Etica Adela Cortina With Cover Page v2
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Ética
Omar Salgado
Ética
(Tradução do espanhol por Silvana Cobucci Leite)
Resumo Prof. Dr. Roque Junges.
A ética ou a filosofia moral tem como objetivo explicar o fenômeno moral, dar
conta racionalmente da dimensão moral humana.
Hoje fazem parte da filosofia prática a ética ou filosofia moral, a filosofia política,
a filosofia do direito e a reflexão filosófica sobre a religião em perspectiva ética.
O termo moral pode ser usado como substantivo. 1) Num primeiro sentido refere-
se ao conjunto de princípios, preceitos, comandos, sendo a moral um sistema de
conteúdos sobre comportamentos. 2) Num segundo sentido pode referir-se ao código de
conduta pessoal de alguém (Fulano tem uma moral muito rígida ou carece de moral). 3)
Num outro sentido compreende as diferentes doutrinas morais ou a ciência que trata do
bem em geral e das ações humanas marcadas pela bondade ou maldade moral. As
doutrinas morais sistematizam um conjunto de conteúdos morais, enquanto que as teorias
éticas tentam explicar o fenômeno moral. 4) Num quarto sentido moral refere-se a uma
boa disposição de espírito, ter o moral bem elevado, estar com o moral alto. Aqui moral
não é um saber nem um dever, mas uma atitude ou caráter. 5) Um último sentido de
moral como substantivo compreende a dimensão moral da vida humana que é a âmbito
das ações e das decisões.
O termo moral pode também ser usado como adjetivo. 1) Moral no sentido de
oposto à imoral, como sinônimos de moralmente correto ou incorreto. 2) Moral
significando o oposto de amoral, isto é, que não tem nenhuma relação com a moralidade.
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Embora moralidade refira-se muita vezes a algum código moral concreto (p. ex.
quando se diz duvido da moralidade de seus atos ou fulano é um defensor da moralidade
e dos bons costumes), o termo pode ter outros significados. 1) Moralidade serve para
distinguir de legalidade e de religiosidade, referindo-se à dimensão moral da vida
humana, a essa forma comum das ações humanas para além das diversas morais
concretas, isto é, independente dos conteúdos morais. Por isso existe a distinção em
relação à legalidade referida à lei e à religiosidade referida ao sagrado. 2) Moralidade
pode também ser distinguida de eticidade no sentido que será visto mais adiante.
A ética tem uma tripla função: 1) esclarecer o que é a moral, quais são seus traços
específicos; 2) fundamentar a moralidade, ou seja, procurar averiguar quais são as razões
que conferem sentido ao esforço dos seres humanos de viver moralmente; 3) aplicar aos
diferentes âmbitos da vida social os resultados obtidos nas duas primeiras funções, de
maneira que se adote uma moral crítica em vez da subserviência a um código.
Para a filosofia antiga e medieval, centrada no ser, a moralidade era entendida como uma
dimensão do ser humano. A filosofia moderna tem como referência não mais o ser, mas a
consciência e a moralidade é uma forma peculiar de consciência. No século XX com a
virada lingüística, a moral começa a centrar-se na linguagem moral.
Para a Grécia concebe-se a moral como busca da felicidade ou como vida boa. Ser
moral é sinônimo de aplicar o intelecto para descobrir os meios oportunos para alcançar a
vida plena, feliz e globalmente satisfatória. Por isso é necessária uma correta deliberação
ou seja um uso da racionalidade prudencial que discorre sobre os meios e estratégias que
conduzem ao fim para o qual todos tendem: o máximo de felicidade. Aristóteles distingue
claramente entre racionalidade moral prudencial (aplicada para os meios adequados para
atingir o fim último de todos) e racionalidade técnica calculista (aplicada para usar
meios em vista de fins pontuais). Entre os gregos houve divergências sobre o modo de
entender a felicidade: hedonistas defendiam a felicidade como prazer e os eudaimonistas,
a felicidade como auto-realização. Para os hedonistas a razão moral é calculista pois se
trata de calcular prazeres.
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concepções de virtudes e normas que configuram as pessoas, por fim é necessário que
elas deitem raízes neste húmus das tradições morais. O problema desta visão é a sua
perspectiva particularista, quando precisamos dar conta de uma solidariedade
universalista. Precisamos remeter-nos a uma moralidade da comunidade universal.
Existem normas meramente sociais identificadas com costumes que apresentam uma
obrigatoriedade externa e normas propriamente morais que obrigam em consciência. O
tribunal das normas morais é a própria consciência e as ações contra as regras de
convivência social são julgadas pela sociedade circundante através da reprovação grupal.
O fim da técnica é a produção de bens úteis e belos e o fim da moral é a ação boa
por si mesma. Uma coisa é agir eficazmente e outra agir moralmente bem. Normas
técnicas têm por meta gerar bens particulares e as morais apontam para a consecução do
maior bem prático possível para o ser humano. Prescrições técnicas tornam as pessoas
hábeis no manejo de meios (ferramentas, utensílios, procedimentos) para alcançar fins
particulares, normas morais orientam meios (ações) que são fins em vista de um fim
último e supremo. Prescrições técnicas são imperativos hipotéticos, porque sua execução
está condicionada “se você quer x tem que fazer y”. As normas morais são imperativos
categóricos tendo como única condição que, no fundo, não é condição porque significa
negar-se como ser humano: “se você quer se comportar como um ser verdadeiramente
racional, então deve...”
III.2.2. Platão: propõe uma utopia moral no livro A República. O Estado perfeito é
constituído por diversos estamentos com funções determinadas: a) os governantes tem
a função de administrar, vigiar e organizar a cidade; b) os guardiães e os defensores
(militares), de defender a cidade; c) os produtores (camponeses, artesãos),
desenvolver as atividades econômicas. Cada estamento tem uma virtude específica: a)
os governantes realizam sua tarefa pela prudência e sabedoria; b) os guardiães pela
fortaleza ou coragem; c) os produtores, pela moderação ou temperança. Estes três
estamentos correspondem às três espécies ou dimensões da alma: a) a racional que é o
elemento superior e excelso dotada de autonomia e de vida própria, caracterizando-se
pela capacidade de raciocinar; b) alma irascível que é a sede da decisão e da coragem
nos quais predomina a vontade, fundamentando-se na força interior colocada em ação
quando existe conflito entre os instintos e a razão; c) apetite ou parte concupiscível
que corresponde aos desejos e às paixões. A virtude correspondente da alma racional
é a prudência e a sabedoria; da alma irascível é a fortaleza e o valor; da parte
concupiscível do apetite, a virtude da moderação. A virtude da justiça harmoniza as
diferentes virtudes tanto na cidade quanto na alma.
Epicurismo é uma ética hedonista, isto é, uma explicação da moral como busca de
felicidade entendida como prazer, como satisfação de caráter sensível. Essa escola foi
fundada por Epicuro de Samos (341-270 A.C.). Para ele, o sábio é aquele que for
capaz de calcular corretamente quais atividades proporcionam maior prazer e menor
sofrimento. Trata-se de calcular a intensidade e a duração dos prazeres. Portanto as
duas condições para saber ser sábio e feliz são o prazer e o entendimento reflexivo
para ponderar estes prazeres.
Agostinho de Tagaste: Para ele, os filósofos gregos estavam certos ao afirmar que a
moral deve ajudar a conseguir uma vida feliz, mas eles não souberam encontrar a
chave da felicidade humana que se encontra no encontro amoroso com Deus Pai. A
felicidade não está em conhecer como pensavam os gregos, mas em amar, em
desfrutar de uma relação amorosa com quem nos criou como seres livres. A moral é
necessária, porque precisamos encontrar o caminho de volta para a Cidade de Deus
da qual nos extraviamos por ceder às tentações egoístas. Para nos libertar do pecado,
Deus nos enviou uma ajuda decisiva, a sabedoria encarnada que é o próprio Jesus
Cristo que, pelos seus ensinamentos e pela sua graça, nos reconduz de volta à Cidade
de Deus.
virtude teológica da caridade que são os hábitos operativos do bem para encontrar a
ação adequada à pessoa e ao contexto.
II.3. Éticas da era da “consciência”: A partir dos séculos XVI e XVII a moral entra
numa nova etapa. A revolução científica, as guerras de religião, a crise cultural fazem
centrar a moral na consciência.
como meio”; c) valer para uma legislação universal em um reino de fins: “Aja por
máximas de um membro legislador universal em um possível reino dos fins”.
A chave para comandos morais autênticos é que possam ser pensados como se
fossem leis universalmente cumpridas sem que isso implique em nenhuma incoerência.
Em outras palavras, ao obedecer a estes comandos se está obedecendo a sua própria
consciência autônoma. Essa liberdade como autonomia é a razão de reconhecer aos seres
humanos um valor absoluto. Esse é o sentido de os seres humanos não terem preço, mas
dignidade, porque não podem ser trocados por algo equivalente.
Assim a liberdade torna-se um postulado da razão prática, isto é, um postulado
que não procede da ciência, mas é compatível com o que ela nos ensina. Somos capazes
de decidir por nós mesmos, autonomamente, não levados pelos instintos biológicos, as
forças sociais e os condicionamentos. Cada pessoa tem o poder da soberania racional
sobre si mesmo. Por isso o próprio da moral é uma boa vontade, ou seja, a disposição
permanente de conduzir a própria vida obedecendo a imperativos categóricos e não às
tendências da natureza.
Portanto o bem moral não reside na felicidade como defendiam as éticas
tradicionais, mas em conduzir-se com autonomia, construir corretamente a própria vida.
Mas o bem supremo não se identifica simplesmente com o bem moral. Ele só pode ser
alcançado com a união entre o bem moral (possível pela boa vontade autônoma) e a
felicidade que aspiramos por natureza. Mas a razão humana não oferece nenhuma
garantia de que se possa alcançar este bem supremo. A única que pode fazer isso é a fé
religiosa. Assim a existência de Deus é um outro postulado da razão que não se pode
provar como também a imortalidade da alma como seu correlato.
Scheler afirma uma ciência pura dos valores (axiologia pura) que se eustenta em
três princípios: 1) Todos os valores são negativos ou positivos; 2) Valor e dever estão
relacionados; 3) Nossa preferência por um valor e não por outro verifica-se porque nossa
intuição emocional (estimativa moral) capta os valores já hierarquizados.
III.3.4. O utilitarismo.
Trata-se de uma versão renovada anglo-saxônica do hedonismo clássico, mas com
uma perspectiva social. Procura conjugar a busca do prazer com os sentimentos sociais,
entre os quais, a simpatia que faz perceber que os outros também desejam alcançar o
prazer. O objetivo da moral volta a ser a felicidade identificada com o maior prazer para
o maior número de seres vivos. É necessário optar pela ação que proporcione a maior
felicidade ao maior número.
Quem primeiro formulou esse princípio foi o jurista Cesare Beccaria, mas os
clássicos do utilitarismo foram Jeremy Bentham (1748-1832), John Stuart Mill (1806-
1876) e Henry Sigdwick (1838-1900). Bentham propõe uma aritmética dos prazeres, pois
eles podem ser medidos e comparados. Mill rejeita essa idéia, dizendo que os prazeres
não são uma questão de quantidade, mas de qualidade, de modo que existem prazeres
superiores e inferiores, sendo preferíveis os prazeres intelectuais e morais. Mill
supervaloriza os sentimentos sociais como fonte de prazer.
Nas últimas décadas apareceu a distinção entre “utilitarismo do ato” que julga os
diferentes atos pelas conseqüências previsíveis e o “utilitarismo da norma” que defende
que é necessário ajustar as ações às regras habituais que já mostraram sua utilidade geral
pelas conseqüências.
em estética da vida. Não existe uma fundamentação ética da vida, mas antes uma
justificação estética da existência.
III.4.2. Emotivismo
Desde o final do século XIX, a linguagem torna-se principal centro de interesse
da filosofia e da ética em especial. O primeiro pensador que faz eco dessa virada foi G. E.
Moore com a sua obra Principia Ethica (1903). Esclarece as questões fundamentais da
ética, analisando a linguagem moral, principalmente o termo “bom”, gerador de muita
confusão. O “bom” só pode ser apreendido por uma intuição pois é uma noção
indefinível, não sendo demonstrável.
A posição de Moore foi definida de intuicionista. Ela apresenta duas dificuldades: a) não
explica o fato da argumentação moral que ocorre apesar do intuicionismo; b) não explica
porque os termos morais impelem a agir. O emotivismo do século XX foi uma resposta a
essas dificuldades.
O emotivismo de A. J. Ayer e Ch. L. Stevenson afirma que os enunciados morais
são enunciados aparentes, pois não inserem nenhuma comprovação, expressam apenas
aprovação ou desaprovação. Esses pseudo-enunciados têm uma dupla função: a)
expressam emoções subjetivas ou sentimentos; b) influenciam os interlocutores com a
pretensão de que adotem a atitude aprovada. Portanto, não pretendem descrever
situações, mas provocar atitudes.
III.4.3. Prescritivismo
Iniciado por R. M. Hare com a sua obra A linguagem da moral (1952) afirma
contra o emotivismo que alguns termos morais têm validade universal. A linguagem
moral é uma linguagem valorativa para a qual interessa não tanto o que se consegue com
ela, mas o que fazemos, quando a empregamos, dada a diferença em relação à linguagem
da propaganda.
a) A primeira característica da linguagem valorativa é que prescreve uma conduta
com base a razões originadas do assunto do qual trata, podendo ser expressa por meio da
linguagem descritiva. b) Essa conexão entre enunciados valorativos e descritivos é
denominada de superveniência, dependendo do que os interlocutores consideram como
bom. c) Outra característica dos enunciados morais é o fato de serem universalizáveis,
significando duas coisas: se algo é bom, então tudo que tem as mesmas características
também deve ser bom; a razão que justifica que algo é bom, justifica também a obrigação
para todas pessoas nas mesmas circunstâncias. Isso leva ao princípio da imparcialidade
de todo juízo moral que se identifica com a objetividade.
adequados à convivência social atual. Assim se chegaria a convicções básicas que todos
compartilham. Tais convicções configuram o “senso comum” em questões morais.
Na escolha destes princípios básicos de justiça possibilitados pela posição
original, Rawls propõe que imaginemos pessoas afetadas por um véu de ignorância que
as impede de conhecer as suas próprias características naturais e sociais, isto é
desconhecem os traços físicos, psicológicos e sociais, as crenças e projeto de vida que
terão. Além disso, não são capazes de dominar ou coibir uns aos outros e detém amplos
conhecimentos gerais necessários.
Nessa situação ideal e originária, eles adotariam os seguintes princípios: 1) Toda
pessoa tem direito a um esquema plenamente adequado de liberdades iguais compatível
com um esquema similar de liberdade para os outros (princípio de liberdades iguais); 2)
As inevitáveis desigualdades econômicas e sociais têm que satisfazer duas condições para
serem aceitas: a) elas devem estar associadas a cargos e posições abertas a todos em
condições de eqüitativa igualdade de oportunidades (princípio de justa igualdade de
oportunidades); b) devem obter o máximo benefício aos membros menos privilegiados
(princípio de diferença).
simetria, sendo que as decisões válidas não são aquelas fruto da maioria numérica, mas as
que todos podem se reconhecer.
III.4.5. Comunitarismo.
Difundiu-se no mundo anglo-saxão, desde a década de 80, como uma reação às
conseqüências individualistas da ética do liberalismo. Os autores mais importantes são A.
Macintyre, Ch. Taylor, M. Sandel, M. Walzer, B. Barber. Eles têm as suas diferenças,
mas se unem nas críticas ao individualismo contemporâneo e na insistência nos vínculos
comunitários como fonte de identidade pessoal.
O comunitarismo é uma réplica aos efeitos indesejáveis do liberalismo:
individualismo não-solidário, desapego afetivo, desvalorização dos laços inter-pessoais,
perda identidade cultural. Muitas dessas críticas dos comunitaristas foram aceitas pelo
liberalismo. Um exemplo é o caso da teoria da justiça de Rawls. Segundo Walzer, os
comunitaristas apresentam dois principais argumentos contra o liberalismo: 1) consagra
um modelo associal de sociedade, pois compreende a sociedade como um ajuntamento de
indivíduos radicalmente isolados, egoístas racionais e divididos em direitos inalienáveis;
2) a teoria liberal desfigura a vida real, pois o mundo não é assim como pregam os
liberais, indivíduos desvinculados de qualquer laço social, literalmente sem
compromissos.
O primeiro argumento é consistente, ao menos, nas sociedades ocidentais, onde os
indivíduos se separam sempre mais pela mobilidade geográfica, social, matrimonial e
política. O liberalismo seria um respaldo deste fato sociocultural da mobilidade. O
segundo também é verdadeiro, porque certos vínculos permanecem apesar da mobilidade.
Mas o comunitarismo esquece que a tradição liberal utiliza o vocabulário dos direitos
individuais como uma reação à opressão do social.
Nesse sentido, para Walzer, o liberalismo é uma doutrina auto-subversiva, por
engendrar conseqüências negativas, exigindo periodicamente a correção comunitarista.
Nenhum dos dois modelos tem atrativo por si mesmo. Um serve de corretivo ao outro.
Por isso, é necessário evitar extremismos: (1) certas versões do liberalismo apresentam
um indivíduo sem compromissos com a comunidade como se fosse possível uma
identidade pessoal sem laços comunitários; (2) o outro extremo são certos tipos de
coletivismos veiculados a) ou por posições etnocêntricas que absolutizam uma
comunidade cultural particular b) ou por posições coletivistas que consagram
determinada visão excludente do mundo social e político.
isso, cada uma delas, corresponde a uma vertente do fenômeno total da moralidade. As
classificações ajudam a se aproximar da lógica da ação moral.
bens sensíveis, outras fazem uma seleção. As éticas de fins defendem que o bem moral
reside no cumprimento de um fim objetivo independente do desejo do sujeito. Este fim
pode ser o aperfeiçoamento do indivíduo ou da sociedade.
deontológicas (deón em grego é dever). Mas essa distinção não é mais útil, porque
nenhuma teoria ética hoje desconsidera as conseqüências.
Seguindo Frankena, Rawls propõe outra definição mais adequada. Éticas
teleológicas ocupam-se em discernir o que é o bem não moral antes de determinar o
dever, considerando moralmente boa a maximização do bem não moral. Éticas
deontológicas definem o âmbito do dever antes de se ocupar do bem, só considerando
bom o que é adequado ao dever.
específico diferente de qualquer outro? Como diferenciar o discurso moral dos outros
discursos? Essa preocupação é fruto da virada lingüística que acontece na filosofia e
atingiu também a moral. O ponto de partida da reflexão filosófica não é mais o ser nem a
consciência, mas o fato lingüístico.
V.4.1. O cientificismo.
Defende que a racionalidade pertence unicamente ao âmbito dos saberes
científico-técnicos, ficando os demais âmbitos humanos, inclusive o moral, na esfera do
irracional. Seguindo Weber, essa mentalidade defende a neutralidade axiológica como
condição para a objetividade científica, unicamente possível no conhecimento científico-
técnico. Assim, exclui-se toda valoração por considerá-la subjetiva, abrindo um abismo
entre a teoria e a práxis, entre o conhecimento e a decisão, ficando a ética reduzida a uma
perspectiva psicológica, sociológica e genética, perdendo o seu caráter racional e
normativo.
Neste sistema, a vida pública é o espaço entregue aos especialistas, seguindo leis
da racionalidade científico-técnica para as suas avaliações, e a esfera privada é o espaço
do predomínio das decisões da consciência, consideradas irracionais, porque subjetivas.
Para Weber, a racionalização científica levou ao desencantamento que significa a
dissolução da ordem de valores e da visão de mundo vigente, levando a um politeísmo
axiológico pelo qual cada um tem o seu “deus” e os seus valores, sendo impossível o
acordo intersubjetivo.
Este cientificismo foi duramente criticado por várias correntes: a) as decisões não
devem ficar imunes à crítica; b) a ciência não pode prescindir de um fundamento
reflexivo, pois do contrário vira ideologia que encobre interesses; c) a própria
possibilidade da ciência exige a moral, porque normas que regem o trabalho científico
são normas morais; d) se a moral não é racional, as prescrições não repousam na
universalidade e incondicionalidade, mas no sentimento subjetivo, tornando impossível a
convivência social; e) se a convivência pública se mantém, para cientificismo, em
convenções sociais, mesmo nesse caso necessita de uma base moral, pois essas
convenções necessitam de confiabilidade.
para qualquer outra justificação; b) pela racionalidade filosófica que não repousa em
princípios evidentes, mas aponta para aqueles pressupostos necessariamente verdadeiros,
se si quer chegar a argumentos intersubjetivamente válidos. Fundamentação de
argumentos significa descobrir aqueles pressupostos sem os quais nenhuma
argumentação é possível. Encontrar tais pressupostos é auto-reflexão. Assim, seguindo
Appel, o problema da fundamentação está na busca das condições transcendentais da
validade intersubjetiva da argumentação que podem encontrar-se na lógica (Kant), no
sistema coerente (Hegel), na semântica (Peirce) ou na pragmática (Habermas e Appel).
Em todos eles trata-se de um modelo de fundamentação que não prescinde da dimensão
pragmática do signo lingüístico.
não haveria obrigações morais. Mas no caso de existirem seres valiosos por si mesmos,
então eles não tem preço, mas dignidade. As pessoas têm dignidade, porque são livres.
Existe moral, porque os seres humanos têm dignidade, tendo dignidade porque estão
dotados de autonomia. O reconhecimento de toda pessoa como um valor absoluto é o
fundamento de toda moral.
Existem comandos negativos ou proibições que são deveres perfeitos, porque são
contundentes e precisos em suas ordenações, dizendo claramente o que não se pode fazer,
por exemplo, o comando de não matar. Os comandos positivos são deveres imperfeitos,
porque são menos contundentes, não apontando com precisão o que é preciso fazer, por
exemplo, a norma de ser honesto. Dão recomendações que a consciência necessita
precisar.
Os deveres positivos são ações supererogatórias porque indicam comportamentos
que excedem aquilo que pode ser exigido de todos. Ao contrário, as proibições estão
relacionadas com ações intrinsecamente más, que, em princípio, não admitem gradação
nem exceção. Às vezes podem acontecer conflitos entre deveres negativos e em outros
um comando positivo pode sobrepor-se a um negativo. Neste caso, precisamos considerá-
los como princípios, chamados prima facie, isto é, são obrigatórios nas situações normais,
mas quando entram em conflito, é necessário ponderar os elementos da situação concreta
para dar prioridade à algum deles. Isto significa que não é possível estabelecer a priori
uma ordem de prioridade entre os comandos, pois é a própria pessoa que, na situação
concreta, vai priorizá-los quando entram em conflito.
Os comandos morais apontam para aspectos da dignidade da pessoa, os quais se
identificam com os valores. Tomando em consideração estes valores alguns deveres
prima facie que representam valores mais básicos devem ter prioridade diante de outros
menos básicos. Mesmo neste caso podem acontecer situações em que é necessário aceitar
um mal menor.
Dizer que os valores não podem ser priorizados numa hierarquia rígida não
significa cair no relativismo, porque algumas coisas são consideradas justas em qualquer
situação. A consciência moral atual está desembocando numa moral universal para as
questões de justiça. Trata-se de um universalismo moral mínimo, no qual todos se
reconhecem intersubjetivamente. Este universalismo engloba os valores necessários ao
reconhecimento e respeito da dignidade de toda pessoa humana.
hábitos que é preciso incorporar para alcançá-los. Para chegar a isso, os eticistas devem
trabalhar interdisciplinarmente junto com os especialistas de cada área. Mas é necessário
também ampliar a visão ética para a moral cívica que rege o tipo de sociedade em que
vivemos.
coletividade. Por isso é mais importante a inteligência do que a vontade e, por outro, é
necessário assumir a lógica da atividade coletiva, ou seja, ver a moralidade das práticas
desenvolvidas nas instituições e organizações. Todos os âmbitos da ética aplicada tratam
de atividades sociais. Mas não se trata tanto de refletir eticamente sobre as instituições e
organizações, pois estas são cristalizações de ações humanas realizada por sujeitos
humanos. Trata-se de refletir sobre as práticas institucionais e organizativas, examinando
as atividades cooperativas e sociais realizadas pelos sujeitos humanos. Para desenvolver
moralmente uma atividade na sociedade moderna é preciso atender a cinco pontos de
referência:
1) Ver quais são as metas sociais que dão um sentido a esse tipo de atividade. Elas
identificam-se com os bens internos deste campo de atividade. Eles conferem um
sentido e legitimidade social às ações. Portanto, as diferentes atividades sociais
caracterizam-se pelos bens que se obtêm por meio delas, pelos valores que
inspiram a busca desses fins e pelas virtudes que apontam para as atitudes
necessárias na busca dos bens. As diferentes éticas averiguam quais valores e
virtudes permitem alcançar os bens alcançáveis através daquela atividade social.
Por exemplo, o bem interno buscado pela atividade do profissional da saúde é o
benefício do paciente. Que valores e virtudes devem pautar a busca desde bem?
2) Para alcançar os bens internos de cada atividade é preciso contar com mecanismos
específicos dessa sociedade, em nosso caso, a sociedade moderna. Por exemplo,
para alcançar a meta social ou produzir o bem interno que a empresa se propõe, a
busca do lucro é um meio que tem legitimidade social na sociedade moderna.
Contudo quando esse meio torna-se um fim, a atividade fica desmoralizada.
3) Por outro lado, a legitimidade de qualquer atividade social deve ater-se à
legislação jurídica vigente que define as regras do jogo naquela sociedade.
Contudo a legalidade não esgota a moralidade, a) porque a legislação é dinâmica,
necessitando de interpretação e b) porque a legislação nunca consegue submeter
uma atividade totalmente à sua jurisdição.
4) Por isso, é importante ter como referência também a ética civil ou a consciência
moral cívica, alcançada naquela sociedade. Ela identifica-se com o conjunto de
valores que os cidadãos de uma sociedade pluralista já compartilham,
independente de suas concepções morais e religiosas. Em linhas gerais trata-se de
levar a sério os valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade.
5) O puro nível da moralidade não basta, porque interesses espúrios podem difundir
uma moralidade difusa que condena, como imorais, ações inspiradas na justiça,
nos direitos humanos e na dignidade humana. Por isso, é preciso uma moral
crítica, que aponte os valores e os direitos a serem racionalmente respeitados.
4) Ver quais são os valores da moral cívica da sociedade que afetam o exercício dessa
atividade.
5) Averiguar quais valores de justiça, próprios de uma moral crítica universal, permite
por em questão normas vigentes.
6) Deixar a tomada de decisão a cargo dos que são afetados por esse processo.
VI.5.1. Bioética
No início, a bioética surgiu como uma “macroética” que enfoca a ética a partir da
vida ameaçada. Mas ao definir o seu âmbito de abrangência, ela foi sendo reduzida às
questões relacionadas com as ciências da saúde e com as biotecnologias. Existe um
consenso de que o núcleo da bioética são os princípios da autonomia, beneficência e
justiça propostos pelo Relatório Belmont em 1978 nos Estados Unidos. Para os autores,
os princípios são válidos, mas convém fundamentá-los por meio de um conceito de
pessoa, como interlocutor válido, para apreciar plenamente sua validade intersubjetiva.
VI.5.2. Gen-ética
Os avanços científicos da engenharia genética provocam esperanças e receios.
Pela primeira vez a humanidade pode alterar o patrimônio genético das gerações futuras.
Essa possibilidade apresenta questões éticas que não se pode evitar: Até onde vão os
processos de mudança? Quais são os fins últimos das manipulações genéticas? Quem está
legitimado a tomar decisões nesses assuntos? A resposta a essas questões deve situar-se
no contexto da racionalidade ética que se move no terreno do diálogo, da
interdisciplinaridade e da busca cooperativa de respostas para os desafios éticos.