A Via Colonial de Entificação Do Capitalismo
A Via Colonial de Entificação Do Capitalismo
A Via Colonial de Entificação Do Capitalismo
Jos Chasin**
O problema das formas atpicas ou, melhor dizendo, particulares de formao do modo de produo capitalista interessa-nos, no mbito desse trabalho, especialmente por duas razes: a primeira liga-se questo do fascismo, a segunda questo do integralismo. Figure, apenas como preambulao de ordem geral, uma pequena passagem de Marx, extrada de sua Crtica ao Programa de Gotha: A sociedade atual a sociedade capitalista que existe em todos os pases civilizados, mais ou menos expurgada de elementos medievais, mais ou menos modificada pela evoluo histrica particular de cada pas, mais ou menos desenvolvida. O estado atual, pelo contrrio, muda com a fronteira. diferente no Imprio prussiano-alemo e na Sua, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O estado atual pois uma fico. No entanto, os diversos estados dos diversos pases civilizados, no obstante a mltipla diversidade das suas formas, tm todos em comum o fato de que assentam no terreno da sociedade burguesa moderna, mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista. o que faz com que certos caracteres essenciais lhes sejam comuns. Neste sentido, pode falar-se do estado atual tomado como expresso genrica, por contraste com o futuro em que a sociedade burguesa, que no presente lhe serve de raiz, ter deixado de existir (os grifos so nossos)[ 1 ]. Basta isto para que fique ressaltado, o que alis explcito, que a sociedade a raiz do estado. Numa outra passagem, poucas linhas acima, o mesmo j havia sido afirmado expressamente, exigindo Marx que se tratasse a sociedade presente (e isto vlido para qualquer sociedade futura) como o fundamento do estado presente (ou futuro, para a sociedade futura), e isto para condenar cabalmente o tratamento que considera o Estado como uma realidade independente, que possui os seus prprios fundamentos intelectuais, morais e livres[ 2 ]. De modo que estamos, aqui, completamente afastados de uma concepo em que a determinao em ltima instncia do estado pelo econmico seja uma forma de pensar a relao como uma sorte de distanciamento e afrouxamento da determinao econmica. Ao contrrio, ltima instncia significa determinao essencial, raiz para alm da qual nada h a buscar, terminao precisamente porque ela a radicalidade das coisas e sua gnese. Que medeie a uma rica gama de mediaes e a determinao fundamental no seja entendida mecanicamente tambm uma clara evidncia. Tanto que h uma anatomia universalmente vlida para a sociedade civil, enquanto que para o estado atual no resta mais do que uma expresso genrica, smula apenas de certos caracteres essenciais, estes devidos tambm, sem escape, diretamente ao fato de que as diversas formas de estado assentam todas no terreno da sociedade burguesa. E, para anotar que as diferenciaes possveis sobre a mesma anatomia so dadas como enormes, basta reproduzir o contraste estabelecido por Marx entre a repblica democrtica que implica o reconhecimento do que se chama a soberania do povo e que j vigora na Sua, nos Estados Unidos etc., e que no existe de modo algum no interior das fronteiras do Imprio alemo, e o estado prussiano que no passa de um despotismo militar, com uma armadura burocrtica e blindagem policial, adornado de formas parlamentares, com misturas de elementos feudais e de influncias burguesas[ 3 ]. Mas, grife-se com toda fora, no se trata de qualquer combinatria de ordem aleatria. Tais determinaes ficam ainda mais adensadas quando atentamos para que, no fragmento da Crtica inicialmente citado, h algo mais, um outro aspecto que nos interessa muito de perto: a sociedade pode se apresentar mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista, mais ou menos expurgada de elementos pr-capitalistas, mais ou menos modificada pelo processo histrico particular de cada pas. De maneira que h modos e estgios de ser, no ser e no ir sendo capitalismo, que no desmentem a anatomia, mas que a realizam atravs de concrees especficas. Tudo considerado, no se est em face do conceito de modo de produo como diante de um quadro sintico, rgido na sua unidirecionalidade achatada de uma s dimenso, mas diante de uma totalidade anatomicamente ordenada e em processo, apta e obrigada a colher o particular concreto. Posto isto, retomemos a noo de via prussiana. Via prussiana, ou caminho prussiano para o capitalismo, como a denominou Lenin, aponta para um processo particular de constituio do modo de produo capitalista. No dizer de Carlos Nelson Coutinho, trata-se de um itinerrio para o progresso social sempre no quadro de uma conciliao com o atraso: Ao invs das velhas foras e relaes sociais serem extirpadas atravs de amplos movimentos populares de massa, como caracterstico da via francesa ou da via russa, a alterao social se faz mediante conciliaes entre o novo e o velho, ou seja, tendo-se em conta o plano imediatamente poltico, mediante um reformismo pelo alto que exclui inteiramente a participao popular[ 4 ].
Se a denominao devida a Lenin, a observao da particularidade do atraso alemo, sabe-se, algo bem mais antigo. As menes que fizemos da Crtica do Programa de Gotha (1875) a contm, e basta lembrar da Introduo Crtica da Filosofia do Direito de Hegel (1843) para constatar a antigidade e a permanncia da postura. L-se expressamente neste ltimo texto: Porm a Alemanha no escalou simultaneamente com os povos modernos as fases intermedirias da emancipao poltica. No chegou, sequer, praticamente, s fases que teoricamente superou[ 5 ]. E ainda mais: Todavia, se a Alemanha s tem acompanhado com a atividade abstrata o desenvolvimento dos povos modernos, sem chegar a tomar parte ativa nas lutas reais deste desenvolvimento, no menos certo que, de outra parte, tem compartilhado dos sofrimentos deste desenvolvimento, sem participar de seus gozos, nem de sua parcial satisfao. atividade abstrata, de um lado, corresponde, de outro, o sofrimento abstrato. E, assim, a Alemanha se encontrar, um bom dia, ao nvel da decadncia europia antes de haver chegado jamais ao nvel da emancipao europia. /.../ Consideremos, primeiramente, os governos alemes, e os veremos impulsionados pelas condies da poca, pela situao da Alemanha, pela perspectiva da cultura alem e, finalmente, por seu prprio instinto certeiro, a combinar os defeitos civilizados do mundo dos estados modernos, cujas vantagens no possumos, com os defeitos brbaros do antigo regime, dos quais nos podemos jactar saciedade, de tal modo que a Alemanha, se no por bom senso, pelo menos por falta de senso, tem que participar cada vez mais daquelas formaes estatais que ficam para alm de seu status quo. /.../ Assim como no panteo romano se reuniam os deuses de todas as naes, no sacro imprio romano germnico se renem os pecados de todas as formas de estado[ 6 ]. E logo no prefcio primeira edio de O Capital, que temos, cerca de um quarto de sculo depois, se no a plena confirmao das mesmas determinaes? muito pior que a da Inglaterra a situao nos lugares da Alemanha onde se implantou a produo capitalista, por exemplo, nas fbricas propriamente ditas, e isto por faltar o contrapeso das leis fabris. Nos demais setores, a Alemanha, como o resto da parte ocidental do continente europeu, atormentada no apenas pelo desenvolvimento da produo capitalista, mas tambm pela carncia desse desenvolvimento. Alm dos males modernos, oprime a ns alemes uma srie de males herdados, originrios de modos de produo arcaicos, caducos, com seu squito de relaes polticas e sociais contrrias ao esprito do tempo. Somos atormentados pelos vivos e, tambm, pelos mortos. Le mort saisit le vif.[ 7 ] Trata-se, enfim, da misria alem, que Lukcs, numa de suas muitas retomadas da questo, menciona do seguinte modo: Engels comparou uma vez a evoluo francesa e a alem desde os princpios da liquidao do feudalismo at a constituio da unidade nacional da democracia burguesa. E chega concluso de que em cada poca e para cada problema histrico os franceses encontraram uma soluo progressista e os alemes uma soluo reacionria[ 8 ]. E outras coisas mais diz Engels relativas ao caso, por exemplo, em As Guerras Camponesas na Alemanha, das quais vale a pena mencionar especialmente uma, pelo seu carter de sntese: A burguesia alem tem a infelicidade - o que est bem de acordo com o procedimento favorito dos alemes - de chegar sempre tarde demais. Sua prosperidade coincide com um perodo em que a burguesia dos outros pases da Europa Ocidental est politicamente em declnio[ 9 ]. sempre, portanto, o carter retardatrio e conciliador do processo alemo que ressaltado. Vale neste sentido aduzir mais um colorido fragmento de Engels: o estranho destino da Prssia quis que ela atingisse, em fins deste sculo XIX, sob a forma agradvel do bonapartismo, sua revoluo burguesa, comeada em 1808-1813 e que deu outro passo adiante em 1848. E se tudo for bem, se o mundo permanecer sereno e tranqilo, quando todos ns j formos muito velhos, poderemos talvez ver, em 1900, o governo da Prssia suprimir todas as instituies feudais e a prpria Prssia atingir enfim o ponto em que se encontrava a Frana em 1792. E, logo a seguir, abandonando a ironia, detalha o convnio tcito que se encontra base de todos os debates do Reichstag, e da Dieta prussiana: de um lado o governo, a passos de tartaruga, reforma as leis no sentido do interesse burgus; afasta os obstculos ao desenvolvimento industrial, criados pelo feudalismo e o particularismo dos pequenos estados; estabelece a unidade da moeda, dos pesos e medidas; introduz a liberdade profissional e de circulao, pondo completa e ilimitada disposio do capital a mo-de-obra da Alemanha; favorece o comrcio e a especulao; por outro lado a burguesia abandona ao governo todo o poder poltico efetivo; vota os impostos e os emprstimos; cede-lhe soldados e ajuda-o a dar s novas reformas tal aparncia legal que o velho poder policial mantm toda sua fora ante os indivduos recalcitrantes; a burguesia compra sua emancipao social gradual ao preo de uma renncia imediata de seu prprio poder poltico. Mas prossegue Engels - por mais lamentveis que sejam as manifestaes da nossa burguesia no domnio poltico, inegvel que sob a relao industrial e comercial nada mais faz seno cumprir com seu dever. /.../ O que se produziu nesse sentido depois de 1869, na regio industrial renano-westfaliana, verdadeiramente indito para a Alemanha e faz lembrar o surto dos distritos fabris ingleses ao comeo do sculo. O mesmo acontece no Saxe e na Alta Silsia, em Berlim e Hanver e nas cidades martimas. Afinal temos um comrcio mundial, uma indstria verdadeiramente grande, uma burguesia verdadeiramente moderna (os grifos so nossos)[ 1 0 ]. Evidentemente que com um retardo de aproximadamente um sculo com relao aos casos clssicos, e sob condies poltico-sociais totalmente diversas: A supresso do feudalismo, se queremos ser positivos, significa a instaurao do regime burgus. medida que caem os privilgios aristocrticos, a legislao se torna burguesa. E aqui nos encontramos no prprio mago das relaes da burguesia com o governo. Vemos que o governo foi constrangido a introduzir essas reformas lentas e medocres. Mas, burguesia ele apresentou cada uma dessas pequenas concesses como um sacrifcio feito aos burgueses, como uma concesso arrancada coroa, e a muito custo, concesso em troca da qual os burgueses deviam, por sua vez, ceder um pouco ao governo[ 1 1 ]. Em poucas e precisas palavras de Lukcs: A natureza real da Alemanha a do compromisso surgido com a forma bismarkiana do estado alemo graas necessidade do desenvolvimento econmico[ 1 2 ].
Mencionemos ainda, nesta rpida pincelada da questo, atravs de textos clssicos, que Lenin, ao tratar do problema da transformao da propriedade agrria, no processo de transio do feudalismo russo para o capitalismo, aponta duas formas possveis para este desenvolvimento: Os restos do feudalismo podem desaparecer tanto mediante a transformao das terras dos latifundirios, como mediante a destruio dos latifndios, dos grandes proprietrios, quer dizer, por meio da reforma e por meio da revoluo. O desenvolvimento burgus pode verificar-se tendo frente as grandes fazendas latifundirias, que paulatinamente se tornam cada vez mais burguesas, que paulatinamente substituem os mtodos feudais de explorao por mtodos burgueses, e pode verificar-se tambm tendo frente as pequenas fazendas camponesas, que por via revolucionria extirpam do organismo social a excrescncia dos latifndios feudais e se desenvolvem depois livremente pelo caminho das granjas capitalistas. Estes dois caminhos de desenvolvimento burgus, objetivamente possveis, ns os denominaramos caminho do tipo prussiano e caminho do tipo norte-americano. No primeiro caso, a fazenda feudal do latifundirio se transforma lentamente em uma fazenda burguesa, junker, condenando os camponeses a decnios inteiros da mais dolorosa expropriao e do mais doloroso jugo e destacando a uma pequena minoria de Grossbauer (grandes camponeses). No segundo caso, no existem fazendas de latifundirios ou so expulsas pela revoluo, que confisca e fragmenta as propriedades feudais. Neste caso predomina o campons, que passa a ser agente exclusivo da agricultura e vai evoluindo at converter-se no granjeiro capitalista. No primeiro caso, o contedo fundamental da evoluo a transformao do feudalismo em sistema usurrio e em explorao capitalista sobre as terras dos latifundirios-feudais-junkers. No segundo caso, o fundo bsico a transformao do campons patriarcal em granjeiro burgus[ 1 3 ]. Mais adiante, Lenin explicita outras conseqncias socio-econmicas de um e de outro caso, evidenciando-se as mesmas caractersticas que os textos anteriores nos revelaram: A primeira implica a manuteno mxima da sujeio e da servido (transformada ao modo burgus), o desenvolvimento menos rpido das foras produtivas e um desenvolvimento retardado do capitalismo; implica calamidades e sofrimentos, explorao e opresso incomparavelmente maiores das grandes massas de camponeses e, por conseguinte, do proletariado. A segunda entranha o mais rpido desenvolvimento das foras produtivas e as melhores condies de existncia das massas camponesas (as melhores possveis sob a produo mercantil) (o grifo nosso)[ 1 4 ]. Sinteticamente, a via prussiana do desenvolvimento capitalista aponta para uma modalidade particular desse processo, que se pe de forma retardada e retardatria, tendo por eixo a conciliao entre o novo emergente e o modo de existncia social em fase de perecimento. Inexistindo, portanto, a ruptura superadora que de forma difundida abrange, interessa e modifica todas as demais categorias sociais subalternas. Implica um desenvolvimento mais lento das foras produtivas, expressamente tolhe e refreia a industrializao, que s paulatinamente vai extraindo do seio da conciliao as condies de sua existncia e progresso. Nesta transformao pelo alto o universo poltico e social contrasta com os casos clssicos, negando-se de igual modo ao progresso, gestando, assim, formas hbridas de dominao, onde se renem os pecados de todas as formas de estado. Marx, Engels e Lenin tiveram possibilidade de acompanhar, por quase um sculo, o caso alemo no seu evolver marcado pelo caminho prussiano. Mas apenas Lukcs pde assistir, j instrumentado na mesma perspectiva conceitual daqueles, ao inteiro desdobramento do processo alemo j no perodo das guerras imperialistas. E inegvel que tenha sido o filsofo hngaro, desde os anos 20, o investigador que mais continuada, profunda e sistematicamente tenha se ocupado, neste sculo, da particularidade do caminho prussiano, especialmente de suas determinaes no terreno do pensamento e da literatura. E no exagero dizer que no poucas de suas brilhantes determinaes so produto deste esforo, exercitado por dcadas a partir especialmente das precisas consideraes de Marx, s quais Lukcs deu desdobramento, e s quais agregou o produto de suas prprias anlises concretas, mantendo, assim, no nvel devido o estudo da sria questo da determinao social do pensamento. No Brasil, s em anos muito recentes o problema da via prussiana mal que aflorou, e alguns rarssimos pesquisadores voltaram sua ateno para ela, em busca de referencial para efeito da anlise do caso brasileiro. Neste diapaso, Carlos Nelson Coutinho, assumindo explicitamente a trilha terico-metodolgica lukacsiana, tem-se destacado como pioneiro frtil e bem sucedido, com especial dedicao no campo da anlise literria[ 1 5 ]. Dizamos ns, pginas atrs, ao aludir particularidade da formao do modo de produo capitalista no Brasil, que a chamvamos - provisoriamente - de via prussiana. De fato, com isso indicvamos, desde logo, que entendamos o caso brasileiro, sob certos aspectos importantes, conceitualmente determinvel de forma prxima ou assemelhvel quela pela qual o fora o caso alemo, mas de maneira alguma de forma idntica. Outra, alis, no tem sido, no essencial, a maneira de pensar dos que, como C. N. Coutinho, esto convencidos da real efetividade de tomar o caminho prussiano como fonte apropriada de sugestes, como referencial exemplar e, mais do que tudo, como um caminho histrico concreto que produziu certas especificidades que, em contraste, por exemplo, com os casos francs e norte-americano, muito se aproximam de algumas das que foram geradas no caso brasileiro. Em outros termos, o caminho prussiano no tomado como modelo, como contorno formal aplicvel a ocorrncias empricas.
precisamente enquanto modo particular de se constituir e ser capitalismo que o caminho prussiano tem para ns importncia terica bsica. Enquanto tal, aos diversos nveis de concreo em que apreensvel, permite, como qualquer objeto, destilar certos caracteres mais ou menos gerais que importa considerar para orientar a apreenso do caso brasileiro. Assim, de incio, importa-nos como particular contrastante aos casos clssicos; clssicos, acima de tudo, porque mais coerentes, mais congruentes ou consentneos, no plano da sua prpria totalidade, enquanto totalidade capitalista, na qual as diversas partes fundamentais embricam entre si e em relao ao todo de forma mais amplamente orgnica, de maneira que o real se mostra como racional, na mxima racionalidade historicamente possvel. Particular contrastante do qual se avizinha o caso brasileiro, tambm diverso dos casos clssicos. Nessa linha de raciocnio, a conexo que se est indicando situa-se no plano de certas determinaes gerais, de algumas abstraes operadas em relao ao concreto da particularidade do caminho prussiano. Assim, irrecusavelmente, tanto no Brasil quanto na Alemanha a grande propriedade rural presena decisiva; de igual modo, o reformismo pelo alto caracterizou os processos de modernizao de ambos, impondo-se, desde logo, uma soluo conciliadora no plano poltico imediato, que exclui as rupturas superadoras, nas quais as classes subordinadas influiriam, fazendo valer seu peso especfico, o que abriria a possibilidade de alteraes mais harmnicas entre as distintas partes do social. Tambm nos dois casos o desenvolvimento das foras produtivas mais lento, e a implantao e a progresso da indstria, isto , do verdadeiro capitalismo, do modo de produo especificamente capitalista, retardatria, tardia, sofrendo obstaculizaes e refreamentos decorrentes da resistncia de foras contrrias e adversas. Em sntese, num e noutro casos, verifica-se, para usar novamente uma frmula muito feliz, nesta sumarssima indicao do problema, que o novo paga alto tributo ao velho. Todavia, se tais caractersticas, abstratamente tomadas, so comuns a ambos os casos, e delas se pode dizer, na linha da lgica de Marx, que enquanto generalidades so generalidades razoveis, na medida em que efetivamente sublinham e precisam traos comuns, h, no entanto, que atentar, prosseguindo na mesma diretriz, que Esse carter geral, contudo, ou este elemento comum, que se destaca atravs de comparao, ele prprio um conjunto complexo, um conjunto de determinaes diferentes e divergentes[ 1 6 ]. O que significa, portanto, em termos rpidos, para o caso especfico de que tratamos, que o caminho prussiano, na totalidade concreta do processo real alemo, pe-se de modo distinto daquele em que se pe na totalidade concreta do processo real brasileiro. O que nos faz lembrar que se o concreto tomado como sntese de vrias determinaes, esta sntese (Zusammenhang), que sumariza, pe junto, se faz por uma lgica que no se reduz mera justaposio dos predicados, e recordar, uma vez mais, que o decisivo no tanto o que um nome possa designar, mas como o objeto nomeado se objetiva, se individualiza, enquanto entidade social[ 1 7 ]. De sorte que estamos diante de singularidades distintas acolhveis, do ponto de vista de certos aspectos abstratamente tomados, sob um mesmo particular, que antes os separa dos casos clssicos, do que os identifica entre si. Todavia, se isto pouco, no nada desprezvel, quando mais no fosse porque obriga a pensar no como se objetivam os predicados de e em cada uma das singularidades. Desse modo, se aos dois casos convm o predicado abstrato de que neles a grande propriedade rural presena decisiva, somente principiamos verdadeiramente a concreo ao atentar como ela se objetiva em cada uma das entidades sociais, isto , no momento em que se determina que, no caso alemo, se est indicando uma grande propriedade rural proveniente da caracterstica propriedade feudal posta no quadro europeu, enquanto no Brasil se aponta para um latifndio procedente de outra gnese histrica, posto, desde suas formas originrias, no universo da economia mercantil pela empresa colonial. Do mesmo modo quanto expanso das foras produtivas. Em ambos os casos o desenvolvimento lento e retardatrio em relao aos casos clssicos. Mas enquanto a industrializao alem das ltimas dcadas do sculo XIX, e atinge, no processo, a partir de certo momento, grande velocidade e expresso, a ponto de a Alemanha alcanar a configurao imperialista, no Brasil a industrializao principia a se realizar efetivamente muito mais tarde, j num momento avanado da poca das guerras imperialistas, e sem nunca, com isto, romper sua condio de pas subordinado aos plos hegemnicos da economia internacional. De sorte que o verdadeiro capitalismo alemo tardio, enquanto o brasileiro hpertardio. A exemplificao da diferenciao poderia prosseguir, contudo , aqui, desnecessria. Fcil a percepo das distines, nas expresses concretas que assumem em cada caso, cada uma das caractersticas abstratas que arrolamos como comuns aos dois. Observao que nos conduz, portanto, constatao no mais apenas de uma nica forma particular de constituio no-clssica do capitalismo, mas a mais de uma. No caso concreto, cremos que se est perfeitamente autorizado a identificar duas, de tal sorte que temos, acolhveis sob o universal das formas no-clssicas de constituio do capitalismo, a forma particular do caminho prussiano, e um outro particular, prprio aos pases ou pelo menos a alguns pases (questo a ser concretamente verificada) de extrao colonial. De maneira que ficam distinguidos, neste universal das formas no-clssicas, das formas que, no seu caminho lento e irregular para o progresso
social, pagam alto tributo ao atraso, dois particulares que, conciliando ambos com o historicamente velho, conciliam, no entanto, com um velho que no nem se pe como o mesmo. Conclusivamente: de um lado, pois, firmemente estabelecido, temos o caminho prussiano; a seu lado, sem que confiramos demasiada importncia aos nomes, fique, sem pretenses, a sugesto designativa de via ou caminho colonial. Expresso conveniente que tem, nos parece, a propriedade de combinar a dimenso histrico-gentica com a legalidade dialtica[ 1 8 ]. Dissemos, pginas atrs, ao incio deste segmento, que as formas particulares de constituio do modo de produo capitalista interessavam-nos, na esfera deste estudo, especialmente pelas questes do fascismo e do integralismo. De fato, pois a Alemanha (e no s ela), enquanto resultante do caminho prussiano, e o Brasil, enquanto produto tambm do caminho prussiano (com aspas) ou, se nos for permitido, da via colonial, que vivem as dcadas dramticas das guerras imperialistas, poca do surgimento e vigncia tanto do fascismo como do integralismo.
Toda reflexo, aqui, precisamente porque o problema devidamente considerar as formas particulares de objetivao do capitalismo, tem necessariamente que levar em decisiva linha de conta que o capital industrial a forma fundamental do regime capitalista, sob a qual este impera sobre a sociedade burguesa[ 1 9 ]. Isto , entender que os caminhos particulares so caminhos diversos para o verdadeiro capitalismo, e que este posto pela forma do capital industrial. Consideradas em funo dela, todas as demais formas aparecem como formas simplesmente derivadas ou secundrias - formas derivadas, como a do capital usurrio, e ademais secundrias, posto que correspondem a um capital invertido em uma funo especfica que cai dentro de seu processo de circulao -; por isso, medida que vai evoluindo, o capital industrial tem de principiar por impor-se quelas duas formas (comercial e usurria) e convert-las em formas derivadas, submetidas a ele. O capital industrial se encontra com estas outras formas tradicionais no momento em que nasce e se instaura; so condies prvias a ele, no condies que ele mesmo implante como formas de seu prprio processo de vida. /.../ Quando a produo capitalista se desenvolve plenamente e passa a ser o regime fundamental de produo, o capital usurrio se submete ao capital industrial e o capital comercial se converte em uma modalidade deste, em uma forma derivada do processo de circulao. Para tanto, ambos tm de se render e sujeitar previamente ao capital industrial.[ 2 0 ] Razo pela qual Marx, na Crtica do Programa de Gotha, lembrando o Manifesto de 48, afirma: A burguesia considerada aqui como uma classe revolucionria - enquanto agente da grande indstria - em relao aos feudais e s classes mdias decididos a manter todas as suas posies sociais, que so produtos de modos de produo caducos[ 2 1 ]. Tambm no por outro motivo que H. Lefebvre assegura que A Industrializao caracteriza a sociedade moderna. Ainda mais: sem possibilidade de contestao, o processo de industrializao , h um sculo e meio, o motor das transformaes na sociedade. Conseqentemente temos nada mais nada menos de que A industrializao fornece o ponto de partida da reflexo sobre nossa poca[ 2 2 ]. Ora, como vimos, as formas particulares no-clssicas de objetivao do capitalismo revelam-se, em ponto essencial, precisamente em relao ao processo de industrializao. De maneira que, em suma, e de resto para efeito dos nossos propsitos analticos, h que atentar para o modo pelo qual se ps a industrializao nos casos que nos tangem de imediato. Faamo-lo, ento; contudo de maneira muito sumria, pois outro no poderia ser o tratamento, aqui, neste nosso anexo esquemtico de uma questo to complexa. Basta certa indicao de P. Singer, muito feliz em sua expresso sinttica, para demarcar suficientemente o quadro de industrializao retardatria que desejamos fortemente acentuar; para tanto, simplesmente transcrevemos, chamando especial ateno para as pocas assinaladas: entre 1868 e 1870, d-se a unificao da Itlia e da Alemanha, o que cria condies propcias rpida industrializao destes pases; em 1867 se d a Revoluo Meiji, que tem as mesmas conseqncias para o Japo[ 2 3 ]. Considerando que so precisamente as ltimas dcadas do sculo XIX que marcam a arrancada imperialista, e que a Revoluo Industrial na Inglaterra do ltimo quartel do sculo XVIII, est bem grifado o capitalismo tardio de tais pases. De fato, Em 1860, a Alemanha era um pas ainda pouco desenvolvido industrialmente, e de ampla base agrria. Em 1868 a metade de sua populao continuava sendo agrcola e s uma tera parte dela tinha ocupao artesanal ou industrial. A produo agrcola representava 60% da produo de mercadorias e os artesos trabalhavam para o mercado local, fornecendo a maior parte da produo no agrcola (suas vendas ascendiam a 82% da cifra das vendas realizadas sobre produtos acabados ou semi-acabados). A disperso territorial da produo industrial /.../ continuava subsistindo, e to-somente algumas regies (Saxnia e a provncia renana) tinham um carter nitidamente industrial. Em 1860 ainda existia o sistema corporativo em algumas regies, e na indstria predominava a manufatura sobre a fbrica que dispusesse de um motor. A maior parte das fbricas empregavam de 30 a 100 operrios, em face dos 100 a 500
empregados na Gr-Bretanha da mesma poca. /.../ Em 1860, a Alemanha, do ponto de vista do valor de sua produo industrial, ocupava o quarto lugar mundial, depois da Gr-Bretanha, Frana e Estados Unidos[ 2 4 ]. E desta situao de atraso que arranca o momento histrico subseqente, caracterizado por forte expanso industrial e monopolizao econmica, tendo por condicionante a sua tardia unificao nacional, que se d com a criao do Imprio alemo imediatamente depois da guerra de 1870: De 1860 a 1913 a expanso da indstria alem aparece notavelmente; enquanto que de 1800 a 1860 o ndice /.../ da produo industrial - incluindo o artesanato - praticamente quintuplicou /.../, de 1860 a 1913 ela mais do que setuplicou. O valor da produo industrial (sem incluir o artesanato) passou de, aproximadamente, quatro milhes de marcos em 1860 a quarenta milhes em 1913. Por isso, nesta data, a Alemanha ocupou o segundo lugar mundial entre os pases industrializados, atrs dos Estados Unidos, enquanto que a GrBretanha passava para o terceiro lugar e a Frana (desde 1880) ao quarto. A progresso industrial da Alemanha, favorecida pela anexao das regies ricas em jazidas de minrio de ferro da Lorena, foi, principalmente, aprecivel no que concerne produo siderrgica, cujo ndice passou de 4 a 100 entre 1860 e 1913, enquanto que a indstria da hulha viu aumentar seu ndice de 12 a 100 e a indstria txtil de 16 a 100. Enquanto o ndice geral da produo industrial havia se multiplicado por sete, o da GrBretanha se multiplicou por menos de trs e o da Frana por quatro; unicamente os Estados Unidos experimentaram uma progresso mais rpida - o coeficiente foi de doze - a ponto da produo industrial alem, que representava 90% da americana em 1860, somente representava em vsperas da Primeira Guerra Mundial 40% da produo americana. Esta expanso industrial se viu acompanhada de uma rpida concentrao econmica: a produo industrial cresceu trs vezes mais rapidamente que o nmero de empresas. /.../ No campo do comrcio mundial, a Alemanha luta cada vez mais vitoriosamente contra a competio britnica; de 1880 a 1913 as exportaes inglesas de bens de consumo se multiplicam por 2,9, enquanto as exportaes alems por 6; para as exportaes de bens de produo, os coeficientes so, respectivamente, de 3 e de 21. /.../ Em resumo, em 1913 a economia alem, na seqncia de um perodo de rpido crescimento, encontrava-se, do ponto de vista industrial, em segundo lugar das grandes potncias e, do ponto de vista das exportaes de capital, em terceiro lugar[ 2 5 ]. Em propores distintas, mesmo porque o caso alemo , em todos os nveis e planos, a singularidade polar, clssica, da particularidade a que estamos remetendo, o caso italiano tambm revelador, conquanto seja tomado nas suas efetivas dimenses; delas Lukcs assinalou, j falando de sua resultante fascista: Temos tambm, certo, o caso Mussolini, com suas fontes filosficas tomadas de James, Pareto, Sorel e Bergson; porm, nem sequer neste caso descobrimos uma repercusso internacional to extensa nem to profunda como a que corresponde ao perodo de preparao da Alemanha fascista, e mais ainda ao perodo de Hitler; e ainda numa reafirmao do mesmo tipo, fala do fascismo italiano como de um fascismo, certamente, que, apesar de seus horrores, no chegou a alcanar nunca a significao universal daquela calamidade que o hitlerismo foi para o mundo inteiro[ 2 6 ]. De qualquer modo, e ressalvadas todas as diferenas - particularmente a da desigualdade fundamental entre o desenvolvimento industrial e a lentido do estabelecimento do capitalismo nos campos. Desigualdade presente tambm na Alemanha, porm que na Itlia revestiu o carter de um verdadeiro fosso, concretado ademais no problema de Mezzogiorno[ 2 7 ] - Na Itlia, o processo de industrializao foi particularmente tardio, no se iniciando de maneira decisiva at as proximidades de 1880. O feudalismo assinalado pelo predomnio do setor agrcola deu provas, no contexto da disperso territorial e poltica da Itlia perpetuada pelas ocupaes estrangeiras sucessivas, de uma persistncia notvel. Contudo, em vsperas da Primeira Guerra Mundial, a Itlia havia entrado j no estgio imperialista, se bem que de maneira muito particular[ 2 8 ]. Com distines e diferenas que nem de leve ousamos tocar, registre-se tambm que O capitalismo japons no comeou a se emancipar at que a Primeira Guerra Mundial acelerou o ritmo do desenvolvimento industrial. Entre 1913 e 1920, a produo de ao acabado saltou de 255 a 533 milhares de toneladas. A capacidade de energia eltrica tambm aumentou em mais do dobro durante o mesmo perodo, passando de 504 a 1.214 milhares de quilowatts. Mesmo depois deste auge, no entanto, a indstria capitalista japonesa no avanou at o ponto alcanado na Alemanha, Inglaterra ou Estados Unidos[ 2 9 ]. De qualquer forma, porm, medida que a indstria foi se desenvolvendo, dotou o Japo dos meios para uma poltica exterior ativa, e as conseqncias de tal combinao se fizeram mais visveis e perigosas. /.../ No foi o esprito guerreiro enquanto tal que impulsionou o Japo durante o sculo XX pela senda das conquistas exteriores e a represso interior. /.../ Represso dentro do pas e agresso contra pases estrangeiros foram, pois, em termos muito gerais, os mximos efeitos do desmoronamento do sistema agrrio e o desenvolvimento da indstria[ 3 0 ]. Seja como for, nos trs casos estamos diante de objetivaes capitalistas tardias - e que no so acompanhadas pelo progresso social que marca os casos clssicos, mas que atingem o estgio imperialista no alvorecer do sculo XX ou muito pouco depois. Assim, se As foras revolucionrias da sociedade japonesa no eram o bastante poderosas para remover por si ss os obstculos modernizao, mas podiam proporcionar e proporcionaram uma base limitada de apoio para medidas modernizadoras quando os governantes resolveram tom-las a fim de assegurar seu prprio poder, criando um Estado forte, e a era Meiji (l868-1912) se caracterizou pela associao de
elementos feudais e capitalistas na empresa de criar um poderoso estado moderno[ 3 1 ]; e se o estado prussiano marca o quadro alemo, o que demarca o perfil italiano a Revoluo conservadora segundo uns, revoluo de uma burguesia que no soube, nem quis completar sua vitria, segundo Engels, revoluo passiva, segundo Gramsci. Revoluo passiva, cuja prpria denominao indica o parentesco com a revoluo pelo alto de Bismarck - parentesco assinalado por Gramsci - /.../[ 3 2 ]. E assim que elas comparecem e se pem, em suas debilidades, como elos da cadeia imperialista. Elos dbeis, e de debilidades distintas em grau e natureza, mas elos da cadeia imperialista. Ou, no dizer de Poulantzas: Vejamos, agora, o caso italiano, que bastante distinto do caso alemo. Todavia, pode-se descobrir uma similitude caracterstica se se tem em conta - e somente assim - o lugar da Itlia na cadeia imperialista. A similitude reside precisamente na debilidade do elo italiano na cadeia. Esta debilidade no se deve s mesmas razes que a do elo alemo: ainda que apaream semelhanas relativas em caracteres isolados de ambos os casos, estes caracteres no podem, enquanto tais, fundamentar o parentesco das duas formaes. So seus efeitos, distribuidores de lugares na cadeia, que assumem importncia. Dito de outro modo, a cadeia imperialista ela prpria que determina a homologia dos efeitos - fragilidade dos elos - devidos em cada caso a razes diferentes[ 3 3 ]. De maneira que h de atentar que, se a Alemanha, por volta do princpio do sculo, na seqncia de uma rpida expanso, se encontrava num ponto elevado da acumulao capitalista, No entanto, esta evoluo no carecia de pontos dbeis: 1) Do ponto de vista das matrias-primas, as bases da indstria alem eram insuficientes. Em 1913 s dispunha de quantidades suficientes de carvo, zinco e potssio; carecia de petrleo, cobre, estanho, nquel, enxofre etc.; inclusive era deficitria em mineral de ferro. 2) Do ponto de vista dos mercados, subseqente ao perodo de expanso, a Alemanha, que dispunha de um aparato de produo capaz de trabalhar a fundo para o mercado mundial, chocava-se frente s posies adquiridas pelas outras grandes potncias; este era o pesado tributo de sua industrializao tardia, conseqncia esta, por sua vez, dos obstculos com que se deparou a constituio de sua unidade econmica e de sua unidade nacional. Com efeito, em 1876, enquanto que a Frana e a Inglaterra j gozavam de suas imensas possesses, o campo colonial alemo era quase inexistente, e a extenso que seguidamente alcanou no transcurso dos anos seguintes no teve nenhuma importncia para o desenvolvimento econmico da Alemanha, nem como fonte de matria-prima, nem como sada para suas mercadorias. Enquanto que em 1913 a Inglaterra dirigia 40% de suas exportaes para suas possesses, a Alemanha s encaminhava a suas colnias mais evoludas menos de 0,5% das suas, isto , menos de 50 milhes de marcos. De outra parte, enquanto nos mercados restantes a Alemanha ocupava um lugar honroso junto da Gr-Bretanha, via-se eliminada das possesses britnicas, onde suas exportaes se elevavam a 410 milhes de marcos, frente aos 4.800 milhes das exportaes inglesas. O problema das sadas se colocava, pois, em termos agudos para a economia alem, tanto do ponto de vista da exportao de mercadorias como do ponto de vista das exportaes de capitais; as colnias alemes no haviam podido absorver mais que 1,5% dos capitais alemes exportados. A necessidade em que se encontrava a Alemanha at 1913 de garantir o controle de um determinado nmero de mercados para seus produtos com o risco, em caso contrrio, de ver estalar as contradies entre o desenvolvimento de suas foras produtivas e as possibilidades de dar-lhes uma sada - constitui, sem discusso possvel, uma das fontes do primeiro conflito mundial[ 3 4 ]. Adite-se, complementarmente, atentando exclusivamente para a linha bsica da assero, que Tambm no plano da poltica exterior o jovem Reich se considerava uma nao tardia. Conservadores e liberais coincidiam na convico de que a Alemanha devia neutralizar o mais rapidamente possvel a vantagem das grandes potncias. Ambos consideravam uma reivindicao natural conseguir a hegemonia na Europa central e participar na distribuio e penetrao colonial e poltico-econmica do mundo. /.../ Hitler recebeu esta herana depois que a Repblica de Weimar no pde resistir ao confronto com um revisionismo radical que, no final de contas, queria anular os resultados da guerra. Hitler tentou solucionar violentamente esta problemtica dando um forte giro do expansionismo poltico-colonial ao continental imperialismo[ 3 5 ]. Desnecessrio parece-nos, aqui, prosseguir acentuando tais pontos com novos exemplos de outros casos. Para efeito de nossas necessidades, a linha interpretativa, cremos est indicada. O eixo fundamental sobre o qual se pem os elementos essenciais da questo, tomando o caso alemo como exemplo especial, , pois, que: Na seqncia do estabelecimento reacionrio da unidade alem, esse atraso se apresentou ideologicamente sublimado e estilizado, como se precisamente aquela Alemanha estivesse chamada a superar as contradies da democracia moderna em uma unidade superior. No casual que o antidemocratismo se tenha constitudo pela primeira vez como concepo de mundo naquela Alemanha atrasada, nem que no perodo imperialista a Alemanha tenha ocupado o primeiro lugar na funo de produzir ideologias reacionrias. Porm o decisivo que logo a grande velocidade de desenvolvimento do capitalismo tardio na Alemanha fez do Reich um estado imperialista de primeira ordem. Um estado imperialista, contudo, cujas possesses coloniais e cujas esferas de interesses mostravam-se desproporcionadamente pequenas, comparadas com sua fora e com as pretenses de seu capitalismo. Este o fundamento ltimo de que a Alemanha tenha tentado por duas vezes forar uma nova diviso do mundo mediante guerras totais[ 3 6 ].
A deficincia mais freqente que se verifica, nos tratamentos analticos que geralmente tm sido dispensados ao problema do fascismo, precisamente o descaso comprometedor com as formas particulares de objetivao do capitalismo. Conseqentemente, a concreo particular desprezada, tomando lugar a universalizao abstrata, que propende a crescer, sempre ideologicamente. De nossa parte, no que ficou para trs, procuramos configurar, num volteio mais ou menos longo, ainda que esquemtico, o contorno precisamente de um processo particular. E ele exatamente que nos permite compreender o fascismo enquanto totalidade. No apenas, portanto, no raquitismo de uma abstrao politolgica, ou numa tambm abstrata lei geral economicista. Neste diapaso, realmente verdadeira a conexo orgnica entre grande indstria, capital financeiro e fascismo. Mas no verdadeira em geral, mas na particularidade do capitalismo tardio, quando casos, que assim se objetivaram, emergem, na fase imperialista, na condio de elos dbeis da cadeia imperialista. Ou, nos termos de H. Lefebvre, que, por distinta preocupao e outro roteiro, aponta para a mesma direo, alm de desmistificar, de passagem, a fetichizao da determinante nacionalista: Uma assombrosa mistura de nacionalismo e de democracia caracteriza a prxis e a vida francesa durante o perodo que consideramos. Ademais, no evidentemente por azar que o fascismo no pde triunfar sobre a democracia nas naes economicamente asseguradas, quer dizer, imperialistas e colonialistas com xito: Frana, Inglaterra. O fascismo era nacionalista, e o nacionalismo ia ao fascismo contra a democracia. Porm, a democracia (burguesa) e a nao (burguesa) proporcionavam meios polticos e ideolgicos melhores que o fascismo para a dominao colonial. O fascismo provia meios, a rigor, para a conquista de um Imprio colonial de um mundo j ocupado. assim que o fetichismo da nao, to poderoso na Frana, no pde desembocar em um fascismo[ 3 7 ]. Tudo considerado, compreendemos, ento, o real significado da afirmao lukacsiana de que Uma conseqncia da desigualdade do desenvolvimento que a humanizao cada vez maior da vida produz, do outro lado, formas cada vez mais desenvolvidas de desumanidade. Nunca pude admitir que o horror gerado, por exemplo, pelo fascismo tenha sido apenas uma espcie de recada na Idade da Pedra ou qualquer coisa do gnero. O fascismo a atrocidade, a desumanidade, de uma forma de capitalismo altamente desenvolvido. Um fenmeno humano como Eichmann nunca existiu no tempo dos canibais, no qual, acredito, no teria podido surgir um homem em condies de fazer do aniquilamento em massa dos homens uma operao tranqilamente burocrtica. Trata-se de um produto da poca imperialista, como nunca existiu antes; nem mesmo a Inquisio produziu figuras semelhantes: somente fanticos e polticos (os grifos so nossos)[ 3 8 ]. Dito de outro modo, estamos diante do encaminhamento das sobrevivncias da misria alem na direo de um imperialismo especialmente reacionrio[ 3 9 ], isto porque Ao converter-se a Alemanha em uma grande potncia capitalista, a diviso colonial do mundo chegava j ao seu fim, o que fazia que a Alemanha imperialista, se queria chegar a adquirir um imprio colonial afinado com seu poderio econmico, s pudesse faz-lo por meio da agresso, arrebatando a outros suas colnias. Isto fez nascer na Alemanha um imperialismo especialmente voraz, agressivo, vido de botim, que pressionava de um modo veemente e implacvel na direo de uma nova diviso das colnias e das esferas de influncia[ 4 0 ]. De modo que, em sntese, a ideologia fascista se pe e mostra como uma ideologia de mobilizao nacional para a guerra imperialista, na particularidade, nunca demais repetir, do capitalismo tardio, quando emerge como elo dbil da cadeia imperialista. Assim, estritamente determinado pela anlise concreta, escapa tanto das singularizaes empiristas, como das universalizaes vazias. Recuperando o conceito de fascismo a universalidade que lhe possvel, isto , a generalidade prpria a um particular, pois, determinado como foi, abrange todos os casos de objetivao tardia do capitalismo que tenham emergido, de fato, como elos dbeis da cadeia imperialista e nos quais o fascismo tenha se manifestado. Isto , desde a polaridade alem, passando pelo abrandado caso italiano, at, digamos, assim, numa conjectura legtima, os casos ainda mais dbeis, ao limite dos quais possam se encontrar aqueles to extraordinariamente fracos a ponto de o fascismo neles no ter sequer alado hegemonia, sem contudo, por isto, ter deixado de ser fascista, ainda que seus cantos guerreiros no tenham passado de pardias bufarinhas. Extremo do qual o prprio caso italiano, segundo alguns, e sob certos aspectos, no esteve muito longe. De qualquer forma no se tratar nunca de um nmero elevado de casos, como reduzidas numericamente tambm so obviamente as vagas na confraria imperialista. Precisamente esse carter blico do fascismo, em conseqncia dinmico em suas propostas e manifestaes, tem sido um dos aspectos que mais tm desnorteado de modo lamentvel certos investigadores, a ponto de chegarem ao extremo de perpetrar a rombuda diferenciao entre um fascismo revolucionrio e um fascismo conservador. Separam, dando nomes errados, exatamente ao que perfaz a unidade do fascismo real: a substantividade de um movimento de expanso, determinado pelas necessidades econmicas da acumulao capitalista que atingiu a fase imperialista, e a substantividade de um movimento de regresso, no que tange ao desenvolvimento da trama das relaes sociais, polticas e ideolgicas. Para usar uma expresso muito incompleta, mas at certo ponto feliz pelo seu carter
sinttico, ainda que demasiado formal: o fascismo, no fundo, uma combinao de expanso econmica e represso[ 4 1 ]. J disse Lukcs, em alguma parte, que falso e condenvel identificar o novo pelas exterioridades reluzentes. De fato, isto pode conduzir aos maiores desatinos. Confundir o rebrilhar das baionetas nas guerras imperialistas com a luminosidade dos partos da histria o que ser? Mesmo o controvertido W. Reich, apesar de sua leitura naturalizante e psicologizante dos eventos histricos, soube observar com correo que o nacional-socialismo se revelou como um nacionalismo imperialista da grande burguesia, /.../ que prepara a guerra por todos os meios[ 4 2 ]. A desateno a este ponto, no mnimo, condena a anlise ao fracasso. De forma que no h qualquer revolucionarismo no fascismo. De igual modo no se trata de uma represso qualquer. A regressividade fascista algo mais determinvel: tem de eliminar da herana burguesa todos os elementos progressivos[ 4 3 ]; e isto tambm no um trao universal da resposta burguesa ao mundo, mesmo considerados todos os passos para trs desde meados do sculo passado. No fascismo, represso concomitantemente violenta agresso imperialista, em que o terror a forma nova, aprofundada e desenvolvida da represso intrnseca ao modo de objetivao do capitalismo pela via prussiana, isto porque, a, o progresso social e a evoluo nacional no se apiam e pressionam mutuamente, como na Frana, mas se encontram em contraposio[ 4 4 ]. Mesmo porque, J se travam no ocidente as primeiras grandes batalhas de classe do proletariado ascendente quando em 1848 aparecem pela primeira vez em forma concreta para a Alemanha os problemas da revoluo burguesa. Sem dvida que, excetuando a Itlia, somente na Alemanha se colocam esses problemas (os da entrada tardia no caminho da transformao burguesa da sociedade) de tal modo que a questo central da revoluo burguesa resulta ser a da unidade nacional que ainda tem que ser criada[ 4 5 ].
E o caso brasileiro? Efetivamente, como diz com muito sabor J. H. Rodrigues, O processo histrico brasileiro sempre no contemporneo[ 4 6 ]. Dito no esprito da problemtica das formas particulares de objetivao do capitalismo que nos informa, e das quais estivemos falando h pouco: No Brasil, bem como na generalidade dos pases coloniais ou dependentes, a evoluo do capitalismo no foi antecedida por uma poca de iluses humanistas e de tentativas - mesmo utpicas - de realizar na prtica o cidado e a comunidade democrtica. Os movimentos neste sentido, ocorridos no sculo passado e no incio deste sculo, foram sempre agitaes superficiais, sem nenhum carter verdadeiramente nacional e popular. Aqui, a burguesia se ligou s antigas classes dominantes, operou no interior da economia retrgrada e fragmentada. Quando as transformaes polticas se tornavam necessrias, elas eram feitas pelo alto, atravs de conciliaes e concesses mtuas, sem que o povo participasse das decises e impusesse organicamente a sua vontade coletiva. Em suma, o capitalismo brasileiro, ao invs de promover uma transformao social revolucionria - o que implicaria, pelo menos momentaneamente, a criao de um grande mundo democrtico contribuiu, em muitos casos, para acentuar o isolamento e a solido, a restrio dos homens ao pequeno mundo de uma mesquinha vida privada[ 4 7 ]. Uma vez que o Brasil, tal como a Itlia e a Alemanha[ 4 8 ], jamais conheceu a revoluo democrtica burguesa, a questo saber em que estgio de desenvolvimento ele se achava, por volta das dcadas dos anos 20 e 30, quando aqueles outros dois pases, de constituio capitalista tardia, j se encontravam, na seqncia de uma rpida industrializao, na condio de elos dbeis da cadeia imperialista. Indagando de forma sinttica: a esse tempo em que ponto estava a objetivao do verdadeiro capitalismo no Brasil? J fizemos algumas indicaes a respeito, quando tratamos da via prussiana, e buscamos distinguir, com a ajuda desta, o particular prprio aos casos a que pertence o brasileiro, sugerindo, ento, para ele, o designativo de via colonial. Na Introduo de 1933 a Serafim Ponte Grande, a mordacidade de Oswald de Andrade entreabre para um breve e incisivo retrato do grau de desenvolvimento da indstria brasileira atingido poca: O movimento modernista, culminado no sarampo antropofgico, parecia indicar um fenmeno avanado. So Paulo possua um poderoso parque industrial. Quem sabe se a alta do caf no ia colocar a literatura novarica da semicolnia ao lado dos custosos surrealismos imperialistas? Eis porm que o parque industrial de So Paulo era um parque de transformao. Com matria-prima importada. s vezes originrio do prprio solo nosso. Macunama[ 4 9 ]. Quem ser, nesta rapsdia, o heri sem nenhum carter?
Diante das palavras de Oswald, para acentuar diferenas, e no para desqualificar ou minimizar as dores do penalizado processo da industrializao brasileira, no resistimos tentao de dizer que, se a histria se repete - uma vez como drama, outra como comdia -, a industrializao tardia da via prussiana o drama, enquanto a industrializao hiper-tardia da via colonial a penosa comdia. Sem mais ironias ou cifrados retricos, diga-se, de uma vez, que por mais distintas que se mostrem as interpretaes sobre pontos inmeros, por mais diferentes que sejam as bases fundantes de que partam, por mais diversas que sejam as ilaes tericas e prticas que extraiam, os autores, no entanto, convergem, quando se trata de indicar, no geral, o significado essencial do processo histrico nacional das primeiras dcadas do sculo; para usar uma indicao de Celso Furtado, dir-se-ia que no curso desses anos o quadro brasileiro faz transparecer a necessidade de uma alternativa para a ordem agroexportadora, que evolve em longo andamento de notrias vicissitudes, conduzida pela extensa crise do caf[ 5 0 ]. Em outras palavras: Observando nossa evoluo desde princpios do sculo atual, verifica-se que ento que se situa a ltima culminncia daquele sistema. Saa-se de uma fase de expanso ininterrupta e o futuro ainda parecia brilhante. Entretanto, verificou-se um estacionamento, e logo em seguida o declnio que depois de 1930 se torna precipitado. Isto evidencia que a base oferecida pelo nosso antigo sistema, voltado precipuamente para o exterior, se torna progressivamente mais estreita e incapaz por isso de sustentar a vida do pas[ 5 1 ]. E Fica evidente, enunciados todos os teoremas, que tanto o auge quanto a inviabilidade da economia agro-exportadora brasileira tpica da Repblica Velha e suas seqelas que marcaram todo o bloqueio do avano do capitalismo no pas, no podem ser explicados sem um acurado exame das relaes internacionais que a emolduraram. A intermediao comercial e financeira externa, que tanto se enfatizou /.../, no um caso nessa trama de relaes: ela a relao. Seu epicentro a Inglaterra, na fase tpica de exportaes de capitais; seu nome imperialismo[ 5 2 ]. precisamente num panorama dessa ordem que principia a brotar a industrializao brasileira. Abstraindo secundrias erupes anteriores, apenas no bojo contraditrio do auge e concomitante desequilbrio do sistema agro-exportador que a industrializao brasileira, de fato, tem incio. E assim mesmo como uma das possibilidades, na diferenciao de atividades buscada como alternativa em face da crise do caf. E assim, /.../ centralizando-se a economia brasileira na produo de um pequeno nmero de gneros exportveis, com desprezo de tudo mais, desabrocha em oposio uma evoluo em sentido contrrio, para tirar daqueles gneros a exclusividade de que gozavam. O interessante que ser justamente em So Paulo, onde aquela restrio de atividades alcanar talvez sua expresso extrema com a monocultura do caf levada ao mximo de exagero, que se encontraro as primeiras iniciativas no sentido de diversificar a produo. A administrao pblica ter a um papel considervel, criando e multiplicando campos de experimentao, nos quais ser cultivada e selecionada toda sorte de produtos agrcolas, e postos zootcnicos. Tais iniciativas permanecero longamente sem grandes resultados; mas tero no futuro efeitos econmicos considerveis. Mas sobretudo num outro setor que esta diferenciao de atividades sair logo de seu estado potencial, assumindo rapidamente importncia e determinando conseqncias de vulto: na indstria manufatureira. E neste caso /.../ o progresso das atividades estar direta e imediatamente ligado s circunstncias derivadas do desequilbrio crnico das finanas externas do pas. , assim, do ntimo das contradies inerentes ao sistema econmico do pas que brotam as foras que com o tempo o vo transformando[ 5 3 ]. Para devidamente avaliar a estreiteza e desfavorabilidade das condies sob as quais principia a emergir o capitalismo verdadeiro no Brasil, basta considerar, o que essencial, que Concretamente as condies /.../ levam reiterao da chamada vocao agrcola do pas, especializando-o ainda mais na produo de mercadorias de realizao externa. O aprofundamento dessa especializao fez com que o financiamento da realizao do valor da economia agro-exportadora fosse, tambm, e no por acaso, externo. Este ponto, fundamental para a compreenso do processo, forma uma espcie de crculo vicioso: a realizao do valor da economia agro-exportadora sustentava-se no financiamento externo e este, por sua vez, exigia a reiterao da forma de produo do valor da economia agro-exportadora. Simultaneamente, o mecanismo de financiamento externo bloqueava a produo do valor de mercadorias de realizao interna. Na exacerbao desse processo, os requerimentos do financiamento externo acabavam por consumir todo o valor da economia agro-exportadora, com o que negavam a prpria forma de produo; em ltima anlise, o valor gerado pela economia agro-exportadora acabou por destinar-se substancialmente a pagar os custos da intermediao comercial e financeira externa, operando-se uma redistribuio da mais-valia entre lucros internos e lucros e juros externos completamente desfavorvel aos primeiros; em outros termos, uma parcela substancial do produto no podia ser reposta seno atravs dos mesmos mecanismos de financiamento externo[ 5 4 ]. Conseqentemente, enquanto se inviabilizava em si mesma, a economia agro-exportadora bloqueava o avano da diviso social do trabalho no rumo do capitalismo industrial, na medida em que reiterava os mecanismos da intermediao comercial e financeira externa, que nada tinham que ver com a realizao interna do valor da produo de mercadorias dos setores no-exportadores. O financiamento da acumulao de capital nos setores no-exportadores no passava pela intermediao comercial e financeira externa tpica da economia agro-exportadora, que consumia a maior parte do excedente social produzido no apenas pelas atividades de exportao, mas pela totalidade do sistema econmico. /.../ Apoiando-se as receitas federais principalmente nos impostos sobre a importao e secundariamente sobre o consumo, verifica-se que, longe de ter havido transferncia de recursos ou de renda do setor exportador para os demais setores, houve o contrrio, o que reafirma o fato de que a intermediao comercial e financeira externa prpria da economia agro-exportadora
representou uma restrio ao avano da diviso social interna do trabalho ao prprio tempo em que se negava[ 5 5 ]. , pois, sob tais circunstncias, profundamente retardadoras e retardatrias, configurantes do capitalismo hper-tardio brasileiro, que se pe a industrializao, poca que nos ocupa, de tal forma que A Revoluo de 1930 marca o fim de um ciclo e o incio de outro na economia brasileira: o fim da hegemonia agrrio-exportadora e o incio da predominncia da estrutura produtiva de base urbano-industrial. Ainda que essa predominncia no se concretize em termos da participao industrial na renda interna seno em 1956, quando pela primeira vez a renda do setor industrial superar a da agricultura[ 5 6 ]. o que fundamentalmente nos competia estabelecer, no mbito das necessidades do nosso trabalho: a presena concreta, sim, porm incipiente e ultra-retardatria dos primeiros momentos significativos da objetivao do verdadeiro capitalismo no Brasil, exatamente nos anos em que o iderio pliniano foi elaborado. Anos que para os pases que efetivamente conheceram o fascismo so, j de algum tempo, de plena atividade imperialista, e at mesmo uma guerra dessa natureza j se conta em sua histria. Tal a disparidade do estgio de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, em face daqueles pases, que quaisquer igualizaes ou identificaes, alm de impossveis, so verdadeiramente uma brutalidade terica. Tamanhas as diferenas de grau e de forma de objetivao do capitalismo que, parodiando Engels quando compara a Alemanha Frana, em plena vigncia da via prussiana, diramos que, mesmo se tudo corresse bem para o Brasil, e a estabilidade dominasse o panorama universal, ainda assim, quando todos j estivssemos bem velhos, l por volta do ano 2000, o Brasil ainda no teria atingido o estgio da Alemanha em 1913, na qualidade desta de emergente elo dbil da cadeia imperialista. A absurdidade de equiparar politologicamente, de algum modo e at mesmo com algumas cautelas, o Brasil, a Alemanha e a Itlia das primeiras dcadas do sculo salta vista quando se considera que, em ltima anlise, o que se est equiparando so elos dbeis da cadeia imperialista, portanto fenmenos do capitalismo altamente avanado, entidades da fase superior do capitalismo, com uma formao que integra precisamente as reas da disputa imperialista, faz parte justamente do territrio colonial que os elos dbeis foram por ver redistribudo. E que, no caso brasileiro, mal principia a objetivar os dbeis passos iniciais do estrito modo de produo capitalista. E o atraso de tal objetivao, se no caso alemo, e tambm no italiano, se marca no s em comparao com os casos clssicos, mas tambm pelo fato de a industrializao destes pases ter principiado posteriormente s primeiras lutas do proletariado, no caso brasileiro se grifa obviamente em relao aos casos clssicos, tambm em relao s objetivaes do capitalismo tardio, e ainda pela considerao de que a crtica terica e prtica do proletariado, quando o Brasil inicia sua caminhada estritamente capitalista, j est inclusive consubstanciada pela deteno do poder em um dado pas. Ademais, quando dizemos primeiros passos no estamos afirmando que antes deles nada houvera[ 5 7 ]. Ocorre que a partir do perodo em causa que se verifica o movimento industrializador que no mais ser interrompido, como surtos e iniciativas anteriores o foram nessa histria de vrios comeos (o que mais um trao da via colonial) que a histria do processo de industrializao do pas, e que o livro de Ncia Vilela Luz, sob muitos aspectos, preciosamente traz claridade[ 5 8 ]. So, portanto, os primeiros passos do processo que concretamente objetivou a indstria no Brasil. E, enquanto tais, pem materialmente um quadro de capitalismo verdadeiro nascente, na marca, obviamente, do que estamos chamando de capitalismo hper-tardio. , pois, na particularidade de uma formao imperialisticamente subsumida, e que principia hipertardiamente a consecuo da forma industrial de produo, que aparece e se pe a proposta ruralista do integralismo pliniano. precisamente, portanto, uma erupo ideolgica diretamente atada ao processo que faz transitar o pas da economia agro-exportadora para a forma urbano-industrial. H que notar, com a devida nfase, que a proposta, de retorno terra, de Salgado no uma reflexo a partir da perspectiva agro-exportadora, j em fase, digamos, remetendo mais uma vez a Francisco de Oliveira, autofgica, que se nega e bloqueia a indstria. A reao ruralista pliniana, em face do incipiente verdadeiro capitalismo brasileiro, no tem a tica daquela, no possuindo, decorrentemente, suas possveis pretenses restauradoras. A antimodernizao pliniana mais extremada, manifestando-se, na crtica romntica ao capitalismo, e na reao diante do que toma como a derrocada mundial deste (o primeiro conflito mundial, as crises de superproduo e desemprego, a instaurao do estado sovitico), como um salto para trs em busca de formas pr-capitalistas de entificao social. Donde, numa expresso formal, ao contrrio do fascismo que, no fundo, uma combinao de expanso econmica com regresso social, poltica e ideolgica, o integralismo pliniano articula visceralmente duas regressividades: a deste ltimo plano, e a regressividade econmica. De maneira que, diante do capitalismo internacional em crise, e em face da industrializao brasileira (que se levada adiante s poderia conduzir mesma runa capitalista em que o mundo desenvolvido j se encontra, e cuja ltima fase o comunismo), aproveitando a lio das naes antigas e cansadas, Salgado, na evaso de um mundo desconfortvel e inquietante - raiz de seu utopismo reacionrio e do desespero pequeno-burgus - retoma a vocao agrria brasileira, agora pelo nvel mais baixo dos pequenos proprietrios. Para tanto, impe-se a frenagem da expanso das foras produtivas. Convicto de que parcela do cobiado botim do imperialismo, e convencido tambm de que, em face dele, no dispe,
nem mesmo em percentagem mnima, dos recursos para uma defesa material efetiva, lana arena de luta o combate espiritual ao imperialismo. O anticosmopolitismo, o nacionalismo defensivo o expressam perfeitamente: a dimenso de seu antiimperialismo regressivo. Conclusivamente, na indefinio aberta pelos eventos de 30, e antes pela autofagia do sistema agroexportador, na ambigidade das possibilidades do real, solicitvel e solicitado, poca, em busca de uma direo para o evolver brasileiro, Salgado oferece a sua diretriz: a regresso, a conteno, no mnimo, do desenvolvimento do verdadeiro capitalismo, j que No existem as situaes estancadas; todas tm que se desenvolver, para frente ou para trs[ 5 9 ]. E como a via colonial no predispe, como se pode estimar com facilidade, para as batalhas pelo progresso, no de estranhar que um nmero to significativo de brasileiros, embalados por tantas razes pela vocao agrria, tenham acompanhado, pelo menos durante algum tempo e com reduzida conscincia, o chefe integralista. Mesmo porque, por mais estranho que possa parecer, e estas coisas tm sido, quando o so, com raras excees, muito precariamente estudadas, h que registrar, em plena segunda dcada do sculo, portanto nas fronteiras do perodo que nos interessa mais de perto, um forte movimento de franca oposio industrializao e urbanizao do pas. Recolhamos, simplesmente, as valiosas indicaes de N. V. Luz: Alm dessa reao liberal, que exemplificamos com Murtinho (Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda por todo o quadrinio Campos Sales; foi o grande divulgador do conceito de indstria artificial pela guerra tenaz que lhe moveu), uma outra corrente de protesto levantava-se contra o artificialismo do nosso desenvolvimento industrial. Protecionista, ela reclamava, entretanto, preferncia para a produo agrcola, alegando o descuido da Repblica pela terra, pelo campo, cujos habitantes constituam, entretanto, o cerne da nacionalidade brasileira. Amrico Werneck, um dos mais tpicos representantes dessa corrente, revoltava-se contra esse esquecimento do homem do campo que, a seu ver, era o fator de nossa grandeza e o esteio de nossa soberania. /.../ Ora, essa populao rural estava sendo sacrificada pelo alto custo da nossa produo industrial. E, como Murtinho e outros adversrios das indstrias denominadas artificiais, Werneck atribua-lhes, em grande parte, a responsabilidade pela carestia da vida no Brasil. /.../ Esse ruralismo que se evidencia no pensamento de Amrico Werneck [Secretrio da Agricultura e Obras Pblicas do Estado de Minas, de 1898 a 1901; dedicou-se tambm s letras] e esse protesto contra a predominncia do elemento urbano na poltica republicana traduzir-se-o, na segunda dcada do sculo XX, num movimento mais radical de franca oposio industrializao e urbanizao do pas. A reao ruralista tinha, evidentemente, suas razes nas tendncias fisiocratas de certa corrente do pensamento econmico brasileiro. A predominncia das atividades rurais, no Brasil, no deixou de favorecer a ecloso de uma mentalidade que encontrava nas doutrinas fisiocratas uma justificativa para urna economia de base essencialmente agrcola. No se limitavam, porm, aos princpios econmicos, os ideais desse grupo ruralista. Transcendendo a ordem econmica, penetravam nos domnios da moral, preconizando uma filosofia antiindustrialista, antiurbana, ressaltando as vantagens e a superioridade da vida do campo. /.../ Na segunda dcada do sculo XX, os excessos do protecionismo industrial, a elevao cada vez maior do custo de vida que muitos atribuam poltica protecionista, os primeiros sinais de agitao social, o contraste entre o campo e a cidade, enfim, uma srie de circunstncias decorrentes da nossa evoluo econmica e social levaram certos espritos a preconizar uma volta ao campo, em nome desse mesmo nacionalismo que outros invocavam ao pleitear uma poltica de industrializao. /.../ Alberto Torres, o grande lder do movimento ruralista que visava reintegrao da nossa civilizao em bases mais sadias as da vida rural que considerava a expresso mxima da nacionalidade brasileira, /.../ invectivava a ao invasora desse capital (estrangeiro) e a leviana negligncia do governo em facilit-la[ 6 0 ]. Salgado, portanto, no criava no vcuo. Vinha na esteira de uma espessa tradio. Tradio na qual, naturalmente, h que distinguir diversas perspectivas sociais, e suas diferentes objetivaes ideolgicas. Mas, inegavelmente, e no h dificuldade em o compreender, no geral: o ruralismo , no Brasil, todo um caldo de cultura. O que para trs ficou estampado leva-nos constatao de que as contradies vivas, que geram a existncia social brasileira da poca de que nos ocupamos, distam ponderavelmente daquelas que fazem o tom da poca no plano internacional. palpvel que, nesta esfera, a contraposio predominante a configurada entre fascismo e antifascismo. Mas, considerando que os dinamismos preponderantes dos perodos no condicionam (no o fazendo tambm nem mesmo a realidade essencial de toda uma poca) de maneira imediata e total todos os fenmenos e mesmo todos os perodos dessa poca[ 6 1 ], compreendemos que o dinamismo preponderante da oposio entre fascismo e antifascismo, que durante um longo perodo de desenvolvimento determinou a estrutura histrica da sociedade humana[ 6 2 ], s tenha podido determinar, na particularidade brasileira, mediado pela via colonial, e na medida das resultantes desta. De tal forma, ento, que a realidade mostrou, na sua condio prpria, se comportava ou no, imediatamente, esta ou aquela questo, este ou aquele pensamento; no mimetizou ou deixou simplesmente de mimetizar, mas revelou ou no, em razo do grau de desenvolvimento em que se encontrava, e da forma pela qual a chegara, se j objetivava ou no, e em que grau e forma, o que era o decisivo imediato para os centros hegemnicos internacionais. E tudo isto sem deixar de gerar para si, particularmente, o que era obrigada, s para si, a gerar. E, nesta produo, as idias que se puseram no tinham como aparecer como deslocadas de seu espao devido; com aparncias semelhantes a outras, mais ou menos desenvolvidas, ou melhor conhecidas, podendo, no entanto, ser concretamente outra coisa, e, enquanto tais, ocupando perfeitamente o lugar que lhes competia. Mesmo porque a questo no buscar o lugar certo das idias, mas a idia certa, prpria dos lugares, na medida em que as idias no
so pedras subsumidas lei da gravidade, sem que sejam, contudo, passveis de fuga aos critrios universais do verdadeiro. Isto posto, e retomados os cernes de que o fascismo uma ideologia de mobilizao nacional para a guerra imperialista, que se pe nas formaes de capitalismo tardio, quando estas emergem na condio de elos dbeis da cadeia imperialista, e o integralismo uma manifestao de regressividade nas formaes de capitalismo hper-tardio, uma proposta de frenagem do desenvolvimento das foras produtivas, com um apelo ruralista, no preciso momento em que estas principiam a objetivar o capitalismo verdadeiro; ou ainda, numa palavra, se o fascismo um fenmeno de expanso, da fase superior do capitalismo, e o integralismo se pe como fenmeno do capitalismo imaturo ou nascente, a traduzir uma proposta de regresso, em pas de extrao colonial que emerge como formao hiper-tardia do capitalismo verdadeiro, o que pode significar a tendncia a estud-los equiparadamente a partir de certas similitudes pinadas apenas e exclusivamente na estreita faixa do estritamente poltico, seno que toda a cincia politolgica de tal anlise, tal como toda a sabedoria dos economistas modernos, de que fala Marx, na Introduo Geral Crtica da Economia Poltica, reside no esquecimento das diferenas essenciais. Mesmo porque Hegel nunca chamou de dialtica a subsuno de uma massa de casos a um princpio geral[ 6 3 ]. As inelidveis diferenas essenciais de objetivao do capitalismo verdadeiro, nas particularidades indicadas, mostram-se, ento, palpavelmente como concretos geradores de diversas necessidades, includas, a, as necessidades ideolgicas. De tal sorte que o fato ideolgico fascista se pe como uma totalidade distinta da totalidade do fato ideolgico integralista. E, na medida em que a conscincia do agente no critrio de verdade, pois no se julga o que um indivduo a partir do julgamento que ele faz de si mesmo[ 6 4 ], e tampouco a anlise de ideologias julga das intenes, mas dos fatos, da expresso objetivada dos pensamentos[ 6 5 ], a anlise dos textos de Salgado apontava, a cada passo, na oportunidade em que elas prprias se punham, constituindo o todo e por ele sendo informadas, as especificidades e, portanto, as diferenas e suas densidades. Assim, pode-se apreender - e a anlise comparativa entre os discursos fascista e integralista, que est fora dos propsitos do presente trabalho, poder explorar a fundo e sistematicamente, numa aproximao que necessariamente passa pela anlise imanente, nos moldes da realizada para o discurso de Salgado, pelo menos dos discursos fascistas de suas figuras mais caractersticas - objetivaes ideolgicas marcadamente diversas que vale, aqui, num ou noutro ponto, e guisa de concluso, repetir e acentuar. Considere-se, ento, o ponto nodal: a diversidade entre os fundantes das objetivaes ideolgicas em causa. Enquanto, no integralismo, o suposto ltimo uma concepo espiritualista do universo e do homem, concretada essencialmente em termos do catolicismo tradicional, no caso clssico do fascismo temos uma expresso do darwinismo social, levado s ltimas conseqncias, consubstanciando literalmente o dogma central da teoria da raa. No caso italiano, que nunca teve a exemplaridade mundial do fascismo alemo, o mito constitudo principalmente em torno da concepo do imprio, tendo como canal condutor, no dizer de Lukcs, Sorel, atravs do qual se converteu em veculo da ideologia fascista o pragmatismo e a intuio bergsoniana66[ 6 6 ]. Teramos o indiferentismo bergsoniano transfigurado em Sorel em atividade pattica e servindo, no seu vazio de contedo, como veculo do ecletismo mussoliniano. Recobrindo toda essa colcha de retalhos, um vago apelo espiritualidade, de incurses pantestas. Desde os primeiros tempos de agresso ao catolicismo at a poca de suas manobras com a Igreja, Mussolini nunca se deu ao trabalho de esclarecer, de fato, de que deus falava, algumas vezes. Como indaga um pesquisador: Porm, qual o Deus de Mussolini? Trata-se de um ser pessoal ou de um ser impessoal no sentido pantesta? Trata-se de um ser conhecido pelo homem, de sorte que possvel estabelecer relaes entre Deus e o homem, ou Deus o desconhecido, um nome que o homem d ao que est situado para alm do conhecido?67[ 6 7 ] E diga-se tambm que no escapa ao fascismo italiano, se bem que de forma mais atenuada, a preocupao racial, nele se dando a afirmao de um nacionalismo de fundo tnico e racial[ 6 8 ]. Alm do mais, com a conquista da Abissnia cessaram as vacilaes do fascismo italiano: Enquanto, at agora, o mundo liberal sempre contraps como argumento, doutrina racial nacionalista a posio humanitria do fascismo italiano em assuntos raciais, esse mesmo fascismo italiano comea agora, com relao recm-adquirida frica do leste (Abissnia), a empreender uma poltica racista, que est em oposio s teorias assimilatrias dos tericos fascistas, e ainda idia do Novo Imprio Romano, formulado por ocasio de sua fundao: Sua Idia (do Imprio Romano) est acima de qualquer realidade de dependncia do sangue ou da origem territorial. Nem por isto, Mussolini no hesitou nenhum momento em 9 de janeiro de 1937 em baixar o decreto decisivo, proibindo, sob as mais severas penas, o concubinato entre italianos e negros. A imprensa se empenhou em colocar essa confisso bsica do fascismo a favor de uma poltica racial, severa e consciente, no como algo de especial e surpreendente, mas, como escreve o Giornale dItlia como continuao natural, sim, como sntese da poltica populacional de Mussolini. Os italianos devem, escreve o jornal, manter a sua raa pura e criativa no seu tipo original. /.../ A pureza da raa to preciosa como a de um metal ou de uma pedra preciosa[ 6 9 ]. Efetivamente a questo racial , no fascismo, uma questo central, e altamente ilustrativo que o autor, do qual extramos a citao acima estampada, ao longo de todo seu livro, que versa sobre o integralismo, constituindo-se no nico estudo acadmico deste realizado da perspectiva fascista que conhecemos,
conduz toda sua crtica ao integralismo brasileiro tendo por eixo a debilidade da Teoria Assimilatria que este esposa, em lugar de adotar, como seria correto, uma definida posio racial, almejando, o tempo todo, que o integralismo evolua em direo a uma modificao de sua posio na questo racial e tnica no Brasil70[ 7 0 ], ao mesmo tempo que demonstra preocupao com o catolicismo de Salgado: Existem muitos integralistas que falam de uma posio ultra-religiosa - catlica - de seu chefe, e temem vrios perigos para o movimento[ 7 1 ]. Sua insistncia sobre a questo racial traduz-se, por exemplo, em denncias de que o integralismo brasileiro adota a teoria assimilatria, antibiolgica do nativismo lusitano /.../. Destruindo, porm, os diversos grupos tnicos - e isto ocorre se se sacrificam as caractersticas particulares, que eles possuem por vontade divina, a favor da idia vaga de uma raa mista do futuro destri-se simultaneamente tambm os valores inerentes a esses grupos. Sim, pode at ser dito que o integralismo concorda neste ponto com as idias materialstico-estticas do comunismo, que tambm no reconhece os limites por vontade divina dos povos, na sua originalidade disposta pelo destino. A teoria de Meltingpot (assimilatria) do integralismo est, portanto, diametralmente em oposio sua prpria idia dinmica de base, isto , quela qualidade pela qual o integralismo brasileiro supera o seu homnimo portugus[ 7 2 ]. As formulaes do tipo se repetem: nelas, visvel, a tese pliniana da raa harmoniosa do futuro inteiramente impugnada, tanto quanto a prpria posio geral do integralismo em face da sua recusa em adotar a teoria racial como fundamento ideolgico: impossvel formar no Brasil qualquer movimento vivo poltico ou cultural ou de outra natureza sem que se adote uma perfeita atitude frente ao problema racial. Oficialmente o integralismo afirma no conhecer o problema racial. Mas, na verdade, ele adotou a atitude racial do nativismo lusitano que muito se assemelha sua. Ambos afirmam que o problema racial no Brasil s poder ser solucionado de acordo com a realidade brasileira, em harmonia com a brasilidade, mas no com o que os cientistas europeus constataram em seus laboratrios. Mas se em outros pontos j constatamos a fragilidade e a interpretao subjetiva do conceito de brasilidade, com maior razo ocorre isto no problema racial[ 7 3 ]. Ostensivamente, e at mesmo de forma acusada por adeptos do fascismo, as bases fundantes do integralismo e do fascismo so distintas e perfeitamente discernveis, repercutindo isto no conjunto dos dois iderios, e de forma decisiva. Diramos melhor que necessidades de objetivao social diferentes, em condies diversas, levaram a reflexes de natureza distintas determinando ideologias que de modo nenhum podem ser confundidas. De fato, entre ter, como suposto ltimo, uma concepo social que se identifica com o catolicismo tradicional ou o racismo biolgico vai uma grande distncia. De imediato repercute sobre a espessura do irracionalismo em jogo. Enquanto no integralismo ele , digamos assim, barrado ou reduzido pelos dogmas da revelao, prprios da doutrina da Igreja, o irracionalismo fascista no conhece barragem. Evidentemente que os dogmas da revelao no constituem uma negao da irracionalidade, ao contrrio, mas h que observar que eles ainda impem um certo regramento, um conjunto de princpios obrigados a certa organizao, e que determinam contornos reflexo, onde a logicidade s ao limite ltimo cede lugar f. O racismo fascista desconhece qualquer destes lineamentos, posto arbitrariamente, arbitrariamente procede. mais amplamente irracionalista que o irracionalismo prprio do integralismo. Aquele inventa sua lgica, este, no limite, adota os valores de uma lgica que o transcende, e qual, numa poro de seu tecido conceitual, se subordina. Era a isto, a esta poro menos irracionalista do discurso pliniano, que nos referamos, nas primeiras pginas deste captulo, quando dizamos que o discurso de Salgado, estruturalmente retrico por natureza, possua como residual algo no-retrico, indicando, desde logo, que isto assumia grande importncia para a determinao da natureza do iderio pliniano. Nada semelhante a isto se encontra no discurso fascista. E provavelmente por isto que o discurso fascista aparece sempre como descosido, como distante de perfazer os contornos de uma doutrina. Seu ecletismo absoluto o casa com seu irracionalismo extremo. Em contraste, o integralismo, no seu desalinhavamento, alinhava; um perfil, apenas tracejado, se pe para o foco visual. O elemento residual no-retrico propicia o cimento necessrio. E Salgado, ns o vimos, muito cioso do carter mais doutrinrio de sua proposta. Mussolini, por sua vez, pedira a certa altura um pensamento para a sua ao, enquanto Hitler no suportava, nem mesmo acima de si prprio, a autoridade de uma idia[ 7 4 ]. Afluentemente dir um aclito, depreciando os clssicos da filosofia alem: Hitler no menos do que a idia, mas mais do que ela, pois real[ 7 5 ]. Mas isto no deriva de que um seja um pouco mais, o outro um pouco menos, dbil teoricamente. Mas o maior ou menor nvel terico espelha, no plano do tecido doutrinrio, as exigncias das necessidades concretas das entidades sociais em que esto inseridas. E muito interessante observar que seja precisamente o integralismo, dentro de seu primarismo, que apresenta algo menos inferior que o fascismo. O que aponta para certa observao lukacsiana, segundo a qual as condies de inferioridade de uma realidade concreta no condicionam mecnica e obrigatoriamente a inferioridade em todos os seus aspectos. Mas o que vale, acima de tudo, muito bem observar que o irremediavelmente descosido discurso fascista, arrimado sobre um irracionalismo extremado, sem folga ou resduo, que objetiva, em face do integralismo, um padro terico ainda mais baixo do que deste, no poderia ser outra coisa, pois uma ideologia que radicalmente no prope, simplesmente mobiliza e mobiliza simplesmente para o saque. Convencendo, persuadindo ou aterrorizando. Na consecuo da acumulao capitalista dispe-se a esfacelar literalmente o homem e o mundo. Uma doutrina esfacelada o representa com toda propriedade.
Em contrapartida, o integralismo, diante de um mundo em radical crise e transformao (o colapso do liberalismo, o primeiro conflito mundial, o surgimento do primeiro estado socialista), inserido num segmento territorial de extrao colonial, l catastroficamente o evolver do mundo e, na sua fragilidade colonial, prope um retrocesso. Donde o carter radical da antimodernizao pliniana, que sendo proposta, no contexto da via colonial, mostra bem a espessura de sua regresso. Mas Salgado salta para trs, recusa a acumulao do verdadeiro capitalismo em nome precisamente da preservao da integridade humana, identificando a totalidade real, porm limitada, do campons e do arteso como a totalidade humana possvel. uma proposta regressiva, mas uma proposta. a pequena propriedade contra o grande capital. S uma formao do capitalismo hper-tardio poderia ainda dar margem, em plena poca das guerras imperialistas, a que reflexes desse calibre de puerilidade reacionria se dessem. S a uma formao visceralmente impregnada pelo ruralismo poderia ainda sensibilizar a idia de que o vcio a base do progresso social, diante do qual um imaginrio e idealizado campons salta para trs. De modo que o burguesismo - mal do sculo no uma farsa retrica, mas a forma da crtica romntica no capitalismo hper-tardio. E uma moral da resignao, da pobreza edificante, se pe como a revoluo espiritualista e, enquanto tal, a defesa de uma totalidade inferior. Mas a defesa de uma totalidade, no o esfacelamento de toda e qualquer totalidade. O fascismo esfacela para expandir; o integralismo retrocede com medo do esfacelamento. Ontolgica e teleologicamente, fascismo e integralismo se pem como objetivaes distintas.
Excerto do livro O Integralismo de Plinio Salgado - Forma de Regressividade no capitalismo Hper-tardio. So Paulo, Ad Hominem/UNA, 1999, (2 edio).
*
** J. Chasin (1937-1998) foi um dos mais fecundos filsofos brasileiros, cujo trabalho intelectual esteve centrado na redescoberta do pensamento de Marx e na luta pela vida autntica, seguindo como princpio a formulao marxiana ser radical tomar as coisas pela raiz. Mas a raiz, para o homem, o prprio homem.
[1]
e 2. K. Marx, Crtica do Programa de Gotha, Porto, Portucalense Editora, 1971, pp. 29-30.
[3]
C. N. COUTINHO, Realismo & Anti-Realismo na Literatura Brasileira, Paz e Terra, Rio de Janeiro, p. 1924.
[4]
e 6. K. MARX, En Torno a la Crtica de la Filosofia del Derecho de Hegel, in La Sagrada Famlia, Grijalbo, Mxico, 1960, pp. 11 11-2.
[5]
[7]
K. MARX, O Capital, Civ. Brasileira, Rio de Janeiro, 1968, p. 5. G. LUKCS, Goethe y su poca, Grijalbo, Barcelona, 1968, p. 54. F. ENGELS, As Guerras Camponesas na Alemanha, Grijalbo, So Paulo, 1977, p. 11. Ib., pp. 17-18 e 17. Ib., pp. 17-18 e 17. G. LUKCS, Conversando com Lukcs,Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1969, p. 49.
[8]
[9]
[10]
[11]
[12]
V. I. LNIN, El Programa Agrario de la Social-Democracia, in Obras Completas, Cartago, B. Aires, 1960, Tomo XIII, pp. 241-242 e 246.
[13]
V. I. LNIN, El Programa Agrario de la Social-Democracia, in Obras Completas, Cartago, B. Aires, 1960, Tomo XIII, pp. 241-242 e 246.
[14]
Obrigatrio tambm registrar que Luiz Werneck Vianna procurou, em seu recente Liberalismo e Sindicato no Brasil (Ed. Paz e Terra, 1976), valer-se tambm do conceito de caminho prussiano. Tendo o sindicalismo por objeto de anlise, W. Vianna inegavelmente produziu uma importante contribuio para a compreenso do problema no Brasil, contribuio que em muito contrasta, em sua condio de superioridade, com a bibliografia anteriormente produzida a respeito. E isto, apesar de seu emprego prussiano do conceito de via prussiana, isto , conciliado, de uma parte, a todo um quadro de ressonncias althusserianas, que rende curiosas tramas analticas, e de outra com uma desnecessria e taticista somatria de conceitos dissonantes e residuais, que em nada auxiliam na sustentao das muitas e vigorosas teses apresentadas ao longo da obra.
[15] [16]
K. MARX, Introduo Crtica da Economia Poltica, Abril Cultural, So Paulo, 1974, p. 110.
17. J. A. GIANNOTTI, Notas Sobre a Categoria Modo de Produo, in Estudos Cebrap n 17, So Paulo, 1976, p. 163.
[17]
No subentendemos qualquer relao de afinidade entre via ou caminho colonial e expresses semelhantes. Ao contrrio, pensamo-la exclusivamente enquanto particularidade, portanto como mediao necessria e objetiva entre a universalidade do capitalismo e determinadas singularidades; longe, conseqentemente, da criao de novos universais, tal como se d quando a colonial se antepe modo de produo.
[18]
K. MARX, Histria Crtica de la Teora de la Plusvala, Fondo de Cultura Econmica, Mxico, 1945, vol. III, p. 389.
[19]
K. MARX, Histria Crtica de la Teora de la Plusvala, Fondo de Cultura Econmica, Mxico, 1945, vol. III, p. 389.
[20] [21]
[22]
Henri LEFEBVRE, O Direito Cidade, Ed. Documentos, So Paulo, 1969, pp. 9-10.
Paul SINGER, O Brasil no Contexto do Capitalismo Internacional 1889-1930, in Histria Geral da Civilizao Brasileira - O Brasil Republicano 1, Difel, So Paulo, 1957, p. 347.
[23]
Charles BETTELHEIM, La Economia Alemana Bajo el Nazismo, Editorial Fundamentos, Madrid, 1972, pp. 17-18.
[24] [25]
Ib., pp. 18 a 20. G. LUKCS, El Asalto a la Razn, Fondo de Cultura Econmica, Mxico, 1959, pp. 14 e 27. e 28. Nicos POULANTZAS, Fascismo y Dictadura, Siglo XXI, Mxico, 1971, pp. 25 e 23.
[26]
[27]
a 31. Barrington MOORE, Los Orgenes Sociales de la Dictadura y de la Democracia, Ed. Pennsula, Barcelona, 1973, p. 236.
[29]
[32]
Nicos POULANTZAS, Fascismo y Dictadura, op. cit., p. 27. Ib., p. 23. C. BETTELHEIM, La Economia Alemana Bajo el nazismo, op. cit., pp. 20-21. Karl Dietrich BRACHER, La Dictadura Alemana, Alianza Editorial, Madrid, 1973, vol. 1, pp. 33-34.
[33]
[34]
[35]
[36]
G. LUKCS, Goethe y su poca, op. cit., pp. 57-58. Henri LEFEBVRE, Au-Del du Structuralisme, Antropos, Paris, 1971, p. 230. G. LUKCS, Conversando com Lukcs, op. cit., p. 136. e 40. G. LUKCS, El Asalto a la Razn, op. cit., pp. 58 e 54.
[37]
[38]
[39]
Francisco de OLIVEIRA, A Economia Brasileira: Crtica Razo Dualista, in Estudos Cebrap 2, 1972, p. 71.
[41] [42]
Wilhelm REICH, Psicologia de Massa do Fascismo, Publicaes Escorpio, Porto, 1974, p. 42. G. LUKCS, Aportaciones a la Histria de la Esttica, Grijalbo, Mxico, 1966, p. 345. G. LUKCS, Goethe y su poca, op. cit., p. 56. G. LUKCS, Goethe y su poca, op. cit., p. 55. Jos Honrio RODRIGUES, Conciliao e Reforma no Brasil, Civ. Brasileira, Rio de Janeiro, 1965, p. 70. Carlos Nelson COUTINHO, Literatura e Humanismo, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1967, p. 142.
[43]
[44]
[45]
[46]
[47]
/.../ lItalie et lAllemagne nayant pas connu de rvolution bourgeoise, lidologie bourgeoise librale est fragile et faiblement enracine. Max GALLO, LIdologie Fasciste, in Les ldologies dans le Monde Actuel, DDB, Paris, 1971, p. 145.
[48] [49]
Celso FURTADO, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, Ed. Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1961, Cap. 6.
[50] [51]
Caio PRADO JNIOR, Histria Econmica do Brasil, Brasiliense, So Paulo, 1970, p. 296.
Francisco de OLIVEIRA, A Emergncia do Modo de Produo de Mercadorias: Uma Interpretao Terica da Economia da Repblica Velha no Brasil, in O Brasil Republicano 1, Difel, So Paulo, 1975, p. 412.
[52] [53]
e 55. Francisco de OLIVEIRA, A Emergncia do Modo de Produo de Mercadorias, op. cit., pp. 408 e 4l0.
[54]
[56]
Quando se realizou no Brasil o Censo de 1920, verificou-se que de todos os capitais investidos no Pas em atividades industriais, quase que uma quarta parte (exatamente, 24,2%) o foram de 1915 a 1919, o que comprova o impacto da Primeira Guerra Mundial no processo de industrializao. Entretanto, porcentagem ainda maior, mais do que a quarta parte (precisamente, 26,2%) o tinham sido no perodo de 1880 a 1894, quando antes, desde a Colnia, s haviam sido aplicados 6,4%, e depois, de 1895 a 1904, verificara-se uma crise industrial. Cf. Maurcio Vinhas de QUEIRS, O Surto Industrial de 1880-1905, in Debate & Crtica, n 6, julho de 1975, p. 95.
[57] [58]
Ncia Vilela LUZ, A Luta pela Industrializao no Brasil, Difel, So Paulo, 1961. G. LUKCS, El Asalto a la Razn, op. cit., p. 54.
[59]
[60]
Ncia V. LUZ, A Luta Pela Industrializao no Brasil, op. cit., pp. 78 a 91. e 62. G. LUKCS, Realismo Crtico Hoje, Coordenada Editora de Braslia, Braslia, 1969, pp. 27 e 27.
[61]
K. MARX, Carta a Engels (9 de dezembro de 1961), in Correspondencia, Cartago, B. Aires, 1972, p. 116.
[63] [64]
K. MARX, Prefcio - para a Crtica da Economia Poltica, Abril Cultural, So Paulo, 1974, p. 136. G. LUKCS, El Asalto a la Razn, op. cit., pp. 4 e 27. G. LUKCS, El Asalto a la Razn, op. cit., pp. 4 e 27. G. R. de YURRE, Totalitarismo y Egolatria, op. cit., p. 268.
[65]
[66]
[67]
J. MEDEIROS, Introduo ao Estudo do Pensamento Poltico Autoritrio Brasileiro, in Rev. de Cincias Poltica da FGV, vol. 18, setembro de 1975, p. 84.
[68]
Karl Heinrich HUNSCHE, Der Brasilianische Integralismus, Verlag von W. Kohlhammer, Stuttgard, 1938, pp. 150, 152 e 146.
[69]
a 71. Karl Heinrich HUNSCHE, Der Brasilianische Integralismus, Verlag von W. Kohlhammer, Stuttgard, 1938, pp. 150, 152 e 146.
[70]
[72]
Ib., pp. 143 e 81. Ib., pp. 143 e 81. Joachim FEST, Hitler, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1976, p. 6. BAEMLER, Mannerbund und Wissenschaft, apud G. LUKCS, El Asalto a la Razn, p. 437.
[73]
[74]
[75]