Autonomia - Williams Gonçalves
Autonomia - Williams Gonçalves
Autonomia - Williams Gonçalves
Williams Gonalves
Introduo
Este texto tem objetivo bem limitado. Ele responde a uma provocao feita por
Ingrid Sarti, que tive a audcia de aceitar. A provocao foi apresentar ao Seminrio
Permanente reflexes sobre o conceito de autonomia na Poltica Externa Brasileira.
Em vista disso, no se deve aqui buscar um texto bem articulado e harmonioso.
No isso que o eventual leitor encontrar. Mas sim algumas ideias descosidas que,
espero, cumpram a funo de estimular uma discusso sobre o assunto.
Caso esse objetivo seja alcanado, poderei me sentir recompensado.
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Texto para discusso no GP: Integrao Sul: autonomia e desenvolvimento, no dia 30 de maro de 2017.
Por favor, no cite.
No sentido poltico, autonomia significa ter liberdade para fazer escolhas, para
tomar decises, independentemente das ideias, influncias, interesses, pareceres ou
intenes de outrem.
O conhecido e muito consultado Dicionrio de Poltica, de autoria de Norberto
Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino2, no apresenta verbete sobre
autonomia. A palavra est registrada, mas os autores remetem o leitor para o verbete
autogoverno; descentralizao e centralizao, que os mesmos esclarecem ser traduo
do ingls self-government, que, por sua vez, representava a frmula organizativa em que
se inspiravam as relaes entre o aparelho central e os poderes locais3, na Inglaterra, at
meados do sculo XIX.
Pelo que se v a palavra autonomia no tem nenhuma carga conceitual na Cincia
Poltica. E o mesmo se passa no campo dos estudos de Relaes Internacionais. O que
no deve constituir nenhuma surpresa, se considerarmos o fato de Relaes Internacionais
ser uma disciplina que se estruturou no mundo anglo-saxo. Isto porque as Relaes
Internacionais nasceram como um ramo da Cincia Poltica, reproduzindo seu mesmo
sentido prtico como tambm se apoiando nas mesmas inspiraes filosficas, o que
significa que assim como a Cincia Poltica est orientada para remover os obstculos
que comprometem a eficcia das polticas pblicas promovidas pelo Estado, as Relaes
Internacionais esto orientadas a remover os obstculos que se oferecem ao Estado nas
suas relaes com os demais Estados. Isso no deve constituir surpresa, porque tanto para
o Reino Unido como para os Estados Unidos autonomia no constitui problema prtico-
poltico. Para o mundo acadmico de ambos os pases no faz sentido empreender esforo
intelectual para refletir sobre autonomia no meio internacional.
Enfim, o que aqui queremos mostrar que pelo fato de os pases anglo-saxes,
onde o estudo sistemtico das Relaes Internacionais teve incio, no sofrerem restries
sua autonomia, essa questo no desafiou seus estudiosos. Antes pelo contrrio, em
virtude de sua condio de Estados imperialistas e colonialistas at evitaram a reflexo
sobre essa questo. Nunca houve motivo nem tampouco interesse em se pensar autonomia
nas relaes internacionais e no seu estudo sistemtico.
Boa demonstrao de que a ideia de autonomia nas relaes internacionais no faz
parte do repertrio conceitual do mundo acadmico anglo-saxo o fato de um scholar
britnico Andrew James Hurrell ter iniciado sua trajetria de brasilianista elegendo
sua pesquisa de doutoramento justamente sobre a questo da autonomia na poltica
externa brasileira The Quest for Autonomy The evolution of Brazils role in the
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Hurrell tambm no pode deixar de observar que a partir dos anos 1960 inicia-se
um movimento poltico brasileiro no sentido de ampliar e diversificar seus
relacionamentos externos. A Poltica Externa Independente, no perodo 1960-1964, e a
poltica do Pragmatismo Responsvel, iniciada pelo Governo Geisel, foram perodos em
que os formuladores de poltica externa brasileiros procuraram romper a camisa de fora
da perspectiva ideolgica Leste-Oeste e buscaram acrescentar a perspectiva Norte-Sul,
que colocava a questo do desenvolvimento como prioridade.
importante frisar que a mais contundente manifestao de autonomia da poltica
externa brasileira data de 1968. Foi no governo militar de Costa e Silva que houve a
deciso de no assinar o Tratado de No Proliferao Nuclear TNP. E a recusa em
assinar esse documento estava fundamentada na ideia que a adeso a esse regime
internacional criaria limites insuportveis ao desenvolvimento cientfico-industrial do
Brasil. Embora o chanceler Magalhes Pinto se mantivesse convicto que o comunismo
internacional constitusse a maior ameaa segurana do pas, afirmava que ao apor sua
assinatura ao documento o Brasil decretaria sua menoridade cientfico-tecnolgica, uma
vez que o vetor nuclear apontava para inmeras possibilidades futuras.
A recusa brasileira nunca foi bem aceita pelos Estados Unidos. Apesar de o Brasil
ter sido o idealizador do Tratado do Mxico (Tlatelolco), pelo qual a Amrica Latina
devia tornar-se rea no nuclearizada, e de ter includo na Constituio de 1988 clusula
vetando a fabricao de armas nucleares (Artigo 21 (XXII - a, b, c) da Constituio da
Repblica Federativa do Brasil), a diplomacia daquele pas permaneceu exercendo forte
presso sobre os governos brasileiros. At 1998, quando o presidente Fernando Henrique
Cardoso se disps a assinar o TNP, a posio brasileira era que o Brasil j tinha dado
garantias suficientes de que no pretendia fabricar armas nucleares. De modo geral, a
ideia era preservar a soberania nacional no se submetendo s invasivas fiscalizaes da
Agncia Internacional de Energia Atmica. No entanto, a posio dos norte-americanos
era que, independentemente de qualquer argumento, mesmo o argumento constitucional,
era necessrio que o Brasil assinasse o tratado.
Antes de assinar o TNP, o governo Fernando Henrique Cardoso j havia aderido
ao Regime de Controle de Tecnologia de Msseis (MTCR, sigla em ingls) em 1995, ao
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vista, no existem as ideias dos militares a respeito da mais adequada forma de resguardar
a segurana do pas e no existem as ideias veiculadas pela mdia e formadoras da opinio
pblica. Enfim, segundo essa concepo a poltica externa se d em um plano acima da
poltica e da ideologia.
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Concluso
1
CUNHA, Antnio Geraldo da. Dicionrio Etimolgico da Lngua Portuguesa. Rio de Janeiro,
Lexikon Editora Digital, 2007 (3 edio). P. 84.
2
BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionrio de Poltica.
Braslia, UNB, 1986.
3
Op. Cit. P. 81.
4
HURRELL, Andrews James. The Quest for Autonomy. The evolution of Brazils role in the
international system, 1964-1985. Braslia, FUNAG, 2013.
5
Ver: DOSMAN, Edgard J. Ral Prebisch (1901-1986). A construo da Amrica Latina e do
Terceiro Mundo. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado, 2011.
6
FURTADO, Celso. A Fantasia Desfeita. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989 (3 edio). P. 167.
7
Ver: MANOLESCIO, Mihail. Teoria do Protecionismo e da Permuta Internacional. Rio de
Janeiro, Capax Dei, 2011.
11
8
Ver: LOVE, Joseph L. A Construo do Terceiro Mundo. Teorias do subdesenvolvimento na
Romnia e no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
9
JAGUARIBE, Hlio. Dependncia e Autonomia na Amrica Latina. In: JAGUARIBE, Hlio,
FERRER, Aldo, WIONEZEK, Miguel S., SANTOS, Theotonio dos. A Dependncia Poltico-
Econmica da Amrica Latina. So Paulo: Edies Loyola, 1976. pp. 9-64. p. 51.
10
PORCELLI, Emanuel. Juan Calos Puig (1928-1989). Disponvel em: http://redesur.org/juan-
carlos-puig/
11
HURRELL, Andrew James. Op. Cit. p. 53.
12
FONSECA JR., Gelson. A Legitimidade e Outras Questes Internacionais. Poder e tica
entre as Naes. So Paulo: Paz e Terra, 1998.
13
LESSA, Antnio Carlos, COUTO, Leandro Freitas, FARIAS, Rogrio de Souza.
Distanciamento versus Engajamento: Alguns Aportes Conceituais para a Anlise da insero do
Multilateralismo Brasileiro (1945-1990). Rio de Janeiro, Contexto Internacional, vol. 32, n. 2,
julho/dezembro 2010. pp. 333-365. p. 335-336.
14
(a) LIMA, Maria Regina Soares de. Na trilha de uma poltica externa afirmativa.
Observatrio da Cidadania (Relatrio). Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 94-100, 2003; (b) PINHEIRO,
Letcia. Poltica Externa Brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 2004; (c) VILLA, Rafael. Poltica
externa brasileira: capital social e discurso democrtico na Amrica do Sul. Revista Brasileira
de Cincias Sociais. V. 21, n. 61, p. 63-89, 2006; (d) VIGEVANI, Tullo, CINTRA, Rodrigo.
Poltica externa no perodo FHC: a busca da autonomia pela integrao. Tempo Social. V. 15, n.
2, p. 31-61, 2003; (e) VIGEVANI, Tullo, OLIVEIRA, Marcelo F. de. Brazilian foreign policy in
the Cardoso era: the search for autonomy through integration. Latin American Perspectives. V.
34, n. 5, p. 58-80, 2007.