uma profissão desvalorizada.
Por outro lado, o meu ingresso na Universidade se materializou em um universo de
oportunidades. Logo no final do primeiro semestre, passei a integrar o Programa de Educação
Tutorial (PET) e, no segundo semestre, o laboratório de Imunologia da Gestação. A realização
de um intercâmbio pelo Programa Ciência sem Fronteiras, a participação no Programa de
Bolsas de Graduação e de Iniciação Científica foram algumas das atividades acadêmicas com
as quais me envolvi durante a formação inicial. Destaco que durante quase a totalidade do
período na Universidade, fui bolsista em diferentes programas, sendo esse um dos fatores que
garantiram minha permanência no Ensino Superior. Além das atividades desenvolvidas no
âmbito desses programas e das atividades acadêmicas obrigatórias – aulas, trabalhos, atividades
de campo –, as atividades extracurriculares foram cruciais em minha formação acadêmica e
pessoal.
Caminhar pelos corredores da Universidade Federal de Uberlândia é ser convidada/o ao
debate de ideias. São inúmeros os convites nos murais para eventos acadêmicos, debates,
16
1
Nesta dissertação, optamos por indicar o nome completo das autoras consultadas para construção deste trabalho
sempre que forem citadas pela primeira vez no corpo do texto. Essa escolha teórico-metodológica tem como
propósito assegurar a marcação de gênero, uma vez que o uso do sobrenome assegura menor visibilidade ao
trabalho realizado pelas mulheres da Ciência.
17
2
O referido projeto tem como título “Utilização de biomonitores de qualidade ambiental” e foi aprovado pelo
edital N° 001/2016 PROGRAD/DIREN. As atividades foram desenvolvidas na ESEBA de setembro de 2016 a
junho de 2017, totalizando um período de dez meses.
3
O Programa de Bolsas de Graduação (PBG) é um programa no âmbito da Universidade Federal de Uberlândia
que tem como propósito contribuir para a formação dos(as) estudantes, bem como fortalecer as ações de ensino
articuladas com pesquisa e extensão (UFU, 2020).
4
Maiores detalhes sobre a atividade mencionada no texto podem ser encontrados em: FERREIRA, A. P. P.;
GONÇALVES, V. F. Como estudantes do Ensino Fundamental percebem a ciência e os cientistas? In:
FALEIRO, W.; BARBOSA, W. S.; BARROS, J. J. C. (orgs.). Ensino-aprendizagem: desafios de uma prática
profissional. Goiânia: Kelps, 2019. p. 250-265.
18
mulheres (BULDU, 2006; KOSMINSKY; GIORDAN, 2002; SOARES; SCALFI, 2014). Além
disso, dentre os diversos agentes socioculturais aos quais se atribuí a composição e reafirmação
dessa imagem de cientistas, a mídia exerce posição de destaque (BULDU, 2006; REIS;
GALVÃO, 2006; REIS; RODRIGUES; SANTOS, 2006; SOARES; SCALFI, 2014). À vista
disso, começo a questionar sobre o papel da educação formal, especificamente do ensino de
Ciências na Educação Básica, na formação da imagem de cientista sempre no masculino.
Com essa inquietação, ingresso no mestrado em Educação no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia – PPGED/UFU. Para minha
surpresa, a primeira atividade formal que participo no programa, durante as atividades5 de
abertura do ano letivo, foi uma mesa redonda coordenada pela Prof.ª Dr.ª Elenita Pinheiro de
Queiroz Silva, com a participação da Prof.ª Dr.ª Raquel Discini de Campos e da doutoranda
Clara Contreras, intitulada “A mulher na pós-graduação”. Problematizar a mulher na pós-
graduação é também discutir sobre a relação gênero e Ciência, uma vez que, no Brasil, a
produção científica é desenvolvida majoritariamente na Universidade pública, no âmbito da
pós-graduação.
Foi também na pós-graduação, na convivência com minhas colegas discentes e
professoras, principalmente aquelas que são mães, que me atentei para as dificuldades que as
mulheres enfrentam para estarem no campo científico. As barreiras enfrentadas por elas são
diversas. Incluem desde barreiras estruturais de um espaço que não foi projetado considerando
a presença de mulheres, como a inexistência de creches ou mesmo de fraldários nos banheiros;
até a dificuldade em participar de eventos científicos em outros municípios e estados, bem como
de recursos6 para investimento em formação e pesquisa.
De acordo com Silva e Ribeiro (2014), a carreira científica está estruturada em um
modelo masculino, de forma que marginaliza as mulheres, visto a demanda por disponibilidade
em tempo integral, por alta produtividade e pela competitividade presente nesse campo. Isto em
um modelo de sociedade que atribui às mulheres as responsabilidades dos afazeres domésticos
e cuidado com a família (SCHIEBINGER, 2001). Devido às dificuldades e barreiras
5
Programação das atividades de abertura do ano letivo (2018) do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Uberlândia. Disponível em: http://www.ppged.faced.ufu.br/evento/2018/03/atividades-
de-abertura-do-ano-letivo-de-2018-ppged-e-ppgce. Acesso em: 15 ago. 2020.
6
No Brasil, pesquisadores e pesquisadoras em formação a nível de mestrado e doutorado, atuando em regime de
dedicação exclusiva, podem receber uma remuneração (bolsa de pesquisa) para desempenhar atividades de
pesquisa. De acordo com o CNPq (2013), o valor da bolsa de pesquisa é de R$1.500,00 e R$2.200,00 para níveis
de mestrado e doutorado, respectivamente. Assim, embora o valor das bolsas seja equivalente para pesquisadores
e pesquisadoras, não nos parece correto comparar a disponibilidade de recursos para investimento em formação
de indivíduos, homens ou mulheres, que possuem responsabilidade financeira com família e filhos, com aqueles
(as) que não as têm.
19
enfrentadas por elas na Ciência, Schiebinger (2001) afirma que as mulheres, muitas vezes, se
veem em situações em que se sentem forçadas a fazer uma escolha entre a carreira e outras
aspirações pessoais.
Assim, fui me interessando cada vez mais pela relação entre gênero e Ciência. A convite
da minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Ana Maria de Oliveira Cunha, comecei a participar das
reuniões do grupo de pesquisa do qual ela faz parte e que é liderado pela Prof.ª Dr.ª Elenita
Pinheiro de Queiroz Silva: o grupo de pesquisa sobre Gênero, Corpo, Sexualidade e Educação
(GPECS). Ao me deparar com as discussões e produções do grupo e conhecer as pesquisas em
andamento, me interessei com a pesquisa Saberes sobre Corpo, Gênero e Sexualidades em
Manuais Escolares/Livros Didáticos de Biologia e Sociologia – Brasil/Portugal, financiada
pelo CNPq. Dialoguei com minha orientadora sobre a possibilidade de mudança de temática do
projeto de mestrado e apresentei a nova ideia também aos/às meus/minhas colegas do grupo de
pesquisa que contribuíram com sugestões, recomendações de leitura e direcionamentos para
construção da pesquisa, auxiliando, assim, para o desenvolvimento desta dissertação. Nesse
movimento, o problema de pesquisa foi se construindo.
O interesse pelo livro didático se efetivou pela centralidade que este ocupa nos espaços
escolares, como afirmado no projeto anteriormente referido. No Brasil, o Governo Federal, por
meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), distribui gratuitamente livros didáticos
para estudantes e docentes das escolas públicas em todo território nacional. O entrelace do livro
didático com o currículo escolar tem sido evidenciado pela literatura (MACEDO, 2004), sendo
os livros apontados como a materialização do currículo, o currículo escrito (GOODSON, 1998).
O currículo traduz as prioridades políticas e sociais de uma determinada época ou
sociedade, e, portanto, não pode ser considerado como algo neutro (GOODSON, 1994, 1997
apud MUNIZ; GONÇALVES, 2014). Da mesma forma, os livros didáticos “não são objetivos
ou factuais, mas produtos culturais que devem ser entendidos como o resultado complexo de
interações mediadas por questões econômicas, sociais e culturais” (MACEDO, 2004, p. 106).
Ou seja, o livro didático como produto cultural veicula e produz cultura, apresenta saberes sobre
corpos, gêneros e sexualidades, e legitima formas de existência e modos de pensar a Ciência e
os/as cientistas.
Desse modo, foi sendo delineado o nosso olhar e atenção para a forma por meio da qual
os livros didáticos de Biologia constroem a imagem de cientista, principalmente das mulheres
cientistas. Será que elas estão presentes no livro didático de Biologia? Quais são as mulheres
cientistas escolhidas? De que forma elas estão representadas? A forma com que elas são
representadas contribui para a educação científica dos/as estudantes? A partir dessas
20
inquietações, busquei na literatura trabalhos que pudessem apresentar reflexões sobre esses
questionamentos e localizei os trabalhos de Mariamne H. Whatley (1989); Elizabete Rodrigues
da Silva (2008); Maria José Souza Pinho e Ângela Maria Freire de Lima e Souza (2014); Zaida
Barros Dias (2014); Katemari Rosa e Maria Ruthe Gomes Silva (2015); Mayara Cristina de
Oliveira Pires (2017) e Gabriele Leske Engelmann e Marcia Borin da Cunha (2017).
Whatley (1989), ao investigar livros didáticos de Biologia publicados nos Estados
Unidos, afirma que as mulheres cientistas foram representadas de forma equitativa
numericamente em quase todos os livros analisados, nas três categorias que ela analisou. No
entanto, a autora destaca que é preciso que haja um investimento na representação de mulheres
cientistas reais que contribuíram para o campo científico, e não apenas representações genéricas
de mulheres atuando na Ciência (WHATLEY, 1989).
No Brasil, em um estudo sobre as representações de gênero nos livros didáticos de
Ciências, Dias (2014) destacou que as mulheres foram sub representadas na atuação em áreas
científicas, além disso, nenhuma mulher cientista foi representada por sua contribuição à
Ciência, havendo nos livros apenas representações genéricas de mulheres cientistas. Analisando
os Objetos Educacionais Digitais (OED) de livros didáticos digitais de Biologia aprovados pelo
PNLD 2015, Pires (2017) encontrou dois OED’s que abordam a descrição da molécula do
DNA; porém, apenas um deles menciona a contribuição de uma mulher cientista – Rosalind
Franklin – nessa produção científica. Ainda assim, segundo a autora, essa cientista é retratada
de forma sexista7.
Os estudos mencionados, com exceção do desenvolvido por Whatley (1989) nos
Estados Unidos - cujo propósito foi analisar os entrelaçamentos entre gênero e Ciência em livros
didáticos de Biologia -, tinham como objetivo analisar as relações de gênero presentes nos livros
didáticos ou OED’s, sendo a relação entre gênero e Ciência um dos desdobramentos que
emergiu das análises. Os trabalhos cujo objetivo centra-se em investigar a imagem de cientista
presente no livro didático, enfatizando as relações entre gênero e Ciência nas diferentes áreas
do conhecimento, têm demonstrado a invisibilidade e marginalização das mulheres cientistas.
7
O termo sexista está atrelado ao conceito de sexismo. Butler (2019) afirma que, embora homens e mulheres sejam
seres pertencentes à mesma espécie, o homem é tomado como o ser padrão da espécie humana e a mulher o
desvio, havendo, portanto, um esforço para “anular ou minimizar as qualidades associadas ao feminino”
(BUTLER, 2019, p 125), sendo essa imagem da mulher enquanto o “desvio do padrão” o que respaldou práticas
discriminatórias (BUTLER, 2019). Nesse sentido, Ferreira (2004) entende o sexismo como um instrumento
operado com intuito de “garantir as diferenças de gênero, que se legitima através das atitudes de desvalorização
do sexo feminino que vão se estruturando ao longo do curso do desenvolvimento, apoiadas por instrumentos
legais, médicos e sociais que as normatizam” (FERREIRA, 2004, p. 120).
21
Como, por exemplo, os trabalhos com livros didáticos de Matemática (SILVA, 2008), de
Química (ENGELMANN; CUNHA, 2017) e Física (ROSA; SILVA, 2015).
Dentre os trabalhos que buscaram investigar a mulher cientista no livro didático,
destacamos a produção de Pinho e Souza (2014) com a análise dos livros didáticos de Biologia
aprovados pelo PNLDEM 2007/2010, devido à aproximação com nossas inquietações acerca
do entrelaçamento entre a figura de cientista e os livros didáticos de Biologia. Ao
empreenderem um “olhar de gênero”, como apontado por elas, as autoras enfatizam o viés
androcêntrico8 que perpassa a Biologia, e sustentam que os discursos presentes nesses livros
sobre cientistas contribuem para a reprodução, legitimação e aprendizagem de estereótipos
sexistas (PINHO; SOUZA, 2014).
As reflexões levantadas por esses estudos acerca das relações entre gênero e Ciência,
em articulação com as discussões do campo dos Estudos Feministas e dos Estudos Culturais,
nos forneceram elementos para investigar que lugares ocupam as mulheres da Ciência em livros
didáticos de Biologia aprovados pelo PNLD. Para empreender tal investigação, definimos como
objetivo geral analisar as (in)visibilidades das mulheres da Ciência em livros didáticos de
Biologia aprovados pelo PNLD e comuns nos anos 2012, 2015 e 2018. E, como objetivos
específicos: 1) identificar no livro didático de Biologia a presença de mulheres da Ciência; 2)
indicar os temas, conteúdos e assuntos a elas associados; e 3) identificar, nas edições dos livros,
as continuidades e/ou rupturas na forma de abordagem das mulheres da Ciência.
Entendemos por “mulheres da Ciência” aquelas mulheres que apresentam produção
científica em determinada área do conhecimento. A adoção dessa terminologia ao invés de
“mulheres cientistas” é uma escolha teórico-metodológica, uma vez que ao utilizar a primeira
expressão, enfocamos a análise nas mulheres que contribuíram para construção do
conhecimento, e não apenas mulheres cientistas genéricas9, como nos aponta os trabalhos de
Whatley (1989) e Dias (2014). Tal apropriação se sustenta no campo dos Estudos Feministas,
mais especificamente nos estudos de gênero e Ciência.
De acordo com Maria Teresa Citeli (2001), os estudos de gênero e Ciência têm se
estruturado em três linhas de pesquisa. Uma dessas linhas concentra os trabalhos que têm como
objetivo garantir visibilidade às produções científicas das mulheres, bem como interpretar e
8
Essa palavra vem do termo androcentrismo. Esse, por sua vez, refere-se a um sistema de pensamento no qual os
valores e identidades masculinas são tomados como centrais, como norma para a representação coletiva
(MACEDO; AMARAL, 2005).
9
Entendemos como mulheres cientistas genéricas aquelas mulheres representadas nos livros didáticos como
sujeitos da Ciência, sem nenhuma identificação das mesmas ou de suas produções científicas. Por exemplo, a
imagem de uma mulher desempenhando uma atividade em laboratório ou em campo, ainda que identificada na
legenda como “pesquisadora”, é entendida nesse contexto como uma “mulher cientista genérica”.
22
analisar a presença e ausência das mulheres no campo científico (CITELI, 2001). Há também
outra vertente que problematiza a epistemologia da Ciência, considerando o viés androcêntrico
que perpassa a constituição das bases da Ciência (CITELI, 2001). E uma terceira linha cujos
trabalhos dedicam-se a identificar os vieses de gênero e metáforas no conteúdo do
conhecimento científico, bem como o reflexo dessas para a construção do conhecimento
(CITELI, 2001). Embora o presente trabalho se aproxime da primeira linha apontada por Citeli
(2001), estamos olhando para as relações entre gênero e Ciência de modo complexo, portanto,
as três linhas são consideradas na construção do mesmo.
Guacira Lopes Louro (1997, p. 148) afirma que os questionamentos feministas
contribuíram, trazendo “uma transformação epistemológica, uma transformação no modo de
construção e nos domínios do conhecimento”. Assim, teóricas feministas como Donna Haraway
(1995), Evelyn Fox-Keller (1982, 2006, 2009), Ilana Löwy (2009), Sandra Harding (1986),
Londa Schiebinger (2001, 2008), Joan Scott (1995), entre outras, constituem a referência teórica
do presente trabalho.
Os campos dos Estudos Feministas e dos Estudos Culturais, ao empreenderem uma
crítica à Ciência, questionam a neutralidade da produção científica e enfatizam o caráter
histórico e social da Ciência. Schiebinger (2001) afirma que a definição das prioridades de
pesquisa, dos objetos de estudo, dos quadros teóricos e da linguagem empregada é atravessada
por interesses políticos, econômicos, ideológicos e sociais. A produção científica é
compreendida como cultural-dependente, como afirmam Maria Lúcia Wortmann e Alfredo
Veiga-Neto (2001), e nela se (re)produzem relações de poder, instituídas por meio da linguagem
científica.
Assim, ao operar com gênero como categoria de análise e como categoria de construção
de conhecimento para investigar os lugares ocupados pelas mulheres da Ciência no livro
didático de Biologia, esta dissertação não se apresenta como uma investigação neutra, uma vez
que, fundamentada em um referencial teórico feminista, tem como pressuposto colocar as
mulheres em posição central na discussão sobre a produção do conhecimento. Defendemos que
esse é um movimento fundamental, principalmente pela narrativa da Ciência ter se construído
historicamente como um ambiente restrito aos homens. Buscamos problematizar como o gênero
opera na Ciência, olhando para o sujeito10 mulher da Ciência e como as relações entre gênero,
10
A compressão de sujeito tomada nesta dissertação se aproxima daquela do campo dos estudos foucaultianos.
Isso significa que se entende que o sujeito não preexiste no mundo social, ou seja, não é dado a priori, não é um
sujeito desde sempre aí, mas torna-se sujeito nos modos e processos de subjetivação que se constroem nas
práticas socioculturais e em meio as relações de poder (VEIGA-NETO, 2004).
23
conhecimento e poder, mediadas pela linguagem, são (re)produzidas nos livros didáticos de
Biologia.
O presente trabalho está situado teoricamente no campo dos Estudos Culturais e dos
Estudos Feministas. Assim, em consonância com o campo teórico adotado, tomamos gênero
como categoria de análise como também de construção de conhecimento. Nesse sentido,
entendemos gênero e Ciência como produções que se constroem em múltiplos contextos
históricos, políticos e sociais, portanto, de modo interessado. Os Estudos Culturais surgiram na
década de 1960 com a fundação Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade
de Birmingham – Inglaterra, e se constituem como um campo de teorização e investigação de
caráter interdisciplinar, adisciplinar ou ainda antidisciplinar, que articula saberes de diferentes
áreas com intuito de investigar a sociedade, tendo como centralidade a cultura (COSTA;
SILVEIRA; SOMMER, 2003; ESCOSTEGUY, 1998; WORTMANN; VEIGA-NETO, 2001).
De acordo com Maria Vorraber Costa, Rosa Hessel Silveira e Luis Henrique Sommer (2003),
os trabalhos precursores dos Estudos Culturais tinham como ênfase:
As/o autoras/autor citadas/o apontam para uma das marcas dos EC que é a apropriação
do sentido político da cultura, o que representará uma profunda alteração nos modos como esse
campo passa a ler a sociedade e as suas instituições. De outra parte, também situam a
centralidade da linguagem nos Estudos Culturais. Afirmam que as investigações nesse campo
buscam, entre outros aspectos, “analisar a forma como a linguagem funciona para incluir ou
excluir certos significados, assegurar ou marginalizar formas particulares de se comportar e
produzir ou impedir certos prazeres e desejos” (GIROUX, 1995, p. 95 apud COSTA;
SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 57).
11
As autoras e o autor ressaltam que “a palavra textos não faz referência apenas às expressões da cultura letrada,
mas a todas as produções culturais que carregam e produzem significados” (COSTA; SILVEIRA; SOMMER,
2003, p. 38).
24
É no âmbito da cultura que se constroem as representações sociais, o que, por sua vez,
não diz sobre o objeto representado em si, mas sobre os significados que ele adquire na cultura,
por meio da linguagem. De acordo com Hall (1997a), a representação participa da constituição
das coisas, cujos significados são produzidos não a partir de um reflexo de como se processam
no mundo, mas utilizando-se de um sistema de representação. Nesse sentido, os elementos
constitutivos da linguagem “fazem parte de nosso mundo natural e material, mas sua
importância para a linguagem não é o que são, mas o que fazem, sua função. Eles constroem o
significado e o transmitem. Eles significam” (HALL, 1997b, p. 5).
Os significados são, então, construídos na cultura, e por isso não é algo definido a priori,
mas produzido, negociado, interpretado nos e a partir dos contextos sociais. De acordo com
Wortmann (2001), os significados atuam regulando e organizando as condutas e práticas,
participam do estabelecimento de normas, regras e convenções, por meio das quais a vida social
é governada e regulada.
Ao nos voltarmos para os livros didáticos, também os pensamos como lugar de produção
e veiculação de sentidos e significados. Eles operam com representações de Ciências e
cientistas, significam condutas e práticas e estabelecem regras e modos de regulamentação e
governo da vida e dos corpos. Para realizar a leitura analítica dos livros, buscamos no campo
teórico dos Estudos Culturais e dos Estudos Feministas algumas ferramentas conceituais e
metodológicas que eles nos oferecem: o olhar situado e implicado, a atenção à não
generalização e universalização do sujeito, a atenção com o objeto e realização de uma leitura
implicada e situada, portanto, contextualizada e política.
Na perspectiva de Ana Luiza Coiro Moraes (2016), a análise cultural, como método de
procedimento em pesquisa, possui três características gerais. Para essa autora (MORAES,
2016), a análise cultural é política, é conjuntural e articula produção e consumo. Ao dizer que
a análise é política e conjuntural, a autora menciona que questões contemporâneas de ordem
política e econômica são intrínsecas ao processo de investigação e que esse, por sua vez, deve
estar localizado, posicionado, ou seja, se ocupa do contexto sócio-histórico em que se insere
(MORAES, 2016). A terceira característica, a articulação entre produção e consumo cultural,
25
atenta-se para a relação entre esfera produtiva da representação e as formas pelas quais essas
são decodificadas e apropriadas pelos sujeitos (MORAES, 2016).
Dessa forma, a análise cultural foi uma possibilidade que nos permitiu olhar para o livro
didático de Biologia, aqui tomado como artefato cultural que atua sobre os sujeitos, seus modos
de viver e pensar, e problematizá-lo. Buscamos pelos significados e sentidos neles propostos
sobre as mulheres da Ciência, pelos lugares em que elas são posicionadas e (re)produzidas.
Além disso, buscamos elementos que nos permitiram discutir as potencialidades pedagógicas
no livro didático de Biologia na construção do debate sobre gênero e Ciência.
Considerando a dimensão da articulação, produção e consumo do artefato, cabe-nos
afirmar que os livros didáticos aprovados pelo PNLD são resultantes de um processo de
submissão, seleção e avaliação. No processo de sua produção, está envolvido um conjunto
diferenciado de agentes: equipe editorial, gráfica, autores/as, consultores/as especializados/as,
entre outros. Tal produção visa aos interesses do mercado financeiro editorial ao mesmo tempo
em que coloca um conjunto de outros interesses em funcionamento, como, por exemplo, aqueles
relativos a quais conhecimentos podem e devem ser veiculados no espaço escolar. Desse modo,
o livro didático participa ativamente daquilo que será constituído como cultura escolar.
Assim, para encontrar os elos de composição/constituição do nosso artefato, recorremos
ao Guia do Livro Didático de Biologia, material disponível no site12 do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) em que é apresentado o processo de avaliação didático-
pedagógica das coleções submetidas aos editais de seleção do PNLD. Para cada edição do
PNLD, é organizado um Guia, cujo texto é produzido pela coordenação da avaliação
pedagógica e sua autoria é atribuída ao Ministério da Educação (MEC). Por meio do Guia,
tivemos acesso às resenhas com as características das obras aprovadas em cada uma das
edições, aos nomes das pessoas que compuseram as equipes responsáveis pelas avaliações, bem
como aos princípios e critérios que as orientaram.
Os Guias também nos forneceram a informação de quais foram os livros didáticos de
Biologia aprovados das edições de 2012, 2015 e 2018 do PNLD, conforme ilustrado no quadro
1. Nas edições de 2012 e 2018 do PNLD, foram aprovadas nove coleções cada; já a edição de
2015 aprovou oito coleções.
Utilizamos como critério de seleção as obras comuns aprovadas nas três edições do
PNLD e chegamos a um total de quatro coleções – marcadas no quadro na cor verde –, em cada
um dos editais, que compôs o corpus deste estudo.
12
Informações sobres os Guias dos livros didáticos aprovados em diferentes edições do PNLD podem ser
consultadas em: http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/guia-do-livro-didatico.
26
A escolha por excluir da análise a primeira edição que distribuiu livros didáticos de
Biologia para o Ensino Médio 2007/2010 se justifica por três motivos. O primeiro, e principal,
se deve ao fato dessa ser a única edição na qual são distribuídos livros de volume único. O
segundo se explica por um trabalho com objetivos semelhantes aos propostos nesta dissertação
já ter sido desenvolvida por Pinho (2009) com os livros aprovados em 2007. O terceiro motivo
é o fato de que, em 2007, o programa de seleção e distribuição de livros didáticos de Ensino
13
A coleção de autoria de Gilberto R. Martho e José Mariano Amabis tem títulos diferentes nas três coleções do
PNLD analisadas (2012: Biologia; 2015: Biologia em contexto; e 2018: Biologia Moderna). Por isso, adotamos
no presente trabalho o título Biologia para essa coleção.
14
Helena Pacca é co-autora da coleção Biologia Hoje aprovada no PNLD 2018. Nas edições de 2012 e 2015 do
PNLD a autoria é atribuída a Fernando Gewandsznajder e Sérgio V. Linhares.
27
Médio no Brasil não tinha o formato do PNLD. O programa era designado como Programa
Nacional do Livro didático para Ensino Médio (PNLEM). Somente em 2010 que, no Ensino
Médio, ele se torna PNLD.
Por outro lado, a justificativa por selecionar para a constituição do corpus as coleções
de livros didáticos de Biologia de autores/as cujas obras foram aprovadas nas três edições do
PNLD (2012, 2015 e 2018) se fundamenta no fato da permanência dessas obras por vários anos
nos espaços escolares. Além disso, elas estão entre as coleções aprovadas mais escolhidas por
docentes/escolas nacionalmente, estando sempre entre as seis coleções mais selecionadas
(FNDE, [201-]). Isso nos instigou a questionar como essas obras, que têm formado diversas
gerações de estudantes e docentes, têm abordado as mulheres da Ciência, bem como se há um
movimento de continuidades ou rupturas, ao longo das edições, na forma de abordagem dessas
mulheres.
Assim, para empreender o movimento analítico, nos inspiramos no percurso
metodológico adotado por Silva (2018) ao investigar Mulheres negras e suas representações
nos livros didáticos de Biologia aprovados pelo PNLD 2015. Inicialmente, operamos a partir
de um movimento exploratório-explicativo-descritivo dos livros didáticos, com intuito de
identificar a presença das mulheres da Ciência, bem como os temas, conteúdos e assuntos que
a elas eram associados pelos/as autores/as. Ou seja, realizamos uma imersão nos livros, por
meio de leituras em graus diferenciados.
Um primeiro tipo de leitura que empreendemos foi a indicada por Laurence Bardin
(2011) como leitura flutuante. Essa leitura teve como objetivo realizar um contato com o
material como pesquisadoras, portanto, um tipo de leitura exploratória, aberta e intuitiva em
que se deixa conhecer o texto. Em seguida, fomos em busca de elementos para compor registros
do material. Esse segundo tipo de leitura nos permitiu acessar a organização das coleções, o
tipo de estrutura e texto que elas contêm. Tal organização já estava anunciada nas resenhas que
encontramos nos Guias aos quais nos referimos em parágrafos anteriores. Mas adentrar na
leitura dos livros nos permitiu compreender de modo aproximado o que as resenhas apresentam.
Nesse tipo de leitura, constatamos que, nas diferentes coleções, as mulheres da Ciência são
apresentadas aos/às leitores/as tanto na forma textual quanto por meio de imagens.
Procedemos ainda um terceiro tipo de leitura, mais densa, de modo a levantarmos
evidências, rastros deixados nos e pelos livros. Foi somente nessa leitura mais adensada que
pudemos observar e registrar que as mulheres da Ciência são descritas em três diferentes
contextos, sendo eles: 1) nos textos que abordam o conteúdo específico do capítulo/unidade, 2)
28
nos textos dos diferentes boxes15 que constituem a obra, e/ou 3) nos textos das atividades
propostas. Foi também a partir dessa leitura que percebemos diferenças na forma com que as
mulheres da Ciência são apresentadas por e nesses artefatos.
Isto posto, para desenvolvimento da análise, foram incluídas todas as referências, em
forma de texto e imagens, às mulheres da Ciência presentes nos livros didáticos de Biologia.
Reiteramos que o foco principal desta investigação foi o livro destinado ao/à estudante, sendo
esse o lócus da busca pelas mulheres da Ciência. No entanto, recorremos ao livro do/a
professor/a, especificamente ao manual do professor16, com intuito de buscar elementos que
nos auxiliassem a compreender a presença dessas mulheres da Ciência nesses artefatos.
Em posse dos livros didáticos, buscamos, cuidadosamente, localizar, em cada um dos
36 livros, as mulheres da Ciência. Inicialmente, localizamos as mulheres da Ciência
representadas nos livros didáticos de Biologia destinados ao/à estudante. Todas as imagens de
mulheres da Ciência foram registradas por meio da digitalização da página do livro em que
estavam representadas e salvas em formato .jpeg, em pastas separadas por coleção. Além desse
registro, foram criados quadros para cada uma das coleções separadas por edição do PNLD,
para registar a menção às mulheres da Ciência. Foram registrados nos quadros dados como: o
capítulo e página em que a mulher da Ciência foi mencionada, o conteúdo/temática associado
a ela, a forma de abordagem (imagem ou texto) e o tipo de texto17, quando a referência era
textual, em que eram mencionadas. Após a busca pelas mulheres da Ciência e registro nos
quadros organizados por coleção e edição do PNLD, foi criado um novo quadro geral que
apresenta todas as mulheres da Ciência mencionadas nos livros didáticos de Biologia analisados
e a forma como elas são mencionadas (apêndice A).
Após a varredura de cada livro didático de Biologia destinado aos/às estudantes,
endereçamos nosso olhar ao manual do professor. Ao incorporar esse artefato ao corpus de
análise, buscávamos por referências as mulheres da Ciência que haviam sido mencionadas no
livro destinado ao/à estudante, buscando compreender a presença dessas mulheres da Ciência
nos livros didáticos de Biologia. Todos os trechos do manual do professor que comentavam,
15
Os boxes são textos adjacentes ao texto do conteúdo principal. Os textos dos boxes são, geralmente, apresentados
em quadros e buscam abordar temáticas, que apesar de não serem obrigatórias para compreensão do conteúdo
específico, estabelecem relações desse conteúdo com o ambiente, sociedade, tecnologia; bem como com a
História da Ciência e temáticas atuais presentes na mídia.
16
No contexto desta dissertação, a palavra professor será flexionada no gênero masculino quando nos referirmos
ao manual do professor, uma vez que entendemos que esse é o título atribuído a uma seção dos livros didáticos
de Biologia que constituem o corpus dessa análise.
17
Entendemos que referências textuais as mulheres da Ciência nos livros didáticos de Biologia estão em dois tipos
de textos presentes nesses artefatos: os textos complementares/acessórios – textos de boxes e atividades – e
textos de principais/estruturadores – textos de conteúdo específico.
29
O presente texto dissertativo é constituído por essa introdução e outras quatro seções. A
seção intitulada “Educação, mulheres, gênero e Ciência” apresenta o referencial teórico da
pesquisa. Em um primeiro momento, é empreendida uma discussão acerca da escolarização das
mulheres e seus desdobramentos na produção e carreira científica dessas. Em seguida,
abordamos as discussões empreendidas pelos Estudos Feministas acerca dos entrelaçamentos
de Gênero e Ciência, principalmente centradas na crítica feminista à Ciência, bem como dos
Estudos Culturais das Ciências que problematizam a Ciência Moderna e apontam para o caráter
sociocultural da Ciência. Por fim, ao questionar a Ciência como um lugar a ser ocupado pelas
mulheres, pontuamos algumas barreiras, desigualdades e assimetrias que perpassam a carreira
das mulheres da Ciência, bem como algumas ações – políticas, programas e premiações – que
vêm sendo adotadas com intuito de reduzir as desigualdades e assimetrias de gênero na Ciência
e incentivar e atrair meninas e mulheres para carreiras científicas.
Na seção subsequente, intitulada “Entre(laçando) escola, identidades, livro didático,
gênero e Ciência”, discorremos sobre como a educação formal opera na constituição das
identidades dos sujeitos, bem como a forma com que a Biologia, enquanto área do
conhecimento, é chamada para dizer sobre as questões sobre gênero e sexualidade, a partir de
um discurso biológico-determinista. Nessa seção, evidenciamos que o livro didático é tomado
30
como artefato na presente dissertação, uma vez que dizem sobre formas de ser e estar na
sociedade, e, portanto, esse artefato (re)produz saberes e significados sobre a Ciência e
cientistas.
A penúltima seção apresenta a análise dos dados obtidos a partir do olhar interessado e
localizado que endereçamos aos livros de Biologia que constituíram o corpus desta dissertação.
Esse olhar para os livros resultou em dois movimentos. O primeiro deles foi de apresentar um
olhar ampliado para as coleções buscando compreender os lugares ocupados pelas mulheres da
Ciência nas coleções analisadas. O segundo movimento consistiu em olhar para cada uma das
quatro coleções com intuito de identificar continuidades e/ou rupturas na abordagem das
mulheres da Ciência nas diferentes edições do PNLD.
Na última seção, intitulada “(In)conclusões”, apresentamos as considerações
conclusivas, retomando os pontos de partida e evidenciando as reflexões que puderam ser
construídas a partir do caminho teórico-metodológico adotado nesta pesquisa. Por fim, são
apresentadas as referências que orientaram a construção da investigação.
31
não há uma identidade singular, mas constituída por outros marcadores, como raça18,
sexualidade, classe, etnia, nacionalidade, entre outros.
As identidades se constituem no âmbito sociocultural e são atravessadas por relações de
poder. Dessa forma, a recusa por uma compreensão universal da categoria mulher está atrelada
às diferentes opressões às quais as diferentes mulheres são submetidas. “Inequidades de gênero
nunca atingiram mulheres em intensidades e frequências análogas” (AKOTIRENE, 2019, p.
28). A esse respeito, Djamila Ribeiro (2019, p. 71) propõe que marcadores de “raça, gênero,
classe e sexualidade se entrecruzam gerando formas diferentes de experienciar opressões”, e
diríamos que elas também se entrecruzam e participam da produção de muitas experiências e
modos de viver que resultam em modos plurais de existir na condição mulher.
Isso quer dizer, por exemplo, que uma mulher negra que ocupe mesma classe social que
uma mulher branca ainda estará em maior posição de vulnerabilidade, pois pode ser vítima da
opressão sexista e racista simultaneamente, tanto na relação com homens quanto na relação com
outras mulheres. Louro (1997, p. 54) afirma que “a maneira como se entrelaçam as diferentes
formas de opressão não é, pois, uma equação que possa ser resolvida facilmente”.
Compreendemos que investigar a relação entre gênero e Ciência também perpassa pela
discussão de vários marcadores sociais. Portanto, o posicionamento tomado no presente
trabalho é de assinalar esses vários marcadores durante as discussões sobre os lugares ocupados
pelas mulheres da Ciência no livro didático de Biologia.
Se considerarmos a escolarização, também podemos afirmar que, na história ocidental,
as mulheres tiveram acessos e permanência desiguais em relação aos homens. Por muito tempo,
a elas foi negado o acesso ao conhecimento sistematizado, o que gera uma íntima relação entre
a história das mulheres19 na Ciência e a história da educação das mulheres. No entanto, partimos
do pressuposto que, apesar dessa desigualdade, as mulheres sempre estiveram presentes na
história da Ciência. Mas não foi por meio do processo de institucionalização do conhecimento,
nas Universidades e instituições científicas, que elas passaram a fazer parte do cenário de
produção do conhecimento ou se tornaram cientistas (SCHIEBINGER, 2001), uma vez que
esse processo se constituiu como uma das formas de exclusão das mulheres à Ciência.
18
O entendimento de raça adotado neste trabalho em nada se aproxima do conceito biológico cunhado no século
XVIII, inclusive já abandonado pela Ciência desde a segunda Guerra Mundial. Tomamos raça como construção
sociológica e categoria social que, forjada nas relações de poder, resultaram na dominação e exclusão de
sujeitos. O termo raça, apesar do uso negativo estabelecido pela Ciência, passou por um processo de
ressignificação e subversão no contexto das lutas sociais da população negra, adquirindo sentido identitário e
de valorização da ancestralidade africana para esses sujeitos (SILVA, 2018).
19
Apontamos que essa história diz respeito às mulheres com alinhamentos sexo/gênero, e, portanto, não diz sobre
a história de todas as mulheres. Marcadores de raça e classe também se manifestam nessa história, uma vez que
essa se refere às mulheres brancas das classes dominantes.
33
como colaboradoras dessas figuras masculinas, eram muitas vezes esquecidas e anônimas, ou
seja, invisibilizadas do trabalho científico que realizavam, sendo os resultados deste atribuídos
exclusivamente aos homens – muitas vezes seus maridos ou irmãos. Um exemplo dessa época,
mas que repercute ainda nos dias atuais, diz respeito às contribuições de Mileva Maric nos
trabalhos de Albert Einstein. Independentemente da capacidade intelectual de Maric, ainda se
discute sua colaboração nas produções de Einstein, sendo esse o tema de um livro lançado
recentemente e intitulado “Einstein’s Wife: The Real Story of Mileva Einstein-Marić”
(FINKBEINER, 2019).
As sociedades científicas, instituições de prestígio no âmbito da cultura da Ciência,
também exerceram centralidade na exclusão das mulheres. Essas sociedades científicas, como
a Royal Society de Londres, fundada aproximadamente em 1640, e a Académie Royale des
Sciences de Paris, em 1666, eram instituições exclusivas para homens (SCHIEBINGER, 2001;
CASEIRA; MAGALHÃES, 2015). As mulheres só foram admitidas nessas instituições quase
trezentos anos após suas fundações. A Académie Royale des Sciences de Paris recusou, por duas
vezes, a renomada física do século XX, Marie Curie, e também a premiada matemática Sophie
Germain (SCHIEBINGER, 2001; MAFFIA, 2002). O segundo pedido de ingresso de Marie
Curie à referida sociedade científica foi efetuado após ela receber um prêmio Nobel (MAFFIA,
2002). Nessa ocasião, por não haver normas explícitas que impedissem o ingresso dessa
cientista, os membros da academia francesa se reuniram e votaram – 90 votos contra 55 – que
as mulheres estariam impedidas de ingressar nessa instituição (MAFFIA, 2002). Esse fato
ilustra o caráter machista, sexista e misógino da Ciência, denunciado pelo movimento feminista.
Silva e Ribeiro (2012) afirmam que, no contexto Brasileiro, a situação do acesso das
mulheres à instrução de nível superior reflete o cenário descrito nos parágrafos anteriores. As
primeiras instituições de ensino superior brasileiras – as faculdades de Medicina20, Direito21 e
Engenharia22 – eram espaços proibidos para as mulheres. Essas e outras autoras (CASEIRA;
MAGALHÃES, 2015; MELO; RODRIGUES, 2018) informam que, em nosso país, as mulheres
conquistaram o direito de ingressar no ensino superior apenas em 1879, com a Reforma Leôncio
de Carvalho, por meio do decreto nº 7.247, de 19 de abril do referido ano.
20
Em 1808 foi criado o Curso de Cirurgia, Anatomia e Obstetrícia em Salvador – atual Faculdade de Medicina da
Universidade Federal da Bahia. No mesmo ano foi criada no Rio de Janeiro a Escola de Cirurgia – atual
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (STEINER, 2005).
21
Os cursos jurídicos foram implementados no Brasil em 1927 com a criação da Faculdade de Direito de Olinda
e de São Paulo (STEINER, 2005).
22
A academia Real Militar foi fundada em 1810 e atualmente é a Escola Nacional de Engenharia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Nos anos de 1883 e 1886 em São Paulo foram criadas a Escola Politécnica de São
Paulo, que atualmente é da Universidade de São Paulo, e a Escola de Engenharia Mackenzie, respectivamente
(STEINER, 2005).
35
23
Tomando as palavras de Matos e Carvalho (1998), nos referimos também à Prof.ª Dr.ª Carolina Bori como “uma
das personalidades reconhecidamente das mais expressivas na psicologia e na ciência brasileiras” (MATOS;
CARVALHO, 1998, p. 411). Em sua carreira como docente e pesquisadora, Carolina Bori atuou na
consolidação da Psicologia como Ciência, na implementação de cursos de graduação em Psicologia, bem como
na consolidação da Análise Experimental do Comportamento no campo científico. Sua atuação na Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência atuou na busca pela redemocratização do país, contribuindo com o
comprometimento da comunidade científica com as questões políticas e sociais.
36
muitos lugares ainda são), tratadas como sujeitos outros, subalternas, subjugadas à
escravização24, tiveram seus corpos vigiados, controlados, violentados e forçados a executarem
atividades laborais, entre outras, alheias às suas vontades e desejos. É preciso marcar que o
processo histórico de escravização do povo negro ainda ecoa nos dias atuais e racismo estrutural
se mantém presente em nossa sociedade (SILVA, 2018).
A marginalização das mulheres foi amplamente justificada pela sua anatomia, fisiologia
e psicologia (BANDEIRA, 2008). Assim, Lourdes Bandeira (2008) e Evelyn Fox Keller (2006)
afirmam que aos homens, adjetivados como objetivos, inteligentes, concentrados, sendo essas
características remetidas à mente e à razão, pertenceria o mundo da Ciência; e as mulheres,
adjetivadas como sentimentais, sensíveis e subjetivas, características associadas ao coração (e
ao corpo), não poderiam integrar o mundo do conhecimento, uma vez que tais características
intrínsecas às mulheres e associadas ao feminino não seriam suficientes para tanto, sendo a elas
destinado o cuidado com a família e com o lar.
Embora o cenário esboçado neste texto ilustre a perversidade que mediou o acesso das
mulheres ao conhecimento e a busca por carreiras científicas, as mulheres, mas não todas elas,
principalmente as mulheres brancas e cisgêneras25 de classes dominantes, conquistaram o
acesso à educação e também à produção científica. Em seu trabalho sobre as mulheres
brasileiras na Ciência, Melo e Rodrigues (2018, p. 3) enfatizam que “cada porta do processo
educacional nacional foi aberta por nossas trisavós depois de muita luta: da educação primária,
secundária, até os portões universitários”. No entanto, ainda que algumas tenham conquistado
o acesso a esses espaços, diferentes barreiras e formas de marginalização ainda nos são
prescritas.
24
O termo escravização é utilizado, assim como adotado por Silva (2018, p. 17), para “suscitar uma reflexão de
como os povos africanos foram forçados a tal situação, que resistiram e lutaram contra o modo de produção
instituído, utilizar essa palavra nos distancia da visão fatalista ou inevitável do lugar social ocupado pelos
negros”. Essa alteração na linguagem de escravidão para escravização tem a intencionalidade de distanciar o
processo e os sujeitos-alvos de lugares (escravidão) e posição (escravos) fixas.
25
De acordo com Rodovalho (2017), no debate acerca da identidade de gênero, o termo “cis” teve origem no
século XXI, cerca de setenta anos após a criação do termo “trans”, sendo, portanto, criado como um termo em
oposição a esse. Bagagli (2018) afirma que “cisgênero” é um termo “utilizado para designar aquelas pessoas
que não são transgêneras, ou seja, aquelas cujo gênero autoidentificado está́ na “posição aquém” daquele
atribuído compulsoriamente ao nascimento em virtude da morfologia genital externa” (BAGAGLI, 2018, p.
13).
37
autora (MINELLA, 2013, p. 98) resgata a produção de Pierre Bourdieu (1983) que afirma que
“o campo científico é sempre o lugar de uma luta, mais ou menos desigual, entre agentes
desigualmente dotados de capital específico e, portanto, desigualmente capazes de se
apropriarem do produto do trabalho científico”. Essa discussão nos remete a pensar em quem
são as pessoas autorizadas a produzir Ciência e a comunicá-la.
De acordo com Paula Corrêa Henning (2007, p. 172), a Ciência Moderna demarca e
legitima quem são os indivíduos que podem “dizer-se cientistas”. Dessa forma, esse é um
campo restrito, que exclui uns e reconhece outros, uma vez que “não são todos que podem falar
da Ciência, fazer Ciência e sentirem-se cientistas”. Historicamente, a produção científica foi
desenvolvida por e para homens (LÖWY, 2009), sendo estes brancos, ocidentais
(SARDENBERG, 2002; SCHIEBINGER, 2001; SILVA, 2008), heterossexuais (SILVA, 2008)
e das classes dominantes (ARRAZOLA, 2002; SCHIEBINGER, 2001). E é esse indivíduo
produtor do conhecimento científico que permanece no imaginário social, na mídia, nos livros
didáticos, como apontado nos trabalhos de Kosminsky e Giordan (2002), Schiebinger (2008),
Nyuara Araújo da Silva Mesquita e Márlon Herbert Flora Barbosa Soares (2008), Pinho e Souza
(2014), Rosa e Silva (2015), Vanessa Brasil de Carvalho e Luisa Massarani (2017).
No entanto, esse modelo hegemônico de Ciência vem sendo questionado e criticado há
muito tempo em vários campos das Ciências. O trabalho dos filósofos da Ciência Thomas Kuhn
e Paul Feyerabend, por exemplo, contribuíram para a construção de uma nova percepção sobre
a Ciência (SOUZA, 2002). Kuhn, em “A estrutura das revoluções científicas”, introduz os
conceitos de paradigma e revoluções científicas, pelos quais a Ciência caminharia. Para esse
autor, as produções científicas universalmente reconhecidas que fornecem explicações e
problemas para a comunidade científica seriam os paradigmas. Quando os paradigmas vigentes
não fossem suficientes para explicar/responder os problemas propostos, eles entrariam em crise,
sendo necessária a emergência de novos paradigmas, sendo esse movimento denominado de
revoluções científicas. Ângela Freire de Lima e Souza (2002, p. 77) afirmam que “Kuhn tem
uma grande importância para a crítica feminista à Ciência, porque prioriza as dimensões
históricas, sociais e psicológicas da pesquisa científica”.
Paul Feyerabend, em “Contra o Método”, se opõe à ideia de um método científico
universal, ao defender que “a Ciência é um empreendimento essencialmente anárquico”
(FEYERABEND, 1997, p. 17). Ao propor esse anarquismo epistemológico, o autor defende a
pluralidade, não apenas metodológica, mas também de teorias, ideias, concepções, para o
desenvolvimento científico, numa perspectiva humanitária. Dessa forma, Feyerabend questiona
o lugar da Ciência como único lugar capaz de desenvolver conhecimento válido. Ao questionar
39
o método científico, esse filósofo da Ciência fica conhecido como um inimigo da Ciência
(SCHWANTES; HENNING; RIBEIRO, 2013).
As produções desses/as autores/as evidenciam uma ruptura com as bases da Ciência
Moderna, uma vez que se contrapõem à ideia da Ciência como uma produção linear, objetiva,
neutra, exata, universal e de verdades incontestáveis. De acordo com Wortmann e Veiga-Neto
(2001, p. 29), a produção de Khun e Feyerabend produz “um deslocamento de ênfase e de
perspectiva” na compreensão da Ciência, de uma “reflexão lógica”, sustentada por uma
racionalidade científica, para a “investigação sobre as práticas”.
No campo dos Estudos Culturais da Ciência26, se compreende que o conhecimento
científico é articulado e sustentado em contextos culturais específicos. Assim, nesse campo, as
discussões acerca da Ciência:
26
Os Estudos Culturais da Ciência, de acordo com Wortmann e Veiga-Neto (2001, p. 35), “estão juntos – ou,
digamos ao lado – dos Estudos Culturais”.
40
O movimento das mulheres das décadas de 1970 e 80, ou, como é muitas vezes
referido, o feminismo da segunda onda, foi, antes e acima de tudo, um
movimento político. Tinha como objetivo mudar as condições das mulheres,
reconhecendo que para isso precisaria mudar o mundo. A partir do projeto
abertamente político logo surgiu um projeto intelectual – acadêmico mesmo:
a teoria feminista. A teoria feminista foi em geral entendida, pelo menos por
suas primeiras autoras, como em si mesma uma forma de política – isto é,
como “política por outros meios”.
27
De acordo com Delphy (2009, p. 173), o termo patriarcado, na compreensão feminista, “designa uma formação
social em que os homens detêm o poder, ou ainda, mais simplesmente, o poder é dos homens. Ele é, assim,
quase sinônimo de ‘dominação masculina’ ou de ‘opressão das mulheres’”. Portanto, de acordo com a autora,
a utilização do termo está associada à noção de autoridade e não restrita a parentesco biológico. Além disso, em
sua utilização, está implicada a existência de um sistema sociopolítico, e, portanto, não descreve atitudes
individuais, mas de um sistema que engloba as atividades humanas.
42
28
Segundo Schiebinger (2001), as Ciências conhecidas como soft sciences (moles) são caracterizadas por
apresentarem estrutura epistemológica aberta, produzem resultados maleáveis e qualitativos, lidam com seres
vivos e seus comportamentos etc. As Ciências sociais e da vida são apontadas como Ciências soft. Em
contrapartida, as hard sciences são aquelas que produzem dados firmes, robustos, quantitativos, reproduzíveis.
Têm como objeto de estudo coisas inanimadas. São consideradas mais difíceis por exigir alto grau de abstração,
forte aptidão e árduas jornadas de trabalho. A Física e a Química são exemplos de Ciências consideradas hard
sciences.
44
e no “conhecimento situado”; uma vez que, para ela, somente a perspectiva parcial poderia
possibilitar uma visão objetiva e nos tornaria “responsáveis pelo que aprendemos a ver”
(HARAWAY, 1995, p. 21).
Haraway (1995) revisita a metáfora da visão para nos dizer sobre o conhecimento
situado. Para a autora, não há visão de lugar nenhum, ou seja, não há visão inocente, de alguma
forma ela é sempre filtrada, e isso possibilita a multiplicidade de visões, o que para ela seria
uma vantagem, em detrimento da visão monocular que a Ciência Moderna defende, que é
perversa e irresponsável. De acordo com Haraway, precisamos aprender:
mulheres que atuavam na produção do conhecimento o faziam trabalhando com seus maridos,
pais ou irmãos (SCHIEBINGER, 2001). Muitas dessas mulheres foram eliminadas da história,
pois não foram sequer mencionadas por suas contribuições, já outras tiveram seus trabalhos
usurpados por seus colegas homens.
Em contrapartida, há algumas mulheres que foram reconhecidas por sua atuação na
Ciência, como é o caso da física Marie Curie que trabalhou com seu marido Pierre Curie. No
entanto, essas mulheres, especialmente as que trabalham em colaboração com seus cônjuges,
são tradicionalmente consideradas como parceiras menos importantes, ainda que tenham
participado igualmente no trabalho (SCHIEBINGER, 2001).
Uma das estratégias para a produção do trabalho que a elas era negado foi a utilização
de pseudônimos masculinos a fim de conseguirem ter as suas produções aceitas no meio
acadêmico (CASEIRA; MAGALHÃES, 2015). Da mesma forma, forjar masculinidade foi uma
das formas encontradas por elas para ter acesso aos espaços de produção do conhecimento
durante o século XIX (SCHIEBINGER, 2001). As situações descritas nos textos aos quais
acabamos de nos referir assinalam para os lugares em que foram posicionadas as mulheres e,
ao mesmo tempo, os arranjos e estratégias por elas utilizados para ficarem ou escaparem deles;
construírem modos de burlar e construírem outros lugares e espaços29.
A descrição da estrutura do ácido desoxirribonucleico (DNA) nos fornece um exemplo
de como a produção científica de mulheres é invisibilizada. A descrição da estrutura do DNA
é tradicionalmente atribuída a James Watson e Francis Crick, tendo esses pesquisadores,
juntamente com Maurice Wilkins, recebido um prêmio Nobel por tal feito. No entanto, a
proposição da estrutura de dupla hélice da molécula de DNA por Watson e Crick só se tornou
possível a partir do trabalho de Rosalind Franklin (ELKIN, 2003; OSADA; COSTA, 2006).
Essa cientista, ao trabalhar com cristalografia, de raios X obteve algumas imagens da molécula
de DNA, dentre elas a fotografia 51, que apresentava um padrão que indicaria a estrutura
helicoidal da molécula (ELKIN, 2003; OSADA; COSTA, 2006). A partir dessa imagem,
Watson e Crick propuseram o modelo de dupla hélice para estrutura do DNA. No entanto,
mesmo com a crucial colaboração de Franklin para a referida produção científica, essa
pesquisadora não recebeu devido crédito pela mesma (ELKIN, 2003; OSADA; COSTA, 2006).
Embora na história, principalmente em decorrência dos movimentos feministas, as
mulheres tenham conquistado os espaços de produção do conhecimento, bem como as carreiras
científicas, elas ainda enfrentam barreiras e desvantagens em comparação com seus pares
29
Embora saibamos da grande discussão teórica em torno da ideia de lugar e espaço, os tomamos aqui como
demarcação social e de produção de relações sociais.
47
Outra condição indicada por Schiebinger (2001) que, ao nosso ver, se mantém até os
dias atuais, diz respeito à segregação institucional. As mulheres são maioria entre o corpo
discente, mas em determinadas áreas elas não o são no corpo docente e ainda não alcançam o
mesmo nível de prestígio institucionalmente, uma vez que levam mais tempo para progredirem
na carreira e alcançarem posições de maior hierarquia. Tal condição se reverbera na questão
salarial. Ao estarem concentradas em áreas de conhecimento e espaços acadêmicos de menor
prestígio, bem como em posições de menor hierarquia, as mulheres recebem salários também
menores em comparação aos seus pares homens (SCHIEBINGER, 2001).
As formas de segregação apresentadas refletem um cenário de desvantagens e
desigualdades das mulheres da Ciência. Essas formas de segregação estão intrinsecamente
associadas ao modelo de carreira no campo científico. De acordo com Silva e Ribeiro (2014, p.
451), esse modelo envolve “compromissos de tempo integral para o trabalho, produtividade em
pesquisa, relações academicamente competitivas e a valorização de características masculinas
que, em certa medida, dificultam, restringem e direcionam a participação das mulheres nesse
contexto”. Associados às demandas das carreiras acadêmicas, os arranjos domésticos se
constituem como um fator central na discussão acerca das mulheres da Ciência.
A cultura profissional foi estruturada tendo como pressuposto que um dos cônjuges,
tradicionalmente a mulher, seria a responsável pelos afazeres domésticos, garantindo assim as
condições básicas para que o outro, geralmente o homem, possa trabalhar (SCHIEBINGER,
2001). Embora as mulheres estejam inseridas no mundo do trabalho, essa configuração se faz
presente ainda nos dias atuais, uma vez que as mulheres continuam responsáveis pelo cuidado
com a família e afazeres domésticos, além de suas carreiras profissionais, resultando em duplas
e triplas jornadas de trabalho, o que implica em riscos na sua produtividade acadêmica.
Uma das características marcantes das carreiras científicas, como apontado por Silva e
Ribeiro (2014), é a demanda por produtividade. Como manter a produtividade científica
elevada, inclusive para alcançar posições hierárquicas elevadas, com responsabilidades
incompatíveis de trabalho? A possibilidade de exercer a maternidade é também um aspecto a
ser pontuado, uma vez que as mulheres, por vezes, se veem em situações de escolha entre a
carreira e a maternidade. Nas palavras de Schiebinger (2001, p. 182): “ser cientista, esposa e
mãe é uma carga em uma sociedade que espera que as mulheres, mais do que os homens,
ponham a família à frente da carreira”. Dessa forma, essa autora afirma que, para construir um
cenário nas Ciências com menor desigualdades e desvantagens às mulheres, é necessário
reestruturar os mundos profissional e doméstico, uma vez que, enquanto os afazeres domésticos
49
30
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres foi criada em 2003, durante o governo do presidente Luís
Inácio Lula da Silva e tinha status de ministério. Em 2015, no governo da presidenta Dilma Roussef, a secretaria
perdeu o status de ministério e foi incorporada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos
Humanos (MMIRDH), o qual unia a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de
Direitos Humanos e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. No entanto, o MMIRDH foi extinto
durante o período do presidente interino Michel Temer, sendo as atribuições desse ministério transferidas ao
Ministério da Justiça e Cidadania. Atualmente, na gestão do presidente Jair Bolsonaro, a Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres é um órgão do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob
comando da ministra Damares Alves.
50
financiamento de projetos que busquem estimular a formação de meninas e mulheres nas áreas
de Ciência, como a chamada, financiada pelo CNPq em parceria com a Petrobras, “Meninas e
Jovens fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação” e o “Pioneiras da Ciência no
Brasil”, com intuito de visibilizar a participação das mulheres brasileiras no campo científico
(ALVES; BARBOSA; LINDNER, 2019).
O programa “Para mulheres na Ciência” é resultado de uma parceria entre a Academia
Brasileira de Ciências, a Unesco e a L’Oréal, e tem como objetivo “favorecer o equilíbrio dos
gêneros no cenário brasileiro e incentivar a entrada de jovens mulheres no universo científico”
(L’ORÉAL, 2020). Nesse programa com origem em 2006, sete mulheres pesquisadoras de
diferentes áreas científicas são premiadas anualmente com uma bolsa-auxílio para investirem
em suas pesquisas e carreiras, contribuindo, assim, para o desenvolvimento científico brasileiro
(L’ORÉAL, 2020).
Em 2015, na Assembleia geral das Nações Unidas, foi promulgado o dia 11 de fevereiro
como Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. Essa ação está em consonância com
a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, que tem como um dos objetivos “alcançar
a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas” (ONUBR, 2020). Ao
promulgar o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, a Organização das Nações
Unidas (ONU) tem como propósito, por meio de atividades educativas, conscientizar a
sociedade acerca da importância de eliminar a discriminação de gênero, bem como reafirmar a
importância de se desenvolver políticas e programas de educação científica apropriados e que
incentivem a participação de mulheres e meninas, de se promover carreiras para as mulheres
no campo científico, além de reconhecer a produção e as realizações científicas de mulheres
(UN, 2016).
As discussões acerca do entrelaçamento de gênero e Ciência têm atravessado o cenário
nacional e internacional e resultado na criação de políticas públicas, programas, premiações e
datas comemorativas, que reconhecem que as assimetrias de gênero constituem o campo
científico, e por isso visam criar estratégias para incentivar e atrair mulheres para as carreiras
científicas, bem como promover a equidade de gênero nesse campo. Essas discussões,
impulsionadas pelo movimento feminista, pelos estudos de gênero e também pelos Estudos
Culturais, têm ecoado em diferentes espaços, como eventos acadêmicos científicos31,
31
Como, por exemplo: o Fórum Mundial para Mulheres na Ciência, o Congresso Iberoamericano de Ciência,
Tecnologia e Gênero, o Simpósio Brasileiro Mulheres em STEM – Ita e o evento Mulheres na Ciência –
UNESP.
51
32
Em 2019, o Espaço Ciência Viva (RJ) promoveu a atividade “Incríveis Mulheres Cientistas” com diversas
atividades (palestras, oficinas e exposições), evidenciando as produções científicas das mulheres. A
programação da atividade pode ser acessada em: http://cienciaviva.org.br/index.php/2019/08/29/incriveis-
mulheres-cientistas-programacao/.
33
Como os sites da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência: http://www.cienciaemulher.org.br e da
Fundação Oswaldo Cruz: https://portal.fiocruz.br/mulheres-e-meninas-na-ciencia.
34
Com matérias (Revista Fapesp - https://revistapesquisa.fapesp.br/2018/11/19/onde-as-cientistas-nao-tem-vez/ e
edições especiais (Revista Galileu – Edição 332/março 2019) sobre mulheres nas ciências.
35
Há, na literatura, uma vasta produção de livros que buscam resgatar e evidenciar a produção de mulheres
cientistas, voltados para diferentes públicos e em diferentes formatos, como, por exemplo, os livros “As
cientistas: 50 mulheres que mudaram o mundo” de autoria de Rachel Ignotofsky e “Einstein’s Wife: The Real
Story of Mileva Einstein-Marić” de Allen Esterson e David C. Cassidy. Como também produções que visam
problematizar a relação entre gênero e Ciência, como o livro “O feminismo mudou a Ciência?” de Londa
Schiebinger, referência deste trabalho.
36
Como as páginas do Instagram: “Meninas e Mulheres na Ciência” e “She’Science”.
52
O campo dos Estudos Culturais e dos Estudos Feministas provocaram uma nova forma
de pensar e compreender a sociedade. As discussões sobre a constituição das identidades dos
sujeitos e como essas são construídas no âmbito sociocultural resultaram em uma
problematização das instituições sociais, como a escola. O gênero é posicionado no centro
dessas discussões promovendo questionamentos sobre como a instituição escolar, no âmbito na
educação formal, opera na feitura das identidades de gênero dos sujeitos, podendo também
subverter modelos hegemônicos. No contexto escolar, o componente curricular Biologia, e
também Ciências, são geralmente consideradas como áreas disciplinares autorizadas a dizer
sobre as questões de gênero e sexualidade, que vão dizer de algum lugar, sendo esse geralmente
fundamentado por um discurso biológico-determinista. O livro didático, por sua vez, está
presente no cotidiano escolar sendo utilizado nos processos de ensino e de aprendizagem. Esse
artefato cultural está repleto de representações sociais, significados e saberes acerca das
identidades de sujeitos, operando também na sua formação. Desta forma, a presente seção tem
como propósito problematizar os entrelaçamentos de gênero, ensino de Biologia e o livro
didático.
37
É importante destacar que, no início do processo de escolarização das mulheres, apenas aquelas de classe
dominante e brancas começam a ter acesso a essa instituição social. Nesse sentido, chamamos atenção para dois
aspectos, os quais não esgotaremos nesse texto. O primeiro deles é que, ao discutirmos o acesso à educação
formal, é possível perceber que ainda que as mulheres passem a ter acesso à escola, os marcadores de raça e
classe se mantêm inalterados. Isso nos remete à discussão contemporânea e questionar se houve uma alteração
desse cenário. Dados recentes do IBGE (2018) revelam que a maioria dos sujeitos que frequentam a escola são
pessoas brancas e de classes sociais mais elevadas. Ou seja, ainda hoje, o acesso à educação formal não é para
todos os sujeitos.
54
Ao transitar pelo ambiente escolar, alguns desses aspectos são facilmente identificáveis
e outros estão mascarados por um discurso de igualdade e também de suposta naturalidade,
fundamentados por um discurso biologizante. Por exemplo, algo naturalizado no ambiente
escolar é que meninas sejam mais calmas, quietas e tenham a caligrafia e o caderno mais bonito
e organizado quando comparadas a seus colegas meninos. Da mesma forma, nas aulas de
Educação Física, parecem existir atividades destinadas às meninas e outras aos meninos. Outra
narrativa atrelada às disciplinas escolares diz sobre a suposta aptidão dos meninos para a
Matemática.
Assim, as práticas, bem como a instituição escolar, são engendradas, (re)produzem
formas de ser homem e mulher em nossa sociedade. Para tanto, busca-se no discurso científico-
biológico elementos para justificar e naturalizar a diferenças de gênero. No entanto, de acordo
com Marina Fisher Nucci (2018, p. 33), “a Ciência não investiga simplesmente, mas constitui,
ela própria, a diferença”.
Essa pesquisadora (NUCCI, 2010) analisou38 a produção científica biomédica brasileira
contemporânea, buscando apreender as concepções de gênero e sexualidade sustentadas nesses
trabalhos. A autora (NUCCI, 2010) mostra que, ainda que os artigos científicos demonstrem
ser inconclusivos e repletos de ressalvas acerca da diferença da capacidade cognitiva entre
38
O trabalho de Marina Fisher Nucci, intitulado “O Sexo do Cérebro”: uma análise sobre gênero e Ciência”, foi
agraciado pelo 6° Prêmio: Construindo a Igualdade de Gênero. A referida premiação, instituída em 2005 no
âmbito do Programa Mulher e Ciência, promovido pela Secretaria de Política das Mulheres (SPM-PR), em
parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI), a Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECADI/MEC), a Secretaria de Educação Básica
(SEB/MEC) e a ONU Mulheres. O prêmio tem como objetivo estimular e fortalecer a pesquisa, a reflexão
crítica das desigualdades de gênero existentes no país, bem como sensibilizar a sociedade acerca dessa temática.
Salientamos que, apesar da importância da SECADI na articulação das políticas públicas educacionais à
diversidade humana e social com intuito de garantir uma educação de qualidade a todas as pessoas nos espaços
formais do sistema público de ensino, essa secretaria foi extinta em 2019 na gestão do governo do presidente
Jair Messias Bolsonaro.
55
homens e mulheres, o discurso científico tem sido construído de forma a transformar tais
incertezas em certezas. Assim, ao buscar explicar a diferença entre os sexos a partir de
fundamentos biológicos, cientistas acabaram por reproduzir noções culturais tradicionais acerca
da masculinidade e feminilidade, baseadas em senso comum, em suas pesquisas (NUCCI,
2010), que por sua vez são utilizadas como ferramentas para legitimar as desigualdades de
gênero.
Ao se debruçar sobre a suposta aptidão dos meninos para Matemática, Schiebinger
(2001) faz dois apontamentos. O primeiro deles sobre a postura e expectativa das/os docentes
em relação às habilidades matemáticas de meninos e meninas. De acordo com a autora
(SCHIEBINGER, 2001), a educação recebida por meninos e meninas é muito diferenciada em
todos os níveis de escolarização, e mesmo quando compartilham o mesmo ambiente de
aprendizagem, “os professores tendem a escolher atividades de sala de aula que atraem mais os
meninos que as meninas” (SCHIEBINGER, 2001, p. 119).
O segundo diz respeito à presença de vieses de gênero nos instrumentos de avaliação
padronizados. De acordo com a autora (SCHIEBINGER, 2001), historicamente, as mulheres
performavam melhor na parte verbal do teste SAT39, no entanto, foram feitas alterações/
“adequações” para tornar o teste mais “neutro”. Após as alterações, houve um deslocamento
no resultado de 3-10 pontos das mulheres para os homens, sendo esse considerado “neutro”
ainda que favorecesse, ligeiramente, os meninos (SCHIEBINGER, 2001). No entanto, não
houve nenhuma tentativa de alteração na área de matemática do referido teste buscando uma
“neutralidade” de gênero, mesmo os homens superando as mulheres entre 41 e 52 pontos
(SCHIEBINGER, 2001).
Nessa lógica, nota-se a centralidade do processo educativo escolar na construção das
identidades de sujeitos, sendo evidenciado aqui pelo marcador de gênero. Os exemplos
mencionados ilustram como a escola vai (re)produzindo, veiculando, normatizando e
naturalizando formas de ser homem e mulher na sociedade. É importante também destacar que,
quando se observa uma inversão ou uma ruptura nesses/desses comportamentos naturalizados,
um desconforto se instaura e percebe-se, por parte da instituição escolar, uma tentativa de
regular esses sujeitos. E essa tentativa de regulação dos sujeitos, muitas vezes, acaba por ocorrer
39
De acordo com Schiebinger (2001), Scholastic Aptitude Test (SAT) [Teste de Aptidão Escolar] é preparado pelo
Educational Testing Service [Serviço de Testes Educacionais] em Princeton, New Jersey, e aplicado anualmente
a aproximadamente 1.5 milhões de jovens. O teste é subdividido em duas partes, verbal e matemática, e tem
como objetivo prever o desempenho das/os estudantes no primeiro ano da faculdade. Além disso, as notas do
teste são utilizadas para o ingresso na Universidade, bem como para a concessão de bolsas de estudo.
56
de forma violenta – ao humilhar a/o estudante, convocação das/os responsáveis para discutir o
comportamento/atitude, atribuição de notas baixas, entre outros.
Portanto, a busca por uma educação e, consequentemente, por uma prática educativa
não-sexista integra a agenda feminista. O campo dos Estudos Feministas reconhece, evidencia
e problematiza a desigualdade na educação de meninos e meninas nas instituições escolares.
Nesse movimento em que se entende a escola enquanto instituição engendrada, cujas práticas
(re)produzem assimetrias de gênero, essa é também apontada como espaço de subversão dessas
desigualdades e arranjos tradicionais de gênero (LOURO, 1997). Elizabeth Macedo nos diz
que:
Essa autora defende que as identidades são transitórias, e por isso não há como se fixar
um momento em que a identidade de gênero dos sujeitos esteja estabelecida/finalizada, pois as
identidades vão sendo continuamente construídas (LOURO, 1997). Assim, no ambiente
escolar, as diferentes relações sociais e práticas pedagógicas atuam nesse processo.
No entanto, destacamos que quando as discussões sobre as identidades – de gênero, de
sexualidade, de raça, por exemplo –, bem como acerca dos corpos, são empreendidas de forma
sistematizada, essas geralmente são atribuídas às disciplinas de Biologia (no Ensino Médio) e
de Ciências (no Ensino Fundamental). Na escola, são essas áreas disciplinares que são
chamadas, ou ainda, autorizadas a discutir essas questões.
As definições de quais disciplinas vão compor o currículo educacional, bem como os
conteúdos que serão abordados em cada uma delas, não são definidas de forma neutra, mas
construídas no âmbito político-social e, portanto, significadas a partir de relações de poder, a
partir dos interesses de determinados grupos sociais (GOODSON, 1997, 2007). Dessa forma,
questiona-se: por que as Ciências Biológicas são chamadas, ou autorizadas, a dizer sobre
gêneros? Quais saberes são (re)produzidos nessa área do conhecimento que a legitimam como
campo em que se assentam tais discussões?
As Ciências Biológicas, ou Biologia, englobam diferentes áreas que se propõe a
investigar a vida em suas diferentes possibilidades – Zoologia, Anatomia, Fisiologia, Botânica
e Genética, por exemplo. Gênero é constitutivo da Biologia, dessa área científica, tanto pelas
identidades dos sujeitos que produzem essa Ciência e no que tange seu caráter epistêmico –
58
como abordado na primeira seção desta dissertação. Mas para além disso, gênero constitui o
conteúdo produzido por essa Ciência Biológica, como evidenciam os Estudos Feministas.
A linguagem científica, muitas vezes repleta de metáforas sexuadas, não se constitui
como uma mera descrição do mundo natural, não é neutra e objetiva, mas está intimamente
ligada à cultura (KELLER, 2009; NUCCI, 2010; SCHIEBINGER, 2001). De acordo com
Keller (2009, p. 129), “as metáforas do gênero funcionam em duas direções [...]: elas veiculam
pressupostos em nossas representações da natureza e, ao fazer isso, servem ao mesmo tempo
para reificar – ou naturalizar – crenças e práticas culturais”.
A forma como aspectos culturais, sendo aqui destacados aqueles associados ao gênero,
estão presentes no discurso científico, pode ser evidenciada na taxonomia botânica, como
destacado por Schiebinger (2001). De acordo com esta autora, o naturalista Carl Linnaeus,
conhecido como “pai” da taxonomia, identificou as partes reprodutivas das plantas como macho
e fêmea e as transformou em parceiros de matrimônio, sendo os estames – estruturas que
compõe o androceu - os maridos (andria) e os pistilos - estruturas que compõe o gineceu – as
esposas (gynia). Essas estruturas foram utilizadas para classificação do mundo vegetal, no qual
as estruturas reprodutivas “masculinas” são utilizadas para indicar a classe e as estruturas
“femininas”, as ordens (SCHIEBINGER, 2001). Destaca-se que, na taxonomia, a classe está
localizada como um táxon acima da ordem, assim no reino vegetal, as estruturas “masculinas”
parecem ser as definidoras do status do organismo (SCHIEBINGER, 2001). De acordo com
Schiebinger (2001, p. 285), “uma estrutura social específica - a subordinação legal das mulheres
aos homens - parecia tão natural a Linnaeus que ele, inadvertidamente, fez dela um princípio
organizador de sua taxonomia botânica”.
Ainda analisando a produção de Carl Linnaeus, Schiebinger (2001) discute a elaboração
do termo Mammalia na taxonomia zoológica. A autora afirma que na época em que o termo foi
cunhado - termo este que valoriza o mammae da fêmea -, havia um acalorado debate acerca do
papel da mulher na sociedade, seus direitos como esposa, acesso à educação e a vida pública
no geral, como também no cuidado com os filhos. Assim, ao cunhar o termo Mammalia, em
que há uma valorização das mamas e do papel das mulheres no cuidado parental através da
amamentação, e não em outra característica própria, que igualmente distinguisse grupo de
animais, Linnaeus revela o quanto as questões culturais e sociais perpassam a produção
científica (SCHIEBINGER, 2001). Em um momento no qual se discutia o costume das
mulheres da elite possuírem amas de leite, costume este ao qual Linnaeus era contrário, sua
produção, que enfatizava a naturalidade das fêmeas em amamentar e criar os próprios filhos,
contribui para essa discussão no intuito de legitimar o lugar da mulher na sociedade à vida
59
privada, no cuidado parental, com o marido e com a casa (SCHIEBINGER, 2001). De acordo
com Schiebinger (2001), esse naturalista era considerado um conservador social, sendo que
suas crenças pessoais influenciaram em sua produção científica, como ilustrado nesses dois
exemplos.
No campo da antropologia, Schiebinger (2001) destaca o trabalho de Conkey, no qual
essa pesquisadora percebeu que objetos semelhantes encontrados em túmulos recebem
significados diferentes, dependendo se esse túmulo pertence a uma mulher ou a um homem.
“Pilões, por exemplo, quando sepultados com mulheres, são interpretados como lembranças
das atividades de moer grãos das mulheres, mas quando sepultados com homens, são tidos como
indicando que os homens os fabricaram” (SCHIEBINGER, 2001, p. 268). A centralidade do
homem para a teoria evolutiva reside na ideia de que este, como caçador, que também
desenvolvia e utilizava ferramentas, impulsionou a evolução humana, já a mulher, coletora e
responsável pelo cuidado com a prole, teria papel secundário nessa, sendo a transmissão igual
de caracteres o que teria conduzido a evolução das mulheres (SCHIEBINGER, 2001).
Os exemplos40 ilustram como gênero é constitutivo da Biologia, bem como a forma
como essa área do conhecimento diz sobre gênero. A Biologia e, consequentemente o Ensino
de Biologia, constroem uma narrativa fundamentada nas diferenças biológicas entre os corpos
dos sujeitos, por meio da qual explica e justifica as desigualdades (SANTOS, 2018). O discurso
biológico-determinista toma a diferenças entre órgãos, cromossomos, hormônios, a partir de
um alinhamento sexo-gênero para dizer sobre as identidades dos sujeitos (SANTOS, 2018).
Nesse movimento, a Biologia se diz uma Ciência “neutra”, ainda que aspectos culturais e
simbólicos a constituam como Ciência – hormônios, por exemplo, são generificados, e
posteriormente utilizados como argumentos, fundamentados por um discurso biológico-
determinista e desassociado dos aspectos culturais, para explicar/justificar as diferenças e
desigualdades de gênero.
Não há, entretanto, uma negação da Biologia, o que se busca é compreender como esta
tem construído saberes acerca das identidades dos sujeitos e como esses saberes são
socializados no ambiente escolar. De acordo com Santos (2018, p. 215):
40
Os estudos mencionados referem-se a perspectivas ainda centradas no binarismo de gênero, portanto, eles estão
se referindo às mulheres cisgêneras.
60
corpo “natural”, “universal” – um corpo morno que existe como coisa em si,
a priori, dado antes da inteligibilidade social.
Dessa forma, o autor, fundamentado pelos Estudos Culturais, defende que a Biologia
tem uma história que não é natural e, por isso, precisa ser questionada sobre o que tem
produzido, sendo também necessário, no campo da Educação, se questionar em que “narrativas
se está imerso para ensinar e aprender Biologia” (SANTOS, 2000, p. 235). Isso se torna
essencial, visto que, enquanto discurso cultural, a biologia vai endereçar sujeitos.
A Biologia escolar, como disciplina pertencente a um determinado currículo, é
significada nas relações de poder/saber, no tensionamento entre o campo da Ciência referência,
nesse caso das Ciências que constituem esse campo disciplinar, e o campo social e cultural
(QUEIROZ, 2010). Essas relações de poder são significadas e socializadas nos documentos
oficiais orientadores e regulamentadores dessa disciplina escolar.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação dispõe que o Ensino Médio, como etapa final
da Educação Básica, tem como finalidade preparar a/o estudante para o prosseguimento dos
estudos e para as atividades laborais, como também possibilitar a formação de sujeitos que
compreendam os fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos e possibilite
61
que essas/es desenvolvam autonomia intelectual e pensamento crítico (BRASIL, 1996, p. 18).
De acordo com os PCNEM:
41
A Base Nacional Comum Curricular se constitui como “um documento de caráter normativo que define o
conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo
das etapas e modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2017, p. 7). Embora esse documento normativo seja
endereçado ao Ensino Fundamental e, portanto, a disciplina de Ciências e não especificamente Biologia,
entendemos que o letramento científico tem orientado as discussões acerca do ensino de Ciências e Biologia no
país; e, portanto, apostamos que o mesmo orientará a BNCC Ensino Médio.
62
finalidades dessas, que foram sintetizados pelas autoras em três eixos, os quais foram
denominados de Eixos Estruturantes da Alfabetização Científica.
O primeiro eixo “refere-se à compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos
científicos fundamentais” e está relacionado à compreensão de conceitos-chave para aplicação
na vida cotidiana (SASSERON; CARVALHO, 2011, p. 75). O segundo “preocupa-se com a
compreensão da natureza das ciências e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática”
e envolve a compreensão da ciência como empreendimento humano e social e os processos de
sua produção, que, por sua vez, deveriam orientar também seu ensino SASSERON;
CARVALHO, 2011, p. 75). O último eixo “compreende o entendimento das relações existentes
entre ciência, tecnologia, sociedade e meio-ambiente” (SASSERON; CARVALHO, 2011, p.
76). As autoras defendem que as propostas didáticas que se estruturarem a partir desses três
eixos têm potencial para promover a Alfabetização Científica.
Os documentos orientadores e reguladores do currículo têm sinalizado para o
entendimento da Ciência a partir de suas relações com o contexto político, cultural, social, no
qual é enfatizado seu caráter humano. Ao evidenciar o caráter humano da produção científica,
é preciso compreender que a Ciência é produzida por sujeitos e suas múltiplas identidades –
marcadas por sexo, gênero, classe, raça, entre outros – e que a legitimidade para fazer e dizer
sobre Ciência esteve historicamente restrita a um grupo de sujeitos – homens, brancos, das
classes dominantes. Torna-se importante problematizar a representação de cientista como
sujeito que produz conhecimento, que é (re)produzida no ambiente escolar.
Alguns estudos (BULDU, 2006; KOSMINSKY; GIORDAN, 2002; SOARES;
SCALFI, 2014) têm evidenciado que a representação de cientista presente no imaginário social
de indivíduos em idade escolar é do cientista do sexo masculino, revelando a percepção da
Ciência como empreendimento masculino (FREITAS; LUZ, 2017). Isso nos faz refletir sobre
o papel da educação formal na construção ou reprodução dessa visão de cientista. Silva e
Ribeiro (2012, p. 180) afirmam que:
Joanalira Corpes Magalhães e Fabiani Figueiredo Caseira (2016, p. 400) afirmam que “se torna
importante a discussão sobre a representação que se tem de Ciência e cientista na sala de aula,
visando desconstruir aquela ideia produzida socialmente, como algo inquestionável e neutro e
que apenas os homens podem ser”. Nesse contexto, os estudos sobre mulheres e Ciência
contribuem para refutar discursos biológico-deterministas acerca da capacidade das mulheres
em atuarem no campo científico, bem como na desconstrução da concepção de Ciência como
reduto masculino (FREITAS; LUZ, 2017).
Considerando que a Educação Escolar está comprometida com as verdades da Ciência,
ela pode, ao levar em consideração estudos sobre gênero e Ciência, ser espaço de discussão
acerca de quem são os sujeitos da Ciência42. Isso significa pensar a escola e os seus projetos
como lugar propício para apresentação de uma história de visibilidade e não da invisibilidade
ou apagamento de homens ou mulheres produtores/as do conhecimento. Significa também
pensar as narrativas e textos da Ciência nela circulados, sendo o livro didático, nesse contexto,
um artefato que veicula e também produz essas narrativas.
A investigação sobre o livro didático tem, tanto no Brasil quanto em outros países,
assinalado a importância deste no processo de ensino e de aprendizagem nas instituições
escolares. Ele já foi apontado como recurso pedagógico, instrumento auxiliar no processo de
ensino e aprendizagem; material didático de auxílio ao/à professor/a; expressão do currículo
escolar; mercadoria; instrumento de veiculação ideológica; dispositivo; artefato cultural.
A noção do livro como recurso ou instrumento ou material didático esteve associada à
tradição escolar que o coloca numa posição de apoio ou suporte principal do/a docente e de
seus/suas estudantes. De outra parte, podemos considerar que as pesquisas que buscam pela
verificação dos conteúdos disciplinares são aquelas que se aliam a essa percepção de livro
didático.
Foram as pesquisas alinhadas à tradição crítica da educação, num primeiro momento,
conceitos como classe social e trabalho43 e, num segundo momento, raça e gênero44, que
42
Entendemos por “sujeitos da Ciência” indivíduos que apresentam produção científica em determinada área do
conhecimento.
43
A exemplo disso, ver o livro “Ideologia no Livro Didático”, de autoria de Ana Lúcia G. de Faria, publicado em
1977 pela Editora Cortez.
44
A exemplo disso, ver: SILVA, Ana Célia. A discriminação do negro no livro didático. Salvador:
EDUFBA/CEAO, 1995; e SILVA, Ana Célia. Desconstruindo a discriminação do negro no livro didático.
Salvador: EDUFBA, 2001.
64
Assim, entende-se que a busca por uma educação livre de preconceitos e desigualdade
de gênero atravessa, ao mesmo tempo em que é atravessada, pela discussão sobre o livro
didático. De acordo com Rosemberg, Moura e Silva (2009, p. 501), “o tema estereótipos
sexuais, ou de gênero, produzidos ou veiculados pelos LD, adentrou a literatura acadêmica, a
agenda feminista e, posteriormente, sobretudo a partir da década de 1980, a dos governos
federal, estaduais e municipais”, ecoando no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
No Brasil, o Estado, através do PNLD, é responsável pelo estabelecimento de
parâmetros e critérios para seleção, aquisição e distribuição de livros didáticos por meio de
legislações e editais específicos. As editoras, empresas de cunho privado, responsáveis pela
produção desses artefatos, submetem seus livros ao processo de avaliação, realizado por
especialistas das áreas disciplinares – docentes da Educação Básica e pesquisadores vinculados
a Instituições de Ensino Superior. Após esse processo, os livros avaliados e aprovados são
disponibilizados pelo governo federal para serem selecionados pelas escolas e seus/suas
professores/as.
O PNLD é parte de uma política maior: a política do livro. Esta é considerada como uma
das principais políticas públicas de educação no país. É por meio dela que livros didáticos,
devidamente submetidos a editais públicos, são avaliados e distribuídos amplamente no
território nacional, fazendo parte do cotidiano escolar de milhares de brasileiras/os. Assim, o
Estado, através de suas instituições, programas e políticas, estabelece quais são os saberes
considerados pertinentes para um público específico – docentes e estudantes da rede pública.
Isso se torna importante para problematizar e pensar como a política do livro vai se construindo
e se consolidando no país.
De acordo Rosemberg, Moura e Silva (2009, p. 508), desde a edição do PNLD 1997 “os
livros não podem expressar preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação”. As autoras afirmam ainda que a Plataforma Política Feminista de
2004 e o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres mantinham um quesito de avaliação,
seleção e distribuição de LD com intuito de garantir que o critério mencionado fosse cumprido,
além de monitorarem e incentivarem a produção de livros didáticos e a formação docente não
discriminatórios.
Os Guias dos livros didáticos de Biologia aprovados nos editais de 2012, 2015 e 2018
– que constituem o corpus da presente dissertação – informam sobre os critérios de avaliação
desses livros, dentre esses acerca das questões de gênero. No edital do PNLD 2012, um dos
critérios está relacionado ao respeito à “diversidade de credo, de regionalidade, local de
moradia, gênero, sexo, etnia e classe social, princípio da igualdade” (BRASIL, 2011, p. 11).
67
Em 2015, os critérios indicam que o livro didático deve estar isento “de estereótipos e
preconceitos relativos à origem, condição socioeconômica, regional, étnico-racial, de gênero,
de orientação sexual, de idade ou de linguagem, assim como qualquer outra forma de
discriminação ou de violação de direitos” (BRASIL, 2014, p. 16).
Na versão de 2018 do Guia, há uma repetição do critério mencionado, acrescido pela
palavra humanos no final do parágrafo – “[...] assim como qualquer outra forma de
discriminação ou de violação de direitos humanos” (BRASIL, 2017, p. 16). Para além dessa
alteração, uma novidade presente no Guia de 2018 é um item com orientações às/aos
professoras/es acerca das temáticas sexualidade e identidades de gênero. O Guia aponta que as
obras aprovadas avançaram – ainda que não de forma homogênea, com algumas obras
progredindo mais que outras – na abordagem das questões de gênero e sexualidade, para além
da perspectiva centrada no biológico. Há indicação para que as/os docentes aprofundem as
discussões dessas temáticas, buscando também outras fontes e recursos didáticos
complementares.
45
Alguns desses projetos de lei incluem o projeto de lei que dispõe sobre o Estatuto da Família (PL 6583/2013),
os diferentes projetos de lei com objetivo de alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Plano Nacional
de Educação para submeter a educação escolar à vontade das famílias e aos seus preceitos morais e religiosos
(PL 7180/2014; PL 7181/2014; PL 8933/2017; PL 9957/2018; PL 3674/2019; PL 258/2019) e os que buscam
implementar o Programa Escola Sem Partido (PL 867/2015; PL 246/2019).
46
Alguns desses Projetos de Lei incluem o programa Escola Livre (PL 6005/2016), o Projeto Escola sem Mordaça
(PL 502/2019) e Programa Escola sem Discriminação (PL 3741/2019).
47
A decisão do Superior Tribunal Federal (STEF) foi tomada em unanimidade no dia 24 de abril de 2020. A
decisão está disponível no site do STF:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF457.pdf.
48
Uma das principais formas de ataque foi por meio do processo de judicialização da relação entre professores/as
e estudantes amparados por grupos conservadores/reacionários como o Movimento Escola Sem Partido que,
inclusive, publicou em sua página na Internet um modelo de notificação extrajudicial com intuito de intimidar
profissionais da educação que supostamente abordassem “ideologia de gênero”.
70
Agora, em fins dos primeiros anos do século XXI, assistimos também à determinação
por parte de segmentos do atual governo federal no Brasil a exclusão dos termos gênero,
orientação sexual e sexualidade do texto da última versão da BNCC. A retirada das expressões
“orientação sexual” e “identidade de gênero”, que estavam presentes nas versões anteriores,
sinaliza uma “conivência com uma pauta conservadora” (BANDEIRA; VELOZO, 2019, p.
1028). Narvaz e Zordan (2019, p. 23) afirmam:
Temas como saúde, sexualidade e gênero, vida familiar e social, assim como
os direitos das crianças e adolescentes, de acordo com o Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei no 8.069/90), preservação do meio ambiente, nos termos
da política nacional de educação ambiental (Lei no 9.795/99), educação para
o consumo, educação fiscal, trabalho, ciência e tecnologia, e diversidade
cultural devem permear o desenvolvimento dos conteúdos da base nacional
comum e da parte diversificada do currículo. (BRASIL, 2010, p. 5).
Outro marco legal que fundamenta os TCTs é a Resolução CNE/CEB No 03/2018 que
atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio que, em seu artigo 27, define
que a proposta pedagógica das unidades escolares deve considerar:
discussões no âmbito da escola. Porque como nos dizem Narvaz e Zordan (2019, p. 28), “apesar
da tentativa de captura, o sexo transborda, os gêneros se misturam, a sexualidade flui, o corpo
sofre, dói, mas também faz festa e goza. A vida insiste e escapa. A igreja pira. E ninguém solta
a mão de ninguém”.
Nessa caminhada coletiva de buscar estratégias de resistências como nos propõe Narvaz
e Zordan (2019), entendemos ser crucial compreender e problematizar os caminhos tomados
pela BNCC, pois esse documento está diretamente relacionado ao futuro do PNLD, uma vez
que, como documento de caráter normativo, ou seja, de implementação compulsória, a BNCC
tem como propósito articular e integrar as políticas educacionais. Dessa forma, será orientadora
de outras políticas educacionais, como, por exemplo, a do livro.
O interesse por investigar livros didáticos de Biologia aprovados pelo PNLD está
fundamentado, portanto, na compreensão de que a Biologia, como área disciplinar e de saber,
foi historicamente considerada o lugar autorizado para se dizer sobre sujeitos, uma vez que essa
Ciência se ocupa dos estudos da vida, operando na constituição das identidades dos sujeitos.
Como artefatos culturais, os livros didáticos estão repletos de representações sociais de sujeitos
cientistas, dizem sobre o empreendimento científico e o conhecimento biológico, como também
(re)produzem saberes sobre gênero, e esses significados e saberes produzidos e veiculados pelos
livros didáticos se interseccionam. Dessa forma, buscamos pelos entrelaçamentos de gênero,
Ciência, Educação e livro didático e com eles e neles problematizar os lugares propostos para
as mulheres da Ciência por esses artefatos.
(Re)significar as relações de gênero (re)produzidas nos livros didáticos representa
(re)significar relações de poder, que envolvem aspectos políticos, econômicos e sociais. Assim,
a produção de Rosemberg, Moura e Silva (2009), ao indicar que vieses de gênero ainda
atravessam os livros didáticos, mesmo com a existência dos critérios eliminatórios referidos
nesse texto, e, ainda, a de Louro (1997), ao enfatizar que é preciso atenção para o que se tem
como naturalizado, nos provocam a olhar para as cientistas presentes nos livros didáticos de
Biologia.
73
Ao entender o livro didático como um artefato cultural, defendemos que a sua produção
é caracterizada pela “interferência de diferentes sujeitos [e entidades – públicas e privadas] em
sua produção, elaboração, realização, circulação, consumo/uso” (FERRARO, 2011, p. 177,
grifo nosso). Assim, ao buscar empreender uma análise desses artefatos no campo dos Estudos
Culturais e Feministas, fez-se necessário olhar também para a autoria e os endereçamentos dos
mesmos.
Macedo (2004, p. 108, grifo da autora) entende que “a análise de dispositivos culturais,
como os livros didáticos, precisa dar conta ‘dos conteúdos’ que pretendem que sejam
apreendidos, mas também dos lugares em que colocam os sujeitos com os quais dialogam”. Da
mesma forma, é preciso que os lugares dos sujeitos autores/as desses artefatos culturais também
sejam tomados no processo da análise. Portanto, o primeiro aspecto que destacamos da leitura
realizada de livros didáticos de Biologia que compuseram o corpus desta pesquisa é a autoria
dos mesmos, que, do ponto de vista de quem os assinam, são os/as autores/as listados/as no
quadro 2 que segue.
Quadro 2 – Autoria dos livros didáticos aprovados no PNLD 2012, 2015 e 2018
Coleção Autores/as
Sônia Lopes
Bio
Sérgio Rosso
César da Silva Júnior
Biologia Sézar Sasson
Nelson Caldini Júnior
Gilberto R. Martho
Biologia
José Mariano Amabis
Fernando Gewandsznajder
Biologia Hoje Sérgio V. Linhares
Helena Pacca
Fonte: elaborado pela autora, a partir das informações obtidas no Guia de livros didáticos de Biologia PNLD
2012, 2015, 2018 (BRASIL, 2011, 2014, 2017).
Lopes, primeira autora na coleção BIO (edições de 2012, 2015 e 2018 do PNLD) e Helena
Pacca como terceira autora da coleção Biologia Hoje (edição de 2018 do PNLD). Em nenhuma
das obras analisadas a autoria é exclusiva de mulheres. Nas obras em que elas aparecem, estão
sempre em parceria com autores homens. As duas outras coleções analisadas, intituladas
Biologia, conforme expresso no quadro 2, em todas as edições do PNLD, apresentam autoria
exclusiva de homens.
A prevalência de autores de livros didáticos homens evidencia uma assimetria de gênero
na autoria das publicações analisadas. No Brasil, de acordo com Andreia Barreto (2014), as
mulheres são maioria nos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas – área de formação de
todos/as os/as autores/as dos livros didáticos analisados – e a docência na Educação Básica é
uma área de atuação considerada como feminina. No entanto, a nossa leitura das quatro coleções
de livros didáticos aponta para uma inversão quando observamos a autoria dos livros didáticos
de Biologia49. Uma vez que, embora mais mulheres sejam formadas nos cursos de licenciatura,
o número de autoras de livros didáticos é menor. Para além disso, a maioria das autoras
compartilham a autoria dos livros didáticos de Biologia com autores homens, não havendo,
portanto, nas edições do PNLD (2012, 2015 e 2018) nenhum livro didático de autoria exclusiva
de mulher(es).
Isso nos movimenta a pensar sobre quem são os sujeitos autorizados a dizer sobre a
Ciência, sobre a Biologia e, nesse contexto, sobre os sujeitos cientistas. Foucault (1996), em
sua aula inaugural no Collège de France, diz que “sabe-se bem que não se tem o direito de dizer
tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não
pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou
exclusivo de quem fala” (FOUCAULT, 1996, p. 9). O autor salienta para o que se constitui os
três tipos de interdições de exclusão dos discursos na modernidade. Isso quer dizer que quem é
autorizado a dizer são aqueles que detêm o conhecimento e o poder para fazê-lo, uma vez que
“ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de
início qualificado para fazê-lo” (FOUCAULT, 1996, p. 37).
Mobilizadas pelas leituras da aula do filósofo fomos impulsionadas a questionar: por
que a maioria dos livros didáticos possuem autores homens? Por que são eles os sujeitos com
direito privilegiado da fala para construir livros didáticos para o ensino de Biologia, inclusive
49
Se considerarmos todos os livros didáticos aprovados nas edições de 2012, 2015 e 2018 do PNLD-Biologia, há
19 autores homens e 15 autoras mulheres (BRASIL, 2011, 2014, 2017). Considerando as três edições PNLD,
foram aprovadas 15 coleções, dessas, quatro tem autoria apenas de mulheres, seis apenas de homens e em cinco
há coautoria entre mulheres e homens. No entanto, em uma coleção – Biologia Hoje – a coautoria entre mulheres
e homens é restrita à edição da coleção aprovada no PNLD 2018.
75
50
O conceito de endereçamento apresentado pelos Estudos Culturais refere-se a algo inerente ao texto do artefato
ou produção cultural e que também age sobre o sujeito a quem este se destina. Pode também ser evento como
algo que resulta da interação entre o artefato e o sujeito que o consome. No caso de nossa pesquisa, os/as
autores/as, editores/as de livros didáticos, idealizam o tipo de aluno/a e professor/a para o/a qual estes são
endereçados.
76
intenciona alcançar. No entanto, nem sempre faz uso de vocativo, como evidenciado pela figura
1, coleção Biologia Hoje, edição de 2018 do PNLD, que dialoga diretamente com o/a leitor/a
ao usar a expressão “você”, criando uma relação de proximidade com o seu público de
estudantes.
universal: estudantes, visto que não há marcação de gênero. No entanto, ao se referir aos/às
professores/as, o livro adota o termo professor – flexionado no gênero masculino. Outro aspecto
que emerge na análise da carta referida neste parágrafo é que ela está assinada como “os
autores” – com o artigo e substantivo definido e flexionado, respectivamente, no gênero
masculino – embora o livro seja de autoria de uma mulher, primeira autora, e de um homem.
A figura 3, coleção Biologia de autoria de César da Silva Júnior, Sézar Sasson e Nelson
Caldini Júnior (edição 2018 do PNLD), também apresenta como vocativo o/a estudante.
78
Essa coleção, em sua edição aprovada pelo PNLD 2012, é a única que adota essa escrita
inclusiva para dizer dos/as estudantes. A princípio, acreditamos que o livro reconhece e garante
visibilidade às meninas, jovens e mulheres estudantes. Entretanto, no final da Carta de
Apresentação, há a seguinte afirmação: “Além de se sentir seguro e preparado para provas e
exames, você passará a ter uma visão mais ampla da natureza. Os conhecimentos que você irá
adquirir o ajudarão a ver as relações entre fatos aparentemente desconexos...” (AMABIS;
MARTHO, 2010a, s/p). Nesse trecho, o gênero masculino é tomado para dizer do todo, o que
fica evidenciado pelo uso dos artigos e flexão de gênero no masculino. E, portanto,
demonstrando um posicionamento contraditório àquele adotado no vocativo, marcado por uma
linguagem inclusiva de gênero.
Essas cartas nos remeteram ao que escreve Louro (1997, p. 65, grifo da autora):
81
Nesse contexto, a escrita sexista, ao tomar o gênero masculino como aquele que engloba
o todo, empregada ao endereçar e dizer sobre sujeitos escolares, apaga meninas e mulheres,
alunas e professoras. Fazer essa discussão sobre o uso da linguagem é substancial, pois a
linguagem tem centralidade no campo teórico que sustenta o presente trabalho. A linguagem
está carregada de significados construídos no campo sociocultural e nas relações de poder,
operando na naturalização de discursos sobre as identidades dos sujeitos. É pela linguagem que
as pessoas e as coisas passam a existir, nos afirmam os Estudos Culturais e os estudos
foucaultianos.
De posse dos livros, passamos a realizar uma leitura em busca das mulheres da Ciência.
À medida que fomos localizando-as, fazíamos registros sobre a forma como elas eram
mencionadas nesses artefatos. Criamos um arquivo eletrônico com a identificação do livro, da
página, do conteúdo e do modo como eram apresentadas. As mulheres da Ciência que haviam
sido representadas na forma de imagens – ilustrações, fotografias, gravuras – tiveram suas
imagens registradas através do processo de digitalização da página do livro e posteriormente
arquivadas em arquivos no formato .jpeg.
Localizamos um total de 63 mulheres da Ciência presentes nas coleções analisadas,
sendo uma diversidade de conteúdos e assuntos a elas associados. Das 63 mulheres da Ciências
mencionadas nos livros didáticos, dez foram retratadas na forma de imagens, foram elas:
Emmanuelle Grumdmam, Mayana Zatz, Rosalind Franklin, Graziela M. Barroso, Jane Goodall,
Johanna Dobereiner, Neiva Guedes, Viviane S. Barbosa, Bárbara McClintock, Lynn Margulis.
Todas as outras 53 mulheres da Ciência foram mencionadas nos livros somente de forma
textual.
Ao analisarmos o número total de sujeitos da Ciência presentes nos livros didáticos de
Biologia analisados – 566 cientistas, o número de mulheres da Ciência representa
aproximadamente 11% das menções a sujeitos cientistas. Com relação às imagens,
82
51
Foram consideradas apenas imagens de “sujeitos da Ciência”, ou seja, indivíduos que apresentam produção
científica em determinada área do conhecimento. Portanto, imagens de pessoas atuando em atividades que o
livro indicou, na legenda da imagem ou no texto que a acompanha como científicas, mas não identificaram o
sujeito, não foram contabilizadas.
83
no rosto das mulheres, bem como a busca por imagens com fundos homogêneos teve como
intuito reduzir a quantidade de elementos presentes na imagem, e assim manter o foco principal:
apresentar as mulheres da Ciência. Cabe dizer que há quatro mulheres que não foram
identificadas com suas imagens, pois não foi possível localizar em nenhuma das fontes
consultadas imagens das mesmas, são elas: Karlene Schwartz, Juliana L. Martins, Danielle
Tesseroli e Susan E. Eichhorn.
Com o mosaico (Figura 5), conseguimos observar que a imagem criada, resultante da
somatória de todas as mulheres da Ciência apresentadas pelos livros, nos colocam em contato
com as marcas de raça, etnia, nacionalidade e marcas de sociabilidade do feminino (vestimenta,
indumentárias, perfil fisionômico) que constituem, em nossa cultura, a identidade das mulheres
e das mulheres da Ciência propostas nos livros didáticos de Biologia.
84
52
A autora opta pela utilização dos termos “secas” e “molhadas” em substituição a “hard” em “soft” fundamentada
pela teórica feminista Pauline Bart. A opção pelo uso da terminologia proposta por Pauline Bart, que faz
referência a experiência sexual feminina, foi justificada por Souza para “fazer jus à plateia” (SOUZA, 2002, p.
79).
87
53
O termo “dissidentes” – de gênero, de sexualidade – tem sido utilizado e é entendido no contexto desse texto
dissertativo para dizer de sujeitos cujas forma de existência e identidades escapam à norma das lógicas binárias
e referências construídas pela Medicina, Biomedicina, Biologia e de fundamentação essencialista, biologizante.
88
Ciência no campo das Ciências Biológicas, sendo esse lugar o das áreas que desenvolvem
atividades de pesquisa no âmbito do laboratório.
54
No Brasil, os livros didáticos de Biologia são endereçados ao público do Ensino Médio. Portanto, cada coleção
aprovada no PNLD apresenta três livros, considerados volumes um, dois e três. E cada um desses volumes é
adotado em um ano do Ensino Médio. Ou seja, no primeiro ano do Ensino Médio, utiliza-se o volume 1 nas
aulas de Biologia.
89
A geneticista brasileira Mayana Zatz é a única mulher da Ciência que foi mencionada
em todas as coleções analisadas55. Ela é referência no país, em pesquisa relacionada à Genética,
com ênfase em Genética Humana e Médica. É coordenadora do Centro de Pesquisas do Genoma
Humano e células-tronco (CEGH-CEL), membro da Academia Brasileira de Ciências e da
Academia de Ciências dos Países em Desenvolvimento – TWAS, pesquisadora com bolsa de
produtividade em pesquisa 1A do CNPq. A cientista tem vasta produção acadêmica e foi
ganhadora de diversos prêmios nacionais e internacionais, entre eles o LÓreal/Unesco para
mulheres na Ciência (2001), prêmio TWAS em pesquisa médica (2004), prêmio México de
Ciência e Tecnologia (2008) e prêmio Conte Gaetano por trabalhos sociais em 2011 (CNPq,
2020). Assim, a presença dessa pesquisadora em todas as coleções analisadas é um aspecto a
ser pontuado, visto a importância dessa mulher da Ciência no contexto da produção científica
brasileira.
Rosalind Franklin56, Lynn Margulis57 e Karlene Schwartz58 são mulheres da Ciência que
foram mencionadas em três coleções, sendo aquelas que, após Mayana Zatz, foram
mencionadas em maior número de coleções. Associadas a essas cientistas, são geralmente
abordadas as seguintes temáticas: a descrição da estrutura da molécula DNA, no caso de
Rosalind Franklin; a teoria da endossimbiose, a hipótese de Gaia e a classificação biológica em
cinco reinos, no caso de Lynn Margulis, sendo essa última também associada a Karlene
Schwartz, uma vez que essas duas cientistas trabalham em parceria. Em todas as coleções, são
abordadas a estrutura da molécula do DNA, a teoria da endossimbiose e a classificação
biológica em cinco reinos, embora nem sempre acompanhadas pela referência às cientistas.
Podemos afirmar que nem todos os assuntos ou temáticas abordadas no livro didático
são apresentados associados à referência ao pesquisador ou pesquisadora que contribuiu para a
sua produção. No entanto, destacamos alguns aspectos que nos possibilitam discutir
especificamente sobre as mulheres da Ciência. O primeiro deles refere-se a uma questão mais
geral e é relativo à autoria. No contexto da produção científica, a autoria se constitui como
aspecto central, uma vez que a produção de conhecimento é resultado da produção intelectual
de cientistas, o que, por sua vez, envolve uma ampla discussão ética.
55
Há referência a Mayana nas quatro coleções analisadas. Na coleção BIO, nas edições de 2012 e 2018 – PNLD,
e nas coleções Biologia, Biologia (Amabis e Martho) e Biologia Hoje, na edição de 2018 do PNLD.
56
Rosalind Franklin é referida nas coleções BIO e Biologia Hoje nas três edições do PNLD, e nas edições de 2015
e 2018 do PNLD da coleção Biologia.
57
Lynn Margulis aparece nas três edições do PNLD das coleções BIO, Biologia e Biologia (Amabis e Martho).
58
Karlene Schwartz é referida nas coleções BIO e Biologia (Amabis e Martho) nas três edições do PNLD, e nas
edições de 2012 e 2018 do PNLD da coleção Biologia.
90
59
Charles Darwin, Jean-Baptiste Lamarck e Alfred Russell Wallace.
60
Mathias Scheiden e Theodor Schwann.
61
Carl Linnaeus.
91
didático – não é neutra, mas localizada social, política, histórica e culturalmente. Em vista disso,
afirmamos que tal seletividade está atrelada a uma questão de gênero e étnico-racial, uma vez
que, nos livros didáticos de Biologia, não está associada à relevância do saber produzido ou
ainda desconhecimento da autoria de mulheres, pois, principalmente nos exemplos
mencionados, ambos os aspectos são evidentes.
A forma como as mulheres são apresentadas e os lugares que elas ocupam/são colocadas
no livro didático também nos movimenta a pensar sobre a questão das (in)visibilidades. De
forma geral, os capítulos/unidades do livro didático estão organizados em três componentes,
sendo eles o texto do conteúdo específico, os textos complementares (boxes) e as atividades.
Os textos complementares (boxes) abordam uma diversidade de temáticas, apresentando
novas produções do conhecimento biológico, relacionando-as com questões sociais emergentes,
entre outros assuntos abordados. Já as atividades seguem estruturadas numa tendência que se
repete na tradição desse tipo de livro, qual seja a de apresentar questões de vestibulares e
questões do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que, no Brasil, tem funcionado como
forma de ingresso, em muitas instituições, ao Ensino Superior.
Esses dois componentes do livro (boxes e atividades) apresentam um caráter transitório,
sofrendo modificações/alterações com frequência, nas diferentes edições do livro. Em
contrapartida, os textos de conteúdo específico abordam saberes instituídos por esse campo do
saber escolar, apresentando, portanto, menor variação nos livros didáticos que analisamos.
Sendo assim, tomamos o texto de conteúdo específico como texto principal/estruturador e os
textos dos boxes e atividades como complementares/acessórios ao processo de ensino e
aprendizagem no artefato que analisamos. Ao perguntar sobre a localização das mulheres da
Ciência nos livros didáticos, identificamos que elas, majoritariamente, estão nos textos
complementares/acessórios, principalmente dos boxes.
Além dos espaços ocupados pelas mulheres da Ciência no livro didático, buscamos a
forma como elas estão apresentadas nesse artefato cultural. Novamente, não encontramos uma
homogeneidade. As mulheres da Ciência apresentadas nos livros didáticos compõem um
espectro descendente de visibilidade da cientista e sua produção, ou seja, elas são retratadas de
maneiras diversas.
Há momentos em que o livro didático, além de abordar a produção científica, valoriza
o/a sujeito/a produtor/a desse conhecimento. Assim, além de apresentar o saber produzido pelas
mulheres, o livro as visibiliza, indicando a importância de sua produção, como podemos
observar na figura 6, a seguir. A utilização de imagem/figura da cientista é comum e apresenta-
se como forma de evidenciar o sujeito produtor do conhecimento. Essa forma de abordagem é
92
mais comum, nos livros que analisamos, nos boxes, ou seja, em componentes
complementares/acessórios aos conteúdos abordados. Outra questão que destacamos com a
nossa análise é o modo como a cientista é retratada de modo descolado, imageticamente,
daquilo que tem sido sociabilizado como representação de um/a cientista. Essa imagem rompe
com a representação de cientista sociabilizada como sendo homem, de jaleco, que exerce suas
atividades científicas em um laboratório. Portanto, temos com tal imagem uma potencialidade
pedagógica de problematizar a imagem de cientista presente no imaginário social, bem como
de discutir sobre a produção científica de mulheres da Ciência, visto que o texto aponta essa
cientista como a “primeira grande botânica brasileira”.
O título do box, figura 7, “Mosaico nas fêmeas dos mamíferos”, refere-se ao fenômeno
estudado e explicitado pela hipótese de Lyon, o que permite não mobilizar a sua importância e
presença no campo da genética. A título de exemplo rememoremos que, via de regra, os saberes
da Genética foram e são produzidos de modo que sempre se associa, por exemplo, Gregor
Mendel a esse campo de conhecimento.
Há passagens nos textos dos livros didáticos nos quais as mulheres da Ciência são
mencionadas como especialistas que comentam determinado assunto (figura 8). Ao utilizar
expressões como “diz a bióloga Lygia da Veiga Pereira, pesquisadora da USP e estudiosa da
reprogramação genética” e “compara Pereira” (AMABIS; MARTHO, 2013, p. 73), o livro
posiciona essa mulher da Ciência em um lugar de especialista no conteúdo abordado, no papel
de estudiosa e pesquisadora; mas, não faz menção à sua produção científica. Essa forma de
apresentação das mulheres da Ciência nos livros analisados está restrita aos textos
complementares/acessórios. Contudo, vale a ressalva que nesses casos, importa a verdade da
ciência, daí o recurso à especialista.
94
sobre a contribuição de sua produção para a agricultura brasileira, como podemos observar na
figura 10 quando determina “[...] pesquise a importância das descobertas da cientista brasileira
Johanna Döbereiner para a agricultura no nosso país [...]” (SILVA-JÚNIOR; SASSON;
CALDINI-JÚNIOR, 2013, p. 83).
A outra coleção adota uma perspectiva diferente na abordagem dessa cientista, na qual
além da representação textual que informa sobre a cientista, sua produção científica e a
importância dessa, também apresenta uma fotografia da cientista. Na figura 11 há as seguintes
informações a respeito dessa mulher da Ciência:
acadêmico científico sobre gênero, nos currículos da formação inicial, nos cursos de
Licenciatura em Ciências Biológicas, desconfiamos que tais discussões podem estar fora da
formação de estudantes na Educação Básica. Estudos já realizados em nosso grupo de pesquisa,
GPECS, apontam para essa lacuna formativa, tais como os de Patrícia Lemos Campos (2014),
Fátima Lúcia Dezopa Parreira (2014, 2019), Gabriela Almeida Diniz (2015), Mayara Cristina
Pires (2017), Sandro Prado Santos (2018) e Lauana Araújo Silva (2018).
Como artefato que se propõe a abordar conteúdos do campo da Biologia, o livro didático
ocupa-se em dizer da Ciência, dos produtos da produção científica nesta área do saber, bem
como dos sujeitos cientistas, do contexto da produção e sua relação com a sociedade e o
ambiente. Assim, a história da Ciência está, de algum modo, presente no livro didático e esse,
por sua vez, é espaço de eco para aquilo que foi invisibilizado e desaparecido nessa História e
no processo de produção dos sujeitos (FOUCAULT, 1988; TRIVELATO, 2005).
A história da Ciência foi marcada por períodos em que as mulheres eram proibidas de
atuarem na produção do conhecimento. Além disso, essa história, construída por homens, foi
também marcada pelo apagamento das mulheres na Ciência. Esse processo se apresentou
muitas vezes pelo não reconhecimento das mulheres como produtoras de conhecimento, sendo
consideradas assistentes de pesquisa, e tendo a autoria dos trabalhos atribuída a um homem,
que poderia apresentar relação familiar ou não com essa mulher (SCHIEBINGER, 2001).
Ao adentrarmos na leitura das nossas coleções, nos deparamos com uma história, por
nós considerada singular, no segundo volume da coleção Biologia do César da Silva Júnior,
Sézar Sasson e Nelson Caldini Júnior (2013b). Neste livro, os autores apresentam em um dos
boxes intitulados “Mais aprofundamento”62 a “Curiosa história de Maria Mofo” (figura 12), por
meio da qual podemos evidenciar o processo de apagamento e também subalternização das
mulheres da Ciência, principalmente quando elas são localizadas como assistentes nas
atividades de pesquisa que recebem pouco ou nenhum reconhecimento pela sua atuação.
62
O box “Mais aprofundamento” apresenta recortes que complementam a informação principal permitindo olhares
e enfoques diferentes e assentado na interdisciplinaridade.
98
Maria, assistente do médico Keneth Raper, não possui sobrenome, apenas um apelido,
consequência de sua atuação na atividade de investigação que ambos desenvolviam. O mofo,
também conhecido como bolor, é a designação dada a seres vivos (fungos filamentosos) que
possuem a capacidade de decompor a matéria orgânica. Assim, a presença de mofo/bolor nos
alimentos indica que os mesmos não são mais apropriados para consumo, estragaram. Portanto,
Maria apesar de ter papel importante na descrição de uma nova espécie de Penicillium é
apresentada apenas por seu primeiro nome, sua função de assistente e um apelido constituído
de uma palavra que socialmente tem valor negativo, o mofo.
Esse relato trazido pelo livro aponta para o lugar que foi atribuído historicamente à
mulher na Ciência, a de uma figura de menor importância na produção do conhecimento. A
abordagem adotada pelo livro, ao trazer a história da Maria Mofo, na verdade Mary Hunt –
assistente de pesquisa no Northern Regional Research Laboratory em Peoria, Illinois
(BRODIE; JONES, 2004; SCHWEDES, 2015; ZAFFIRI; GARDNER; TOLEDO-PEREYRA,
2012) –, retira a importância do trabalho de uma assistente de pesquisa na produção científica.
No caso em tela, o trabalho de campo empreendido por Mary Hunt foi crucial para a descrição
da espécie Penicillium chrysogenum. Os conhecimentos por ela construídos possibilitaram a
seleção dos alimentos embolorados para dar prosseguimento à investigação. Entretanto, esses
saberes são desconsiderados quando se indica que sua atuação foi resultado de uma “feliz
intuição”. No trecho do livro acima apresentado, Mary Hunt não é apresentada aos/às leitores/as
como alguém que tenha centralidade na produção do conhecimento - assistente de pesquisa, ou
seja, alguém cujas atividades contribuíram para o resultado alcançado – sequer é apresentada
pelo seu nome próprio. Esse apagamento da assistente de pesquisa impede que se pense que a
99
que nos movimenta a refletir sobre esse apagamento das mulheres nos livros didáticos
considerando representação, na forma de imagens, de cientistas veiculados pelo mesmo.
Ao abordar a Evolução Humana, o livro menciona no texto de conteúdo específico, o
trabalho desenvolvido pela antropóloga britânica Mary Leakey e sua equipe que possibilitou a
confirmação da bipedia do Australopithecus afarensis (figura 13). Além disso, ao dizer sobre a
investigação que levou ao encontro de fósseis de Homo habilis o livro afirma que a cientista
trabalhou em parceria com seu marido, o antropólogo Louis Leakey (figura 14).
Apesar de a cientista ser mencionada textualmente três vezes no capítulo e o livro indicar
seu papel como líder de grupo de pesquisa, o mesmo opta por apresentar a imagem de Louis
Leakey, ao invés da pesquisadora Mary Leakey ou de ambos (figura 14). Assim, essa mulher
da Ciência está presente no livro didático de Biologia, sendo referenciada pela sua produção
científica. No entanto, há um apagamento dela na representação imagética. O sujeito da Ciência,
101
novamente é representado por um homem, no caso, Louis Leakey. Com isso, consideramos que
o livro tem uma contribuição na veiculação da imagem da Ciência como reduto masculino.
Outro aspecto que emerge, no texto da figura 14 é o apagamento do sujeito mulher
através da linguagem e da imagem. No trecho “os paleontólogos britânicos Mary Leakey e seu
marido Louis Leakey...” (AMABIS; MARTHO, 2013, p. 293), a palavra paleontólogo está
flexionada no masculino para dizer de uma cientista e de um cientista. A imagem apresenta a
fotografia de Louis Leakey e a “representação de um representante da espécie Homo habilis”
(AMABIS; MARTHO, 2013, p. 293).
Nesse mesmo livro, no texto de conteúdo específico sobre evolução humana, há a
seguinte informação: “A tendência mais recente, contudo, é incluir os rudolfenses no gênero
Kenyanthropus (K. rudolfensis), que alguns paleoantropólogos, como Meave Leakey
(n.1942), sugerem ter mais parentesco com a linhagem humana do que A. habilis” (AMABIS;
MARTHO, 2013, p. 294, grifo nosso). Aqui a palavra paleoantropólogos é flexionada no gênero
masculino, embora seja uma mulher da Ciência utilizada para exemplificar esse grupo de
cientistas, o que nos leva a afirmar a manutenção de uma linguagem sexista no texto deste livro.
No terceiro volume da coleção Biologia na edição de 2015 no PNLD há o seguinte
trecho em um texto complementar: “Em 2009, dois pesquisadores americanos e uma israelense
ganharam o prêmio Nobel de Química por seus estudos de estrutura e função dos ribossomos”
(SILVA-JÚNIOR; SASSON; CALDINI-JÚNIOR, 2013b, p. 56). Destacamos esse trecho, pois
uma abordagem que evidencia Ada E. Yonath, mulher da Ciência, ganhadora de um prêmio
Nobel e israelense, poderia contribuir para a discussão da Ciência e sua intersecção com gênero
e nacionalidade, principalmente quando esses artefatos representam mulheres da Ciência, em
sua maioria, norte-americanas e europeias.
A linguagem toma centralidade na discussão sobre os entrelaçamentos do livro didático,
gênero e Ciência, quando pensamos nos lugares das mulheres da Ciência nesses artefatos, pois
ela opera mobiliza e nos dá a pensar as relações de poder, a produção e a negociação dos
significados, como nos ensina Louro (1997, p. 65):
63
O número total corresponde às diferentes mulheres da Ciência mencionadas em todas as edições, não
considerando, portanto, as repetições (ver apêndice B).
104
No trecho do quadro ilustrado na figura 15 a seguir, são mencionadas: Nettie M. Stevens e Edith
R. Saunders. As outras três mulheres mencionadas no quadro, mas que não estão presentes na
figura 15 são: Barbara McClintock, Margareth Chase e Christiane Nüsslein-Volhard.
Contudo, no quadro que compõe a figura 15, foi adotado a apresentação pelo sobrenome
dos/as autoras/es, um modo comum de apresentação de um/a autor/a na linguagem
científica/acadêmica, o que a nosso ver é, sem dúvida, uma das demonstrações sobre como a
linguagem opera o gênero na ciência. A identificação do/a autor/a da produção, pelo sobrenome,
não permite que seus/as leitores/as reconheçam a existência em que ele/a se situa do ponto de
vista do gênero. Isso não seria um problema se no campo científico e social, em geral, a
operação das relações de poder, entre homens e mulheres, fosse horizontalizada. Cumpre
destacar que a coleção de Lopes e Rosso (2016c) nos alerta que estas relações não o são, do
mesmo modo como o fazem o campo dos estudos de gênero e feministas. Assim, o uso do
sobrenome assegura menor visibilidade ao trabalho realizado pelas mulheres da Ciência, uma
vez que não é possível identificá-las, sem recorrer a outras fontes.
O quadro, cujo trecho está indicado na figura 15, foi suprimido da coleção Biologia na
edição de 2015 do PNLD, o que elimina a menção às mulheres, exclusivamente, nele
105
64
Nettie M. Stevens, Edith R. Saunders, Martha Chase e Christiane Nüsslein-Volhard estão presentes nessa
coleção apenas nesse quadro. Barbara McClintock, além de estar presente no quadro, é mencionada também no
texto de conteúdo do terceiro capítulo.
106
A imagem revela que a posição de destaque dessa cientista é compartilhada com outros
sujeitos da Ciência. Para além disso, o livro didático ao tempo em que confere visibilidade a
essa cientista, inscreve essa posição em um lugar indefinido, ao dizer que ela é “uma
pesquisadora que merece ser citada como uma cofundadora da Genética” (AMABIS;
MARTHO, 2010b, p. 76, grifos nosso), uma vez que a definição desse reconhecimento parece
ficar ao critério do/a locutor/a. Quais saberes essa imagem (re)produz sobre os lugares das
mulheres na Ciência?
A imagem dessa cientista no livro didático anuncia que as mulheres da Ciência ocupam
também posições de destaque na produção científica, mas por outro lado, enquanto única
mulher da Ciência nesta área do conhecimento – Genética – representada com destaque nesse
artefato sinaliza que essas são poucas e que o campo científico é lugar masculino.
Löwy (2009, p. 24) alerta que “não devemos esquecer que a ciência é um
empreendimento de caráter cumulativo e que seu passado – do qual as mulheres foram excluídas
– continua pesando sobre seu presente”. Os livros didáticos são espaços de ressonância dessa
história da Ciência, sendo crucial que as discussões sobre os entrelaçamentos de gênero e
Ciência continuem a ocupar diferentes espaços para dizer de uma história outra da Ciência em
109
que as mulheres também sejam apresentadas sujeitos que produzem conhecimento e que sempre
estiveram presente no campo científico.
Por outro lado, para além dessas continuidades, é possível identificar também algumas
descontinuidades e rupturas nas coleções, principalmente na forma que os artefatos analisados
apresentam as mulheres da Ciência, como também na emergência, em algumas coleções, da
discussão sobre as relações de poder e de gênero que atravessam a Ciência. Há momentos que
o livro didático de Biologia confere destaque a mulher como sujeito que produz conhecimento,
bem como aos saberes por elas produzidos.
Essa forma de abordagem que garante destaque as mulheres da Ciência teve um aumento
progressivo ao longo das edições da coleção BIO. Na edição de 2012 do PNLD a bióloga Neiva
Guedes é apresentada aos/às leitores/as nesse formato que garante destaque a cientista e a sua
produção. Já na edição de 2015 do PNLD, além de Neiva Guedes, a autora e autor do livro ao
mencionar Rosalind Franklin também o fazem nesse formato. Na coleção de 2018, essa
abordagem é adotada para apresentar, além dessas duas cientistas, Johanna Döbereiner e
Graziela Maciel Barroso. No manual do professor encontramos a afirmação de que um dos
objetivos do box que menciona Johanna Döbereiner é “apresentar aos estudantes um exemplo
feminino (e brasileiro) em uma área que predominam os homens” (LOPES; ROSSO, 2016d).
Na passagem localizamos a atenção do livro no cumprimento do exigido pelo Edital do PNLD
no tocante ao gênero. Sem dúvida, que essa é resposta à discussão de gênero e educação.
Um movimento semelhante é observado na coleção Biologia – de autoria de César da
Silva Júnior, Sézar Sasson e Nelson Caldini Júnior. Nas duas primeiras edições do PNLD
analisadas (2012 e 2015) não há mulheres da Ciência apresentadas de forma garantam destaque
para produção científica, bem como para o sujeito mulher. No entanto, na edição aprovada pelo
PNLD 2018 essa é a forma com que Lynn Margulis é tratada quando o livro faz a discussão
sobre teoria da endossimbiose. Algum destaque também é atribuído a Niède Guidon quando,
no terceiro volume da edição de 2018, o livro menciona que ela é “um dos nomes mais
respeitados da arqueologia do Brasil e umas das pioneiras nas escavações da Serra da Capivara”
(SILVA-JÚNIOR; SASSON; CALDINI-JÚNIOR, 2016b, p. 180).
O reconhecimento e apresentação das mulheres como sujeito produtor de Ciência, ou
seja, de sujeito cientista/ mulher da Ciência, se contrapõe aos discursos biológico-deterministas
de que as mulheres não possuem as habilidades para fazer Ciência (FREITAS; LUZ, 2017),
anunciado historicamente e fundamentado numa concepção de Ciência androcêntrica, sexista e
generificada. Ao considerar e apresentar as mulheres da Ciência, o livro didático, contribui para
o reconhecimento dessas mulheres e para (re)afirmar que na Ciência, a produção científica não
110
é um lugar reservado aos homens, que esse também é um lugar que pode ser ocupado pelas
meninas, pelas mulheres, quaisquer que sejam elas.
Ainda na coleção Biologia – de autoria de César da Silva Júnior, Sézar Sasson e Nelson
Caldini Júnior, nas edições de 2012 e 2018 do PNLD, apontamos para o apagamento de Mary
Hunt – assistente de pesquisa cuja atuação resultou na descrição de um fungo que produzia 100
vezes mais penicilina do que aquele descrito por Alexander Fleming. Adiantamos que a forma
misógina com que essa mulher da Ciência é apresentada aos/as leitores/as deste livro didático
permanece em duas edições do PNLD, mas é removida da última edição (2018). Embora
houvesse a possibilidade de contar a história dessa espécie de fungo de um modo que não
subalternizasse Mary Hunt, pontuamos que a retirada desse quadro do livro didático de Biologia
é uma forma de romper com preconceitos de gênero explícitos na área científica.
Já a edição aprovada pelo PNLD de 2018 da coleção Biologia Hoje duas mulheres da
Ciência são apresentadas na forma de imagem, são elas: Rosalind Franklin e Viviane dos Santos
Barbosa, algo inédito para essa coleção. Rosalind Franklin, apesar de ser mencionada em todas
as edições (2012, 2015 e 2018) em que há discussão sobre a estrutura da molécula DNA, tem
lugar à margem. O protagonismo do fato científico é atribuído aos dois cientistas homens, que
são mostrados por meio de imagem (fotografias).
Nas duas primeiras edições do PNLD (2012 e 2015) a fotografia dos dois cientistas é
acompanhada por uma imagem da fotografia 51, icônico resultado do trabalho de Rosalind
Franklin e que possibilitou a descrição da estrutura em dupla hélice da molécula do DNA. Já
na edição de 2018, a imagem da fotografia 51 é substituída por uma fotografia de Rosalind
Franklin, que aparece ao lado dos outros dois cientistas: James Watson e Francis Crick (figura
17).
111
Embora a presença de Rosalind Franklin nesse artefato seja um aspecto positivo e que
rompe com uma imagem de Ciência exclusivamente masculina, é preciso nos atentar para a
forma de apresentação dos sujeitos da Ciência envolvidos na invenção da estrutura da molécula
de DNA. Nos livros didáticos de Biologia analisados as imagens/fotografias escolhidas para
apresentar Rosalind Franklin, James Watson e Francis Crick, são, majoritariamente, aquelas
ilustradas na figura 17. Ou seja, James Watson e Francis Crick são retratados a partir de imagens
que exibem seus corpos – quase em sua totalidade, enquanto a imagem que retrata Rosalind
Franklin se limita ao rosto dessa cientista. O campo teórico, dos Estudos Culturais e dos Estudos
Feministas, que sustentamos nossas análises, aponta que essas escolhas não são neutras,
desinteressadas ou acidentais.
Assim, a escolha por essa forma de apresentação desses sujeitos da Ciência nos provoca
a questionar os saberes que levam a essa escolha, bem como o que ela veicula. Historicamente,
“o discurso dominante interpretava os corpos masculino e feminino como versões hierárquica
e verticalmente ordenadas de um sexo” (LAQUEUR, 2001, p. 21). Nesse sentido os corpos
femininos eram considerados o outro do masculino, portanto, incompleto, inferior e subalterno.
No século XIX, o discurso biomédico, substituiu essa compreensão de corpo fundamentado em
um único sexo, pela ideia de dois corpos singulares, o masculino e feminino (WEEKS, 2000).
No entanto, as marcas biológicas que se inscrevem nesses corpos são utilizadas para
112
hierarquizar e normalizar sujeitos. São atribuídos lugares sociais para esses corpos baseado em
um discurso binário de sexo e gênero: aos que possuem falo, a esfera pública, e aqueles que
possuem útero o papel da procriação e do cuidado familiar, da esfera privada.
Assim, ao excluir o corpo, e consequentemente as marcas biológicas inscritas nesse
corpo e limitar a retratação da cientista ao rosto – a cabeça, local onde fica o órgão atribuído a
inteligência, ao pensar – o artefato estaria justificando a posição dessa mulher como produtora
de conhecimento científico? Ou seria uma estratégia para retirar de cena corpos que
historicamente foram altamente sexualizados, objetificados, e cuja existência estaria destinada
e limitada a suprir os desejos sexuais do outro, e, portanto, considerados distrativos às
atividades humanas profissionais, por exemplo? Não temos elementos que nos possibilitem
afirmar as razões que levaram/levam a escolha dessa forma de retratar esses sujeitos da Ciência,
no entanto, entendemos que essa escolha não é neutra, mas atravessada pela questão de gênero.
No manual do professor da coleção Biologia Hoje (PNLD 2018) há indicação que esse
texto ao abordar as investigações sobre a estrutura do DNA:
65
O box “Biologia e sociedade” busca relacionar os conceitos abordados no capítulo com fenômenos do cotidiano
e da vida em sociedade.
113
O texto ao apontar a Ciência como uma área “mais fechada” reconhece que essa foi
historicamente, lugar restrito, autorizada apenas para alguns indivíduos: homens, brancos,
ocidentais e das classes dominantes (ARRAZOLA, 2002; LÖWY, 2009; SARDENBERG,
2002; SCHIEBINGER, 2001; SILVA, 2008).
Assim, sujeitos outros foram excluídos e marginalizados do campo e do fazer científico.
A “baixa representatividade de mulheres negras na atividade científica denuncia a confluência
do racismo e sexismo” (VARGAS, 2018, p. 13). Há nesse texto um potencial para discussão
das questões de gênero e raça na Ciência, entretanto, não é explorado pelos/a autores/a do livro,
pois não há indicação ou orientação acerca dessa discussão, transferindo ao/à professor/a com
sensibilidade e condições teóricas para identificá-la e abordá-la.
A presença de Rosalind Franklin e Viviane dos Santos Barbosa emerge na edição de
2018 do PNLD da coleção Biologia Hoje acompanhadas por uma discussão acerca da
epistemologia da Ciência. No caso de Rosalind Franklin essa discussão é direcionada aos/às
docentes, visto que está restrita ao manual do professor; e tem como foco a compressão da
Ciência como empreendimento coletivo que tem também como protagonistas mulheres. Já no
caso de Viviane dos Santos Barbosa a discussão é endereçada aos/às leitores/as desse artefato
cultural e tem como eixo central as relações de poder que atravessam a produção científica, que
negociam e ditam quem são os sujeitos que podem ser considerados cientistas.
Da mesma forma, na coleção BIO há momentos que indicam uma preocupação em
problematizar as questões implicadas na relação entre gênero e Ciência. No primeiro volume
da coleção BIO aprovada pelo PNLD 2015, encontra-se um boxe intitulado “Tema para
discussão”, que versa sobre a Natureza da Ciência e pontua algumas produções científicas com
a intenção de apresentar “contradições e reviravoltas científicas, ironias, tragédias e
responsabilidades diante do conhecimento científico” (LOPES; ROSSO, 2013a, p. 231). Um
dos quadros apresentados neste box, figura 18, aborda a descrição da molécula do DNA.
114
Como podemos observar na figura 18, além ser informado aos/às leitores/as sobre a
importância da cientista para a invenção do DNA, o livro anuncia a falta de reconhecimento
por sua contribuição, bem como adverte que: “Ela [a cientista] representa o esforço para uma
igualdade profissional que as mulheres têm lutado para conseguir dentro da comunidade
científica” (LOPES; ROSSO, 2013a, p.231). No manual do professor a recomendação do livro
é a de que durante essa atividade esse/a profissional:
Na edição aprovada no PNLD 2012, essa mesma imagem66 está presente. No entanto, o
manual do professor indica que:
o Tema para discussão aborda alguns fatos da história da Ciência e tem como
objetivo mostrar que o conhecimento não é linear, que há controvérsias,
reviravoltas e preconceitos. A proposta sugerida pretende incentivar os
estudantes a pesquisar e a conhecer um pouco mais sobre a vida de uma das
pessoas citadas. (LOPES; ROSSO, 2010b, p. 66, grifos dos autores).
66
As únicas diferenças são no design adotado para apresentação e que após a menção a Maurice Wilkins, na edição
aprovada no PNLD 2012, há a seguinte informação entre parênteses “este último trabalhava com Franklin”
(LOPES; ROSSO, 2010a, p. 281).
115
Embora a primeira edição sinalize para a compreensão de Ciência que se contrapõe ao modelo
hegemônico da Ciência Moderna, é na edição de 2015 que há indicação “das relações entre
Ciência e poder” (LOPES; ROSSO, 2013b, p. 231).
É interessante perceber que, apesar de o quadro, apresentado pela figura 18, apontar
para a discussão sobre gênero e Ciência, ao dizer que “Ela [Rosalind Franklin] representa o
esforço para uma igualdade profissional que as mulheres têm lutado para conseguir dentro da
comunidade científica” (LOPES; ROSSO, 2013a, p.231), o manual do professor da coleção
foge ao debate explícito de gênero, quando indica para o amplo tema Ciência e poder (edição
de 2015 do PNLD).
Se de um lado o livro avança, de outro ficamos nos perguntando sobre quais fontes de
uma História da Ciência que produza a ruptura com a perspectiva masculina tem sido
disponibilizada na formação inicial e mesmo na continuada de professores e professoras das
Ciências Biológicas? Sônia Lopes e Sérgio Rosso (2013b) avançam na proposição da sua obra
trazendo a referência e proposta de discussão para aulas de Biologia, mas nela não consta ainda
indicações de leituras de Histórias das Ciências que considere a dimensão de gênero como
fundante para pensar a Ciência e o fazer científico.
Na coleção aprovada pelo PNLD 2018, a preocupação com a discussão da relação entre
gênero e Ciência também está presente, e de forma mais evidente que nas duas edições
anteriores (PNLD 2012 e 2015). Tomamos novamente como exemplo a cientista Rosalind
Franklin. Em ambos os livros na unidade sobre Genética é abordada a relevância do que
chamam de “interpretação da molécula de DNA”, como ilustrado nas figuras 19 e 20.
116
Fonte: LOPES; ROSSO, 2013b, p. 142. Fonte: LOPES; ROSSO, 2016c, p. 118.
5 (IN)CONCLUSÕES
envolveram na produção de conhecimento, viés este que, como apontado por Löwy (2000),
ainda ecoa nos dias atuais.
A análise dos livros didáticos de Biologia que constituíram o corpus dessa pesquisa
revelou que as mulheres da Ciência estão presentes nesses artefatos, no entanto, essa presença
é mediada por processos de (in)visibilidades e apagamentos. As (in)visibilidades das mulheres
da Ciência vão sendo (re)construídas nesses e por esses artefatos pelo número de representantes,
localização e forma de apresentação.
As mulheres têm ocupado e reivindicado seu lugar na Ciência, tendo essa luta ecoado
nos livros didáticos de Biologia, uma vez que são apresentadas nesses artefatos como sujeitos
da produção científica. A presença das mulheres da Ciência nesses artefatos é extremamente
importante para desarticular o discurso, baseado em um determinismo biológico, de que esse
não seria um lugar para as mulheres.
No entanto, defendemos que, para além da presença, a forma como essas mulheres da
Ciência são apresentadas é substancial para problematizar se essa contribui para desconstruir
as imagens presentes no imaginário social de cientista homem, bem como para promover uma
educação não-sexista e comunicar aos sujeitos escolares que essa é uma área e uma carreira que
pode ser almejada por todos/as.
Pontuamos que, embora estejam presentes nos livros didáticos de Biologia, as mulheres
da Ciência aparecem em menor número quando consideradas todas as referências a sujeitos da
Ciência nesses artefatos. Elas aparecem nos livros didáticos analisados em um espectro
decrescente na forma de apresentação, com algumas ocupando lugares de destaque enquanto a
maioria é referida a partir da indicação de autoria da sua produção. Além disso, evidenciamos
que presença delas não está atrelada à importância de sua produção, mas facultada aos/às
autores/as, visto que elas aparecem e desaparecem dos livros didáticos de Biologia mesmo
quando a temática ou produção a que são atribuídas permanece nesses artefatos.
Reconhecemos a importância da representatividade e reiteramos a relevância do livro
didático de Biologia fazer referência a essas mulheres. Entretanto, sinalizamos para a
necessidade de problematizar essa representatividade, bem como de o livro didático ultrapassar
a atribuição de autoria, ainda que essa seja indispensável, como uma forma de assegurar a
presença dessas mulheres, situando-as também como protagonistas na produção de
conhecimento.
O apagamento do sujeito da Ciência também é mediado pela linguagem. Assim, a
adoção de linguagem generificada e a escolha por apresentar sujeitos da Ciência homens em
situações em que há mulheres da Ciência também estão presentes nos livros didáticos de
121
Biologia analisados. Ao adotar uma linguagem em que o gênero masculino é considerado como
aquele que diz sobre tudo e todos os sujeitos, não é possível considerá-la neutra, pois a discussão
ultrapassa as questões estruturais da língua, tomando significado e significando no âmbito
cultural.
Esses livros, ao dizerem sobre os sujeitos produtores de conhecimento, sem a
identificação de autoria, utilizam as palavras “cientistas” e “pesquisadores/as”,
majoritariamente definidas e flexionadas no gênero masculino. A adoção dessa linguagem para
dizer sobre sujeitos que atuam na produção de conhecimento está presente no livro nos textos
de conteúdo específico, boxes e também atividades, contribuindo para a construção de uma
imagem de cientista como homem e o apagamento das mulheres no campo científico.
Ao tomarmos o livro didático como produção/artefato cultural, não foi possível
compreender as (in)visibilidades e os apagamentos das mulheres da Ciência como algo
desinteressado, ingênuo ou acidental. Esse artefato cultural está carregado de significados que
operam na construção de identidades. Assim, como produto e produtor de cultura, podem operar
corroborando para a veiculação da imagem de uma Ciência androcêntrica, que invisibiliza,
subalterniza e apaga as mulheres na produção do conhecimento, mas também pode reverter a
ordem dada.
Nesse sentido, identificamos algumas descontinuidades e rupturas na abordagem das
mulheres da Ciência, evidenciando a potencialidade desses artefatos culturais em subverter
modelos hegemônicos. Ao analisar as coleções nas diferentes edições do PNLD, percebemos
que as discussões acerca dos entrelaçamentos de gênero e Ciência, bem como da importância
de se evidenciar as mulheres da Ciência e de promover uma educação científica não sexista,
tem ecoado nos livros didáticos de Biologia.
Essas descontinuidades e rupturas são evidenciadas pelo número crescente de mulheres
apresentadas na última edição do PNLD de algumas coleções, pela forma de abordagem dessas
mulheres, principalmente nos contextos que possibilitam a discussão sobre o lugar das mulheres
na Ciência e que evidenciam a mulher como sujeito da produção científica. Consideramos que
o aparecimento no manual do professor de orientações para que as relações entre gênero e
Ciência sejam problematizadas nas aulas de Biologia é também reflexo da ampliação dessas
discussões em diferentes espaços sociais.
Dessa forma, é possível afirmar que o viés androcêntrico da Ciência atravessa e é
veiculado por e nesses artefatos. No entanto, é possível também identificar algumas
descontinuidades e rupturas na compreensão de Ciência centrada no masculino. Esses
resultados reforçam a importância de continuarmos avançando nas discussões sobre a
122
minhas alunas da Educação Básica. Essa reflexão me movimenta a dar continuidade a este
trabalho, comprometida com os entrelaçamentos de gênero, ciência e o ensino de Ciências da
Natureza e Biologia, pensando em estratégias de enfrentamento das assimetrias de gênero na
Ciência.
124
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