Ricardo Costa de Oliveira
Ricardo Costa de Oliveira
Ricardo Costa de Oliveira
11 | Set/Dez/2017
Artigo recebido em 04/09/2017/ Aprovado em 20/10/2017
http://dx.doi.org/10.20336/rbs.225
10.20336/rbs.225
RESUMO
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DECISO - Universidade Federal do Paraná (UFPR)
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DAESO - Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
***
DECISO - Universidade Federal do Paraná (UFPR)
****
UACIS - Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
REVISTA BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA | Vol 05, No. 11 | Set/Dez/2017
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ABSTRACT
Families and certain surnames are increasingly present in the political space, in the
occupation of elective offices in the various spheres of power and also in commis-
sioned posts. Families operate in every social and political institutions in such a de-
cisive manner. A recurrent picture that historically has always indicated an archaic
social manifestation of specific regions of Brazil. But today it has been shown that
the variable family & politics covers the entire national territory and so less is just
a Brazilian reality. Despite the undeniable recognition, we pointed out that such
discussions in the academic and scientific field have been taken up, particularly
after the 1990’s. Here we discuss and point out how this object was centrally and
analytically appropriated, built and methodologically discussed in the Brazilian So-
cial Sciences in recent decades.
Keywords: Family; Politics, Power, Genealogy; Institutions.
Introdução
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ca como certas famílias e determinados sobrenomes estão cada vez mais pre-
sentes no espaço e na arena das instituições de decisões políticas (legislativo,
executivo, partidos, dentre outras). Indivíduos pertencentes às tradicionais e
endinheiradas famílias têm ocupado, de forma hegemônica e contínua, cargos
eletivos e funções de nomeação nas esferas municipais, estaduais e federais.
Historicamente sempre foi comum a identificação de oligarquias no co-
mando político de alguns estados brasileiros, sobretudo nordestinos, assim
como determinados sobrenomes na política nacional. Grande parte dos es-
tudos que indicam a referida relação é direcionada para regiões periféricas
ou para o Brasil do passado, uma sociedade ainda basicamente rural em
um país marcado por relações patriarcais, por instituições atrasadas e, es-
pecialmente, configuradas no poder político municipal, não visualizando o
respectivo fato em contextos mais complexos, definidos pela estrutura racio-
nal e moderna do Estado.
O que se verifica empiricamente a cada pleito, tanto do ponto de vista dos
estados como das pequenas cidades do interior e até mesmo em capitais e no
plano federal, é a continuidade da política como campo cada vez mais pro-
pício para atividades familiares. Podem-se encontrar hoje, e não raramente,
netos ou bisnetos daqueles que nos tempos remotos já estavam presentes na
ocupação dos espaços de poder, sustentados por relações e vínculos familiares
que lhes permitiam o exercício político. As últimas eleições3 indicam que esse
processo vem se reproduzindo de tal maneira que questões mais básicas da
dimensão republicana e democrática devem ser discutidas e consideradas.
Em meio a tal visualização, nos propomos a apresentar contribuições
de autores/pesquisadores que se detiveram em analisar a continuidade e o
poder das famílias na política brasileira. Em quase todas as regiões e esta-
dos, mesmos os considerados mais centrais ou desenvolvidos situados no
Centro-Sul, ao longo do século XX e início do XXI, tem-se apresentado este
padrão de atuação, em que famílias controlam e atuam nos principais e es-
tratégicos postos do aparelho de Estado. As referidas produções se apresen-
tam a partir da década de 1990, uma vez que tal perspectiva de análise foi,
de certa forma, limitada entre os anos 1950 e 1990, haja vista que os estudos
sobre família e política foram conduzidos à perspectiva da microssociologia,
3 Vale conferir: Herdeiros de políticos ocupam metade da Câmara. Congresso em Foco. 3 fev.
2016. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/herdeiros-de-politicos-
ocupam-metade-da-camara/>. Acesso em: 26 abr. 2016.
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“Havia uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família. Os partidos políticos
eram vistos como ‘famílias políticas’, onde vínculos afetivos e pessoais uniam chefes e
demais membros” (REIS, 2000, p. 128).
12 “Em seu modelo político-administrativo, o Estado e a sociedade passariam a ter interesses
idênticos, os interesses dos indivíduos coincidiriam com o interesse coletivo” (REIS, 2012,
p. 176).
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Antonio Cândido (1951), por sua vez, no artigo The Brazilian Family [A
família brasileira]13, dedica-se ao “estudo sociológico da família brasileira”
mediante a análise histórica de sua estrutura interna, função social e trans-
formação no decorrer dos séculos XVI a XIX. Parte do pressuposto de que a
família patriarcal colonial “foi a base sobre a qual se desenvolve a moderna
família conjugal, cujos traços só podem ser entendidos se examinarmos sua
origem” (CANDIDO, 1951, p. 291). Com as transformações das estruturas so-
ciais e econômicas que estavam ocorrendo na sociedade, a família patriarcal
também teria que se adaptar às novas demandas e deixaria de ser o grupo
central na organização social. Candido afirma que, no decorrer do processo
de colonização,
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Emílio Willems (1953), antropólogo alemão que viveu no Brasil por mais
de 18 anos, em 1953 publica The Structure of the Brazilian Family [A estru-
tura da família brasileira], em que questiona a validade da família patriarcal
como sendo o único modelo de família existente no Brasil, mesmo nos tem-
pos coloniais, e mostra como as várias mudanças socioculturais afetaram
esta instituição. Aponta que os sociólogos se desinteressaram pelos estudos
das novas formas de família que foram surgindo com a decadência da família
patriarcal. Critica os estudos que indicam a família patriarcal como a única
forma dominante de família, pois para ele este tipo de família era apenas um
dos modelos existentes na sociedade brasileira, o modelo da classe domi-
nante. Argumenta que não havia estudos das famílias das classes inferiores
e médias para sabermos se seguiam a mesma linha da família patriarcal, mas
conclui que, independente da classe social de origem, os interesses familia-
res são o que controlam o sistema brasileiro e, uma vez que se tem acesso,
a elite política acaba adotando a prática do familismo e do nepotismo, que
são característicos da estrutura de poder tradicional na sociedade brasileira
(WILLEMS, 1953, p. 339). As famílias atuam significativamente em todas as
instituições brasileiras.
Ao realizarmos o mapeamento de trabalhos que trazem a referida pro-
blemática, verificamos que, somente a partir dos anos 1990, são retomadas
discussões que pontuam a relevante conexão das relações familiares na
esfera política, expressando a continuidade da variável família no campo
político institucionalizado, com relações de poder complexas que se
materializam no interior de instituições racionais, burocráticas e modernas.
Cabe pontuar aqui que tais trabalhos assumem a perspectiva na qual as
transformações ocorridas na sociedade brasileira de várias ordens não foram
capazes de separar a presença de relações familiares no campo político. Mas,
ao contrário, tais grupos manifestaram habilidade política de se sobrepor às
mudanças e reconfigurar suas estratégias de poder e riqueza, mantendo e
reproduzindo estratégias familiares e sobrenomes em meio ao aprofunda-
mento do capitalismo, do processo de urbanização e de modernização da
sociedade brasileira.
Paralelamente, percebe-se que a referida temática entre os anos 1950 e
1990 tomou contornos peculiares, sendo reconduzida aos estudos de caráter
pontual, da microssociologia e da antropologia. Nesse sentido, tem-se uma
grande produção de estudos que direcionam o olhar para as relações de po-
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14 Conferir José Murilo de Carvalho (1997), que entende o mandonismo como um traço, uma
característica da política brasileira desde o processo de colonização (e que sua tendência
seria o desaparecimento), onde o chefe local, o potentado, o senhor, o proprietário de
terras, assevera por controlar recursos e, dessa forma, expressa significativo poder sobre os
indivíduos ao seu redor, tendo condições de influenciar suas “escolhas” eleitorais.
15 Entendido como um sistema político que envolve uma rede de compromissos e relações
de poder hierárquicas, de barganhas recíprocas entre o poder público fortalecido e o
poder privado enfraquecido com o objetivo de manter o andamento do processo eleitoral,
conforme as necessidades do situacionismo político (CARVALHO, 1997).
16 Disponível em https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/35335#files-area. Acesso em 14 set.
2016.
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2007; 2012) e Grill (2003; 2004; 2007 e 2012), a partir da década de 1990,
e tem impulsionado, influenciado novas agendas de pesquisa, estabelecen-
do agora uma perspectiva de análise em que se possa pensar na relação do
local e do nacional e na construção de uma agenda que pense não apenas o
objeto de análise, mas também que formule um corpus teórico-empírico e
metodológico.
Figura 1 – Quadro histórico da produção do pensamento social brasileiro sobre o tema família e política
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18 O viés antropológico tem apontado várias perspectivas de análise para a relação família e
política. Entre elas, está a contribuição de Ana Cláudia Marques (2002, 2005) que analisa
conflitos entre famílias políticas no sertão de Pernambuco.
19 19 Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Professor Decano do Departamento de Ciências
Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Paraná.
20 Em 1996 Oliveira cria e institucionaliza o grupo NEP - Núcleo de Estudos Paranaenses -,
que visa à análise das relações de parentesco e de nepotismo na política estadual e nacional.
Disponível em: https://nucleodeestudosparanaenses.wordpress.com. Acesso 18 set. 2016.
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22 Canêdo (1994) retoma, em suas análises sobre a política mineira, a pesquisa de Cid Rebelo
Horta, desenvolvida em 1956, na qual destaca apenas 27 famílias na composição da elite
mineira. Dentre os grupos, a própria família Canêdo.
23 Tal linha fundamenta-se em somar conhecimentos para compreensão da realidade política
brasileira e não se contrapor às demais abordagens que têm a mesma prioridade, porém
apresenta perspectivas teóricas e epistemológicas distintas.
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25 A análise de Daiane Resende (2014; 2015) sobre Roberto Requião de Mello e Silva pode ser
um exemplo claro desse aspecto quando o ex-governador do Paraná lança mão do estilo
político e dos trejeitos de seu bisavô, Justiniano de Mello e Silva.
26 Canêdo (2011) analisa a trajetória política da família Honório por aproximadamente 150
anos e através do vínculo de sua matriarca Balbina Honório (casada com Manoel da Silva
Canêdo e irmã de Honório Hermeto Carneiro Leão – marquês do Paraná). José Murilo de
Carvalho sinaliza o estilo político do mineiro Honório Hermeto entre aqueles que, como
exemplo, eram “[...] homens altivos, ásperos, rebeldes, íntegros, movidos por fortes
convicções liberais” (CARVALHO, 2017, p.211).
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tatar de que forma as famílias políticas agem para que tenham êxito mesmo
com as transformações do espaço político e do aprimoramento democrático
de suas instituições. Tal aspecto Oliveira (2001; 2012) considera como a ca-
pacidade de certos grupos políticos familiares de realizarem uma espécie de
metamorfose burguesa, muito mais no sentido de estabelecer conciliação e
coexistência em meio à sobrevivência e ao ajuste perante as transformações
sociais, políticas e econômicas (OLIVEIRA, 2001). Assim, os casamentos são
tomados como estratégias para garantia de prestígio, de acumulação de capi-
tal e também podem redirecionar a atuação dos atores ao mesmo tempo em
que consolidam lógica na ordem política (CANÊDO, 2011; OLIVEIRA, 2016).
Oliveira (2001; 2012) chama a atenção de forma substancial para a ca-
pacidade de adaptação dos grupos familiares às transformações sociais, o
que permite sua continuidade, tanto do ponto de vista econômico quanto
político. O continuísmo de certos grupos familiares na ocupação de cargos
políticos, eletivos ou não, sobreleva a reprodução de relações desiguais na
sociedade brasileira, assim como se assentam, por outro lado, bases firmadas
em redes de proteção entre os grupos dominantes27.
Ao tomar como objeto de pesquisa a classe dominante do estado do Pa-
raná em uma perspectiva de longa duração, Oliveira aponta que suas insti-
tuições sociais e políticas são atravessadas pelas mesmas famílias há mais
de 300 anos. Observa-se a identificação empírica de nomes e sobrenomes
familiares recorrentes, marcados por vínculos familiares e genealógicos nas
instâncias municipais e estaduais do legislativo e do executivo, assim como
do judiciário, do Tribunal de Contas, de cartórios e do Ministério Público
(OLIVEIRA, 2007; 2012). Ainda destaca esses mesmos grupos como referen-
ciais, os chamados membros da classe dominante tradicional, ou seja, aque-
les que pertencem às famílias históricas que estão presentes no comando
do estado política e economicamente mesmo antes de sua formação como
província. São esses grupos que, de forma assegurada, mantêm continua-
mente seus membros na ocupação dos espaços de poder mais privilegiados
(OLIVEIRA, 2001; 2012).
Como essência da respectiva análise, o estudo da família como variante
fundamental para observação das relações de poder político torna-se ele-
27 Para Oliveira (2015, p. 375), o Paraná é o locus de nepotismo estrutural. “Muitas Secretarias
de Estado estão capturadas por estas redes de poder e de parentesco. Formas de privatização,
escândalos de corrupção com poucas punições [...].”
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36 O autor define vocação política como “[...] produto do encontro entre disposições,
investimentos e coações referentes ao espaço político que se define pela aquisição de uma
libido social” (GRILL, 2004, p. 166)
37 Grill (2007) destaca que em famílias de profissionais ligados às várias mídias também já
foram produzidos herdeiros políticos, pois há junção significativa entre grupos políticos de
famílias que são proprietárias de diversos meios de comunicação.
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40 Nesse caso, o autor ressalta a importância da obra de Debré (2009), Dynasties républicaine
[Dinastias republicana].
41 Niess (2007) ressalta que a condução e o direcionamento deste processo pela família devem
ser observados com cuidado, pois acaba por fortalecer ainda mais sua significância no
campo político.
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tra, igualmente, até que ponto o jogo eleitoral, regido por meio do sufrágio
universal, pode ser pura e simplesmente violado pelo princípio de filiação
na política e pela influência de algumas famílias sobre o microcosmo polí-
tico local ou nacional” (NIESS, 2012, p. 79).
As chamadas filiações indiretas, tão significativas quanto a primeira
perspectiva para a compreensão do referido objeto, tratam da capacidade de
hereditariedade política por transferência horizontal que ocorre entre genros
e sogros. O casamento torna-se, portanto, um mecanismo fundamental para
a escolha e/ou direcionamento ao pertencimento político a determinado gru-
po familiar. A entrada que permite o vínculo político é o casamento.
A ampliação da influência política através do sogro é associada à pos-
sibilidade de se creditar no jogo político o sobrenome duplo, ou seja, o so-
brenome da esposa pode ser um fator de acréscimo político se o pai tiver
um histórico político considerável, resultando na longevidade da linhagem
política. Assim, não só o vínculo com outro sobrenome político, mas a sua
história também passa a ser apropriada. A apropriação do nome do sogro
junto à família do agente político (o genro) é chamada por Niess (2012) de
uso do duplo patronímico. Quanto maiores forem a carreira política e a
rede de parentesco do sogro, maior será o capital agregado ao genro. Nes-
se aspecto, entendemos que, para a realidade brasileira, a presença e o
vínculo de cunhados e primos podem ser considerados significativos na
composição dos vínculos construídos e firmados pelas filiações indiretas,
da qual fala o autor.
A associação dos agentes políticos ao mesmo grupo de parentesco pode
ser pensada como fator de acréscimo ao capital político, desde que, para
isto, ambos estejam participando do mesmo lado do jogo político, do mesmo
partido ou, minimamente, da mesma posição ideológica no quadro de ali-
nhamento político.
O estudo de Joel Ruiz Sánchez (2008) também se configura como ou-
tra contribuição significativa. Sánchez (2008) destaca a expressiva presença
de famílias políticas disputando o governo no cenário mexicano, fato que
tem resultado em mais estudos sobre o tema. Contudo, muitos trabalhos e
pesquisas recentes têm direcionamentos específicos e buscam, dessa forma,
constructos teóricos próprios, adaptando-se ao movimento das pesquisas
empíricas. Não obstante, em que pese uma perspectiva ampla para o concei-
to de família, o autor indica que os estudos devem contemplar a compreen-
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Considerações finais
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Referências
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