Contribuições de Stalin para A Ciência Militar e Política Soviética
Contribuições de Stalin para A Ciência Militar e Política Soviética
Contribuições de Stalin para A Ciência Militar e Política Soviética
Documentos
www.hist-socialismo.net
Tradução do alemão por PG, revisão e edição por CN, 29.05.10
(original em http://www.stalinwerke.de/Diverses/stalinsbeitraege.html)
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (I) *
• Ulrich Huar**
Prefácio
A presente monografia foi escrita nos últimos dois anos. Foi publicada na colecção de
opúsculos para a educação marxista-leninista do Partido Comunista da Alemanha, num
conjunto de treze cadernos. Ao nível do conteúdo, os cadernos são, no essencial,
idênticos à monografia. Das circunstâncias da publicação dos cadernos em momentos
temporais diferentes, em que cada um pode ser lido independentemente, resultaram
algumas repetições de texto na monografia, que não eliminei.
O general do exército A.I. Antónov é designado, na literatura soviética, como Chefe do
Estado-Maior e como representante do Chefe do Estado-Maior. Esta função foi
desempenhada em momentos diferentes por generais diferentes, como pelo marechal
Chápochnikov e pelo marechal Vassiliévski. Daqui resulta, na monografia, uma
insegurança respeitante a Antónov, que é umas vezes designado Chefe outras
representante do Chefe.
Quero agradecer as indicações críticas fundamentadas sobre este livro, mesmo que
não tenha podido considerá-las todas na monografia.
Ulrich Huar, Berlim, 2006,
____________
* Nota do Editor: A presente obra de Ulrich Huar, historiador alemão entretanto já falecido
(ver nota biográfica), é constituída por cinco capítulos e mais de 500 páginas, tendo sido editada
na Alemanha por Ernst Thälman Verlag, Berlim, 2006. A tradução que aqui apresentamos refere-
se apenas ao capítulo inicial (que se publica em duas partes), antecedido do prefácio do autor. O
leitor encontrará no final um índice de nomes, com pequenas notas biográficas das figuras
referidas ao longo desta obra, acrescentado pela presente edição.
** Ulrich Huar nasceu em 1924. Durante a II Guerra Mundial prestou serviço na Marinha de
Guerra (1941-1945). Depois da sua libertação como prisioneiro de guerra completou um curso à
distância de História e Geografia (1947-1949). Foi professor de ambas as disciplinas e também de
inglês até 1956 em várias escolas secundárias. Trabalhou até 1964 no Instituto de Formação de
Professores Clara Zetkin, depois na Faculdade de Economia Bruno Leuschner, onde permaneceu
até à anexação da RDA, em 1989. Doutorou-se em 1968 com o tema «Sobre a propaganda de
Goebbels em 1943, ano da grande reviravolta», fazendo um segundo doutoramento, em 1978,
sobre o tema «Pessoas e política na história e no presente». Em 1980 foi nomeado Professor.
Publicou vários trabalhos sobre teoria da história do socialismo científico e sobre história militar
e política em revistas científicas alemãs e estrangeiras. Faleceu em 2008. (N.T.)
1
Capítulo I
Stáline, militar na Guerra Civil e de Intervenção de 1918-1920
Pressupostos teóricos
***
A teoria militar marxista já tinha sido trabalhada, nos seus traços principais, nas obras
de Marx e Engels, principalmente nos artigos de história e teoria militar de Engels, que é
justamente considerado o fundador da teoria militar marxista.
Como em qualquer nova teoria, também Engels teve de reportar-se ao material
teórico-militar já existente, nomeadamente às obras do mais importante teórico militar
prussiano, Carl von Clausewitz (1780-1831), especialmente à sua obra principal Da
Guerra.
Clausewitz desempenhou na teoria militar marxista quase o mesmo papel que Hegel
no aperfeiçoamento da dialéctica materialista. Se Marx colocou «a cabeça nos pés» na
dialéctica hegeliana, o mesmo se pode dizer de Engels no que diz respeito à teoria militar
de Clausewitz. Mais tarde, Lénine foi da opinião de que as ideias de Clausewitz estavam
fecundadas pelas de Hegel.1 Marx e Engels chamaram a atenção, em várias obras, em
1
«A falência da II Internacional», in LW 21/213. [L(enin) W(erke). Lénine Obras. Esta designação será
utilizada nas notas de rodapé sem tradução (NT)] [Cotejado com o original russo, V.I. Lénine, Obras
Completas, Moscovo, 1969, tomo 26, p. 224. (N. Ed.)]
2
parte directa, em parte indirectamente, reconhecível a partir do contexto das obras, para
a compreensão da dialéctica da guerra na obra de Clausewitz. Referências directas a
Clausewitz aparecem em Marx e Engels, contudo, só no início dos anos 50 do séc. XIX.
Isto não significa que não tenham existido antes artigos de história militar ou de teoria
militar de Marx e Engels. Lembre-se aqui somente os trabalhos de Engels «A campanha
constitucional alemã» e «A Guerra Camponesa Alemã», ambos escritos em 1850.
Numa carta a Marx de 7 de Janeiro de 1858, Engels escreveu: «Leio agora, entre
outras coisas, Da Guerra de Clausewitz. Estranha forma de filosofar, mas muito bom. À
pergunta se se tem de chamar Arte da Guerra ou Ciência da Guerra, a resposta é que a
Guerra se parece mais com o comércio.
«O combate é na Guerra o que é o pagamento em dinheiro no comércio, por muito
raro que tenha de acontecer na realidade, tudo aponta afinal para isso e no fim tem
portanto que acontecer e decidir.»2
No seu artigo «Verdade confirmada», de 4 de Agosto de 1859, Marx refere-se a uma
passagem de Clausewitz sobre a campanha militar italiana de 1796-97, segundo a qual «a
guerra na verdade não é um acontecimento tão teatral como algumas pessoas parecem
pensar e as vitórias e derrotas, analisadas com os olhos da ciência, apresentam-se de
forma muito diferente do que nas cabeças dos tagarelas políticos.»3
Engels remete, no seu artigo «A luta em França», de 11 de Novembro de 1870, para
Scharnhorst, Gneisenau e Clausewitz no que concerne à luta popular contra o domínio
estrangeiro napoleónico na Prússia.
Clausewitz e Gneisenau investigaram de forma muito rigorosa a luta popular, o
armamento do povo em Espanha e na Prússia, no final do séc. XVIII, início do séc. XIX.
Gneisenau foi mesmo para Espanha para participar na luta de guerrilha contra Napoleão.
Na luta popular na Prússia deviam participar «todos os rapazes entre os 17 e os 20
anos e os homens entre os 40 e os 60 anos», nos «tumultos da região», um «levée en
masse»,4 «nas costas e nos flancos do inimigo», «dificultar os seus movimentos»,
«cortar os seus correios e acessos», «utilizar todo o género de armas», preocupar o
invasor, principalmente «não trazer uniforme de nenhum género, para que possam
manter-se desconhecidos para o invasor, o inimigo.»5
Não é difícil reconhecer que aqui se encontram indirectamente reflectidas as
afirmações de Clausewitz sobre o «armamento do povo» na sua obra Da Guerra, que
viriam a encontrar a sua concretização, cerca de um século mais tarde, numa até aí
desconhecida dimensão, na guerra de guerrilha.
Sobre a relação dialéctica entre guerra e política, a famosa tese de Clausewitz da
guerra como continuação da política por outros meios violentos encontra-se referida nas
obras de Marx e Engels, de acordo com o índice remissivo, muito para além da centena
de vezes. Podem diferenciar-se em quatro grupos: 1. Guerra como meio para evitar uma
2
MEW 29/252. Cf. Carl von Clausewitz, Da Guerra, 18ª Ed., ed. por Dr. Werner Hahlweg, Bona, 1973.
Segundo livro, 3.º Capítulo. A partir de agora refere-se Hahlweg… [M(arx)E(ngels)W(erke), nome da
edição alemã das Obras Completas de Marx e Engels. Esta designação será utilizada nas notas de rodapé.
(N.T.)]
3
MEW 13/440.
4
Em francês no original, «levantamento em massa». (N.T.)
5
MEW 17/710.
3
«revolução iminente»; 2. Guerra de agressão para desviar a atenção de dificuldades
internas; 3. Guerras revolucionárias para impor o progresso social; 4. Como de decisões
políticas resultam guerras, várias indicações de Engels de que a anexação da Alsácia-
Lorena conduzia a uma coligação entre a França e a Rússia e por fim a uma Europa «com
uma crise de ameaça de guerra».6
Clausewitz não foi naturalmente o único teórico militar reflectido nas obras de Marx e
Engels. (Não posso aqui referir-me aos trabalhos de Marx e Engels sobre as insurreições
revolucionárias na China e na Índia assim como sobre a guerra civil americana.)
Importantes para o nosso tema são as investigações exactas das guerras napoleónicas
no final do séc. XVIII, início do séc. XIX, das guerras de libertação de 1812-13, as teorias
da guerra de Napoleão, Suvórov e Kutúzov. Sem dúvida que Engels fez avaliações
erradas, que se explicam pela situação das fontes à época, como a avaliação negativa de
Kutúzov e a exagerada apreciação de Barclay de Tolly.7 Quando Engels, num artigo de 14
de Dezembro de 1854, foi da opinião de que nenhum general russo jamais tivera um
pensamento original, nem mesmo Suvórov, «cuja única originalidade [era] o avançar
directo», isto parece ser uma inadmissível generalização, que também resultou dos erros
e lacunas das fontes da época.8
Em trabalhos posteriores, Engels refere-se positivamente a Suvórov. Assim no seu
artigo «Pó e Reno» (escrito em Fevereiro/Março de 1859), refere-se à travessia dos Alpes
pelo exército russo, sob o comando de Suvórov, na qual os russos seguiram o difícil trilho
do desfiladeiro de Panixer, com oito mil pés (2800 metros) de altitude, para se desviarem
do exército francês, então mais forte. «Esta travessia foi até aí a mais espectacular de
todas as travessias modernas dos Alpes», escreveu Engels, e citou Suvórov, segundo o
qual «a baioneta russa atravessou os Alpes (ruski stik prognal tcheres Alpov)».9
Lénine e Stáline conheciam as respectivas obras de Marx e Engels. Foram assim uma
fonte teórica para a elaboração da sua teoria militar, das suas estratégias militares e da
sua concretização na prática. Lénine estudou profundamente as obras de Clausewitz,
como o demonstram as suas sínteses e notas à margem sobre Obras Póstumas do
General Clausewitz sobre a Guerra e a Condução da Guerra, Da Guerra, Tomo I,
Berlim, 1832.10
Lénine interessou-se pelas exposições de Clausewitz sobre a dialéctica da guerra assim
como pelo famoso capítulo VI, alínea B da terceira parte do 8.º livro, «A guerra é um
instrumento da política», que ele designou como «o capítulo mais importante».11
Provavelmente Lénine escreveu esta nota em 1915, à luz das condições e da correlação
de forças da luta de classes do proletariado à escala internacional então existentes, da
6
MEW 21/447.
7
MEW 14/89 e 247-249, nota de rodapé 64.
8
F. Engels, «A batalha de Inkerman», MEW 10/566.
9
MEW 14/233, ver também MEW 13/113.
10
Lénine, A Obra de Clausewitz Da Guerra. Excertos e anotações à margem, Editora do Ministério da
Defesa Nacional, Berlim, 1957. Este artigo não está incluído na edição das obras de Lénine em língua
alemã. Será citado da forma seguinte «Excertos…»
11
Idem, ibidem, p. 35. Os excertos de Lénine referem-se à edição de 1832, publicada pela viúva de
Clausewitz. No essencial está de acordo com a 18ª edição de Hahlweg e com a de Ernst Engelbert e Otto
Korfes, publicada pela Editora Militar da RDA em 1957.
4
aproximação da revolução, sob as condições da guerra mundial. Outras anotações
isoladas sobre os excertos encontram-se também em artigos de Lénine do mesmo
período.
O primeiro excerto que se encontra em Lénine é a frase de Clausewitz: «A guerra é
uma mera continuação da política por outros meios.»12
Clausewitz: «Temos de sublinhar aqui, para o leitor não ter ideias falsas, que por
esta tendência natural da guerra se entende apenas a filosófica, a na realidade lógica, e
de modo nenhum a tendência das forças realmente envolvidas no conflito, o que faria,
por exemplo, que se devesse imaginar dessa forma todas as forças do espírito e paixões
dos combatentes.» Anotação à margem de Lénine: «Início da separação do objectivo do
subjectivo»13
«Exemplos da dialéctica» é a nota escrita e fortemente sublinhada por Lénine à
margem da frase: «Tinha de se passar do significado prático, mas certamente vago que
tem o conceito de um país – chave nas narrativas dos generais quando falam das suas
operações militares, para um mais categórico, ou seja, unilateral, para se desenvolver a
partir daí um sistema.» Anotação à margem de Lénine: «categórica = unilateral».14
Clausewitz sobre a direcção do exército: «Sem uma vontade autoritária imperiosa,
que se imponha até à última fileira, não é possível uma boa condução do exército e
quem queria seguir o hábito de acreditar e esperar sempre o melhor das pessoas era, só
por isso, totalmente inapto para uma boa condução do exército.» Nota à margem de
Lénine: «um bom chefe (…) e desconfiar das pessoas.»15
As guerras da Revolução Francesa ultrapassaram, de acordo com Clausewitz, as
habituais teorias da guerra (Lénine: «Guerra = jogo»). Como estas guerras
revolucionárias «abriram de uma só vez um mundo completamente diferente de
manifestações guerreiras – no início ainda um pouco grosseiras e naturalistas e, mais
tarde, sob Bonaparte, concentradas num método grandioso –, geraram êxitos que
fizeram o espanto de velhos e novos: aí abandonou-se o velho esquema e acreditava-se
agora que tudo era a consequência das novas descobertas, ideias excepcionais, etc., mas
também certamente das alteradas condições sociais. Agora acreditava-se não se
precisar mais do antigo e também não se ter mais que o viver. Mas, como em tais
revoluções de opinião aparecem sempre partidos, assim também aqui as velhas ideias
encontraram os seus cavaleiros, que consideram as novas manifestações como ímpetos
grosseiros de violência, como uma decadência geral da arte, e acreditam que,
precisamente, o objectivo do treino tem de ser o jogo de guerra equilibrado e infrutífero.
Esta última oposição baseia-se numa tal carência de lógica e filosofia que só se lhe pode
chamar uma frustrante confusão de conceitos. Mas também a opinião oposta, como se
tal não aparecesse mais, é muito irreflectida. Uma minoria das novas manifestações na
área da arte da guerra deve atribuir-se a novas descobertas ou novas ideias e a
maioria às novas condições e relações sociais.» Nota à margem de Lénine: «Exacto!»16
12
Excertos…, p. 15.
13
Idem, ibidem, p. 16.
14
Idem, ibidem, p. 25 e seg.
15
Idem, ibidem, p. 27.
16
Idem, ibidem, p. 29 e seg.
5
De acordo com Clausewitz, o povo no séc. XVIII não tinha nenhuma participação
directa na guerra: «A revolução [francesa] transformou tudo isto. A guerra
transformou-se subitamente de novo num assunto do povo. (…) todo o povo entrou com
o seu peso natural no prato da balança».
«Desde Bonaparte, portanto, a guerra tomou uma natureza completamente
diferente, primeiro por um lado, depois também por outro, ao se ter tornado num
assunto de todo o povo, ou melhor, ela aperfeiçoou muito a sua verdadeira natureza, a
sua perfeição absoluta. Os meios que foram recrutados não tinham nenhuma fronteira
visível, esta perdeu-se na energia e no entusiasmo dos governos e dos seus súbditos.»
Notas à margem de Lénine: «Importante (mas uma inexactidão: a burguesia e talvez o
todo) (…) “Energia” N.B. “Entusiasmo” dos súbditos.»17
No excerto do acima citado sexto capítulo, «o mais importante», Clausewitz afirma:
«É decerto sabido que a guerra só é provocada pela relação política dos governos e dos
povos; mas normalmente pensa-se que com ela desaparece qualquer forma de relações
e que se inicia uma situação completamente diferente, que só está sujeita às suas
próprias leis.
Nós afirmamos pelo contrário: a guerra não é mais do que a continuação da relação
política com a intervenção de outros meios. Dizemos com intervenção de outros meios
para com isso afirmar simultaneamente que esta relação política não desaparece
através da guerra, não se transforma em algo completamente diferente, mas que
continua a existir na sua essência, independentemente de como os meios se constituem,
de quem se serve deles e de quais as linhas principais, em que os acontecimentos bélicos
continuam e estão ligados, e que mais não são que os seus traços principais, que se
prolongam através da guerra até à paz.
E como seria concebível de outra forma? Cessam alguma vez as relações políticas de
diferentes povos e governos com as notas diplomáticas? Não é a guerra simplesmente
uma outra forma de escrita e linguagem do seu pensamento? Ela tem certamente a sua
gramática própria, mas não a sua própria lógica.»18
Esta afirmação encontra-se resumida na nota de roda pé do artigo de Lénine «A
falência da II Internacional», de Junho de 1915, na polémica com Plekhánov.19
Lénine sublinhou fortemente à margem estas frases.
Clausewitz escreveu que a guerra enquanto tal não seguia «as suas próprias leis», mas
tinha que «ser observada como uma parte de uma outra totalidade (…) essa totalidade
é a política.» Sublinhado fortemente por Lénine à margem com a nota: «Guerra = parte
de uma totalidade», «essa totalidade = política.»20
Clausewitz pressupunha que a política «em si» «unia e equilibrava» todos os
interesses da administração interna, os da humanidade e tudo o mais que a razão
filosófica podia expressar. A política «não é nada em si, mas sim uma simples
administradora de todos estes interesses contra outros estados. Que eles [os interesses]
tenham uma direcção falsa, possam servir de preferência a ambição, o interesse
17
Idem, ibidem, p.32.
18
Idem, ibidem, p. 35 e seg.
19
LW 21/212.
20
Lénine, Excertos…, p.37.
6
privado, a vaidade dos governantes não é para aqui chamado.» Sublinhado fortemente
por Lénine com a nota: «N.B. um passo para o marxismo.»21
Clausewitz continua: «Só podemos aqui considerar a política como representante de
todos os interesses de toda a sociedade.» Sublinhado fortemente por Lénine.22
Clausewitz observa a propósito do primado da política sobre a guerra: «A
subordinação da perspectiva política à militar seria paradoxal, já que a política gerou
a guerra; ela é a inteligência, a guerra simplesmente o instrumento e não o contrário.
Só é, portanto, possível a subordinação da perspectiva militar à política.»23 «Cada
guerra», pensava Clausewitz, tem «antes de tudo de ser compreendida de acordo com a
probabilidade do seu carácter e do seu principal contorno (…), como é consequência dos
significados e relações políticos e frequentemente, sim, podemos afirmar hoje em dia,
na maioria [das situações] a guerra tem de ser compreendida como uma totalidade
orgânica, da qual não se deixam isolar os membros individuais, onde portanto cada
actividade individual conflui na totalidade e tem de provir da ideia desta totalidade:
assim torna-se-nos completamente seguro e claro, que o critério supremo para a
direcção da guerra, do qual resultam as linhas principais, não pode ser nenhum outro
que o da política.
«Deste ponto de vista a História (…) torna-se (…) inteligível» – esta é a última frase
sublinhada por Lénine.24
Clausewitz escreveu que a guerra «em si (…) na sua natureza e na sua forma sofreu
mudanças significativas.» Estas mudanças «resultam das mudanças políticas, as quais
provêm da Revolução Francesa tanto para a França como para toda a Europa.» Nota à
margem de Lénine: «Correcto».
«Esta política», segundo Clausewitz, «tinha convocado outros meios, outras forças e
através disso possibilitado uma energia na condução da guerra, na qual não seria
possível pensar sem eles.»25
Resta sublinhar que os Excertos de Lénine, naturalmente, não abrangem a totalidade
da obra Da Guerra, de Clausewitz.
Concorda-se com o historiador militar da RDA, Gerhard Förster, quando escreve:
«Assim como a filosofia alemã clássica se tornou numa das fontes do marxismo-
leninismo, a herança teórica de Clausewitz pertence às fontes da doutrina marxista-
leninista sobre a guerra e as forças armadas.» Förster cita também o investigador
burguês de Clausewitz, Hahlweg, que caracterizou «Lénine como o intérprete perfeito de
Clausewitz», e «o estudo de Lénine da obra de Clausewitz relaciona-se directamente
com a sua elaboração dos mais importantes princípios da estratégia e táctica dos
bolcheviques.»26
21
Idem, ibidem, p. 39.
22
Idem, ibidem,
23
Idem, ibidem
24
Idem, ibidem, p. 39 e seg.
25
Idem, ibidem, p.41.
26
Werner Halhweg, Lénine e Clausewitz, in Arquivo para a História da Cultura, Münster e Colónia,
1954, Tomo XXXVI, Caderno I, p. 30 e seg. Citado de acordo com Carl von Clausewitz, Obras Militares
Escolhidas, editado por Gerhard Förster e Dorothea Schmidt com colaboração de Christa Gudzent, Berlim,
1980, p. 40.
7
Lénine referiu-se várias vezes a Clausewitz nas suas obras sobre questões militares
durante a I Guerra Mundial. Na polémica contra a «dialéctica deformada» de
Plekhánov, que defendia a tese da «defesa da pátria» na guerra imperialista, Lénine
remeteu para a tese de Clausewitz da guerra de que «”é a mera continuação da política
por outros meios” (precisamente violentos).»27 Na nota de rodapé citava a respectiva
passagem da obra de Clausewitz Da Guerra.28 Esta era a formulação de Clausewitz
«cujas ideias foram fecundadas por Hegel. E este era precisamente o ponto de vista de
Marx e Engels, que interpretaram cada guerra como a continuação da política de
determinadas potências interessadas – e das diferentes classes no seu interior – num
dado momento.»29
Na sua brochura O Socialismo e a Guerra (Julho-Agosto de 1915) Lénine precisou este
pensamento: «A guerra é a continuação da política por outros meios (a saber: pela
violência). Esta célebre sentença pertence a Clausewitz, um dos autores mais profundos
sobre questões militares. Os marxistas sempre consideraram justamente esta tese como
base teórica das concepções sobre o significado de cada guerra determinada. Marx e
Engels sempre encararam as diferentes guerras precisamente deste ponto de vista.»30
Dois anos mais tarde, depois da Revolução de Fevereiro, Lénine, na sua conferência
«A Guerra e a Revolução», referiu-se às afirmações de Clausewitz a este respeito,
notando que na guerra [pelo regime socialista (N. Ed.)] somos inevitavelmente
confrontados com condições, nas quais a luta de classes dentro de cada nação em
separado pode deparar-se com a guerra entre diferentes nações, engendrada por si
própria, por essa luta de classes, e por isso os comunistas não podem negar a
possibilidade de guerras revolucionárias. «Temos de perceber de que condições
históricas resultou a guerra em questão, que classes a conduzem e com que objectivo o
fazem.»31
Já Clausewitz, cerca de 80 anos antes da conferência de Lénine, havia ridicularizado a
opinião de que, supostamente, «os povos viviam em paz e de repente atacaram-se!
Como se isto fosse verdade! Acaso a guerra pode ser explicada sem a relacionar com a
política precedente de um dado Estado, de um dado sistema de estados, de dadas
classes? Repito mais uma vez: esta é a questão fundamental permanentemente
esquecida, devido à incompreensão da qual nove décimos das conversas sobre a guerra
se transformam em altercações ocas e em trocas de palavreado. Nós dizemos: se não
estudarem a política de ambos os grupos das potências beligerantes ao longo de
decénios – para evitar riscos e não tomar exemplos isolados fora de contexto – se não
expuserem a relação dessa guerra com a política precedente, então não compreenderão
nada dessa guerra.»32
27
«A Falência da II Internacional», in LW 21/212. [V.I. Lénine, Obras Completas, Moscovo, 1969,
tomo 26, p. 224. (N. Ed.)]
28
Idem, ibidem cf. “Excertos…”, p. 35 e seg.
29
LW 21/213.
30
LW 21/304 e seg. [O Socialismo e a Guerra, V.I. Lénine, Lisboa, 1984, tomo II, pág. 234. (N. Ed.)]
31
LW 24/396. [A conferência «A Guerra e a Revolução» foi lida em Petrogrado para uma assistência de
duas mil pessoas em 14 (27) de Maio de 1917. (N. Ed.)]
32
Idem, ibidem, p. 400. [«A Guerra e a Revolução», V.I. Lénine, Obras Completas, Moscovo, 1969,
tomo 32, p. 82. (N. Ed.)]
8
Ao relacionarem a guerra e a política com as classes, a luta de classes e os interesses de
classes, Marx e Engels já tinham ultrapassado Clausewitz. Mas Marx e Engels só podiam
analisar a guerra e a luta de classes no contexto dos séculos XVIII e XIX, quando a
revolução proletária ainda não se encontrava na ordem do dia. Não viveram a I Guerra
Mundial, em consequência da qual amadureceu a revolução proletária, bem como as
revoluções nacionais-democráticas na Ásia, conferindo uma actualidade candente à
questão guerra/luta de classes/revolução.
No que diz respeito à teoria da guerra é possível identificar uma linha de continuidade
entre Hegel e Clausewitz, passando por Marx e Engels até Lénine, a par de
descontinuidades relativas ao conteúdo de classe burguês-aristocrata da vertente
conservadora da filosofia e da teoria da guerra de Hegel e de Clausewitz,
respectivamente, que foram refutadas dialecticamente.
Um outro desenvolvimento dialéctico-materialista da teoria da guerra é patente na
exposição de Lénine a propósito da paz de Brest. Lénine demonstrou a aplicação, na
prática, da teoria de Clausewitz em renhidas discussões sobre a assinatura do tratado de
paz de Brest-Litovsk no CC do POSDR(b),33 no Conselho dos Comissários do Povo, assim
como no Comité Executivo Central. (As negociações entre as delegações alemã e soviética
iniciaram-se a 3 de Dezembro de 1917. A 3 de Março de 1918 foi assinado o tratado.)
A delegação das forças alemãs e austríacas exigiu uma paz imperialista: Polónia,
Lituânia, uma parte da Estónia, Letónia, Bielorrússia, a Ucrânia, o arquipélago de
Moonsund e a baía de Riga deviam ser separadas da Rússia. Desta forma, os
imperialistas alemães podiam controlar as rotas marítimas para a Finlândia e para o
Golfo de Bótnia e assim ameaçar directamente Petrogrado.34
Alguns membros do partido que se auto-intitulavam «comunistas de esquerda»
fizeram uma campanha contra a assinatura do infame acordo. Bukhárine, Béla Kun, A.
Kollontai, Kúibichev, Preobrajénski, Piatakov, Rádek, Skvortsov-Stepánov, para só
nomear alguns, pertenciam a este grupo. Trótski assumiu uma posição muito especial.
Alegava que as unidades alemãs não se encontravam em condições de conduzir uma
ofensiva contra a União Soviética e propagandeava a solução «nem guerra, nem paz.»
Simultaneamente propôs a desmobilização das forças armadas. Esta política perante os
militaristas alemães era mortal para a União Soviética.35
Stáline, que apoiara Lénine nestas polémicas com os «comunistas de esquerda» e
contra a tese aventureira de Trótski, declarou na reunião do POSDR(b), de 11 de Janeiro
de 1918, que a adopção da palavra de ordem da «guerra revolucionária» jogaria a favor
dos imperialistas. Stáline via muito claramente (talvez até mais nitidamente que
Lénine…) que não existia «movimento revolucionário no Ocidente». «Não existem
factos de um movimento revolucionário, existe apenas essa potencialidade, ora nós não
podemos apoiar-nos na nossa prática unicamente numa potencialidade. Se os alemães
iniciarem uma ofensiva, isso reforçará a contra-revolução no país. (…) Aceitando a
33
Partido Operário Social-Democrata da Rússia (bolchevique). (NT)
34
Ver I.B. Bérkhine, História da União Soviética, 1917-1970, Berlim, 1971, p. 98.
35
Idem, ibidem.
9
política de Trótski, criaremos as piores condições para o movimento revolucionário no
Ocidente.»36
Lénine não conseguiu inicialmente impor-se no CC do POSDR(b). A maioria dos
camaradas votou contra a assinatura do tratado. Ficou também em minoria, com Stáline,
Sverdlov, F.A. Serguéiev (Artióme) e mais alguns camaradas, no Conselho dos
Comissários do Povo e no Comité Executivo Central, onde os mencheviques e os
socialistas-revolucionários eram maioritários.
Lénine tinha combinado com Trótski, o chefe soviético nas negociações, para que
ganhasse tempo e só assinasse o tratado de paz depois de expirado o prazo do ultimato
imposto pelos militaristas alemães. Trótski violou prepotentemente este acordo. No VII
Congresso Extraordinário do PCR(b) (6-8 de Março de 1918), Lénine declarou no seu
discurso final, a propósito da questão da guerra e da paz, que era preciso distinguir dois
aspectos da actividade de Trótski: «Quando começou as negociações de Brest,
aproveitando-as magnificamente para a agitação, todos estivemos de acordo com o
camarada Trótski. Ele citou uma parte da conversa que teve comigo, mas eu
acrescentarei que tínhamos combinado que nos manteríamos até ao ultimato dos
alemães e que depois do ultimato capitularíamos. O alemão enganou-nos: de sete dias
roubou-nos cinco. A táctica de Trótski era justa na medida em que visava protelar as
coisas; tornou-se injusta quando se declarou o fim do estado de guerra e não se assinou
a paz. Eu propus de modo absolutamente definido que se assinasse a paz. Não
podíamos conseguir uma paz melhor que a de Brest. Está claro para todos que a trégua
teria sido de um mês, que não teríamos ficado a perder.»
E mais à frente, numa outra passagem: «É ridículo não conhecer a história militar,
não saber que um tratado é um meio para reunir forças: aludi já à história prussiana.
Alguns pensam precisamente como crianças: assinar um tratado significa vender-se a
Satanás, ir para o inferno. Isto é simplesmente ridículo, quando a história militar diz
com perfeita clareza que a assinatura de um tratado em caso de derrota é um meio
para reunir forças.»37
A consequência do comportamento errado de Trótski, assim como dos «comunistas de
esquerda», foi uma ofensiva do exército alemão em toda a linha da frente: ofensiva na
direcção de Petrogrado, invasão da Ucrânia e Bielorrússia, conquista da Lituânia e
Estónia onde liquidaram o poder soviético.
Literalmente no último minuto, o Soviete de Deputados do Povo tomou medidas para
fazer face à situação, que caracterizou como: «A pátria socialista está em perigo!». Os
bolcheviques conseguiram mobilizar trabalhadores em Petrogrado, Moscovo e outras
regiões industriais, formaram unidades do Exército Vermelho, que opuseram forte
resistência às tropas alemãs perto de Pskov e Narva e impediram a ocupação de
Petrogrado. O dia 23 de Fevereiro de 1918 marcou a data da fundação do «Exército
Vermelho».
36
SW 4/24. [S(talin) W(erke). Stáline, Obras. Esta designação será a utilizada nas notas de rodapé.
(NT) [«Intervenção na sessão do CC do POSDR(b) sobre questão da paz com os alemães», 11 de Janeiro de
1918, I.V. Stáline, Obras, Moscovo, 1947, tomo 4, pág. 27. (N. Ed.)]
37
LW 27/100 e 101. [Tradução conforme V.I. Lénine, Obras Escolhidas em três tomos, Lisboa, 1981,
tomo 2, pp. 515-516. (N. Ed.)]
10
Também na Ucrânia e na Bielorrússia, a ofensiva alemã encontrou resistência séria, de
tal forma que o comando alemão se declarou disponível para reatar as negociações de
paz. As condições eram agora ainda mais duras para a Rússia Soviética do que antes,
como Lénine esperara. Mas Lénine podia agora impor-se no CC. De acordo com a acta da
reunião do CC, Stáline propôs não assinar de imediato, ao que Lénine respondeu: «Se
não assinar agora, dentro de três semanas assinará a sentença de morte do poder
soviético.»38 Não consegui descobrir por que razão Stáline, que no início era a favor da
assinatura do tratado, em 23 de Fevereiro quis adiar (não recusou!) a assinatura.
Estes são os factos sobre a paz de Brest.
Lénine, na sua argumentação, comparou a paz de Brest com a paz de Tilsit, entre a
Prússia e Napoleão em 9 de Julho de 1807. A Prússia teve de ceder a Napoleão, entre
outras, todas as regiões entre o Elba e o Reno, o distrito de Cottbus (à Saxónia), assim
como abdicar das regiões já anexadas pela Polónia depois de 1772. Napoleão transformou
estas últimas no Grão-ducado de Varsóvia, onde instalou o rei da Saxónia. A Prússia
perdeu mais de metade dos seus habitantes. Na «Convenção de Paris», em 8 de Setembro
de 1808, a Prússia ficou obrigada a pagar à França 140 milhões de francos (reduzidos
para 120 milhões depois da intervenção do tsar). Em caso de uma guerra da França
contra a Áustria, a Prússia teria de armar um exército auxiliar.39
Lénine declarou no VII Congresso que «chamei intencionalmente (…) uma paz de
Tilsit» à paz de Brest. Contudo, em Brest, não tinham assinado obrigações como os
prussianos na paz de Tilsit, nomeadamente «a obrigação de ajudar o conquistador com
as nossas tropas para a conquista de outros povos». E mais à frente, a Rússia Soviética
não podia apenas esperar «pela revolução internacional nos campos de batalha».40
Lénine aprofundou minuciosamente a analogia entre a Paz de Tilsit e a de Brest no seu
relatório ao IV Congresso Extraordinário dos Sovietes de Toda a Rússia (14-16 de Março
de 1918), no qual aplica amplamente os conhecimentos teóricos militares de Clausewitz à
situação da Rússia Soviética.
«Foram concluídos tratados de paz ainda mais duros, e concluídos pelos alemães
numa época em que não tinham exército ou o seu exército estava doente como está
doente o nosso exército. Concluíram uma paz duríssima com Napoleão. E esta paz não
foi a queda da Alemanha – pelo contrário, ela foi um ponto de viragem, um acto de
defesa nacional e de ascenso. Também nós estamos em vésperas de um ponto de
viragem semelhante, também nós atravessamos condições análogas. Temos de olhar a
verdade de frente e de expulsar a frase e a declamação. Tem de se dizer que, se for
necessário, se deve concluir a paz. A guerra libertadora, a guerra de classes, a guerra
popular ocupará o lugar da guerra napoleónica. O sistema das guerras napoleónicas
mudará, a paz substituirá a guerra, a guerra substituirá a paz, e de cada nova paz
duríssima decorreu sempre uma mais ampla preparação para a guerra. O mais duro
dos tratados de paz – o de Tilsit – entrou na história como o ponto de viragem para
uma época em que o povo alemão iniciava a viragem, em que recuava até Tilsit, até à
Rússia, mas na realidade ganhava tempo, esperava que a situação internacional, que
38
Bérkhine, p. 101.
39
Mais pormenorizadamente veja-se História Alemã em três tomos, Tomo 2, 1789-1917, Berlim, p. 72
seg. e 75.
40
LW 27/92. [V.I. Lénine, Lisboa, 1981, tomo 2, p. 510. (N. Ed.)]
11
noutra época permitira que triunfasse Napoleão, tão espoliador como agora
Hohenzollern e Hindenburgo, que essa situação mudasse, que sarasse a consciência do
povo alemão, martirizado por decénios de guerras napoleónicas e derrotas, e
ressuscitasse para uma nova vida. Eis o que nos ensina a história, eis porque são um
crime o desespero e a frase, eis porque todos dirão: sim, estão a terminar as velhas
guerras imperialistas. A viragem histórica começou.»41
É sem dúvida correcto que com o Outubro Vermelho se iniciou uma «viragem
histórica», na qual Lénine já se preparava para «tempos longos e difíceis». A suposição
de que as «velhas guerras imperialistas» chegavam ao fim é compreensível no contexto
de 1918, contudo revelou-se extemporânea. Depois da vitória provisória da contra-
revolução, as velhas guerras imperialistas conhecem um renascimento funesto, com
todas as catástrofes relacionadas para os trabalhadores à escala mundial, cujo fim
também não se pode nem de longe indicar.
Lénine também aplicou a teoria da guerra de Clausewitz às tarefas de um general
numa situação desesperada como a que se encontrava a Rússia Soviética depois da paz de
Brest. No seu artigo «A tarefa principal nos nossos dias», no Izvéstia de 12 de Março de
1918, escreveu: «Um chefe militar que conduz para o interior do país os restos de um
exército destruído ou que foge em pânico, que defende esta retirada em caso extremo
por meio da paz mais dura e humilhante, não comete uma traição em relação às
unidades do exército às quais não tem forças para ajudar e que ficaram cortadas pelo
adversário. Tal chefe cumpre o seu dever escolhendo o único caminho para salvar o que
ainda pode salvar-se, não aceitando aventuras, não ocultando ao povo a amarga
verdade, “cedendo espaço para ganhar tempo”, aproveitando qualquer trégua, por
mínima que seja, para reunir forças, para permitir que respire ou se restabeleça o
exército que sofre de decomposição e desmoralização.»
E continua: «As épocas de guerra ensinam-nos que a paz desempenhou
frequentemente na história o papel de trégua e de acumulação de forças para novas
batalhas. A paz de Tilsit foi para a Alemanha uma grande humilhação, e, ao mesmo
tempo, a viragem para um grandioso ascenso nacional.»42
Na sua série de artigos no Pravda, de 9, 10 e 11 de Maio de 1918, «Acerca do
infantilismo “de esquerda” e do espírito pequeno-burguês», Lénine referiu-se
repetidamente a Clausewitz na sua polémica contra o grupo dos «comunistas de
esquerda»: «Ter uma atitude séria perante a defesa do país significa preparar-se a
fundo e ter rigorosamente em conta a correlação de forças. Se as forças são
evidentemente poucas, o principal meio de defesa é recuar para o interior do país (quem
vir nisto uma fórmula forjada só para este caso pode ler o que diz o velho Clausewitz,
um dos grandes escritores militares, acerca do balanço das lições da história a este
respeito).»43
41
Idem, ibidem, p. 175. [V.I. Lénine, Lisboa, 1981, tomo 2, pp. 551-552. (N. Ed.)]
42
Idem, ibidem, p. 149. [V.I. Lénine, Lisboa, 1981, tomo 2, pp. 535-536. (N. Ed.)]
43
Idem, ibidem, p. 324. [V.I. Lénine, Lisboa, 1981, tomo 2, p. 597. (N. Ed.)]
12
***
44
Ver A verdade sobre Stáline. Ele conduziu a União Soviética a grandes vitórias. in: Colecção de
Opúsculos para a Educação Marxista-Leninista do Partido Comunista da Alemanha, Caderno n.º 55,
Berlim, Agosto de 1999, p. 12 e seg. Doravante referida como Colecção de Opúsculos…
45
SW 15/54-58. [I.V. Stáline, Obras, Moscovo, 1997, tomo 16, pp. 21-24. (N. Ed.)]
46
Idem, ibidem, p. 57. [Idem, ibidem, pág. 21. (N. Ed.)]
47
Idem, ibidem, p. 56. [Idem, ibidem, pág. 22. (N. Ed.)]
13
afirmações políticas, como a da guerra enquanto continuação da política de classes por
meios violentos, mantêm-se actuais, como provou empiricamente o imperialismo
americano no início do séc. XXI.
Mas não sabemos quando Stáline leu o quê, que conhecimentos possuía destes
escritos já em 1918, no início da Guerra Civil e de Intervenção. Stáline conhecia nesta
época as obras de Marx e Engels, como resulta do contexto dos seus escritos até 1920.
Também conhecia os acima citados artigos e discursos de Lénine de 1915 e sobre a paz de
Brest. Podia por conseguinte reflectir afirmações indirectas de Clausewitz, se se quiser
em «segunda mão». Lénine teve acesso às bibliotecas na Europa ocidental durante a sua
emigração, enquanto Stáline, durante o período da sua luta na Rússia, na ilegalidade, em
fuga, na deportação e nas prisões, teve um acesso limitado à literatura científica. Por isso
é difícil fazer afirmações seguras sobre o que Stáline conhecia de literatura teórica militar
neste período. No conjunto dos seus escritos até 1920 não pude encontrar nenhuma
referência a Clausewitz.
Nessa altura, Stáline só podia aproximar-se empiricamente da manifestação social da
guerra. Com o método do materialismo dialéctico, que ele nesta altura já dominava,
conseguia generalizar teoricamente as experiências da Guerra Civil e de Intervenção. A
unidade dialéctica contraditória guerra/política/economia podia assimilá-la nas obras de
Marx e Engels e aplicá-la nas suas análises aos acontecimentos na frente da Guerra Civil
e de Intervenção.
Assim, Stáline compreendeu a guerra enquanto uma totalidade na sua relação com a
política e a economia, bem no sentido de Clausewitz, independentemente dos seus
conhecimentos militares específicos. Isto era uma vantagem em relação a alguns
militares profissionais que absolutizavam a normatividade própria da guerra face à
política, se abstraíam da normatividade própria da política e assim corriam o perigo de
cair em avaliações estratégicas manifestamente erradas. De grande importância para a
teoria da guerra de Stáline foram os seus excepcionais conhecimentos sobre a questão
nacional, que ele tinha adquirido e generalizado teoricamente nas suas actividades
revolucionárias, principalmente no Cáucaso.48
A sua compreensão da componente nacional na teoria da guerra foi-lhe muito útil,
principalmente nas lutas de defesa contra os «Senhores» polacos na frente ocidental em
1920, como ainda será demonstrado.
A definição de Clausewitz sobre o papel da teoria na guerra corresponde às actividades
político-militares de Stáline na Guerra Civil e de Intervenção: «Não pode dar-lhe
nenhuma fórmula para a resolução das tarefas, não pode delimitar o seu caminho a
uma estreita linha de necessidade, através de princípios que concentra em ambos os
lados. Deixa-a dar um olhar sobre a massa dos objectos e as suas relações, e liberta-a
de novo nas regiões superiores da acção, para actuar à escala das resultantes forças
naturais com a acção unida de todos e tornar-se consciente da conservação e direito
como um único pensamento claro, o qual, gerado pela visão de conjunto de todas
aquelas forças, parece ser mais um produto do perigo do que do pensamento.»49
48
Ver «Contribuições de Stáline para a Teoria da Questão Nacional», in Opúsculos …Caderno n.º 86/1,
Berlim, Junho de 2002.
49
Hahlweg, op. cit., p. 951.
14
Primeiras experiências e conhecimentos
50
Cidade no Sudeste da Rússia que recebeu o nome de Stalingrado (1925-61), sendo depois designada
Volgogrado. (N. Ed.)
51
SW 4/100 seg. [I.V. Stáline, ed. cit., Moscovo, 1947, tomo 4, p. 117. (N. Ed.)]
15
que se tornaram um instrumento nas mãos da contra-revolução (…) Portanto, seja
implacável contra os socialistas-revolucionários de esquerda (…)» 52
Na resposta telegráfica de Stáline diz-se: «Tudo será feito para prevenir eventuais
surpresas. Esteja certo de que a nossa mão não tremerá…»53
Duas coisas distintas resultam desta troca de telegramas. Por um lado, a situação
ameaçadora em que se encontrava a Rússia Soviética, onde as revoltas contra-
revolucionárias, Guerra Civil e de Intervenção se misturavam com o caos económico. Por
outro lado, esta situação obrigava a medidas excepcionais, que não foram concretizadas
só por Stáline, mas também por Lénine, e por Stáline de acordo com instruções de Lénine
enquanto presidente do Conselho de Comissários do Povo. Guerras revolucionárias e
civis não eram e não são tempos amenos, e não podem ser julgados segundo critérios
abstractos e princípios morais. Também na questão do combate à contra-revolução e aos
imperialistas estrangeiros havia concordância e continuidade na política entre Lénine e
Stáline.
Numa carta de Stáline a Lénine, datada de 10 de Julho de 1918, são patentes as
relações tensas entre Stáline e Trótski.
Trótski distribui por toda a parte mandatos, (i.e. mandatários), o que «com certeza»
terá como consequência «que, dentro de um mês, tudo se desmoronará no Cáucaso do
Norte, e perderemos definitivamente esta região (…) Meta-lhe na cabeça que não se
deve fazer nomeações sem dar conhecimento às pessoas que estão no local (…)».
«A questão dos víveres está naturalmente imbricada na questão militar.» Precisa de
«plenos poderes militares.» Afirma que já escreveu sobre isso (a Trótski? …), mas não
obteve resposta. «Neste caso, irei eu mesmo, sem formalidades, demitir aqueles
comandantes e comissários que arruinam a causa, e naturalmente que a falta de um
papelinho de Trótski não me deterá.»54
Enquanto comissário do Povo e presidente do Conselho Militar Revolucionário da
Frente Sul, Stáline introduziu uma organização administrativa rigorosa e adoptou
medidas para estabelecer uma «disciplina férrea» no Exército Vermelho. Com isto
ultrapassou a situação extremamente crítica do poder soviético no Cáucaso do Norte. O
soldado da frente, como dizia Stáline, o «servil mujique», que em Outubro lutara pelo
poder soviético, agora voltava-se contra ele: «odeia de todo o coração o monopólio do
trigo, os preços fixos, as requisições, o combate ao açambarcamento.»
As unidades de cossacos, «que se auto-intitulam soviéticas», não querem combater de
forma determinada a contra-revolução cossaca. Regimentos inteiros passaram-se para o
lado da contra-revolução.55
Nesta altura ocorreu também o atentado contra Lénine, que ficou gravemente ferido.
(30 de Agosto de 1918)
No telegrama, assinado por Stáline e Vorochílov, membro do Conselho Militar da
Região do Cáucaso do Norte, dirigido ao presidente do CEC, camarada Sverdlov, de 31 de
Agosto de 1918, afirma-se que responderão a «este vil atentado traiçoeiro com a
52
LW 27/534. [V.I. Lénine, Obras Completas, ed. cit., tomo 50, p. 114. (N. Ed.)]
53
SW 4/102. [I. V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 118. (N. Ed.)]
54
Idem, Ibidem, p. 104 e seg. [Idem, ibidem, pp. 120-121. (N. Ed.)]
55
«Carta a Lénine de 4 de Agosto de 1918», ed. cit., p. 106 e segs. [Idem, ibidem, pp. 123-124. (N. Ed.)]
16
organização do terror de massas aberto e sistemático contra a burguesia e os seus
agentes.»56
Atentado a Lénine, revoltas, guerra contra os intervencionistas estrangeiros, terror de
massas de ambos os lados, caos económico, fome – estas eram as condições concretas da
guerra, sob as quais Stáline, enquanto militar, reuniu experiências práticas.
***
Na frente Sul, Tsarísine ocupava uma posição central. Era o ponto onde se
concentravam as forças contra-revolucionárias, principalmente unidades de cossacos. A
tomada de Tsarísine permitiria aos guardas brancos «reunir os contra-revolucionários
da região do Don com as cúpulas cossacas de Astracã e com as tropas dos Urais,
formando uma frente unida da contra-revolução desde o Don até aos checoslovacos,
que garantiria o controlo do Sul e do Cáspio aos contra-revolucionários internos e
externos e colocaria numa situação crítica as tropas soviéticas do Cáucaso do Norte».57
56
Idem, ibidem, p. 111. [I. V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 128. (N. Ed.)]
57
«Sobre o Sul da Rússia», entrevista ao correspondente do Pravda, 30 de Outubro de 1918. Ed. cit., p.
130. [I. V. Stáline, ed. cit., p. 149. (N. Ed.)] Os checoslovacos eram originalmente prisioneiros de guerra na
Rússia. Pertenciam ao Exército Imperial e Real [exército da monarquia austro-húngara. (NT)]. O
historiador inglês John Keegan escreve que durante a guerra «publicistas da Entente sublinharam a falta de
confiança dos soldados eslavos de Franz Joseph e os seus sentimentos fraternais para com os adversários
russos.» Escreveram pormenorizadamente sobre a tendência de alguns corpos do exército – especialmente
checos e austro-sérvios – para se render. (John Keegan, A I Guerra Mundial. Uma Tragédia Europeia.
Hamburgo, 2001, p. 225 e seg.). Assim, os checos do IX Corpo do Exército Imperial e Real eram
«suspeitos de se ter passado em grande número para o inimigo». (Keegan, p. 243) De acordo com a
Enciclopédia da URSS, estes checoslovacos entregaram-se como prisioneiros de guerra de livre vontade
para não ter de lutar pelos alemães, que viam como seus inimigos. (Enciclopédia da URSS, Tomo I,
Berlim, 1950, p. 683.) De acordo com Keegan havia no Exército Imperial e Real nove grupos linguísticos:
44% eram eslavos, 28% alemães, 18% húngaros, 8% romenos e 2% italianos. A sua lealdade para com o
imperador austríaco era muito variável. Os alemães, que com 28% eram uma minoria no exército, tinham
uma posição privilegiada. Isto era também válido em parte para os húngaros. Principalmente os checos e os
sérvios mostraram-se pouco fiéis à Casa Imperial. «Assim que a guerra deixou de ser uma curta aventura,
o exército tornou-se para eles numa “prisão das nações”, na qual os omnipresentes chefes alemães eram os
carcereiros.» (Keegan, p. 226)
Ainda na época do domínio tsarista, a Entente tinha formado em território russo um corpo forte e bem
armado com 40 mil soldados e oficiais checoslovacos. Depois do derrube do tsar na Revolução de
Fevereiro, tomaram parte na ofensiva ordenada por Kérenski de Junho de 1917. Após o fracasso, o corpo
foi retirado da frente e colocado na Ucrânia, do lado esquerdo do Dniepr. O governo soviético autorizou o
corpo checoslovaco a deixar o território russo por Vladivostok para se colocar à disposição da Entente. As
unidades checoslovacas retiraram da região de Pensa, ao longo das linhas-férreas, para as regiões além
Volga, atravessando os Urais até a Sibéria. Durante este tempo foram mantidas a expensas da Entente.
Entretanto, oficiais dos guardas brancos juntaram-se-lhes com as suas tropas, pelo que o seu número
aumentou até 60 mil homens. Em 25 de Maio de 1918, os checoslovacos começaram a sublevar-se contra o
Poder Soviético. No final de Maio de 1918, o corpo checoslovaco ocupou grandes regiões da Sibéria, os
Urais, assim como a região central do Volga, com as cidades de Kazan, Simbirsk e Samara. Eliminaram os
sovietes, fuzilaram os comunistas e armaram os latifundiários, os generais e os oficiais do antigo exército
tsarista, que Trótski tinha incorporado no Exército Vermelho e se tinham passado em parte para os
checoslovacos. Todas as forças contra-revolucionárias possíveis, mencheviques e socialistas-
17
Na organização da guerra, Stáline concentrou-se em duas tarefas: primeiro, na
organização do Exército Vermelho, de forma a que os soldados vermelhos soubessem
pelo que lutavam, ou seja, o lado ideológico da guerra, ordem e disciplina, sem as quais
um exército está perdido, a formação de um «quadro completo de oficiais vermelhos»,
que «constituem» o «principal cimento do nosso exército, que o consolidam como um
organismo unido e disciplinado.»
Segundo, na aplicação prática do conhecimento teórico de que um exército não pode
«existir muito tempo sem uma retaguarda sólida». Para uma frente estável é necessário
que o exército receba regularmente reservas, munições e alimentos da retaguarda. Para
isso é preciso administradores competentes e conhecedores, recrutados «principalmente
entre os operários avançados». (…) «Pode afirmar-se com segurança que Tsarísine não
teria sido salva sem estes administradores.»58
***
No final de Novembro de 1918 surgiu uma situação muito perigosa no Leste e Norte da
República Soviética. Em Murmansk e Arcangel desembarcaram tropas de intervenção
francesas, inglesas, americanas e italianas, que se associaram às unidades dos guardas
brancos. No conjunto, esta força militar era constituída por cerca de 40 mil homens que
avançavam na direcção Sudeste para se unirem às tropas de Koltchak, que atacavam a
partir da Sibéria Ocidental. Na região a Leste do Volga e a Sul de Kama, o corpo do
exército checoslovaco unia-se aos guardas brancos.59 Os exércitos da Entente60 e os
guardas brancos da zona de Arcangel deviam avançar para Sul, Koltchak e os
checoslovacos do Leste e Sudeste para Oeste, devendo encontrar-se perto de Kotlas para
daí marcharem para Moscovo com uma tropa avassaladora. De acordo com diferentes
cálculos, as tropas da Entente e os guardas brancos nesta região eram constituídas por
cerca de 130 mil soldados e oficiais. Koltchak autonomeou-se, por indicação da Entente,
comandante supremo de todas as tropas dos guardas brancos. Todos os generais brancos
em solo russo eram seus subordinados. Em Janeiro de 1919, Koltchak comprometeu-se
revolucionários, juntaram-se aos checoslovacos, que se tornaram numa força poderosa e assim num perigo
sério para o poder soviético.
58
SW 4/131. [I. V. Stáline, ed. cit., tomo 4, pp. 150-151. (N. Ed.)]
59
Ver Mapa, Enciclopédia da URSS, op. cit., 1/688, no anexo.
60
Entente: Aliança militar dos estados imperialistas, formada no princípio do século XX, inicialmente
pela Inglaterra e França e posteriormente (1907) pela Rússia. Em 1917, aderiram à Entente os Estados
Unidos, o Japão e outros países capitalistas. No decurso da I Guerra Mundial agruparam-se 25 potências
em torno da Entente. A Entente formou-se em oposição ao outro bloco imperialista agressivo, a Tríplice
Aliança, encabeçada pela Alemanha e integrada pela Itália e Áustria-Hungria. Os imperialistas de todos os
países aspiravam a novas conquistas territoriais e a uma nova repartição do mundo e das esferas de
influência. Depois do triunfo da Revolução Socialista de Outubro, os estados da Entente em conjunto com
outros estados imperialistas organizaram a intervenção armada contra a jovem República Soviética,
tentando derrubar o poder soviético na Rússia. Entretanto os planos da Entente fracassaram. O Exército
Vermelho derrotou e expulsou do território soviético as tropas dos intervencionistas e da contra-revolução.
A Entente então deixou de existir. No período que medeia entre a primeira e a segunda guerras mundiais
apareceram, sob a mesma denominação, blocos regionais e alianças militares de estados europeus (Pequena
Entente, Entente Balcânica) Fonte: Breve Dicionário Político, Editorial Progresso – Moscovo. (NT)
18
perante as potências da Entente a «reconhecer como comandante das forças russas e
aliadas a Oeste do Baikal, na Sibéria e na Rússia de Leste» o general francês Janin.
No final de Novembro, Koltchak, com cerca de 50 mil soldados bem armados e com
todos os equipamentos necessários, iniciou a ofensiva contra Perm, um importante
centro industrial, onde se situava a conhecida fábrica Motovilikhinski, indispensável para
o armamento do Exército Vermelho. Às tropas de Koltchak opunha-se o III Exército com
cerca de 35 mil soldados vermelhos mal armados, dirigido por ex-oficiais tsaristas, dos
quais uma grande parte se passou para o lado de Koltchak e dos checoslovacos. (Não
consegui encontrar números exactos sobre isto. Ninguém, pelos vistos, elaborou uma
«estatística» deste assunto). A 24 de Dezembro as tropas de Koltchak conseguiram
ocupar Perm e avançar para Viatka. A união às tropas da Entente, que avançavam do
Norte para Kotlas, estava próxima.61
O CC dos bolcheviques decidiu constituir uma comissão de inquérito para esclarecer in
loco as razões da queda de Perm e decidir medidas para a estabilização da frente. De
acordo com a indicação de Lénine, os comissários Dzerjínski e Stáline foram incumbidos
de dirigir a comissão. Em 5 de Janeiro de 1919 chegaram ambos a Viatka.
Os relatórios assinados por Dzerjínski e Stáline, entre 5 e 31 de Janeiro, e enviados a
Lénine dão informações sobre as medidas políticas e militares tomadas por ambos os
comissários.62 Deles se conclui que ambos os camaradas eram comandantes habilitados
para a guerra revolucionária. Estes relatórios constituem uma contribuição para a teoria
militar marxista-leninista. Não é possível precisar qual a redacção que tem origem na
pena de Dzerjínski e qual na de Stáline. No relatório há uma anotação: «sobre a questão
da fusão da Comissão Extraordinária de Toda a Rússia com o Comissariado do Povo
para os Assuntos Internos, o camarada Dzerjínski tem uma opinião particular.»63
Daqui conclui-se que ambos os camaradas estavam de acordo, excepto nesta questão
organizativa. Dado o conhecido carácter de ambas as personalidades históricas, é de
excluir que uma tenha «dominado» a outra.
Os relatórios só podem ser aqui apresentados resumidamente:
O III Exército, que devia ter mais de 30 mil efectivos, já só é constituído por 11 mil
soldados esgotados e profundamente desmoralizados. As tropas enviadas pelo
Comandante Supremo não são de confiança e em parte mostram-se hostis ao poder
soviético. São requisitados três regimentos de confiança (5 de Janeiro de 1919).
Causas da catástrofe em Perm: um exército cujas tropas estão esgotadas, que não tem
reservas nem um comando sólido, e ocupa uma posição de flanco podendo ser
contornado, tinha de desmoronar-se na primeira investida das forças superiores do
adversário.
Situação dos militares: dois regimentos renderam-se – o motim do regimento de
engenharia pôde ser evitado – deserções para o adversário; a hostilidade face ao Exército
Vermelho explica-se pelo espírito contra-revolucionário dos regimentos, pelos velhos
métodos de recrutamento e formação, nenhum «peneirar» dos recrutados para o serviço
militar, nenhum trabalho político nos regimentos.
61
Ver Bérkhine, op. cit., p. 145.
62
Ver SW 4/163-198.
63
Idem, Ibidem, p. 190. [V. I. Stáline, ed. cit. tomo 4, p. 217. (N. Ed.)]
19
Negligências no Estado-Maior General, no Bureau de Toda a Rússia de Comissários
Militares, no Conselho Militar Revolucionário da República, desorganização nos escalões
dirigentes, reservas insuficientes. Um «regimento soviético» que se encontrava na
reserva desertou para o adversário na primeira acção na frente.
Desapareceram documentos, os responsáveis desertaram. O sistema de comando do
III Exército está, na aparência, «de acordo com o regulamento», mas na realidade não
existe qualquer ordem. Domina o absoluto desgoverno, o comando está desligado das
unidades de combate, existe uma autonomia de facto das divisões.
Medidas para interromper a retirada: alívio do III Exército através do avanço do II
Exército na direcção de Kungur. Novecentos «combatentes frescos de inteira confiança»
foram enviados para a frente.
Consolidação da retaguarda – foram adoptadas medidas para impedir uma manobra
de envolvimento do adversário na direcção de Viatka.
As medidas tomadas ainda não são suficientes. As tropas exaustas do III Exército não
podem aguentar-se mais, precisam de ser substituídas pelo menos em parte. São
necessários dois regimentos para poder garantir a estabilidade da frente. Além disso, o
comandante deve ser substituído, devem ser enviados três funcionários políticos activos,
o Comité Regional do partido, o Soviete da Região e outros devem ser «urgentemente
dissolvidos para acelerar a mobilização dos trabalhadores evacuados» (19 de Janeiro
de 1919).64
Lénine tinha absoluta confiança em Dzerjínski e Stáline, como se depreende do seu
telegrama de 14 de Janeiro, no qual se diz expressamente: «Peço-vos muito que ambos
dirijam pessoalmente no local a execução das medidas definidas, uma vez que, de outro
modo, não há garantia de êxito.»65
Num discurso em Viatka, em 19 de Janeiro, Stáline declarou que estava garantida uma
«certa estabilidade na frente», mas era preciso criar um novo centro para «consolidação
e abastecimento da retaguarda», sob a forma de um «Comité Militar Revolucionário de
Viatka», a cujas decisões, enquanto «órgão superior do poder soviético na gubérnia»,66
se submetem as restantes instituições e organizações.67
Do extenso e pormenorizado relatório final enviado a Lénine pelos dois comissários do
povo, em 31 de Janeiro de 1919, só se referem aqui as conclusões teórico-militares, que
podem ser ainda hoje relevantes para um exército revolucionário do século XXI sob
diferentes condições de eficácia.
Portanto, entregue a si próprio (no Sul) e não seguro contra operações de
envolvimento do adversário (no Norte), esgotado e desmoralizado, sem reservas e sem
uma região de retaguarda mais ou menos segura, com homens mal alimentados (a 29ª
Divisão) e miseravelmente calçados (a 30ª Divisão), sob 35 graus negativos, dispersos
pelo imenso espaço entre Nadéjdinski até à margem esquerda do Kama, a Sul de Ossá
(mais de 400 verstas – 1 versta = 1066,78 m), com um estado-maior fraco e pouco
64
Idem, ibidem, p. 165-169. [I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 194. (N. Ed.)]
65
Idem, ibidem, p. 375, nota de rodapé 50. [V.I. Lénine, ed. cit., Moscovo, tomo 50, p. 243. (N. Ed.)]
66
A gubérnia era a maior unidade administrativa do império russo. Foi criada em 1708 e existiu até
1929 na URSS. (N. Ed.)
67
SW 4/170 e segs. [I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, pp. 195-196. (N. Ed.)]
20
experiente, o III Exército perdeu, em 20 dias, 18 mil soldados, dezenas de peças de
artilharia, centenas de metralhadoras. Nem foi uma retirada, nem um recuo das tropas
para novas posições, mas sim uma «verdadeira fuga caótica, um exército
completamente derrotado e absolutamente desmoralizado, com um comando incapaz
de reconhecer e de alguma forma ter em conta a catástrofe inevitável, totalmente
incapaz de tomar medidas em devido tempo para salvaguardar o exército mediante o
recuo para posições anteriormente preparadas, mesmo que à custa da perda de
território…»68
Segue-se uma crítica às falhas do plano de evacuação, ao controlo insuficiente da
administração dos caminhos-de-ferro, ao combate à «sabotagem habilmente organizada
pelos ferroviários» Os resultados: «Evacuou-se todo o tipo de bagatelas, cadeiras
partidas e outros trastes, ao mesmo tempo que composições carregadas com
mecanismos e peças da Fábrica Motovilikhinski e da flotilha do Kama, composições
com soldados feridos e reservas de preciosos eixos americanos, centenas de boas
locomotivas e demais bens valiosos não foram evacuados.»69
Quanto à artilharia, 26 canhões «com os arreios completos foram deixados ao
inimigo sem um único tiro.» Do mesmo modo, a ponte sobre o Kama não foi explodida,
assim como não foram destruídos outros bens abandonados em Perm.70
O quadro de decomposição geral e desorganização do exército e da retaguarda, de
incúria e irresponsabilidade das instituições soviéticas, do exército e do partido é
completado pela passagem inaudita e quase geral de toda uma série de quadros
responsáveis para o lado do inimigo. O chefe das construções defensivas, engenheiro
Baníne, e todos os seus colaboradores, o engenheiro ferroviário, Adrianovski, e todo o
quadro de especialistas das vias de comunicação da região, o chefe da secção de
comunicações militares, Sukhóvski, e os seus colaboradores, o chefe da secção de
mobilização do Comissariado Militar do Okrug,71 Bukíne, e os seus colaboradores, o
comandante do batalhão de sentinelas, Ufimtsev, e o chefe da brigada de artilharia,
Valiujenitch, o chefe da secção de formações especiais, Éksine, o comandante do batalhão
de engenheiros com os seus ajudantes, os chefes de estação de Perm I e Perm II, toda a
secção de registo da Direcção de Abastecimento do Exército e metade dos membros do
Colégio Central – todos estes e muitos outros ficaram em Perm desertando para o lado do
inimigo.72
A situação do III Exército e a questão das reservas são tratadas pormenorizadamente
no relatório, no qual Dzerjínski e Stáline criticam as deficiências na composição de classe
do Exército Vermelho, sublinham as «falhas no sistema de recrutamento» do exército.
Até fins de Maio de 1918, o recrutamento voluntário para o Exercito Vermelho baseava-se
no alistamento de operários e camponeses que não exploravam trabalho alheio. Isto
explica «possivelmente» a firmeza das tropas do período do voluntariado. Depois da
promulgação do decreto da CEC de Toda a Rússia sobre a Mobilização Geral dos
68
Idem, ibidem, p. 174. [Idem, ibidem, p. 194. (N. Ed.)]
69
Idem, ibidem, p. 175. [Idem, ibidem, p. 201. (N. Ed.)]
70
Idem, ibidem, p. 176 e seg. [Idem, ibidem, pp. 201-202. (N. Ed.)]
71
O okrug constitui uma unidade administrativa intermédia, inferior ao oblast, ao krai e à república e
superior à raione (N. Ed.)
72
SW 4/ 177 e seg. [I. V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 203. (N. Ed.)]
21
Trabalhadores de 29 de Maio de 1918, o recrutamento do exército passou para a
competência do Estado-Maior General de Toda a Rússia, que adoptou na íntegra «o
sistema de recrutamento do período do tsarismo», admitindo para o «serviço no
Exército Vermelho todos os convocados sem distinção de situação de riqueza». Isto
explica «que do trabalho das nossas instituições de recrutamento tenha resultado não
tanto um Exército Vermelho, mas mais um “Exército Popular”».73
Este erro no sistema de recrutamento foi ainda agravado pela má alimentação e
fardamento detestável, ausência de balneários, etc., e a nomeação totalmente infundada
de comandantes, incidindo sobre oficiais sem provas dadas, que com frequência levaram
unidades inteiras a desertar para o inimigo. Acresce a ausência de um «trabalho político
nas unidades organizado de forma minimamente satisfatória». Por tudo isto, «estas
reservas meio guarda brancos» não podiam prestar um apoio substancial ao III
Exército.74
As conclusões foram as seguintes:
É preciso pôr um termo à guerra sem tropas de reserva, é necessário pôr em prática
um sistema de tropas de reserva permanentes, sem as quais não é possível manter as
posições actuais nem desenvolver êxitos. Sem reservas permanentes a catástrofe é
iminente.
Mas as tropas de reserva só poderão ter aproveitamento se o velho sistema de
recrutamento e formação adoptado pelo Estado-Maior General for radicalmente
alterado, e se a própria composição do Estado-Maior for renovada.
Antes de mais é necessário dividir os mobilizados entre possidentes (não fiáveis) e não
possidentes (os únicos com aptidão para serviço no Exército Vermelho).
Em segundo lugar é necessário que os recrutados num local sejam enviados para
formação num local diferente, sendo que o envio para a frente deve ser efectuado de
acordo com a regra: «quanto mais longe da gubérnia de nascimento, melhor (renúncia
ao princípio territorial).»
Em terceiro lugar é necessário renunciar à formação de grandes e volumosas unidades
(divisões), inadequadas às condições da guerra civil, e declarar a brigada como unidade
máxima de combate.
Em quarto lugar é necessário estabelecer um controlo rigoroso e permanente sobre os
comissariados militares de okrug (renovando previamente a sua composição), que estão
a provocar a indignação dos soldados (no melhor dos casos a deserção em massa) devido
à sua criminosa atitude negligente para como a questão do aquartelamento, alimentação
e fardamento das tropas.
Finalmente é necessário renovar o Bureau dos Comissários de Toda a Rússia, que
fornece às unidades garotos «comissários», absolutamente incapazes de organizar um
trabalho político minimamente satisfatório. A inobservância destas condições conduz a
que as nossas instituições de recrutamento enviem para a frente não tanto um Exército
Vermelho, mas mais um «Exército Popular», sendo que a palavra «comissário» se
transformou num apodo injurioso.
73
Idem, ibidem, p. 180 e seg. [Idem, ibidem, pp. 206-207. (N. Ed.)]
74
Idem, Ibidem, p. 181 e seg. [Idem, ibidem, pp. 207- 208. (N. Ed.)]
22
Em particular, para a manutenção da capacidade de combate do III Exército é
absolutamente necessário reforçá-lo imediatamente com pelo menos três regimentos
firmes.75
O inquérito aos procedimentos de comando mostrou a ausência de centralização no
interior do exército. Os chefes de brigada e divisão sentiam-se como «príncipes feudais».
O estado-maior estava isolado das unidades de combate. Não havia coordenação entre os
exércitos, o que ambos os comissários atribuíram ao facto de o Conselho Militar
Revolucionário estar isolado da frente e às directivas imponderadas do comandante
supremo. Daqui se concluía que o exército não pode passar sem um Conselho Militar
Revolucionário sólido. O Conselho Militar Revolucionário tem de ser composto pelo
menos por três elementos, um dos quais acompanha os organismos de abastecimento do
exército, o outro os organismos de educação política do exército e o terceiro – assegura o
comando. Só deste modo é possível garantir o funcionamento correcto do exército.
O estado-maior do exército não pode limitar-se aos relatórios oficiais (não raramente
incorrectos) dos chefes de divisão e chefes de brigada, mas deve ter os seus próprios
representantes – agentes – que informem regularmente o estado-maior e acompanhem
atentamente a execução rigorosa das ordens do comandante. Só deste modo se pode
assegurar a ligação do estado-maior com o exército, liquidar a autonomia efectiva das
divisões e brigadas e organizar uma verdadeira centralização do exército.
Um exército não pode agir por conta própria, como uma unidade completamente
autónoma. Nas suas operações depende totalmente dos exércitos adjacentes e
principalmente das directivas do Conselho Militar Revolucionário da República: o
exército mais apto para o combate, em condições iguais, pode fracassar se as directivas
do centro não forem justas e não existir um efectivo contacto com os exércitos adjacentes.
É necessário estabelecer nas frentes, antes de mais na frente Leste, um regime de
rigorosa centralização das operações de cada um dos exércitos em torno da concretização
de uma directiva estratégica precisa e seriamente ponderada. A arbitrariedade ou
precipitação na definição das directivas, sem a consideração séria de todos os dados, e a
rápida substituição de directivas daqui resultante, bem como a indefinição das próprias
directivas, como acontece no Conselho Militar Revolucionário da República, tornam
impossível a direcção do exército, conduzem ao desperdício de forças e de tempo e
desorganizam a frente. É necessário remodelar o Conselho Militar Revolucionário da
República num grupo restrito, estreitamente ligado à frente, digamos, composto por
cinco pessoas (dois especialistas, o terceiro acompanha a Direcção Central do
Abastecimento, o quarto – o estado-maior general, o quinto – o Bureau de Comissários
de toda a Rússia), suficientemente experientes para não permitirem quer a
arbitrariedade quer a leviandade na condução do exército.76
Nos capítulos seguintes são apresentados os resultados do inquérito sobre a situação
nas regiões da retaguarda, nos organismos de abastecimento e evacuação, assim como as
conclusões daí retiradas.77 Só têm significado teórico na medida em que se referem ao
reforço da retaguarda, ao abastecimento do exército, aos reforços e eventualmente à
75
Idem, ibidem, p. 182 e seg. [Idem, ibidem, pp. 208-209. (N. Ed.)]
76
Idem, ibidem, p. 186 e seg. [Idem, ibidem, pp. 211-213. (N. Ed.)]
77
Idem, ibidem, pp. 187-195.
23
retirada, ao transporte de importantes materiais militares, embora os pormenores
respeitantes à situação histórica concreta não possam ser generalizados.
Nas conclusões diz-se que sem estabilidade da retaguarda, nenhum exército pode agir
com êxito. Para isso era necessário:
«1. Instituir a prestação rigorosa e regular de contas das organizações locais do
partido ao CC; munir regularmente as organizações locais do partido com cartas
circulares do CC; organizar uma secção de imprensa adstrita ao Órgão Central para a
direcção da imprensa do partido na província; criar uma escola para funcionários do
partido (principalmente operários) e organizar uma distribuição correcta dos
funcionários. De tudo isto deve ser encarregue um secretariado do CC, composto por
membros do CC.
2. Delimitar rigorosamente a esfera de competências do CEC e do Comissariado do
Povo para os Assuntos Internos no que respeita à direcção da actividade corrente dos
Sovietes de Deputados; fundir a Comissão Extraordinária de Toda a Rússia com o
Comissariado do Povo dos Assuntos Internos (sobre a questão da fusão da Comissão
Extraordinária de Toda a Rússia com o Comissariado do Povo dos Assuntos Internos, o
camarada Dzerjínski tem uma opinião particular); incumbir o Comissariado do Povo dos
Assuntos Internos da obrigação de velar pela execução correcta e pontual dos decretos
e despachos do poder central por parte dos sovietes de deputados; obrigar os sovietes
de deputados a prestar contas regularmente ao Comissariado do Povo dos Assuntos
Internos; obrigar o Comissariado do Povo dos Assuntos Internos a fornecer
regularmente aos Sovietes de Deputados as instruções necessárias; organizar uma
secção de imprensa adstrita ao Izvéstia VTsIK para dirigir a imprensa dos sovietes na
província.
3. Organizar uma comissão de controlo e fiscalização adstrita ao Conselho da Defesa
para inquirir sobre as “insuficiências do mecanismo” dos comissariados do povo e
respectivas secções locais tanto na retaguarda como na frente.»78
Tratava-se, no que respeita à consolidação da retaguarda, principalmente de
introduzir uma rigorosa administração centralizada e uma direcção política. Era
necessário dar formação e educação política aos funcionários da administração oriundos
das fileiras dos operários. Só assim seria possível fornecer reforços e assegurar a
evacuação planeada e em boa ordem de bens importantes para a guerra, uma retirada do
exército planeada e em boa ordem, se necessário.79
Para terminar ainda algumas notas sobre a actividade da comissão, sobre os seus
reflexos na literatura histórica soviética depois do famoso «relatório secreto» de
Khruchov no XX Congresso do PCUS (14-25 de Fevereiro de 1956). Na História da URSS,
1917-1970, de I.B. Bérkhine, diz-se correctamente que a «Comissão de Inquérito
Especial», constituída pelo CC do PCR(b) e pelo Conselho de Defesa, estava sob a
direcção de F.E. Dzerjínski e de I.V. Stáline.80 Todavia, na História do Partido
78
Idem, ibidem, p. 190 e seg. [Idem, ibidem, p. 216. (N. Ed.)] Izvéstia VTsIK («Notícias do CEC de
toda a Rússia») jornal diário publicado desde 28 de Fevereiro de 1917 com o nome «Notícias do Soviete de
Deputados Operários e Soldados de Petrogrado». Depois de várias mudanças este jornal tornou-se, em 27
de Outubro de 1917, no órgão oficial do poder soviético. SW 4/375 e seg., nota de rodapé 54.
79
SW 4/194 e seg.
80
Bérkhine, op. cit., p. 145.
24
Comunista da União Soviética, em seis volumes, só se fala numa «Comissão de
Inquérito do Partido», «sobre cujo trabalho Lénine se informava permanentemente.»
«Dela faziam parte os membros do CC, F.E. Dzerjínski e I.V. Stáline.» Quem dirigia a
comissão e com quem Lénine se informava constantemente é deixado em aberto. Na
História do Partido Comunista da União Soviética (Moscovo, 1959 – Berlim, 1960) e na
edição com o mesmo nome (Moscovo, 1969 – Berlim, 1971) é concedido à Comissão «um
papel significativo» na estabilização da frente na região de Perm, mas também de acordo
com esta exposição, Dzerjínski e Stáline eram apenas membros desta Comissão, sobre
quem a dirigia nem palavra.81 Provavelmente a Comissão encontrava-se sob a direcção do
arcanjo Gabriel, junto de quem Lénine se «informava permanentemente».
Este género de omissão grave, que já confina com a falsificação da história, é um
resultado do revisionismo de Khruchov na ciência histórica soviética.
***
No seu discurso sobre a questão militar no VIII Congresso do PCR(b) (18-23 de Março
de 1919), Stáline tirou as conclusões do balanço da Guerra Civil e de Intervenção e, não
de somenos importância, dos resultados da Comissão de Inquérito sobre o caso de Perm.
Em causa estava a questão do «exército de voluntários» ou de um «exército regular».
No relatório da Comissão de Inquérito dirigido a Lénine, de 31 de Janeiro de 1919, o
princípio da voluntariedade ainda é considerado parcialmente positivo, designadamente
quando se assinala de passagem que isso explicaria «possivelmente a firmeza das
tropas» desse período.82 Mas a restrição «possivelmente» é neste caso imensa. A firmeza
destas unidades explicava-se pela sua composição de operários e camponeses que não
exploram força de trabalho alheia, ou seja, campesinato pobre. No seu discurso no
congresso, Stáline submeteu o exército de voluntários a uma crítica contundente.
Depois da desintegração do velho exército tsarista foi criado um exército de
voluntários, «mal organizado, com uma direcção colectiva que nem sempre se submetia
às ordens.» A desorganização reinava no comando. As consequências eram as derrotas
na frente.
Os factos demonstravam «que um exército de voluntários não resiste à crítica.» Não
tinha condições para defender a república. Só um «exército regular, imbuído do espírito
de disciplina, com uma secção política bem organizada» saberia e poderia, «à primeira
ordem, levantar-se e marchar sobre o inimigo.»83
A concepção de um exército regular, disciplinado, foi ardentemente debatida. Algumas
células comunistas no exército sustentavam a opinião de que o alargamento das suas
81
Ver História do Partido Comunista da União Soviética em 6 volumes. Vol. III/2, Moscovo
1969/Berlim 1971), p. 189. Em seguida chamado HPCUS 6.
História do Partido Comunista da União Soviética, Moscovo 1959/Berlim 1960, p. 381.
História do Partido Comunista da União Soviética, Moscovo 1969/Berlim 1971, p. 336.
82
SW 4/180. [I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 206. (N. Ed.)]
83
Idem, ibidem, p. 220. [«Do discurso sobre a questão militar no VIII Congresso do PCR (b)», 21 de
Março de 1919, I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, pág. 429. (N. Ed.)]
25
funções e a assunção do controlo da actividade do Exército era «sindicalismo de
partido».84
Antigos «comunistas de esquerda» formaram um bloco de oposição, sob a direcção de
V.M. Smírnov, que era contra a construção de um exército regular. Os «comunistas de
esquerda» achavam que não se podia confiar funções de comando a especialistas
militares burgueses, devia-se dar «mais direitos» aos comissários militares, para
poderem participar «mais fortemente no comando do exército». As novas instruções de
serviço, dizia o camarada Smírnov, iriam introduzir uma «regulamentação mesquinha»
na vida militar, permitir mais privilégios aos comandantes. Os mesmos direitos deviam
ser assegurados a todos os militares. A concepção da oposição militar era indefensável.
Ela destruiria qualquer exército.85
A oposição militar não era, porém, um bloco coeso. Havia nela opiniões muito
diferentes, divergentes das do «núcleo» à volta de Smírnov. Inicialmente, depois de
reformular algumas teses, Smírnov conseguiu impor a sua concepção. Apenas na reunião
plenária da noite de 21 de Março, depois de um representante da Administração Militar
ter informado que faltavam 60 por cento dos especialistas militares necessários ao
Exército Vermelho, que tinham de ser recrutados mais comandantes experientes e
especialistas em todas as áreas militares, Lénine, Sokólnikov e Stáline se puderam
impor.86
Naturalmente que a inclusão de oficiais do velho exército tsarista era um problema
sério. Deserção, traição de ex-oficiais eram factos conhecidos. Por outro lado, havia
milhares de ex-oficiais que serviam lealmente no Exército Vermelho e contribuíam com
as suas capacidades militares. Estes oficiais não eram sempre comunistas, mas eram
patriotas russos, que lutavam contra os invasores estrangeiros. Um dos méritos de
Stáline foi ter reconhecido a componente nacional também na guerra civil, enquanto não
poucos comunistas consideravam a questão nacional «há muito» historicamente
ultrapassada. A questão nacional foi e ainda hoje é subestimada. O erro dos «comunistas
de esquerda» consistiu em terem generalizado, absolutizado, a deserção de ex-oficiais e
não compreenderem a contradição deste fenómeno social. Até agora ainda não encontrei
nenhuma estatística para poder investigar a relação entre oficiais fiéis e desertores. No
Exército Vermelho acresce ainda um factor especial: no corpo de oficiais havia não
poucos partidários de Trótski, tanto entre ex-oficiais, como também entre novos oficiais
oriundos da classe operária. Esta última contradição agudizou-se principalmente nos
anos seguintes, quando o conflito entre Stáline e Trótski aumentou em aspereza, o que
podia conduzir à destruição do Exército Vermelho.
Na oposição militar havia também camaradas que apresentaram moções aceitáveis. O
apoio mais importante da oposição resultou, last but not least, do comportamento de
Trótski enquanto chefe da Administração Militar. Não raramente ignorava os direitos
«dos comissários, comportava-se para com eles desdenhosamente e deixou reinar o
despotismo nas relações com os militares comunistas. Trótski, com o seu
comportamento despótico e os seus caprichos ditatoriais, voltou pessoalmente contra si
muitos comunistas que serviam no exército e deu-lhes razão para desconfiarem dele (…)
84
HPCUS 6, III/2, p. 292.
85
Idem, ibidem, p. 292 e seg.
86
Idem, ibidem, p. 295 e seg.
26
Isto viu-se (…) também na eleição dos membros do CC – contra a candidatura de
Trótski votaram 50 delegados.»87
Nas causas das derrotas do Exército Vermelho na frente da Guerra Civil e de
Intervenção também se incluía a sua composição de classe. A maioria do exército, dizia
Stáline, é constituída por camponeses, não por operários; camponeses que «não lutarão
voluntariamente pelo socialismo. Uma série de factos demonstra-o. Vários motins na
retaguarda e nas frentes (…) mostram que os elementos não proletários, que
constituem a maioria no nosso exército, não querem lutar voluntariamente pelo
comunismo.» Daqui resulta a tarefa de «reeducar estes elementos no espírito de uma
disciplina férrea», colocá-los «sob a direcção do proletariado», não só na retaguarda
mas também na frente, «obrigá-los a combater pela nossa causa comum socialista». A
construção de um «verdadeiro exército regular, o único capaz de defender o país», teria
de ser concluída no decorrer da guerra. Se isto não for feito, «a nossa causa estará
perdida.»88
A questão militar não estava, com isto, ainda definitivamente resolvida. Já no VII
Congresso (6-8 de Março de 1918), no início da guerra, se referia na proposta de
programa a «transformação» do «exército de classe» numa «milícia socialista de todo o
povo», mas evidentemente só depois da abolição das classes.89
No programa aprovado no VIII Congresso do PCR(b), § 10/1, diz-se: «Na época da
decomposição do imperialismo e da propagação da guerra civil não é possível nem a
manutenção do velho exército, nem a construção de um novo numa base chamada
supra-classista ou de toda a nação. O Exército Vermelho, enquanto instrumento da
ditadura do proletariado, tem necessariamente de ter um carácter de classe aberto, isto
é, tem de ser formado exclusivamente pelo proletariado e por camadas do campesinato
que lhe estão próximas. Só na sequência da eliminação das classes, um tal exército de
classe poderá transformar-se numa milícia socialista de todo o povo.»90
A recruta nas casernas era mal vista. Evidentemente que a má experiência da velha
instrução militar tsarista desempenhava aqui o seu papel. Por isso a pura instrução de
caserna devia ocupar «o período mais curto possível». As casernas deviam aproximar-se
do «tipo das escolas militares e político-militares», devia estabelecer-se uma «ligação, a
mais estreita possível, das unidades de recrutas com as empresas industriais, sindicatos
e as organizações de pobres do campo.»91
No exército burguês, a antiga exigência de eleição dos comandantes tinha uma
«enorme importância de princípio». No Exército Vermelho, enquanto «exército de
classe», proletário, esta exigência tinha perdido «totalmente a sua importância de
princípio».92 Isto era absolutamente claro: a eleição dos comandantes era um dos meios
mais seguros para desmoralizar e destruir qualquer exército. Que soldado iria eleger um
87
Idem, ibidem, p. 294.
88
SW 4/220 e seg.
89
O PCUS nas suas Resoluções e Deliberações dos Congressos, Conferências e Plenários do CC,
Berlim, 1957, Vol. III, p. 25 e seg. Em seguida chamado PCUS R e D. [Cotejado com o original russo,
Moscovo, 1953, 7.ª edição, parte I, p. 417. (N. Ed.)]
90
Idem, ibidem. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
91
Idem, ibidem, p. 26. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
92
Idem, ibidem p. 27. [Idem, ibidem, p. 418. (N. Ed.)]
27
oficial rigoroso, que fosse ao mesmo tempo um especialista militar competente, e não
preferiria um oficial liberal, mesmo que este não percebesse nada da condução da
guerra? Diante do exército burguês, esta exigência tem um sentido político,
nomeadamente o de desmoralizar o órgão repressivo mais importante do Estado
burguês. Não era por isso nenhum milagre que as forças contra-revolucionárias
apresentassem esta exigência ao Exército Vermelho, o que também podia suscitar
simpatias junto de alguns soldados vermelhos. A exigência de «democratização» das
forças armadas, de trocar «espadas por arados», também foi feita nos anos 80 pelos
demagogos contra-revolucionários – exactamente nos estados socialistas! – enquanto
nos estados imperialistas o armamento e a reorganização qualitativa do armamento
continuavam alegremente, naturalmente «com consenso parlamentar». Do outro lado, o
apelo à «democratização» não passou de um logro.
Nas resoluções do IX Congresso do PCR(b) (29 de Março – 5 de Abril de 1920) há de
novo uma orientação minuciosa para a «transição para o sistema de milícias», que devia
concretizar-se «gradualmente», «de acordo com a situação militar, internacional e
diplomática da República Soviética, com a condição indispensável de que a capacidade
de defesa da última se mantenha em qualquer momento na devida altura.»93 No
parágrafo final afirma-se: «A milícia, desenvolvendo-se no sentido da sua
transformação em povo comunista armado, deverá, no período actual, manter na sua
organização todas as características da ditadura da classe operária.»94
A transformação do Exército Vermelho numa milícia, e esta em «povo comunista
armado», podia ser compreensível neste período, em que a esperança de uma revolução
na Europa, embora fraca, ainda existia, e a República Soviética se tinha afirmado na
Guerra Civil e de Intervenção. Contudo, demonstrou ser ilusória. Em nenhum momento
pôde ser realizada, já que as potências imperialistas e também os pequenos estados
capitalistas, desde o primeiro dia até ao seu fim, se mantiveram inimigos da República
Soviética (União Soviética a partir de Dezembro de 1922).
Se a abolição das classes e uma revolução mundial vitoriosa eram as condições para
um «povo comunista armado», então põe-se a questão: para quê ainda uma milícia, um
«povo armado»? O estado da técnica militar nos anos 20 do século XX podia ainda ter
possibilitado uma milícia para tropas convencionais. Com a introdução de técnicas
modernas na Força Aérea e na Marinha de Guerra, um sistema de milícias tornou-se
ilusório. Outra coisa é a formação de reservistas, de oficiais e sargentos de reserva, que
são chamados periodicamente para exercícios e instrução em novas armas, como é
normal em todos os exércitos modernos desde o final do século XIX. Um tal sistema não
pode naturalmente estar ligado à região de origem dos reservistas recrutados, aos seus
locais de produção, empresas, etc. As chamadas «guardas nacionais» da França, EUA,
entre outros, são diferentes, já que só têm tarefas internas. Os grupos de combate da
classe operária na RDA, que estavam ligados a determinados territórios, empresas, etc.,
podiam ser vistos como «milícias da ditadura da classe operária», mas não eram um
exército regular, o que também não era a sua tarefa.
93
Idem, ibidem p. 143. [Resolução do IX Congresso do PCR(b) sobre a transição para o sistema de
milícias», PCUS, ed. cit., p. 502. (N. Ed.)]
94
Idem, ibidem p. 144. [Idem, ibidem, p. 502. (N. Ed.)]
28
***
95
Ver Bérkhine, op. cit., p. 160 e seg.
96
SW 4/229 e seg. [«Nota enviada de Petrogrado por linha directa a V.I. Lénine», 25 de Maio de 1919,
I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, pp. 258-259. (N. Ed.)]
29
minha parte e em geral dos civis nos assuntos operacionais, ao ponto de se ter anulado
ordens em mar e em terra e imposto as nossas próprias».97
Também aqui ainda não havia referências a traição.
Num telegrama dirigido a Stáline, de 27 de Maio, Lénine exprime a suspeita sobre a
«existência na nossa retaguarda, e talvez até na própria frente, de traição organizada.
(…) Parece que o inimigo tem a certeza absoluta de que não dispomos de uma força
militar minimamente organizada para a resistência, e que, para além disso, conta com
ajuda na retaguarda.» Lénine refere ainda incêndios, dinamitação de pontes, motins, e
insta para que preste «uma atenção reforçada a estas situações» e se tomem «medidas
extraordinárias para descobrir conspirações.»98
Stáline informou Lénine sobre os acontecimentos nas frentes Oeste e Norte, na nota
enviada em 18 de Junho de 1919 por linha directa, assim como abordou
pormenorizadamente o assunto numa entrevista ao correspondente do Pravda, em 8 de
Julho de 1919.
Primeiro comparou Koltchak com Rodzianko e avaliou as suas capacidades militares;
Koltchak era «o adversário mais sério», visto que tinha «território suficiente para
retirar, suficiente material humano para o exército e uma retaguarda rica em trigo».
Em comparação com Koltchak, Rodzianko era «um mosquito», visto que não «tinha
trigo na retaguarda, território para retirar, nem material humano suficiente.»
A mobilização dos jovens de 20 anos seria o seu «enterro, dado que os camponeses
não vão tolerar tal mobilização e afastar-se-ão inevitavelmente de Rodzianko.»99
Neste contexto, Stáline opôs-se à ordem dada pelo comandante-em-chefe do Exército
Vermelho, neste período I.I. Vatsetis, ao Conselho Militar Revolucionário da frente Leste
para que suspendesse a ofensiva contra Koltchak e enviasse grande parte das divisões
para a frente Sul, onde as tropas soviéticas eram seriamente ameaçadas por Deníkine.
Este plano de Vatsetis teve também o apoio de Trótski. Todavia, Koltchak ainda não
estava vencido, e a execução desta ordem fatal ter-lhe-ia dado a possibilidade de
concentrar novas reservas da Sibéria e, apoiando-se na indústria dos Urais, iniciar uma
nova ofensiva.100 Na sua nota Stáline sublinha que «não se devia em caso algum
transferir da frente Leste para a frente de Petrogrado uma tal quantidade de tropas
que nos obrigue a suspender a ofensiva na frente Leste»101 contra Koltchak.
Ora no plano de Vatsetis/Trótski não só se falava do reforço da frente Sul, através da
retirada de grande parte das divisões da frente Leste, mas também que se devia reforçar a
frente Oeste à custa do enfraquecimento da frente Leste. «Para encostar Rodzianko à
fronteira estoniana», não havia necessidade de se ir mais longe, bastava «uma divisão,
cujo envolvimento não implica a interrupção da ofensiva na frente Leste.»102
Por conseguinte, Stáline tinha não apenas as frentes Oeste e Norte debaixo de olho,
mas todas as frentes da guerra, principalmente a frente Leste, que nesta altura era a
97
SW 4/231. [«Nota enviada de Petrogrado por linha directa a V.I. Lénine», 18 de Junho de 1919, I.V.
Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 261. (N. Ed.)]
98
LW 29/391. [V.I. Lénine, ed. cit., tomo 50, p. 325. (N. Ed.)]
99
SW 4/232. [I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 262. (N. Ed.)]
100
Bérkhine, op. cit., p. 165.
101
SW 4/232. [I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 261. (N. Ed.)]
102
Idem, ibidem. [Idem, ibidem, p. 262. (N. Ed.)]
30
frente principal. No Verão de 1919, Koltchak era o inimigo mais perigoso da República
Soviética. Por deliberação do Plenário do CC do PCR(b), de 3 de Julho de 1919, Serguei
Serguéievitch Kámenev (não confundir com Lev Kámenev) substituiu Vatsetis 103 no
comando supremo das Forças Armadas da República. Em 13 de Julho, M.V. Frúnze foi
nomeado comandante-em-chefe da frente Leste.104
Se Rodzianko em comparação com Koltchak era «um mosquito», incapaz de tomar
Petrogrado com as suas próprias forças, de que modo ele e Iudénitch juntos eram
perigosos?
Stáline já tinha apontado as causas. Fora descoberta uma grande conspiração contra-
revolucionária na região de Kronstadt. O seu objectivo era «conquistar a fortaleza,
submeter a armada, atacar pela retaguarda as nossas tropas e abrir caminho a
Rodzianko para Petrogrado. Temos os respectivos documentos nas mãos.»105
Esta conspiração explicava o «atrevimento» de Rodzianko «de marchar sobre
Petrogrado com forças relativamente pequenas», «o descaramento dos finlandeses»,
«a deserção geral dos nossos oficiais militares», assim como a «estranha ocorrência»
de, no momento da traição de Krásnaia Gorka, os navios ingleses «terem desaparecido
algures». Manifestamente os ingleses não queriam «ingerir-se directamente no assunto
(intervenção!)», preferindo aparecer mais tarde, «depois da passagem da fortaleza e da
armada para as mãos dos brancos» para «”ajudar o povo russo” a instaurar uma nova
“ordem democrática”.»106
Stáline tinha discernido muito bem a relação entre contra-revolução, intervenção
imperialista e a bênção de uma nova «ordem democrática». O que neste momento talvez
ainda não soubesse era que por trás da frota inglesa se encontrava o ministro da Guerra
da Grã-Bretanha, Winston Churchill, que já nesta altura queria matar o bolchevismo no
seu berço. Em Stáline não se encontra ainda qualquer referência a Churchill. Os
trabalhadores ingleses lutavam contra a intervenção da Inglaterra, sob o lema «Tirem as
mãos da Rússia Soviética», o que obrigou Churchill a recorrer a meios subversivos.
O objectivo da «democracia», com o qual as guerras de intervenção imperialistas são
disfarçadas de «acções humanitárias», não é portanto nada de novo.
Todo o plano de Rodzianko e Iudénitch baseava-se no «desfecho com êxito da
conspiração», financiada pela Inglaterra através das embaixadas italiana, suíça e
dinamarquesa. Stáline pede a Lénine para que não haja «qualquer indulgência para com
os altos funcionários detidos das embaixadas, que sejam mantidos em regime rigoroso
até ao final da instrução, que irá revelar novas e abundantes tramas».107
Ao Pravda,108 Stáline ainda referiu o envolvimento nesta conspiração das embaixadas
francesa, sueca, grega, italiana, holandesa, romena e outras.
103
Sobre Vatsetis ver Hans-Jürgen Falkenhagen, Lev Trótski e a Essência do Trotskismo, Parte II,
Colecção de Opúsculos citada, Caderno n.º 96/1, Berlim, Fevereiro, 2003, p. 31, 33-38, 43 e seg.
104
Bérkhine, op. cit., p. 844, nota de rodapé 45.
105
SW 4/232 e seg. [«Nota a Lénine», de 18 de Junho de 1919, I.V. Stáline, ed. cit., p. 263. (N. Ed.)]
106
Idem, ibidem, p. 233. [Idem, ibidem, p. 263. (N. Ed.)]
107
Idem, Ibidem.
108
«Sobre a Frente de Petrogrado, conversa com o correspondente do Pravda», 8 de Junho de 1919, I.V.
Stáline, ed. cit., pp. 265-271. (N. Ed.)
31
Em algumas embaixadas foram encontradas metralhadoras e espingardas, até um
canhão na embaixada romena, assim como instalações telefónicas secretas. «Estes
senhores lançavam dinheiro à esquerda e à direita, subornando tudo o que era
subornável na retaguarda do nosso exército.» A «parte subornável do corpo de oficiais
russo» passou-se para o inimigo.
Como mais tarde se verificou, «os burgueses e latifundiários humilhados pelo
proletariado de Petrogrado tinham reunido armas» para, num momento favorável,
«atacar pelas costas as nossas tropas». Nos bairros burgueses de Petrogrado foram
encontradas quatro mil espingardas e várias centenas de explosivos.109
Finalizando a questão das frentes Oeste e Norte, chame-se ainda a atenção para um
telegrama de Lénine para o Comité de Defesa de Petrogrado, dirigido a Zinóviev, de 13 de
Maio de 1919, no qual se pede «resposta exaustiva às seguintes questões: por que
motivos foi decidido evacuar algumas fábricas em Petrogrado e arredores, quem e por
que razão ordenou o afundamento de navios, qual é o número total dos operários
mobilizados e dos que ficaram nas fábricas, estão a ser efectivamente utilizados todos
os mobilizados para as necessidades da defesa, a que se deve a nomeação de
comissários para as empresas estatais, está a ser feito um recrutamento indiscriminado
dos cidadãos ou seguem-se as disposições do poder central?»110
Enquanto membro do CC do partido, Zinóviev tinha uma enorme responsabilidade
política na defesa de Petrogrado. Se ele e os partidários de Trótski (gente de Zinóviev e
trotskistas) sabotaram efectivamente a defesa de Petrogrado com o intuito de entregar a
cidade ao inimigo, como se pode depreender da nota de rodapé sobre o telegrama de
Lénine,111 ou se a desorganização da defesa se deveu apenas à incapacidade de Zinóviev é
uma questão que tenho de deixar em aberto. No mínimo Zinóviev agiu
irresponsavelmente, o que na guerra é um crime indesculpável. O plano para a evacuação
da cidade e para o afundamento dos navios da armada existiu. Zinóviev não é referido na
conspiração descoberta nem no relatório de Stáline. Se ele estivesse envolvido, Stáline tê-
lo-ia seguramente nomeado. Na História do Partido Comunista da URSS (bolchevique),
Breve Curso, Zinóviev não é igualmente referido no que diz respeito à defesa de
Petrogrado.112
109
Idem, ibidem, p. 236 e 237. [Idem, ibidem p. 267
110
LW 35/365. [«Telegrama ao Comité de Defesa de Petrogrado», 13 de Maio de 1919, V.I. Lénine, ed.
cit., tomo 50, p. 384 (N. Ed.)]
111
Idem, ibidem, p. 567, nota de rodapé 255. [Na 7ª edição das Obras Completas de V.I Lénine (em
russo), tomo 50, p. 496, a nota n.º 428 refere o seguinte: «No início de Maio de 1919, em Petrogrado,
devido à ameaça de ofensiva por parte das tropas finlandesas brancas, foi desencadeada a mobilização
dos trabalhadores da cidade. Porém, alguns dirigentes de Petrogrado, incluindo o presidente do Comité de
Defesa da cidade, G.E. Zinóviev, subestimaram as forças e possibilidades dos defensores de Petrogrado.
Entrando em pânico, decidiram, sem informar o Conselho de Defesa, evacuar algumas empresas da cidade
e dos arredores e preparavam-se para afundar a frota do Báltico. Em Petrogrado foi iniciada a
mobilização geral dos operários, o que provocou quebras na produção de muitas empresas industriais de
grande importância para a defesa. Foi neste contexto que V.I. Lénine enviou em nome do Conselho da
Defesa o presente telegrama.» (N. Ed.)].
112
História do Partido Comunista da URSS (bolchevique), Curso Breve, Berlim, 1946, p. 287. Em
seguida chamado «Breve Curso».
32
***
113
SW 4/243 – 245. [«Carta a Lénine da frente Sul», 15 de Outubro de 1919, I.V. Stáline, op. cit., tomo
4, pp. 275-277 (N. Ed.).] Há incerteza quanto à data. Nas actas do ZPA do IML, Fundo 2, Lista I, Doc. 11
168, Tomo II e verso, é referida a data de 15 de Setembro. Isto não pode estar correcto porque Stáline só
chegou a Sérpukhov a 3 de Outubro. Uma outra data, 15 de Novembro, é dada como certa. Ver HPCUS 6,
Vol. III/2, p. 390, nota de rodapé 133. [ZPA- Zentral Parteiarchiv der SED (Arquivo Central do Partido);
IML - Institut für Marxismus-Leninismus (Instituto para o Marxismo-Leninismo). Com o Tratado entre a
RFA e o PDS de 29 de Dezembro de 1992, o ZPA foi incluído com a Fundação Arquivo dos Partidos e
Organizações de Massas da RDA no Arquivo Federal. Ambos os arquivos não eram públicos, mas sim
instituições da própria organização SED. (N.T)]
114
Unidade administrativa rural, composta por uma ou várias aldeias, existente na região dos cossacos,
no Sul da Rússia, antes do Cáucaso. (N.T.)
115
SW 4/244. [«Carta a Lénine da frente Sul», I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 276. (N. Ed.)]
116
Idem, ibidem, p. 244 e seg. [Idem, ibidem, p. 277. (N. Ed.)]
33
O plano de Stáline foi aceite. Como é perceptível no telegrama a Lénine, de 25 de
Outubro, apareceram os primeiros êxitos: a cavalaria de Budiónni derrotou a cavalaria de
Deníkine e tomou Vorónej.117
Elucidativo é o seu artigo «Sobre a situação militar no Sul», no Pravda, de 28 de
Dezembro de 1919.118
Na parte I, Stáline resume as derrotas das tropas da Entente e contra-revolucionárias
em todas as frentes no ano de 1919. O seu objectivo, tal como formulado por Deníkine, de
«”estrangular o bolchevismo com um golpe, privando-o dos seus principais centros
vitais – Moscovo e Petrogrado”» ou, como declarou o general Mai-Maévski, «chegar a
Moscovo com as suas tropas “o mais tardar em Dezembro, para o Natal de 1919”» não
foi alcançado. (O mesmo aconteceu 22 anos mais tarde com um outro «grande» general.)
Stáline resumiu: «Também desta vez a Rússia se mantém intacta e ilesa.»119
Na parte II, a parte principal, Stáline analisou as causas da derrota da contra-
revolução, principalmente de Deníkine:
«A) A precariedade da retaguarda das tropas contra-revolucionárias.»
Stáline já tinha referido noutros trabalhos o papel da retaguarda na guerra. «Nenhum
exército do mundo pode vencer sem uma retaguarda estável.» Esta precariedade
explicava-se pelo «carácter social» do governo Deníkine-Koltchak. Consigo trouxeram
não só «o jugo do latifundiário e do capitalista, mas também o do capital anglo-
francês.» Deníkine-Koltchak representavam, portanto, uma dupla exploração e opressão
das massas populares, através do capital nacional e anglo-francês.
Uma vitória de Deníkine e Koltchak significaria «a perda da independência da
Rússia, a transformação da Rússia numa vaca leiteira dos ricalhaços ingleses e
franceses.» O governo Deníkine-Koltchak era neste sentido o maior inimigo do povo e o
mais antinacional. Pelo contrário, o governo soviético era «o único governo popular» e o
«único governo nacional». Isto porque consigo trazia não só a libertação dos
trabalhadores, mas também a libertação de toda a Rússia do jugo do imperialismo
mundial.
O Governo Soviético personificava, por conseguinte, a libertação social e nacional dos
trabalhadores da Rússia. É de sublinhar que Stáline, a par do conteúdo social, do aspecto
de classe da Guerra Civil, também tem em conta o interesse nacional. Com isso conseguiu
ganhar oficiais patriotas, que não eram comunistas, para servir no Exército Vermelho.
Nas condições referidas, o governo Deníkine-Koltchak e as suas tropas não tinham o
apoio de «largos estratos da população russa». A retaguarda de Deníkine e de Koltchak
«está a quebrar», enquanto a retaguarda do governo soviético alimenta «com a sua
seiva a frente vermelha» porque tem a confiança das massas populares.
«B) A situação periférica da contra-revolução.»
Logo no início da Revolução de Outubro esboçou-se «uma certa demarcação
geográfica entre revolução e contra-revolução». No decurso da guerra civil, esta
delimitação estabeleceu-se «definitivamente».
117
Idem, ibidem, p. 246.
118
Idem, ibidem, p. 250-257.
119
Idem, ibidem, p. 250 e seg. [«Sobre a situação militar no Sul», Pravda, 28 de Dezembro de 1919,
I.V. Stáline, op. cit., tomo 4, pág. 283. (N. Ed.)]
34
A Rússia interior com os seus centros industriais e político-culturais – Moscovo e
Petrogrado – homogénea no aspecto nacional, com população predominantemente russa,
tornou-se a «base da revolução». As regiões de periferia, principalmente a Sul e a Leste
– que não tinham centros industriais e político-culturais importantes e eram, no aspecto
nacional, muito heterogéneas, constituídas, de um lado, por «colonizadores cossacos
privilegiados», de outro lado, por tártaros, bachkires, quirguizes, ucranianos,
tchetchenos, inguches e outros povos muçulmanos «sem plenitude de direitos civis» –,
tornaram-se a base da contra-revolução. A conclusão era de que, sem unidade da
retaguarda, nacional e especialmente de classe, são impensáveis êxitos duradouros numa
guerra civil implacável.
Ao atingirem uma determinada fronteira, a fronteira da Rússia interior, as tropas
contra-revolucionárias sofrerão uma derrota inevitável.120
Além destas causas «profundas» havia ainda outras, mais próximas, para a derrota
das tropas contra-revolucionárias, principalmente na frente Sul:
1) A melhoria do sistema de reservas e de reforços na frente Sul soviética. 2) A
melhoria do sistema de abastecimento. 3) A afluência à frente de operários comunistas
oriundos dos centros industriais do interior da Rússia. 4) A estabilização do aparelho de
administração. 5) A hábil utilização do sistema de ataques de flanco pelo comando da
frente Sul. 6) O carácter metódico da própria ofensiva.121
***
120
Idem, ibidem, p. 254 e seg.
121
Idem, ibidem, p. 255 e seg. [Idem, ibidem, pp. 284-288 (N. Ed.)]
122
Ver Bérkhine, op. cit., p. 179.
123
Winston S. Churchill, A II Guerra Mundial, Berlim-Munique-Viena, nova edição, 1989, p. 185.
35
A 25 de Abril de 1920, os polacos iniciaram a ofensiva contra a Ucrânia, em 17 de Maio
ocuparam Kíev. A responsabilidade por esta situação era de Trótski, nesta altura
presidente do Conselho Militar da República. Ele tinha subestimado o perigo que as
tropas polacas representavam.
Em 14 de Maio, o Exército Vermelho iniciou a sua contra-ofensiva, sob o comando de
Tukhatchévski. Depois de duros combates conseguiu fazer recuar os polacos. Em 12 de
Junho, Kíev foi libertada. No início de Julho, os invasores polacos tinham batido em
retirada da maior parte da Ucrânia. Na primeira quinzena de Julho, as tropas do Exército
Vermelho expulsaram os polacos de Minsk e Vilna.124
Mais ou menos simultaneamente, os guardas brancos de Wrangel iniciaram a sua
ofensiva a partir da Crimeia em direcção à região Norte do Mar Negro, e ameaçavam o
Exército Vermelho pela retaguarda. Fazendo uma interpretação errada desta perigosa
situação e subestimando as possibilidades do exército polaco, o Comando Geral tomou a
desastrosa decisão, contra o conselho de Stáline, de continuar a ofensiva em direcção a
Varsóvia.
No seu artigo para o Pravda (25 e 26 de Maio) «A nova campanha da Entente contra a
Rússia», já depois do início da contra-ofensiva do Exército Vermelho e dos seus
primeiros êxitos, Stáline avisou contra uma sobrestimação das próprias forças e uma
subestimação das forças inimigas.125
Voltou de novo a sublinhar o papel da retaguarda na guerra: «Nenhum exército do
mundo pode vencer sem uma retaguarda estável (falamos naturalmente de uma vitória
sólida e duradoura).» Comparou a retaguarda na campanha de Koltchak e Deníkine com
a dos polacos. Koltchak e Deníkine não tinham uma retaguarda homogénea, com
unidade nacional e de classe, operavam num ambiente hostil e, naturalmente,
«desmoronaram-se ao primeiro golpe forte das tropas soviéticas». Diferentemente, «a
retaguarda das tropas polacas é homogénea e tem coesão nacional. Daí a sua unidade e
tenacidade. O seu ânimo predominante – o sentimento patriótico – transmite-se por
múltiplos filamentos à frente polaca, criando coesão nacional e firmeza nas unidades.
Daí a tenacidade das tropas polacas. Naturalmente, a retaguarda da Polónia não é
homogénea (…) mas os conflitos de classe ainda não atingiram um tal vigor de modo a
abalar o sentimento de unidade nacional e contagiar com as suas contradições a frente,
heterogénea do ponto de vista de classe. Se as tropas polacas operassem no território
da própria Polónia, seria sem dúvida difícil combater contra elas.»126
«Ao sair das suas fronteiras e penetrando nas regiões contíguas à Polónia, as tropas
polacas afastam-se da sua retaguarda nacional, enfraquecem a sua ligação com ela,
entram num ambiente nacional que lhes é estranho e em grande parte hostil. E pior que
isso: essa hostilidade aumenta devido à circunstância de que a grande maioria da
população dessas regiões (Bielorrússia, Lituânia, Rússia, Ucrânia) ser constituída por
camponeses não polacos, que sofrem sob o jugo dos latifundiários polacos, e que vêem a
124
Bérkhine, op. cit., p. 179. Ver também HPCUS 6, Vol. III/2, p. 511 e segs.
125
SW 4/282-289. [«Nova campanha da Entente na Rússia», publicado no Pravda, em 25 e 26 de Maio
de 1920, I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, pp. 319-328. (N. Ed.)]
126
Idem, ibidem, p. 286. [Idem, ibidem, pp. 323-324. (N. Ed.)]
36
ofensiva das tropas polacas como uma guerra pelo poder dos pans [senhores] polacos,
como uma guerra contra os camponeses não polacos oprimidos».127
(…) «Tudo isto não poderá deixar de criar no seio das tropas polacas uma atmosfera
de incerteza e insegurança, de destruir a sua firmeza de espírito, a sua convicção na
justeza da sua causa, a sua confiança na vitória, e a sua coesão nacional não deixará de
se transformar de factor positivo em factor negativo.»128
(…) «E aqui passamos à questão sobre escolha da região para o ataque principal. Na
guerra em geral, e na guerra civil em particular, o êxito, a vitória decisiva, depende
frequentemente da escolha acertada da região para o ataque, da região onde se prevê
golpear o adversário e em seguida desenvolver o ataque principal. Um dos maiores
erros de Deníkine consistiu em ter escolhido como zona para o ataque principal a zona
Donets-Khárkov-Vorónej-Kursk, ou seja, uma zona notoriamente insegura para ele».
A escolha de uma região favorável ao poder soviético explica, entre outros, o êxito da
ofensiva do Exército Vermelho contra as tropas de Deníkine.
«Este aspecto, não raras vezes descurado pelos velhos militares, tem frequentemente
na guerra civil uma importância decisiva.»
Em entrevista com o jornalista da UkrROSTA (filial ucraniana da agência noticiosa
russa), publicada na revista Kommunist (Khárkov), n.º 140, de 24 de Junho de 1920,
Stáline analisa os resultados do rompimento pelo Exército Vermelho da frente do
segundo exército polaco, perto de Berdítchev, e da ocupação de Jitómir em 7 de Junho.
Na sequência do ataque soviético, o terceiro e sexto exércitos polacos (na região de
Kíev e Kamenets-Podolski respectivamente) foram forçados a bater em retirada. Desse
modo iniciou-se «a nossa impetuosa ofensiva geral em toda a frente.»129 No Comando
Geral, os êxitos foram claramente sobrestimados, e não só por Trótski e Tukhatchévski,
que quiseram continuar a ofensiva na direcção de Varsóvia. Embora Stáline não o tenha
nomeado explicitamente, Lénine também acreditava poder continuar a ofensiva até
Varsóvia, na esperança de um levantamento revolucionário da classe operária polaca.
No final de Julho, na cidade polaca de Bialystok libertada pelo Exército Vermelho, foi
constituído o Comité Revolucionário Provisório da Polónia, presidido por Julian
Marchlewski e integrado por Feliks E. Dzerjínski, Feliks Kon, Edvard Prochniak e Ióssif
Unchlikht. Nas regiões libertadas pelo Exército Vermelho, o Comité Revolucionário
nacionalizou a indústria, confiscou os latifúndios assim como as terras dos conventos. Os
camponeses foram libertados das suas dívidas. Por proposta de Dzerjínski, as terras dos
latifúndios deveriam ser distribuídas pelos camponeses. Porém, o Comité Revolucionário
entregou as terras ao Comité dos Camponeses para a criação de herdades do Estado. Esta
decisão veio a revelar-se como um grave erro.130
O impulso revolucionário provocado pelos êxitos do Exército Vermelho no movimento
operário polaco foi, entre outros, manifestamente sobrestimado também por Lénine.
Retrospectivamente, Lénine declarou no seu discurso perante o Congresso dos
127
Idem, ibidem, p. 286 e seg. [Idem, ibidem, p. 324. (N. Ed.)]
128
Idem, ibidem, p. 287. [Idem, ibidem, p. 325. (N. Ed.)]
129
Idem, ibidem, p. 291. [«Sobre a situação na frente Sul, entrevista ao jornalista da UkrROSTA», 24
de Junho de 1920, I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 331. (N. Ed.)]
130
Ver Berchin, op. cit., pp. 181 e 845, nota de rodapé 58.
37
Trabalhadores dos Curtumes, em 2 de Outubro de 1920: «Na nossa conferência do nosso
partido, que terminou há alguns dias, tivemos oportunidade de ouvir o relatório de um
operário polaco, representante de um dos maiores sindicatos da Polónia, que se
esgueirou de Varsóvia e contou as perseguições que são movidas contra os operários na
Polónia, como os operários de Varsóvia viam um libertador no Exército Vermelho,
como esperavam pelo Exército Vermelho russo, considerando-o não como seu inimigo,
mas pelo contrário um seu amigo na luta contra os pans, contra os opressores
burgueses da Polónia.»131
O derrube da regência de Pilsudski na Polónia, segundo Lénine, teria levado ao
desmoronamento de todo o sistema imperialista, tal como se tinha formado de acordo
com o Tratado de Versalhes.132 Na perspectiva de 1920, esta não era uma afirmação
injustificada, mas também não era mais que uma possibilidade. Stáline foi mais sagaz
nesta questão quando disse que seria errado acreditar «que tudo estava terminado na
nossa frente com os polacos». Eles tinham o apoio de «toda a Entente». Os polacos
dispunham ainda de reservas. A «desagregação numa escala de massas ainda não tinha
afectado o exército polaco. Havia ainda pela frente «violentos combates». Stáline
criticou a «fanfarronice» e a «arrogância» de «certos camaradas», mas não referiu
nomes (evidentemente que se tratava de Trótski), alguns dos quais «gritam por uma
“marcha sobre Varsóvia”» e efabulam sobre uma «Varsóvia soviética vermelha.»133
A partir da Crimeia, por exigência da Entente, Wrangel iniciara uma ofensiva para
«aliviar a situação difícil da Polónia». Stáline era da opinião de que esta ofensiva «tinha
aliviado sensivelmente» a situação da Polónia. E afirmou «categoricamente» que «sem o
empenhamento de todas as forças na retaguarda, não poderemos vencer na frente».134
Um telegrama de Stáline para Lénine, de 25 de Junho de 1920, é esclarecedor sobre a
frente na Crimeia, descrevendo de forma concisa a situação existente.
131
LW 31/294. [«Discurso no Congresso de Operários e Empregados da Indústria de Curtumes», 2 de
Outubro de 1920, V.I. Lénine, ed. cit., tomo 41, pág. 322. (N. Ed.)]
132
Idem, ibidem, p. 296 e seg. [Idem, ibidem, p. 325. (N. Ed.)]
133
SW 4/293. [«Sobre a situação na frente Sul» I.V. Stáline, tomo 4, pp. 332-332. (N. Ed.)]
134
Idem, ibidem, p. 294. [Idem, ibidem, pp. 333-334. (N. Ed.)]
38
Publicado pela primeira vez no Pravda n.º 313, 14 de Novembro de 1935.135
Numa conversa com um jornalista do Pravda (11 de Julho de 1920), Stáline advertiu
de novo contra uma «marcha sobre Varsóvia»136 e analisou com precisão a situação na
frente polaca e no Sul contra Wrangel.
Avaliando o trabalho da cavalaria de Budiónni na abertura da brecha na frente polaca
e a reconquista de Jítomir, Stáline chamou a atenção para «a resistência desesperada
dos polacos.»
Antes de Budiónni ter conseguido romper a frente, «os polacos, diferentemente de
Deníkine, cobrindo os mais importantes pontos da frente com uma série de trincheiras e
barreiras de arame farpado, combinaram com êxito a guerra de manobras com a
guerra de trincheiras. Com isto dificultaram significativamente o nosso avanço.»137
Segundo refere, os polacos combateram com extrema determinação. «Só depois da
ruptura, os polacos começaram a entregar-se em grupos e a desertar em massa», no
que Stáline viu «os primeiros sinais da quebra da firmeza das tropas polacas».
Apesar dos êxitos da cavalaria em Jítomir, Stáline considera que seria «fanfarronice
indigna pensar que se deu cabo dos polacos no essencial e que nos resta apenas
“marchar sobre Varsóvia”».138
A Polónia não estava sozinha. A Entente apoiava-a contra a Rússia Soviética.
Possuíam reservas. «Na retaguarda das nossas tropas surgiu um novo aliado da
Polónia – Wrangel», que, apesar das contradições entre os guardas brancos e a Polónia
«chegou a um entendimento e já opera com eles de comum acordo.»
Wrangel ameaça «rebentar com os frutos das nossas vitórias sobre os polacos.»139
«É evidente que a frente de Wrangel constitui o prolongamento da frente polaca,
com a diferença, porém, de que Wrangel opera na retaguarda das nossas tropas que
lutam contra os polacos, isto é, no ponto mais perigoso para nós.
«Por isso é ridículo falar de uma “marcha sobre Varsóvia” e, em geral, da solidez dos
nossos êxitos, enquanto não for eliminado o perigo que Wrangel representa.
Entretanto, Wrangel reforça-se, e não se vê que estejamos a fazer algo de especial e
sério contra a crescente ameaça do Sul.»140
Num projecto de carta do CC dirigida a todas as organizações do partido, redigido em
Julho de 1920, Stáline faz uma avaliação resumida do exército de Wrangel. Este texto
contém informações sobre a perigosidade deste exército para a Rússia Soviética.
Em torno de Wrangel tinha-se reunido «um grupo de generais experientes, arrojados
e sanguinários, que não se detém perante nada». Nas unidades, os soldados «têm uma
excelente coesão, batem-se temerariamente e preferem suicidar-se a ser feitos
prisioneiros.
135
Idem, ibidem, p. 295. [«Telegrama a V.I. Lénine», 25 de Junho de 1920, I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4,
p. 335. (N. Ed.)]
136
Idem, ibidem, pp. 296-300. [«Sobre a situação na frente polaca: entrevista com o jornalista do jornal
Pravda», Pravda, n.º 151, 11 de Julho de 1920, I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, pp. 336-341. (N. Ed.)]
137
Idem, ibidem, p. 297. [Idem, ibidem, p. 338. (N. Ed.)]
138
Idem, ibidem, p. 289 e seg. [Idem, ibidem, p. 339. (N. Ed.)]
139
Idem, ibidem, p. 299. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
140
Idem, ibidem. [Idem, ibidem, p. 340. (N. Ed.)]
39
«Tecnicamente, as tropas de Wrangel estão melhor apetrechadas que as nossas,
prossegue o fornecimento de tanques, carros blindados, aviões, munições e
fardamentos a partir do Ocidente, apesar da declaração da Inglaterra sobre a
suspensão dos fornecimentos.
«(…) As nossas tropas (…) estão misturadas com prisioneiros de guerra, antigos
soldados de Deníkine, que frequentemente se passam para lado do inimigo». Para se
conseguir uma reviravolta na frente «é necessário depurar estas tropas dos antigos
prisioneiros de guerra e fornecer-lhes grandes contingentes de comunistas voluntários
ou mobilizados». A Rússia tem de reconquistar «custe o que custar» a Crimeia, «porque,
caso contrário, a Ucrânia e o Cáucaso estarão sempre sob a ameaça dos inimigos da
Rússia Soviética.»141
No projecto de carta, Lénine escreveu a seguinte nota dirigida ao secretário do CC:
«Defendo o envio imediato como uma coisa indiscutível.» A carta foi enviada a todas as
organizações do partido na segunda quinzena de Julho de 1920.
Em 16 de Agosto de 1920, as tropas polacas infligiram uma pesada derrota ao Exército
Vermelho às portas de Varsóvia. Aconteceu o que Stáline tinha previsto e prevenido.
Falkenhagen descreve esta derrota assim: «As tropas da frente ocidental (as tropas que
operavam na zona Norte contra os agressores polacos) aproximaram-se de Varsóvia. A
derrota total das tropas polacas estava iminente. Todavia, por culpa de Trótski e de
Tukhatchévski, cometeram-se graves erros tácticos no avanço sobre Varsóvia. Não se
deixou as tropas vermelhas consolidar as posições conquistadas. As unidades da frente
avançaram demasiado, deixando reservas e munições na retaguarda.
«A linha da frente foi irresponsavelmente prolongada e como consequência facilitou-
se a sua ruptura por parte da contra-ofensiva polaca. Para aliviar as tropas vermelhas
que operavam perto de Varsóvia, Stáline queria ocupar Lemberg e avançar mais para
Ocidente e Noroeste. Se as operações fossem bem organizadas, teriam seguramente
garantido a derrota total das tropas polacas. Mas Trótski, na sua qualidade de
presidente do Conselho Militar Revolucionário da República, proibiu a ocupação de
Lemberg. Ordenou a transferência da Cavalaria I, isto é, a força principal da frente
sudoeste, para Nordeste, o que se revelou um erro devastador. Não permitiu a salvação
da frente norte e não o podia fazer, já que a cavalaria, devido à distância, não
conseguiu chegar a tempo ao local pretendido e, além disso, foi ainda dirigida para a
parte errada da frente. Os polacos iniciaram com êxito o cerco. Depois da ruptura [da
frente soviética], no Norte reinava o pânico completo. Trótski e Tukhatchévski
mostraram-se incapazes até de assegurar uma retirada em boa ordem. Em
consequência, as tropas vermelhas que se encontravam às portas de Lemberg tiveram
também de retirar, embora aqui, ao contrário do caótico combate na frente de
Varsóvia, tudo se desenrolou de forma mais ou menos ordenada e com poucas baixas.
Trótski, que tinha enviado as tropas vermelhas para a ofensiva, com promessas
fanfarronas de levar a revolução até à Alemanha, para confirmar a sua teoria da
“revolução permanente”, acabava de falhar miseravelmente e há todas as razões para
supor que poderá ter provocado a derrota com intuitos secretos. Mais tarde, admitiu-o
141
Idem, ibidem, p. 303. [«A todas as organizações do partido: projecto de carta do CC do PCR(b)»,
escrito em Julho de 1920, I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, pp. 344-345. (N. Ed.)]
40
indirectamente na sua obra A Minha Vida (russo, págs. 443-446), ao afirmar que nunca
dera importância alguma ao avanço para Varsóvia e mais além.
As ordens dadas por Trótski ainda hoje provocam um abanar de cabeça nos círculos
de especialistas militares. Com toda a razão, Stáline qualificou a ordem de Trótski,
para que as tropas vermelhas no Sul não avançassem mais, como perniciosa, que
andava perto da alta traição. “Foi uma ajuda directa à burguesia polaca e aos
latifundiários, assim como às potências da Entente.”»142
Numa nota ao Politburo do CC do PCR(b), de 25 de Agosto, e numa declaração
também ao Politburo, de 30 de Agosto, Stáline analisou as causas da derrota e retirou
lições que foram importantes para a teoria militar.143
A «principal insuficiência do nosso exército», notou Stáline, reside na «ausência de
reservas de combate sérias». Por isso era necessário constituir poderosas reservas
«passíveis de serem enviadas para a frente a qualquer momento». Em nove pontos
traçou um «programa para a criação de reservas de combate da República», que
continha medidas exigidas pela situação concreta nas frentes da Rússia Soviética, no
Outono de 1920, cuja validade não pode ser generalizada.
Devia-se prosseguir o normal reforço das divisões aptas para o combate e evacuar de
imediato para a retaguarda as divisões inaptas para o combate. As divisões de infantaria
a retirar deviam ser concentradas em regiões «imprescindivelmente cerealíferas», de
onde pudessem ser enviadas rapidamente para as frentes de Wrangel, polaca ou romena,
consoante as circunstâncias. As divisões deviam ser completadas e abastecidas de modo a
aumentar cada uma delas até sete ou oito mil homens. Deviam estar prontas a entrar em
acção a 1 de Janeiro de 1921. Devia-se igualmente reforçar até Janeiro as unidades de
cavalaria operativas: o I Exército de Cavalaria com dez mil homens, o segundo com oito
mil e o corpo de Gai144 com seis mil homens. No prazo de dois meses deveriam ser
constituídas cinco brigadas de cavalaria, cada uma com 1500 homens. Particular atenção
deveria ser dada à reparação e fabrico de automóveis, à indústria de blindagem –
principalmente a blindagem de automóveis – reforçar «por todos os meios» a indústria
de aeronáutica.145
Para a época, este programa provou estar correcto sob o ponto de vista militar e
corresponder à situação existente. A relação entre produção, armamento, abastecimento
e formação de reservas era equilibrada. Era um programa muito intenso. Isto torna-se
evidente se calcularmos a quantidade de rações necessária ao abastecimento da cavalaria,
que só em reforços iria receber 24 mil cavalos. Daí também a indicação de regiões
«imprescindivelmente cerealíferas». Mas os abastecimentos para as tropas em combate
assim como para as reservas também tinham de ser transportados. E nem sequer
referimos as munições e as armas de substituição. Interessante é a indicação de reforçar a
indústria de aeronáutica «por todos os meios». Stáline, pelos vistos, já tinha
compreendido a importância de uma força aérea poderosa em futuras guerras.
142
Falkenhagen, op. cit., p. 50 e seg.
143
SW 4/305-308. [«Sobre a criação de reservas de combate da República», 25 e 30 de Agosto, I.V.
Stáline, ed. cit., tomo 4, pp. 346-350. (N. Ed.)]
144
Gai, Gaia Dmítrievitch, comandante do 3.º Corpo de Cavalaria (ver índice de nomes). (N. Ed.)
145
Idem, ibidem, p. 306 e seg. [I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, pp. 346-348. (N. Ed.)]
41
Stáline exprimiu críticas severas a Trótski, que nunca fizera a mínima «alusão a um
plano de formação de reservas».146
As experiências da campanha de Verão (Urais, Sibéria, Cáucaso do Norte) tinham
mostrado que as reservas chegavam com grande atraso, com pouca ou nenhuma
instrução, e que não existiam unidades específicas de reservas. O período de formação e
de completamento tinha de ser previsto com antecedência. O «trabalho planificado»
para a formação «de reservas sérias» tinha de ser iniciado de imediato. Se Trótski
pensava «erroneamente» que o abastecimento não era «o mais importante», então a
guerra civil tinha demonstrado o contrário. Metade de todas as «camisas» e «botas»
dadas aos soldados tinha ido parar aos camponeses! Os soldados trocavam-nas por leite,
manteiga e carne, e continuariam a fazê-lo para obterem em troca «aquilo que nós não
estamos em condições de lhes dar».147
Stáline critica a «”doutrina” perniciosa» segundo a qual caberia aos organismos civis
o abastecimento das tropas, e tudo o resto era da competência do estado-maior de
campanha. Exige «insistentemente» que os órgãos militares elaborem de imediato um
plano concreto para a criação de reservas militares, sublinhando que o CC deve
«conhecer e controlar todo o trabalho dos órgãos da administração militar».148
A exposição de Stáline encontrou a sua confirmação no relatório de Lénine no X
Congresso do PCR(b) (8-16 de Março de 1921):
«Depois desta circunstância fundamental, que determinou uma série de erros e
agudizou a crise, queria falar-vos de como surgiram no trabalho do partido e na luta de
todo o proletariado uma série de discrepâncias ainda mais profundas, erros de cálculo
ou de planeamento – e não só incorrecções do plano, mas também incorrecções na
avaliação da correlação de forças entre a nossa classe e aquelas classes com as quais,
em colaboração mas também por vezes em confronto, ela tem de decidir sobre os
destinos da República. Partindo deste ponto de vista temos de nos debruçar sobre os
resultados do passado, sobre a experiência política, sobre o que o CC, visto que dirigiu a
política, deve explicar a si próprio e procurar esclarecer todo o partido. Trata-se de
acontecimentos tão variados como o desenrolar da nossa guerra com a Polónia, a
questão dos víveres e dos combustíveis. Na nossa ofensiva, ao avançarmos demasiado
rápido até às portas de Varsóvia, sem dúvida que se cometeu um erro. Não irei agora
analisar se foi um erro estratégico ou político, já que isso me levaria demasiado longe;
penso que deverá ser um assunto para futuros historiadores, uma vez que aqueles que
são obrigados a continuar, numa luta difícil, a rechaçar todos os inimigos, não podem
dedicar-se a investigações históricas. Em todo o caso o erro é evidente, e este erro deve-
se ao facto de termos sobrestimado a superioridade das nossas forças. Em que medida
esta superioridade de forças dependeu das condições económicas, em que medida
dependeu do facto de a guerra com a Polónia ter despertado sentimentos patrióticos
mesmo entre elementos pequeno-burgueses, de modo algum proletários, que não
simpatizavam de maneira nenhuma com o comunismo, que não apoiavam
incondicionalmente a ditadura do proletariado, e até por vezes, devemos dizê-lo, não a
146
Idem, ibidem, p. 307. [Idem, ibidem, pp. 348. (N. Ed.)]
147
Idem, ibidem, p. 308. [Idem, ibidem, p. 349. (N. Ed.)]
148
Idem, ibidem. [Idem, ibidem, pp. 349-350. (N. Ed.)]
42
apoiavam de todo – elucidar tudo isto seria demasiado complicado. Mas um facto é
evidente: na guerra com a Polónia cometemos um determinado erro.»149
As consequências deste erro chegam até ao presente. Sobre isto o autor polaco Stefan
Warynski, de Varsóvia, no seu artigo «Gémeos siameses», escreveu: «Desde o início que
o anticomunismo e o anti-sovietismo surgiram na Polónia como gémeos siameses. Na
Primavera de 1920, o governo de Varsóvia invadiu o território soviético. Numa contra-
ofensiva, o Exército Vermelho expulsou os invasores e em Agosto encontrava-se junto
ao Vístula. A supremacia temporária e o cálculo político errado levaram o Conselho dos
Comissários do Povo a instalar nas regiões ocupadas com população polaca um
governo provisório pró-soviético e a iniciar transformações revolucionárias. A
população teve um comportamento reservado face às mudanças, e de qualquer forma
estas só iriam durar algumas semanas. Mas a campanha soviética em terras polacas
revelou-se um erro político e estratégico-militar sobretudo porque os 123 anos de
domínio tsarista nesta região tinham terminado só em 1918. Assim a burguesia polaca
conseguiu mobilizar todas as classes e estratos para “defender a pátria”. Em 15 de
Agosto, as tropas polacas iniciaram a contra-ofensiva. Rechaçaram o Exército
Vermelho até bastante para lá da Bielorrússia. Mais tarde foi imposta à Rússia
Soviética uma paz humilhante. Desde então – e de novo a partir de 1990 – esse dia de
Agosto tornou-se feriado oficial.
Esta vitória do país, na época apoiado militar e economicamente pelo Ocidente,
sobre o jovem poder soviético foi interpretada por muitos polacos do seguinte modo:
tsar ou comunistas, os russos não deixam de ser russos. O seu objectivo é subjugar a
Polónia, os russos são expansionistas e – custe o que custar – não se deve deixá-los em
território polaco, visto que de imediato tratam de acelerar a revolução social. Os
comunistas polacos são criados dos russos, pretendendo, de uma forma especialmente
pérfida, destruir a alma do seu próprio povo, a sua identidade nacional e a fé católica.
Contudo, a pequena Polónia, enquanto baluarte antibolchevique e defensora da
civilização cristã-europeia, demonstrou que é capaz de resistir a um adversário
numericamente superior e até vencê-lo militarmente. Esta avaliação irrealista é um dos
factores mais importantes que explica o facto de os anticomunistas polacos terem sido e
continuarem a mostrar-se especialmente motivados, resistentes, obstinados e
insensatos. A vitória de 1920 foi interpretada pela Igreja Católica – a força
anticomunista mais poderosa na Polónia – como “o milagre do Vístula” na luta contra o
“Anticristo”. Esta derrota do Exército Vermelho havia salvado a Europa dos
Vermelhos.»150
O anticomunismo, uma ampla russofobia com profundas raízes na história, ideologia
que é apoiada e santificada pelo clero na sociedade polaca, assim como a sua situação
estratégica fazem com que a Polónia desempenhe hoje um papel importante como posto
avançado da NATO contra a Rússia.
Tal como as potências da Entente utilizaram a Polónia como ponta de lança contra a
jovem República Soviética. A invasão da URSS pela Wehrmacht fascista, em 22 de Junho
149
LW 32/171. [«Relatório sobre a actividade política do CC do PCR(b)», 8 de Março de 1921, X
Congresso do PCR(b), V.I. Lénine, ed. cit., tomo 43, pp. 10-11. (N. Ed.)]
150
Rotfuchs, Ano 5, n.º 51, Abril de 2002, p. 19. [«Raposa Vermelha», revista dirigida por Klaus
Steiniger. (N.T)]
43
de 1941, partiu de solo polaco, e também hoje a Polónia se encontra na primeira fila para
uma intervenção na Rússia, caso aí venham a eclodir revoluções sociais, que não são
aceitáveis pelo capital monopolista internacional, nomeadamente o alemão, ou na
eventualidade de uma ordinária guerra de rapina.
A Polónia da NATO tornou-se de novo numa ameaça para a Rússia – uma situação
que não deve passar despercebida aos militares russos.
Interessante e actual é uma observação de Stáline sobre a situação no Cáucaso em
Novembro de 1920. A grande importância do Cáucaso resultava não só das matérias-
primas, combustíveis e dos víveres existentes, mas também da sua situação geográfica,
entre a Europa e a Ásia, especialmente entre a Rússia e a Turquia, com vias de
comunicação de suma importância económica e estratégica (Batum-Baku, Batum-Tabriz,
Batum-Tabriz-Erzurum).151
Nessa altura, a Entente dominava Constantinopla, a chave para o Mar Negro, e
desejaria conservar «a estrada directa para o Oriente através da Transcaucásia. Quem
por último se afirmará no Cáucaso, quem irá aproveitar o petróleo e as mais
importantes estradas para o interior da Ásia, a revolução ou a Entente? – nisto reside
toda a questão.»152
O plano do capital monopolista alemão na II Guerra Mundial previa a conquista desta
região – do petróleo e dos cereais – como um objectivo prioritário da sua guerra de
agressão contra a União Soviética. Esta guerra de conquista teria igualmente acontecido
caso a Rússia tsarista se tivesse mantido. Hitler não foi mais do que o executor da
vontade da parte mais reaccionária e rapace do capital monopolista alemão. A derrota do
6.º Exército em Stalingrado, em Fevereiro de 1943, provocou o fim destes sonhos.
Depois da destruição contra-revolucionária da União Soviética em 1991, os grandes
trusts do petróleo, e não só estes, introduziram-se de novo na região da Transcaucásia. A
situação estratégica do Cáucaso, o caminho para a Ásia Central através da antiga
República Soviética, criou o contexto da guerra na Tchetchénia. Saberemos porventura
mais tarde quem realmente se encontra por trás dos separatistas tchetchenos.
A transformação, em 1920, de Tiflis «numa base das actividades contra-
revolucionárias», a formação de «governos burgueses no Azerbaijão, no Daguestão e
nos povos das montanhas da região de Tersk (…) com os meios da Entente e a ajuda da
Geórgia burguesa», mostram «que os velhos lobos da Entente não dormem». As
«garras rapaces da Entente» estavam estendidas para o petróleo de Baku.
Nos anos 20, a Geórgia era «a base principal das operações imperialistas da
Inglaterra e França.»153
Setenta anos de poder soviético no Cáucaso haviam cortado «as garras rapaces» das
potências imperialistas, até que, em 1991, um Gorbatchov no Krémlin e um
Chevardnádze em Tiflis abriram de novo o Cáucaso às potências imperialistas. E se
Stalingrado obrigou à retirada das tropas fascistas alemãs do Cáucaso, hoje o
151
SW 4/360. [«A situação no Cáucaso, entrevista com o jornalista do jornal Pravda», Pravda n.º 269,
de 30 de Novembro de 1920, I.V. Stáline, ed. cit., tomo 4, p. 408. (N. Ed.)]
152
Idem, ibidem. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
153
Idem, ibidem, p. 360 – 362. [Idem, ibidem, pp. 409-410. (N. Ed.)]
44
Bundeswehr tem de novo um contingente, ainda que pequeno e provisoriamente, na
Geórgia, ao lado das tropas dos EUA. (Março de 2003, UH)
É possível que os imperialistas alemães e estrangeiros e os seus berloques revisionistas
nos chamados partidos «de esquerda» se assustem quando na Rússia se ouvem vozes que
querem mudar de novo o nome de Volgogrado para Stalingrado. Para o imperialismo
alemão, e não só alemão, Stalingrado continua a ser um mau presságio.
***
154
SW 5/141-158. [«Sobre a questão da estratégia e táctica dos comunistas russos», publicado no
Pravda n.º 56, em 14 de Março de 1923, I.V. Stáline, ed. cit., tomo 5, p.163. (N. Ed.)]
155
Idem, ibidem, p. 144. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
156
Idem, ibidem, p. 146. [Idem, ibidem, p. 166. (N. Ed.)]
45
decorrem de acordo com leis abstractas da condução da guerra, da «lógica», mas
dependem de vários factores – da «situação concreta» que Stáline refere, e inclusive do
acaso.
Assim Clausewitz considera: «A condução da guerra é então, portanto, a disposição e
a direcção da luta. Se esta luta fosse um único acto, não haveria nenhuma razão para
uma divisão ulterior; mas a luta é constituída por um número mais ou menos vasto de
actos únicos, fechados em si próprios, a que chamamos batalhas, (…) e que formam
novas unidades. Daqui resulta então a actividade muito diferente de dirigir e ordenar
em si estas batalhas e ligá-las entre si para a finalidade da guerra. A uma foi chamada
táctica, à outra estratégia.»157
Segue-se a sua definição: «De acordo com a nossa divisão, portanto, a táctica é o
ensinamento sobre o uso das forças armadas na batalha, a estratégia é o ensinamento
sobre o uso da batalha na luta pelo objectivo da guerra.»158 E o objectivo da guerra é
determinado pela política.
Da relação entre a estratégia e a táctica, Stáline deduz que os «resultados» das acções
tácticas não devem ser «avaliados por si próprios, do ponto de vista do efeito imediato,
mas do ponto de vista dos objectivos e possibilidades da estratégia.»159 Êxitos tácticos
podem facilitar a concretização de objectivos estratégicos, mas não obrigatoriamente.
Neste contexto, Stáline aprofundou mais uma vez a guerra dos senhores polacos contra a
República Soviética (1920) e a Paz de Brest:
«Ocorrem também momentos em que êxitos tácticos, que são brilhantes pelos seus
efeitos imediatos mas não correspondem às possibilidades estratégicas, criam uma
situação “inesperada” e desastrosa para toda a campanha. Essa foi a situação de
Deníkine no final de 1919, quando, entusiasmado com o êxito fácil do rápido e
espectacular avanço sobre Moscovo, estendeu a sua frente desde o Volga até ao Dniepr,
e preparou assim o descalabro dos seus exércitos. Essa foi a situação em 1920, durante
a guerra contra a Polónia, quando nós, subestimando a força do elemento nacional na
Polónia e entusiasmados com o êxito fácil de um avanço espectacular, assumimos o
objectivo superior às nossas forças de penetrar na Europa através de Varsóvia e
colocámos a esmagadora maioria da população polaca contra as tropas soviéticas,
criando desse modo uma situação que anulou os êxitos das tropas soviéticas em Minsk e
Jítomir e socavou o prestígio do poder soviético no Ocidente.
«Finalmente ocorrem ainda momentos em que se tem de abdicar do êxito táctico e
aceitar conscientemente desvantagens e perdas para garantir vantagens estratégicas
no futuro. Isto acontece frequentemente na guerra quando um dos lados, desejando
salvar o quadro das suas tropas e preservá-las dos golpes das forças superiores do
adversário, inicia uma retirada planeada e entrega sem combate cidades e regiões
inteiras para ganhar tempo e reunir forças para novos combates decisivos no futuro.
Essa foi a situação na Rússia em 1918, durante a ofensiva alemã, quando o nosso
partido foi obrigado a aceitar a Paz de Brest, que representou uma enorme
desvantagem do ponto de vista do efeito político imediato nessa altura, para manter a
157
Carl von Clausewitz, Da Guerra, Primeira Parte, Primeiro Livro, I Capítulo, Edição de Jubileu,
Janeiro de 2003, conforme primeira edição de 1832 e segunda edição de 1853, Munique, 2003, p. 92.
158
Idem, ibidem, p. 93.
159
SW 5/146. [Idem, ibidem, pág.166. (N. Ed.)]
46
aliança com o campesinato sequioso de paz, obter uma pausa, criar um novo exército e
desse modo vantagens estratégicas no futuro.
Dito de outro modo: a táctica não pode submeter-se a interesses transitórios do
momento, não pode guiar-se por considerações de efeitos políticos imediatos e, mais
ainda, não deve afastar-se da terra e construir castelos no ar – a táctica deve ser
elaborada em conformidade com os objectivos e possibilidades da estratégia.
A tarefa da táctica, guiando-se pelas directrizes da estratégia e tendo em conta a
experiência da luta revolucionária dos operários de todos os países, consiste antes de
mais na definição das formas e métodos de luta que correspondem em maior grau à
situação concreta de luta em cada dado momento.160
Na primeira parte sobre as «bases teóricas» deixei em aberto se e com que
profundidade Stáline já conhecia a obra Da Guerra em 1918. Concluindo este capítulo
pode afirmar-se: conhecendo ou não nessa altura a obra de Clausewitz, actuou de acordo
com as suas afirmações. Não é de excluir que Stáline, considerando os seus
conhecimentos sobre materialismo histórico e as suas capacidades analíticas, tenha, por
caminhos empíricos, chegado por si próprio aos mesmos conhecimentos que Clausewitz.
160
Idem, ibidem, p.147 e seg. Sobre a estratégia e a táctica ver também Pequeno Dicionário Político, 3ª
ed. revista, Dietz Verlag, Berlim, 1978, p. 888 e seg.
47
Índice de Nomes sendo julgado e condenado a fuzilamento em
1938 no âmbito do processo do «Bloco
(acrescentado pela edição portuguesa)
Trotskista de Direita», que se propunha
restabelecer as relações de produção capitalistas
Antónov, Aleksei Innokéntievitch (1896- na Rússia.
1962), membro do partido desde 1928. Oficial
militar na I Guerra, ingressou no Exército Chápochnikov, Boris Mikháilovitch (1882-
Vermelho em 1919, exercendo funções docentes 1945), membro do partido desde 1930,
na Academia Militar Frúnze entre 1938 e 1941. candidato do CC desde 1939. Oficial no exército
Na II Guerra é nomeado chefe do Estado-Maior tsarista, entra voluntariamente para o Exército
de várias frentes, participa nas conferências de Vermelho em 1918, sendo condecorado em 1921
Ialta e de Potsdam. Em 1945 é nomeado chefe do pelo seu papel na Guerra Civil. Ajudante do
Estado-Maior General e membro do Estado- Chefe de Estado-Maior (1921-25), comandou as
Maior do Comando Supremo. Em 1955 é chefe regiões militares de Leningrado e Moscovo
do Estado-Maior das Forças Armadas do (1925-28) e foi chefe do Estado-Maior (1928-31),
Tratado de Varsóvia. chefe do Estado-Maior General do Exército
Vermelho (1937-40) e vice-comissário da Defesa
Barclay de Tolly, Michael Andreas, nome (1940-41). Mal a guerra rebenta é novamente
russo Mikhail Bogdánovitch (1761-1818), foi nomeado chefe do Estado-Maior General
marechal e ministro de Guerra da Rússia (Julho/41-Junho/43). Ocupa depois o cargo de
durante a invasão napoleónica, em 1812, e as chefe da Academia Militar do Estado-Maior,
subsequentes campanhas do exército russo na falecendo, vítima de doença grave, 44 dias antes
Europa. Na etapa inicial da guerra foi da Vitória.
comandante supremo das forças armadas, sendo
depois substituído por Kutúzov. D'Abernon (visconde de), Edgar Vincent,
(1857-1941), político conservador, diplomata e
Budiónni, Semióne Mikháilovitch (1883- escritor britânico, integrou a missão conjunta
1973), membro do partido desde 1919, do CC dos aliados na Polónia em 1920, durante a
(1934-52), candidato (1952-54). Participou na guerra russo-polaca, cuja experiência descreveu
guerra russo-nipónica e na I Guerra. Foi o no livro The eighteenth decisive battle of the
fundador do primeiro Exército de Cavalaria da world: Warsaw, 1920 (1931) («Varsóvia: a
URSS. Recebeu as mais altas condecorações décima oitava batalha decisiva do mundo»).
pelos serviços prestados na Guerra Civil.
Comandante da Região Militar de Moscovo em Deníkine, Anton Ivánovitch (1872-1947),
1937, integra o Estado-Maior durante a II tenente-general, foi um dos principais chefes do
Guerra e comanda várias frentes até 1942. Em exército branco desde a sua formação. Em 1918,
1954 é aposentado. após a morte de Kornílov, torna-se o chefe
supremo das forças brancas do Sul da Rússia.
Bukhárine, Nikolai Ivánovitch (1888-1938), Emigra em 1920, residindo inicialmente em
membro do partido desde 1906, do CC (1917- França e, após a II Guerra, nos EUA, onde vem a
34), candidato (1934-37), do Politburo (1924- falecer de ataque cardíaco.
29), candidato desde 1919. Economista e
publicista, liderou os «comunistas de esquerda» Dzerjínski, Feliks Edmúndovitch (1877-
após a Revolução de Outubro, opondo-se ao 1926), membro do partido desde 1895, do CC em
Tratado de Paz de Brest-Litovsk. Protagoniza a 1907 e a partir de 1917, candidato do Politburo
partir de 1929 a corrente de direita que se opõe à (1924). Foi um dos dirigentes da revolução de
colectivização e industrialização acelerada. 1905-07. Preso e exilado durante vários anos,
Expulso do Partido em 1937, é detido nesse ano, integrou o Centro Militar Revolucionário do
48
partido na Revolução de Outubro. Em 1917 Nov. de 1919), emigra para a Inglaterra e depois
torna-se presidente da Comissão Extraordinária para França onde falece.
de Toda a Rússia (Tcheka) e comissário para os
Assuntos Internos (1919-23). Janin, Maurice (1862-1946), general francês
responsável pelo contingente militar na Rússia
Erdéli, Ivan Grigórievitch (1870-1939), durante a I Guerra e a guerra civil. Foi
general de Cavalaria, foi um dos fundadores do comandante-em-chefe do corpo checoslovaco e
Exército de Voluntários branco. Comandante do das tropas da Entente na Rússia.
11.º Exército (1917), participou no golpe de
Kornílov, tendo então sido preso e demitido. Kámenev, Lev Boríssovitch, verdadeiro
Foge para o Don onde se torna um dos chefes apelido Rosenfeld, (1883-1936), membro do
das forças brancas. Em 1920 emigra para França partido entre 1901 e 1927, 1928-32 e 1933-34, do
aí fixando residência. CC entre 1917 e 1918 e 1919-27, do Politburo em
1917 e entre 1919 e 1925 (candidato em 1926).
Frúnze, Mikhail Vassílievitch (1885-1925), Tal como Zinóviev opôs-se à insurreição armada
membro do partido desde 1904, do CC desde de 25 de Outubro (7 Novembro) de 1917. Apesar
1921 e candidato do Politburo em 1924. disso, logo após a revolução ocupa por um breve
Destacou-se como chefe militar do Exército período o posto de chefe de Estado, como
Vermelho durante a guerra civil. Em 1924 é presidente do Comité Executivo Central de Toda
nomeado comissário para os Assuntos Militares a Rússia, entre 27 Outubro (9 Novembro) e 8
e Navais da URSS e, no ano seguinte, presidente (21) de Novembro de 1917. Torna-se um dos
do Conselho Militar Revolucionário da URSS. líderes da oposição entre 1925 e 1927. Em 1927 é
Falece subitamente após uma operação a uma expulso do partido. Reintegrado no ano seguinte
úlcera no estômago. volta a ser expulso em 1932, ano em que é
exilado. Em 1933 é de novo admitido no partido,
Gai, Gaia Dmítrievitch, verdadeiro nome mas em Dezembro de 1934 é preso e julgado.
Gaik Bjichkian, (1887-1937) arménio, membro Depois de vários processos, é condenado e
do partido desde 1918, comandou a 24ª Divisão executado em 1936 no âmbito do processo do
de Atiradores e o I Exército da Frente Oriental. «Centro Trotskista-Zinovievista».
Durante a guerra russo-polaca comandou o 3.º
Corpo de Cavalaria, que interveio com êxito no Kámenev, Serguei Serguéievitch (1881-
flanco direito da frente ocidental e cobriu a 1936), oficial do exército tsarista, ingressou no
retirada do 4.º Exército em Agosto de 1920. Em Exército Vermelho em 1918, comandando a
1922 foi nomeado comissário da Guerra e do frente Leste entre Setembro de 1918 e Julho de
Mar da Arménia, seguindo depois a carreira 1919. É então nomeado comandante-em-chefe
docente em História e Ciência Militar, tornando- das Forças Armadas, cargo que exerce até 1924.
se professor da Academia Militar Júkovski em Desempenhou depois várias altas funções no
1933. exército e no Estado, tendo sido nomeado vice-
comissário dos Assuntos Militares e Marítimos
Iudénitch, Nikolai Nikoláievitch (1862- (1927-1934). Em 1930, no XVI Congresso do
1933), general de infantaria (1915), foi o PCU(b) entra para o partido. Explorador do
principal líder da contra-revolução no Noroeste Árctico, deixou vários trabalhos sobre a história
da Rússia. Em 1918 emigrou para a Finlândia, a da guerra civil e a construção do Exército
seguir para a Estónia, onde em Julho de 1919 Vermelho. Faleceu em 25 de Agosto de 1936
encabeçou o exército de guardas brancos do vítima de ataque cardíaco.
Noroeste que atacou Petrogrado, integrando
igualmente o governo do Noroeste formado em Kérenski, Aleksandr Fiódorovitch (1881-
colaboração com a Grã-Bretanha. Após o 1970), de origem nobre, foi ministro e ministro-
fracasso da campanha contra Petrogrado (Out.- presidente do governo provisório. Um dos
líderes da maçonaria russa e socialista-
49
revolucionário, emigrou em 1918 para França e série de jornais e revistas soviéticas e autor de
instalou-se nos EUA em 1940, desenvolvendo várias obras sobre história do movimento
uma intensa actividade anti-soviética. Faleceu revolucionário russo e polaco.
em Nova Iorque.
Kúibichev, Valeriáne Vladímirovitch (1888-
Kollontai, Aleksandra Mikháilovna (1872- 1935), membro do partido desde 1904, do CC
1952), membro do partido desde 1915, entre 1922 e 1923 e a partir de 1927, (candidato
participante na Revolução de Outubro em 1921-1922), do Politburo desde 1927.
Petrogrado. Membro do CC desde 1917, foi Responsável pela organização de Samara em
Comissária do Povo entre 1917 e 1918. Aderiu 1917, aproxima-se dos «comunistas de
aos «comunistas de esquerda» em 1918 e à esquerda» e opõe-se à paz de Brest. Integra o
«oposição operária» entre 1920 e 1922. Foi a Conselho Militar Revolucionário durante a
primeira mulher embaixadora no mundo. guerra civil, comissário da Inspecção Operária e
Representante de Negócios da URSS na Noruega Camponesa (1923-26), presidente do Conselho
(1923), no México (1926), embaixadora na Superior da Economia Nacional da URSS (1926-
Suécia (1930-1945). 30), presidente do Gosplan (1930-34).
52
Smírnov, Vladímir Mikhaílovitch (1887- socialista. Durante a I Guerra assume uma
1937), participante na revolução de 1905-07, posição internacionalista, o que lhe custa a
adere ao partido em 1907. Em Outubro de 1917 é prisão na Grã-Bretanha por propaganda
um dos dirigentes da revolta armada em antiguerra (1917). Em 1918, o poder soviético
Moscovo. Em 1918 torna-se Comissário do Povo intercede pela sua libertação trocando-o pelo
da Indústria e Comércio. Entre outros postos, embaixador britânico na Rússia tsarista. Entra
integra o presidium do Gosplan. Em 1927, no então para o partido dos bolcheviques, sendo de
XV Congresso é expulso e enviado para os Urais. imediato nomeado vice-comissário dos Negócios
Em 1935 é preso enquanto líder de uma Estrangeiros (1918), e é já nessa qualidade que
organização contra-revolucionária clandestina. participa na assinatura da paz de Brest. Em Abril
Em 1937 é julgado e condenado a fuzilamento. do mesmo ano substituiu Trótski como
comissário dos Negócios Estrangeiros em Abril
Sokólnikov, Grigóri Iákovlevitch (1888- de 1918, exercendo o cargo até 1930, altura em
1939), membro do partido desde 1905, do CC que o agravamento da doença da diabetes o
entre 1917 e 1919, candidato (1930-36), e do deixou incapacitado. Membro do CC do partido
Politburo em 1917, candidato (1924-25). Depois desde 1925, falava praticamente todas as línguas
da Revolução de Outubro desempenhou vários europeias e ainda várias asiáticas. A sua intensa
cargos partidários e governamentais. Expulso actividade diplomática deu um importante
em 1936, é julgado por actividades contra- contributo para quebrar o isolamento inter-
revolucionárias e condenado a dez anos de nacional da URSS.
prisão, onde foi assassinado por um recluso.
Trótski, Lev Davídovitch, verdadeiro apelido
Suvórov, Aleksandr Vassílievitch (1729- Bronstein, (1879-1940), aproxima-se do
1800), famoso generalíssimo russo, considerado movimento revolucionário em 1896, ano em que
até hoje um dos grandes estrategos da adere à União dos Operários do Sul da Rússia,
modernidade. Participou na Guerra dos Sete uma das primeiras organizações sociais-
Anos (1756-63), na campanha militar contra a democratas russas. Em 1902 vai para o
Confederação Polaca de Bar (1768-72), na guerra estrangeiro, conhece Lénine em Londres e
russo-turca (1768-74), combateu na Ucrânia e integra a redacção do jornal Iskra, mas logo em
na Crimeia, na guerra russo-turca (1787-91), na 1903 torna-se menchevique, opondo-se à criação
insurreição da Polónia (1794) e 2ª Guerra da do partido de novo tipo. Na revolução de 1905-
Coligação (1799-1801). 07 preside ao Soviete de Petersburgo, cargo que
ocupa de novo em 1917, mas só em Agosto desse
Sverdlov, Iákov Mikháilovitch (1885-1919), ano adere ao partido bolchevique com o grupo
membro do Partido desde 1901, do CC desde dos «inter-regionais». Membro do CC (1917-27),
1912, dirigiu o secretariado do CC desde 1917, do Politburo (1919-1926), integrou o primeiro
ano em que, por proposta de Lénine, ocupa o Comissariado do Povo da Rússia em 1917 e foi
posto de Chefe de Estado da Rússia Soviética, presidente do Conselho Militar Revolucionário
enquanto presidente do Comité Executivo (1918-25). É expulso do partido em 1927 e da
Central de Toda a Rússia (VTsIK). URSS em 1929 por actividades anti-soviéticas,
que prossegue nos vários países em que vive.
Tchitchérine, Geórgui Vassíliévitch (1872-
1936), de origem nobre, aproxima-se dos meios Tukhatchévski, Mikhail Nikoláievitch
revolucionários de Petersburgo nos finais do séc. (1893-1937), membro do partido desde 1918,
XIX. Em 1904 emigra e contacta com socialistas- candidato do CC desde 1934. Chefe militar
revolucionários e depois com mencheviques, durante a Guerra Civil, é nomeado vice-
sendo influenciado por Plekhánov. Adere ao comissário para os Assuntos Militares e
POSDR (menchevique) em 1905, mas torna-se Marítimos (1931-36), (Comissariado da Defesa a
igualmente membro do Partido Socialista partir de 1934), marechal da União Soviética
Britânico e outras organizações de orientação (1935). Preso em Maio de 1937, é julgado e
53
condenado à morte por espionagem, traição e (1921-61 e a partir de 1966), do Politburo (1926-
preparação de actos terroristas. 60), foi um dos organizadores do Exército
Vermelho. Herói da Guerra Civil, torna-se
Unchlikht, Ióssif Stanislávovitch (1879- comissário para os Assuntos militares e
1938), membro da Social-Democracia do Reino Marítimos (1925) e Comissário da Defesa (1934).
da Polónia e da Lituânia (1900) e do POSDR Marechal da União Soviética (1935), é nomeado
desde 1906, candidato do CC desde 1925. vice-presidente do Conselho de Ministros da
Integrou o Soviete de Petrogrado em 1917 e o URSS (1946), e presidente do Presidium do
Comité Revolucionário Provisório da Polónia Soviete Supremo da URSS (1953-60).
(1920). Participou na constituição dos órgãos de
segurança do Estado Soviético, tornando-se o Weygand, Maxime (1867-1965), general,
seu vice-presidente em 1921. Presidente do comandante-em-chefe das forças armadas
Conselho Revolucionário Militar (1925-30) e francesas em 1940. Em 1920 foi nomeado
comissário dos Assuntos Militares e Marítimos conselheiro do ditador polaco Józef Pilsudski e
da URSS, foi ainda responsável pela frota civil comandante da «missão militar francesa», que
(1923-35). Acusado no processo da «organização ajudou o exército polaco na guerra contra a
militar trotskista no Exército Vermelho», é preso Rússia soviética.
em 1938, julgado e condenado à morte.
Wrangel, Piotr Nikolaiévitch (1878-1928),
Vassiliévski, Aleksándr Mikháilovitch de origem nobre, tenente-general (1917),
(1895-1977), membro do partido desde 1938, do instalou-se na Crimeia, em 1918, onde se junta
CC (1952-1961). Marechal da União Soviética ao exército voluntário branco. Em Abril de 1920
(1943), coordenou as acções militares em várias é escolhido como comandante-em-chefe do
frentes na II Grande Guerra. Eleito deputado do chamado exército russo da Crimeia. Após a
Soviete Supremo da URSS (1946-58), foi derrota na Táurida do Norte e na Crimeia cruza
ministro das Forças Armadas (1949-53) e a fronteira, levando consigo uma parte do
primeiro vice-ministro da Defesa da URSS exército.
(1953-56).
Zinóviev, Grigóri Evséievitch, verdadeiro
Vatsetis, Ioakim Ioakímovitch (Jukums nome Evsei-Guerch Arónovitcht Radomílski,
Vācietis) (1873-1938), letão, coronel do exército (1883-1936), membro do partido entre 1901 e
tsarista, colocou-se ao lado do poder soviético 1927, 1928-32 e 1933-34, do CC entre 1912 e
durante a Revolução de Outubro. Em Março de 1927 (candidato desde 1907), do Politburo em
1918 torna-se comandante da divisão letã de 1917 e entre 1921 e 1926 (candidato desde 1919).
atiradores, em Julho, comandante da frente Apesar de se ter oposto à insurreição armada de
Leste, sendo nomeado em Setembro Outubro de 1917, ocupa o cargo de presidente do
comandante-em-chefe das Forças Armadas, Soviete de Petrogrado em Dezembro de 1917 e é
cargo que ocupa até Julho do ano seguinte. A novamente eleito para o CC em 1918. Preside ao
partir de 1922 lecciona na Academia Militar do Comité Executivo do Komintern entre 1919 e
Exército Vermelho. Em 1937 é preso acusado de 1926. Em 1927 é expulso do partido e exilado.
pertencer à «organização fascista letã» no Reintegrado em 1928, volta a ser expulso em
interior do exército. Confessou a sua 1932, preso e condenado a quatro anos de exílio.
participação na preparação de um golpe contra- Expressando arrependimento regressa ao
revolucionário, identificando mais de duas partido, mas em Dezembro de 1934 é de novo
dezenas de militares que com ele integravam o preso, julgado e condenado. Por fim, é
grupo fascista. É condenado a fuzilamento em sentenciado à morte em 1936, confessando-se
1938. culpado das actividades contra-revolucionárias
de que foi acusado.
Vorochílov, Kliment Efrémovitch (1881-
1969), membro do partido desde 1908, do CC
54
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (II)
• Ulrich Huar
O sistema de Versalhes trazia em si, desde o início, o gérmen de novas guerras, por um
lado, contra a Rússia Soviética (URSS, a partir de Dezembro de 1922), por outro, de guerras
inter-imperialistas entre Grã-Bretanha, França, EUA, Japão e Alemanha pela hegemonia em
determinadas regiões ou pela hegemonia mundial, com coligações diversas, condicionadas
pelos interesses e alterações na correlação de forças. A União Soviética representava uma
provocação social para o conjunto do sistema imperialista. Nos estados imperialistas, a União
Soviética e o PCU(b)1 desfrutavam de grande prestígio na classe operária e nos círculos da
intelligentsia. Apesar da derrota da revolução de Novembro na Alemanha assim como dos
movimentos revolucionários no Sudeste da Europa, o movimento comunista internacional,
organizado na Internacional Comunista (IC), ganhou influência a nível mundial. As colónias
e semi-colónias agitavam-se.
Revoluções nacionais-democráticas na Ásia, África e América Latina abalaram o conjunto
do sistema colonial. O sistema económico capitalista rebentava por todas as costuras.
Redução de salários, perda de direitos sociais conquistados, inflação, desemprego, assistência
deficiente aos milhões de inválidos da guerra, viúvas e órfãos caracterizavam o período do
pós-guerra nos países capitalistas. Com a crise económica mundial de 1929, uma crise
económica e política, crise geral do sistema capitalista, as lutas de classes nos estados
imperialistas agudizaram-se enormemente. Apesar da crise, a União Soviética foi o único
grande país a apresentar um elevado ritmo de crescimento, o qual sem dúvida não pode ser
visto sem levar em consideração também as condições de partida. A URSS ganhou influência
política, económica e social – representava para as massas proletárias no mundo capitalista
uma alternativa à exploração, à miséria das massas e à guerra.
1 O partido comunista da União Soviética designou-se entre 1925 e 1952 (até ao seu XIX Congresso)
Partido Comunista de Toda a União (bolchevique) – PCU(b). (N. Ed.)
1
Apesar de todas as disputas pela nova partilha dos mercados e matérias-primas, as
potências imperialistas tinham em comum o ódio à União Soviética, aos comunistas. A mera
existência da União Soviética colocava em questão a sua hegemonia e o sistema de exploração
capitalista, tanto internamente como nas colónias. Esta contradição entre lutas inter-
imperialistas e luta contra a União Soviética caracterizou o período entre as duas guerras
mundiais, durante o qual a direcção do PCU(b) e do Estado Soviético, competentemente
liderada por Lénine, até finais de 1922, e depois da sua doença e morte, por Stáline, definiu e
levou a cabo a sua política. No seu discurso no VIII Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia
(22-29 de Dezembro de 1920) Lénine afirmou:
«(…) uma longa série de guerras decidia até agora o destino de todas as revoluções, de
todas as grandes revoluções. A nossa revolução é uma dessas grandes revoluções.
Terminámos um período de guerras, devemos preparar-nos para o segundo; mas não
sabemos quando ele começará, e é preciso fazer com que, quando ele começar, possamos
estar à altura.»2
Depois de, no final de 1920, ter fracassado a primeira grande tentativa militar das
potências da Entente de destruir a Rússia Soviética, era só uma questão de tempo até ser
desencadeada a próxima guerra imperialista contra a Rússia Soviética. Para os bolcheviques
era claro que só lhes haviam proporcionado uma pausa respiratória. Esta perspectiva
determinava a sua política externa, como Lénine declarou no mesmo congresso: «A nossa
política externa, enquanto estivermos sós e o mundo capitalista for forte, consiste em que,
por um lado, devemos utilizar as contradições (vencer todas as potências imperialistas
seria naturalmente o mais agradável, mas durante muito tempo não estaremos em
condições de o fazer). A nossa existência depende do facto de existirem divergências
fundamentais entre as potências imperialistas, isto por um lado, enquanto por outro lado,
depende do facto de a vitória da Entente e a Paz de Versalhes terem lançado a gigantesca
maioria da nação alemã numa situação de impossibilidade de vida. A paz de Versalhes
gerou uma tal situação, que a Alemanha não pode sonhar com uma trégua, não pode
sonhar com que não seja roubada, que não lhe retirem os meios de sobrevivência, que não
condenem a sua população à fome e à morte – a Alemanha não pode sonhar com isto, e,
naturalmente, o único meio que tem de se salvar é somente em aliança com a Rússia
Soviética, para onde de resto está a dirigir o seu olhar. Eles estão furiosamente contra a
Rússia Soviética, odeiam os bolcheviques, fuzilam os seus próprios comunistas como
genuínos guardas brancos. O governo burguês alemão odeia furiosamente os bolcheviques,
mas os interesses da situação internacional impele-os para a paz com a Rússia Soviética,
contra a sua própria vontade.» 3
Usar as contradições entre as potências imperialistas era uma máxima da política externa
soviética para manter e consolidar o poder soviético e superar os problemas da economia e a
destruição deixada pela guerra civil e de intervenção, pelo menos durante o período em que
as potências capitalistas eram mais fortes do que a Rússia Soviética.
Na Alemanha, círculos burgueses influentes estavam interessados nas relações comerciais
com a Rússia Soviética. Viam aí uma possibilidade de atenuar as condições escravizadoras do
Tratado de Versalhes4 e eventualmente de as romper.
2
V.I. Lénine, Obras Escolhidas em três tomos, Ed. Avante!, Lisboa, 1979, tomo III, p. 419. (N. T.)
3
«Discurso na fracção do PCR(b) do VIII Congresso dos Sovietes», 21 de Dezembro de 1920, V.I.
Lénine, Obras Completas, Moscovo, 1970, tomo 42, pp. 105. (N. Ed.)
4
Tratado de Versalhes: paz violenta imperialista assinada com a Alemanha por 27 potências aliadas e
associadas, na sala de espelhos de Versalhes (18.01.1919 início das negociações). Pôs termo à I Guerra
2
Em 2 de Maio de 1921 firmou-se um acordo provisório entre a Rússia Soviética e o Reich
Alemão sobre o «Alargamento do âmbito da actividade de ambas as delegações para a
assistência aos prisioneiros de guerra». Até este acordo, as delegações estavam limitadas
simplesmente à assistência. Doravante tornavam-se representações diplomáticas com a
designação de «Representação da RSFSR5 na Alemanha» e «Representação Alemã na
Rússia», que, «até ao restabelecimento de relações normais» deviam desempenhar as
funções de representações diplomáticas. Com este acordo foram também especialmente
fundadas representações comerciais.6
O diplomata alemão conservador Herbert von Dirksen, que várias vezes exerceu cargos na
União Soviética e no Departamento do Leste do Ministério dos Negócios Estrangeiros – de
1928 a 1933 foi embaixador em Moscovo – confirmou nas suas memórias que, para o governo
alemão, a normalização com a Rússia Soviética foi determinada em primeiro lugar pela
necessidade de encontrar um aliado de nível internacional.
«Como consideração adicional, acresceu à intenção de impulsionar o restabelecimento
de relações normais com a Rússia o facto de estarmos convencidos de que a revolução na
Rússia iria um dia, por fim, ficar coberta de areia e dar lugar a uma situação normal sem
Komitern, agitação clandestina e revolução mundial. Inicialmente ligámos as nossas
esperanças à NEP (…)».7
Mundial e foi aceite, em 22.06.1919, pela Assembleia Nacional (com reservas). Este diktat de paz, que
pôde ser imposto à Alemanha na sequência da derrota da classe operária na Revolução de Novembro,
agudizou a situação nacional, ao submeter o povo alemão a uma dupla exploração, pelos imperialistas
alemães e pelos imperialistas da Entente, reduziu a soberania da Alemanha, mas simultaneamente deixou
intacta a base do poder do imperialismo e militarismo alemães. Devia assegurar aos estados imperialistas
vencedores vantagens territoriais e económicas, arredar a concorrência alemã do mercado mundial e manter
o militarismo alemão como força potencial contra o poder soviético. Este tratado, que também foi o
resultado da orientação anti-soviética do capital monopolista alemão, trazia em si o gérmen de uma nova
guerra. Das condições impostas (no total 15 com 440 artigos), as mais importantes são: cedência da
Alemanha de território à Polónia, França, Bélgica, Checoslováquia, Lituânia e Dinamarca; renúncia a todas
as colónias (distribuídas pelas potências vencedoras como mandato da Sociedade das Nações), no total a
Alemanha perdeu 73.485 Km² de território, com 7,325 milhões de habitantes; administração aliada da
região do Sarre até 1935 (regressou à Alemanha depois de um referendo à população), cujas minas de
carvão ficaram para a França, e ocupação da margem esquerda do Reno, com testas de ponte em Colónia,
Coblença e Mogúncia, de início por 15 anos (depois da aceitação do Plano Young até 1930); a criação de
zonas desmilitarizadas (margem esquerda do Reno, margem direita do Reno, numa faixa de 50 Km),
ocupadas em 1936 pela Wehrmacht; abolição do serviço militar obrigatório (reintroduzido por Hitler em
1935), proibição de exportação e importação de armas, limitação do exército a 100 mil homens, a marinha
a 15 mil (nenhuma força aérea nem grandes navios de guerra), proibição de armas pesadas; pagamentos em
géneros (gado, carvão, minérios, frota comercial, entre outros); internacionalização dos rios alemães,
reparações, reconhecimento da exclusiva culpa na guerra; entrega dos criminosos de guerra alemães (não se
realizou). O Tratado de Versalhes serviu o capital monopolista alemão e os seus órgãos políticos, mas em
especial os fascistas, o estimular do chauvinismo e do revanchismo. A União Soviética não motivou
nenhuma exigência do Tratado de Versalhes. O KPD foi o único partido na Alemanha a representar os
interesses do povo alemão contra o Tratado de Versalhes. História Mundial, Pequena Enciclopédia, vol. 2,
Leipzig, 1979, p. 513 e seg.
5
República Soviética Federativa Socialista da Rússia. (NT)
6
Dr. Fritz Klein, As Relações Diplomáticas entre a Alemanha e a União Soviética 1917-1932, Berlim,
1952, p. 91.
7
Herbert v. Dirksen, Moscovo-Tóquio-Londres, Estugarda, 1949, p. 82 e seg.
3
Dirksen, portanto, entendia por «situação normal» a restauração do capitalismo. A
actividade da diplomacia alemã devia, pois, apoiar uma tal restauração, por outras palavras,
apoiar a contra-revolução.
Em 16 de Abril de 1922 foi assinado o Tratado de Rapallo8 entre a Rússia Soviética e a
Alemanha. A tentativa das potências da Entente de formarem uma frente unida dos estados
capitalistas contra a República Soviética tinha falhado. Havia a esperança de, aproveitando a
NEP, reforçar a contra-revolução na Rússia Soviética através de relações económicas. Os
representantes alemães esperavam simultaneamente um rompimento do Tratado de
Versalhes. Os capitalistas alemães que queriam restabelecer as relações comerciais
tradicionais com a Rússia viram neste tratado possibilidades favoráveis para as suas
exportações para a Rússia Soviética.
Lénine tinha compreendido a estratégia dos representantes dos países capitalistas ainda
antes do início da Conferência Mundial de Génova. «Nós compreendemos perfeitamente o
que está na base deste jogo: sabemos que a sua essência consiste no comércio. Os países
burgueses precisam de fazer comércio com a Rússia (…)»9 De outra forma os países
capitalistas não conseguiriam sair da crise do pós-guerra, «apesar de todas as suas
esplendorosas vitórias, apesar das infindáveis jactâncias, com que enchem os jornais e
telegramas do mundo inteiro.»10
Do mesmo modo, Lénine estava consciente das intenções dos «senhores diplomatas
europeus» ao colocarem «condições» às relações económicas com a Rússia Soviética,
imporem «testes» e fazerem outras ameaças. Agora queriam alcançar através do comércio, o
que não tinham conseguido na guerra de intervenção.11
A assinatura do Tratado de Rapallo foi considerada por Lénine um grande êxito da
diplomacia soviética. A delegação soviética, «defendendo a soberania plena da RSFSR», fez
malograr «as tentativas de avassalamento e de restauração da propriedade privada». As
resoluções da conferência «ao reconhecerem a igualdade de direitos dos dois sistemas de
propriedade (…) tiveram assim que a reconhecer, mesmo que indirectamente, a falência, a
bancarrota» do sistema de propriedade privada capitalista e «a inevitabilidade de um
entendimento» com o socialista.
«A igualdade de direitos efectiva dos dois sistemas de propriedade, mesmo que como
situação provisória, enquanto o mundo inteiro não passar da propriedade privada, do seu
8
O acordo de Rapallo foi assinado, à margem da Conferência Económica Mundial em Génova, por
iniciativa da Rússia Soviética, por G.V. Tchetchérine e Walter Rathenau. As restantes repúblicas soviéticas
aderiram em 15 de Novembro de 1922. Ele inclui o estabelecimento de relações políticas e económicas
normais entre os dois países. A Rússia Soviética abdicou de reparações de guerra. Ambos os parceiros
garantiram mutuamente o maior favorecimento nas suas relações económicas. O acordo libertava a
Alemanha do seu isolamento internacional e malograva o plano das potências da Entente de constituir uma
frente única contra a Rússia Soviética. Ver História Mundial, op. cit., vol. 2, p. 523 e seg.
9
LW 33/199. [«A situação internacional e interna da República dos Sovietes», discurso na reunião da
fracção comunista do Congresso dos Metalúrgicos de Toda a Rússia, 6 de Março de 1922, V.I. Lénine, ed.
cit. Moscovo, Tomo 45, p. 3 (N. Ed.)]
10
Idem, ibidem.
11
Idem, ibidem, pp. 200-203. [Idem, ibidem, p. 5 (N. Ed.)]
4
caos económico e das guerras para o sistema superior de propriedade – foi formulada
apenas no Tratado de Rapallo.»12
É evidente que este Tratado não agradou aos círculos reaccionários do capital monopolista
alemão, como prova o assassínio do ministro dos Negócios Estrangeiros, Walter Rathenau,
em 24 de Junho de 1922.
O Plano Dawes
12
Idem, ibidem, p. 342 e seg. [«Projecto de resolução do Comité Executivo Central de Toda a Rússia
sobre o relatório da delegação à Conferência de Génova», escrito em 15 ou 16 de Maio de 1922, V.I.
Lénine, ed. cit., tomo 45, pp. 192-193. (N. Ed.)]
13
Na Conferência de Londres as potências imperialistas vencedoras procuraram resolver as suas
contradições à custa da Alemanha e União Soviética. Os pagamentos a título das reparações pela Alemanha
foram redefinidos por uma comissão de especialistas sob a presidência do director do Morgan Bank,
Charles Gates Dawes. O objectivo consistia em permitir que a França, com os pagamentos da Alemanha,
pagasse as suas dívidas de guerra à Inglaterra e esta, por sua vez, pagasse aos EUA. A Alemanha devia
aumentar as suas exportações para a URSS e canalizar os lucros para o pagamento das reparações. As
restrições à indústria de armamento foram aligeiradas para possibilitar um restabelecimento rápido do
potencial militar do imperialismo alemão. Ver Dicionário da História da Alemanha e do Movimento
Operário Alemão, vol. I, Berlim, 1969, p. 367.
14
Stanley Baldwin, primeiro-ministro britânico de Maio de 1923 a Janeiro de 1924 e de Novembro
1924 a Junho de 1929.
15
História da Diplomacia, ed. por W.R. Potjomkin, Berlim 1948, vol. III, p. 336. Citado de acordo com
Klein, op. cit., p. 134.
5
Encontramos uma análise pormenorizada do Plano de Dawes no artigo de Stáline «Sobre
a situação internacional», publicado na revista Bolchevik, n.º 11, de 20 de Setembro de
1924.16
A Entente revelara-se impotente para tirar partido dos resultados das suas vitórias
militares. Conseguira derrotar a Alemanha, cercar a União Soviética e arquitectar um plano
de espoliação da Europa. «Mas revelou-se incapaz de executar esse plano de espoliação.
Porquê? Porque são demasiado grandes as contradições entre os países da Entente. Porque
esses países não conseguiram nem conseguirão pôr-se de acordo quanto à repartição do
saque. Porque a resistência dos países que sujeitos à espoliação se torna cada vez mais
séria. Porque a realização do plano de espoliação é susceptível de provocar confrontos
militares, e as massas não querem combater.»17
A táctica do «ataque frontal» da França contra a Alemanha para obter reparações
impagáveis, nomeadamente com a ocupação do Ruhr18, tinha fracassado e revelara-se «um
perigo para o próprio imperialismo”. A «política abertamente imperialista de ultimatos,
apostada no isolamento da União Soviética», só teve «resultados opostos», que
«provocaram nas massas a resistência ao imperialismo» e as empurraram «para a
revolução».
«Daí a inevitabilidade da passagem da política de ataque frontal por parte da burguesia
à política de compromissos, do imperialismo aberto ao imperialismo encapotado, de
Poincaré e Curzon a MacDonald e Herriot. Saquear o mundo sem uma cobertura tornou-se
perigoso. O Partido Trabalhista na Inglaterra e o bloco de esquerda na França19 devem
cobrir a nudez do imperialismo. Esta é a origem do “pacifismo” e do “democratismo”.»20
«O pacifismo actual significa a ascensão directa ou indirecta ao poder dos partidos da II
Internacional». Estes são um esteio do imperialismo. Quando a burguesia não está em
condições para atacar frontalmente o proletariado com os métodos do fascismo, então opta
pelo método do pacifismo e do «democratismo».21
Em determinadas situações o exercício do poder pela burguesia é mais seguro através dos
partidos da II Internacional do que abertamente através de partidos conservadores. Stáline
deu aqui uma primeira definição de fascismo como «uma organização de combate da
burguesia, que conta com o apoio activo da social-democracia».22
16
SW 6/251 – 269. [«Sobre a situação internacional», publicado na revista Bolchevik, n.º 11, de 20 de
Setembro de 1924, I.V. Stáline, ed. cit., Tomo 6, pp. 280-291 (N. Ed.)]
17
Idem, ibidem, p. 251 e seg. [Idem, ibidem, p. 281 (N. Ed.)]
18
A 11 de Janeiro de 1923, tropas francesas e belgas, uma força com 5 Divisões, ocuparam a região do
Ruhr. Os imperialistas franceses queriam com isto ganhar a hegemonia económica e política na Europa e
obrigar a Alemanha à completa rendição. A Conferência de Londres obrigou à retirada da região do Ruhr
até 31 de Julho de 1925. A ocupação do Ruhr mostrou-se assim uma derrota do imperialismo francês. Ver
Dicionário da História da Alemanha…, op. cit., vol. 2, Berlim 1970, p. 428 – 429.
19
Trata-se do bloco formado pelos radicais e radicais-socialistas que governou a França entre Junho de
1924 e Abril de 1925, sob a liderança de Édouard Herriot. (N. Ed.)
20
SW 6/252. [«Sobre a situação internacional», op. cit., p. 281. (N. Ed.)]
21
SW 6/252. [Stáline afirma exactamente o seguinte: «É precisamente porque a burguesia já não pode
pôr de joelhos o proletariado que se viu obrigada a desistir de um ataque frontal, a recorrer a rodeios, a
compromissos e ao “pacifismo democrático”». Idem, ibidem, p. 282. (N. Ed.)]
22
Idem, ibidem, p. 253. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
6
Esta definição discutível foi dada por Stáline em Setembro de 1924. Isto deve ser tido em
conta. Experiências práticas só existiam na Itália fascista e no movimento fascista na
Alemanha e noutros estados europeus.
«Estas organizações [fascismo e social-democracia (UH)] não se excluem, mas
completam-se. Não são antípodas, mas sim gémeas. O fascismo é o bloco político tácito
destas duas organizações fundamentais, que surgiu na situação de crise do imperialismo no
pós-guerra, concebido para a luta contra a revolução proletária. Sem este bloco a
burguesia não pode manter-se no poder. Por isso seria erróneo crer que o "pacifismo"
significa a liquidação do fascismo. Na actual situação, o "pacifismo" constitui a afirmação
do fascismo mediante a colocação em primeiro plano da sua ala moderada, a social-
democracia.»23
Stáline chegou a esta conclusão em 1924, na sequência das experiências que demostraram
o papel contra-revolucionário da social-democracia em todos os países ocidentais, em
particular na Alemanha e durante a Revolução de Outubro, assim como durante a Guerra
Civil e de Intervenção.
Ao incluir todas as organizações reaccionárias sob o conceito de fascismo, Stáline ignorou
manifestamente as diferenças entre elas. Partidos e organizações podem ser contra-
revolucionários, mas não têm de ser fascistas. A contra-revolução tem muitas caras. Correcta
mantém-se a apreciação de Stáline de que a social-democracia, em determinadas situações
críticas para a burguesia, se presta melhor a ser governo para desviar as massas de acções
revolucionárias do que governos abertamente conservadores. A destruição do socialismo
europeu só pôde ter tido lugar num quadro de soluções revisionistas, sociais-democratas,
num quadro abertamente fascista, sem máscara, não teria acontecido. No fim de contas o
resultado é o mesmo, e é este o núcleo racional da tese de Stáline dos «irmãos gémeos».
Stáline submeteu o pacifismo burguês a uma severa crítica e revelou o seu outro lado
perigoso para a burguesia. O pacifismo produz uma «forte sacudidela nas massas e implica-
as na política», abala o poder burguês e «prepara o terreno para convulsões
revolucionárias». Não obstante o pacifismo constitui «um sério perigo para a revolução».
Como o texto de Stáline contém passagens que se mantêm actuais, reproduzimo-las
integralmente:
«O pacifismo mina as bases do poder burguês e prepara condições favoráveis à
revolução. Mas o pacifismo só pode produzir tais resultados contra a vontade dos próprios
"pacifistas" e democratas" e apenas mediante um intenso trabalho de desmascaramento
por parte dos partidos comunistas da natureza imperialista e contra-revolucionária dos
governos democrático-pacifistas de Herriot e MacDonald. No que respeita à vontade dos
próprios pacifistas e democratas e à política dos próprios imperialistas, estes, ao
recorrerem ao pacifismo, perseguem um só objectivo: enganar as massas com frases
altissonantes sobre a paz para preparar uma nova guerra, cegá-las com o brilho da
"democracia" para consolidar a ditadura da burguesia, hipnotizá-las com o alarido sobre
os direitos "soberanos" das nações e dos estados para mais facilmente preparem a
intervenção na China, as carnificinas no Afeganistão e no Sudão, o desmembramento da
Pérsia, ludibriá-las com palavreado grandiloquente sobre as relações "amistosas" com a
União Soviética, sobre estes ou aqueles "acordos" com o Poder Soviético, para mais
estreitamente se ligarem aos conspiradores contra-revolucionários expulsos da Rússia na
preparação de acções de banditismo na Bielorrússia, na Ucrânia, na Geórgia. O pacifismo é
um disfarce para a burguesia. Neste disfarce reside o maior perigo do pacifismo.
23
Idem, ibidem. [Idem, ibidem, pp. 282-283. (N. Ed.)]
7
Conseguirá a burguesia o seu objectivo de enganar o povo? Isso depende da intensidade do
trabalho de desmascaramento dos partidos comunistas do Ocidente e do Leste, da sua
capacidade para arrancar a máscara aos imperialistas com roupagens de pacifistas. Sem
dúvida que os acontecimentos e a prática ajudarão os comunistas neste propósito,
colocando uma cunha entre as palavras pacifistas e os actos imperialistas dos democratas
serventuários do capital. O dever dos comunistas consiste em acompanhar os
acontecimentos e desmascarar impiedosamente a cada passo, a cada acto, o servilismo ao
imperialismo e a traição ao proletariado por parte dos partidos da II Internacional.»24
O pacifismo pode conduzir a acções espontâneas de massas. A espontaneidade é, de
acordo com Lénine, o degrau prévio da consciência. Mas as massas, por si próprias, não
podem alcançar conhecimentos teóricos sobre o imperialismo, não podem reconhecer que a
guerra é uma manifestação que está em conformidade com o sistema imperialista. Nisto
reside a responsabilidade do partido comunista – ligar a experiência das massas, o
movimento pacifista espontâneo com a teoria marxista-leninista, em especial com a teoria
leninista do imperialismo. Se isto não for conseguido, os movimentos espontâneos,
independentemente do grau de violência que aparentem, esvaziam-se. O derrube do sistema
imperialista não pode resultar de movimentos espontâneos. Neste sentido, Stáline tem razão
quando afirma que «o dever dos comunistas» é «desmascarar impiedosamente, a cada
passo, a cada acto, o servilismo ao imperialismo e a traição ao proletariado por parte dos
partidos da II Internacional».
O Plano de Dawes foi uma enorme tentativa para estabilizar o sistema capitalista mundial.
Uma estabilização duradoura do capitalismo era e é, porém, uma tarefa histórica insolúvel.
Fritz Klein chamou a atenção que já em 1924 Stáline caracterizou a estabilização da
Alemanha através do Plano Dawes como «uma estabilização relativa», e citou a seguinte
declaração de Stáline numa entrevista relativamente a este assunto:
«Penso que o Plano Dawes já produziu alguns resultados que conduziram a uma relativa
estabilização da situação. A introdução de capital americano na indústria alemã, a
estabilização da moeda e a melhoria de uma série dos mais importantes ramos da indústria
alemã – o que está longe de significar um saneamento radical da economia alemã – e,
finalmente, uma certa melhoria da situação material da classe operária, tudo isto não
poderia deixar de se traduzir num certo reforço da situação da burguesia na Alemanha.
Este é, por assim dizer, o lado “positivo” do Plano Dawes.
«Mas o Plano Dawes tem ainda lados “negativos”, os quais deverão manifestar-se
inevitavelmente num dado momento e deverão fazer explodir os resultados “positivos” deste
plano. Sem dúvida que o Plano Dawes significa para o proletariado alemão uma dupla
pressão, interna e externa, do capital. As contradições entre a expansão da indústria alemã
e a contracção dos mercados externos para esta indústria, a disparidade entre as
exigências hipertrofiadas da Entente e as possibilidades máximas da economia alemã para
satisfazer estas exigências, tudo isto, ao piorar inevitavelmente a situação do proletariado,
dos pequenos camponeses, empregados e intelectuais, tem de conduzir a uma explosão, à
luta directa do proletariado pela conquista do poder.»25
24
Idem, ibidem p. 255 e seg. [Idem, ibidem, pp. 284-286. (N. Ed.)]
25
A Bandeira Vermelha, 5 de Fevereiro de 1924, citado de acordo com Klein, ob. cit., p. 133. Esta
entrevista não está incluída na edição das obras de Stáline. [«Sobre as perspectivas do PCA (Partido
Comunista da Alemanha) e a bolchevização», entrevista com Herzog, membro do PCA, Pravda, n.º 27, de
3 de Fevereiro de 1925, V.I. Stáline, ed. cit., Moscovo, 1952, tomo 7, p. 35. (N. Ed.)]
8
Assim a Conferência de Londres também não podia resolver as contradições imperialistas
internas. Stáline escreveu sobre isto: «A conclusão é só uma: a Conferência de Londres não
resolveu uma única das velhas contradições na Europa, em vez disso acrescentou-lhes
novas contradições, contradições entre a América e Inglaterra. Não há dúvidas de que a
Inglaterra irá como até aqui agravar o antagonismo entre a França e a Alemanha para
assegurar o seu predomínio político no continente. Não há dúvidas de que a América, pelo
seu lado, irá agravar o antagonismo entre a Inglaterra e a França para assegurar a sua
hegemonia no mercado mundial. Isto sem falar do profundíssimo antagonismo entre a
Alemanha e a Entente.
Os acontecimentos mundiais serão determinados por estes antagonismos, e não pelos
discursos “pacifistas” do tratante Hughes26 e do enfático Herriot. A lei do desenvolvimento
desigual dos países imperialistas e da inevitabilidade das guerras, hoje, mais do que nunca,
continua em vigor. A Conferência de Londres apenas disfarça estes antagonismos para
criar novas premissas para a sua agudização sem precedentes.»27
26
Trata-se provavelmente de Charles Evans Hughes, secretário de Estado dos EUA entre 1921 e 1925
(ver índice de nomes no final). (N. Ed.)
27
SW 6/260 e seg. [«Sobre a Situação Internacional… op. cit. p. 291. (N. Ed.)]
28
Ver Dicionário da História…, op. cit., Vol. II, p. 42 e seg.
29
Gustav Stresemann, Legado, obras póstumas em três volumes, ed. por Henry Bernhard, Berlim,
1932/33, Vol. II, p. 95. Citado de acordo com Klein, op. cit., p. 138.
9
continuação desta linha fiel aos compromissos assumidos, é uma garantia insubstituível
para que a paz em geral, e na Europa de Leste em particular, não venha a ser
perturbada.»30
O prolongamento do tratado por um ano, como previa o seu articulado, não foi ratificado
pelo parlamento em 1931. Só em Maio de 1933, depois da transmissão do poder a Hitler, este
consentiu em ratificá-lo. Mas em 1936, o governo fascista recusou-se a prolongar o Tratado
de Berlim.
Fritz Klein também se refere ao contexto do Tratado de Berlim. Do lado alemão não foi
exactamente por puro amor à paz que foi assinado. Em Março, a admissão da Alemanha na
Sociedade das Nações tinha falhado devido a uma intriga franco-polaca. O Tratado de Berlim
foi justamente utilizado pelo lado alemão como um meio de pressão contra a França. Depois
da conclusão do Tratado, a Alemanha seria admitida em Setembro na Sociedade das
Nações.31
Em Maio de 1927, o governo britânico montou uma provocação contra a União Soviética
com assalto à missão comercial soviética Arkos, cujas instalações foram revistadas pela
polícia. Esta provocação deu ao governo o desejado pretexto para romper as relações com a
União Soviética.
O cálculo de Chamberlain,32 de levar também a Alemanha a romper as relações com a
União Soviética e trazê-la para uma frente anti-soviética, de facto não resultou. A resposta de
Stresemann a Chamberlain é porém elucidativa do verdadeiro objectivo das relações
comerciais da Alemanha com a União Soviética:
«Consideramos errado isolar porventura propositadamente a Rússia através de um
qualquer procedimento conjunto.
«Conduzimos com a Rússia negociações de crédito e temos com ela uma activa troca de
bens não só porque precisamos, mas também porque sou da opinião de que é necessário
associar intimamente a economia da Rússia ao sistema capitalista das potências europeias
ocidentais, de forma a que, através disso, se prepare o caminho para uma evolução na
Rússia, que, na minha opinião, é a única que abre a possibilidade de fazer da Rússia
Soviética um Estado e uma economia com as quais se pode viver.»33
No que diz respeito à União Soviética, os objectivos do imperialismo alemão e inglês eram
idênticos. O que variava eram os interesses concretos e, em função disso, os seus métodos.
No dia 6 de Dezembro de 1928, o director Kraemer, presidente da Comissão Russa da
Economia Alemã e membro da direcção da Associação do Reich da Indústria Alemã, proferiu
um discurso, na XXXIII Reunião Ordinária dos Associados da Associação Germano-Russa,
que, em clareza, não deixa nada a desejar: «O antigo provérbio “o comércio segue a
bandeira” é hoje substituído pela consigna “o comércio segue o investimento de capital”.
Quem tem o capital pode com a sua ajuda explorar economicamente um país num grau
muito maior do que com poder militar. Vemos isso por exemplo nos EUA, na sua actuação a
América Central e do Sul, onde em primeiro lugar aparece o empréstimo e só depois do
empréstimo as viagens comerciais (…) O Leste deve tornar-se um espaço para o
30
Europa de Leste, revista para as questões do Leste europeu, ed. por von Hoetzsch, Königsberg e
Berlim, ano 1926/27, p. 48 e seg. Citado de acordo com Klein, op. cit., p. 152.
31
Ver Klein, op. cit., p. 148 e seg.
32
Trata-se de Joseph Austen Chamberlain (1863-1937), não confundir com Arthur Neville Chamberlain
(1869-1940), o primeiro-ministro britânico (1937-40) que assinou o acordo de Munique com Hitler. (ver
índice de nomes no final). (N. Ed.)
33
Stresemann, Legado, de acordo com Klein, op. cit., p. 158.
10
alargamento da economia alemã e pode vir a sê-lo (…) Excelentíssimos Senhores, ainda há
poucos dias um vosso conhecido dirigente da indústria alemã declarou na Comissão Russa
da Economia Alemã que nos muitos milhões de fornecimentos da sua firma mundialmente
conhecida à Rússia não se ganhou um pfennig (…) porque pequenas firmas, que na matéria
não estavam à altura, ofereceram mais barato do que as grandes firmas (…) As coisas
económicas, como as políticas, não estão determinadas para a eternidade (…) Não creio
que os sonhos da revolução mundial (…) amadureçam e que o mundo inteiro possa ser
tomado pelo espírito que hoje, na verdade, domina o Krémlin, mas não em toda a Rússia
(…) E por isso acredito que um dia destes o bom-senso, o bom-senso económico, que hoje já
se manifesta isoladamente em círculos dirigentes na Rússia, vencerá sobre o que nós hoje,
de uma perspectiva da economia, observamos com preocupação: sobre as formas de
economia de Estado como hoje são implementadas na Rússia.”34
Kraemer não nomeou nomes de quem nos «círculos dirigentes» da União Soviética se
caracterizava por «bom-senso económico». Fritz aponta para o grupo de Trótski, do qual se
podia esperar «mais compreensão em relação aos interesses dos capitalistas estrangeiros».
Trótski mostrou de novo ser um «aliado daqueles meios da Alemanha que trabalhavam
para a queda do poder soviético».35 Klein também podia ter acrescentado Bukhárine e
alguns outros dos «círculos dirigentes».
Ainda houve mais coisas. Herbert von Dirksen, embaixador alemão na União Soviética
entre 1928 e 1933, relatou muito francamente nas suas memórias as actividades de
engenheiros alemães na União Soviética. De acordo com os seus dados trabalhavam no
conjunto da União Soviética cerca de cinco mil especialistas alemães, sobre os quais escreve:
«Os melhores entre eles mantinham uma relação estreita com a embaixada e consulados,
que eram desta forma minuciosamente informados não só sobre o desenvolvimento
económico do país, mas também sobre outras questões como o ambiente geral e o
desenvolvimento interno do partido. Não acredito que um qualquer outro país, antes ou
depois, possuísse um material informativo tão pormenorizado sobre a União Soviética,
como a Alemanha durante estes anos.»36
Engenheiros alemães também estiveram envolvidos em grandes operações de sabotagem
na região de Donets, como demonstrou o processo de Chakhti (Março-Julho de 1928). A
única sanção penal que os réus estrangeiros tiveram foi a sua expulsão da URSS.
Concluindo sobre os objectivos dos imperialistas alemães nas relações económicas com a
União Soviética, citamos uma carta de Edmund Hugo Stinnes para Hitler de 9 de Julho de
1931: «A expansão do espaço alemão para Leste e Sudeste da Europa parece-me, neste
momento, não ser possível através do deslocamento da fronteira Leste, mas mediante a sua
dissolução (por exemplo através de união aduaneira). Em seguida devia-se tratar de dar ao
nosso povo insuportavelmente comprimido espaço vital, terras aráveis e oportunidades de
trabalho, até à foz do Danúbio e aos pântanos de Prípiat37.38
34
A Economia de Leste, revista mensal da Associação Germano-Russa, mais tarde Comissão Russa da
Economia Alemã, Berlim, Ano 1928/29, p. 131 e seg. Citado de acordo com Klein, op. cit., p. 159.
35
Klein, op. cit., p. 160.
36
Dirksen, ob. cit., p. 104. Citado de acordo com Klein, ob. cit., p. 161.
37
Trata-se da região da Polésia, paisagem histórica na Bielorrússia, Ucrânia e Polónia, entre os rios Bug
e Prípiat. As cidades principais são Brest e Pinsk. A região é uma larga planície fluvial, rica em florestas.
Principalmente a Sul do Prípiat dominam enormes pântanos. Com cerca de 90 mil Km² são a maior zona
pantanosa da Europa. (NT)
38
Citado de acordo com Klein, ob. cit., p. 180.
11
Para a Alemanha os acordos económicos entre a União Soviética e a Alemanha tinham
uma cabeça de Janus. Não se tratava apenas da destruição da ordem socialista na União
Soviética, mas também da conquista de novos «espaços vitais», quer na Rússia quer no
conjunto do Leste e Sudeste, independentemente da ordem social que existisse neste ou
naquele país. O que os imperialistas alemães não tinham conseguido na I Guerra Mundial,
devia ser atingido por meios económicos – por agora! – enquanto fossem militarmente fracos
para poder iniciar uma nova guerra de rapina e conquista.
Naturalmente que o governo soviético compreendia o jogo das potências da Entente, dos
EUA, Japão e Alemanha, como resulta dos discursos e artigos de Stáline. Num artigo no
Pravda de 28 de Julho de 1927, «Notas sobre temas actuais», Stáline analisou
pormenorizadamente os perigos da guerra.39
«Está em curso uma luta furiosa pelos mercados de escoamento, pelos mercados de
exportação de capital, pelas rotas marítimas e terrestres para esses mercados, por uma
nova repartição do mundo.»40
Agudizam-se as contradições entre os países capitalistas e no interior de cada um. Não
obstante a estabilização, «a crise do capitalismo mundial» agrava-se. A existência e os
progressos da URSS apenas aprofundam esta crise. Os imperialistas preparam-se para uma
nova guerra vendo nela «a única saída para ultrapassar esta crise».
O aumento sem precedentes do armamento, a orientação geral dos governos burgueses
para métodos fascistas «de governação», a campanha contra os comunistas, a raivosa
perseguição contra a URSS, intervenção directa na China testemunham «a preparação de
uma nova guerra por uma nova repartição do mundo».
Apenas o medo de se enfraquecerem mutuamente e de assim facilitarem «uma nova
ruptura da frente imperialista» impedem, «por enquanto» os imperialistas de se
guerrearem.
Por isso certos círculos imperialistas procuravam criar uma frente única contra a União
Soviética com vista a resolverem a crise do capitalismo que se aprofundava, «mesmo que
apenas parcialmente e provisoriamente, à custa da URSS».41
A burguesia inglesa tomou a iniciativa da criação desta «santa aliança» anti-soviética. «O
capitalismo inglês sempre foi, é e será o mais enraivecido opressor das revoluções
populares.»42
Isto era correcto em 1927. O imperialismo alemão fascista, a partir de 1933, e o
imperialismo dos EUA, depois de 1945, substituíram os ingleses nesse papel. Isto não
significa naturalmente que as outras potências imperialistas sejam «melhores», mas sim que
nesta altura e num período de tempo previsível são mais fracas do que o imperialismo dos
EUA.
39
SW 9/278-312. [«Notas sobre temas actuais», Pravda n.º 169, 28 de Julho de 1927, I.V. Stáline,
Obras, tomo 9, Moscovo, 1949, pp. 322-361. (N. Ed.)]
40
Idem, p. 278. [Idem, ibidem, p. 322. (N. Ed.)]
41
Idem, p. 279. [Idem, ibidem, p. 323. (N. Ed.)]
42
Idem, p. 280. [Idem, ibidem, p. 324. (N. Ed.)]
12
Stáline refere algumas «acções directas» do governo conservador britânico contra a URSS.
O primeiro golpe aberto do governo conservador inglês foi o assalto à embaixada soviética em
Pequim, visando, por um lado, descobrir documentos «horrorosos» do trabalho
«destruidor» da URSS, por outro, arrastar a URSS para uma guerra contra a China.43
O segundo golpe aberto perpetrado pelo governo inglês em Londres foi o assalto à
representação comercial soviética «Arkos» (3 de Maio de 1927) e o rompimento de relações
diplomáticas e comerciais com a URSS. O terceiro golpe declarado foi a organização do
assassínio de P.L. Voíkov, embaixador da URSS na Polónia, em 7 de Junho de 1927 em
Varsóvia. Este atentado devia produzir o efeito do «assassínio de Saraievo» e «arrastar a
URSS para um conflito militar com a Polónia».44 Estas acções não eram nenhum acaso e
repetir-se-iam «com força renovada». O governo inglês organizava um bloqueio financeiro
contra a URSS, apoiava «governos» de emigrados da Ucrânia, Geórgia, Azerbaijão Arménia e
outros «com vista à organização de insurreições nestes países da URSS», financiava grupos
terroristas e de espionagem, que «fazem explodir pontes, incendeiam fábricas e aterrorizam
representantes diplomáticos na URSS – tudo isto mostra inequivocamente que o governo
conservador inglês enveredou firme e decididamente pela via da organização da guerra
contra a URSS.»
No primeiro ponto da Resolução do Plenário conjunto do CC e da CCC [Comissão Central
de Controlo] do PCU(b) (29 de Julho/9 de Agosto de 1927) sobre a situação internacional
afirma-se: «A situação internacional actual caracteriza-se primeiramente, por um lado,
pelas relações extremamente tensas entre a Inglaterra imperialista e a URSS proletária,
por outro, pela intervenção militar do imperialismo na China. O perigo de uma guerra
contra-revolucionária contra a URSS é a questão mais aguda do actual período.»45
Em função do perigo de guerra criado principalmente pela burguesia inglesa, Stáline
define as tarefas do partido do seguinte modo: «Tocar o alarme em todos os países da
Europa sobre o perigo de uma nova guerra, elevar a vigilância dos operários e soldados
dos países capitalistas, preparar incessantemente as massas para enfrentarem com luta
revolucionária todas e quaisquer tentativas dos governos burgueses de organizar uma
nova guerra». Levar ao pelourinho todos os líderes reformistas do movimento operário que
«consideram uma "invencionice" a ameaça de uma nova guerra, que embalam os operários
com a mentira pacifista». Prosseguir «firme e inabalavelmente» uma política de paz do
governo soviético, «uma política de relações pacíficas, imune a todas as provocações».46
Devia-se aumentar a capacidade defensiva do país, melhorar a indústria civil e militar,
temperar a vontade dos operários, camponeses e soldados vermelhos de defender a pátria
socialista, reforçar a retaguarda, reprimir sem hesitação os terroristas e incendiários de
fábricas e oficinas «pois a defesa do nosso país é impossível sem uma sólida retaguarda
revolucionária».47
43
Idem, p. 281. [Idem, ibidem, p. 325 (N. Ed.)] A polícia chinesa realizou na mesma altura assaltos aos
consulados soviéticos em Xangai e Tientsin. Em Cantão foram assassinados colaboradores da missão
diplomática soviética. Ver I.B. Bérkhine, op. cit., p. 319.
44
SW 9/281. [Idem, ibidem, p. 325. (N. Ed.)]
45
PCUS in R. e B., op. cit., Vol. VI, p. 228. Ver anexo, documento 2. [239] [«Resolução Sobre a
Situação Internacional», adoptada pelo plenário do CC e do CCC em 9 de Agosto de 1927, O PCUS nas
suas Resoluções e Decisões dos Congressos, Conferências e Plenários do CC (1898-1953), tomo II, 7.ª
edição, Gospolitizdat, 1953, p 239. (N. Ed.)]
46
SW 9/283. [«Notas sobre temas actuais»…, op. cit., p. 327. (N. Ed.)]
47
Idem, p. 284. [Idem, ibidem, p. 328. (N. Ed.)]
13
Estas não eram palavras ocas. De acordo com a sentença do colégio da OGPU48 da URSS,
de 9 de Junho de 1927, foram fuzilados vinte guardas brancos monárquicos por actividades
terroristas, de espionagem e de diversão ao serviço de estados estrangeiros. Entre os
condenados encontravam-se antigos príncipes e nobres russos, latifundiários, industriais,
comerciantes e oficiais do exército tsarista.49
O fuzilamento dos vinte «príncipes» terroristas e incendiários provocou uma enorme
celeuma em «certas camadas da burguesia pacifista e liberal reaccionária».50
No Plenário conjunto do CC e da CCC do PCU(b) (29 de Julho/9 de Agosto de 1927),
Stáline referiu-se a um «certo tipo de pessoas que afirmam que quanto mais
sossegadamente nos comportarmos, melhor será para nós. Estas pessoas dizem-nos: “As
coisas estavam bem para a URSS quando a Inglaterra rompeu connosco; as coisas ainda
ficaram melhores para a URSS quando mataram Voíkov; mas as coisas pioraram para a
URSS quando nós mostrámos os dentes e fuzilámos, em resposta ao assassínio de Voíkov,
20 ‘príncipes’ contra-revolucionários; até ao fuzilamento dos Vinte a Europa nutria
compaixão e simpatia por nós; depois do fuzilamento, pelo contrário, deixou de haver
simpatia e começaram a acusar-nos de não sermos os meninos obedientes que a opinião
pública europeia desejaria ver em nós”.»51
Stáline condenou decididamente esta «filosofia liberal-reaccionária”. Os seus autores
desejariam «ver uma URSS impotente, desarmada (…) caindo de joelhos perante os inimigos,
capitulando perante eles».52
O fuzilamento dos Vinte contra-revolucionários foi uma manifestação da severidade da
luta de classes na União Soviética, da política de agressão cheia de ódio do imperialismo
estrangeiro, principalmente dos ingleses neste período, que não se detiveram perante
nenhum crime contra a URSS.
A dureza desta luta de classes ultrapassou e ultrapassa manifestamente a compreensão do
intelectual pequeno-burguês. Comunismo é supressão da propriedade privada. A
propriedade privada é uma relação social que pressupõe o não proprietário como um objecto
de exploração a ser utilizado nos meios de produção de propriedade privada. Naturalmente
que os proprietários defendem com todos os meios o seu poder e domínio e não se detêm
nesta luta perante nenhum crime. Esta luta de classes não pode ser avaliada através de
«critérios» morais abstractos. A luta pela «expropriação dos expropriadores» (Marx) é uma
luta de vida e de morte e no futuro também o será. Esperar que se poderá deslizar para o
comunismo através de caminhos pacíficos e parlamentares era e é uma ilusão que, quando se
espalha, conduz ao desarmamento ideológico da classe operária. Por isso os sonhos
socialistas pequeno-burgueses encontram a simpatia benévola de uma parte da burguesia,
que se serve dos seus intérpretes quando o sistema capitalista entra em crise, devido às suas
contradições internas, pelo menos enquanto a massa dos não proprietários (lat. proletários)
se deixar levar pela conversa da «justiça social».
48
OGPU, Obedinónnoe Gossudárstvennoe Politítcheskoe Upravlénie, (Direcção Política Estatal
Unificada) polícia de Estado dependente do Ministério do Interior da URSS. Vigorou entre 1922 e 1954,
sucedeu à Tcheka e antecedeu o KGB. (N. Ed.)
49
SW 10/332, nota de rodapé 23. [«A situação internacional e a defesa da URSS», discurso no plenário
conjunto do CC e da CCC do PCU(b), 1 de Agosto de 1927, I.V. Stáline, Obras, tomo 10, Moscovo, 1949,
pp. 3-59. (N. Ed.)]
50
Idem, ibidem, p. 40. [Idem, ibidem, p. 45. (N. Ed.)]
51
Idem, ibidem. [Idem, ibidem, p. 46. (N. Ed.)]
52
Idem, ibidem, p. 41. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
14
Assim a resposta de Stáline não se caracteriza exactamente por uma delicadeza especial:
«Será melhor que todos estes filósofos liberais-pacifistas vão para o inferno com a sua
“simpatia” pela URSS. Tenhamos nós a simpatia das massas de milhões de operários que o
resto virá por si. E se alguém tiver impreterivelmente que sangrar, então envidaremos todos
os esforços para que a URSS não seja feita em sangue e que o “ensanguentado” seja um
qualquer país burguês.»53
53
Idem, ibidem. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
54
Idem, ibidem, p. 43. [Idem, ibidem, p. 49. (N. Ed.)]
55
Idem, p. 44. [Idem, ibidem, p. 49-50. (N. Ed.)]
56
Idem, ibidem. [Idem, ibidem, p. 50. (N. Ed.)]
57
SW 10/235 – 244. [«Relatório Político do Comité Central ao XV Congresso do PCU(b)», 3 de
Dezembro de 1927, I.V. Stáline, Obras, Moscovo, 1949, tomo 10, pp. 69-85. (N. Ed.)]
58
Idem, ibidem, p. 236. [Idem, ibidem, p. 272. (N. Ed.)]
59
Idem, ibidem, p. 237 e seg. [Idem, ibidem, p. 274. (N. Ed.)]
15
«Num contexto de estabilidade parcial agrava-se a crise do capitalismo, a crise crescente
desfaz a estabilização – é esta a dialéctica do desenvolvimento do capitalismo no presente
momento histórico.»60
«(…) Daqui decorre a tendência “geral” para uma nova repartição dos mercados e das
fontes de matérias-primas. Não é preciso demostrar que os mercados asiáticos e as suas
rotas são a principal arena da luta. Daqui resulta uma série de problemas-chave que
constituem focos inteiros de novos conflitos. Daqui surge a chamada questão do Pacífico
(antagonismo América-Japão-Inglaterra), como fonte de disputa pela supremacia na Ásia
e nas suas rotas. Daqui a questão do Mediterrâneo (antagonismo Inglaterra-França-Itália)
como fonte de disputa pela supremacia nas costas do Mediterrâneo, como fonte de disputa
pela rota mais curta para o Oriente. Daqui a agudização da questão do petróleo
(antagonismo Inglaterra-América), uma vez que sem petróleo não se pode combater, e
quem tiver vantagem no domínio do petróleo, tem hipóteses de vencer a próxima guerra.»
De acordo com a imprensa inglesa, Chamberlain acabava de apresentar um plano para
solucionar a questão do Mediterrâneo, segundo o qual o «mandato” da França sobre a Síria
devia ser transferido para a Itália, Tânger passaria para a França em troca de uma
indemnização financeira a favor de Espanha, a Alemanha recuperaria os Camarões e a Itália
obrigada a deixar de «fazer barulho» por causa dos Balcãs.
«Tudo isto sob a bandeira da luta contra os sovietes. É sabido que agora não há sujeira
que seja feita sem que primeiro se implique os sovietes no negócio sujo.»61
A propósito da luta pelo petróleo, Stáline citou a revista americana World΄s Work62 que
escrevia: «Existe um perigo muito real para a paz e a compreensão mútua entre os povos
anglo-saxónicos (…) O apoio aos homens de negócios americanos por parte do
Departamento de Estado tornar-se-á inevitavelmente cada vez mais forte à medida que a
sua necessidade for aumentando. Se o governo britânico se identificar com a indústria
petrolífera britânica, então mais cedo ou mais tarde também o governo americano se
identificará com a indústria petrolífera americana. A luta não pode ser transferida para o
domínio dos governos sem que o perigo de guerra aumente exponencialmente.»63
Nos seus prognósticos político-económicos Stáline apoiou-se nos trabalhos de Eugen
Varga, que cita várias vezes. Varga tinha previsto quase até ao dia exacto a crise económica
mundial de meados dos anos 20, uma excelente prestação da economia política marxista-
leninista. A analogia entre as análises de Stáline sobre a luta pelo petróleo e a política
belicista dos EUA no início do século XXI não necessita de mais comentários.
A Sociedade das Nações,64 fundada em 14 de Fevereiro de 1919 por iniciativa do presidente
dos EUA, Thomas Wilson, – à qual os próprios EUA não aderiram! – demonstrou ser
totalmente incapaz de evitar a eclosão de novas guerras imperialistas. Se a ONU estará nessas
condições, parece ser, de acordo com a experiência até ao momento, mais que duvidoso.
Stáline não tinha ilusões sobre a Sociedade das Nações enquanto instituição de
manutenção de paz: «Vejamos a Sociedade das Nações, que, de acordo com a hipócrita
60
Idem, ibidem, p. 238. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
61
Idem, ibidem, p. 241. [Idem, ibidem, p. 277. (N. Ed.)]
62
Revista publicada em Garden City (Estado de Nova Iorque) entre 1899 e 1932, que representava as
opiniões dos círculos dominantes da grande burguesia. Idem, p. 339, nota de roda pé 73.
63
SW 10/235, p. 241. [«Relatório Político…», op. cit., p. 278. (N. Ed.)]
64
A Sociedade das Nações chegou a reunir 55 Estados. Foi dissolvida em 18 de Setembro de 1946 após
a fundação das Nações Unidas (ONU) em 24 de Outubro de 1945.
16
imprensa burguesa e a não menos hipócrita imprensa social-democrata, é um instrumento
da paz. A que conduziu o palavreado da Sociedade das Nações sobre a paz, o
desarmamento e a redução dos armamentos? A nada, à excepção do embuste das massas, à
excepção de uma nova escalada armamentista, à excepção de um novo agravamento de
conflitos em gestação. Será que se pode considerar um acaso o facto de a Sociedade das
Nações arengar há três anos sobre a paz e o desarmamento, de este falso palavreado ser
apoiado há três anos pela chamada II Internacional, enquanto as “nações” se armam
incessantemente, alargando os antigos conflitos entre as “potências”, acumulando novos
conflitos e minando desta forma a paz?»65
A proposta de desarmamento total, apresentada por Litvínov, Comissário do Povo dos
Negócios Estrangeiros da URSS, na Sociedade das Nações revelou-se uma «surpresa total»
para os seus membros que a adiaram para o dia de S. Nunca. Da mesma forma os «tratados
de amizade» dos estados capitalistas – França com Jugoslávia, Itália com Albânia, Polónia
com a Lituânia – e o «Sistema de Locarno» não eram mais do que «um sistema de
preparação de novas guerras e de agrupamento das forças para futuros conflitos
militares.»66
Como prova da preparação para a guerra, Stáline refere os seguintes dados estatísticos:
«De 1913 a 1927 os efectivos dos exércitos da França, Inglaterra, Itália, EUA e Japão
passaram de um milhão e 888 mil para dois milhões e 262 mil homens; no mesmo período
os orçamentos militares dos mesmos países cresceram de 2345 milhões para 3948 milhões
de rublos-ouro; o número de aviões operacionais destes cinco países aumentou entre 1923 e
1927 de 2655 para 4340, a tonelagem dos cruzadores destes cinco países subiu de 724 mil
toneladas em 1922 para 864 mil toneladas em 1926; a situação no domínio químico-militar
é ilustrada pela conhecida declaração do chefe do Serviço de Guerra Química dos EUA,
general Fries: “Uma bomba química de 450 kg carregada com lewisite67 pode tornar
inabitáveis dez quarteirões em Nova Iorque, enquanto 100 toneladas de lewisite, lançadas
por 50 aviões podem tornar Nova Iorque inabitável pelo menos durante uma semana”.»68
Era evidente que «o aumento do armamento é ditado pela inevitabilidade de novas
guerras imperialistas entre as “potências”, que o “espírito bélico” constitui o conteúdo
principal do “espírito Locarno”».69
Stáline terminou a sua análise sobre a preparação da guerra pelos estados imperialistas
com uma referência a Lénine: «Não podemos esquecer as palavras de Lénine de que uma
parte muito grande do nossa obra de construção depende de conseguirmos retardar a
guerra com o mundo capitalista, a qual embora inevitável pode ser retardada, seja até que
a revolução proletária amadureça na Europa, seja até que as revoluções coloniais
amadureceram completamente, seja finalmente até que os capitalistas se batam entre si
pela partilha das colónias.
Por isso a manutenção de relações pacíficas com os países capitalistas constitui para nós
uma tarefa obrigatória.
65
SW 10/242. [Idem, ibidem, p. 279. (N. Ed.)]
66
Idem, ibidem, p. 243. [Idem, ibidem, p. 280. (N. Ed.)]
67
Lewisite, também lewisite I, é uma mistura orgânica de arsénio, contendo cloro, cuja utilização como
arma química se parece com o gás mostarda. A substância provoca fortes queimaduras na pele com a
formação de bolhas. O nome de lewisite deriva do químico americano Winford Lee Lewis (1879-1943).
Entre os soldados era designada por «cabo da morte». (NT)
68
Idem, ibidem. [Idem, ibidem, pp. 280-281. (N. Ed.)]
69
Idem, ibidem, p. 244. [Idem, ibidem, p. 281. (N. Ed.)]
17
A base das nossas relações com os países capitalistas consiste na admissão da
coexistência dos dois sistemas opostos.»70
Naturalmente, Stáline sabia que uma possibilidade não era exactamente uma realidade.
«Pacifismo imperialista»
70
Idem, ibidem, p. 250. [Idem, ibidem, pp. 288-289. (N. Ed.)]
71
SW 11/178. [Sobre os resultados do Plenário de Julho do CC do PCU(b), relatório na reunião de
militantes da organização de Leningrado, 13 de Julho de 1928, publicado no Leningradskaia Pravda, n.º
162, de 14 de Julho de 1928, I.V. Stáline, Obras, Moscovo, 1949, tomo 11, pág. 200. (N. Ed.)]
72
Idem ibidem. [Idem, ibidem, p. 201. (N. Ed.)]
73
Idem, ibidem. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
18
soviéticas. A sua diferença em relação aos partidos abertamente conservadores, reaccionários
e fascistas consistia principalmente em que, nas situações críticas, prestavam-se melhor à
manutenção da ordem capitalista e como força anti-soviética do que os partidos
conservadores, porque a maioria dos seus membros e eleitores eram operários, empregados e
parte da pequena-burguesia. Pela sua composição eram «partidos operários», mas segundo
os seus dirigentes eram partidos reaccionários, contra-revolucionários. A política não era – e
não é – determinada pelas «bases», – que como se sabe «pensa de maneira muito diferente!»
–, mas sim pelos dirigentes, que dispõem do aparelho e das organizações ideológicas. Mesmo
quando os operários descortinam a «política de coligação dos dirigentes de direita e os
discursos tranquilizantes dos dirigentes «de esquerda», isto não altera em nada a política dos
dirigentes de direita. A tradição, a persistência para se manter no partido em qualquer
situação para talvez poder ainda mudar alguma coisa por dentro, a ligação dos sindicatos aos
partidos sociais-democratas e, não o menos importante, os cultivados preconceitos e reservas
anticomunistas impedem a maioria dos operários nestes partidos de consumar a ruptura
revolucionária com as suas direcções.
Contra a tese de Stáline da social-democracia como «principal veículo do pacifismo
imperialista», dos «irmãos gémeos», pode-se objectar no plano político que os operários
membros destes partidos se podiam sentir atingidos, circunstância que podia ser utilizada
amplamente pelos dirigentes burgueses de direita destes partidos e pelos dirigentes sindicais
reformistas para a agitação anticomunista.
Esta tese tornou-se politicamente duvidosa, em especial, depois da transferência de poder
na Alemanha para os fascistas de Hitler em 30 de Janeiro de 1933. Também foi eliminada no
VII Congresso Mundial da Internacional Comunista (25 de Julho/20 de Agosto de 1935). Na
tese dos «irmãos gémeos» revela-se a contradição entre teoria e política. Stáline tinha
formulado esta tese a partir da análise das relações concretas da luta de classes nos anos 20,
principalmente no período da revolução e da crise revolucionária do pós-guerra, da
generalização teórica das experiências dos dirigentes de direita, anticomunistas da social-
democracia, e reflectia exactamente a sua actuação. Em simultâneo, a tese dos «irmãos
gémeos» era politicamente duvidosa. Uma afirmação teórica correcta pode ser politicamente
falsa. Tais avaliações não são, justamente, axiomas teóricos válidos para todos os tempos e
condições. Devem ser calculados e avaliados continuamente em cada período histórico
concreto. Com a passagem para a política frentista na França e em Espanha e a instauração
das ditaduras fascistas esta tese já não reflectia correctamente as novas condições de luta.
Neste texto, Stáline desenvolve duas tarefas para os partidos comunistas: primeiro, «luta
incansável contra o social-democratismo em todas as áreas (…) desmascaramento do
pacifismo burguês (…) com o objectivo de ganhar a maioria da classe operária para o
comunismo.» Segundo, «criação de uma frente unitária de operários dos países
desenvolvidos com as massas trabalhadoras das colónias para prevenir o perigo da guerra
ou, quando esta eclodir, transformar a guerra imperialista em guerra civil, destruir o
fascismo, derrubar o capitalismo, instaurar o poder soviético, libertar as colónias da
escravatura, organizar por todos os meios a defesa da primeira República Soviética do
Mundo.»74
Nesta altura, a política da frente unitária – assim como a política da frente popular –
ainda estava longe de ser elaborada. A frente unitária devia ser criada «de baixo», contra os
dirigentes de direita da social-democracia, o que não conduziu ao êxito. Nesta altura, ainda
74
Idem, ibidem, p. 179. [Idem, ibidem, p. 201. (N. Ed.)]
19
não havia experiência sobre a configuração das relações entre um partido revolucionário e
um partido reformista.
Apoiando-se na tese de Lénine sobre guerras justas e injustas, Stáline referiu-se a este
problema na sua carta a Górki de 17 de Janeiro de 1930. Como sempre, esta tese de Lénine
continua a ser rejeitada pelos pacifistas.
Depois das primeiras guerras imperialistas do século XXI contra a Jugoslávia e o Iraque,
das ameaças do imperialismo dos EUA contra outros chamados «estados párias», a
argumentação de Stáline nesta carta continua actual: «Depois de termos discutido
seriamente a questão da organização de uma revista especial “sobre a guerra”, concluímos
que não há razão neste momento para editar uma tal revista. Consideramos que é mais
adequado tratar a questão da guerra (falo da guerra imperialista) nas revistas políticas
existentes. Tanto mais que as questões da guerra não devem ser separadas das questões da
política, da qual a guerra é uma expressão.
«No que diz respeito aos relatos sobre a guerra, é necessário fazer uma grande selecção
para publicar. No mercado livreiro existe uma série de contos literários que pintam “os
horrores” da guerra e infundem repulsa contra qualquer guerra (não só contra a
imperialista, mas também qualquer outra guerra). São contos pacifistas-burgueses que não
têm muito valor.
«Precisamos de contos que conduzam o leitor dos horrores da guerra imperialista à
necessidade da superação dos governos imperialistas, organizadores destas guerras. Além
disso, com efeito, nós não somos contra qualquer guerra. Somos contra a guerra
imperialista enquanto guerra contra-revolucionária. Mas somos a favor da guerra de
libertação, da guerra anti-imperialista, revolucionária, não obstante o facto de uma tal
guerra, como é sabido, não só não está livre dos “horrores do derramamento de sangue”,
como até os produz em abundância.»75
Nos anos 30, depois da transferência de poder para os representantes mais reaccionários
do capital industrial e financeiro alemães, o perigo de guerra agravou-se incessantemente. As
afirmações de Churchill são elucidativas da avaliação que fazia da política do governo
soviético dirigido por Stáline. Churchill nunca escondeu o seu ódio pelo comunismo e a
União Soviética e não é suspeito de nenhuma simpatia pelo comunismo. Churchill, aliás, não
percebia nada de comunismo, como referiu a jornalista americana Virgínia Cowles. Também
não lera uma linha das obras de Marx, Engels e Lénine. Porém, Churchill sentenciou: «A
teoria comunista» era «um recuo aos tempos mais negros.»76
Lénine referiu-se a Churchill no seu discurso na Conferência de Presidentes dos Comités
Executivos, em 15 de Outubro de 1920: «O ministro inglês da Guerra Churchill utiliza há já
vários anos todos os meios legais, e ainda mais os ilegais, do ponto de vista das leis
75
SW 12/155 e seg. [«Carta a A.M. Górki», 17 de Janeiro de 1930, I.V. Stáline, Obras, Moscovo 1949,
tomo 12, pp. 175-176 (N. Ed.)]
76
Virgínia Cowles (jornalista dos EUA), Winston Churchill. O Homem e o seu Tempo,
Viena/Munique/Basileia, 1954, p. 266. Citado de acordo com Vladímir G. Trukhanovski, Winston
Churchill, Uma Biografia Política, Moscovo, 1968, tradução alemã, Colónia, 1987, p. 170.
20
inglesas, para apoiar todos os guardas brancos contra a Rússia e fornecer-lhes
equipamento militar. É quem mais odeia a Rússia Soviética».”77
Mas também uma Rússia burguesa poderosa não era nada a seu gosto. Lénine dizia que,
no Outono de 1920, o governo inglês estava interessado em colocar «sob a sua influência os
novos pequenos estados – Finlândia, Estónia, Letónia e Lituânia» e assim não estava
«nada interessado na restauração de uma Rússia tsarista ou de guardas brancos ou ainda
que fosse burguesa».78 Pelo contrário, uma tal Rússia até lhes traria desvantagens.
Em condições diferentes, isto é válido ainda no século XXI. Os actuais governos dos EUA e
da Grã-Bretanha, assim como alguns estados da NATO, principalmente a Polónia, não estão
nada interessados numa Rússia poderosa. As primeiras contradições sérias entre o
imperialismo actual da Rússia e o dos EUA tornaram-se claras no início do século XXI, com o
alargamento da NATO para Leste, na guerra do Iraque, nas ex-repúblicas soviéticas da Ásia
Central. Estas contradições continuarão inevitavelmente a agudizar-se, apesar das
declarações de «amizade» ocasionais e «apertos de mão» entre Pútine e Bush.
Churchill já tinha compreendido nos anos 30 que a Alemanha fascista representava um
perigo não só para a União Soviética mas também para a Grã-Bretanha. Aí distinguiu-se de
Chamberlain, o então primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Churchill e Chamberlain
desejavam ambos atiçar a União Soviética e a Alemanha uma contra a outra, de forma a que
numa tal guerra a União Soviética fosse destruída e a Alemanha enfraquecida, para que a
Grã-Bretanha pudesse afirmar a sua posição no mundo. A diferença entre ambos consistia
nos métodos. Chamberlain, através da política de «appeasement» (política de tranquilização,
UH), procurava orientar Hitler na direcção do Leste, principalmente contra a União
Soviética. O antigo embaixador soviético na Grã-Bretanha, I.M. Maíski, escreveu, nas suas
memórias, sobre a política britânica: «Na realidade, na transcrição da conversa entre Hitler
e Halifax, em 17 de Novembro de 1937, publicada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros
da URSS em 1948, é perfeitamente claro que Halifax, em nome do governo britânico,
propôs a Hitler um género de aliança na base de um “pacto a quatro” e da concessão de
carta branca na Europa Central e de Leste. Halifax declarou designadamente que “não se
devia excluir qualquer possibilidade de alteração da actual situação” na Europa,
precisando mais adiante que “nestas questões incluem-se Danzig, a Áustria e a
Checoslováquia.»79
Churchill considerava esta política perigosa, considerando que perigos que vinham da
Alemanha fascista para a Grã-Bretanha eram ainda maiores do que os que vinham da União
Soviética. (Note-se aqui à margem que da URSS não vinha perigo algum. A existência da
URSS exercia influência na classe operária britânica, mas isso é uma outra questão.
Manifestamente Churchill não sobrevalorizava esta influência.)
A decisão de Churchill por uma política consequente contra a Alemanha fascista foi dada
pelo Acordo de Munique, em 29 de Setembro de 1938 (Hitler, Mussolini, Daladier,
Chamberlain) sobre a divisão da Checoslováquia.
77
LW 31/314. [«Discurso na conferência de presidentes de comités executivos da gubérnia de
Moscovo», 15 de Outubro de 1920, Pravda, n.º 232, 17 de Outubro de 1920, V.I. Lénine, Obras
Completas, Moscovo, 1981, tomo 41, pp. 349-350. (N. Ed.)]
78
Idem, ibidem, p. 315. [Idem, ibidem, p. 350. (N. Ed.)]
79
I.M. Maíski, Memórias de um Embaixador Soviético, 1925-1945, Moscovo, 1964 e 1965, Berlim
1967, p. 408. [Tradução cotejada com o original russo, ed. Naúka, Moscovo, 1971; Tachkent, Uzbequistão,
1980, p. 291. (N. Ed.)]
21
Nas suas memórias, Churchill cita uma declaração do Comissário do Povo dos Negócios
Estrangeiros, Litvínov, que este tinha feito perante a Sociedade das Nações, em 21 de
Setembro de 1938: «Temos a intenção de cumprir com as nossas obrigações decorrentes do
pacto e, juntamente com a França, prestar assistência à Checoslováquia com os meios que
dispomos. O nosso Ministério da Guerra está pronto a participar de imediato num encontro
com os representantes dos ministérios da Guerra francês e checoslovaco, com vista a
discutir as medidas adequadas ao momento actual».80
Já em 2 de Setembro de 1938, Litvínov tinha pedido ao Encarregado de Negócios francês
em Moscovo (o embaixador Naggiar estava ausente) que informasse o governo francês «de
que o governo da URSS, no caso de uma invasão alemã à Checoslováquia, cumpriria as
suas obrigações resultantes do pacto de assistência mútua soviético-checoslovaco de 1935 e
prestaria ajuda militar à Checoslováquia. Dado porém que, de acordo com as disposições
deste Pacto, a obrigação de assistência da URSS só seria efectiva se em simultâneo a
França, igualmente ligada à Checoslováquia por um pacto de assistência, interviesse
militarmente contra a Alemanha, o governo soviético desejaria conhecer as intenções do
governo francês na actual situação. Pelo seu lado, o governo soviético propunha ao
governo francês a convocação imediata de uma cimeira de representantes dos estados-
maiores soviético, francês e checoslovaco para elaboração das medidas necessárias.»81
O governo soviético cumpriu o pacto assinado em 2 de Maio de 1935 com a França e com a
Checoslováquia de prestação de assistência militar no caso de uma agressão da Alemanha
fascista. Maíski refere que, mais ou menos na mesma altura, «Stáline informou o presidente
da Checoslováquia, Benes, através de Klement Gottwald como o próprio declarou mais
tarde, que a União Soviética estava preparada para prestar ajuda armada à
Checoslováquia, mesmo que a França o recusasse.»82
Churchill censurou o ministro dos Negócios Estrangeiros francês Laval por «nunca ter
tido a intenção» de «vincular a França a nenhum compromisso concreto que era hábito os
soviéticos exigirem.»83 Assim, «enquanto factor de segurança europeia, o pacto franco-
soviético, que não continha obrigações vinculativas para ambas as partes em caso de
agressão alemã, apresentava apenas vantagens limitadas. Uma verdadeira aliança com a
Rússia nunca se concretizou.»
Laval tinha estado no funeral de Pilsudski em Cracóvia, onde «se encontrou com Goering,
com quem conversou muito cordialmente. As suas expressões de desconfiança e de aversão
aos soviéticos foram devidamente comunicadas a Moscovo através dos canais alemães.»84
O governo soviético dera uma resposta «clara afirmativa» à pergunta do governo
checoslovaco sobre «se a União Soviética estava pronta, de acordo com o pacto sovieto-
checoslovaco, a prestar assistência imediata e efectiva à Checoslováquia, caso a França, fiel
às suas obrigações, prestasse uma assistência similar».85
80
Winston S. Churchill, A II Guerra Mundial, Berlim-Munique-Viena, edição de 1989, p. 156.
[Tradução cotejada com o original Inglês, Winston Churchill, The Second World War, Houghton Mifflin
Company, edição de 1986, Volume I, p. 273 (N. Ed.)]
81
Maíski, op. cit., p. 412. [Ed. cit, p. 299. (N. Ed.)]
82
Idem, ibidem p. 413. [Por motivos que desconhecemos esta passagem não consta na edição soviética
que temos vindo a cotejar. (N. Ed.)
83
Churchill, op. cit., p. 85. [Ed. cit., pp. 121-122. (N. Ed.)]
84
Idem, ibidem. [ed. cit., p. 122. (N. Ed.)]
85
Idem, ibidem, p. 156. [ed. cit., p. 274. (N. Ed.)]
22
Esta declaração inequívoca foi completamente ignorada por Chamberlain. Churchill
criticou este comportamento do primeiro-ministro britânico:
«A proposta soviética foi com efeito ignorada. Os soviéticos não foram colocados na
balança contra Hitler e foram tratados com indiferença – para não dizer desprezo – o que
deixou uma marca na memória de Stáline. Os acontecimentos seguiram o seu curso como se
a Rússia Soviética não existisse. Mais tarde pagámos isto caro.»86
Maiski confirmou estas afirmações de Churchill nas suas memórias:
«Com efeito, o que era realmente importante, nomeadamente a atitude da Inglaterra na
arena internacional, provocou-nos, como não podia deixar de ser, séria preocupação e
indignação. Em Munique, o famigerado Pacto dos Quatro, dirigido contra a URSS, tinha-se
de facto realizado na sua variante mais ignóbil e repugnante, um Pacto dos Quatro, no qual
as ditaduras fascistas davam indiscutivelmente o tom, os representantes da Inglaterra e da
França, pelo contrário, seguiam as suas ordens. E como foi característico o comportamento
do governo britânico naqueles críticos dias de Setembro! Não tentou uma única vez sequer
conferenciar com o governo da URSS sobre a questão checoslovaca e sobre a paz europeia.
Todas as conversações de Chamberlain com Mussolini, as suas viagens para encontros com
os ditadores fascistas, os seus acordos com eles, incluindo o Acordo de Munique – tudo isto
aconteceu nas costas do Governo soviético, que não foi informado uma única vez sobre os
acontecimentos. A única vez que Halifax entrou em contacto comigo para falar dos
acontecimentos de Setembro foi em 29 de Setembro, ou seja, numa altura em que
Chamberlain se encontrava em Munique e a destino da Checoslováquia já se encontrava
selado. De que se tratou nesta conversa? Da posição da Inglaterra na questão
checoslovaca? Sobre as perspectivas e deliberações do acordo com a Alemanha e a Itália?
Nada disso! Na sua conversa em 29 de Setembro, Halifax queria que eu me considerasse as
razões que levaram a Inglaterra e a França a declararem-se disponíveis para uma
conferência com os ditadores fascistas sem a URSS, mas a sua tentativa de justificação era
ela própria a acusação mais grave contra a política de Chamberlain. Aqui a transcrição
literal do que Halifax disse, citado de acordo com as suas próprias notas:
”Todos nós temos que levar em conta os factos e um destes factos, como ele (isto é, eu –
I.M.) bem sabe, é que os líderes dos governos alemão e italiano, na situação actual, não
estariam dispostos a participar numa conferência juntamente com o governo soviético.
Parece-nos ser excepcionalmente importante – e creio que para ele também – que as
questões litigiosas, com vista a se evitar a guerra, sejam resolvidas por via de negociações.
Foi exactamente esta consideração que levou o primeiro-ministro, ontem, a dirigir-se a
Hitler apelando à convocação de uma conferência, para a qual possam ser convidados
também outros, caso Hitler o deseje.”»87
Desde o Acordo de Munique, no Outono de 1938, que Churchill, segundo ele próprio
afirma, se esforçava por incluir a União Soviética numa coligação contra a Alemanha fascista
– o que em nada alterou as suas reservas anticomunistas e anti-soviéticas.
Mas Churchill era realista, uma aliança militar com a União Soviética parecia-lhe ser
necessária para salvaguardar a posição de potência mundial da Grã-Bretanha, que ele via
ameaçada pela Alemanha. Não havia manifestamente nenhum inconveniente em que o
Exército Vermelho sangrasse pelos interesses do imperialismo britânico.
86
Idem, Ibidem, p. 157. [ed. cit., p. 274-275. (N. Ed.)]
87
Maiski, op. cit., p. 420 e seg. [Por motivos que desconhecemos, apenas o último parágrafo desta
passagem se encontra na edição soviética que temos vindo a cotejar, p. 315. (N. Ed.)]
23
Churchill declarou peremptoriamente que os governos francês e britânico tinham a
responsabilidade de não se ter constituído uma aliança militar entre a Grã-Bretanha, França
e a União Soviética em 1939. Co-responsáveis eram também os governos da Polónia e da
Roménia, que não deram autorização às tropas soviéticas para atravessar o respectivo
território no caso de uma agressão alemã. O governo soviético tinha anunciado
inequivocamente que só participaria num pacto de assistência mútua se fossem incluídos
numa garantia geral a Finlândia e os estados bálticos, cujos governos anti-soviéticos
inveterados recusaram. Ao contrário, em 7 de Junho, os governos da Estónia e da Letónia
assinaram pactos de não-agressão com a Alemanha.88
Em 12 de Junho, o governo Chamberlain incumbiu um «funcionário competente»,
William Strang, mas «desconhecido fora do Ministério dos Negócios Estrangeiros», de ir a
Moscovo com a importante missão de procurar um entendimento com a União Soviética. «O
envio de uma figura tão subalterna», escreveu Churchill, «foi entendido como uma
ofensa».89 Por iniciativa do governo soviético, as conversações militares com os
representantes francês e britânico deviam continuar.
«Em 10 de Agosto, o governo britânico enviou o almirante Drax com uma missão a
Moscovo. Estes oficiais não tinham autoridade por escrito para negociar. A missão
francesa foi encabeçada pelo general Doumenc.»90
É Churchill que o diz. Os resultados são conhecidos. Em 23 de Agosto foi assinado o pacto
de não-agressão germano-soviético.
Churchill declarou posteriormente que teria sido possível um acordo com a União
Soviética. «O facto de tal acordo [entenda-se pacto de não-agressão germano soviético (N.
Ed.)] ter podido ser feito marca o culminar do fracasso da política externa britânica e
francesa e da diplomacia ao longo de vários anos.» 91
«Do lado soviético deve-se dizer que eles tinham uma necessidade vital de manter a zona
de concentração dos exércitos alemães o mais longe possível para Ocidente, de modo a dar
mais tempo aos russos para juntar as suas forças a partir de todas as partes do seu imenso
império. Tinham a memória viva dos desastres sofridos pelos seus exércitos em 1914,
quando se precipitaram para atacar os alemães num momento em que apenas tinham feito
parte da mobilização. Agora, porém, as suas fronteiras encontravam-se muito mais a Leste
do que na guerra anterior. Precisavam de ocupar os estados bálticos e uma grande parte
da Polónia, pela força ou pelo engano, antes de eles próprios serem atacados. Se a sua
política foi de sangue-frio, ela foi também nesse momento realista em alto grau.»92
O antigo embaixador dos EUA na União Soviética, Joseph E. Davis confirmou, pelo seu
lado, as afirmações de Churchill. O governo soviético «procurou diligente e vigorosamente
manter uma frente comum enérgica contra os agressores e foi um defensor sincero da
“indivisibilidade” da paz.
«A competente batalha de Litvínov pela paz e pelas ideias democráticas na Sociedade
das Nações e a atitude vigorosa do governo da União Soviética de estar preparada para
combater pela Checoslováquia foram indicações da verdadeira sinceridade da sua intenção
e de um alto grau de nobreza de espírito.» Davies descreve depois o comportamento dos
88
Churchill, op. cit., p. 181. [Ed. cit., p. 340. (N. Ed.)]
89
Idem, ibidem, p. 185. [Ed. cit., p. 347. (N. Ed.)]
90
Idem, ibidem, sublinhado meu. [Ed. cit., p. 348. (N. Ed.)]
91
[Idem, ibidem, Ed. cit., p. 351. (N. Ed.)]
92
Idem, p. 187.
24
governos inglês e francês em relação aos russos no Acordo de Munique como algo que era
«visivelmente uma política de “alfinetadas” e uma atitude de superioridade e desdém (…).
«Da política de “apaziguamento” resultou uma desconfiança ainda maior, pelo menos no
que diz respeito ao governo soviético, sobre a capacidade, as intenções ou mesmo sobre a
“palavra dada” do governo de Chamberlain ou do governo de Daladier.
«As propostas soviéticas de “uma aliança realista” para parar Hitler foram rejeitadas
pelo governo de Chamberlain em consideração pelos sentimentos dos polacos e estados
bálticos (…).
«Estes acontecimentos serviram para alimentar a suspeita e aumentar o
descontentamento dos realistas dirigentes soviéticos, incluindo Stáline. Manifestamente
fartaram-se de tentar deter o agressor participando nos assuntos europeus e,
caracteristicamente, inverteram a sua atitude decidindo assegurar a sua posição através
da conclusão do pacto de não-agressão com a Alemanha, o qual deverá assegurar a paz à
Rússia, pelo menos por enquanto, independentemente de qualquer possibilidade de guerra
na Europa.»93
Restam os muito discutidos chamados acordos adicionais ao pacto de não-agressão, nos
quais foram estabelecidas as linhas de demarcação entre o exército alemão e o Exército
Vermelho. Estes não trataram apenas de medidas de defesa necessárias à União Soviética. O
conhecido historiador marxista, Kurt Gossweiler, analisou-os sob dois aspectos:
«Do ponto de vista da justiça nacional e histórica a “delimitação das esferas de
interesses” significou a reparação da anexação violenta de territórios ucranianos e
bielorrussos efectuada em 1920 pela Polónia de Pilsudski, já que a linha de delimitação final
de 1939 coincidia exactamente com a linha que o então ministro dos Negócios Estrangeiros
britânico, Curzon, propusera nas negociações de paz de 1919, considerando pontos de vista
étnicos, como linha de fronteira Leste para o reconstruído Estado polaco.»94
«Mas o mais importante – e este foi para mim o ponto decisivo logo em 1939 – é que este
passo da União Soviética do ponto de vista de classe não só era legítimo, mas também
ousado e revolucionário. Ele não só frustrou – como se demonstrou rapidamente – intrigas
imperialistas, mas também limitou simultaneamente a zona de influência do fascismo
alemão e a do imperialismo e alargou a do socialismo, rompendo assim o “cordon
sanitaire”95, que o imperialismo tinha colocado à volta do Estado soviético desde o Báltico
ao Mar Negro, e foi buscar de novo à zona de domínio imperialista todos os territórios que
depois da I Guerra Mundial, devido à fraqueza do jovem poder soviético, lhe tinham sido
arrancados violentamente.»96
Com a assinatura do pacto de não-agressão germano-soviético, fracassou a política do
governo de Chamberlain de provocar a rivalidade entre a Alemanha e a União Soviética, para
que se destruíssem mutuamente numa guerra ou pelo menos se enfraquecessem
consideravelmente. Os imperialistas britânicos e franceses encontravam-se agora sós perante
93
Joseph E. Davies, Como Embaixador dos EUA em Moscovo, relatos autênticos e secretos sobre a
União Soviética até Outubro de 1941, Zurique, 1941, p. 352 e seg. [Mission to Moscow, by the former U.S.
ambassador to Russia, Joseph E. Davies, The Blakiston Company, Philadelphia, Pocket Books, Nova
Iorque, Novembro de 1943, 6ª edição. pp. 398-399. (N. Ed.)]
94
Kurt Gossweiler, Observações sobre o Pacto de Não-Agressão germano-soviético de 1939. In: Kurt
Gossweiler, Contra o Revisionismo, Artigos, Conferências, Cartas de seis decénios, Munique, 1997, p.
182. Aconselha-se a leitura integral destas «Observações…» p. 157-191.
95
Em francês no original, cordão sanitário. (N. Ed.)
96
Idem, ibidem, p. 183.
25
o imperialismo alemão, que tinham reforçado com o seu estúpido anti-sovietismo. Como diz
o povo, «o tiro saiu-lhes pela culatra». Daqui vem toda a gritaria sobre o «pacto do demónio»
dos «dois ditadores» e a grotesca mentira histórica de que Stáline, com a assinatura do pacto
de não-agressão tornou possível a II Guerra Mundial.
Com este pacto o governo soviético ganhou tempo precioso. Stáline não se deixou de
forma nenhuma enganar por Hitler, como afirma uma outra disparatada mentira histórica.
Stáline sabia muito bem que a União Soviética tinha simplesmente ganho tempo, tinha
prolongado a pausa respiratória.
A questão estratégica importante era conseguir determinar o momento provável da
esperada invasão da Wehrmacht alemã.
97
O Pacto Anti-Komintern foi assinado em 25 de Novembro de 1936 entre a Alemanha e o Japão.
Dirigia-se contra a União Soviética, a Internacional Comunista, contra movimentos democráticos. Com o
Pacto Anti-Komintern, a Alemanha e o Japão ambicionavam a conquista do domínio do mundo.
Prepararam com o apoio amigável das grandes «democracias» as suas guerras de agressão. As
«democracias» esperavam dirigir os estados anti-Komintern contra a URSS. A Itália aderiu ao Pacto Anti-
Komintern, em 6 de Novembro de 1937, seguiram-se a Hungria e o Mandschuko em Fevereiro de 1939, a
Espanha de Franco em Março de 1939 e os regimes fascistas da Bulgária, Finlândia e Roménia em
Novembro de 1941. Os países ocupados pela Wehrmacht, Dinamarca, Croácia e a Eslováquia foram
igualmente «vinculados» ao Pacto Anti-Komintern pelo Governo alemão.
26
em 10 de Setembro de 1945. Com as acções militares contra a China, os imperialistas
japoneses entraram em sérias contradições de interesses com os imperialistas britânicos e
americanos, que, porém, não desencadearam nenhuma acção contra o agressor, esperando
ainda poder dirigir o Japão exclusivamente contra a URSS. De início este cálculo parecia
resultar.
Em Julho de 1938, as tropas japonesas chegaram ao Lago de Khassan, nas proximidades
de Vladivostok, em território soviético. Em Agosto foram rechaçadas pelas tropas soviéticas
para lá da fronteira.
Em 13 de Maio de 1939, os imperialistas japoneses tentaram de novo uma agressão, desta
vez por atalhos, ao invadirem a região de Khalkhin-Gol, na República Popular da Mongólia.
Conforme o acordo de assistência da URSS com a República Popular da Mongólia (RPM),
de 12 de Março de 1936, no qual o governo da URSS se obrigara a defendê-la face a qualquer
agressão estrangeira, o Exército Vermelho, fiel ao acordo, prestou auxílio militar.
A invasão da RPM pelo 6.º Exército japonês não foi um simples conflito fronteiriço.
Tratou-se de uma guerra. Foi a primeira agressão militar de uma potência imperialista contra
a URSS, depois da Guerra de Intervenção. A pausa respiratória da URSS terminara. Reside
nisto o significado político e militar da guerra em Khalkhin-Gol. Registe-se pois a avaliação
desta guerra pelo marechal da União Soviética, G. K. Júkov, que comandou as tropas do
Exército Vermelho em Khalkhin-Gol, na sua primeira conversa com Stáline:
«Depois de me cumprimentar, acendendo o seu cachimbo, I.V. Stáline perguntou-me de
imediato:
«– Como avalia o exército japonês?
«– O soldado japonês, que se bateu contra nós em Khalkhin-Gol, está bem treinado,
particularmente para o combate a curta distância, – respondi. – É disciplinado, cumpridor
e persistente no combate, especialmente na defesa. Os comandos subalternos estão muito
bem treinados e lutam fanaticamente. Em regra não se entregam como prisioneiros e não
hesitam em cometer “harakiri”. O corpo de oficiais, especialmente os oficiais do estado-
maior e os generais, está mal preparado, tem pouca iniciativa e tende a actuar
rotineiramente.
No que respeita ao nível técnico do exército japonês, considero-o ultrapassado. Os
tanques japoneses, que correspondem ao nosso MS-1, estão completamente obsoletos, mal
equipados e têm um raio de acção reduzido. Tenho igualmente que dizer que no início da
campanha a aviação japonesa bateu a nossa aviação. Os aviões deles foram superiores aos
nossos enquanto não recebemos o “Tcháika”98 melhorado e o I-16. Mas quando chegou o
grupo de aviadores, heróis da União Soviética, sob o comando de Smuchkévitch, o nosso
domínio no ar tornou-se evidente. Há que sublinhar que tivemos perante nós as chamadas
unidades seleccionadas do exército imperial japonês.
Stáline ouviu tudo muito atentamente e depois perguntou:
– Como agiram as nossas tropas?
– As nossas tropas regulares bateram-se bem. Lutaram particularmente bem a 36ª
Divisão motorizada sob o comando de Petrov e a 57ª Divisão de Infantaria de Galánine,
vinda do Transbaikal.99 A 82ª Divisão de Infantaria, que veio dos Urais, combateu mal no
início. Havia nas suas fileiras soldados e comandantes mal treinados. Esta divisão foi
constituída na Mongólia e completada com recrutas pouco antes do seu transporte.
98
Polikarpov I-15, avião de caça ao qual devido à sua forma foi dado o nome de «Tcháika», gaivota. (NT)
99
Região administrativa da Rússia na Sibéria. (NT)
27
As brigadas de tanques bateram-se muito bem, especialmente a 11ª chefiada pelo
comandante de brigada e Herói da União Soviética, Iákovlev, mas os tanques BT-5 e BT-7
são demasiado inflamáveis. Se não estivessem à minha disposição as duas brigadas de
tanques e as três brigadas de blindados, não teríamos certamente podido cercar e derrotar
tão rapidamente o 6º Exército japonês. Considero que precisamos de aumentar
sensivelmente o número de tanques e de tropas mecanizadas na composição das nossas
forças armadas.
A nossa artilharia foi superior em todos os aspectos à japonesa, especialmente em tiro.
No seu conjunto as nossas tropas são bastante acima das japonesas.
As tropas mongóis, que receberam experiência, têmpera e auxílio do Exército Vermelho,
bateram-se bem, em particular o grupo de blindados no monte Bain-Tsagan. É preciso
dizer que a cavalaria mongol foi sensível aos ataques da aviação e ao fogo de artilharia e
sofreu grandes baixas.
– Que ajuda lhe deram Kulik, Pavlov e Vóronov? – perguntou Stáline.
– Vóronov deu uma boa ajuda no planeamento do fogo de artilharia e na organização
do transporte de munições. No que diz respeito a Kulik, não consigo mencionar nenhum
trabalho útil da sua parte. Pavlov ajudou os nossos tanquistas, partilhando com eles a
experiência que ganhou em Espanha.
Observava atentamente I.V. Stáline e pareceu-me que me ouvia com interesse.
Continuei:
– Para todas as nossas tropas, para os comandantes das unidades e para mim
pessoalmente, os combates contra os japoneses em Khalkhin-Gol foram uma grande escola
de experiência de combate. Penso também que o lado japonês irá agora retirar conclusões
mais justas sobre a força e capacidade do Exército Vermelho. (…)
«– Diga-me, que dificuldades enfrentaram as nossas tropas em Khalkhin-Gol? –,
interveio M. I. Kalínine na conversa.
«– As principais dificuldades estiveram relacionadas com questões do abastecimento
material e técnico. Tivermos que transportar tudo o que era preciso para o combate e para
a subsistência das tropas numa distância entre 650 a 700 quilómetros. As bases de
abastecimento mais próximas encontravam-se no território da Região Militar do
Transbaikal. Mesmo a lenha para a cozinha tinha de ser transportada mais de 600
quilómetros. A distância de ida e volta era de 1300 a 1400 quilómetros, daí o enorme
consumo de gasolina, que também tinha de ser transportada da União Soviética.
O Conselho Militar da Região de Transbaikal, o coronel-general Chtern e o seu aparelho
ajudaram-nos muito a superar estas dificuldades. Os mosquitos, muito numerosos em
Khalkhin-Gol, foram uma grande contrariedade. À noite comiam-nos literalmente. Os
japoneses protegiam-se com mosquiteiros especiais. Nós não os possuíamos e preparámo-
los muito mais tarde.»
– Qual era, na sua opinião, o objectivo principal do governo japonês ao organizar a
invasão? – perguntou Kalínine.
– O objectivo imediato era ocupar o território da RPM [República Popular da Mongólia]
no outro lado do rio Khalkhin-Gol e depois construir aí uma linha fortificada para proteger
a projectada segunda linha férrea de importância estratégica, que deverá passar a Oeste
da Linha Férrea da China Oriental até à nossa fronteira do Transbaikal.
– Agora você tem experiência de combate – disse Stáline. – Assuma o comando da
Região Militar de Kíev e utilize sua experiência no treino das tropas.
28
Enquanto estive na RPM não tive possibilidade de estudar em pormenor os combates, o
curso das operações militares entre a Alemanha fascista e o bloco franco-britânico.
Aproveitando a ocasião, perguntei:
– Como interpretar o carácter extremamente passivo da guerra no Ocidente e que
desenvolvimento provável terão os acontecimentos militares no futuro?
Stáline sorriu com malícia e respondeu:
– O governo francês de Daladier e o governo britânico de Chamberlain não querem
envolver-se seriamente na guerra contra Hitler. Ainda esperam incitar Hitler para uma
guerra contra a União Soviética. Quando em 1939 se recusaram a criar connosco um bloco
anti-Hitler, não quiseram atar as mãos de Hitler na sua agressão contra a União Soviética.
Mas disto não resultará nada. Vão ter eles próprios que pagar pela a sua política
imprevidente.
Naquela noite, ao regressar ao Hotel Moskva, estive longamente sem conseguir
adormecer, permanecendo sob o efeito desta conversa.
A aparência de Stáline, a sua voz baixa, a concreção e a profundidade das suas opiniões,
o seu conhecimento das questões militares, a atenção com que ouvira o meu relatório
causaram-me uma grande impressão.100
As forças anti-soviéticas que dominavam a Finlândia, dirigidas pelo general barão von
Mannheim, tinham tornado o país numa zona de concentração do bloco franco-britânico e do
imperialismo alemão contra a URSS. Numa conversa, em Junho de 1939, com o general K.A.
Meretskov, mais tarde marechal da União Soviética, Stáline manifestou sérias preocupações
sobre a situação na fronteira finlandesa.
A situação era «alarmante». Na esperada guerra, a Finlândia podia ser o ponto de partida
de ambos os principais grupos burgueses, o franco-inglês e o alemão, para acções inimigas
contra a União Soviética. Leninegrado encontrava-se na zona de fogo da artilharia inimiga.
No lado finlandês construíam-se fortificações e estradas estratégicas. No Verão de 1939 a
Finlândia mobilizou as suas forças armadas, que eram «aconselhadas» por oficiais ingleses –
franceses e alemães, num momento em que a II Guerra Mundial já se tinha iniciado entre
estas duas potências. A defesa de Leninegrado era um imperativo da segurança nacional da
URSS. O Governo soviético tinha proposto, em Outubro de 1939, um pacto de assistência
mútua e uma troca de territórios ao governo finlandês, para transferir a fronteira fino –
soviética junto a Leninegrado mais para Norte, no istmo da Carélia até à região de Víborg. A
Finlândia devia receber em troca um território sete vezes maior, a Noroeste do Lago Onega.
O governo finlandês recusou ambas as propostas. Meretskov recorda: «Em 26 de Novembro,
recebi um relatório especial informando que os finlandeses tinham feito fogo de artilharia,
perto da localidade de Maínila, contra os nossos guardas fronteiriços. Tinham sido mortos
quatro homens e nove ficaram feridos. Depois de dar ordens para colocar a fronteira em
toda a sua extensão sob controlo das forças da região militar, enviei de imediato para
Moscovo o relatório da ocorrência. De lá veio a instrução para nos prepararmos para um
contra-ataque. Foi-nos concedida uma semana para a preparação, mas na prática tivemos
que encurtar o prazo para quatro dias dado que destacamentos finlandeses começaram a
atravessar a fronteira em diferentes locais e infiltraram-se no nosso território, enviando
grupos de diversão para a retaguarda soviética. Seguiu-se a declaração por parte da URSS
100
G.K. Júkov, Memórias e Reflexões, Vol 1/4, edição revista, Moscovo, 1969, Berlim, 1973, pp.
210-213. [G.K. Júkov, Vospominania e Razmechlenia, em dois tomos, Olma-Press, Moscovo, 2002, tomo
I, pp. 183-186. (N. Ed.)]
29
e, às 8 horas da manhã de 30 de Novembro, as tropas regulares do Exército Vermelho
começaram a resistir às operações anti-soviéticas.
As tropas receberam ordens para rechaçar o inimigo em Leninegrado, defender a
fronteira da Carélia e o oblast de Murmansk e obrigar as marionetas das potências
imperialistas a desistir de provocações futuras contra a URSS. Além disso, o objectivo
principal era a eliminação da praça de armas no istmo da Carélia.»101
101
Ver K.A. Merezkov, Ao Serviço do Povo, Moscovo 1968, Berlim 1972, p. 189. [K.A. Meretskov, Na
Slujbe Narodu, Politizdat, Moscovo, 1968, p. 183. (N. Ed.)]
102
SW 13/259. [«Relatório sobre a actividade do CC ao XVII Congresso do PCU(b)», 26 de Janeiro de
1934, I.V. Stáline, Obras, ed. cit., tomo 13, p. 291. (N. Ed.)]
103
Idem, ibidem, p. 260. [Idem, ibidem, p. 292. (N. Ed.)]
104
Idem, ibidem, p. 268. [idem, ibidem, p. 300. (N. Ed.)]
105
Idem, ibidem, p. 269. [idem, ibidem, p. 301. (N. Ed.)]
106
Idem, ibidem. [idem, ibidem, p. 302. (N. Ed.)]
30
De igual modo, a URSS não estava a orientar-se nem para a Alemanha, nem para a França
ou a Polónia. «Orientámo-nos no passado e orientamo-nos no presente pela URSS e só pela
URSS. E se os interesses da URSS exigem uma aproximação com este ou aquele país, que
não está interessado em violar a paz, fá-lo-emos sem vacilar.»
Isto era claro. A política externa da URSS era uma política de classe. A sua orientação era a
manutenção da paz, a segurança da URSS enquanto primeiro estado socialista e baluarte do
movimento operário internacional. Só nesta perspectiva se pode avaliar a «aproximação» a
este ou aquele país. Depois desta exposição, o pacto de não-agressão germano-soviético não
deveria surpreender ninguém.
Resumidamente, Stáline declarou: «A nossa política externa é clara. É uma política de
manutenção de paz e de intensificação das relações comerciais com todos os países. A URSS
não pensa ameaçar ninguém e muito menos atacar alguém. Nós somos pela paz e
defendemos a causa da paz. Mas não temos medo das ameaças e estamos prontos a
responder na mesma moeda aos incendiários da guerra. (Aplausos entusiásticos.) Quem
quer a paz e procura relações efectivas connosco encontrará sempre apoio do nosso lado.
Mas aqueles que tentam atacar o nosso país terão uma resposta fulminante para que não
voltem a ter vontade no futuro de meter o seu focinho suíno na nossa horta soviética. (Salva
de aplausos.) Esta é a nossa política externa (Salva de aplausos.)
A tarefa consiste em aplicar esta política com toda a perseverança e coerência também
doravante.»107
Cinco anos mais tarde, no XVIII Congresso do PCU(b), de 10 a 21 de Março de 1939,108
Stáline analisou novamente a situação internacional da União Soviética e a dramática
escalada do perigo de guerra.
«A nova guerra imperialista já vai no segundo ano, desenrolando-se num enorme
território de Xangai a Gibraltar e abrangendo mais de 500 milhões de pessoas. O mapa da
Europa, África e Ásia está a ser totalmente refeito pela violência».109
As contradições do sistema imperialista já não podiam resolver-se através da
«concorrência nos mercados», da «guerra comercial», do «dumping». Do que agora se
tratava era de «uma nova repartição do mundo, das esferas de influência, das colónias, por
via das operações militares. (…) Na ordem do dia está colocada a questão de uma nova
repartição do mundo através da guerra.»110
Formara-se um bloco «de três estados agressivos», que iniciaram as novas guerras
imperialistas. Em 1935, a Itália invadiu e anexou a Abissínia, seguiu-se em 1936 a
intervenção militar da Alemanha e Itália em Espanha, em 1937 o Japão invadiu o Norte e
Centro da China, depois de ter anexado a Manchúria em 1938, a Alemanha anexou a Áustria
e as região dos sudetas na Checoslováquia. «O Japão rasgou o Pacto das Nove Potências,111 a
107
Idem, ibidem, p. 272. [idem, ibidem pp. 305-306. (N. Ed.)]
108
SW 14/180-235.
109
Idem, ibidem, p. 180. [«Relatório sobre a actividade do CC ao XVIII Congresso do PCU(b)», de 10
de Março de 1939, I.V. Stáline, ed. cit., Moscovo, 1997, tomo 14, p. 290. (N. Ed.)]
110
Idem, p. 184. [Idem, ibidem, p. 294. (N. Ed.)]
111
Trata-se do pacto assinado na Conferência de Washington (12 de Novembro de 1921/6 de Fevereiro
de 1922) por todas as potências do Pacífico, excepto a Rússia Soviética. O pacto devia determinar as
esferas de influência das potências imperialistas, especialmente entre os EUA e o Japão. A China e a Rússia
Soviética não foram convidadas para a Conferência de Washington. A Conferência de Washington,
incluindo o Pacto das Nove Potências, tinha uma orientação anti-soviética e antichinesa.
31
Alemanha e a Itália – o Tratado de Versalhes. Para ficarem com as mãos livres estes três
estados saíram da Sociedade das Nações.»112
A nova guerra imperialista ainda não se transformara numa guerra mundial. Embora os
estados agressores ferissem «de todas as formas» os interesses dos estados «não-
agressivos», a Inglaterra, a França, os EUA, estes últimos recuavam e faziam «cedências
umas atrás das outras aos agressores».
E apesar de os estados «democráticos», «não-agressivos», tomados em conjunto, serem
tanto económica como militarmente indiscutivelmente mais fortes que os estados fascistas,
recuavam perante estes. Isto devia-se sobretudo ao facto de a maioria dos países não –
agressivos, antes de mais a Inglaterra e a França, se ter demarcado da «política de segurança
colectiva», «da política da resistência colectiva» aos agressores, e ter adoptado uma posição
de não-intervenção de «neutralidade».
Sobre as razões de tal comportamento, Stáline afirmou:
«Na verdade, porém, a política de não-intervenção significa a conivência com a
agressão, com o desencadeamento da guerra e, consequentemente, a sua transformação
numa guerra mundial. Na política de não-intervenção transparece o propósito, o desejo de
não impedir o agressor de realizar a sua obra perniciosa, não impedir, digamos, o Japão
de se envolver numa guerra contra a China, ou melhor ainda contra a União Soviética, de
não impedir, digamos, a Alemanha de se atolar nos assuntos europeus, se envolver numa
guerra contra a União Soviética, e fazer com que todos os participantes da guerra se
atasquem no lodaçal da guerra, estimulá-los pela calada, fazer com que se enfraqueçam e
esgotem mutuamente, para depois quando já estiverem suficientemente enfraquecidos,
entrar em cena com forças frescas – naturalmente “no interesse da paz”, e ditarem as suas
condições aos participantes enfraquecidos na guerra.»113
Na realidade, o objectivo dos estados «democráticos», «não-agressivos» era provocar uma
guerra entre a URSS e a Alemanha.114 Não há nenhum fundamento para duvidar de que
Stáline tinha compreendido correctamente a situação. Podemos porém interrogar-nos por
que razão terá caracterizado os estados «democráticos» como «não-agressivos», conhecendo
ele tão bem o seu comportamento. A sua agressividade distinguia-se dos estados fascistas
apenas por não ser aberta, mas sim dissimulada. A política de apaziguamento de
Chamberlain não autoriza nenhuma outra conclusão.
«Pode-se pensar que deram as regiões da Checoslováquia aos alemães como o preço pelo
compromisso de estes desencadearem a guerra contra a União Soviética, mas os alemães
agora recusam-se a pagar a letra de câmbio e mandam-nos dar uma volta.»115
Uma nova guerra de agressão ameaçava a União Soviética. Stáline não tinha a mínima
dúvida sobre isto. Preparar-se para esta guerra era uma obrigação da política de classe
nacional e comunista, tanto perante os povos da União Soviética, como perante a classe
operária internacional, a Internacional Comunista.
112
SW 14/185. [Op. cit., p. 295. (N. Ed.)]
113
Idem, ibidem, p. 188. [Idem, Ibidem, p. 297. (N. Ed.)]
114
Idem, ibidem, p. 189.
115
Idem, ibidem, p. 190. [Idem, ibidem, p. 299. (N. Ed.)]
32
1952, se pode formular da seguinte forma: «Assegurar a máxima satisfação das
necessidades materiais e culturais em permanente crescimento do conjunto da sociedade,
através do crescimento e aperfeiçoamento contínuo da produção socialista na base de uma
técnica superior.»116
Não se trata aqui de salientar que esta lei fundamental não podia ter sido compreendida e
formulada nos anos 20 e 30, nem de lembrar que ela foi abordada de outra forma por Walter
Ulbricht nos anos 60,117 mas pretende-se somente evitar falsas interpretações.
Esta lei fundamental não se referia às condições políticas internas, nas quais decorria a
construção do socialismo num só país e, depois da II Guerra Mundial, num grupo de estados.
Nos objectivos da política económica socialista – num só país! – rodeado por um meio
imperialista hostil, a preparação para a guerra assumiu uma importância prioritária na
URSS.
A defesa do país depende da economia e, inversamente, as exigências da defesa marcam a
economia. No Anti-Dühring, Engels chamou a atenção para que a «violência não é um mero
acto de vontade», mas pressupõe, pelo contrário, «condições prévias muito reais para o seu
exercício, nomeadamente instrumentos, o mais perfeito dos quais esmaga o mais
imperfeito; estes instrumentos têm de ser produzidos o que significa também que o
produtor dos instrumentos de violência mais perfeitos (…) triunfa (…), numa palavra, a
vitória da violência assenta na produção de armas, e esta, por sua vez, na produção em
geral, e portanto no "poderio económico", na "situação económica", nos meios materiais que
estão à disposição da violência (…). Armamento, composição, organização, táctica e
estratégia dependem principalmente do nível atingido pela produção em cada caso, bem
como das comunicações.» Em 1877, quando Engels escreveu o Anti-Dühring, a violência
eram «os exércitos e a marinha de guerra», e ambos custavam «um montão de dinheiro».
O desenvolvimento acelerado da indústria nos anos 20 e 30 na União Soviética deve ser
compreendido, em primeiro lugar, sob a óptica da defesa contra uma agressão imperialista.
No seu discurso na I Conferência da União dos Quadros da Indústria Socialista, em 4 de
Fevereiro de 1931, Stáline foi claro: «Estamos 50 a 100 anos atrasados em relação aos
países mais avançados. Temos de percorrer esta distância em dez anos. Ou conseguimos
fazê-lo ou seremos esmagados.»118 Que isto também custaria «um montão de dinheiro» era,
naturalmente, do conhecimento de Stáline.
Para demonstrar o imenso atraso herdado do tsarismo na indústria de armamento
soviética só no sector da aviação, cito o elucidativo artigo «Stáline e o Alumínio»119 do
jornalista económico da RDA, Walter Florath.
Florath cita a descrição de Ludwig Renn, no romance Guerra, de como os soldados foram
alimentados pela cozinha de campanha durante a marcha sobre Paris. «Tinham pratos de
alumínio (…) e sopravam a colher quente.» Vinte anos mais tarde, Oskar Maria Graf visitou
a Geórgia com uma delegação alemã. Escreveu: «Parecia-me que a Rússia, este país
gigantesco, complicado, era como uma floresta virgem impenetrável, que os soviéticos
arroteavam e tornavam habitável, como colonos audazes e incansáveis». Graf descreve um
116
SW 15/331. [Problemas Económicos do Socialismo na URSS, I.V. Stáline, ed. cit., Moscovo, 1997,
tomo 16, p.182. (N. Ed.)]
117
Ver Economia Política e a sua aplicação na RDA, 1ª ed., Berlim, 1969, p. 237.
118
SW 13/36. [«Acerca das tarefas dos dirigentes económicos: discurso na I Conferência de Toda a
União dos Trabalhadores da Indústria Socialista», 4 de Fevereiro de 1931», I.V. Stáline, ed. cit., tomo 13,
Moscovo, 1951, p. 38. (N. Ed.)]
119
Offensiv, Caderno 8/2000, ed. Novembro/Dezembro, p. 32 – 38.
33
banquete numa aldeia: «Acocoravam-se em círculo e comiam a refeição com as mãos de
tigelas em madeira ou com colheres de pau». Interrogou-se: «Que cheiro horrível é este?»,
ao que respondeu: «A maior parte das pessoas lavam-se com urina de cavalo». Era uma
forma de combater os piolhos.120 Florath constatou que os caucasianos, em 1934, não
conheciam o alumínio, nem insecticidas. E cita Iliá Erenburg na sua trilogia Gente, Anos,
Vida, onde, numa das suas viagens pela URSS, em 1932, descreve o refeitório de uma fábrica
em construção: «À entrada da barraca tiravam-nos os gorros; só os devolviam depois de os
operários entregarem as colheres. Os gorros ficavam a monte no chão; cada um tinha de
procurar o seu.» Erenburg disse ao chefe da cantina que isto era humilhante. Mas ele
respondeu com rudeza: «Quem responde pelas colheres sou eu, e não você!»121
A produção de alumínio começara há pouco tempo e o fabrico de colheres não era a
principal prioridade. Aos poucos foram fornecidas às fábricas, mas em casa ainda se comia
com colheres de madeira.
Era este país que devia resistir à esperada agressão de um Estado imperialista fortemente
armado! Esta situação explica a pressão que Stáline exercia para impor a industrialização
num curto espaço de tempo. Florath cita da Estatística Anual do Reich alemão 1941/42,
Secreto:
120
Idem, ibidem, p. 33.
121
Idem, ver Iliá Erenburg, Gente, Anos, Vida. Memórias, Vol. II, Terceiro Livro, Moscovo, 1956-
1967, Berlim, 1978, p. 235.
122
Stuka era a designação popular dos bombardeiros de mergulho Junkers Ju 87. (N. Ed.)
34
extraído principalmente através da electrólise, conduzindo-se uma corrente eléctrica
através de um caldo de bauxite, para que se forme uma placa de alumínio no ânodo.»123
Portanto, para a produção de alumínio, a URSS necessitava também de centrais eléctricas
e respectivo equipamento, e para isso necessitava, por outro lado, de aço para produzir
máquinas. Resumindo: para a produção de alumínio é necessária uma indústria moderna
completa, que na URSS, justamente, ainda não existia.
Já antes da I Guerra Mundial, a Rússia estava muito atrasada em relação à Alemanha,
França, EUA. Na História Mundial da editora Ullstein, de 1925, encontram-se os seguintes
dados:
«Produção de carvão em milhões de toneladas (1913):
EUA: 517; Inglaterra: 292; Alemanha: 262; França: 41; Rússia: 36.
Produção de ferro em bruto em milhões de toneladas (1913):
EUA: 31,5; Alemanha: 19,3; Inglaterra: 10,4; França: 5,3; Rússia: 4,6.
A I Guerra Mundial, guerra civil e de intervenção das potências imperialistas
provocaram destruições colossais na Rússia. Em 1920, a agricultura só atingia 65 por cento
da produção de 1913.
A produção da indústria pesada era dez por cento inferior à de 1913. A extracção de
carvão na bacia do Donets atingia em 1920/21 apenas 20 por cento, a metalurgia na
Ucrânia nem sequer representava quatro por cento do nível de antes da guerra.»
Para construir uma indústria moderna também é necessário mão-de-obra especializada,
engenheiros, operários especializados, que tinham de ser formados e também para isso era
preciso criar condições materiais. Sem alumínio, não era possível produzir aviões,
designadamente aviões de combate. E para uma aviação militar também era preciso formar
pilotos, navegadores, engenheiros e outro pessoal especializado para a manutenção.
Volkogónov, um dos mais sinistros escritores da glasnost, que só escreve sobre Stáline de
forma depreciativa, não pode naturalmente compreender, que Stáline tenha elevado «ao
máximo a fasquia da exigência na resolução das tarefas de defesa, normalmente até ao
limite das capacidades humanas». Contudo, tem de admitir que «Stáline compreendeu que
da mobilização de todos os recursos do país dependia a sua capacidade de resistir às
provações futuras». 124
«Stáline acompanhava com atenção os principais construtores da indústria de defesa do
país. (…) Conhecia pessoalmente a maior parte deles, com quem se encontrava
frequentemente no Krémlin para discutirem diferentes questões técnicas e organizativas. As
decisões de Stáline eram invariavelmente rigorosas, até mesmo impiedosas. O seu
cumprimento exigia sempre sacrifícios. Por exemplo, para eliminar o atraso na indústria
aeronáutica, em Setembro de 1939, por insistência de Stáline, o Politburo do CC do PCU(b)
aprovou a decisão de construir, entre 1940 e 1941, nove novas fábricas de aviões! Foi ainda
decidido reconstruir um número idêntico de fábricas. A indústria aeronáutica começou a
trabalhar num ritmo brutal. O respectivo Comissário do Povo informava diariamente o CC
sobre a quantidade de aviões e motores produzidos. As pessoas não saíam durante vários
dias das linhas de montagem, dos laboratórios e gabinetes de engenharia. Em termos
quantitativos, a indústria aeronáutica deu um brusco salto, mas só na segunda metade de
1940 começou a construir novos modelos de aviões.»
123
Florath, op. cit., p. 34.
124
Dmítri Volkogónov, Triunfo e Tragédia. Retrato Político de I.V. Stáline. Em dois volumes. Vol. 2/1.
1ª ed., Berlim, 1990, p. 58 e seg. [Cotejado com a edição soviética, em quatro volumes, Agência de
Imprensa Novosti, Moscovo, 1989, volume II, p. 71-72 (N. Ed.)]
35
Volkogónov não pode, portanto, negar a justeza destas decisões de Stáline mas, na sua
posição patológica anti-Stáline, não relaciona a necessária dureza das decisões de Stáline com
o ameaçador perigo de guerra, o qual também não pode negar, mas prefere sublinhar que
«Stáline era por natureza uma pessoa cruel». Uma interpretação histórica tão
deslumbrante, que se aniquila a si própria e não necessita de nenhum comentário.
Durante a construção da Força Aérea, ainda por cima a um ritmo forçado devido à
situação internacional, as avarias e acidentes eram inevitavelmente frequentes. Havia
deficiências na qualidade da produção dos primeiros aviões. Mas as avarias não foram
nenhuma especificidade da indústria de Defesa soviética. Em nenhum país se construiu uma
Força Aérea sem avarias. Porém, na guerra contra os agressores japoneses em Khalkhin-Gol,
no Verão de 1939, as máquinas e os pilotos soviéticos deram boas provas, como Júkov refere
explicitamente nas suas memórias.125 De acordo com memórias de pilotos soviéticos que
lutaram voluntariamente na China contra os invasores japoneses (1937-1940), as máquinas
soviéticas, que correspondiam ao nível técnico de então, estiveram à altura das exigências. As
suas experiências nos combates aéreos mostraram, naturalmente também, limitações
técnicas que foram tomadas em conta pela indústria aeronáutica soviética no
desenvolvimento de novos modelos.126
Sobre a preparação material e técnica da União Soviética para uma agressão imperialista,
merecem ainda referência algumas passagens do antigo embaixador dos EUA na União
Soviética, Joseph E. Davies (com indicação de data sempre que possível):
«Há todavia um aspecto da indústria pesada que é de importância vital, talvez até para
a própria existência do governo, i.e., a sua necessidade como parte do estado de preparação
para a guerra. Observadores militares consideram em geral que o actual exército soviético
é de primeira classe no que respeita aos efectivos militares e quadro de oficiais. Pensa-se em
geral que este exército terá uma excelente prestação em caso de guerra. Mas nas condições
da guerra moderna, a linha da frente não é mais forte do que a segunda linha de defesa,
i.e., os abastecimentos de equipamento, tanques, munições e outros. Tanto quanto sei, os
membros responsáveis do governo estão muito “conscientes da guerra”. Avaliam
profundamente a ameaça da Alemanha, por um lado, e a do Japão, por outro. Não há
dúvidas, no entanto, de que Kalínine exprimiu a opinião dos seus pares quando me declarou
que tinham total confiança no exército e se sentiam seguros contra um ataque, mesmo que
fosse simultâneo de ambos os lados. A localização das suas indústrias no país indica que o
plano industrial foi em parte concebido e organizado como uma medida de guerra.» (28
Julho de 1937).127
«A ameaça de guerra exigiu um aumento de 15 a 20 vezes das verbas cativadas pelo
Estado, respectivamente, em 1935 e 1936, em relação ao orçamento de 1931. Este foi um
pesado fardo suportado directamente pelo programa industrial. Muitas indústrias foram
convertidas para usos militares. Fábricas de maquinaria agrícola, instalações fabris,
indústrias siderúrgicas e outras foram redireccionadas para a construção de tanques,
aviões, munições de guerra e afins. Isto abrandou novamente a realização dos benefícios
prometidos ao proletariado pelo “poder instalado”».» (28 de Julho de 1937)128
125
Ver Júkov, op. cit., p. 186 e seg.
126
Ver No Céu da China. 1937-1940. Memórias de pilotos soviéticos, 1ª ed., Moscovo, 1980, Berlim,
1986.
127
Joseph E. Davies, op. cit., p. 114. [cotejado com o inglês, ed. cit., pp.166-167. (N. Ed.)]
128
Na citada edição em inglês, p. 175 (N. Ed.)
36
A indústria de armamento, imposta pelos estados imperialistas à URSS, fez-se,
naturalmente, à custa da produção de bens de consumo. Também na URSS a indústria de
armamento custou «um montão de dinheiro». Davies: «Um quarto do rendimento nacional
do ano passado (1937/UH) foi destinado para fins militares. Isto representa
aproximadamente 25 mil milhões de rublos. Segundo o valor do rublo em ouro de
contrabando, isto representa entre dois mil milhões a 2500 milhões de dólares. Este ano, as
despesas serão provavelmente ainda maiores. Há indícios de uma quase febril preparação
para a guerra. Enormes reservas de víveres e abastecimentos militares, tanques, caças de
submarinos, aviões, camiões e outros, segundo relatos de viajantes, estão a ser enviados
para o Extremo Oriente numa corrente infindável».
«As indústrias que estão directamente ligadas às necessidades militares foram
recentemente colocadas sob o controlo directo e supervisão do Exército». (Abril de 1938)129
«A região citada produz 75 por cento dos produtos petrolíferos da União Soviética e
possui a mais ampla e importante rede de oleodutos. O distrito de Batum-Baku e o Cáucaso
produzem cerca de 90 por cento da produção petrolífera total dos soviéticos. As reservas
petrolíferas da União Soviética são, sem dúvida, das maiores do mundo. A produção de
petróleo na União Soviética é considerada a maior da Europa. A exportação de petróleo e
de produtos petrolíferos caiu de seis milhões de toneladas em 1932 para três milhões de
toneladas em 1935, e para 1.929.147 toneladas em 1937. Tendo em conta as enormes
reservas reclamadas pela União Soviética, teria apesar de tudo interesse obter uma
avaliação sobre os equipamentos existentes ou em construção para a exportação de
petróleo ou de produtos petrolíferos nos mais importantes portos da União Soviética.
«Relacionado com a indústria petrolífera na União Soviética, um facto digno de nota é o
enorme aumento do consumo do país. Os esforços feitos nos últimos dez anos para
industrializar o país, mecanizar a agricultura e aumentar a produção, e o uso de
automóveis e camiões provocaram um aumento do consumo de gasolina totalmente
desproporcional em relação ao aumento da produção deste carburante. Em 1932 o
consumo de gasolina era de 647 mil toneladas, o que correspondia a perto de 25 por cento
da produção. Em 1937, este consumo aumentou seis vezes para cerca de 3500 milhões de
toneladas, enquanto a produção apenas duplicou no mesmo período, i.e., de 2459 milhões
de toneladas em 1932 para 4870 milhões de toneladas em 1937. O resultado foi a
diminuição constante da exportação de produtos petrolíferos acima referida. Isto também
explica em parte o aumento das importações soviéticas de petróleo e produtos petrolíferos.
Nos últimos dois anos só as importações dos EUA aumentaram cerca de 600 por cento.
Estas importações consistem, na sua maior parte, em gasolina de aviões da Califórnia com
elevado teor de octanas, que é transportada por barco para o Extremo Oriente soviético.
Uma outra razão destas importações deve-se seguramente ao facto de a União Soviética
estar também a fazer grandes esforços para preservar e ampliar as suas reservas militares
de gasolina. Este é um dos pontos mais fracos na economia militar soviética. No último
Verão, em Moscovo, era difícil encontrar mesmo gasolina de segunda ou terceira qualidade
para camiões.» (1 de Junho de 1938)130
129
Idem, ibidem, pp. 266-267. (N. Ed.)
130
Idem, ibidem, p. 175. [Idem, ibidem, ed. cit., pp. 286-288. (N. Ed.)]
37
A «decapitação» do Exército Vermelho: Verdade e lenda
Naturalmente que também as Forças Armadas da URSS tinham de ser preparadas para a
situação de defesa. O problema principal nas Forças Armadas consistia na infiltração do
corpo de oficiais por trotskistas e agentes de potências estrangeiras. O conflito com os
trotskistas e o grupo de Bukhárine no partido131 também se desenrolava nas Forças Armadas
e no aparelho de segurança do NKVD.132 Os trotskistas, colocados nos mais altos postos de
comando, no Quartel-General e na direcção das regiões militares, no Exército, na Marinha e
na Força Aérea representavam um perigo mortal para a União Soviética.
A tese anti-stalinista da «decapitação» do Exército Vermelho por Stáline tem sido desde
sempre divulgada no publicismo burguês, revisionista e trotskista, baseando-se em parte em
números astronómicos de condenações à morte. Depois de sucessivas publicações de
materiais de arquivo, nos anos 90, estas mentiras estão refutadas.133
Da dissertação bem fundamentada de Andrea Schön «Mentiras históricas: fundamentos
do anti-stalinismo»134, refiro os seguintes números: «De acordo com informações publicadas
na imprensa, em Fevereiro, foram condenadas à morte 786 098 pessoas em 23 anos (entre
1930 e 1953), por crimes contra a revolução, das quais 631 692 nos anos 1937 e 1938. Estes
números, na verdade, ainda precisam de confirmação. De acordo com os dados dos
arquivos em apreço, Mário de Sousa135 calcula em cerca de 100 mil o número das sentenças
de morte realmente executadas entre 1937 e 1938. Muitas das sentenças de morte foram
comutadas em penas de prisão ou então baseavam-se em crimes como assassínios ou
violações.
«Finalmente resta a questão da duração média das condenações em campos de trabalho.
Os propagandistas anticomunistas criam a impressão de que um prisioneiro normalmente
não sobrevivia ao campo de trabalho ou então era mantido preso indefinidamente.
Contudo, demonstra-se que o tempo de condenação para a maioria dos prisioneiros, na
época de Stáline, era de cinco anos no máximo. Assim, de acordo com a American Historical
Review, em 1936 foram condenados até cinco anos 82,4 por cento dos prisioneiros comuns e
17,6 por cento entre cinco a dez anos. Dos prisioneiros políticos, 44,2 por cento foram
condenados a penas até cinco anos e 50,7 por cento entre cinco a dez anos. Relativamente a
1939 existem os seguintes números dos tribunais soviéticos: 95,6 por cento até cinco anos,
quatro por cento entre cinco e dez anos e 0,1 por cento mais de 10 anos.»136
131
Ver sobre isto Wauer/Hans-Jürgen Falkenhagen, «Nikolai Bukhárine: Revisionista, Renegado,
Traidor», três partes, in: Colecção Cadernos…, Caderno n.º 71/1, 71/11, 71/III, Berlim, Janeiro de 2001;
Hans Jürgen Falkenhagen, «Lev Trótski e a essência do Trotskismo», duas partes.
132
Comissariado do Povo dos Assuntos Internos (N. Ed.)
133
Ver Kurt Gossweiler, «A superação do anti-stalinismo, uma importante condição para a reconstrução
do movimento comunista enquanto movimento marxista-leninista unido», in: Contra o Revisionismo, ob.
cit., pp. 233-245 [ver: http://www.hist-socialismo.com/docs/ASuperacaodoAnti-Estalinismo.pdf (N. Ed.)];
Georgi Dimitrov, Diário, 1933-1943, ed. por Bernhard H. Bayerlain, 1ª ed., Berlim, 2000, p. 136 e seg.,
140, 145, 148, 161, 165 e seg., 225 e seg., 240.
134
Offensiv, Caderno 7/2002, ed. Julho-Agosto, 2002, p. 57-70.
135
Andrea Schön reporta-se a um artigo de Mário de Sousa, membro do Partido Comunista Sueco
(KPKL(r)), Lies concerning the history of the Soviet Union, in: Proletären (Suécia), Abril, 1998 [ver:
Mentiras sobre a história da União Soviética: http://www.hist-socialismo.com/docs/Mentiras%20sobre
%20a%20historia%20da%20Uniao%20Sovietica.pdf (N. Ed.)].
136
Andrea Schön, p. 65 e seg.
38
Nos números indicados estão incluídos criminosos comuns, que são apresentados como
presos «políticos» pelos falsificadores da história.
Relativamente à depuração no Exército Vermelho, no contexto da conspiração à volta do
marechal Tukhatchévski, Andrea Schön dá os seguintes números: «No ano de 1937 havia 144
300 oficiais e comissários políticos no Exército e na Força Aérea, numero que aumentou
para 282 300 em 1939. Durante a depuração de 1937/38 foram despedidos 34 300 oficiais e
comissários por razões políticas. Todavia, até Maio de 1940, foram reabilitados e
reconduzidos nos seus postos 11 596 oficiais. Isto significa que foram irradiados 22 705
oficiais e comissários (dos quais 13 mil oficiais do Exército, 4700 oficiais da Força Aérea e
cinco mil presos políticos). Representam no conjunto 7,7 por cento de todos os oficiais e
comissários, dos quais, por sua vez, só uma pequena parte foi condenada como traidora,
enquanto os restantes regressaram à vida civil.»
Andrea Schön faz ainda uma interessante comparação entre as informações de horror de
Robert Conquest sobre os «milhões de mortos» na União Soviética com os dados dos
arquivos referentes ao período entre 1939 e 1950:
«No total havia 2,5 milhões de cidadãos soviéticos detidos no período referido, ou seja,
2,4 por cento da população adulta – um número seguramente importante e um indicador
das contradições ainda existentes na sociedade. Contudo, este número é inferior ao que se
regista hoje na principal potência imperialista. Segundo os dados dos EUA, em 1996 havia
no país mais rico do mundo 5,5 milhões de prisioneiros, ou seja 2,8 por cento da população
adulta. Quanto à questão das vítimas mortais, a percentagem de mortos nos campos de
trabalho da URSS no período referido variou entre 0,3 por cento e 18 por cento. As causas
de morte relacionam-se, no essencial, com a situação geral de carência no país,
especialmente a debilidade da assistência médica no combate às epidemias. Na verdade,
nessa época, esta situação não atingia apenas a União Soviética, mas todos os países
desenvolvidos. Só com a descoberta da penicilina, durante a II Guerra Mundial, se
encontrou um meio eficaz contra as doenças contagiosas. Na realidade, metade dos casos
de morte verificou-se nos anos de guerra do período investigado. Isto sem falar dos 25
milhões de vítimas mortais que morreram «em liberdade». A diminuição sistemática do
número de vítimas mortais, depois da II Guerra Mundial, tem a sua razão de ser na
melhoria da assistência médica.»137
A situação geral, próxima e durante o período de 1937/38, está pormenorizada e
suficientemente documentada por Hans Wauer e Hans-Jürgen Falkenhagen na sua obra
Nikolai Bukhárine: Revisionista, Renegado, Traidor, Parte III, «Acusação e condenação»,
que analisa o processo contra Bukhárine e contra oficiais do Exército Vermelho. Trata-se do
137
Ver quadro no final.
39
melhor do que foi até agora publicado na historiografia marxista-leninista sobre os processos
de Moscovo.
Como não é preciso inventar de novo a roda, transcrevem-se deste capítulo algumas
passagens sobre os processos militares: «Também é falsa a afirmação sobre execuções em
massa de oficiais soviéticos. Entre 1937 e 1939 foram demitidos do Exército Vermelho e da
Marinha 38 898 oficiais por razões de idade, saúde insuficiente, razões disciplinares, falhas
morais, falta de consciência política, assim como suspeita de delito político. Dos demitidos
por razões políticas, 9579 foram presos, dos quais cerca de dois mil foram libertados por
inocência comprovada ou reabilitados, caso tivessem sido condenados. Do total dos 36 898
oficiais demitido, cerca de 15 mil foram reintegrados nas fileiras do Exército Vermelho e da
Marinha em patentes de oficiais até 01.01.1941. Seguiram-se mais libertações e
reabilitações durante a Grande Guerra Pátria. Mas sobre isto não temos dados exactos.
Entre 1937 e 1938 foram condenados à morte por fuzilamento e executados 70 oficiais, com
base em parágrafos respeitantes a crimes contra-revolucionários. Nas fileiras dos
sargentos e praças não foram pronunciadas sentenças de morte por crimes contra-
revolucionários.»
«Entre as altas patentes militares havia forças que, por ordem de círculos financeiros
americanos e britânicos, trabalhavam no sentido de envolver a URSS numa longa guerra
contra o Japão e a Alemanha. Isto motivou os processos posteriores contra Bliukher,
Chtern, respectivamente, Comandante e Chefe de Estado-Maior das Forças Armados do
Extremo Oriente, e Smuchkévitsch, o general-inspector da Força Aérea Soviética. Trótski
estava implicado nos grupos conspirativos e também Malinóvski, posterior marechal da
URSS e ministro da Defesa de Khruchov, que se encontrava em Espanha aquando da
descoberta da conspiração militar. A abertura das frentes – um conceito que foi várias
vezes referido nos discursos de Vichínski no Tribunal – visava provocar a destituição de
Stáline mediante provocações de ataques não autorizados e derrotas militares doseadas. Os
comandantes do Exército do Extremo Oriente, Bliukher e Grigóri Chtern, foram acusados,
entre outros, de manobras deste tipo nos conflitos militares com o Japão. Uma acusação
idêntica foi, por exemplo, levantada contra o general-inspector da Força Aérea Soviética,
Smuchkévitch, em relação à Alemanha, por ter tomado medidas de defesa e camuflagem
insuficientes nos aeroportos soviéticos, o que produziu o efeito, para a Força Aérea alemã,
de uma abertura das frentes.
No início da Grande Guerra Pátria, 500 mil oficiais serviam nas fileiras do Exército
Vermelho e Marinha e no NKVD. O número de oficiais com a patente de general e almirante
tinha pelo menos quadruplicado desde 1937. Portanto, de facto, não se pode falar de uma
decapitação do Exército Vermelho. Até finais de 1940 foram demitidos 22 mil membros do
aparelho de segurança do Estado, dos quais foram condenados à morte entre 300 a 400
oficiais. Alguns membros do Exército Vermelho e da Marinha, assim como do NKVD,
morreram em tentativas de fuga e em tiroteios com as forças de segurança.
Sublinhe-se mais uma vez que tanto quanto inocentes tenham sido condenados, seriam
em todos os casos oriundos das fileiras dos quadros baixos e médios. A não condenação ou
reabilitação não constitui uma prova absolutamente concludente de que determinadas
pessoas não cometeram delitos. Pelo contrário, nas reabilitações depois da morte de Stáline
(1953) não existem provas de inocência claras em pelo menos 50 por cento dos casos. Como
se sabe, Khruchov libertou traidores consumados como Snegov e, em muitos casos, até os
voltou a colocar em altas funções, e isto não só porque odiava Stáline e gostava dos
adversários de Stáline, mas também com o objectivo claro de construir uma nova
vanguarda contra-revolucionária.
40
Os números acima citados, originários dos arquivos do NKVD, do Ministério Público e
dos tribunais, refutam inequivocamente a mentira dos dois a três milhões, em alguns casos
10 a 12 milhões de execuções nos anos de 1937 a 1939. Quando se toma em consideração a
dimensão da infiltração no NKVD, concluiu-se que também aí não existiu de forma
nenhuma um número horrendo de prisões e acusações. Acusa-se Stáline de ter estabelecido,
no Outono de 1937, as chamas quotas de detenções. Tais quotas foram estabelecidas pela
direcção do NKVD, como foi dito acima, em parte com intenção provocatória. Note-se
ainda aqui, que no Outono de 1937, também ainda em 1938, existia a ameaça de um putsch
com origem no NKVD. Alguns oficiais do NKVD planearam o assassinato de Stáline.
Stáline, por exemplo, não participou na comemoração do 20.º aniversário da fundação do
NKVD (Tcheka, GPU, OGPU) em Dezembro de 1937. Por último, Ejov teve também de se
justificar perante o Tribunal acusado de vigilância insuficiente assim como de ilegalidades.
Embora Ejov e o seu representante Frinovski, ambos de nacionalidade russa, possam ter
actuado de boa-fé para com o partido e o Povo soviético, tiveram de assumir, no fim de
contas, a responsabilidade por inúmeros erros no trabalho do NKVD.
O que aconteceu nos chamados processos de Moscovo de 1936-38 e, em geral, neste
período que ficou conhecido como a Grande Depuração tem de ser visto, em todo o caso, no
seguinte contexto:
Desde a criação da União Soviética, o inimigo de classe nunca desistiu das suas
tentativas de derrubar o poder dos operários e camponeses na URSS. Essas tentativas
conduziram não só à Guerra Civil, imposta ao jovem poder soviético, e em insurreições,
mas também naturalmente nas disputas internas no partido. Sempre houve altos
funcionários do partido que, mais ou menos camuflados, assumiram a defesa de interesses
contrários ao povo soviético e ao socialismo. De uma maneira geral isto aconteceu
sobretudo nos anos 20, quando ainda se lutava abertamente por maiorias no CC, no
partido, no povo soviético.
A partir dos anos 30, os estados imperialistas iniciaram com maior intensidade os
preparativos de guerra contra a URSS. Nesta ocasião, intensificaram também as suas
actividades de espionagem, sabotagem, diversão e subversão contra a URSS. Para isso
serviram-se principalmente das forças trotskistas e bukharinistas, que ainda existiam em
número considerável no país. Onde já não tinham actividade, procurou-se reactivá-las. Os
métodos utilizados, pela sua manha profundamente criminosa e ilimitada sordidez, são, de
facto, quer para as pessoas honradas e com consciência quer até para aquelas com uma
escala moral menos elevada, não só indignos mas chocantes. As pessoas na União Soviética
deram a sua força e todas as suas capacidades para, cheias de idealismo, construir um
mundo melhor. Alcançaram êxitos avassaladores. Pessoas honestas de todo o mundo
regozijaram-se com as conquistas das forças despertas dos trabalhadores, camponeses e
intelectuais.
Os inimigos desta transformação, porém, viram nela um motivo para reforçar a sua
luta e passaram para métodos de extremo refinamento, astúcia, falsidade e mortífera
perfídia. Ao se avaliar as sessões em Tribunal conduzidas por Vichínski,
independentemente da posição em que cada um se encontra, antes de fazer considerações
jurídicas é preciso reflectir primeiro sobre algumas questões. A justeza das condenações
judiciais é provada pelas reabilitações efectuadas por Khruchov, depois da morte de Stáline
em 1953.
Num grande número de casos, os sobreviventes das depurações, e em parte os seus
filhos, mostraram ser contra-revolucionários fanáticos, que, sem excepção, colocaram
como objectivo de vida a destruição do comunismo. Também em relação aos reabilitados
postumamente se confirmou, em investigações posteriores, que de forma alguma estavam
41
inocentes dos crimes por que foram condenados. Assim gente como por exemplo Svanidze,
Kabakov e Iakir, que são frequentemente apresentados como vítimas de Stáline, eram
inveterados inimigos do povo. Vários livros publicados na Rússia depois de 1990 provam-
no.
A chamada Grande Depuração conduziu, sem dúvida, à destruição da Quinta Coluna na
URSS, ainda que, com rigor, só se possa falar de uma vitória sobre a conspiração contra-
revolucionária a partir do início de 1939. Está também fora de dúvida que as estruturas
contra-revolucionárias não puderam seguramente ser destruídas em todas as suas
ramificações. Muitos dos inimigos da URSS puderam esconder-se a tempo ou nem sequer
foram desmascarados. Levantaram de novo cabeça como traidores khruchovianos depois
da morte de Stáline. Mas foi suficiente para que o povo soviético, no essencial livre de
inimigos internos, resistisse ao ataque dos fascistas de Hitler na Grande Guerra Pátria e
conseguisse alcançar a vitória.
Mas deve-se chamar a atenção para a persistência de traidores. Oficiais soviéticos, que
com frequência tinham sido presos em 1937-1938 e posteriormente libertados, desertaram
para o lado dos fascistas durante a guerra e muitos serviram no Exército de Vlassov. Por
isso, ainda hoje, há opiniões de que as medidas da Grande Depuração (como se disse esta
não era uma designação oficial) perderam a intensidade demasiado cedo, o que, entre
outras coisas, permitiu a sobrevivência de trotskistas disfarçados, como Khruchov e muitos
bukharinistas.
A justeza da luta contra o trotskismo e bukharinismo foi finalmente demonstrada pela
evolução da URSS e do campo socialista depois da morte de Stáline, começando no
revisionismo de Khruchov e terminando na desagregação do socialismo na Europa, sob
Gorbatchov e Iéltsine.»138
O já várias vezes referido embaixador dos EUA, Joseph E. Davies, viveu na URSS no
período dos processos e escreveu as suas impressões nas suas memórias. Três dias depois da
invasão da URSS pela Wehrmacht fascista, discursou no clube universitário em Chicago.
Uma pessoa na assistência perguntou-lhe: «O que pode dizer sobre os quinta-colunistas na
Rússia? Sem rodeios respondi: Não existem nenhuns – foram fuzilados».139
Ora, isto era na verdade exagerado. Davies não podia saber que ainda havia trotskistas no
Exército e nos órgãos de segurança, que souberam camuflar-se. Não puderam, porém,
organizar grandes acções dada o enfraquecimento provocado pelos processos.
De acordo com Davies, só nos últimos dois anos (ou seja entre 1940 e 1941), foram
descobertas conspirações de organizações alemãs nos EUA e na América do Sul.
«Aparentemente, estas actividades e métodos estavam presentes na Rússia desde 1935,
fazendo parte do plano alemão contra os sovietes. (…) Agora sabe-se que o governo
soviético já estava na altura perspicazmente consciente dos planos dos altos comandos
políticos e militares alemães e do “trabalho interno” em curso na Rússia para a preparação
de um ataque alemão contra a Rússia.
Ao reflectir sobre esta situação, vi subitamente o quadro que deveria ter visto naquele
tempo. A história foi contada nos chamados julgamentos por traição ou purgas de 1937 e
1938, a que assisti atentamente. Ao reexaminar a partir deste novo ângulo as actas destes
processos, bem como os textos que escrevi na altura, descobri que praticamente todos os
dispositivos de uma actividade quinta-colunista alemã, tal como a conhecemos agora,
138
Hans Wauer e Hans-Jürgen Falkenhagen, op. cit., pp. 58-61.
139
Davies, op. cit., p. 210. [Ed. cit., p. 239. (N. Ed.)]
42
foram revelados e postos a nu pelas confissões e depoimentos obtidos naqueles julgamentos
dos auto-confessados ”Quislings” da Rússia.
Era claro que o governo soviético, ao saber que tais actividades existiam, ficou
profundamente alarmado e agiu vigorosamente para as esmagar. Em 1941, quando
ocorreu a invasão alemã, todas as quintas colunas antes organizadas tinham sido
aniquiladas.
Outro facto difícil de compreender na altura, mas que toma um novo significado à luz
dos desenvolvimentos, foi o modo como o governo soviético “abalroou” as representações
consulares da Alemanha e da Itália em 1937 e 1938. Isto foi feito de um modo muito
autoritário. Houve uma desconsideração rude e quase brutal das sensibilidades dos países
envolvidos. A razão evocada pelo governo soviético era que estes consulados estavam
envolvidos em actividades internas políticas e subversivas; e que, por causa destes factos,
tiveram de ser encerrados.»140
No que diz respeito ao corpo de oficiais, perante a opinião dominante segundo a qual «a
liquidação dos generais mais velhos e experientes enfraqueceu substancialmente as forças
armadas», Davies considerou: «Apesar disto ser até certo ponto verdade, é muito
exagerado.»141
«O corpo de oficiais é considerado como de excelente qualidade pelos jovens
comandantes e, para falar verdade, com capacidade para ocupar os altos comandos. Estes
são em geral gente nova.»142 Davies termina esta análise da «opinião predominante»,
notando que «o Exército Vermelho é leal ao Partido Comunista e, consequentemente, a
Stáline».143
É exactamente este comportamento que tanto desagrada aos arautos da tese da
«decapitação» do Exército Vermelho. Mas Davies é ainda mais explícito. A força do
«presente regime» na União Soviética baseava-se, na sua opinião, «na liderança arrojada e
competente de Stáline.» O seu regime estava «firmemente entrincheirado.»144
Num relatório pormenorizado sobre a URSS para o Secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros, de Junho de 1938, Davies resume:
«A força militar da URSS é imponente. (…) O exército permanente com
aproximadamente um milhão e 500 mil homens está dividido em duas unidades
independentes, uma a Oeste e outra a Leste – com cerca de 70 por cento no Oeste e 30 por
cento no Leste. Está bem munido de espingardas, bem disciplinado e treinado na fanática
devoção ao comunismo. As suas unidades mecanizadas são muito boas. Os efectivos da
força aérea são excelentes, o seu equipamento é bom na perseguição aérea, mas pobre no
bombardeamento. Em termos quantitativos a força aérea é, provavelmente, a mais forte
das grandes potências. No equipamento aéreo, de modo geral, estão provavelmente dois a
três anos atrasados em relação às nações ocidentais.
O governo está sumamente confiante de que poderá resistir com sucesso a um ataque
simultâneo por parte da Alemanha e do Japão.
Seria extremamente difícil vencer ou destruir todas estas forças com o seu aliado, o
Inverno russo.
140
Idem, ibidem, p. 210 e seg. [Ed. cit., pp. 240-241. (N. Ed.)]
141
Idem, ibidem, p. 318. [Ed. cit., p. 358. (N. Ed.)]
142
Idem, ibidem. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
143
Idem, ibidem. [Ed. cit., p. 359. (N. Ed.)]
144
Idem, ibidem, p. 324. [Ed. cit., p. 365. (N. Ed.)]
43
A fraqueza reside, talvez, na segunda linha de defesa – a produção industrial na
retaguarda da frente e o abastecimento de produtos petrolíferos de alto teor.»145
Para terminar, registe-se ainda a avaliação dos processos por Winston Churchill, figura
que pertence aos piores inimigos do comunismo, mas que se distingue dos outros porque foi
capaz de fazer avaliações realistas da URSS e da personalidade de Stáline, uma qualidade que
até alguns teóricos que se consideram comunistas perderam.
Segundo Churchill, Benes recebeu o «aviso preocupante» de que «através da embaixada
soviética em Praga estavam a ser trocadas informações entre importantes personalidades
na Rússia e o governo alemão. Isto fazia parte da chamada conspiração dos militares e da
velha guarda comunista para derrubar Stáline e implantarem um novo regime assente
numa política pró-germânica (…) Depois disso seguiu-se a impiedosa, mas talvez não
desnecessária, purga militar e política na Rússia Soviética e a série de processos em
Janeiro de 1937, nos quais Vichínski, o procurador-geral, desempenhou um papel
dominante.»146
Não se trata agora do facto de as memórias de Churchill, no que se refere aos
acontecimentos na URSS entre 1935 e 1938, deixarem questões em aberto, principalmente no
que diz respeito ao presidente da Checoslováquia Benes e ao papel da Gestapo – que
presumivelmente nunca poderá ser completamente esclarecido – mas sim da confirmação –
por Churchill! – da «chamada» conspiração. Ele não só não contesta a sua existência como
nem sequer põe em causa a necessidade de uma «purga», isto sabendo nós que Churchill não
era exactamente um amigo da URSS.
No seu livro Moscovo 1937, Uma descrição de viagem para os meus amigos, Lion
Feuchtwanger escreveu sobre os «processos trotskistas»: «Alguns dos meus amigos, de resto
gente sensata, consideraram estes processos, do princípio ao fim, de acordo com o conteúdo
e a forma, tragicómicos, bárbaros, inverosímeis, monstruosos. Uma série de homens, que
antes foram amigos da URSS, tornaram-se, através destes processos, seus adversários.”147
Trótski, Bukhárine e os seus epígonos, a imprensa de Hearst, a propaganda de Goebbels,
revisionistas, renegados, funcionários do SPD, Khruchov, Gorbatchov e os seus sequazes, os
media burgueses e reformistas, conseguiram até hoje manter o movimento comunista
dividido, ao nível internacional e nos respectivos países, através de mentiras sobre os
processos.
A refutação destas mentiras históricas, da maré quase insuperável de difamações que
ainda hoje, 50 anos depois da morte de Stáline, continuam difundidas, a cada hora, pelos
meios de comunicação de massas, pertence às tarefas irrenunciáveis, não só de historiadores
marxistas-leninistas, mas também de todos os publicistas honestos, que se sentem
comprometidos com a verdade histórica. Elas são uma expressão do medo que acomete a
classe exploradora dominante perante o contínuo aprofundamento da crise política do
sistema capitalista. Tal como Macbeth perante o espectro de Banquo, ela trema perante o
espectro de Stáline.
A mística não é própria de um historiador marxista-leninista, mas o facto de a burguesia e
a sua historiografia, ainda não terem digerido a figura de Stáline, não o terem «superado» e
ainda o recearem, provam-no as suas publicações.
145
Idem, ibidem. [Ed. cit., p. 365-366. (N. Ed.)]
146
Winston S. Churchill, op. cit., p. 150. [Ed. cit., p. 258. (N. Ed.)]
147
Lion Feuchtwanger, Moscovo 1937. 2ª ed., Berlim, 1993, p. 86 e seg.
44
Dados sobre a população prisional na URSS
(1934-1953)
45
Índice de Nomes II como contrapeso à França, promoveu os
Tratados de Locarno (1925), que permitiam
(acrescentado pela edição portuguesa)
a expansão germânica para Leste. Mais tarde
provocou a ruptura das relações
Baldwin Stanley (1867-1947), diplomáticas com a URSS (1927),
conservador britânico, primeiro-ministro de restabelecidas em 1929 após a vitória dos
Maio de 1923 a Janeiro de 1924, de trabalhistas.
Novembro 1924 a Junho de 1929 e de Junho
de 1935 a Maio de 1937. Ministro das Chtern, Grigóri Mikhaílovitch (1900-
Finanças de Outubro de 1922 a Agosto de 1941), membro do partido desde 1919, do CC
1923. (1939-41), comissário político durante a
guerra civil, termina a Academia Frunze em
Beneš, Edvard (1884-1948), segundo 1926, trabalhando de seguida no
presidente da Checoslováquia (1935-38 e Comissariado dos Assuntos Militares e
1945-1948), foi um dos líderes do Marítimos. Foi conselheiro principal do
movimento independentista durante a I governo republicano durante a guerra civil
Guerra, tornando-se ministro dos Negócios de Espanha, participou nos combates em
Estrangeiros (1918-1935), após a declaração Khalkhin-Gol (1939), comanda o 8.º
da independência, na sequência da Exército na guerra sovieto-finlandesa (1939-
dissolução do Império Austro-Húngaro. 40) e o Exército do Extremo Oriente (1941).
Durante a ocupação nazi dirigiu a resistência Coronel-general (1940) e herói da URSS
no estrangeiro. (1939). Preso em 7 de Junho de 1941,
confessa a sua ligação desde 1931 à
conspiração no Exército Vermelho e aos
Bliukher, Vassili Konstantinovitch
serviços secretos alemãs. É fuzilado em 28
(1889-1938), membro do partido desde 1916,
de Outubro do mesmo ano.
destacou-se como militar na Guerra Civil,
tornando-se no primeiro condecorado com a
ordem de Cavaleiro da Bandeira Vermelha. Curzon, George Nathaniel (1859-1925),
Foi preso em 1938 na sequência de uma conservador britânico, governador-geral da
operação falhada contra o exército japonês Índia (1899-1905) e ministro dos Negócios
no Extremo Oriente, tendo falecido na prisão Estrangeiros (1919-1924). Foi sua a proposta
durante os interrogatórios. de linha de armistício entre a Polónia e a
Rússia Soviética na guerra de 1919-20, que
ficou conhecida com o seu nome. Apesar de
Chamberlain, Arthur Neville (1869 -
na altura ter sido recusada pela Polónia, veio
1940), membro do Partido Conservador, é
a ser utilizada em 1945 para o
eleito deputado em 1918, designado ministro
estabelecimento definitivo da fronteira
da Saúde em 1923, e de seguida chanceler do
sovieto-polaca.
Tesouro, voltando a ocupar a pasta da Saúde
entre 1924 e 1929 e das Finanças em 1931.
Em 1937 torna-se primeiro-ministro, sendo Daladier, Edouard (1884-1970),
sucedido em 1940 por Winston Churchill. deputado do Partido Radical a partir de
1919, presidente do partido entre 1927 e
1930 e entre 1936 e 1938. Integra os
Chamberlain, Joseph Austen (1863-
governos das «esquerdas» entre 1924 e 1932,
1937), foi eleito para o parlamento britânico
como ministro das Colónias (1924), da
em 1892, entrando para o governo em 1902
Guerra (1925), da Instrução Pública (1926) e
como vice-ministro das Finanças. Ocupou
das Obras Públicas (três vezes entre 1930 e
várias pastas até ser nomeado ministro dos
1932). Presidente do Conselho entre Janeiro
Negócios Estrangeiros (1924-29). Defensor
e Outubro de 1933 e entre Janeiro e
da remilitarização da Alemanha, a qual
Fevereiro de 1934 e depois entre Abril de
desejava dirigir contra a URSS e utilizar
46
1938 e Março de 1940. Participa na união da URSS entre Novembro de 1936 e Fevereiro
esquerda para as eleições de 1936, de 1937. Renovou o romance histórico.
favorecendo o acordo entre o PCF, a SFIO e
o Partido Radical, tornando-se ministro da Frinovski, Mikhail Petróvitch (1898-
Defesa durante o governo da Frente Popular 1940), membro do partido desde 1918,
(1936-38). Em 1938 assina os acordos de ingressa nesse ano no Exército Vermelho,
Munique com Neville Chamberlain tornando-se comandante de esquadrão do 1º
entregando uma parte da Checoslováquia a Exército de Cavalaria. Transita para os
Hitler. Em 1939, já como primeiro-ministro, órgãos de segurança (Tchéka) no ano
não só revoga várias reformas sociais do seguinte, onde ocupa vários postos de
governo da Frente Popular, como ilegaliza o direcção. Em 1937 é nomeado primeiro vice-
PCF e encerra o L’Humanité. Em Março de ministro do Comissariado dos Assuntos
1940 integra o governo de Paul Reynaud Internos (NKVD), encabeçado por Ejov de
como ministro da Defesa, até Maio, e como quem é um dos mais próximos
Ministro dos Negócios Estrangeiros até à colaboradores. Afastado do NKVD em 1938,
invasão alemã em Junho desse ano. Volta a é ainda designado comissário da Frota
ser eleito deputado entre 1946 e 1958. Militar da URSS. Em 1939 é preso, sendo
condenado a fuzilamento por participação na
Ebert, Friedrich (1871-1925), social- conspiração no NKVD, em Fevereiro de
democrata alemão, líder da sua ala direita 1940.
revisionista. Foi o primeiro chanceler da
Alemanha depois da revolução de Novembro Galánine, Ivan Vassílievitch (1899-
de 1918, primeiro presidente da República 1938), membro do partido desde 1920,
de Weimar (1919-1925). Tornou-se participa na liquidação da revolta de
secretário-geral do SPD em 1905 e Kronstatd em 1921. Vice-comandante da
presidente do partido em 1913, tendo região militar de Transbaikal (1936-38),
acolhido a I Guerra como uma medida participa nos combates contra os japoneses
«defensiva» necessária. No final de 1918, em de Khalkhin-Gol (1939). Durante a II Guerra
conluio com o comando do exército comanda vários exércitos, designadamente
promoveu perseguições aos comunistas que em Stalingrado (1942-43), Kursk (1943),
culminaram com a sangrenta repressão da Ucrânia (1944) e na Hungria (1944).
revolta dos spartaquistas.
Goering, Hermann (1893-1946), piloto
Ejov, Nikolai Ivánovitch (1895-1940), durante a I Guerra, adere ao partido nazi em
membro do partido desde 1917, do CC (1934- 1922, torna-se chefe das SA e participa no
39) candidato do Politburo (1937-39), dirigiu golpe de 1923, fugindo para a Áustria. Em
o NKVD (1936-1938), e o Comissariado dos 1927 beneficia da amnistia, sendo eleito
Transportes Fluviais (1937-39). Em 1939 é deputado no Reichstag, em 1928, e seu
preso e julgado pelo Colégio Militar do presidente em 1932, cargo que mantém até
Tribunal Supremo da URSS, acusado de 1945. Chefe da polícia nazi, organiza a
traição ao Estado, espionagem e de ligação a perseguição e eliminação física dos
uma organização militar clandestina no comunistas. É o criador dos primeiros
interior do Exército Vermelho, que se campos de concentração e organizador da
propunha derrubar o governo soviético. É Gestapo, cuja direcção entrega a Himmler.
executado em 4 de Fevereiro de 1940. Comandante da Luftwaffe (1935), apoia
Franco com a sua aviação. Após a «noite de
Feuchtwanger, Lion (1884-1958), cristal», em 1938, intensifica as perseguições
escritor alemão, um dos autores de língua anti-semitas, sendo o promotor da «solução
alemã mais lidos nos EUA e na Rússia. De global» da «questão judaica» a partir de
origem judaica, exilou-se em 1933, primeiro Julho de 1941. Preso em Maio de 1945,
em França e depois nos EUA. Viajou na condenado à morte em Nuremberga por
47
crimes de guerra, suicida-se com cianeto Comissariado do Povo da Segurança do
para escapar ao enforcamento. Estado (NKGB). Porém, passados poucos
meses, em Junho, voltam a ser unificados
Gottwald, Klement (1896-1953), nascido num único comissariado, o NKVD da URSS.
na Morávia, integra o movimento social- Em Abril de 1943, os órgãos de segurança
democrata em 1912, tornando-se num dos são de novo separados do Comissariado dos
fundadores do Partido Comunista da Assuntos Internos, reconstituindo-se como
Checoslováquia (1921). Redactor de vários um comissariado autónomo (NKGB). Em 15
jornais comunistas, integra o bureau Político de Março de 1946, o NKGB é designado
em 1925, sendo eleito secretário-geral em Ministério da Segurança do Estado (MGB).
1929. É membro do CEIC desde 1928 e seu No ano seguinte é criado o Comité de
secretário entre 1935 e 1943. Após o acordo Informação (KI) junto do Conselho de
de Munique instala-se em Moscovo, de onde Ministros com competência na política
dirige o movimento de resistência à externa e informações militares. O KI passou
ocupação nazi. Integra o primeiro governo para a dependência do Ministério dos
da Frente Nacional, como vice-presidente Negócios Estrangeiros em 1949. Mais tarde,
(Abril de 1945), e torna-se o chefe do em Janeiro de 1952, este serviço voltou a ser
executivo da coligação no ano seguinte. Em integrado no Ministério da Segurança de
1948 é eleito presidente da República. Estado (MGB) como a Primeira Direcção
Principal (PGU). Em 7 de Março de 1953, o
GPU – Gossudártsvenoi Politítcheskoi Ministério da Segurança de Estado (MGB) é
Upravlénie (Direcção Política Estatal), fundido com o Ministério dos Assuntos
órgãos de segurança, criados em 6 de Internos, adoptando a designação deste
Fevereiro de 1922 por proposta de V.I último (MVD). Por fim, em 13 de Março de
Lénine, que sucederam à Tcheka (Comissão 1954, é criado o Comité de Segurança do
Extraordinária de Toda a Rússia para o Estado (KGB) junto do Conselho de
Combate à Contra-Revolução e Sabotagem) Ministros da URSS, que viria a existir até à
constituída em Dezembro de 1917. Ao sua extinção em 22 de Outubro de 1991. No
contrário da Tcheka, que dependia âmbito das suas atribuições e competências
directamente do governo soviético, a GPU foi incluíam-se, entre outros, os órgãos de
criada no âmbito do Ministério dos Assuntos segurança do Estado, as tropas fronteiriças,
Internos (NKVD) da Rússia, bem como de os órgãos de contra-espionagem,
outras repúblicas. Esta disposição foi revista estabelecimentos de ensino e de investigação
em 15 de Novembro de 1923, data da criação científica.
da OGPU – Obedinénnoi Gossudártsvenoi
Politítcheskoi Upravlénie (Direcção Política Halifax, visconde de, Edward Frederick
Estatal Unificada), órgão subordinado Lindley Wood (1881-1959), membro do
directamente ao governo da URSS, que partido conservador, vice-rei das Índias
centralizou as funções de segurança de todo (1926-1931), foi titular da pasta do Negócios
Estado Soviético, de luta contra actividades Estrangeiros da Grã-Bretanha entre 1938 e
contra-revolucionárias, espionagem etc. Em 1940, tornando-se embaixador em
10 de Junho de 1934 foi criado o Washington durante a II Guerra.
Comissariado do Povo dos Assuntos Internos
da URSS, em cuja composição é integrada a Herriot, Édouard (1872-1957),
OGPU, com a nova designação GUPB – presidente do Partido Radical (1919-1926,
Glávnoi Upravlénie Gossudárstvenoi 1931-1936, 1948-1953 e 1955-1957), chefiou
Besopastnosti (Direcção Principal de o governo de França, acumulando com o
Segurança de Estado), que ficou conhecida cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros,
como órgãos do NKVD. Em 3 de Fevereiro nos seguintes períodos: 14 de Junho de 1924
de 1941, o Comissariado do Povo dos a 17 de Abril de 1925; 19 a 23 de Julho de
Assuntos Internos (NKVD) foi dividido em 1926 e 3 de Junho a 18 de Dezembro de
dois órgãos independentes, o NKVD e o 1932.
48
Hughes, Charles Evans (1862-1948), Kalínine, Mikhail Ivánovitch (1875-
membro do Partido Republicano, 1946), membro do partido desde 1898, do
governador dos Estado de Nova Iorque CC desde 1919 (candidato entre 1912-17), do
(1907-1910), candidato presidencial (1916), Politburo desde 1926 (candidato desde
juiz do Tribunal Supremo dos EUA e 1919). Em 1906 é delegado ao IV Congresso
secretário de Estado (1921-1925). do Partido Operário Social-Democrata Russo
(POSDR). Em 1919, depois da morte de
Iakir, Iona Emanuílovitch (1896 -1937), Sverdlov, é eleito presidente do Comité
membro do partido desde 1917, do CC desde Executivo Central de Toda a Rússia,
1934 (candidato desde 1930). Militar do tornando-se no segundo chefe de Estado da
Exército Vermelho desde 1918, comandou Rússia dos Sovietes e, a partir de 1922, o
tropas contra forças de intervenção primeiro da URSS, presidindo o Comité
romenas, alemães e austríacas. Condecorado Executivo Central da URSS (1922-38), órgão
com três ordens, é nomeado, em 1925, máximo que é substituído em 1938 pelo
comandante da Forças Armadas da Ucrânia Presidium do Soviete Supremo da URSS.
e Crimeia. Entre 1926 e 1928 estuda na
Academia Militar Superior na Alemanha. Kulik, Grigóri Ivánovitch (1890-1950),
Em 1937 é nomeado comandante da região membro do partido desde 1917. Ingressou
militar de Leningrado. Preso nesse ano, no exército tsarista em 1912, transitando
confessa a sua participação na conspiração para o Exército Vermelho em 1918, onde
militar-fascista e é condenado à morte. comanda a artilharia de vários exércitos
durante a Guerra Civil. Participa na Guerra
Iákovlev, Mikhail Pávlovitch (1903- Civil de Espanha sob o pseudónimo de
1939), operário desde os 13 anos, ingressa a «General Cooper». Em 1938 dirige uma
Escola de Infantaria no Exército Vermelho carta a Stáline, com a assinatura de vários
em 1921. Em 1937 termina o curso de outros oficiais em que propõe o fim das
blindados e é nomeado comandante da 11ª repressões contra militares comunistas. Em
Brigada de Tanques, tendo uma participação 1939 é designado vice-comissário da Defesa
heróica nos combates de Khalkhin-Gol da URSS. Em 1942 é julgado por ter
contra os japoneses, nos quais perde a vida entregue as cidades de Kertch (na Crimeira)
em 12 de Junho de 1939. e Rostov. Despromovido para major-
general, recupera o posto de tenente-general
Kabakov, Ivan Dmítrievitch, (1891- em 1943, mas volta a perdê-lo em 1945.
1937), membro do partido desde 1914, do CC Após a guerra, comanda a região militar do
desde 1925 (candidato desde 1924). Volga. Em 1946 é demitido e preso em 1947.
Participou na instauração do poder soviético Em 1950 é condenado à morte pela
na região de Novgorod. Funcionário do organização de um grupo conspirador no
partido desde 1918, desempenhou funções exército contra o poder soviético.
ao nível regional como secretário do comité
provincial de Iaroslavski (1922-23), de Tula Laval, Pierre (1883-1945), membro da
(1924), presidente do Comité Executivo dos SFIO (partido socialista francês) desde
Urais (1928-29). Em 1929 torna-se 1905, pacifista na I Guerra, é eleito
secretário do partido nos Urais e de deputado em 1914 e presidente da câmara
Sverdlovsk (1934). Em 1937 é expulso do de Aubervilliers (região de Paris) em 1923.
partido, detido e julgado no processo da No ano seguinte volta ao parlamento como
«Revolta dos Urais», de que é acusado de deputado independente, ocupando vários
dirigir juntamente com trotskistas e cargos nos governos a partir de 1925,
direitistas. O tribunal condena-o a designadamente a pasta dos Negócios
fuzilamento. Estrangeiros (1932 e 1934-36) e como
primeiro-ministro (1931, 1931-32, 1932 e
1935-36), bem como mais tarde no regime
colaboracionista de Vichy (1940 e 1942-44).
49
Julgado em Outubro de 1945, é condenado Em 1916 integra o corpo expedicionário
por alta traição e fuzilado em 15 Outubro. russo em França, onde permanece até 1919.
Entra então para o Exército Vermelho,
Litvínov, Maksíme Maksímovitch (1876- participando na derrota dos brancos. Em
1951), membro do partido desde 1898, do CC 1926 adere ao partido. Após concluir a
a partir de 1934. Participante na revolução Academia Militar Frunze, participa na
de 1905-07, representante do partido no guerra civil de Espanha. Entre 1941 e 1942
Bureau Internacional Socialista (1914), comanda a Frente Sul e do Cáucaso do
torna-se vice-comissário (1921) e comissário Norte. Distingue-se na batalha de
(1930-39) dos Negócios Estrangeiros da Stalingrado, liberta as cidades de Odessa e
URSS. Foi representante da URSS na Liga de Nikolaev como comandante da frente
das Nações (1934-38) e embaixador nos EUA Sudeste e derrota o grupo de exércitos nazis
(1941-43), voltando ao Ministério até 1946, «Sul». Desempenha um papel destacado na
ano em que se reforma. libertação da Roménia, Hungria, Áustria e
Checoslováquia. Marechal da URSS, herói da
MacDonald, James Ramsay (1866- URSS, exerceu funções como ministro da
1937), fundador e dirigente do Partido Defesa entre 1957 e 1967.
Trabalhista Independente e do Partido
Trabalhista da Grã-Bretanha, pregou a Meretskov, Kirill Afanássiev (1897-
teoria da conciliação de classes e da gradual 1968), membro do partido desde 1917,
transformação do capitalismo em ingressou no Exército Vermelho em 1918,
socialismo. Apoiou a burguesia na I Guerra participando na guerra civil nas frentes Sul e
Mundial. Em 1924 torna-se primeiro- Leste. Após completar a academia Militar
ministro da Grã-Bretanha, com o apoio dos exerce funções de chefia em várias regiões
liberais, aliança que se desfaz ao fim de nove militares. Entre 1936 e 1937 participa na
meses. Regressa à chefia do governo em Guerra Civil de Espanha na qualidade de
1929 e reata as relações diplomáticas com a conselheiro militar e mais tarde na guerra
URSS. Em 1931 forma um governo de sovieto-finlandesa (1939-40), na qual é
unidade nacional, constituído condecorado com o título de Herói da União
maioritariamente por conservadores, o que Soviética. Em Junho de 1941 é preso acusado
provocará a sua expulsão do Partido de estar ligado a uma conspiração militar,
Trabalhista. sendo libertado em Setembro do mesmo
ano. Em Dezembro é nomeado comandante
Maíski, verdadeiro nome Ivan da Frente de Vólkhovski (região de
Mikhailovitch Liakhovétski, (1884-1975), Leningrado), desempenhando um
diplomata, membro da Academia de importante papel na defesa da segunda
Ciências da URSS, aderiu ao POSDR capital soviética, onde consegue romper o
(menchevique) em 1903. Emigrou em 1908, bloqueio nazi em 1943. Entre 1955 e 1964 foi
regressando à Rússia em 1917. Em 1919 assistente do ministro da Defesa da URSS.
rompe com o menchevismo e adere ao
PCR(b) em 1921. Entra para o trabalho Noske, Gustav (1868-1946), social-
diplomático no ano seguinte. Entre outros, democrata alemão da ala direita, ministro da
participou nas conferências da Crimeia e de Defesa da Alemanha (1919-1920), comandou
Potsdam. Candidato do CC (1941-47). Autor a repressão dos comunistas e sociais-
de memórias e de várias obras sobre história democratas de esquerda e o assassínio de
e política externa. Rosa Luxemburg e Karl Liebknchet, tendo
declarado a propósito que «É preciso que
Malinóvski, Rodion Iákovlevitch (1898- alguém faça o papel de cão sangrento. Não
1967), voluntário do exército aos 16 anos, temo as responsabilidades». Demitido em
participa na I Guerra Mundial, sendo 1933 pelos nazis do cargo de governador de
gravemente ferido no seu primeiro combate. Hanover, que ocupava desde 1920, é preso
em 1937 e internado em campos de
50
concentração até ser libertado pelos 1919 torna-se chanceler da República de
soviéticos em Maio de 1945. Weimar, sucedendo a Ebert.
51
Svanidzé, Aleksandr Semiónovitch procurador da União Soviética (1933-39),
(1886-1941), membro do partido desde 1901, dirigindo a acusação contra destacados ex-
emigra para a Alemanha onde se licencia em dirigentes soviéticos, implicados em
história, dedicando-se ao ensino no seu actividades contra-revolucionárias. Ocupou
regresso a Tiblissi em 1916. Após a revolução altos cargos no Ministério dos Negócios
de Outubro foi comissário das Finanças da Estrangeiros (1940-53).
Geórgia e da Transcaucásia. Entre 1920 e
1930 trabalha no Comissariado dos Negócios Voíkov, Piotr Lázarevitch (1888-1927),
Estrangeiros. Vice-presidente do Banco de membro do POSDR (menchevique) desde
Comércio Externo da URSS (1935-37), é 1903, emigra em 1907, regressando à Rússia
autor de inúmeras obras sobre história e de em Agosto de 1917 no comboio de Lénine.
traduções. Em 1937 é acusado de Adere então ao partido bolchevique,
espionagem e condenado a prisão, onde vem tornando-se membro do Soviete de
a falecer. Ekaterinburg e secretário da organização dos
Urais (1917), comissário do Abastecimento
Ulbricht, Walter (1893-1973), membro nos Urais (1918), membro do colégio do
do Partido Social-Democrata desde 1912, da Comissariado do Comércio Externo (1920) e
Liga Espartaquista desde 1918, um dos embaixador na Polónia a partir de 1924. É
fundadores do Partido Comunista da assassinado a tiro em 1927 por B.C. Koverda,
Alemanha, cujo CC integra a partir de 1923 e emigrante russo naturalizado polaco.
o Politburo desde 1929. Deputado na
Saxónia (1926-28), no Reichstag (1928-33) e Vóronov, Nikolai Nikoláievitch (1899-
representante na IC (1924-29). Instala-se na 1968), membro do partido desde 1919. No
URSS após a ascensão de Hitler, regressando Exército Vermelho desde 1918, participa na
à Alemanha em 1945. Vice-presidente do guerra sovieto-polaca (1920), na guerra civil
PSUA (1946-49), é eleito seu secretário-geral de Espanha (1936-37), nos combates de
(1950-53) e primeiro-secretário (1953-1971). Khalkhin-Gol (1939) e na guerra sovieto-
Torna-se presidente do Conselho de Estado finlandesa (1939-40). Chefe da Direcção
da RDA (1960-73), cargo que substituiu o de Principal de Defesa Antiaérea (1940-41),
presidente da República. Chefe da Artilharia das Forças Armadas da
URSS durante toda a II Guerra, Marechal
Varga, Eugen Samuilovich (1879-1964), principal de Artilharia (1944), intervém no
economista marxista, membro do Partido planeamento e realização das grandes
Social-Democrata Húngaro desde 1906, operações militares, deslocando-se a várias
condenou a I Guerra e foi comissário das frentes como enviado do comando supremo,
Finanças na efémera República Soviética designadamente em Stalingrado, onde dirige
Húngara (1919). Emigrou para a URSS em as operações para romper o cerco alemão.
1920, aderindo ao partido e participando Foi deputado do Soviete Supremo (1946-50)
activamente no Komintern. Trabalhou na e presidente da Academia de Artilharia
representação comercial soviética em Berlim (1950-58). Herói da URSS, recebeu
(1922-27), dirigiu o Instituto de Política e numerosas condecorações soviéticas e
Economia Mundial adstrito à Academia das estrangeiras.
Ciências da URSS (1927-47) e mais tarde
participou na criação do Instituto de
Relações Internacionais e Economia
Mundial (1956).
52
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (III)*
• Ulrich Huar
* A tradução que aqui apresentamos refere-se à parte inicial do capítulo IV desta obra de
Ulrich Huar, (da qual já publicámos o capítulo I em duas partes), editada na Alemanha por Ernst
Thälman Verlag, Berlim, 2006. Contamos concluir brevemente a publicação deste capítulo IV. (N.
Ed.)
1 A Europa Ocidental não será tratada no presente trabalho.
1
especialmente na Jugoslávia. Se bem que os movimentos de resistência antifascistas
se revelassem homogéneos na sua luta contra o ocupante, a composição era
heterogénea quanto à classe. Por isso, em regra, ao lado dos movimentos populares
democráticos havia grupos de resistência burgueses, monárquicos e nacionalistas.
Isto também é válido para o movimento de guerrilha.
A influência da União Soviética nos movimentos de resistência antifascistas
também variava de país para país. Especialmente depois de Stalingrado e de Kursk, a
União Soviética, muito bem vista entre a população do Sudeste europeu, deu asas ao
movimento de libertação antifascista, em particular à guerra de guerrilha, que era
apoiada energicamente pelo Exército Vermelho.
Quanto aos búlgaros, sérvios e gregos acrescia o facto de que já eram
tradicionalmente amigos dos russos, desde as guerras turcas. Isto também era válido
para grande parte dos eslovacos. Na Polónia existiam sentimentos anti-russos e anti-
soviéticos herdados historicamente e fortes sentimentos nacionalistas entre as
massas populares, que podiam ser utilizados pelas forças restauracionistas para
objectivos reaccionários.
Mas, também na Polónia, a influência e o prestígio dos partidos comunistas
cresceram com a vitória do Exército Vermelho.
A derrota do exército fascista alemão e das suas forças reaccionárias
colaboracionistas nos países ocupados criou condições favoráveis para as mudanças
revolucionárias democráticas, que puderam ser aproveitadas pelos comunistas e
outras forças progressistas de estratos não proletários. Onde o Exército Vermelho
chegou, pôde defender estes movimentos populares da intervenção do exterior.
Principalmente nos Balcãs existia o perigo de intervenções externas, em primeiro
lugar por parte do governo britânico. Churchill desempenhou um papel determinante
nessa vontade de intervenção. Churchill, enquanto representante político do
imperialismo britânico, estava interessado na restauração das antigas relações de
poder nos Balcãs e na Polónia.
Na luta de libertação nacional contra o ocupante alemão inflamou-se também o
combate entre restauração e progresso social. Enquanto se travou a luta contra o
ocupante alemão, foram possíveis compromissos entre os movimentos populares
dirigidos pelos comunistas e as forças burguesas restauracionistas. Completada a
libertação nacional, irrompeu uma luta de classes aberta entre a burguesia e o
proletariado.
Grécia
2 «(…) unpopular among large sections of the population». Sir Liewellyn Woodward, British
Foreign Policy in the Second World War, Londres, 1962. Her Majesty’s Stationary Office, p. 350.
De seguida citado como L. Woodward.
2
Os comunistas, que tinham sido em ambos os países empurrados para a
clandestinidade pelos regimes despóticos, ganharam autoridade depois da entrada na
guerra da Rússia (leia-se: depois do assalto da Wehrmacht fascista alemã à União
Soviética, UH). Dominavam os movimentos de resistência.3
O rei da Grécia, Jorge II, e o seu Governo fugiram para o Egipto imediatamente a
seguir à invasão das tropas alemãs (6 de Abril de 1941) e formaram aí um Governo no
exílio. Por iniciativa do Partido Comunista, as forças democráticas de todos os
estratos do povo uniram-se no movimento de libertação nacional (EAM, de acordo
com a sigla grega) a 27 de Setembro de 1941.
Os ocupantes fascistas alemães criaram um governo marioneta, encabeçado pelo
general G. Tsolakoglou, que, em 1943, recrutou tropas entre a população grega e
colocou-as em combate contra a União Soviética.
Nos combates contra os ocupantes fascistas alemães e o governo marioneta traidor
de Tsolakoglou, os patriotas gregos, sob a direcção do PC da Grécia, uniram os
diferentes grupos de guerrilha no Exército de Libertação Popular Nacional (ELAS),
que, até meados de 1943, libertou um terço da Grécia continental. Isto não teria sido
possível sem o enérgico apoio da maioria do povo. Em 10 de Março de 1944, os
patriotas gregos formaram o Comité Nacional de Libertação (PEEFA). Nas eleições
para o Conselho Nacional do PEEFA participaram 1,8 milhões de pessoas, mais de 80
por cento dos cidadãos eleitores. No Conselho Nacional estavam representados todos
os estratos do povo. Sob pressão do governo britânico, em Maio de 1944, o PEEFA
deu o seu acordo a um governo conjunto com o Governo no exílio formado no Egipto,
sob a direcção do social-democrata G. Papandreou. Em 2 de Setembro de 1944, este
Governo foi constituído no Cairo.
Aos comunistas e representantes do ELAM unidos no PEEFA tinham sido
prometidos 25 por cento dos mandatos. Isto não representava de forma nenhuma as
reais relações de maioria no povo. Os partidos burgueses, que não haviam participado
na luta da resistência e se tinham comportado de forma expectante e até cooperante
com a potência ocupante alemã, obtiveram a maioria absoluta no «Governo de
Unidade Nacional», através deste compromisso imposto ao PEEFA.
Face ao rápido avanço do Exército Vermelho nos Balcãs, as tropas ocupantes
alemãs foram obrigadas a retirar da Grécia. Apesar de todas as intrigas dos partidos
conservadores e restauracionistas e do comando do exército britânico, o ELAS soube
aproveitar a retirada das tropas alemãs para libertar a Grécia, com excepção de
algumas ilhas, no início de Novembro de 1944. Cumprido o programa da Frente de
Libertação Nacional (EAM), apoiado pela maioria do povo, devia agora ser
completada a revolução democrática, anti-imperialista. Através dela a hegemonia do
imperialismo britânico na Grécia e no Mediterrâneo oriental seria pelo menos
reduzida, senão mesmo suprimida. O lado britânico queria impedir isto a todo o
custo. O Foreign Office constatava com pesar que uma intervenção armada na
Jugoslávia contra Tito não era possível, mas na Grécia sim. Na perspectiva do
Foreign Office, o Governo britânico teria de utilizar a força, no entanto, assim nos
3
assegura Sir Liewellyn Woodward, não havia a mínima dúvida de que a maioria da
nação grega saudaria a ingerência.4
O Governo britânico nunca se embaraçou a justificar as intervenções imperialistas.
Em 13 de Outubro de 1944, tropas britânicas aterraram em Atenas e no Pireu.
Provocações do lado do exército de intervenção britânico, sob o comando do general
Scobie, e de políticos e oficiais gregos restauracionistas conduziram à sublevação do
ELAS.
Agora Churchill estava no seu elemento. Na noite de 4 para 5 de Dezembro
autorizou telegraficamente o general Scobie a reprimir pela força os movimentos
populares.
Nas suas memórias, Churchill vangloria-se retrospectivamente da sua intervenção
pessoal nos combates na Grécia. As instruções transmitidas por telegrama ao general
Scobie são claras; estão assim documentadas as afirmações odiosas de Churchill, na
sua dicção anticomunista, dando as instruções bárbaras, que teriam honrado
qualquer déspota oriental. Posteriormente ainda procurou legitimá-las, difamando os
comunistas e as massas populares como «populaça»: «Agora interferia directamente
na direcção do assunto. Quando soube que os comunistas tinham ocupado quase
todas as esquadras de polícia em Atenas e assassinado a maioria dos polícias que
não estavam de acordo com eles, e que se encontravam a menos de um quilómetro
da sede do Governo, ordenei ao general Scobie e aos seus cinco mil soldados – que
apenas dez dias antes tinham sido saudados pela população como libertadores –
que interviessem e avançassem com a força das armas contra os assaltantes
traidores. Não faz sentido fazer estas coisas a meio termo. A violência da populaça,
com a ajuda da qual os comunistas queriam ocupar a cidade para se apresentarem
ao mundo como o governo desejado pelo povo grego, só podia ser impedida pelo
fogo das armas. Não houve tempo para convocar uma reunião governamental.
«Eden e eu estivemos juntos até cerca das duas horas da manhã; estávamos
ambos inteiramente de acordo que só a força das armas podia valer-nos. Vi que ele
estava esgotado e disse-lhe:”Se quiser ir deitar-se, eu trato disto.” Ele retirou-se e
cerca das três [horas] redigi o seguinte telegrama para o general Scobie:
«“(…) Você é responsável pela paz e pela ordem em Atenas e deve impedir todas
as unidades do EAM/ELAS de se aproximarem da cidade e, se necessário, eliminá-
las. Pode promulgar todos os regulamentos que entender necessários para
controlar as ruas e prender elementos rebeldes. O ELAS procurará, naturalmente,
onde existir o perigo de um tiroteio, enviar à frente mulheres e crianças. Em tais
casos tem de actuar engenhosamente e evitar erros. Mas não hesite em disparar
sobre todos os [elementos] armados na cidade, que se oponham às nossas
autoridades ou às autoridades gregas por nós reconhecidas. Evidentemente que
seria bom que o Governo grego com a sua autoridade se colocasse sob o seu
comando, e Leeper procura convencer Papandreou a fazê-lo. Mas não hesite em
4 O Governo britânico «had to use force, but there is no doubt that the great majority of the
Greek nation welcomed their interference…» Idem, p. 351. Estranho! Uma página antes L.
Woodward afirma que a monarquia grega era odiada por largas camadas da população, enquanto
agora estavam agradecidos aos britânicos por receberem de volta o seu querido rei.
4
actuar como se se encontrasse numa cidade conquistada, na qual uma
insurreição estivesse em marcha (…)
2. Caso os bandos do ELAS se aproximem da cidade a partir do exterior,
encontra-se com certeza na situação de lhes dar uma lição com os seus tanques, que
intimide os outros de [fazer] novas tentativas. Contará com a minha cobertura para
todas as acções bem pensadas e sensatas. Temos de afirmar a nossa posição e
autoridade em Atenas. Ganharia grande mérito se o conseguisse sem
derramamento de sangue, mas se necessário também com
derramamento de sangue.”
«Este telegrama foi enviado dia 5, cerca das 4h e 50m. Tenho de concordar que
estava formulado de forma um pouco severa. Porém pressenti a necessidade
urgente de dar ao comandante instruções claras, por isso usei premeditadamente as
expressões mais fortes. Com uma tal ordem nas suas mãos, teria a coragem de
actuar energicamente, já que lhe dei a certeza de cobrir todas as suas acções bem
pensadas, independentemente das consequências. Toda a evolução me preocupava
seriamente, contudo estava convencido de que aqui não podia haver nem fraquezas
nem indecisões. Lembrei-me do famoso telegrama de Arthur Balfour, nos anos 80,
para a administração britânica na Irlanda: “Não hesite em disparar.” Esse
telegrama foi então enviado pelo telégrafo público e provocou uma tempestade de
indignação na Câmara dos Comuns, porém evitou determinados derramamentos de
sangue. O episódio revelou-se como uma das etapas mais importantes na subida de
Balfour ao poder. Sem dúvida que as coisas agora eram diferentes, mas este “Não
hesite em disparar” soou-me aos ouvidos como insinuação de dias longínquos.»5
«Não hesite em disparar!» O general Scobie não hesitou. As ressalvas
restritivas de Churchill tinham só uma função de álibi.
A guerra suja de intervenção contra o Exército Popular de Libertação – elemento
activo da coligação anti-hitleriana – foi duramente criticada na Grã-Bretanha, o que
Sir Llewellyn Woodward explicou com a falta de informação da população inglesa
sobre «a violência da populaça e da ditadura comunista».6 Através dos seus meios
de comunicação, o Governo britânico ajudou a ultrapassar rapidamente esta
lamentável «deficiência» informativa.
Mas também nos EUA houve críticas à actuação do exército britânico contra o
Exército Popular de Libertação. Manifestamente, o Presidente Roosevelt também
estava insuficientemente informado sobre «ditadura comunista» da «populaça».
Como o seu filho Elliot Roosevelt se recorda, o Presidente estava profundamente
indignado com o combate das tropas inglesas contra a guerrilha na Grécia, «que
tinha lutado corajosamente durante quatro anos contra os nazis».
«Não me admiraria», disse o Presidente Roosevelt, «se Winston (Churchill, UH)
nos tivesse simplesmente transmitido que queria apoiar os monárquicos gregos.
Isto estaria de acordo com o seu carácter. Mas assassinar a guerrilha grega! Usar
5 Winston S. Churchill, Der Zweite Weltkrieg (Edição revista pelo próprio Churchill das suas
memórias em doze volumes), Frankfurt/Main, 2003, p. 1007 e seg. Sublinhado no original.
6 «mob violence and communist dictatorship». L. Woodward, idem, p. 358.
5
as tropas inglesas para tal coisa!»7 Roosevelt criticou pouco antes da sua morte a
«capacidade inglesa de juntar num bloco os outros países contra a União
Soviética».8
Em Janeiro de 1945, Harry Hopkins, um conselheiro do Presidente, informava
Elliot Roosevelt sobre os «planos [de Churchill] de invasão a partir do Sul», como
«a última tentativa de colocar soldados aliados nos Balcãs antes dos russos».9
Isto chegará para caracterizar as ambições de Churchill na Grécia e nos Balcãs.
Naturalmente que Stáline compreendeu a política pérfida, as brutalidades dos
intervencionistas britânicos na Grécia. Mas o Governo soviético não podia ajudar os
patriotas gregos. Independentemente de um ataque contra as tropas britânicas ser
demasiado arriscado, dada a relação de forças existente no Sul da península
balcânica, um tal passo contra um parceiro de coligação podia ter conduzido à
ruptura na coligação anti-hitleriana. Churchill sabia que Stáline não faria nada contra
a intervenção britânica para evitar tal ruptura. Roosevelt também evitou uma
condenação pública de Churchill pelas mesmas razões.
A originalidade da situação histórica consistia em que, por um lado, os parceiros
da coligação anti-hitleriana dependiam uns dos outros, por outro lado, estavam
divididos por contradições de classe, que teriam de ser dirimidas depois da guerra.
Era uma difícil decisão para Stáline, abandonar ao seu destino os camaradas de classe
gregos para manter a coligação anti-hitleriana. Em 1944/45, a guerra contra o
fascismo alemão e contra o Japão tinha prioridade sobre as acções de luta
delimitadas localmente. Os exércitos alemães lutavam ainda com obstinação fanática
na frente germano-soviética. Uma ruptura na coligação anti-hitleriana, mesmo na
fase final da guerra, teria tido efeitos militares imprevisíveis. A decisão deve ter sido
difícil para Stáline, mas não tinha outra alternativa. Assim, Churchill pôde ainda
assinalar cinicamente que «durante todas as semanas que duraram os combates de
rua em Atenas, (…) não houve nenhuma palavra de acusação no Pravda ou no
Izvéstia».10
Aditamento:
Churchill e os restauracionistas gregos verificaram à sua maneira a teoria
marxista-leninista do Estado e da revolução: primeiro esclarece-se a questão do
poder, se necessário por banho de sangue, depois eleições «livres» e, veja-se, agora os
partidos burgueses têm a maioria. Nas eleições «livres» de 31 de Março de 1946, o PC
da Grécia, o EAM e outros partidos democráticos não puderam participar. Milhares
de combatentes da resistência contra o ocupante fascista foram assassinados pelas
tropas contra-revolucionárias, 75 mil foram presos e mais de 100 mil combatentes
activos do movimento de libertação foram perseguidos e empurrados para a
ilegalidade.
7 Elliot Roosevelt, Wie er es sah (As he saw it), 1ª ed., Zurique, 1947, p. 278.
8 Idem, ibidem, p. 285.
9 Idem, ibidem, p. 289.
6
Em 1 de Setembro de 1946 realizou-se um referendo «livre» sob as baionetas das
tropas reaccionárias, que aprovou o regresso do rei Jorge II e, em «livre autonomia»,
restabeleceu-se a hegemonia do imperialismo britânico na Grécia. Em Fevereiro de
1952 consumou-se a entrada «livre» na NATO. Na verdade, a luta dos democratas
gregos não estava e não está ainda terminada.
11 Ver capítulo III, Ulrich Huar, Stalins Beiträge zur marxistisch-leninistischen Militärtheorie
und – politik. Das Jahr 1943, (Contribuições de Stáline para a teoria militar e política marxista-
leninista. O ano de 1943) 1ª parte, in: Schriftenreihe für marxistische-leninistische Bildung der
Kommunistischen Partei Deutschlands (Colecção de Cadernos de Educação Marxista-Leninista
do Partido Comunista da Alemanha), 1ª parte/Caderno n.º 168/1, Berlim, Abril 2004, p. 3-10.
12 Pravda, 1.º Maio de 1944. Citado segundo K.S. Moskalenko, In der Südwestrichtung (Na
Correspondência entre Stáline, Churchill, Attlee, Roosevelt e Truman), ed. Ministério dos
Negócios Estrangeiros da URSS, Moscovo 1957/Berlim 1961, p. 278 e seg.
14 Idem, ibidem, p.281.
7
soviéticas».15 Tratava-se da ofensiva na Bielorrússia, na direcção principal. Numa
outra carta a Churchill, de 27 de Junho, Stáline declara: «Não concederemos
nenhuma trégua aos alemães, continuaremos a alargar a frente das nossas
operações ofensivas e intensificaremos o poder do nosso ataque contra os exércitos
alemães.»16
O marechal K.S. Moskalenko caracterizou a ideia da condução de golpes sucessivos
em diferentes direcções como «novo conhecimento» da arte de guerra soviética,
nascida «nos combates das nossas tropas na direcção sudoeste, na primeira metade
de 1944.»17
«Na primeira metade de Janeiro atacámos (…) em duas e em Fevereiro já em
todas as quatro direcções na frente ucraniana. Estas operações eram elos de uma
corrente e, apesar da sua distância espacial e temporal, estavam ligadas
operativamente. Ainda uma operação não tinha terminado, já se iniciava a
seguinte.
Este método deu bons resultados. Permitiu amarrar as tropas adversárias em
quase toda a frente, dificultar-lhes a formação de reservas poderosas e as
respectivas manobras. O comando supremo alemão procurou, na verdade,
manobrar com as reservas, mas tinham de ”precipitar-se para a frente e para trás”,
de uma para outra secção da frente, e chegavam atrasadas a toda a toda a parte.
No início de Março, quando as reservas adversárias estavam amarradas e
fragmentadas, as três primeiras frentes ucranianas passaram simultaneamente
com todas as forças à ofensiva. Isto foi a coroação da ideia concretizada
brilhantemente para destroçar e expulsar o adversário da Ucrânia, a Ocidente do
[rio] Dniepre, e para o avanço na direcção fronteira a Oeste e Sudoeste.
E agora o QG tinha decidido pôr em prática o testado método dos golpes
sucessivos num grupo de frentes durante a campanha de Verão-Outono de 1944, na
totalidade da frente soviético-germânica. O planeamento desta campanha já tinha
sido feito na Primavera.»18
De acordo com o general do Exército S.M. Chtemenko, chefe da administração
operativa do Estado-Maior, deve distinguir-se entre «direcção principal do golpe» e
«direcções secundárias».
«O conceito militar de “direcção principal do golpe” reflecte as tarefas
principais de uma guerra, uma operação ou um combate, para os quais se utilizam
as melhores e mais poderosas forças e às quais se dedica atenção especial. Cada
soldado, oficial ou general quer ser posto aqui em combate. As tarefas nas
direcções secundárias são mais modestas, as forças e os meios menores.
Apesar de não estarem no centro das atenções, é aqui, porém, que o combate é
mais difícil.»19
19 S.M. Chtemenko, Im Generalstab (No Estado-Maior), Vol II, Moscovo 1973/Berlim 1985, 3ª
edição, p. 327.
8
As direcções secundárias não devem ser subestimadas. Têm de avançar na medida
da direcção principal, sob pena de os flancos dos exércitos da direcção principal
ficarem a descoberto, o que pode ser usado pelo adversário para a contra-ofensiva. As
direcções secundárias eram de enorme significado político, como se demonstrou nas
frentes nos Balcãs, na Hungria, na Áustria, na Checoslováquia e na frente da Carélia.
Entretanto, Stáline, o comandante supremo, não podia perder de vista todas as
frentes, direcções principal e secundárias, dos Balcãs ao círculo polar. É claro que
sozinho não o podia fazer. Apoiando-se no colectivo de generais experientes no QG,
no comandante-em-chefe do exército e no comandante-em-chefe da frente, as
decisões de Stáline eram permanentemente o resultado da experiência colectiva dos
generais dirigentes do Exército Vermelho, com responsabilidade pessoal do
comandante supremo. Com o ultrapassar das fronteiras, era necessário tomar cada
vez mais decisões de política externa, que exigiam deliberações colectivas com os
camaradas do Comissariado do Povo dos Negócios Estrangeiros, principalmente com
o camarada Mólotov.
A estratégia dos golpes sucessivos coloca um problema de método na sua
exposição: ou cronologicamente, em paralelo, ou por frentes, e dentro delas
cronologicamente. Ambos os métodos têm as suas vantagens e desvantagens. Decidi-
me pela exposição por frentes e procurei compensar as desvantagens remetendo para
operações simultâneas nas outras frentes.
Polónia
20 N.A. Antipenko, In der Hauptrichtung (Na Direcção Principal), Moscovo 1971/Berlim 1973,
p. 213.
9
comunistas residentes na União Soviética e dos que actuavam na clandestinidade em
organizações comunistas na Polónia; o Partido Socialista Polaco (Polska Partia
Socjalistyczna – PPS); o Partido Camponês Polaco (Polski Stronnictwo Lodowe, –
PSL); o Partido Democrático (Stronnictwo Demokratyczne – SD) e independentes.
O PKWN foi o embrião do posterior governo democrático-popular da Polónia. No
início teve a sua sede na cidade libertada de Lublin.
As forças feudais-burguesas restauracionistas tinham os seus representantes
políticos no Governo polaco no exílio em Londres e na clandestinidade polaca, na
chamada Delegatura.21
Em 1944 já existiam vários exércitos polacos e unidades armadas. Logo em 30 de
Julho de 1941, na sequência de um acordo entre o Governo soviético e o Governo
polaco no exílio em Londres, iniciou-se a formação de um exército polaco em
território soviético. Em 1942, a seu pedido, foi evacuado para o Irão. Era conhecido
como «Exército Anders», segundo o nome do seu comandante. Participou nos
combates no Norte de África, Itália e Grécia ao lado das tropas britânicas.
Em Fevereiro de 1942, o Governo polaco no exílio iniciou a formação de um
exército terrestre nas regiões polacas ocupadas pelos fascistas alemães, o Armia
Krajowa (AK).
Quer o Exército de Anders, quer o AK encontravam-se sob o comando de generais
e oficiais reaccionários, na sua maioria, tendo o general Kazimierz Sosnkowski como
comandante supremo. Sosnkowski pertencia ao Governo polaco no exílio em
Londres. Ambos os exércitos polacos tinham como objectivo restabelecer o velho
domínio capitalista de classe, depois da expulsão dos ocupantes alemães.
A partir do movimento de resistência antifascista formaram-se o exército popular
Armia Ludowa (AL) e o batalhão camponês Bataliony Chlopskie (BCH), sob o
comando do PPR. No início de 1942, o PPR criou ainda a sua própria organização
militar, a Guarda do Povo (Gwardia Lodowa – GL). A Aliança dos Patriotas Polacos
(Zwiazek Patriotow Polskich) iniciou a formação regular de forças armadas polacas
em território soviético, cuja 1.ª Divisão, logo em Outubro de 1943, participou nos
combates ao lado do Exército Vermelho. Unidades do 1.º Exército Polaco, que
entretanto se juntaram ao AL e formaram o Exército Polaco (Wojsko Polski – WP),
participaram na libertação de Lublin, a 24 de Julho de 1944.
Para além destas unidades militares e exércitos existiam ainda unidades de
guerrilha.
A resistência polaca era constituída, portanto, por dois grupos principais: as
organizações e unidades democráticas antifascistas, por um lado, e as organizações e
unidades nacionalistas burguesas, por outro. Se as primeiras queriam aliar a
libertação nacional dos ocupantes fascistas alemães à revolução popular democrática,
eliminando o latifúndio e o grande capital, já as apoiadas pelo Governo polaco no
exílio em Londres e a sua Delegatura limitavam a resistência à libertação nacional,
visando a restauração das velhas relações de poder e de propriedade, e conduziam
10
simultaneamente uma guerra de classe contra as unidades democráticas antifascistas
e o Exército Vermelho.
Esta divisão grosseira em dois grupos políticos e forças armadas, segundo a
posição de classe, não significa que na prática se pudessem separar na sua forma
«pura», de acordo com o esquema: aqui, as forças progressivas, «os bons», ali as
forças nacionalistas burguesas restauracionistas, «os maus»! Nas unidades
reaccionárias havia não poucos patriotas polacos que lutavam com coragem e
determinação, com perigo da própria vida, pela libertação do seu país, contra os
fascistas alemães, embora, simultaneamente, tivessem reservas em relação aos
comunistas e à União Soviética. Inversamente, nas organizações e unidades dirigidas
pelo PPR combatiam patriotas polacos que, não sendo na verdade anticomunistas,
não estavam livres de reservas face aos comunistas. Deve sempre levar-se em
consideração que, numa nação que sobrevivera a três partilhas entre 1772 e 1918, e
cuja independência só tinha sido restabelecida há 25 anos, ou seja, ainda na
experiência de vida da geração combatente, se mantinham as desconfianças em
relação ao seu poderoso vizinho. Os fascistas alemães iam ao encontro da sua derrota,
os polacos livrar-se-iam deles, mas como se comportaria o Governo soviético, cujos
exércitos vitoriosos acabavam, agora, de entrar em território polaco? Não haveria
afinal algo [de verdade] nos boatos e difamações anti-soviéticas do Governo polaco
no exílio em Londres e da sua Delegatura, assim como na propaganda de Goebbels,
de que os soviéticos obrigariam os polacos a aceitar o seu sistema contra a sua
vontade? Assim, muitos polacos moviam-se na contradição, por um lado, o Exército
Vermelho era o libertador dos fascistas alemães, devia ser apoiado, deviam ajudá-lo,
por outro lado, será que ele respeitará a soberania da Polónia, o direito de auto-
determinação da nação polaca?
De acordo com a ordem expressa de Stáline, o Exército Vermelho devia
concentrar-se nos combates contra os exércitos alemães, não se imiscuir nos assuntos
internos do povo polaco, comportar-se amigavelmente perante a população polaca,
estar disponível para ajudar na medida do possível.
A administração das regiões libertadas dependia do PKWN. O Exército Vermelho
devia apoiar o PKWN, mas não tinha nenhuma competência para dar ordens.
Ataques por parte membros do Exército Vermelho eram severamente castigados pelo
QG, pelo comandante-em-chefe da frente e pelo comandante-em-chefe do Exército.
Na Directiva de 19 de Julho de 1944, o Comando Político Principal do Exército
Vermelho chamou a atenção para a nova situação criada com o avanço do Exército
Vermelho para além das fronteiras do Estado. Dela decorriam correspondentes
exigências da formação e educação político-partidária dos soldados do Exército
Vermelho.
Em Julho de 1944, Stáline convocou o general Krainiukov, membro do Conselho
Militar da 1ª Frente Ucraniana, e os generais Mekhlis e Subottine, membros de
Conselhos de Militares, para uma reunião no Comité de Defesa do Estado, em
Moscovo, destinada a elaborar uma proposta de resolução sobre regras de
comportamento no estrangeiro para o Exército Vermelho, «já que aí, cada
combatente é chamado a levantar bem alto a honra e prestígio da nação soviética,
11
assim como a respeitar a soberania e dignidade dos povos libertados.»22 Nesta
reunião, Stáline desenvolveu as suas reflexões sobre a Polónia, sobre «o seu presente
e o seu futuro. Recordou que os polacos, no passado, não só tiveram de suportar o
jugo do domínio tsarista, mas também tinham sido brutalmente explorados pelos
seus próprios latifundiários e capitalistas e pelas potências burguesas ocidentais.
Nas mãos dos imperialistas, a Polónia tinha sido frequentemente uma arma de
arremesso, um foco de contradições, conflitos e confrontos militares. Stáline
sublinhou que, nestes dias históricos, em que o Exército Vermelho libertava o povo
polaco do jugo fascista, se lançavam as bases para uma amizade fraternal e
indestrutível entre o povo soviético e o povo polaco. Os conselhos militares tinham
de se preocupar com o desenvolvimento e consolidação desta amizade, de modo a
que pudesse durar séculos.
«“Nós, bolcheviques,” continuou Stáline, “desde o primeiro dia da Grande Guerra
Patriótica que falamos da missão histórica libertadora do Exército Vermelho. Agora
chegou o momento de libertar os povos da Europa da opressão fascista. É nossa
obrigação internacional ajudar o povo polaco no renascimento de uma Polónia
forte, independente e democrática.”
«O presidente do Comité de Defesa do Estado declarou que não formaríamos
nenhuma administração própria em território polaco e também não erigiríamos aí
a nossa ordem [social]. Não nos devíamos imiscuir nos assuntos internos do país.
Estes eram unicamente da competência soberana dos polacos. Tinha-se formado o
Comité Polaco de Libertação Nacional que iria constituir a sua própria
administração. [Os soviéticos] manteriam uma estreita relação com o Comité e não
reconheceriam quaisquer outros órgãos de poder.
«“Repito, não se reconhece nenhum outro poder, para além do Comité Polaco de
Libertação Nacional!”
«Stáline propôs que os conselhos de militares, cujas tropas tinham entrado em
território polaco, publicassem um apelo ao povo polaco. Recomendou utilizar a
declaração do Governo soviético e a deliberação do Comité de Defesa do Estado
como base do apelo, esclarecendo o objectivo e as tarefas do Exército Vermelho em
território polaco. Com isto terminou a reunião. Stáline dirigiu-se-nos, apertou-nos a
mão, um a um, e desejou-nos muitos êxitos.»23
Por instrução do CC do PCUS e do Comité de Defesa do Estado, o Conselho de
Militar da Frente aprovou um apelo ao povo polaco. Nele afirmava-se: «O Exército
Vermelho não coloca como objectivo anexar qualquer parcela do território polaco
para a União Soviética ou introduzir a ordem soviética na Polónia. Chegou a hora
histórica de o povo polaco assumir o seu destino nas suas mãos. O Comité Polaco de
Libertação Nacional recentemente formado é o único poder legítimo no território
polaco que representa o interesse do povo polaco. Nesta hora deve ajudar de todas
12
as formas o Exército Vermelho para que possa derrotar os exércitos fascistas e
acelerar a normalização da vida no solo livre e independente da Polónia.»24
O Conselho Militar e a Direcção Política da 1ª Frente Ucraniana editavam um
jornal em polaco intitulado Nova Vida. Era publicado com uma tiragem de 20 mil
exemplares.
Foram constituídos grupos de agitadores, que dominavam a língua polaca, para
desenvolver trabalho político de massas nas regiões libertadas.25
Em 22 de Julho de 1944, o PKWN, enquanto novo poder do povo na Polónia,
publicou o seu Manifesto programático. Afirmava-se: «A propriedade nacional, que
actualmente se encontra nas mãos do Estado alemão e de capitalistas alemães da
indústria, comércio, transportes e banca, assim como as florestas serão
provisoriamente colocados sobre administração do Estado.» «A propriedade
expropriada pelos alemães a cidadãos, camponeses, comerciantes, artesãos,
pequenos e médios empresários, assim como a instituições e à Igreja» será
«devolvida aos legítimos proprietários».26
Como é claro, os objectivos do PKWN não são exigências socialistas.
A 26 de Julho de 1944 definiu-se, em Moscovo, a repartição dos poderes entre o
PKWN e o comandante-em-chefe do Exército Vermelho. Nas regiões próximas da
frente, o comando soviético, ou seja o comandante-em-chefe da frente, exercia o
poder máximo, como o exigiam as necessidades militares. Nas regiões já não
pertencentes às zonas de combate, o poder era transferido na totalidade para o
PKWN, que assumia praticamente funções governamentais, apesar de ainda não ter
oficialmente a designação de governo provisório.
A 1 de Agosto de 1944, Mólotov, na sua qualidade de comissário do povo dos
Negócios Estrangeiros, numa missiva dirigida ao presidente do PKWN, Edward
Boleslaw Osóbka-Morawski, confirmava o reconhecimento do Comité pela União
Soviética. O Governo da URSS estabeleceu relações diplomáticas a 5 de Janeiro de
1945 com o Governo Provisório da República Polaca, formado em 31 de Dezembro de
1944. Como Stáline tinha expressamente declarado, o PKWN, o Governo Provisório,
era o único órgão de poder que tinha o apoio soviético. Todas as outras organizações
que se apresentavam como «órgãos de poder» deviam ser rejeitadas como ilegais.
Isto era expressamente válido para o Governo no exílio em Londres – que Stáline
designava frequentemente como o governo de emigrantes – e para a sua
Delegatura na Polónia. Todas as questões de política interna, assim como problemas
de política externa polaca, deviam ser encaminhados por princípio para o Governo
Provisório, enquanto único governo legítimo da Polónia.
26 Citado de acordo com Geschichte des Zweiten Weltkrieges 1939-1945 (História da II Guerra
Mundial) em 12 volumes, vol. 10, editado pelo Instituto de História Militar do Ministério da
Defesa da URSS, Instituto do Marxismo-Leninismo do CC do PCUS, Instituto de História Geral
da Academia das Ciências da URSS, Instituto de História da URSS da Academia das Ciências da
URSS, Moscovo, 1979/Berlim, 1982, p. 67.
13
Estas instruções de Stáline eram determinadas por razões de classe e de política de
segurança. Depois da experiência com o antigo regime feudal-capitalista e anti-
soviético de Pilsudski e Beck, o Governo soviético estava interessado em ter na
Polónia um vizinho democrático e pacífico. Em nenhum momento Stáline exigiu a
implantação de uma ordem socialista na Polónia ou noutro país, incluindo a
Alemanha, isto é a RDA. As massas populares tinham de decidir a questão da ordem
social. Revoluções, especialmente revoluções socialistas, não são artigos de
exportação.
Porém, depois das experiências dos anos 20 e 30, Stáline não tinha ilusões sobre
os latifundiários e os grandes capitalistas polacos. Por isso, ele e os outros membros
do Governo soviético apoiaram os primeiros órgãos de poder popular democrático,
nos quais os pans não eram determinantes, e preservaram-nos de uma intervenção
militar estrangeira, como a que se verificou na Grécia. Naturalmente que esta política
não agradou nada a Churchill, e não só a ele, que queria restaurar as antigas relações
de poder dos pans e integrar a Polónia num novo «cordon sanitaire»27 contra a
União Soviética. A designação difamatória de «governo satélite» dos soviéticos na
Polónia, que se mantém hoje na historiografia burguesa e nas publicações políticas,
também usada mais tarde para as outras democracias populares no Leste e na RDA,
tem origem nesta época. A possibilidade de os operários, camponeses, intelectuais e
outros trabalhadores desejarem de facto uma ordem social socialista, a eliminação da
propriedade privada dos meios de produção, a construção da sua própria dominação
política, ultrapassa os limites sociais da compreensão burguesa.
Desde a sua existência histórica, a democracia burguesa, resultante de «eleições
livres» para o parlamento, enquanto suposta expressão da soberania popular, não é
mais do que a forma do domínio de classe da burguesia e o reflexo político da
concorrência entre burgueses. Isto é conhecido há pelo menos 150 anos! No seu livro
publicado em 1850 A Luta de Classes em França, Marx escreveu: «O sentido da
Constituição da burguesia é a dominação da burguesia como produto e resultado do
sufrágio universal.»28
Mas que acontece quando os comunistas conquistam a maioria em eleições? O
direito de voto deixa de ser «razoável» e o razoável é o domínio de classe da
burguesia. Quando «o conteúdo deste sufrágio (…) já não é a dominação da
burguesia», a Constituição perde o seu sentido. «Não será dever da burguesia
regulamentar o direito de voto de maneira a que se queira o que é razoável, isto é, a
sua dominação?»29
Churchill queria o «razoável» na Polónia e o governo polaco no exílio em Londres
representava o «razoável». Stáline recusou este «razoável» e reconheceu o Governo
provisório em Lublin como o único Governo legítimo, o «irrazoável», e remeteu todas
as questões respeitantes à Polónia para este governo.
14
No entendimento democrático de Churchill e de outros ideólogos burgueses, o
Governo imposto pela violência do exército britânico e confirmado em eleições sob
terror na Grécia era o «razoável», era um poder legitimado por «eleições livres». O
governo provisório em Lublin, enquanto representante dos operários, camponeses e
intelectuais e outros trabalhadores, excluindo os latifundiários e grandes capitalistas,
era o «irrazoável». E quando, ainda por cima, o Exército Vermelho protegia este
poder popular de intervenções estrangeiras, tornava-se, é claro, num «governo
satélite» dos soviéticos. A priori o anti-sovietismo e o anticomunismo são
democráticos e, pelo contrário, o socialismo, a democracia socialista são «ditaduras»,
regimes satélites, o «irrazoável», etc. O esquema é tão simples que se continua actuar
em conformidade. Trata-se tão só de repetir com frequência esta versão, de
preferência com as mesmas palavras, para impedir que uma parte assinalável das
próprias massas populares compreenda os métodos de dominação da ditadura da
classe capitalista.
A Delegatura desencadeou um combate feroz contra a administração estabelecida
pelo PKWN e pelo governo provisório nas regiões libertadas, lançou ataques
terroristas contra unidades do exército soviético, atingindo transportes de tropas e de
mantimentos, não hesitando em cometer assassinatos. A participação de cidadãos na
administração foi estigmatizada como «traição à pátria», que seria perseguida
judicialmente depois do restabelecimento do poder do governo no exílio. A
Delegatura conduziu uma verdadeira guerra de classe contra as unidades de
resistentes, que tinham a participação de oficiais soviéticos e nalguns casos eram
também dirigidas por eles. Assassinatos de resistentes, soldados e oficiais soviéticos,
actos de sabotagem contra ligações à retaguarda do Exército Vermelho estavam na
ordem do dia.
A ocupação da Polónia durante mais de cinco anos pelos fascistas alemães tinha
eliminado seis milhões de pessoas – 25 por cento da população! – e provocado a
destruição sistemática da indústria e das infra-estruturas sociais e culturais.
«Durante a ocupação da Polónia foram destruídas 10 200 (64%!) zonas industriais,
2677 hospitais, 6 mil escolas, 3337 museus e teatros, 300 mil edifícios urbanos e
mais de 450 mil casas nas aldeias. Muitas cidades polacas ficaram reduzidas a
ruínas e cinzas.»30
O Governo soviético e o Exército Vermelho ajudavam com tudo o que podiam.
«Milhares de órfãos tinham de ser vestidos e alimentados. A pedido do Governo
polaco, a frente disponibilizou farinha, cevada, açúcar e leite condensado a estas
crianças para um ano inteiro, assim como roupa de cama. Por instrução pessoal de
Stáline, a 1ª Frente Bielorrussa cedeu ao Governo polaco 500 camiões e algumas
centenas de toneladas de combustível das suas reservas. Nessa altura, isto não era
de forma nenhuma fácil.»31
Para constituir a nova administração, o PKWN e o Governo provisório precisavam
também da ajuda dos serviços soviéticos. Os especialistas financeiros soviéticos
tinham que resolver problemas difíceis como fixar a cotação do ouro nas novas
condições, definir as regras de contabilização dos fornecimentos ao Exército
15
Vermelho e do pagamento dos salários aos militares. As duas moedas, a polaca e a
soviética, deviam ambas ser válidas. Era necessário resolver questões que tinham um
carácter marcadamente político, como a circulação do dinheiro.32
Isto aplicava-se às regiões libertadas. Mas ainda havia guerra em território polaco
e fora da sua fronteira ocidental, pelo que surgiam contradições entre as necessidades
militares e as considerações políticas. O tenente-general Antipenko alertou para o
problema da via-férrea Este-Oeste, estrategicamente importante para a ofensiva do
Exército Vermelho no eixo principal Vístula-Oder-Berlim. A modificação das vias-
férreas polacas para a bitola soviética era necessária por razões militares, mas
politicamente duvidosa. Iniciou-se a alteração, mas Stáline deu de imediato a ordem
para repor as linhas na bitola europeia ocidental. Só em Outubro/Novembro, depois
de muita reflexão, a situação militar obrigou o Comité de Transportes, criado por
iniciativa de Stáline, a aceitar o pedido de Antipenko para adoptar a bitola soviética
pelo menos numa linha. De outra forma não era possível transportar as tropas e
equipamento militar para a ofensiva Vístula-Oder-Berlim, o que teria conduzido a um
prolongamento da guerra.33
A Insurreição de Varsóvia
1 de Agosto a 2 de Outubro de 1944
16
Nenhuma actuação coordenada com a URSS, mas sim medidas preventivas.
Capitulação sem condições da Alemanha, não à coligação anti-hitleriana, mas aos
EUA e à Grã-Bretanha.34
Oficialmente nada foi comunicado a Stáline sobre estas decisões. Tenho de deixar
em aberto até que ponto ele tomou conhecimento destes planos através de outras
fontes, através de indiscrições ou dos serviços de informação soviéticos. Stáline, em
todo o caso, não tinha nenhumas ilusões sobre Churchill e as suas nobres intenções.
O atentado a Hitler, a 20 de Julho de 1944, não foi só uma acção isolada,
resultante de uma conspiração de alguns militares e funcionários do aparelho do
Estado fascista, mas também a expressão de uma profunda crise política da
Alemanha fascista. A promiscuidade entre altos representantes do Estado fascista,
Himmler, Schellenberg, Papen, entre outros, e representantes das potências
ocidentais, parecia tornar possível um colapso das forças de defesa alemãs a
Ocidente, uma capitulação unicamente às potências ocidentais e a continuação da
guerra contra a União Soviética.35 Este aspecto revela o motivo político dos dirigentes
responsáveis pela insurreição de Varsóvia: «Chegar antes dos russos!»
O plano «Burza», nome de código para a insurreição, baseava-se nesta intenção:
libertar pela insurreição a cidade dos ocupantes fascistas, pelo menos 12 horas antes
da chegada de tropas soviéticas a Varsóvia, e proclamar a Delegatura do Governo
polaco no exílio em Londres como o legítimo governo polaco. Em caso de êxito da
insurreição, um contingente simbólico das forças armadas britânicas podia então
ocupar Varsóvia.36
Apesar de ainda não estarem publicados todos os documentos de arquivo, o
numeroso material factual acessível não permite sustentar a versão lançada pela
parte interessada de que a insurreição irrompeu «espontaneamente», na sequência
de um comentário na Rádio Moscovo, a 29 de Julho, que teria sido interpretado
como um apelo à população de Varsóvia para a insurreição. Esta afirmação anti-
soviética tem origem no general Bor-Komorowski, que pretendeu assim justificar a
sua acção criminosa, empreendida já depois de ser claro para ele que a insurreição
estava condenada ao fracasso. Por seu lado, o primeiro-ministro do Governo polaco
no exílio em Londres, Stanislav Mikolajczyk, serviu-se desta mentira num telegrama
a Roosevelt, de 18 de Agosto, para justificar a actuação irresponsável do seu Governo
e da Delegatura na Polónia. O método não é nem era novo – atribuir os próprios
crimes à União Soviética, a Stáline.
Utilizemos alguma documentação do Foreign Office britânico, onde, embora
silenciando factos importantes, se mostra claramente que a insurreição de 1 de
Agosto de 1944 «não foi um levantamento espontâneo».37
37 A insurreição «… was not an unplanned attack…». Sir L. Woodward, ob. cit., p. 300.
17
O «movimento clandestino polaco» (referem-se à Delegatura e ao AK, UH) era
«controlado» pelo governo polaco no exílio em Londres, ou seja, dirigido.38 O
comandante do AK, Bor-Komorowski estava, por sua vez, subordinado ao General
Sosnkowski, comandante-em-chefe das Forças Armadas polacas (Exército de Anders
e AK, UH). Sosnkowski era membro do Governo no exílio em Londres. O Governo
britânico não deixou qualquer dúvida de que o Governo polaco no exílio em Londres
era para si «o governo legítimo da Polónia».39
O Governo polaco no exílio tinha «planos prontos para uma insurreição geral.».
Tinha «procurado apoio britânico», porém isso foi recusado com a justificação de
que «uma insurreição só teria êxito se se realizasse com o acordo e em cooperação
com russos.»40 Tem ainda de se referir que também o general Sosnkowski tinha
advertido Bor-Komorowski contra uma insurreição que não tivesse sido previamente
concertada com o Comando Supremo soviético.
Os planos de insurreição «estavam prontos ainda antes de os russos, em rápido
avanço, alcançarem os arredores de Varsóvia em 29 de Julho».41
Esta última afirmação é pouco rigorosa e pode levar à falsa conclusão de que as
forças armadas soviéticas se encontravam às portas de Varsóvia e só lhes faltava
entrar na cidade. Talvez esta falsa conclusão tenha sido intencional?!
Na realidade, as forças principais da 1ª Frente Bielorrussa, sob o comando do
marechal Rokossóvski, comandante-em-chefe da frente, ainda se encontravam a 200
quilómetros de Varsóvia. Somente a 2ª unidade de tanques da 1ª Frente Bielorrussa
tinha avançado, encontrando-se a 10-12 quilómetros de Praga, uma cidade vizinha de
Varsóvia, na margem oriental do Vístula. Rechaçava aí os poderosos ataques de
divisões blindadas alemãs.
Praga encontra-se separada de Varsóvia pelo Vístula. Com a correlação de forças
existente naquele momento, a travessia do rio, com uma largura de 450 a 600
metros, era impossível. Trata-se pois de uma especulação que tira partido do
desconhecimento do leitor. Falaremos ainda sobre a capacidade de combate da 1ª
Frente Bielorrussa em Julho de 1944.
Na documentação do Foreign Office segue-se então a versão do «comentário» da
Rádio Moscovo de 29 de Julho, que supostamente levou Bor-Komorowski a dar a
ordem para a insurreição a 1 de Julho. Os russos estariam «só a dez quilómetros de
mais à frente «…in fact asked for British assistance.» Segue-se a recomendação do Governo
britânico «…that a rising would be effective only if it took place in agreement and cooperation
with the Russians.» Idem, ibidem, p. 300.
41 Os planos «(…) were ready before the Russians, in rapid advance reached the outskirts of
18
Varsóvia», no entanto o general Bor-Komorowski não teve possibilidade de contactar
o comando supremo soviético, antes de ter dado a ordem para a insurreição.42
Bor-Komorowski teria podido, se o quisesse, estabelecer contacto com o comando
supremo soviético, concretamente com o comandante-em-chefe da 1.ª Frente
Bielorrussa, marechal Rokossóvski.
Escondida numa nota de rodapé, Llewellyn Woodward relativiza a tese do «apelo à
insurreição» da Rádio Moscovo, com a observação de que os soviéticos negaram ter
feito tal apelo. Com isto deixa-se ao leitor a interpretação do comentário de 29 de
Julho.
Contudo, o autor aproxima-se um pouco mais da verdade, na mesma nota de
rodapé, quando confessa que os polacos queriam ser eles próprios a libertar Varsóvia
e ter um governo operacional antes de os russos ocuparem a cidade, o que significava
que tinham de tomar o controlo da cidade pelo menos 12 horas antes da chegada dos
russos.43 Se substituirmos «os polacos» por Bor-Komorowski e o Governo no exílio,
então está correcto. É de sublinhar, neste contexto, que Mikolajczyk e comitiva se
deslocaram a Moscovo a 27 de Julho, ou seja, tinham estado em Moscovo
imediatamente antes da insurreição.
Estes factos suscitam algumas questões: desconhecia Mikolajczk, primeiro-
ministro do Governo no exílio, os planos para a insurreição preparados em Londres?
Não teve nenhuma oportunidade para informar Stáline, Mólotov ou um outro alto
funcionário soviético ou general sobre a insurreição iminente, mesmo que
desconhecesse a hora exacta? (Bor-Komorowski adiou-a várias vezes como se
demonstrará) Não se podia indagar se o Exército Vermelho tinha condições para
ajudar rapidamente os insurrectos? Não podia mediar um contacto entre Bor-
Komorowski e o marechal Rokossóvski?
O Governo britânico – ou seja, nomeadamente Churchill – sabia da insurreição.
Foram suficientemente cautelosos para não prometer qualquer ajuda ou apoio.
Churchill actuou de acordo com o conhecido lema: façam, se correr bem, podemos
ajudar, então teremos os soviéticos de fora, corre mal, não temos nenhuma
responsabilidade nisso, nós até recomendámos que entrassem previamente em
contacto com os soviéticos (sabendo bem que eles não o fariam). Para além disso,
uma derrota dos insurrectos dava a oportunidade de responsabilizar os soviéticos –
Stáline – pelo previsível banho de sangue que os fascistas perpetrariam entre a
população de Varsóvia, como também veio a acontecer.
O general de infantaria Kurt von Tippelskirch demonstrou, enquanto militar, um
conhecimento correcto na sua essência, quando escreveu:
«O movimento clandestino polaco considerou chegada a hora da insurreição
quando os exércitos de Rokossóvski, no final de Julho, se aproximavam da capital
polaca numa marcha aparentemente imparável. Também não faltou
42 «The russians were then only 10 kilometers from the city (…)», «General Bor-Komorowski
was, however, unable to get into touch with the Soviet military authorities before issuing his
order.» Idem, ibidem, p. 301.
43 «The Poles wanted to liberate Warsaw for themselves, and to have a Polish administration
at work befor the Russians entered the city; hence they needed to be in control at least twelve
hours before the Russians entry.» Idem, ibidem, p. 301, nota de rodapé 1.
19
encorajamento do lado inglês. Fazia parte dos hábitos ingleses, como já acontecera
em Roma e brevemente aconteceria em Paris, apelar à insurreição da população
das capitais, cuja libertação parecia estar eminente.
A insurreição rebentou a 1 de Agosto, quando a força do avanço russo já tinha
sido quebrada e os russos já tinham desistido da tentativa de ocupar a cidade num
ataque repentino. Assim, os dirigentes polacos ficaram entregues a si próprios. No
início tiveram êxitos surpreendentemente grandes. A maioria das repartições
alemãs na cidade ficou isolada do exterior, as estações ferroviárias foram ocupadas
pelos insurrectos, que possuíam lança-granadas, defesa anti-aérea e artilharia
anti-tanque, e cortadas todas as estradas de acesso. Os alemães só conseguiram
manter as pontes sobre o Vístula. Se os russos tivessem continuado o seu ataque na
frente da testa-de-ponte, a situação na cidade ter-se-ia tornado insustentável.
Como tal não sucedeu, foi possível reunir em Varsóvia e nos arredores forças
suficientes pelo menos para libertar as repartições alemãs, recuperar o controlo das
estações ferroviárias e impedir que a cidade caísse totalmente nas mãos dos
insurrectos. Mas ainda seria necessária uma luta árdua e dura, que se prolongou
até Outubro, para a ocupação alemã conseguir controlar a insurreição. Faltavam
permanentemente forças para uma limpeza rápida e enérgica.»44
Stáline, o QG e o comandante-em-chefe da 1ª Frente Bielorrussa, marechal
Rokossóvski, foram surpreendidos pela insurreição. Quer da parte do Governo polaco
no exílio, quer da parte de Bor-Komorowski não havia a intenção de informar e ainda
menos de consultar a direcção soviética. Tal seria contrário às suas intenções
políticas, nomeadamente: «chegar antes dos russos!»
Causa estranheza o facto de Churchill ter telegrafado a Stáline, a 4 de Agosto,
informando-o de que os polacos «pedem auxílio aos russos, que parecem estar muito
próximos. Eles são atacados por uma divisão e meia de soldados alemães. Esta
indicação poderá servir para as vossas operações.»45 Churchill referia-se a
informações que tinha obtido dos polacos.
A resposta de Stáline, a 5 de Agosto, foi muito curta. Considerava que «as
informações que lhe foram transmitidas pelos polacos (…) não inspiram confiança.»
«O Armia Krajowa dos polacos é constituído por alguns destacamentos, a que
chamam indevidamente divisões. Não têm nem artilharia, nem aviões, nem
tanques. Não imagino como semelhantes destacamentos podem tomar Varsóvia,
que os alemães defendem com quatro divisões blindadas, entre elas a divisão
“Hermann Göring”.»
A forma como esta insurreição poderia «servir» ao Exército Vermelho, no contexto
das relações de força descrito por Stáline, manteve-se um segredo do primeiro-
ministro britânico.
44 Kurt von Tippelskirch, Geschichte des Zweiten Weltkrieges (História da II Guerra Mundial),
Bona, p. 471. Na altura em que escreveu o seu livro, Tippelskirch não podia ainda conhecer o
plano «Rankin» e outros documentos publicados mais tarde.
45 Correspondência de Stáline com Churchill, Attlee, Roosevelt e Truman 1941-45, Moscovo
20
De acordo com as investigações de Fáline, o AK dispunha de 175 mil homens (em
toda a Polónia, UH), que estavam sob «controlo directo de conselheiros britânicos e
tinham sido formados e armados com dinheiro britânico.» As armas eram lançadas
de aviões britânicos.
Só uma pequena parte do AK foi utilizada em operações contra os ocupantes
fascistas. «Todos os outros esperavam pelo dia X»,46 ou seja, pelo combate contra o
Exército Vermelho. Apesar de estar a par das verdadeiras intenções do Governo no
exílio em Londres e da sua delegação e direcção do AK, assim como das do Governo
de Churchill, Stáline, o QG e o comandante-em-chefe da 1ª Frente Bielorrussa,
marechal Rokossóvski, fizeram tudo o que era humanamente possível para apoiar os
insurrectos.
A insurreição tinha um duplo carácter. Por um lado, era obra de aventureiros
irresponsáveis com objectivos anti-soviéticos, e, nessa medida, um crime contra o
povo polaco. Por outro, também participaram no seu início unidades do AL (Armia
Ludova), que também não foram informadas por Bor-Komorowski, o qual proibiu
qualquer contacto entre o AK e o AL! Igualmente, a população de Varsóvia apoiou a
insurreição contra os odiados fascistas alemães; nessa medida, a insurreição possuía
o carácter de uma insurreição antifascista. Esta foi a razão por que Stáline e o QG
fizeram tudo o que estava dentro das suas forças para ajudar a população de
Varsóvia.
O antigo comandante-em-chefe da 1ª Frente Bielorrussa, marechal Rokossóvski,
recorda: os exércitos da 1ª Frente Bielorrussa foram os primeiros a pisar território
polaco. Chegaram a Praga, na margem leste do Vístula. Praga é muitas vezes referida
como subúrbio, outras como bairro de Varsóvia. O importante para a compreensão
da situação estratégica é que Praga está separada dos outros bairros de Varsóvia pelo
Vístula. Os exércitos de Rokossóvski eram, portanto, os que estavam mais próximos
de Varsóvia.
Para evitar repetições, limito-me aqui às informações de Rokossóvski sobre a
situação militar, as actividades militares da 1ª Frente Bielorrussa e a sua experiência
com os oficiais do AK.
Os exércitos da 1.ª Frente Bielorrussa foram saudados pela população polaca. O 1.º
Exército Polaco, que pertencia à 1ª Frente Bielorrussa, foi rapidamente completado
com voluntários da população local, com unidades do GL (Guardia Ludova), do AL e
outras forças da resistência. O comportamento do AK causou estranheza.
«Logo no primeiro encontro com representantes desta organização ficámos com
uma impressão desagradável. Tendo recebido indicações de que uma grande
unidade, que se intitulava de 7.ª divisão do AK, se encontrava na floresta a Norte de
Lublin, decidimos enviar alguns oficiais do nosso Estado-Maior para estabelecer
ligação. O encontro efectuou-se. Os oficiais do AK, que vestiam uniformes polacos,
mantiveram uma atitude arrogante, recusaram a proposta de acções conjuntas nos
combates contra as tropas alemãs fascistas. Declararam que o AK se submetia
unicamente às ordens do Governo polaco em Londres e dos seus representantes. A
sua posição para connosco foi definida do seguinte modo: “Não utilizaremos as
21
armas contra o Exército Vermelho, mas também não queremos manter quaisquer
contactos”.»47
A 2 de Agosto, Rokossóvski recebeu dos seus próprios serviços de informações a
notícia da insurreição em Varsóvia. A situação era de tal modo inesperada que
inicialmente Rokossóvski chegou a pensar que se tratava de um boato lançado pelo
inimigo.
«Era como se os dirigentes da insurreição tivessem escolhido o momento para
sofrer uma derrota (…) Nessa altura, o 48.º e 65.º exércitos travavam combates a
mais de 100 quilómetros a Leste e a Nordeste de Varsóvia. (A nossa ala direita
estava enfraquecida com a retirada de dois exércitos para a reserva do QG e, depois
de derrotar um inimigo poderoso, ainda tinha de chegar ao Narev e formar testas-
de-ponte na sua margem ocidental). O 70.º Exército tinha acabado de tomar Brest e
limpava a região do resto das tropas alemãs aí cercadas. O 47.º Exército travava
combates na região de Siedlce com a frente para Norte. O 2.º Exército de Blindados,
envolvido em combates nas imediações de Praga (um subúrbio de Varsóvia, na
margem leste do Vístula), rechaçava os contra-ataques das unidades blindadas do
inimigo. O 1.º Exército Polaco, o 8.º Exército da Guarda e o 69.º Exército, que
tinham atravessado o Vístula a Sul de Varsóvia, perto de Magnuszev e Pulavi,
ocupavam e alargavam testas-de-ponte na sua margem ocidental. Nisto consistia a
tarefa principal que a ala esquerda podia e estava obrigada a cumprir. (…)
«Em dada altura, na imprensa ocidental surgiram detractores que tentaram
acusar a 1ª Frente Bielorrussa, e naturalmente a mim, como comandante, de que,
alegadamente, não tínhamos apoiado intencionalmente os insurrectos em Varsóvia,
condenando-os assim ao fracasso.»
Sobre isto recorda o seguinte: «A operação bielorrussa não tinha precedentes
pela sua profundidade. Na ala direita da 1.ª Frente Bielorrussa, as tropas soviéticas
tinham avançado mais de 600 quilómetros.» Depois de combates incessantes, as
tropas soviéticas usaram o resto das suas forças para resolver as tarefas colocadas
pelo QG. A libertação de Varsóvia teria exigido uma nova enorme operação de ataque
– que foi mais tarde executada. Mas em Agosto de 1944, sem amplas medidas, não se
teria sequer conquistado Varsóvia como testa-de-ponte.48
Varsóvia estava próxima, as tropas da 1ª Frente Bielorrussa já combatiam nas
imediações de Praga, «mas cada passo custava esforços enormes».49 O contacto com
os insurrectos ainda não tinha sido estabelecido. «Os nossos serviços de informações
procuraram em estabelecer contacto com eles por todos os meios, mas nada tinha
resultado.»50
50 Idem, ibidem.
22
Rokossóvski apercebeu-se muito rapidamente da diferença entre os promotores da
insurreição, o general Bor-Komorowski, seu comandante, assim como o general
«Monter», seu ajudante, comandante da circunscrição militar de Varsóvia, e os
«habitantes patriotas de Varsóvia». Estes últimos, que queriam libertar-se do
ocupante fascista, recorreram às armas e juntaram-se à insurreição. «Não pensavam
em mais nada». Mas aqueles que apelaram à insurreição da população da Varsóvia,
em condições tão desfavoráveis, deviam ter reflectido antes sobre todas as
consequências desse passo.
«De tudo o que consegui saber através dos camaradas polacos e dos vastos
materiais recebidos pelo Estado-Maior da Frente podia-se concluir que os líderes da
insurreição procuraram impedir quaisquer contactos dos insurrectos com o
Exército Vermelho. A pouco e pouco, contudo, a população compreendeu que estava
a ser enganada. A situação na cidade tornou-se mais difícil e surgiram desavenças
entre os insurrectos. Só então os cabecilhas da Armia Krajowa se decidiram a
contactar o comando supremo soviético através de Londres.
«Depois de receber o correspondente despacho, Antonov, o chefe do Estado-
Maior, formalizou a ligação entre nós e os insurrectos. Passados apenas dois dias, a
18 de Setembro, a rádio britânica informou que o general Bor-Komorowski tinha
anunciado a coordenação das acções com o Estado-Maior de Rokossóvski, e que
aviões soviéticos estavam a lançar ininterruptamente armas, munições e
mantimentos para os insurrectos em Varsóvia.
«Fica demonstrado que teria sido possível estabelecer ligação com o comando da
1.ª Frente Bielorrussa, assim houvesse esse desejo. No entanto, o general Bor-
Komorowski só se apressou a estabelecer a ligação connosco depois de ter falhado a
tentativa dos britânicos de abastecerem os insurrectos por via aérea. Durante o dia
80 “fortalezas voadoras” sobrevoaram Varsóvia escoltadas por caças Mustang.
Passaram em formações a uma altitude de 4500 metros e lançaram a sua carga.
Naturalmente, a uma tal altitude, a carga dispersou-se e falhou o alvo. As anti-
aéreas alemãs abateram dois aviões. Depois disto, os britânicos não repetiram as
suas tentativas.»51
«Apercebendo-se do nosso ponto fraco entre Praga e Siedlee, o inimigo decidiu
lançar um ataque nos flancos e na retaguarda das tropas que tinham atravessado o
Vístula a Sul da capital polaca. Com esse intuito concentrou várias divisões na
margem leste, na zona de Praga: a 4ª Divisão Blindada, a 1.ª Divisão Blindada
‘Hermann Göring’, a 19.ª Divisão Blindada e a 73.ª Divisão de Infantaria. Em 2 de
Agosto, os alemães lançaram o seu contra-ataque, mas foram enfrentados nas
proximidades de Praga por destacamentos do 2.º Exército Blindado, que se tinham
aproximado da área vindos do Sul. Iniciou-se um obstinado combate frontal. Mas
as tropas alemãs estavam em situação mais favorável, dado que se podiam apoiar
na zona de Varsóvia muito fortificada.
«Numa tal situação seria plausível que insurrectos tivessem procurado tomar as
pontes sobre o Vístula e a cidade de Praga, atacando o inimigo pelas costas. Dessa
forma teriam ajudado as tropas do 2.º Exército Blindado e, quem sabe, talvez os
23
acontecimentos tivessem tomado outro rumo. Mas isto não entrava nos cálculos do
Governo polaco no exílio, que tinha três representantes em Varsóvia, nem tão pouco
do general Bor-Komorowski e de “Monter”. Depois de terem feito o seu trabalho
sujo, saíram, e quem pagou as consequências de tudo isto foi o povo por eles
provocado.»52
Das seguintes informações de Rokossóvski ressalta que se realizaram combates
longos, exasperados e com muitas baixas entre os exércitos da 1.ª Frente Bielorrussa
e as unidades blindadas alemãs na região de Varsóvia.
«O inimigo tinha concentrado um grupo poderoso em torno de Varsóvia,
constituído pela 5.ª Divisão Blindada SS “Wiking”, a 3.ª Divisão Blindada SS
”Totenkopf” (Caveira), a 19.ª Divisão Blindada e ainda duas divisões de infantaria.
Não podíamos permitir que este grupo continuasse a ameaçar-nos. Quando o 70.º
Exército se aproximou, foi tomada a decisão de destroçar as tropas inimigas que
controlavam o Leste de Varsóvia e conquistar Praga. Destacámos para esta
operação os 47.º e 70.º exércitos, parte do 1.º Exército Polaco, a 16.ª Força Aérea e
todos os meios de reforço que foi possível retirar de outras secções da frente.
«A batalha começou a 11 de Setembro. No dia 14, o inimigo tinha sido derrotado e
Praga tomada. A infantaria, tanquistas, artilharia, sapadores e aviadores bateram-
se corajosamente, e, ao seu lado, os valentes combatentes do 1.º Exército Polaco. Os
habitantes de Praga prestaram uma grande ajuda aos soldados dentro da cidade, e
muitos perderam a vida nestes combates.
«Este teria sido o momento mais propício para a insurreição na capital polaca!
Se tivesse sido possível realizar um ataque conjunto das nossas tropas da frente
leste e dos insurrectos a partir de Varsóvia (com a tomada de pontes), então nesse
momento poder-se-ia contar com a libertação de Varsóvia e a sua defesa. Mais que
isso, mesmo em circunstâncias mais favoráveis, dificilmente teria sido possível às
tropas da frente.»53
Soldados, oficiais e generais da 1.ª Frente Bielorrussa, arriscando a própria vida,
fizeram tudo o que puderam para ajudar os insurrectos em Varsóvia.
«A tragédia que se desenrolou em Varsóvia não nos deixou em paz. A consciência
da impossibilidade de lançar uma grande operação para socorrer os insurrectos
era dolorosa.
«Nessa altura, Stáline conversou comigo através da ligação directa. Eu relatei
sobre a situação na frente e sobre todas as questões relacionadas com Varsóvia.
Stáline perguntou se as tropas da frente estariam em condições de empreender no
imediato uma operação para libertar Varsóvia. Recebendo uma resposta negativa
da minha parte, pediu-me que prestasse todo o auxílio possível para aliviar a
situação dos insurrectos. Aceitou as minhas propostas de como fazer e com o quê.»54
A 13 de Setembro, a aviação da 1.ª Frente Bielorrussa começou a abastecer os
insurrectos com armas, munições, mantimentos e medicamentos. «Os nossos
bombardeiros nocturnos PO2 lançavam a sua carga a baixa altitude sobre os locais
24
marcados pelos insurrectos. De 13 de Setembro a 1 de Outubro de 1944, os aviões da
frente realizaram 4821 voos de apoio aos insurrectos, designadamente 2535 com
abastecimentos para as tropas insurrectas. De acordo com os seus pedidos, os
nossos aviões defenderam as suas zonas, bombardearam e investiram contra as
tropas alemãs na cidade.
«A artilharia anti-aérea da frente começou a defender os insurrectos de ataques
da aviação inimiga, ao mesmo tempo que a artilharia terrestre fustigava com o seu
fogo a artilharia e baterias lança-granadas inimigas, que tentavam atingir os
insurrectos. Para assegurar as ligações e a correcção de tiro lançámos oficiais em
pára-quedas. Conseguimos que os aviões inimigos deixassem de sobrevoar as
posições dos insurrectos. Os camaradas polacos, que lograram penetrar até nós
vindos de Varsóvia, mostraram-se entusiasmados com as acções dos nossos
aviadores e artilheiros.»55
Patriotas polacos avisaram que os membros do Armia Krajowa não queriam ter
nada a ver com os soviéticos. «O comando do AK comportava-se de forma suspeita e
promovia uma agitação hostil contra a União Soviética, contra o governo polaco
constituído em Lublin e contra o 1.º Exército Polaco. Alertou-nos o facto de Bor-
Komorovski não ter feito nenhuma tentativa para contactar directamente o Estado-
Maior da Frente, apesar de o Estado-Maior General lhe ter transmitido um código
para o efeito. Tornou-se claro que estes politiqueiros estavam dispostos a tudo
menos a cooperar connosco. E em breve isto confirmou-se.»56
Rokossóvski decidiu estacionar um forte contingente de tropas de desembarque na
margem ocidental do Vístula para permitir um auxílio maior aos insurrectos. O
comando do 1.º Exército Polaco assumiu a organização. Esta acção foi combinada em
tempo útil com o comando dos insurrectos.
«Em 16 de Setembro, subunidades de desembarque do 1.º Exército Polaco,
atravessaram o Vístula. Desembarcaram em zonas da margem que supostamente
estavam nas mãos dos insurrectos. Todos os nossos cálculos basearam-se nisto. De
repente verificou-se que naquelas zonas estavam os hitlerianos.
«A operação decorria com grande dificuldade. O primeiro grupo de desembarque
só a muito custo conseguia aguentar-se na margem. Tivemos que colocar em
combate novas forças. As baixas aumentaram. Quanto aos comandantes da
insurreição não só não prestaram qualquer auxílio às tropas de desembarque como
nem sequer procuram estabelecer contacto.
«Nestas condições era impossível aguentarmos a margem ocidental do Vístula.
Decidi suspender a operação. Ajudámos as tropas de desembarque a regressar à
nossa margem. Estas subunidades de três regimentos de infantaria do 1.º Exército
Polaco regressaram às suas unidades em 23 de Setembro.
«Ao se decidirem por este desembarque heróico, os soldados polacos aceitaram
conscientemente sacrificar-se, ansiando socorrer os compatriotas caídos em
desgraça. Mas foram traídos por aqueles a quem os interesses dos poderosos eram
mais caros do que os interesses da pátria. Em breve saberíamos que, perto do
25
momento do desembarque, por ordem de Bor-Komorowski e “Monter”, as unidades
e destacamentos do AK foram retiradas das margens do rio para o centro da
cidade. O seu lugar foi ocupado por tropas fascistas alemãs. Com isto sofreram as
subunidades do Armia Ludova; o Armia Krajowa não as preveniu da sua retirada da
margem.
«A partir desse momento, o comando do Armia Krajowa começou a preparar-se
para capitular, o que é testemunhado por um conjunto bastante rico de materiais de
arquivo que se conservaram. As nossas propostas para ajudar à evacuação para a
margem leste dos que quisessem abandonar Varsóvia não foram tidas em conta. Só
já depois da capitulação algumas dezenas de insurrectos conseguiram alcançar a
nossa margem.
Assim terminou a tragédia da insurreição de Varsóvia.»57
Este é o testemunho do marechal Rokossóvski.
O general do exército Serguei Matvéievitch Chtemenko,58 enquanto chefe do
comando operativo, o núcleo central do Estado-Maior General, tinha não só
conhecimento dos planos do Estado-Maior General e do QG, mas também
participava activamente na sua elaboração. Nesta actividade encontrava-se quase
diariamente com Stáline. No Estado-Maior e no QG, onde todas as informações eram
recolhidas e analisadas, Chtemenko e Stáline tinham um conhecimento mais amplo
da relação de forças existente nas frentes do que Rokossóvski podia ter enquanto
comandante-em-chefe de uma única frente, a 1ª Frente Bielorrussa.
As intenções estratégicas do comando supremo alemão não eram «conhecidas com
precisão» pelo Estado-Maior General, porém, este já possuía «informações
dispersas», nomeadamente de que o inimigo iria possivelmente retirar uma parte das
suas tropas da Roménia, em primeiro lugar, unidades blindadas, e reforçar o grupo
de exércitos do «Centro» na região de Varsóvia.
Por isso, os exércitos da 1ª Frente Bielorrussa, no seu avanço em direcção a
Varsóvia, confrontaram-se com tropas frescas. A relação de forças nesta zona era
especialmente desfavorável ao exército soviético. Pelo lado alemão, a frente foi
reforçada com a 19ª Divisão Blindada, as divisões blindadas SS «Totenkopf» e
«Viking», a divisão «Hermann Göring» e várias unidades de Infantaria do 2.º
Exército Alemão.59
«Durante vários dias campearam combates sangrentos e extremamente duros.
Dado que se apoiava na região fortificada de Varsóvia, a defesa inimiga conseguiu
uma estabilidade relativa durante algum tempo. Verificou-se que nos era
impossível irromper para Praga.
1985, 3ª ed., p. 72. [Citações cotejadas com o original russo, ed. Voenizdat, Moscovo, 1989, pp.
320-380 (N. Ed.)
26
«(…) As tropas do flanco direito da 1.ª Frente Bielorrussa, extenuadas pela longa
e incessante ofensiva através da Bielorrússia, não podiam avançar
rapidamente para Varsóvia. Para além disso, a estabilidade relativa das tropas
fascistas na linha Siedlce, Minsk-Mazoviecki representava uma nova e grande
ameaça para tropas que tinham atingido o Vístula a Sul de Varsóvia.»60
Chtemenko remete para Rokossóvski, segundo o qual o inimigo dispunha de 20
divisões para lançar um ataque de Norte para Sul contra as tropas da 1ª Frente
Bielorrussa que tinham alcançado a margem leste do Vístula. Um perigoso ataque de
flanco ameaçava o exército de Rokossóvski.
Logo no início de Agosto de 1944, o marechal Júkov, Rokossóvski e o Estado-
Maior General tinham empreendido «tentativas enérgicas» para «liquidar a
concentração do inimigo nos acessos a Varsóvia. Isto é testemunhado pelas várias
reuniões no QG sobre as acções posteriores da 1.ª Frente Bielorrussa, assim como
pelos incessantes e longos combates, que fizeram malograr as contra-medidas
activas e perigosas do inimigo. No entanto, isto não conduziu a uma viragem da
situação a nosso favor na região de Varsóvia.»61
Seguem-se descrições sobre a já referida política do governo polaco no exílio em
Londres e da sua Delegatura na Polónia. Chtemenko ainda refere dois dados
interessantes: o Governo no exílio e o Comando Supremo do AK já tinham decidido, a
24 de Julho de 1944, desencadear a insurreição. A 25 de Julho, Bor-Komorowski
informou Londres: «”Estamos prontos a qualquer momento para a batalha pela
conquista de Varsóvia”.»62
A 27 de Julho Mikolajczyk partiu para Moscovo! Pretensamente não sabia de
nada sobre a insurreição! Lembra-me a canção do «Macky-Messer»,63 da Ópera dos
Três Vinténs, que também «não sabia!» de nada. Chtemenko também fez uma crítica
demolidora à actuação militar da direcção da insurreição. Bor-Komorowsky tinha
planeado o início da insurreição para 2 de Agosto ou mais tarde, e depois antecipou-o
bruscamente para dia 1 de Agosto às 17 horas. Não havia condições reais para
concentrar e armar as forças da insurreição e organizar as operações militares.
Inicialmente previam-se 12 horas para colocar as forças insurrectas em estado de
prontidão, mas algumas regiões e destacamentos só tiveram efectivamente cinco
horas. Esta decisão fez com que a insurreição começasse de forma desorganizada logo
nos primeiros momentos destruindo tudo aquilo que tinha sido preparado «ao longo
de muitos anos» (!) As tarefas, datas e objectivos do ataque revelaram-se ilusórios.
Nem sequer tinha sido organizada a elementar ligação entre todas as forças dos
insurrectos.
60 Idem, ibidem, p. 72. Sublinhados meus. A 1.ª Frente bielorrussa tinha feito cerca de 600
quilómetros em dois meses de ataques ininterruptos. As tropas e unidades estavam enfraquecidas
com as baixas, o abastecimento e reforços desorganizados. Situação idêntica existia na 3.ª e 2.ª
frentes bielorrussas assim como na 1.ª Frente ucraniana. Ibidem, p. 84.
61 Idem, ibidem, p. 73 e seg.
63 Canção com música de Kurt Weill e letra de Bertolt Brecht comummente conhecida pelo seu
27
A insurreição iniciou-se em diferentes condições e em diferentes momentos.
«Muitos combatentes procuravam os seus comandantes, uns e outros não sabiam
exactamente onde se encontravam realmente os depósitos de armas e munições.»
Perdeu-se o momento surpresa. «Ao todo o AK dispunha de 16 mil homens, dos quais
apenas 3500 tinham armas de fogo de mão (não dispunham praticamente de outro
tipo de armas).»
O único aspecto que se manteve foi o elevado moral de combate dos insurrectos, o
seu ódio ao ocupante fascista. Produziram verdadeiros milagres de coragem heróica.
Certos êxitos iniciais da insurreição deveram-se a este elevado moral de combate.
Mas não era possível vencer.64
Chtemenko confirmou uma vez mais, a partir do seu conhecimento, o
comportamento criminoso de Bor-Komorowski e dos políticos do governo polaco no
exílio em Londres: «Varsóvia esvaía-se em sangue, no entanto, nem o comando do
AK, nem o Governo polaco no exílio se dirigiram uma única vez ao Governo
soviético com o pedido de auxílio aos insurrectos. Nem sequer consideraram
necessário informar sobre a insurreição. Só posteriormente se tornou claro que nem
a informação nem o pedido de auxílio entravam nos cálculos políticos do grupo de
Mikolajczyk e do comando do AK, nem mesmo no momento em que as tropas
fascistas começaram a afogar em sangue a insurreição.»65
Do lado soviético houve várias tentativas para romper em direcção a Varsóvia.
Stáline ordenou que Júkov, Rokossóvski e o Estado-Maior General apresentassem as
suas considerações sobre a tomada de Varsóvia. Estes concluíram que a última
possibilidade era a utilização do 70.º Exército de reserva, depois de um período de
preparação de três dias.
Antes de 10 de Agosto não era possível iniciar uma ofensiva ataque porque não
havia tempo para transportar a quantidade mínima necessária de munições. Stáline
concordou.
Mas também a tentativa de romper até Varsóvia com as tropas esgotadas do 70.º
Exército falhou. Apesar de o QG não possuir reservas significativas, Stáline permitiu
que Júkov e Rokossóvski elaborassem um novo plano de operações para a libertação
de Varsóvia. Este plano de operações é pouco conhecido, mas refuta claramente a
mentira habitual das publicações ocidentais, de que Stáline nada fez para ajudar os
insurrectos em Varsóvia. Por isso fica aqui documentado:
«1. A frente pode iniciar a Operação Varsóvia, assim que os exércitos da ala
direita alcancem o rio Narev e formem uma testa-de-ponte na sua margem
ocidental, na secção Pultusk-Serock. Os dispositivos militares destes exércitos
encontram-se a 120 quilómetros do Narev. Para vencer esta distância são
necessários dez dias.
Deste modo, é necessário que a operação ofensiva dos exércitos da ala direita da
frente, fazendo-os avançar até ao Narev, se realize entre 10 e 20 de Agosto.
28
2. Durante este período é
necessário realizar uma
operação especial na ala
esquerda da frente, com as
forças do 69.º Exército, do 8.º
Exército da Guarda, do 7.º
Corpo de Cavalaria e do 11.º
Corpo Blindado, para alargar
a testa-de-ponte na margem
ocidental do Vístula e colocar
estas forças na linha Warka-
Stromiec-Radom-Wierzbica.
Para a realização desta
operação é necessário que a 1.ª
Frente Ucraniana ceda o 1.º
Exército Blindado Katukov à 1ª
Frente Bielorrussa, e o dirija, a
partir de Opatov, para
Ostrowiec e Sienno com o
objectivo de atacar na direcção
Norte até à linha Zwolen-
Radom, auxiliando assim o
69.º Exército, o 8.º Exército da
Guarda, o 7.º Corpo de
Cavalaria e o 11.º Corpo
Blindado a destruir o inimigo.
Para além disso é O Plano do Quartel-General do Comando Supremo para destruir o
necessário transferir a linha de adversário na Polónia oriental e na zona de Varsóvia
Fonte: Chtemenko, Im Generalstab (No Quartel-General),
separação entre a 1.ª Frente Vol. 2, Moscovo, 1973, Berlim, 1985, p. 87.
Bielorrussa e a 1.ª Frente
Ucraniana para Norte até à
linha Krasnystaw-Ilzanka-Opoczno-Piotrkow Trybunalski. Isto compacta os
dispositivos de combate dos exércitos na ala esquerda da 1.ª Frente Bielorrussa e
intensifica a força de ataque das nossas tropas na direcção de Radom.
3. Depois da realização destas operações e tendo os exércitos da ala direita da
frente avançado até à linha do Narev e os exércitos da ala esquerda até à linha
Warka-Radom-Wierzbica, as tropas irão necessitar de pelo menos de cinco dias
para deslocar as bases da força aérea, para trazer a artilharia e o apoio da
retaguarda, assim para transportar munições e combustíveis.
4. Tendo em conta o tempo necessário para a preparação, podemos iniciar a
Operação Varsóvia a 25 de Agosto de 1944 com todas as forças da frente com o
objectivo de avançar até à linha Ciechanov-Plonsk-Wyszogrod-Sochaczew-
Skierniewice-Tomaszow e ocupar Varsóvia. Para esta operação devem ser
utilizados, no ataque a Norte do Vístula, três exércitos, o 1.º Corpo Blindado e o 1.º
Corpo de Cavalaria; e no ataque a Sul do Vístula deve ser utilizado o 69.º Exército,
29
o 8.º Exército da Guarda, os 1.º e 2.º exércitos de blindados, dois corpos de
cavalaria, um corpo de blindados e um exército retirado à ala direita.
Nesta operação, o 1.º Exército Polaco atacará na margem ocidental do Vístula,
em cooperação com a ala direita e o centro da frente, com o objectivo de ocupar
Varsóvia.»66
Chtemenko conta que a situação na zona de Varsóvia foi várias vezes debatida no
QG. Embora já não se recordasse com precisão das palavras ditas por Stáline, afirma
que pode «garantir o sentido geral das considerações das feitas».
«Stáline confirmou que o governo polaco no exílio em Londres era responsável
pela aventura de Varsóvia, iniciada sem o conhecimento do comando militar
soviético e à revelia dos seus planos operativos. Afirmou que o Governo soviético
considerava desejável que se constituísse uma comissão imparcial para apurar
quem precisamente tinha ordenado o início da insurreição e quem era responsável
pelo facto de o comando supremo soviético não ter sido previamente informado.
Nenhum comando, nem o britânico, nem o americano admitiria que perante a sua
frente de tropas, sem o seu conhecimento e em detrimento dos seus planos
operativos, fosse organizada uma insurreição numa grande cidade. Evidentemente,
também o comando soviético não podia ser uma excepção. Indubitavelmente, se
tivesse sido consultado previamente sobre a oportunidade de uma insurreição em
Varsóvia no início de Agosto, ter-se-ia oposto a tal propósito. As tropas soviéticas
não estavam preparadas naquele momento para tomar Varsóvia por assalto, tanto
mais que o adversário nessa altura já tinha transferido as suas reservas de
blindados para esta região.
«Lançando um olhar escrutinador a todos os presentes, o Comandante Supremo
continuou a argumentação no sentido de que ninguém poderia acusar a União
Soviética de alegadamente ter prestado auxílio insuficiente ao povo polaco,
nomeadamente em Varsóvia. As formas mais efectivas de auxílio são as acções de
combate das tropas soviéticas contra os ocupantes alemães da Polónia, que já
tinham permitido libertar mais de um quarto da Polónia. Tudo isto era obra única e
exclusivamente das tropas soviéticas, que derramaram sangue pela libertação da
Polónia.
«Restava uma forma de auxílio pouco eficiente aos varsovianos, designadamente
através do lançamento aéreo de armas, medicamentos e mantimentos. Foram
realizados vários lançamentos destes, no entanto, de cada vez, foi recebida a
informação de que tudo caíra nas mãos dos alemães.
«Dado que Churchill e Roosevelt tinham escrito a I.V. Stáline sobre o auxílio aos
insurrectos precisamente por via aérea, o Comandante Supremo disse que, se o
Primeiro-Ministro e o Presidente acreditavam tão fortemente na eficácia desta
forma de auxílio e insistissem na sua organização conjunta por parte do comando
soviético com os ingleses e americanos, o governo soviético poderia concordar.
Contudo era necessário que este auxílio fosse prestado segundo um plano
previamente acordado.
30
«No que respeita às tentativas de imputar ao governo soviético a
responsabilidade pelo destino da revolta e pelas vítimas de Varsóvia, continuou o
Comandante Supremo pensando em voz alta, só podem ser vistas como o desejo de
fazer pagar o justo pelo pecador. O mesmo deveria dizer-se da afirmação de que a
ajuda soviética contrariava alegadamente o espírito de cooperação dos aliados.
Não podia haver dúvidas de que se o governo britânico tivesse tomado medidas no
sentido de prevenir, no momento oportuno, o comando soviético da insurreição
planeada, as coisas em Varsóvia teriam corrido de modo completamente diferente.
«I.V. Stáline pronunciou-se também no sentido de que a exposição verídica dos
factos sobre os acontecimentos em Varsóvia ajudaria a opinião pública a condenar
incondicionalmente os promotores irresponsáveis da insurreição de Varsóvia e a
compreender correctamente a posição do governo soviético. Era apenas preciso
procurar que a opinião pública conhecesse toda a verdade sobre os acontecimentos
em Varsóvia.»67
Depois de combates ferozes, as unidades do 47.º Exército e do 1.º Exército Polaco,
este último chefiado pelo general Zygmunt Berling, puderam conquistar Praga a 13 de
Setembro. Praga está situada na margem leste do Vístula. Este teria sido o momento
correcto para o AK, a partir de Varsóvia, avançar para Leste até ao Vístula, para
ocupar as pontes e impedir a sua destruição. Assim teria sido aberto um acesso ao
centro da cidade para que as tropas da 1.ª Frente Bielorrussa, incluindo o 1.º Exército
Polaco, libertassem Varsóvia dos fascistas. Mas era exactamente isso que as chefias
do AK não queriam. E deram tempo aos fascistas para dinamitar as pontes sobre o
Vístula.
«Pensámos», escreve Chtemenko, «que agora só o rio separava as tropas
soviéticas e polacas dos insurrectos de Varsóvia. Mas as coisas revelaram-se muito
mais complicadas, e a culpa disto foi o calculismo político predatório da chusma do
Estado dos latifundiários.»68
Depois de Rokossóvski informar de que as suas tropas não estavam em condições
de libertar Varsóvia, Stáline ordenou que se melhorasse o abastecimento aéreo dos
insurrectos com munições e outros meios, «fazer todo o possível para prestar
auxílio.»69
As tentativas de lançar armas e munições sobre Varsóvia, ainda na noite de 13 para
14 de Setembro, foram coroadas de êxito, «no dia seguinte iniciou-se o
abastecimento regular dos insurrectos.»70
O marechal Júkov, que tinha acabado de chegar da 1ª Frente Ucraniana, partiu
imediatamente para a 1.ª Frente Bielorrussa por ordem de Stáline, que, claramente,
não tinha desistido da libertação de Varsóvia. Disse a Júkov: «Lá está entre os seus.
Esclareça a situação de Varsóvia no local e tome as medidas necessárias. Não seria
possível realizar uma operação especial para atravessar o Vístula, designadamente
com as tropas de Berling… Seria muito importante. Juntamente com Rokossóvski,
70 Idem, ibidem.
31
coloque pessoalmente esta tarefa aos polacos e ajude-os a organizar as coisas. Eles
são pessoas ainda sem experiência.»71
Júkov, Rokossóvski e Berling elaboraram em conjunto um plano de operações. O
Vístula devia ser atravessado e a parte Sul de Varsóvia ocupada. A partir daí devia
estabelecer-se contacto com os insurrectos na parte Norte da cidade e avançar-se na
direcção Norte. Júkov considerava que «seria muito bom, para além da cidade, criar
uma testa-de-ponte em Varsóvia.»72
Pelas 21 horas de 16 de Setembro iniciou-se a travessia de tropas do 1.º Exército
Polaco para a outra margem. Conseguiram formar uma testa-de-ponte na margem
ocidental do Vístula.
A 16 de Setembro, o comando supremo do AK resolveu finalmente contactar a 1ª
Frente Bielorrussa.73
Travaram-se combates ferozes com inúmeras baixas pela testa-de-ponte na
margem ocidental do Vístula. Júkov, Rokossóvski, Antonov (representante do Chefe
do Estado-Maior) e Stáline estavam em contacto permanente. A 20 de Setembro,
Júkov e Rokossóvski eram da opinião de que os combates pela destruição do inimigo
na região de Varsóvia deviam continuar. Nessa altura, Stáline, o QG, o Estado-Maior
General e a direcção política receberam notícias incríveis da testa-de-ponte situada
na margem ocidental do Vístula: «O comando supremo do AK, pela calada, minava
por dentro as forças dos insurrectos. A 20 de Setembro chegaram a Praga sete
oficiais do Estado-Maior do comandante da região de Varsóvia do AK, general
Monter [A. Chrusciel]. Tinham sido incumbidos de assegurar a ligação entre o
comando do Exército Vermelho e o Exército Polaco. Um destes oficiais declarou que
Bor-Komorowski tinha dado a ordem secreta de forçar todos os destacamentos
armados, que se orientavam pelo governo de Lublin, a submeter-se unicamente às
suas ordens e eliminar os insubordinados.»74
A 21 de Setembro, a situação na testa-de-ponte de Varsóvia tornou-se crítica. As
tropas alemãs atacavam a área com forte apoio da artilharia e de tropas blindadas. As
unidades combatentes na testa-de-ponte do 1.º Exército Polaco encontravam-se
isoladas das outras zonas de Varsóvia. A situação das unidades polacas tornou-se
extremamente ameaçadora. Combatiam numa estreita faixa da margem e também
estavam isoladas das forças principais do 1.º Exército Polaco. Nestas condições, como
já se referiu antes, Rokossóvski ordenou a suspensão das acções de combate. Bor-
Komorovski e o Governo no exílio em Londres são os responsáveis pelo fracasso desta
operação. As unidades envolvidas do 1.º Exército Polaco foram retiradas para a
margem leste do Vístula.
A 28 de Setembro, as tropas alemãs iniciaram a ofensiva geral em Varsóvia. Os
últimos oficiais de ligação do 1.º Exército Polaco tiveram de abandonar os estados-
32
maiores dos insurrectos, ao saber-se que «agentes inimigos preparavam a sua
eliminação física.»75
A direcção do AK capitulava a 2 de Outubro. Estranho que Bor-Komorwski não
tivesse sido morto pelos fascistas alemães!? Apenas um pequeno grupo de insurrectos
e soldados do 1.º Exército Polaco conseguiu atravessar o Vístula para o lado soviético.
A insurreição custou a vida a mais de 200 mil habitantes de Varsóvia. Não possuo
dados sobre o número de feridos. Centenas de milhares de varsovianos foram
enviados para campos de concentração ou expulsos. A cidade foi quase
completamente destruída.
A tragédia de Varsóvia foi a consequência da odiosa política anti-soviética do
governo polaco no exílio em Londres e da direcção do AK, nomeadamente de Bor-
Komorowski. Embora tenha lavado as mãos, também o Governo britânico não deu
quaisquer passos sérios para impedir o crime do Governo polaco no exílio. Pelo
contrário, continuou a considerá-lo como o governo «legítimo» da Polónia.
Apesar da derrota da insurreição, no QG e no Estado-Maior General, sob a
direcção de Júkov e Rokossóvski, foram feitos planos para destruir o agrupamento
inimigo em Varsóvia. A operação devia iniciar-se a 5 de Outubro. Contudo, a 4 de
Outubro, o inimigo lançou uma grande ofensiva que foi travada, e os combates
continuaram.
Só final de Outubro, Stáline desistiu de libertar Varsóvia a curto prazo.76 A
libertação total da Polónia, nomeadamente de Varsóvia, viria verificar-se durante a
ofensiva do Inverno de 1944/45. Cerca de 600 mil soldados soviéticos deram a vida
pela libertação da Polónia.
A honra de entrar na capital polaca foi dada ao 1.º Exército Polaco. As tropas da 1.ª
Frente Bielorrussa tinham rompido a defesa alemã e avançaram rapidamente para a
retaguarda dos agrupamentos inimigos em Varsóvia. As tropas alemãs tiveram de
fugir de Varsóvia para não serem cercadas. Em 17 de Janeiro de 1945, o 1.º Exército
Polaco, sob a direcção do tenente-general Stanislav Poplavski, recuperou de novo a
sua capital.77
33
Índice de Nomes
(acrescentado pela edição portuguesa)
34
desde 1940, tornando-se chefe da Direcção paz separada com o Reino Unido e os
de Operações em 1943. Em Novembro desse Estados Unidos. Preso em Maio de 1945
ano acompanha Stáline à conferência de pelos britânicos, suicida-se no próprio dia da
Teerão. No Verão de 1944 coordena as detenção.
acções das diferentes frentes. Após a guerra Hopkins, Harry (1890-1946), político
torna-se chefe do Estado-Maior General, norte-americano, foi um dos conselheiros de
primeiro vice-ministro da Defesa da URSS Roosevelt. Nos anos 30 torna-se conhecido
(1950-1952) e candidato do CC (1952-1957). como responsável federal pelos programas
Em 1968 é nomeado chefe do Estado-Maior públicos de criação de emprego nos EUA.
das Forças Armadas Unificadas dos Estados Defensor da aliança antinazi, participou nas
Signatários do Pacto de Varsóvia. conferências de Teerão, Iálta e Potsdam.
Churchill, Winston Leonard Spencer Júkov, Gueórgui Konstantínovitch
(1874-1965), político conservador britânico, (1896-1974), membro do partido desde 1919,
foi oficial do exército britânico, do CC (1953-57), candidato (1941-46), do
correspondente de guerra, historiador, presidium do CC (Politiburo) em 1957,
laureado com o prémio Nobel da Literatura candidato desde 1956. Ingressou no Exército
em 1953. Aos 26 anos é eleito para o Vermelho em 1918, foi comandante da região
Parlamento exercendo vários cargos políticos militar da Bielorrússia (1938-39), da região
até 1955: sub-secretário das Colónias (1905), especial de Kíev (1940-1941), chefe do
ministro do Interior (1910-11), primeiro Estado-Maior General e vice-comissário da
lorde do Almirantado (1911-14), ministro do Defesa (entre Janeiro e Julho de 1941).
Armamento (1917), secretário de Estado da Durante a II Guerra integra o Quartel
Guerra (1919-1920), secretário de Estado das General do Comandante Supremo (Stavka),
Colónias (1921-22), chanceler do Tesouro comanda diversas frentes, torna-se primeiro
(1924-29), primeiro-ministro (1940-45 e vice-comissário da Defesa (1942-45) e
1951-55). adjunto do Comandante Supremo. Entre
Eden, Robert Anthony (1897-1977), 1945-46 é o comandante principal dos
conservador britânico, ministro dos exércitos soviéticos na Alemanha. Em 1946
Negócios Estrangeiros em três períodos comanda as regiões militares de Odessa e
(1934-35, 1935-38 e 1940-45), liderou a dos Urais. Volta ao Ministério da Defesa em
oposição parlamentar entre 1945 e 1951, 1953 como ministro-adjunto e ministro
tornando-se primeiro-ministro entre 1955 e (1955-57). É aposentado em 1958.
1957. Krainiukov, Valentine Konstantí-
Fáline, Valentine (1926), diplomata novitch (1902-1975), membro do partido
soviético, membro do partido desde 1953 e desde 1920, ingressou no Exército Vermelho
do CC entre 1989 e 1991 (candidato entre em 1919, combate na guerra civil, tornando-
1986 e 1989). Alto funcionário dos Negócios se funcionário político no exército em 1922.
Estrangeiros da URSS, foi membro da Em 1940 é promovido a vice-comandante da
Comissão de Controlo Soviética na secção política do 2.º Corpo de Cavalaria,
Alemanha a partir de 1950, embaixador na integrando os conselhos militares de vários
RFA entre 1971 e 1978. Em 1986 torna-se exércitos durante a II Guerra,
presidente da Agência de Imprensa Novosti, designadamente na 1ª Frente da Ucrânia, a
dirigindo a Secção Internacional do CC do partir de 1943. Dirigiu a Academia Político-
PCUS entre 1989 e 1991. Militar V.I. Lénine (1948-49) e a Direcção
Himmler, Heinrich Luitpold (1900- Política Principal do Exército Soviético
1945), comandante das SS e uma das (1949-53). Aposentou-se em 1969, tendo
principais figuras da Alemanha nazi, coube- deixado o livro de memórias Uma Arma de
lhe a organização e administração dos Tipo Especial, publicado em 1978.
campos de extermínio na Polónia. Quando a Leeper, Reginald Wildig Allen (1888-
derrota se tornou evidente, tentou negociar a 1968), diplomata britânico, chefe do Political
35
Intelligence Department (1938), onde Alemanha, onde permaneceu até ser
iniciou a sua carreira. Foi embaixador junto libertado em 1945 pelas tropas norte-
do Governo grego no exílio (1943-44) e a americanas. Instala-se no Reino Unido e
seguir à libertação (1944-46), mantendo o mais tarde nos EUA.
apoio à monarquia contra o movimento Moskalenko, Kirill Semiónovitch (1902-
progressista de libertação. 1985), membro do partido desde 1926,
Mékhlis, Lev Zakhárovitch (1889-1953), entrou para o Exército Vermelho em 1920,
membro do partido desde 1918, do CC desde como soldado raso, seguindo a carreira
1937 (candidato desde 1934). Trabalhou no militar. Durante a II Guerra é promovido a
aparelho do CC e no Comissariado da major-general, sendo designado comandante
Inspecção Operário-Camponesa (1921-26), de várias formações militares. Participa nas
foi redactor do Pravda (desde 1930), chefe batalhas de Stalingrado, Kursk, Khárkov,
da Direcção de Propaganda Política do Kíev e Praga, entre outras. Depois da guerra
Exército Vermelho e vice-comissário da foi comandante de várias regiões militares.
Defesa (1937-40 e 1941-42), comissário do Nomeado marechal (1955), comandante-em-
Controlo Estatal e vice-presidente do chefe do Exército de Mísseis Estratégicos
Conselho dos Comissários do Povo (1940- (1960) e vice-ministro da Defesa da URSS
41), ministro do Controlo Estatal (1946-50). (1962), recebeu as mais altas condecorações
Mikolajczyk, Stanislav (1901-1966), da URSS. É autor do livro Na Direcção
político polaco, primeiro-ministro do Sudoeste, Memórias de um Comandante
Governo no exílio em Londres (1943-44). Foi (1973).
o único dos políticos exilados que regressou Osóbka-Morawski, Edward Boleslaw
à Polónia em 1945 e integrou o governo (1909-1997), socialista polaco, foi presidente
provisório de unidade nacional na qualidade do Comité Polaco de Libertação Nacional,
de vice-primeiro-ministro e ministro da formado em Lublin (Julho a Dezembro de
Agricultura. Porém, em 1947, com o apoio do 1944), primeiro-ministro (Dezembro de 1944
embaixador britânico, abandonou a Fevereiro de 1947) e ministro da
secretamente o país e fixou-se nos Estados Administração Pública (1947-49), entre
Unidos até ao fim da vida. outros cargos.
Mólotov, Viatcheslav Mikháilovitch Papandréou, Gueórguios (1888-1968),
(1890-1986), membro do partido desde político grego, três vezes primeiro-ministro
1906, do CC (1921-57) do Politburo (1926- da Grécia (1944-45, 1963 e 1964-65).
57). Membro do Conselho Revolucionário de Formado em Direito, foi governador das
Petrogrado (1917), secretário do Comité ilhas do Egeu (1917-20), eleito deputado em
Central do PC da Ucrânia (1920), presidente 1923 e designado ministro da Educação
do Conselho de Comissários do Povo (1930- entre 1930 e 1932. Durante a ocupação nazi
41) e comissário/ministro dos Negócios exilou-se no Egipto com a família real,
Estrangeiros da URSS (1939-1949 e 1953- tornando-se aí primeiro-ministro do
1956). Em 1957 é acusado de pertencer ao Governo no exílio. Ascende ao poder após a
grupo antipartido, com Kaganóvitch e libertação em Outubro de 1944. Em 1961
Malenkov, e enviado como embaixador para funda o Partido Liberal União do Centro, que
a República Popular da Mongólia. Expulso vence as eleições de 1963 e surge como
do partido em 1961 foi reintegrado em 1984. favorito nas eleições de 1967, suspensas pelo
«Monter», Antoni Chrusciel (1896- golpe de Estado dos coronéis em 21 de Abril
1960), oficial polaco, foi um dos chefes do de 1967.
exército clandestino na Polónia após a Papen, Franz Joseph Hermann Michael
invasão alemã. Comandou os destacamentos Maria von (1879-1969), político e diplomata
de insurrectos em Varsóvia no Verão de alemão, foi chanceler da República de
1944. Após a derrota da insurreição, é levado Weimar em 1932, integrando o Governo de
para um campo de prisioneiros na Hitler como vice-chanceler entre Janeiro de
36
1933 e Agosto de 1934. Serviu como Após regressar à URSS, é nomeado vice-
embaixador na Áustria (1934-38) e na ministro da Defesa (1956-57 e 1958-62). Foi
Turquia (1938-44). Capturado em 1945 pelas deputado do Soviete Supremo da URSS
tropas norte-americanas, é julgado e (1946-49 e 1958).
absolvido pelo Tribunal de Nuremberga. Roosevelt, Elliot (1910-1990), filho do
Pilsudski, Józef Klemens (1867-1935), presidente Roosevelt, foi oficial da Força
nacionalista polaco, preso em 1887 pela Aérea dos EUA, tendo realizado 300 missões
preparação de um atentado contra o tsar de combate na II Guerra. Depois da vitória, a
Alexandre III, aderiu ao Partido Socialista par de várias actividades, desde a criação de
Polaco (PSP) em 1892. Na revolução de cavalos à direcção de uma estação de rádio
1905-07 opõe-se à acção conjunta do que compra no Texas, escreve vários livros
proletariado polaco e russo, constituindo a policiais e de memórias sobre a família,
fracção nacionalista no PSP e grupos de designadamente As He Saw It («Como o
combate terroristas. Na I Guerra comanda a Meu Pai os Via »), onde descreve, entre
Legião Polaca, combatendo contra a Rússia outros, as conferências internacionais em
ao lado dos austro-húngaros. Apoiado pela que acompanhou o pai durante a guerra.
ala direita do PSP, é proclamado «ditador do Roosevelt, Franklin Delano (1882-1945),
Estado» em 1918. Reprime o movimento 32.º presidente dos Estados Unidos (1933-
revolucionário e instaura, por golpe militar 45), o único a ser eleito para quatro
em 1926, um regime fascista, mantendo-se mandatos. Em 1910, vence a eleição para
na liderança do país quase até à morte. senador no Estado de Nova Iorque,
Poplavsky, Stanislav Gilyarovich (1902- ocupando o cargo de secretário adjunto da
1973), militar soviético, nascido na Ucrânia Marinha, em 1913, sob a presidência de
filho de pais polacos. Em 1923, entra para o Wilson. Em 1929 é eleito governador do
Exército Vermelho, onde segue a carreira Estado de Nova Iorque e consegue derrotar
militar. Adere ao PCU(b) em 1928. Herbert Hoover nas presidenciais de 1932.
Frequenta a escola militar e a Academia Em plena depressão económica lança um
Frúnze, tornando-se instrutor de táctica programa para a recuperação da economia,
militar. Já em plena guerra, é promovido a que ficou conhecido como New Deal, e funda
major-general (1944) e designado a Segurança Social já no final da década.
comandante do 2.º Exército Polaco e depois Participa nas conferências de Teerão e Iálta
do 1.º Exército Polaco. Participa na ao lado de Churchill e de Stáline e tem um
libertação de Varsóvia e na batalha de papel activo na concepção da Organização
Berlim. Depois da guerra ocupa o cargo de das Nações Unidas.
vice-ministro da Defesa da Polónia e é eleito Rydz-Smiglys, Edward (1886-1941),
membro do CC do POUP. Regressa à URSS militar e político polaco, marechal (1936) e
em 1956, onde trabalha no Ministério da comandante supremo das Forças Armadas
Defesa até passar à reserva em 1963. (1939). Após a morte de Pilsudski (1935)
Rokossóvski, Konstantine Konstantí- torna-se a segunda figura do Estado depois
novitch (1896-1968), nascido em Varsóvia, do presidente Ignacy Moscicki.
filho de pai polaco e mãe bielorrussa, tornou- Schellenberg, Walther Friedrich (1910-
se membro do PCU(b) em 1919 e candidato 1952), membro do partido nazi desde 1933,
do CC em 1961. Marechal da União Soviética alto funcionário das SS do regime nazi,
(1944), comandou os exércitos em grandes brigadeführer em 1944 (patente similar à de
batalhas durante a II Guerra Mundial, major-general), foi chefe dos serviços de
designadamente Moscovo, Briansk e Donsk. contra-espionagem da segurança do Estado.
A pedido do governo polaco e com Depois da capitulação da Alemanha foi
concordância das autoridades soviéticas, foi julgado no Tribunal de Nuremberga por
ministro da Defesa e vice-presidente do crimes de guerra, sendo condenado, em Abril
Conselho de Ministros da Polónia (1949-56). de 1949, a seis anos de prisão. Todavia é
37
libertado por doença em 1950, acabando os Depois da guerra ocupou diferentes postos
seus dias na Itália. A sua figura é retratada militares, aposentando-se em 1959.
no romance de Iúliane Semiónov Dezassete Tippelskirch, Kurt Oskar Heinrich
Instantes de uma Primavera, que relata as Ludwig Wilhelm von (1891-1957), general de
tentativas de altos responsáveis nazis para Infantaria da Wehrmacht (1942), comandou
firmar uma paz em separado com os EUA. a 30.ª Divisão de infantaria na frente leste
Scobie, Ronald MacKenzie (1893-1969), (de Janeiro de 1941 a Julho de 1942),
oficial britânico, general de brigada na II assumindo a seguir funções de comando em
Guerra, ocupa vários postos de comando no várias formações militares: 8.º Exército
Médio Oriente, no Sudão e na Líbia. Em Italiano (1942-43), 12.º corpo do grupo de
Dezembro de 1943 é nomeado comandante exércitos do «Centro», 4.º Exército, 1.º
do 2.º Corpo do Exército Britânico que foi Exército na Lorena, 14.º Exército na Itália e
enviado para a Grécia com a missão de por fim o 21.º Exército, na retirada da frente
expulsar os alemães e reprimir o movimento leste. Depois da guerra dedicou-se à
progressista de libertação nacional. investigação histórica, tendo publicado a
Sosnkowski, Kazimierz (1885-1969), História da Segunda Guerra Mundial.
militar polaco, ministro da Defesa (1920-23 Tsolakoglou Gueórguios (1886-1948),
e 1923-24), general (1936), integrou o general grego, ocupou o cargo de primeiro-
Governo polaco no exílio em Londres, ministro do governo colaboracionista (1941-
tornando-se chefe das forças armadas 42), durante a ocupação fascista da Grécia.
polacas, após a morte de Wladyslaw Sikorski Após a libertação foi preso, julgado por um
em 1943. Depois da guerra fixou-se no tribunal especial e condenado à morte, pena
Canadá. que foi comutada em prisão perpétua, vindo
Subbotine, Nikita Egorovitch (1904- a morrer de leucemia.
1968), membro do partido desde 1929, Woodward, Ernest Llewellyn (1890-
funcionário político do Exército Vermelho, 1971), historiador britânico, autor várias
tenente-general desde 1944. Durante a II obras sobre a história da Inglaterra,
Guerra integrou conselhos militares de designadamente de cinco volumes sobre a
vários exércitos, designadamente da 4.ª política externa britânica durante o período
frente ucraniana e da 2.ª frente bielorrussa da II Guerra, incluídos na enciclopédica
(1944). Participou no comando das tropas History of the Second World War.
nas grandes batalhas do Báltico, Leningrado,
Stalingrado e Kursk, e nas operações da
Ucrânia, Crimeia, Prússia Oriental e Berlim.
38
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (IV)*
• Ulrich Huar
Roménia
comummente designada como Chişinău ou Quichinau) é a capital da Moldávia (ou Moldova). (N. Ed.)
2 Schtemenko, Im General stab (No Estado-Maior General), Vol. II, Moscovo, 1973/Berlim,
1985, 3ª ed., pp. 108-113. [Citações cotejadas com o original russo Штеменко С.М. Генеральный
штаб в годы войны, Воениздат, Moscovo, 1989, Vol. II, pp. 339-344. (N. Ed.)]
1
Relação de forças na zona da 3.ª Frente Ucraniana
Forças armadas Forças armadas
soviéticas alemãs e romenas
Homens 1,2 : 1
Artilharia 1,3 : 1
Tanques/SFL 1,4 : 1
Metralhadoras 1 : 1
Lança-granadas 1,9 : 1
Caças 3 : 1
2
frente onde se encontravam tropas romenas, onde era possível provocar a ruptura mais
rapidamente e com menos baixas.
Perante a importância política e militar da ofensiva de Iassi-Kichinov, o QG decidiu
concentrar as forças na linha principal de ataque, em detrimento de outras zonas da
frente menos importantes. Assim, conseguiu uma enorme superioridade das suas tropas
em relação ao adversário.
Homens 6 : 1
Artilharia 5,5 : 1
Tanques 5,4 : 1
Metralhadoras 4,3 : 1
Lança-Granadas 6,7 : 1
Caças 3 : 1
4 Schtemenko, op. cit., p. 115. [Ed. cit., pp. 345-346. (N. Ed.)]
5 Husi é uma cidade situada na fronteira com a Moldávia (N. Ed.)
6 Idem, ibidem, p. 120. [Idem. ibidem, p. 349. (N. Ed.)]
3
Deste modo, possuís todas as possibilidades para a resolução com êxito da tarefa
indicada, e é vossa obrigação resolver esta tarefa.»7
A 24 de Agosto, depois de renhidos combates, as forças principais das tropas alemãs e
romenas encontravam-se cercadas na região a Leste de Husi. Mas ainda houve duros
combates contra alguns agrupamentos que romperam para Ocidente, pelo Prut,8
atacando as tropas soviéticas pela retaguarda. A operação de Iassi-Kichinov estava
terminada em final de Agosto. Tinham sido destruídas 18 a 25 divisões hitlerianas no Sul.
Tippelskirch resumiu: «O cerco russo apertou-se tanto em torno de várias divisões
alemãs que elas tiveram de capitular em massa.»9
Chtemenko escreveu sobre o
A destruição das forças principais
significado político da vitória em
do grupo de exércitos na Ucrânia do Sul Iassi-Kichinov: «Dificilmente se
poderá sobrestimar o significado
da nossa vitória na operação de
Iassi-Kichinov. A destruição das
principais forças do grupo de
exércitos “Ucrânia do Sul” teve
importantes efeitos militares e
políticos. Foi como se as tropas
soviéticas tivessem aberto os
portões para o interior da
Roménia, para as fronteiras da
Bulgária e depois também para a
Jugoslávia (…). A operação criou
uma situação político-militar
favorável à liquidação da
ditadura de Antonescu,
privando-o da força militar das
tropas hitlerianas e das unidades
romenas fiéis ao Governo. Nestas
condições, o PCR desencadeou a
insurreição armada do povo, que
veio a determinar o futuro
socialista do país.»10
As batalhas de envolvimento
do Exército Vermelho devem
Fonte: S.M. Schtemenko, Im Generalstab, Vol.2, Moscovo,
1973, Berlim, 1985, p. 123. também ser remetidas para a
iniciativa de Stáline. Sem querer
glorificar Stáline como
«superstar» da estratégia militar, à moda do culto de personalidade burguês, é justo
salientar que ele desempenhou um papel excepcional no colectivo dos comandantes
10 Schtemenko, op. cit, p. 124. [Ed. cit., pp. 351. (N. Ed.)]
4
soviéticos, não só porque enquanto comandante supremo cabia-lhe a responsabilidade
pela decisão final, mas também como estratego e táctico.
Júkov descreve uma conversa com Stáline, em Dezembro de 1943. Tratava-se de saber
se o comando soviético podia «preparar operações para cercar unidades inimigas
maiores». Stáline pensava que «agora estamos mais fortes e as nossas tropas mais
experientes. Agora não só podemos como devemos conduzir operações de cerco aos
agrupamentos alemães.»11
Esta consideração resultava da experiência de Stalingrado e de Kursk. Desde então, o
cerco de unidades de tropas inimigas fazia parte do pensamento teórico militar
estratégico dos soviéticos.
Do mesmo modo, também pertencia à arte de guerra dos generais soviéticos a
conquista de rios largos, a constituição de grandes testas-de-ponte nas margens ocupadas
pelo inimigo. Tais testas-de-ponte também tinham sido edificadas pelas tropas da 3.ª
Frente Ucraniana na margem oriental do Deniestre, junto a Tiraspol e Grigoriopol, a
partir das quais iniciaram a ofensiva de 20 de Agosto. Tippelskirch não pôde deixar
reconhecer esta estratégia do comando soviético: «Desde a contenção da ofensiva alemã
junto ao Don, no Outono de 1944, que os russos sabiam usar com verdadeira mestria
tais testas-de-ponte como trampolim para futuras operações em todas as barreiras de
caudais e nunca recearam defendê-las, em todas as circunstâncias, sem olhar a baixas,
através da entrada em acção das [suas] forças contra qualquer ataque alemão.»12
Na Roménia houve conflitos políticos no interior da classe dominante e com os seus
militares, assim como sublevações das forças revolucionárias democráticas sob a direcção
do PCR. A 23 de Agosto foram presos Antonescu, o ministro da Guerra e o ministro do
Interior, assim como o perfeito da Polícia e o inspector-geral da Polícia. Ainda na noite
desse mesmo dia, pelas 20 horas, formou-se um novo Governo sob a direcção do
monárquico general Sanatescu. Na noite de 23 de Agosto, o PCR apelou à insurreição.
Em Bucareste, os insurrectos dispunham de mais de oito mil combatentes armados, dos
quais dois mil comunistas. Por ordem de Hitler, Bucareste foi bombardeada, o que
reforçou ainda mais a vontade nas massas populares de [realizar] uma ruptura
revolucionária. O Estado-Maior romeno procurou reprimir a sublevação e manteve a
resistência contra as tropas soviéticas. A 24 de Agosto, o PCR apelou à luta armada
contra as tropas alemãs.
A direcção soviética procedeu a uma política muito hábil nesta situação de guerra civil
na Roménia. Continuando a ofensiva visando a destruição das tropas fascistas alemãs,
adoptou um comportamento particular em relação às tropas romenas: estas não deviam
ser desarmadas mas, em conjunto com o Exército Vermelho, deviam lutar pela sua
própria independência contra o fascismo alemão e contra o seu satélite húngaro pela
libertação da Transilvânia, que Hitler tinha prometido à Hungria. A 25 de Agosto, o
Governo soviético repetiu uma declaração feita por Mólotov a 2 de Abril, na qual se
garantia que a URSS, exceptuando a reintegração da Bessarábia, não fazia qualquer outra
exigência territorial à Roménia e não tinha a intenção de alterar a ordem social no país. A
11 G.K. Shukow: Erinnerungen und Gedanken. Bd. 1/4. Überarbeitete Auflage (Memórias e
Reflexões), Moscovo, 1969. Berlin 1973. vol. II, p. 169. [Citações cotejadas com o original russo
Жуков Г К. Воспоминания и размышления. Олма-Пресс, Moscovo, 2002, Vol. II, p. 194 (N.
Ed.)]
12 Tippelskirch, op. cit., p. 481.
5
soberania romena seria respeitada. Este apelo, e em particular a perspectiva da
recuperação da Transilvânia, teve um efeito mobilizador nas massas populares.
Não restou outra alternativa ao governo de Sanatescu senão assinar um armistício
com o Exército Vermelho. O antigo aliado alemão tornara-se agora ocupante, contra o
qual Sanatescu tinha de fazer a guerra.
A 26 de Agosto capitularam cinco divisões romenas na 2.ª Frente Ucraniana. A 29 de
Agosto, tropas da 2.ª Frente Ucraniana, com o apoio de trabalhadores romenos armados
e unidades do exército romeno, ocuparam a região petrolífera de Ploiesti.
A política traiçoeira das forças restauracionistas do general Sanatescu não teve êxito.
O pedido que este fez ao comandante soviético para interromper a ofensiva na linha dos
Cárpatos Orientais-Danúbio só podia provocar estupefacção. Pelos vistos pretendia
permitir a retirada das tropas alemãs para as montanhas, onde poderiam edificar uma
nova linha de resistência e bloquear o acesso das tropas soviéticas ao interior da
Roménia. Simultaneamente, Sanatescu dirigiu-se ao comando anglo-americano, pedindo
que ocupasse Bucareste com tropas aerotransportadas. As potências ocidentais,
considerando a relação de forças existente nos Balcãs, foram obrigadas a dar uma
resposta negativa a Sanatescu.
A transferência de unidades romenas para o lado do Exército Vermelho não se realizou
sem conflitos. Havia a divisão de voluntários «Tudor Vladimirescu», formada já em 4 de
Outubro de 1943 por soldados e oficiais que se encontravam em cativeiro soviético. Esta
divisão já tinha participado na operação em Iassi-Kichinov.13
Outras unidades romenas ainda continuavam sob a direcção de generais e oficiais pró-
fascistas. Havia antifascistas entre os soldados que combatiam ao lado do Exército
Vermelho, mas também havia sinais de derrotismo. É preciso levar em consideração que
as massas populares romenas não estavam ao nível do que lhes era exigido. A União
Soviética, que ainda ontem era a encarnação do mal, era agora aliada. A «lealdade ao
rei», determinada pela História, continuava enraizada na consciência de amplos sectores
do povo. As ilusões monárquicas do povo podiam ser aproveitadas pelas forças
restauracionistas. Stáline teve em linha de conta este comportamento na sua política.
Como Chtemenko relata, entre o final de Agosto e início de Setembro, o QG teve de
definir a atitude dos órgãos militares soviéticos para com o rei Miguel da Roménia. O
representante do chefe do Estado-Maior General, Antonov, e Chtemenko referem várias
vezes nos seus relatórios «que a corte do rei se tornaria inevitavelmente no centro dos
elementos anti-soviéticos na Roménia e propusemos tomar medidas decididas em
relação a ele. O comandante supremo ouviu-nos atentamente como era habitual (…) e
afirmou mais ou menos o seguinte: Não temos nada a ver com um rei estrangeiro. A
tolerância para com ele reflectir-se-á também nas nossas relações com os aliados.
Devemos admitir que o povo romeno, que por enquanto deposita confiança na corte
real como oposição à ditadura fascista, compreenderá por si próprio a verdadeira
essência da monarquia. Há razões para pensar que também os comunistas romenos
não vão ficar de braços cruzados, mas irão ajudar o seu povo a compreender a
situação.»14
13 Schtemenko, op. cit., 128-136. [Ed. cit., pp. 346-357. (N. Ed.)]
14 Idem, ibidem, p. 140. [Idem, ibidem, p. 360. (N. Ed.)]
6
O rei romeno portou-se pacificamente. «Quando soubemos que praticava aviação
desportiva, foi-lhe oferecido em nome de Stáline um avião Po-2 numa versão especial.»
A evolução social também não parou; o rei abandonou o país no final de 1947.15
Na libertação da Roménia morreram 69 mil soldados e oficiais do Exército Vermelho e
outros 286 mil ficaram feridos.16
Bulgária
7
apoiado na confiança do povo, que garantisse a amizade e cooperação com a União
Soviética.
Não eram exigências socialistas. Não ultrapassavam as de uma organização política
democrático-burguesa, e por isso eram aceitáveis para a massa do povo. Chtemenko
escreveu: «Amplas camadas do povo búlgaro – activistas do Partido Operário,
membros da União Agrícola, sociais-democratas, militares patriotas, operários,
camponeses, artesãos, pequenos funcionários, intelectuais progressistas e a juventude
revolucionária – apoiaram com entusiasmo a Frente Patriótica.»18
Desde as guerras de libertação contra o domínio estrangeiro turco que se estabeleceu
entre povo búlgaro e o povo russo uma amizade tradicional que foi muito favorável ao
Exército Vermelho.
As insurreições nacionais do povo búlgaro de Setembro de 1875 e de Abril de 1876 não
conseguiram derrotar os paxás turcos. Só com a guerra russo-turca de 1877-78, as tropas
russas proporcionaram ao povo búlgaro a libertação de 500 anos de domínio estrangeiro
turco. As batalhas de Pleven e do Passo de Chipka, nas quais os russos, com enormes
baixas, derrotaram definitivamente os turcos, encontram-se profundamente ancoradas
na memória do povo búlgaro. Assim, os soldados soviéticos podiam contar que seriam
saudados pelo povo búlgaro como amigos e aliados.
As vitórias do Exército Vermelho em Iassi-Kichinov e a consequente libertação da
Roménia provocaram um forte ascenso do movimento popular revolucionário na
Bulgária. A 26 de Agosto de 1944, o POB tomou a decisão de preparar no imediato a
insurreição armada. O CC divulgou uma circular incumbindo os comunistas de mobilizar
todas as forças para expulsar as tropas fascistas alemãs, derrubar os ministros fascistas,
constituir um governo da Frente Patriótica e implantar o poder popular democrático.
Durante estes dias houve várias reuniões entre Stáline e Dimítrov. Dimítrov era quem
melhor conhecia os assuntos búlgaros e as condições existentes na sua pátria. Depois de
uma reunião com Stáline, a 27 de Agosto, enviou para o Estado-Maior do Exército de
Libertação Popular uma directiva endereçada ao CC do POB. O documento defendia a
união de todas as forças do povo em torno do Comité Nacional da Frente Patriótica, o
desarmamento dos grupos alemães fascistas e da Gestapo, a eliminação de qualquer
resistência à Frente Patriótica e ao Exército Vermelho e a constituição de um governo da
Frente Patriótica. Na directiva dizia-se: «O povo búlgaro e as suas forças armadas
devem colocar-se decididamente do lado do Exército Vermelho, o exército dos
libertadores da Bulgária do jugo fascista alemão, e juntamente com ele limpar o solo
búlgaro dos bandidos fascistas alemães e dos seus cúmplices infames.»19
Tal como noutros países do Sudeste europeu, as forças restauracionistas búlgaras não
admitiam abdicar do seu poder, e procuraram antecipar-se à revolução popular e à
entrada das tropas soviéticas, desenvolvendo contactos secretos com os anglo-
americanos. Também o governo de Bagriánov mantinha contactos com os aliados
ocidentais. Como a Bulgária não se encontrava oficialmente em guerra com a URSS,
Bagriánov tinha a esperança de se antecipar à entrada do Exército Vermelho.
No entanto, em 30 de Agosto, dia em que o governo soviético exigiu ao governo
búlgaro que impedisse de imediato a passagem de tropas alemãs para a Roménia,
Bagriánov viu-se entre dois fogos e foi forçado a demitir-se. K. Muraviev formou um novo
governo a 2 de Setembro, assumindo o compromisso de manter uma rigorosa
8
neutralidade e estabelecer relações de confiança com a URSS, mas na verdade fez o
contrário. Autorizou que os exércitos alemães do Sul da Ucrânia retirassem da Roménia
para território búlgaro. Dezenas de unidades da marinha de guerra alemã encontraram
refúgio nos portos de Varna e Burgas. Tropas alemãs concentraram-se na região de Sófia.
A 5 de Setembro, o governo soviético entregou uma nota ao embaixador búlgaro em
Moscovo, na qual se afirmava que o governo soviético não podia avaliar «esta política da
Bulgária senão como a condução de facto da guerra ao lado da Alemanha contra a
União Soviética.» Dada a situação militar da Alemanha, a Bulgária tinha «todas as
possibilidades» de, «sem temer represálias, romper com a Alemanha e assim salvar o
país do naufrágio».
O CC do POB, em conjunto com o Estado-Maior do Exército Popular de Libertação,
decidiu iniciar a insurreição na noite de 9 de Setembro, em Sófia. A insurreição devia ser
preparada com greves e manifestações de trabalhadores. As greves já tinham começado a
6 de Setembro.
Na noite de 5 para 6 de Setembro, o governo de Muraviev informou o governo
soviético, através do Encarregado de Negócios soviético em Sófia, de que «a Bulgária
rompeu as suas relações com a Alemanha e solicita um armistício.»20
Ao receber esta declaração, Stáline consultou Dimítrov e ordenou a Júkov que, até ao
esclarecimento cabal da situação, limitasse temporariamente o avanço das tropas da 3.ª
Frente Ucraniana à linha Giurgiu-Razgrad-Chumen (Kolarovgrad)-Dalgopol-margem
norte do rio Kamchia.21 A execução da ordem foi entregue ao comandante-em-chefe da
3.ª Frente Ucraniana, general Tolbúkhine.
A 8 de Setembro, pelas 11 horas, as tropas da 3.ª Frente Ucraniana penetraram na
fronteira búlgara. Os soldados búlgaros não só não ofereceram resistência como
manifestaram simpatia às tropas soviéticas, a população civil recebeu-as amistosamente.
O comando supremo búlgaro tinha ordenado que não se entrasse em combate contra o
Exército Vermelho.22
Ao contrário da Polónia, a especificidade na Bulgária consistia na cooperação entre o
Exército Popular de Libertação búlgaro e as tropas soviéticas desde o início. O Governo
soviético e o QG estavam informados sobre todas as acções revolucionárias do POB e da
Frente Patriótica. Assim, os comandantes soviéticos podiam entender-se com os
revolucionários búlgaros, lutar em conjunto contra a reacção interna, o que eliminou a
possibilidade de um banho de sangue provocad0 pela reacção búlgara e as tropas alemãs
contra a população búlgara. «A combinação da insurreição popular de 9 de Setembro
com a marcha vitoriosa do exército soviético nos Balcãs não só assegurou a vitória da
insurreição como também lhe conferiu força e dimensão.»23
A sociedade búlgara era uma sociedade de classes. As forças restauracionistas não
partilhavam de todo as simpatias das massas populares pelo exército soviético. Esta
diferença também se manifestava no exército búlgaro. Os soldados e oficiais de baixas
patentes eram na sua maioria pró-soviéticos. Porém, entre os oficiais e generais havia
muitos pró-fascistas que procuravam por todos os meios, senão impedir, pelo menos
dificultar a passagem do exército regular búlgaro para o lado do Exército Vermelho. Da
9
mesma forma, o aparelho de Estado encontrava-se ainda infiltrado por elementos pró-
fascistas.
O Estado-Maior soviético deu instruções para encontrar o paradeiro do pessoal da
embaixada alemã em Sófia, que desaparecera por caminhos misteriosos. Da embaixada
alemã, que possuía uma ampla rede de agentes, saíam instruções e informações para as
forças restauracionistas búlgaras. Só depois de longas investigações se concluiu que os
diplomatas fascistas e a missão militar tinham fugido para a Turquia num comboio
especial, com o conhecimento e ajuda de alguns funcionários governamentais. Nesta
altura a Turquia já tinha rompido as relações diplomáticas com a Alemanha e não
mostrava pressa em conceder o visto de entrada ao pessoal da embaixada alemã. Os
diplomatas alemães tentaram então a sua sorte junto da fronteira grega. E foi aí que
unidades soviéticas conseguiram deter as 32 pessoas que formavam o pessoal da
embaixada.
Tendo detido os inimigos declarados do povo búlgaro e do Exército Vermelho, o
comando soviético preocupou-se logo assegurar a inviolabilidade às restantes
representações diplomáticas e a observância estrita da legalidade em relação a todos os
cidadãos búlgaros e estrangeiros. Contudo, pelos vistos, terá havido alguns abusos por
parte de postos militares soviéticos. A situação também não era nada fácil. A 26 de
Setembro o QG enviou o seguinte telegrama ao Estado-Maior da 3ª Frente Ucraniana:
«O QG do Comando Supremo proíbe que se efectuem prisões na Bulgária e na
Roménia. A partir de agora ninguém pode ser preso sem autorização do QG.
Por incumbência do QG do Comando Supremo – Antonov, Chtemenko.»24
Era quase impossível evitar abusos num exército de milhões, cujos membros eram
testemunhas e vítimas da barbárie fascista. Daí esta ordem estrita do QG, por iniciativa
de Stáline, para impedir que oficiais precipitados cometessem injustiças, acções que só
poderiam prejudicar as relações amigáveis entre o povo e o Exército Vermelho. Estas
ocorrências continuam a ser hoje exageradas e generalizadas por publicistas
anticomunistas e anti-soviéticos e atribuídas a Stáline, o «ditador malévolo». Silencia-se
precisamente o facto de ter sido Stáline quem várias vezes interveio contra a violação da
legalidade, determinada subjectivamente por oficiais subalternos ou funcionários, e que a
não observância destas instruções foram severamente castigadas.
Do lado dos aliados anglo-americanos não faltaram tentativas para realizar também
na Bulgária a «variante dos Balcãs» de Churchill. Pelo menos fizeram-no com o apoio dos
círculos reaccionários no aparelho de Estado búlgaro e no exército regular.
Um grupo de oficiais britânicos e americanos apresentou-se sem aviso prévio ao
comandante do exército búlgaro, general I. Marinov, e exigiu que fosse posto à sua
disposição um aeroporto e cedidos os mapas com a localização de minas terrestres na
margem do Mar Negro, onde, alegadamente, num dos portos no Sul da Bulgária se
aguardava em breve a chegada de navios britânicos. Um oficial e um engenheiro já se
encontrariam nesse porto para preparar a chegada dos navios. Nem o comando búlgaro,
nem o comando soviético tinham sido consultados sobre tal passo. Além disso, os oficiais
ofereceram «ajuda militar» nos Balcãs, que não tinha sido solicitada pelo novo governo
búlgaro.
Era claro que não se tratava de uma iniciativa autónoma de alguns oficiais e que havia
outras forças por trás. O general Marinov entrou imediatamente em contacto com o
representante do Comando Supremo soviético na Bulgária, general Biriuzov. Na segunda
10
visita dos oficiais britânicos e americanos, os representantes soviéticos declararam em
poucas palavras que «não há necessidade da ajuda dos aliados.»25
Os oficiais soviéticos tinham tomado a decisão militar correcta neste assunto, mas
Mólotov admoestou-os pela forma como responderam. Não se devia ter dito aos aliados
que «não eram necessários», mas indicar delicadamente aos oficiais britânicos e
americanos que estas questões deviam ser acordadas previamente com Moscovo.26
Este episódio evidencia um novo problema: os oficiais confrontavam-se de repente
com questões diplomáticas, das quais nada entendiam. Enquanto combateram no seu
território, este aspecto era irrelevante, mas depois de passarem as fronteiras e nos
inevitáveis contactos com as tropas aliadas ocidentais precisavam de adquirir os
conhecimentos necessários, principalmente os generais. Foi Stáline quem apontou a
importância desta questão.
Um general não tinha de ser só um bom militar. Isso já não era suficiente. «É
necessário que também o Estado-Maior General conheça os princípios do direito
internacional e as regras de conduta nos contactos com os representantes dos outros
Estados.» Antónov respondeu que no Estado-Maior General havia um organismo que se
ocupava dessas questões, admitindo que «naturalmente, conhecemos melhor a lei
marcial do que o direito internacional». A resposta não agradou a Stáline, que retorquiu:
«Já sabia que você não compreendia isto (…) Não se trata de uma questão de
administração (…) Falamos de vós próprios, dirigentes do Estado-Maior General. (…) E
não só do Estado-Maior General (…) Referimo-nos aos militares que conduzem ou
participam em conversações com estrangeiros, que elaboram importantes documentos
diplomático-militares. São exactamente eles que têm de saber como é que se deve fazer
isso correctamente de modo a representarem dignamente o nosso país. Percebe agora
do que falo? Não se trata de recepções e banquetes. Aí você sai-se com honra… Mas no
que toca à “lei marcial”, que aqui foi referida, já várias vezes ouvimos que muitos
militares consideram que a sua lei é só a das baionetas.»27
A ligação estreita mantida durante toda a guerra entre o Estado-Maior General e o
Comissariado do Povo dos Negócios Estrangeiros, tornou-se ainda mais estreita no final
do conflito.
Do lado das potências ocidentais houve ainda várias tentativas para «ajudar» nos
Balcãs o parceiro de coligação, o Exército Vermelho, que foram recusadas, agora
diplomaticamente, pelo lado soviético.
No entanto, tais propostas encontravam eco em alguns funcionários do aparelho de
Estado búlgaro, nomeadamente no ministro da Guerra Veltchev. Por sua indicação, a
rádio búlgara divulgou informações que revelavam as posições de tropas soviéticas.28
A organização e armamento das forças armadas búlgaras ainda eram tarefas difíceis a
cargo de conselheiros soviéticos em cooperação com comunistas búlgaros. Na Jugoslávia,
a entrada em acção de tropas búlgaras, ao lado do exército de Tito, contra as tropas
alemãs revelou-se um problema ideológico complexo, também para os comunistas
jugoslavos.
11
Sucede que tropas búlgaras haviam antes participado em acções punitivas ao lado dos
fascistas alemães contra partisans jugoslavos e a população civil. E agora o exército
jugoslavo devia lutar agora ao lado do exército búlgaro?!... Tais problemas não podiam
ser ultrapassados em pouco tempo. Importante é que tais ressentimentos foram
superados pouco a pouco pelos comunistas jugoslavos, búlgaros e pelo Exército
Vermelho.
Os exércitos soviéticos cumpriram o objectivo definido por Stáline: chegar à península
balcânica antes dos parceiros ocidentais da coligação, tornando assim desnecessária a
«variante dos Balcãs» de Churchill. O Exército Vermelho abrira militarmente o caminho
para a libertação da Jugoslávia, Hungria e da Checoslováquia.
Jugoslávia
12
Libertação jugoslavo. Por várias vezes analisámos com Iossif Vissariónovitch [Stáline]
as vias e meios de vos fazer chegar ajuda. Infelizmente, até agora, não pudemos
resolver esta tarefa, devido às dificuldades técnicas e de transporte inultrapassáveis.
Não cessámos as nossas tentativas de procurar possibilidades reais para vos enviar
ajuda. Assim que tivermos essas possibilidades, faremos tudo o que é necessário. Como
podeis vós duvidar disso? Peço-vos que compreendeis correctamente a situação
existente e a expliqueis aos camaradas e aos combatentes. Não desespereis e envidai
todas as vossas forças para resistir à actual prova excepcionalmente difícil. Perseguis
uma grande causa que a nossa terra soviética e os povos amantes da liberdade nunca
esquecerão. Saudações fraternas para vós e para todos os camaradas, e os meus
melhores votos para a vossa luta heróica contra o inimigo maldito.»30
Na verdade, nesta altura, o Governo soviético não podia ajudar materialmente o
Exército Popular de Libertação jugoslavo. Decorria a batalha de Stalingrado, de que
dependia a existência da União Soviética, tropas alemãs ainda estavam no Cáucaso,
Leningrado ainda estava cercada e a Wehrmacht, que ocupava desde o Mar de Azov até à
costa do Mar de Barents, embora enfraquecida, ainda não estava destruída.
Só depois de as tropas das 3.ª e 2.ª frentes ucranianas terem alcançado a fronteira
leste da Jugoslávia, foi possível fornecer armamento em abundância ao Exército Popular
de Libertação.
No final de Setembro de 1944, o marechal Tito voou para Moscovo para negociar o
apoio das tropas soviéticas na libertação da Jugoslávia. Tito tinha plenos poderes do
Comité Nacional de Libertação da Jugoslávia (CNLJ) para solicitar ao Governo da URSS
a entrada de tropas soviéticas no Leste da Jugoslávia. O Comité Nacional desempenhava
as funções de um governo provisório. O Exército Popular de Libertação Nacional tinha
sido reconhecido como aliado por Stáline, Churchill e Roosevelt, na Conferência de
Teerão (28.11/01.12.1943).
É importante sublinhar que o Exército Vermelho entrou em território jugoslavo a
pedido do Comité Nacional de Libertação da Jugoslávia.
Junto do Estado-Maior jugoslavo, ao lado da missão militar soviética, havia uma
missão militar anglo-americana. Em consequência, as operações militares em território
jugoslavo tinham de ser combinadas com as missões militares dos aliados ocidentais.
Juntamente com as unidades soviéticas, aviões de caça britânicos e americanos também
atacaram os ocupantes fascistas.
Como já se referiu, a entrada em acção do exército búlgaro em território jugoslavo
revelou-se problemática. Tito e Dimítrov tinham-se entendido sobre esta questão em
Moscovo. Dimítrov informara Tito pormenorizadamente sobre os objectivos, tarefas e
constituição da Frente Patriótica da Bulgária e obteve a sua concordância sobre a entrada
em acção das unidades búlgaras contra os ocupantes alemães. Mas a entrada do exército
búlgaro em território jugoslavo, por razões do passado, suscitava reservas ideológicas e
nacionalistas. Contudo, como Chtemenko resumiu: «os soldados jugoslavos e búlgaros
bateram-se com valentia ao lado das tropas soviéticas.» Acordou-se que depois da
libertação de Belgrado as tropas búlgaras atravessariam o território jugoslavo para a
Hungria.31
Na Jugoslávia ainda houve outras particularidades. Para além dos 270 mil soldados e
oficiais dos exércitos alemães, ainda havia cinco divisões húngaras com 30 mil homens e
13
tropas de jugoslavos colaboracionistas, principalmente tchetniques e ustachas,32 com 270
mil homens em guerra contra o Exército Popular de Libertação.
A guerra na Jugoslávia teve simultaneamente o carácter de uma guerra de libertação
nacional antifascista e de uma guerra civil. Tal como no caso da Polónia, o Governo
jugoslavo no exílio em Londres conduzia duas guerras, uma contra os fascistas alemães e
italianos, outra contra os partisans, e a partir de 1942 contra o Exército Popular de
Libertação. Os chetniques, organizados e dirigidos por general Dragoljub Mihailovic,
ministro da Guerra do governo jugoslavo no exílio em Londres, lutavam principalmente
contra os partisans/Exército Popular de Libertação nos territórios libertados,
comprovadamente em conjunto com as tropas alemãs e italianas, como consta de um
registo de Dimítrov de 2 de Fevereiro de 1943. Dimítrov tinha discutido com camaradas
de redacção da rádio jugoslava «questões relacionadas com a ofensiva geral lançada
pelos alemães, italianos, italianos, ustaschas [fascistas croatas, UH] (…) e tchetniques de
Mihailovic contra o Exército Popular de Libertação e os territórios libertados.»33
Stáline, como Comandante Supremo e presidente do Conselho de Comissários do
Povo, encontrava-se numa situação politicamente delicada. De acordo com as exigências
militares, tinha de destruir os tchetniques e os ustaschas, aliados dos fascistas alemães,
mas do ponto de vista político, tinha de simultaneamente manter o acordo de aliança
com o rei jugoslavo e o governo no exílio em Londres e ter em conta os aliados ocidentais.
Uma situação semelhante à que existia em relação aos partisans gregos. Relações que
resultam de acordos com governos anticomunistas, neste caso até monárquico fascista, e
regimes abertamente anti-soviéticos, são politicamente muito complicadas e perigosas.
A política seguida por Stáline nas relações com o Exército Popular de Libertação
jugoslavo é esclarecida no telegrama cifrado, concertado com Stáline, que Dimítrov
enviou a Tito em 19 de Novembro de 1942.
«A criação do Comité Popular de Libertação Jugoslavo é necessária e
particularmente importante. Atribuí imperativamente a este Comité um carácter
nacional unitário e um carácter de partido antifascista, quer pela sua constituição,
quer pelo seu programa de acção. Não considereis este Comité como uma espécie de
governo, mas como um órgão político da luta popular de libertação. Não o colocar em
confronto como o governo jugoslavo em Londres. Na fase actual não levanteis a
questão da abolição da monarquia. Não lançar a palavra de ordem da República. A
questão do regime político na Jugoslávia, como compreendereis, será resolvida depois
do esmagamento da coligação italo-alemã e depois da libertação do país do ocupante.
Mas o esmagamento dos fascistas alemães e a libertação do ocupante é hoje a tarefa
principal, a tarefa que domina todas as outras. Tomai em consideração o facto de que a
União Soviética tem um acordo com o rei e o Governo jugoslavo, e que uma tomada de
posição aberta contra estes últimos constituiria uma dificuldade suplementar nos
nossos esforços comuns e nas relações entre a União Soviética, de um lado, e a
Inglaterra e os Estados Unidos, do outro.
Não considereis a vossa luta unicamente de um ponto de vista nacional, mas
também internacional, bem como do ponto de vista da coligação anglo-soviético-
americana.
14
Ao reforçardes por todos os meios as vossas posições na luta popular de libertação,
demonstrai, ao mesmo tempo, grande flexibilidade política e capacidade de manobra.
Todos nós estamos entusiasmados com a vossa luta heróica e regozijamo-nos
profundamente com os vossos êxitos. Divulgamos largamente a vossa luta em todos os
países. Ela desperta justamente o entusiasmo nos povos, em grupos e dirigentes que
lutam contra o fascismo, e constitui um notável exemplo a seguir para os povos de
outros países ocupados. Desejamos-vos que resistam com firmeza às dificuldades que
vos esperam e que alcancem os maiores êxitos no futuro.
Aperto-vos firmemente as vossas mãos heróicas.»34
O comando fascista alemão tentou várias vezes liquidar a direcção do Exército Popular
de Libertação. No final de Maio de 1944 lançou um ataque ao QG jugoslavo em Dvar,
uma pequena vila em terreno montanhoso de difícil acesso, empregando forças
assinaláveis. Mas a operação falhou. O marechal Tito, o Estado-Maior do Exército
Popular de Libertação, assim como os membros anglo-americanos da missão militar
junto ao Estado-Maior foram evacuados por um avião soviético, que partiu da base aérea
em Bari, na costa adriática italiana. O Estado-Maior do Exército Popular de Libertação
formou então o seu QG na ilha de Vis.
Mas a condução da guerra nas extensas áreas da Jugoslávia a partir da ilha de Vis era
difícil. O QG tinha estar mais perto das frentes de combate. Como o assalto a Dvar
demonstrara, mesmo as regiões montanhosas da Jugoslávia não garantiam segurança ao
Estado-Maior. Assim devia ser transferido da ilha de Vis para a cidade romena de
Craiova, situada próxima da fronteira com a Jugoslávia.
Esta transferência tinha de se efectuar no maior segredo. Numa madrugada de
Setembro, pelas 3 horas, um avião soviético descolou em direcção a Craiova, mudando
várias vezes de rumo, para enganar a vigilância alemã do espaço aéreo.
Os membros da missão militar anglo-americana não foram informados da
transferência e ficaram na ilha Vis. Para eles, Tito desaparecera por razões inexplicáveis.
O general Maclean, chefe da missão militar britânica, procurou informar-se do paradeiro
de Tito junto de Elliott, marechal da Força Aérea britânica, mas este também não sabia e
solicitou um encontro a Sókolov, chefe da base aérea soviética de Bari. Chtemenko
resumiu a conversa:
«– Para onde é que vocês levaram Tito?
– Não posso saber, Sr. Marechal – foi a resposta dada. O chefe da base soviética de
Bari era um mestre neste género de conversas. Podia ser até seco, cortês e
laconicamente militar ao extremo.
– Vocês aproveitam-se da boa relação que temos convosco enquanto aliados –
continuou Elliott.
– Nós estamos agradecidos aos aliados e retribuímos com a mesma amizade –
respondeu Sókolov.
– Mas os aviões saíram da ilha Vis?
– Lamentavelmente não faço a mínima ideia. Como vê, Sr. Marechal, estou aqui ao
seu lado.
Assim terminou a conversa.»
Não houve mais perguntas dos aliados, pois Stáline comunicou a Churchill que o
marechal Tito «encontra-se presentemente em Moscovo para coordenar as próximas
15
operações conjuntas.»35 Voara para Moscovo pouco tempo depois da sua chegada a
Craiova.
Os desentendimentos entre os parceiros de coligação soviéticos e anglo-americanos
nem sempre foram apenas no plano diplomático.
Um trágico incidente aconteceu em Novembro de 1944. Conforme acordado entre o
Estado-Maior General soviético e o comando anglo-americano em Itália, caças britânicos
e americanos entraram nos combates, devendo seguir as instruções dadas pelo comando
soviético da 3.ª Frente Ucraniana. Chtemenko descreve o incidente:
«No entanto, como se demonstrou, uma coisa era chegar a acordo nos estados-
maiores sobre a utilização da aviação, outra organizar tudo devidamente no local.
Sentimos isso em Novembro de 1944 quando 27 aviões americanos sobrevoaram uma
coluna do 6.º Corpo da Guarda de Infantaria, em marcha numa região da Jugoslávia.
Os soldados soviéticos reconheceram os aviões e saudaram-nos lançando os capacetes
ao ar. Mas de repente os aviões viraram e bombardearam a coluna. Infelizmente o
ataque foi preciso: morreram o comandante do corpo, tenente-general Kotov e 31
soldados e oficiais, ficando feridos outros 37 militares. E como pelas manobras dos
aviões se percebeu a intenção de efectuar um novo ataque, nove caças soviéticos
descolaram. Desencadeou-se uma
batalha aérea. No final, para além
dos mortos, perderam-se três aviões
norte-americanos e três aviões
soviéticos.»36
Estes lamentáveis incidentes são
passíveis de acontecer na guerra. Hoje
não é possível saber se houve intenção
ou se foi um engano.
Um general americano dirigiu-se a
Sófia (sede do Estado-Maior da 3.ª
Frente Ucraniana, UH) para
apresentar condolências ao comando
soviético. Chtemenko não adianta mais
nada sobre o incidente.
Em Outubro iniciou-se o ataque de
unidades do Exército Popular de
Libertação jugoslavo e dos exércitos
das 2.ª e 3.ª frentes ucranianas a
Belgrado, que foi libertada a 20 de
Outubro dos ocupantes fascistas. A Libertação de Belgrado
Fonte: Chtemenko, Vol. 2, 3ª edição, Berlim,
1985, p. 193.
35 Schtemenko, op. cit., p. 190 e seg. [Ed. cit., pp. 397. (N. Ed.)]
36 Idem, ibidem, p. 206. [Idem, ibidem, p. 402. (N. Ed.)]
16
Stáline e Tito tinham combinado que as tropas jugoslavas e soviéticas entrariam
juntas em Belgrado. No entanto, no Estado-Maior General soviético não se tinha levado
em consideração que o Exército Popular de Libertação não possuía tanques nem camiões
e que por isso não podiam acompanhar as unidades motorizadas das 3.ª e 2.ª frentes
ucranianas. Não era possível, por razões militares, atrasar a tomada de Belgrado para
permitir a entrada conjunta das unidades soviéticas e jugoslavas. O general Tolbúkhine,
(comandante-em-chefe da 3.ª Frente Ucraniana) dirigiu-se directamente a Tito e juntos
encontraram uma solução: a infantaria jugoslava seria transportada em tanques e
camiões soviéticos, e assim os irmãos de armas poderiam entrar juntos em Belgrado.
No final de Outubro as tropas soviéticas tinham cumprido com as suas obrigações na
Jugoslávia e puderam dedicar-se a novas tarefas: a libertação da Hungria.
O comando supremo alemão tinha construído uma nova linha de defesa
poderosamente fortificada em Triest-Maribor-Bratislava. Rompê-la era abrir o caminho
para Budapeste, Viena e a Checoslováquia.
Fazendo jus às tradições e obrigações militares e internacionalistas, as unidades da
Força Aérea soviética mantiveram-se no território para combater ao lado do Exército
Popular de Libertação até à libertação definitiva da Jugoslávia em 15 de Maio de 1945.
Também permaneceram unidades técnicas do Exército Vermelho, que, ao abrigo de um
acordo entre os soviéticos e os jugoslavos, ficaram subordinadas ao Exército Popular de
Libertação.
17
Índice de nomes
(acrescentado pela edição portuguesa)
18
na Bulgária em 1923, onde é condenado à URSS, exerceu funções como ministro da
revelia a cinco anos de trabalhos forçados. Defesa entre 1957 e 1967.
Refugiado na URSS, trabalha como director Marinov, Ivan Kristev (1896-1979),
do Instituto Internacional de Agronomia militar búlgaro, tenente-general (1944),
(1930-39) e como chefe de redacção da ministro da Defesa no Governo de Muraviev
revista Problemas da Agronomia. Foi um (Setembro 1944) e chefe do Comando
dos organizadores do movimento de Supremo do Exército (1944-45). A partir de
resistência à ocupação fascista no seu país, 1946 desempenha funções diplomáticas,
ao qual regressa em 1945, sendo eleito tornando-se mais tarde docente da Academia
presidente da Assembleia Nacional (1945-47) Militar.
e vice-presidente do Conselho de Ministros
Mihailovic, "Draza" Dragoljub (1893-
(1947-49).
1946), militar sérvio, comandante do
Kotov, Grigóri Petróvitch (1902-1944), movimento monárquico Tchetniks durante a
militar soviético, ingressou no Exército II Guerra. Em 1946 foi capturado, julgado e
Vermelho em 1919. Tenente-general (1944), executado.
ocupou vários postos de comando durante a
Muraviev, Konstantin Vladov (1893-
II Guerra, o último dos quais como
1965), antigo capitão do exército búlgaro,
comandante do 6.º Corpo da Guarda de
integrou os governos da União Popular dos
Infantaria do 57.º Exército da Frente da
Agrários, ocupando vários cargos públicos
Ucrânia. Foi morto em 7 de Novembro de
entre 1919 e 1923. Volta a integrar o governo
1944, na Jugoslávia, no decurso da operação
entre 1931 e 1934, passando depois à
de tomada de Belgrado, quando a sua coluna
oposição. Em Agosto de 1944 apoia a
foi inexplicavelmente bombardeada por
formação de um governo popular e a
aviões norte-americanos.
aproximação à URSS, tornando-se primeiro-
Maclean, Kenneth Graeme (1896-1987), ministro em 2 de Setembro desse ano.
oficial britânico, tenente-general, foi chefe de Empenha-se em firmar uma paz separada
operações do 21.º grupo de exércitos, com os EUA e a Grã-Bretanha, procurando
participando na elaboração da Operação evitar a entrada das tropas soviéticas no país.
Overlord. Depois da II Guerra foi secretário O seu Governo é derrubado em 9 de
do Exército junto do ministro da Defesa. Setembro. Preso e condenado a prisão
Malinóvski, Rodion Iákovlevitch (1898- perpétua, é libertado em 1955, mas volta a
1967), voluntário do exército aos 16 anos, ser detido no ano seguinte, permanecendo
participa na I Guerra Mundial, sendo na prisão até 1961.
gravemente ferido no seu primeiro combate. Sanatescu, Constantin (1885-1947),
Em 1916 integra o corpo expedicionário militar e político romeno, participou no
russo em França, onde permanece até 1919. derrubamento do ditador Antonescu em 23
Entra então para o Exército Vermelho, de Agosto de 1944, tendo sido designado
participando na derrota dos brancos. Em primeiro-ministro pelo rei Miguel I da
1926 adere ao PCU(b). Após concluir a Roménia. Todavia só permanece no cargo até
Academia Militar Frunze, participa na guerra 2 de Dezembro do mesmo ano, sendo
civil de Espanha. Entre 1941 e 1942 comanda substituído por Nicolae Radescu.
a Frente Sul e do Cáucaso do Norte.
Sókolov, S. V., não encontrámos
Distingue-se na batalha de Stalingrado,
referências biográficas deste oficial da Força
liberta as cidades de Odessa e de Nikolaev
Aérea Soviética, chefe da base área de Bari,
como comandante da Frente Sudeste e
em 1944.
derrota o grupo de exércitos nazis «Sul».
Desempenha um papel destacado na Tolbúkhine, Fiódor Ivánovitch (1894-
libertação da Roménia, Hungria, Áustria e 1949), oficial do exército russo, combateu na
Checoslováquia. Marechal da URSS, herói da I Guerra entrando para o Exército Vermelho
em 1918. Na guerra civil foi ajudante do
19
chefe do Estado-Maior da Divisão de
Infantaria nas frentes Norte e Ocidental. Em
1921 participa no esmagamento da revolta de
Kronstadt e em operações militares contra os
finlandeses brancos na Carélia. Membro do
PCU(b) desde 1938, major-general (1940) e
marechal da URSS (1944), comandou a
partir de 1943 as frentes Sul, a 4.ª Ucraniana
e, entre Maio de 1944 e Junho de 1945, a 3.ª
Frente Ucraniana. Participou, entre várias
outras, na batalha de Stalingrado e na
libertação da Roménia, Jugoslávia e
Hungria. Em 1946 foi eleito deputado do
Soviete Supremo da URSS.
Veltchev, Damiane Veltchev Damianov
(1883-1954), militar búlgaro, participou em
vários golpes de Estado contra o tsar Boris
III, tendo sido condenado à morte em 1936,
pena comutada em prisão perpétua. Em 1943
aderiu à Frente Patriótica, que reuniu as
forças antimonárquicas e os comunistas, e
participou na tomada do poder em Setembro
do ano seguinte, tornando-se ministro da
Guerra até Setembro de 1946. Ocupou depois
o cargo de representante plenipotenciário da
Bulgária na Suíça. Em Outubro de 1947
recusou-se a regressar ao seu país, sendo-lhe
por isso retirada a cidadania búlgara.
Vladimirescu, Tudor (1780-1821),
revolucionário romeno, liderou a revolta
camponesa de 1821 na Moldávia e na
Valáquia pela independência do império
Otomano, que foi cruelmente esmagada
pelas tropas turcas.
20
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (V) *
• Ulrich Huar
1
* Este texto é a continuação do IV capítulo desta obra de U. Huar. (N. Ed.)
Schtemenko, op. cit, p. 228. [Chtemenko, ed. cit., p. 417. (N. Ed.)]
2
W.S. Churchill, Der Zweite Weltkrieg, Vol VI/1. Dem Sieg entgegen (A II Guerra Mundial),
Estugarda, 1954, p. 182.
1
Durante as conversações em Moscovo, Churchill perguntou sem rodeios a Stáline se
concordaria que a União Soviética tivesse na Roménia uma predominância de 90 por
cento, os britânicos 90 por cento na Grécia e meio por meio na Jugoslávia. Enquanto a
sua pergunta era traduzida, Churchill escreveu em «em meia folha de papel»:
Roménia:
Rússia…………..…….90%
Outros……………..….10%
Grécia:
Grã-Bretanha………90%
(com o acordo dos EUA)
Rússia………………… 10%
Jugoslávia……………….50-50%
Hungria…………………..50-50%
Bulgária:
Rússia…………….……75%
Outros………….….…. 25%3
Churchill moveu a folha para Stáline, este pegou no seu lápis azul, desenhou um
grande ponto de interrogação e devolveu-lha. Depois fez-se um «longo silêncio».
Churchill percebeu que estes de planos de partilha, normais entre os imperialistas, não
eram possíveis com Stáline. Propôs então queimar o papel, mas Stáline respondeu:
«Não, guarde-o.»
Churchill ainda escreveu uma carta e um memorando sobre a penosa folha que quis
entregar a Stáline, mas não os enviou na altura porque considerou ser mais inteligente
não voltar a tocar no assunto. Porém, publicou a carta nas suas memórias com o intuito
de apresentar uma «exposição autêntica» da sua ordem de ideias, e legitimá-las. No
entanto, ao procurar justificar o seu comportamento, recorre à formulação falsa de que
alegadamente procedido a uma «interpretação das percentagens que havíamos
aceitado à mesa».4 «Havíamos aceitado»? Nada prova que Stáline tenha aceitado estas
«percentagens»!
Num telegrama de 12 de Outubro, para os seus colegas em Londres, Churchill
manifestou a opinião de que o exército soviético, ao obter «o controlo da Hungria (…)
ficará com uma maior influência, assunto que evidentemente deve ser acordado com a
Grã-Bretanha e provavelmente os EUA, que, apesar de não operarem na Hungria, têm
de a encarar como um país da Europa Central e não como um Estado balcânico.»5
Churchill, portanto, não estava seguro da posição dos EUA em relação à Hungria. No
conjunto, resulta das suas memórias que não estava nada interessado nesta altura
divulgar a comprometedora «meia folha de papel».
3
W. S. Churchill, Der zweite der Weltkrieg (A II Guerra Mundial), versão em um volume,
Frankfurt/Main, p. 989. [Citações cotejadas com a edição inglesa, Vol. VI, p. 198 e seg. (N. Ed.)]
4
Idem, ibidem, p. 990.
5
Idem, ibidem, p. 993.
2
Tenho de deixar em aberto até que ponto esta «folha» e a insinuação de que se tinha
entendido com Stáline sobre as «percentagens» serviram de base à versão, mais tarde
divulgada por publicistas burgueses e revisionistas, de que Stáline e Roosevelt tinham
dividido o mundo em esferas de influência. Em todo o caso, Roosevelt teve tanto a ver
com a «folha» de Churchill e as suas «percentagens» como Stáline. É notável que
Chtemenko nem sequer tenha referido esta «folha». Seguramente isso deve-se ao facto
de não ter estado presente em todos os encontros.
Em vez disso, Chtemenko anotou uma outra observação de Churchill feita à partida de
Moscovo. «O primeiro-ministro da Grã-Bretanha exprimiu a esperança de que as
tropas anglo-americanas conseguiriam avançar rapidamente até ao Passe de
Liubliana, na Jugoslávia.»6
Para Chtemenko era claro isto significava que as tropas anglo-americanas queriam
avançar para a Europa Central, através de Liubliana, para alcançar a Hungria e a Áustria
antes das tropas soviéticas. «Cheirava de novo à “variante dos Balcãs”, servida com um
outro molho. Naturalmente que Stáline se apercebeu imediatamente disto.»7
No final de Outubro, um representante do Comando Supremo das tropas aliadas no
Mediterrâneo encontrou-se com o chefe do Estado-Maior General, Antónov. Pediu-lhe
que lhe falasse sobre «os planos [soviéticos] das próximas operações nos Balcãs», e lhe
desse «informações sobre as intenções do comando do Exército Popular de Libertação
da Jugoslávia, relativamente a operações a Ocidente de Belgrado, e sobre as suas
forças». Antónov recusou dar informações sobre o Exército Popular jugoslavo,
aconselhando o representante a solicitá-las directamente ao marechal Tito. 8
O episódio da «folha», o comentário de Churchill à partida de Moscovo, assim como a
visita do representante do Comando Supremo dos aliados ocidentais são elementos
importantes para compreender as decisões militares de Stáline e a sua pressão para um
avanço rápido do exército soviético na Hungria.
As especulações de Churchill baseavam-se nos esforços desenvolvidos pelo Governo
fascista húngaro do almirante Horthy para se retirar da guerra, depois de ser evidente
que já não era possível impedir a derrota dos fascistas alemães. Em Setembro, Horthy
propôs uma paz separada ao comando anglo-americano. Mas como tropas soviéticas já se
encontravam na Hungria, o Comando aliado recusou a proposta e aconselhou-o a dirigir-
se ao Governo soviético. Assim, Horthy viu-se obrigado a enviar uma delegação a
Moscovo no final de Setembro. Nas conversações com o Governo soviético, a delegação
húngara exigiu «a livre retirada das tropas alemãs» do seu país e a entrada de tropas
britânicas e americanas. Em 11 de Outubro – coincidente com a visita de Churchill a
Moscovo – chegou-se a um acordo preliminar sobre a saída da Hungria da guerra: a
Hungria deveria declarar guerra à Alemanha. Horthy não concordou.
O comando alemão apercebeu-se dos esforços de Horthy para alcançar um armistício
e tomou medidas. Horthy teve de demitir-se em 12 de Outubro por exigência de Hitler e
entregou o Governo a Szálasi, um fascista convicto, que continuou a guerra contra a
União Soviética.9
6
Schtemenko, op. cit., p. 228. [Ed. cit., p. 417 e seg. (N. Ed.)]
7
Idem, ibidem.
8
Idem, ibidem, p. 229.
9
Idem, ibidem, pp. 218-225. A.A. Gretschko, Über die Karpaten (Através dos Cárpatos), Mos-
covo/1970, Berlim/1972, p. 193. Zoltan Halasz, Kurze Geschichte Ungarns (Breve História da
Hungria), Ed. Corvina, Budapeste, 1974, p. 256.
3
Chtemenko descreve um episódio do encontro em Moscovo com o chefe delegação
húngara, general Gábor Faragho, que é bastante elucidativo da forma de pensar dos
generais húngaros. A delegação foi recebida e acompanhada pelo coronel-general
Kuznetsov. Alguns dias depois da chegada da delegação, Kuznetsov contou a Chtemenko
que «Faragho estava muito preocupado com a criação de porcos que tinha na sua
propriedade algures na região de Debrecen, e pediu que poupemos o seu gado porcino
quando as nossas tropas ocuparem a localidade. Respondemos que as tropas soviéticas
não só não ficam com bens alheios como até os protegem se o proprietário estiver
ausente. O latifundiário acalmou-se. Adianto já que quando as nossas tropas ocuparam
a região de Debrecen, à força de combates, não tiveram de proteger os porcos na
propriedade de Faragho. Os hitlerianos já os tinham comido até ao último.»10
A 18 de Outubro fracassou outra tentativa de generais e oficiais húngaros para
alcançar um «entendimento» com o Comando Supremo soviético. Dois dias antes, o
comandante-em-chefe do 1.º Exército húngaro, coronel-general Miklos, entregou-se aos
soviéticos com uma parte do seu Estado-Maior, e seis mil soldados e oficiais húngaros
seguiram o seu exemplo passando-se para o Exército Vermelho. Mas Miklos não
conseguiu que o seu exército se voltasse contra os fascistas. «Em vez de se reduzir, a
resistência [ao Exército Vermelho] aumentou na Hungria.»11
No final de Outubro tornou-se evidente que não se poderia esperar um armistício com
as Forças Armadas húngaras. Em 20 de Outubro, o marechal Malinóvski, comandante-
em-chefe da 2.ª Frente Ucraniana, enviou uma mensagem destinada pessoalmente ao
Comandante Supremo [Stáline], em que pede encarecidamente o reforço da frente com
tanques: «O inimigo (…) colocou na frente de combate oito divisões blindadas (…),
avizinham-se duros combates. O inimigo não desistirá facilmente da Hungria (…) e os
húngaros, sob o comando de Szálasi, continuam a bater-se firmemente (…)».
O QG ordenou então às 2.ª e 3.ª frentes ucranianas: «Dado que as tropas húngaras
não cessaram as operações de combate contra as nossas tropas e continuam a manter
uma frente conjunta com os alemães, o QG do Comando Supremo ordena que se actue
no campo de batalha contra as tropas húngaras de igual modo que contra as alemãs.»12
O Comando Supremo soviético tinha tentado tudo para possibilitar uma saída da
Hungria da guerra em condições aceitáveis e de forma pacífica. Num apelo à população
búlgara sublinhava-se expressamente que o Exército Vermelho não pretendia anexar
território húngaro ou alterar a ordem social existente. A propriedade privada dos
cidadãos não só não seria violada, como a sua protecção seria garantida pelas autoridades
militares soviéticas.13 Como em todos os Estados em cujo território o Exército Vermelho
teve de entrar, também na Hungria não houve intervenção na ordem social. A situação
interna do país era assunto do respectivo povo e não dependia do poder de comando do
Exército Vermelho.
A necessidade política de derrotar rapidamente o adversário na Hungria, para abrir o
caminho para a Áustria antes da chegada das tropas anglo-americanas, conduziu a alguns
erros tácticos nas decisões militares de Stáline.
Surgiam divisões e o derrotismo espalhava-se entre os soldados das forças armadas
húngaras. Stáline recebeu do coronel-general Mékhlis, membro do Conselho Militar de
10
Schtemenko, op. cit., p. 218 e seg. [Ed. cit., p. 411. (N. Ed.)]
11
Gretschko, op. cit., p. 224 e seg.
12
Schtemenko, op. cit., p. 226. [Ed. cit., pp. 414-415. (N. Ed.)]
13
Idem, ibidem, p. 229 e seg.
4
Guerra da 4.ª Frente Ucraniana, informações «demasiado optimistas» sobre a
desagregação do exército húngaro. Chtemenko cita um telegrama dirigido pessoalmente
a Stáline, de 28 de Outubro, em que se diz: «As unidades do 1.º Exército húngaro que se
opõem à nossa Frente encontram-se num processo de desmoralização e desagregação.
A 25 de Outubro de 1944, o 18.º Exército fez 2500 prisioneiros, tendo-se entregado
unidades inteiras (…). Na sequência das manobras de flanqueamento efectuadas pelas
tropas da Frente, muitas unidades das tropas húngaras dispersaram-se e grupos
isolados de soldados erram pelas florestas, parte deles armados outros sem armas,
alguns envergam roupas civis (…)».14
Na base destas informações, Stáline perguntou ao Estado-Maior General qual a
melhor forma de atacar Budapeste para a tomar rapidamente. Pouco depois ordenou ao
marechal Malinóvski, da 2.ª Frente Ucraniana, que «tomasse imediatamente»
Budapeste.15
Antónov não conseguiu convencer Stáline de que as informações de Mékhlis «não
correspondiam à realidade, muito menos na região de Budapeste.»16
Assim, por ordem de Stáline, a ofensiva para Budapeste iniciou-se a 29 de Outubro e
foi detida a 3 de Novembro, a cerca de 10-15 quilómetros do Sul e do Sudeste da cidade.
Ninguém teve coragem para suspender ou corrigir a ordem do Comandante Supremo.
Agora pode criticar-se, mas em que Forças Armadas se admite que a ordem do
Comandante Supremo seja suspensa ou alterada autonomamente por generais
subordinados? Neste contexto recorde-se o Príncipe de Homburg, de Kleist,17quando na
guerra contra a Suécia decidiu atacar por sua conta e risco, ignorando a ordem do Duque,
o Comandante Supremo. Isto até conduziu à vitória sobre a Suécia em Fehrbellin, em
1675. No entanto, o Duque condenou Homburg à morte! E só depois de Homburg ter
reconhecido o seu erro – de não ter respeitado a ordem do Comandante Supremo – foi
amnistiado pelo Duque. Assim conta Kleist.
Mas aqui na Hungria travava-se de uma batalha muito maior que a de Fehrbellin, e as
frentes da II Guerra Mundial não eram palcos de teatro.
Antónov encontrou a solução salomónica, alargando amplamente a Frente e
aumentando a actividade das tropas de Manilóvski. Stáline tinha ordenado que a ofensiva
fosse feita sobretudo pelo 46.º Exército da 2.ª Frente ucraniana no flanco esquerdo da
Frente. Mas agora, simultaneamente, o Estado-Maior General propunha acrescentar as
tropas do centro da Frente para intensificar a pressão e romper a defesa inimiga. Isto,
sem contrariar a ordem de Stáline, dificultaria significativamente a organização da defesa
inimiga. A 4 de Novembro, o Estado-Maior General transmitiu as suas considerações a
Stáline. Stáline concordou e ordenou a aceleração das medidas para a tomada de
Budapeste.18
Visto hoje à luz dos conhecimentos actuais, é fácil fazer uma avaliação crítica da
decisão de Stáline. Mas que sabia o QG, que sabia Stáline sobre a situação do exército
húngaro e sobre a concentração de tropas alemãs na região de Budapeste em Outubro de
1944? O coronel-general Mekhlis pode não ter exagerado, como pensava Antónov. Na
14
Idem, ibidem, p. 230. [Ed. cit., p. 418. (N. Ed.)]
15
Idem, ibidem.
16
Idem, ibidem, p. 231.
17
Trata-se do drama Príncipe Friedrich Homburg, de Heinrich von Kleist (1777-1811), escrito
em 1808, inspirado nas memórias de Frederico II. (N. Ed.)
18
Idem, ibidem, p.232.
5
secção da 4.ª Frente Ucraniana, a situação podia corresponder à sua descrição, enquanto
nas 2.ª e 3.ª frentes ucranianas, as tropas húngaras, sob pressão das rígidas leis marciais
dos oficiais fanáticos do fascista Szálasi, continuavam a resistir firmemente. Ambas as
fontes de informação, Mekhlis e Antónov, eram sérias; qual delas estava correcta? Hoje
sabemos que a avaliação de Antónov era a correcta.
O objectivo de conquistar rapidamente Budapeste era justificado por razões políticas,
mas a decisão militar de «conquistar imediatamente» Budapeste demonstrou ser
errónea, independentemente das razões em que se baseou, pois não correspondia à
correlação de forças existente na região de Budapeste. Aqui ainda estavam estacionadas
13 divisões blindadas alemãs, assim como duas divisões motorizadas e uma brigada
motorizada, ou seja, cerca de 110 mil homens ao todo.
Ainda houve outros acontecimentos nas Frentes que conduziram a fracassos do
Exército Vermelho. Chtemenko refere que alguns comandantes de unidades operativas
estavam a sofrer da vertigem dos êxitos obtidos na Roménia, Bulgária e Transilvânia. 19
As condições na Roménia e principalmente na Bulgária eram completamente
diferentes das da Hungria. Na Bulgária, as tropas soviéticas quase não encontraram
resistência e o governo monárquico fascista foi derrubado pela sublevação popular. As
experiências na Roménia e na Bulgária devem ter contribuído para que alguns
comandantes subestimassem a resistência do exército húngaro.
A guerra ainda não tinha terminado e mostrar-se-ia em toda a sua dureza nos
combates por Budapeste e na batalha de Balaton.
Stáline percebeu que a tomada de Budapeste não seria fácil e ordenou a «maior
concentração possível de artilharia» na região. Na direcção principal, na secção de
ruptura da 2.ª Frente Ucraniana, deviam colocar-se 224 canhões por cada quilómetro de
frente, na 3.ª Frente Ucraniana, 170 por cada quilómetro. 20
Os combates por Budapeste iniciaram-se a 20 de Dezembro e só terminaram oito
semanas (!) mais tarde, com a libertação da capital húngara a 13 de Fevereiro de 1945.
Pretendendo evitar um banho de sangue na população e preservar os monumentos
históricos, os comandos das 2.ª e 3.ª frentes ucranianas enviaram um ultimato ao
inimigo cercado que previa condições humanas para a capitulação. Contudo, a resposta
foi esclarecedora: os emissários soviéticos, capitão Miklos Steinmetz, da 2.ª Frente
Ucraniana, e o capitão Ostapenko, da 3.ª Frente Ucraniana, foram assassinados pelos
fascistas.21
Hitler e o alto comando da Wehrmacht, que também tinham compreendido o
significado estratégico da Hungria, estavam decididos a mantê-la custasse o que custasse
e a parar o avanço do Exército Vermelho. Continuavam a alimentar a esperança ilusória
de uma ruptura na coligação anti-hitleriana, uma mudança de frente dos EUA e Grã-
Bretanha contra a União Soviética.
A Leste de Balaton, o comando fascista iniciou uma ofensiva, a 6 de Março de 1945,
com o objectivo de fazer recuar as tropas soviéticas para além do Danúbio. A importância
que os fascistas deram a esta ofensiva é testemunhada pela transferência do 6.º Exército
Blindado SS, sob a direcção do general Sepp Dietrich, da Frente Ocidental para a frente
19
Idem, ibidem, p. 233.
20
Idem, ibidem, p. 236. [Ed. cit., p. 422, (N. Ed.)]
21
Idem, ibidem, p. 238. [Ed. cit., p. 424. (N. Ed.)]
6
em Balaton. Isto ocorreu em 14 de Janeiro de 1945, ou seja, ainda durante a ofensiva das
Ardenas.22
A correlação de forças em Balaton era desfavorável aos soviéticos. Os alemães
possuíam mais de 31 divisões, das quais 11 divisões blindadas, mais de 900 tanques e
artilharia móvel, 5600 canhões e lança-granadas, 850 aviões, no total mais de 430 mil
homens. A 3.ª Frente Ucraniana possuía em Balaton cerca de 400 mil homens, 400
tanques e artilharia móvel, quase sete mil canhões e lança-granadas e 950 aviões. O
adversário era superior em tanques, mas possuía menos artilharia e aviões. O número de
homens era semelhante.23
As tropas alemãs avançaram lentamente para Leste, o marechal Tolbúkhine teve de
retirar o seu exército de Székesfehérvar, a Nordeste de Balaton, para o Danúbio, onde
pôde construir uma linha de defesa. A 9 de Março, Tolbúkhine telefonou a Stáline
perguntando se não seria aconselhável retirar as suas tropas e, em último caso, também o
Estado-Maior, para a margem esquerda do Danúbio. Chtemenko e Antónov
encontravam-se na sala de trabalho de Stáline e foram testemunhas da conversa. Stáline,
depois de uma curta pausa, respondeu calmamente: «Camarada Tolbúkhine, se pensa
arrastar a guerra por mais cinco ou seis meses, então sim, retire as suas tropas para
além do Danúbio. Sem dúvida que lá será mais calmo. Mas duvido que pense assim.
Por isso deve defender-se na margem direita, e é precisamente aí que você e o Estado-
Maior devem estar. Estou convicto de que as tropas cumprirão com honra as suas
difíceis tarefas. É preciso apenas comandá-las bem.»
Stáline falou ainda na necessidade de neutralizar os tanques fascistas logo durante a
batalha de defesa e de não dar tempo ao adversário para consolidar posições e organizar
uma forte defesa na linha alcançada. «”Consequentemente é preciso passar
imediatamente ao ataque assim que o inimigo seja detido e destruí-lo completamente.
Para tal são necessárias forças frescas significativas. Dispomos delas, temos o exército
de Glagolev. Nas proximidades encontra-se também o 6.º Exército da Guarda Blindada
do general Kravtchenko. Neste momento está sob o comando de Malinóvski [2.ª Frente
Ucraniana, UH], mas, se for necessário, pode ser transferido para a sua frente [3.ª
Frente Ucraniana, UH]. Retire daqui as conclusões necessárias.” Olhando para
Antónov, acrescentou: “– O Estado-Maior General está do meu lado.”»24
Chtemenko não esclarece se Antónov se pronunciou ou não sobre estas reflexões de
Stáline. Em todo o caso, a avaliação e a respectiva orientação estava correcta. Era a
mesma táctica que em Kursk: desgastar o inimigo numa forte defesa em etapas e depois
derrotá-lo no contra-ataque. Tal como em Kursk, onde se confrontaram 1500 tanques,
esta táctica também teve êxito na batalha entre o lago Balaton e o rio Danúbio.
A batalha de defesa durou até 15 de Março. Depois as tropas da 3.ª Frente Ucraniana
avançaram rapidamente na direcção Pápa-Sopron e os exércitos da 2.ª Frente Ucraniana
e Norte do Danúbio, na direcção de Györ. A ofensiva de Viena tinha começado. A 4 de
Abril, a Hungria estava totalmente libertada das tropas alemãs. Nos combates perderam
a vida 140 mil soldados soviéticos.
Apesar da luta corajosa na clandestinidade do PC da Hungria, que sofreu muitas
vítimas, no país não houve um movimento de resistência vitorioso comparável aos da
Bulgária e Roménia. De todos os fundadores da «Frente Húngara», em Maio de 1944,
22
Ge, II Weltkrieg, op. cit., tomo 10, p. 290.
23
Schtemenko, op. cit., p. 245. [Ed. cit., p. 429 (N. Ed.)]
24
Idem, ibidem, p. 248. [Ed. cit., p. 431 (N. Ed.)]
7
uma aliança antifascista, só os comunistas ofereceram resistência armada aos fascistas
alemães e húngaros. «Os dirigentes dos partidos de oposição burgueses e da social-
democracia ainda recuavam perante a luta armada.»25
Mas em Outubro de 1944, todos os partidos da «Frente Húngara», sob a direcção de
Endre Bajcsy-Zsilinszky, pronunciaram-se a favor da resistência armada. Porém, antes de
se realizar qualquer acção, os líderes da sublevação armada, Bajcsy-Zsilinszky, János
Kiss, Jenö Nagy e Vilmos Tartsay, foram assassinados pelos fascistas húngaros. 26
Só depois da libertação de Debrecen, em Dezembro de 1944, as forças patrióticas
puderam convocar uma Assembleia Nacional provisória. A 21 de Dezembro formou-se
um governo provisório dirigido pelo general Bela Miklos. No Governo participaram o PC
da Hungria, o Partido Social-Democrata, o Partido dos Pequenos Agricultores, assim
como representantes do regime derrubado de Horthy, o general Faraghó (o latifundiário
preocupado com os seus porcos), o conde Teleki e o tenente-general Vörös. Deste
Governo também não se podia esperar grande coisa.27
Ao contrário da Bulgária, Roménia e Jugoslávia, não se formou um exército popular
húngaro capaz de lutar ao lado do Exército Vermelho. Os voluntários, na sua maioria
comunistas, combateram nas fileiras do Exército Vermelho. Constituíam o Regimento de
Buda, cinco batalhões, 2534 homens no total.28
Tenho de deixar em aberto até que ponto o exército húngaro, formado depois de 1945,
ainda estaria infiltrado de oficiais burgueses e ou até pró-fascistas, que, na contra-
revolução de 1956, terão acreditado ter chegado a sua hora.
8
nas montanhas. Não era vantajoso envolver grandes forças em combates prolongados.
A experiência confirmava que tomar montanhas de assalto seria difícil. Apoiando-se
nas montanhas, a defesa alemã estava numa situação mais vantajosa do que nós. Para
mim era por demais evidente que o combate nas montanhas só se justificaria em caso
de absoluta necessidade, quando não houvesse nenhuma forma de o evitar ou de
manobrar. Nos planos da nossa frente não se previam acções de combate nos Cárpatos.
Todavia, criou-se uma tal situação que a 1.ª Frente Ucraniana teve necessidade de
tomar medidas urgentes para prestar ajuda à insurreição armada do povo eslovaco,
iniciada a 29 de Agosto de 1944.»30
Desde o início que a luta de libertação na Eslováquia tinha duas linhas de classe, uma
restauracionista burguesa, que queria restaurar as antigas relações de poder e de
propriedade depois da expulsão dos fascistas alemães, e outra revolucionária e
democrática, que aliava a guerra de libertação nacional e antifascista à luta pela
eliminação do poder dos grandes latifundiários e da grande burguesia. Os
restauracionistas burgueses tinham os seus representantes políticos no governo de
Benes, no exílio em Londres, enquanto os democratas revolucionários contavam com o
Conselho Nacional Eslovaco, cujo Presidium, constituído segundo princípios paritários,
era composto por quatro membros do Partido Comunista da Eslováquia (PCEs) 31 e quatro
elementos de outros partidos.32
Logo da constituição do Presidium resultava que o Conselho Nacional também não era
politicamente homogéneo. Paralelamente ao objectivo comum de libertar o país dos
fascistas alemães, os seus membros representavam interesses sociais diferentes e até
mesmo antagónicos. O único ponto de união era o antifascismo.
O PCEs e o Conselho Nacional Eslovaco assumiram o objectivo de preparar a
insurreição armada mediante uma coordenação obrigatória das acções dos patriotas
eslovacos com o Exército Vermelho. O Estado-Maior do movimento de resistentes da
Ucrânia e a direcção do PCCh em Moscovo eram igualmente favoráveis em atribuir um
carácter de massas ao movimento eslovaco, com o amplo envolvimento de trabalhadores
e soldados nos destacamentos de guerrilheiros.33
O exército eslovaco dependia dos fascistas alemães, como determinava o «Tratado de
Protecção de Viena», de 18 de Março de 1939. A República Eslovaca, decretada por
Hitler, com o seu governo clerical-fascista de Tiso, era um Estado satélite do fascismo
alemão, como o texto do tratado abaixo citado demonstra inequivocamente:
30
I.S. Kóniev, Aufzeichnungen eines Frontoberbefehlshaber 1943/44 (Notas de um Coman-
dante-em-Chefe da Frente 1943/44), Moscovo, 1972/Berlim, 1978, p. 288. [Citações cotejadas
com o original em russo, Записки командующего фронтом, Moscovo, 1972, Naúka, p. 293. (N.
Ed.)]
31
Ge., II Weltkrieg, op. cit., tomo 8, p. 245. Em Maio de 1939 constituiu-se uma direcção clan-
destina do Partido Comunista da Eslováquia (PCEs). A unidade com o Partido Comunista da Che-
coslováquia (PCCh) manteve-se. Depois do assalto dos fascistas alemães à União Soviética, o cen-
tro do partido constituído em Moscovo conduzia o PCEs e o PCCh. O líder do PCCh era Clement
Gottwald. Em 1943, o centro foi transformado em representação no estrangeiro do PCCh.
32
Kóniev, idem, p. 291.
33
Idem, ibidem, p. 289.
9
acordaram, depois de o Estado eslovaco se ter colocado sob a protecção do Reich, em
regular, através de um tratado, as consequências daí resultantes. Com este objectivo, os
plenipotenciários abaixo assinados estipularam:
Artigo 1.º
O Reich assume a defesa da independência política do Estado eslovaco e a integridade
do seu território.
Artigo 2.º
Para cumprir com a defesa assumida pelo Reich, a Wehrmacht alemã tem o direito em
qualquer altura de construir instalações militares, numa zona delimitada a Ocidente pela
fronteira do Estado eslovaco e a Leste pela linha da orla leste dos Pequenos Cárpatos, orla
leste dos Cárpatos Brancos e orla leste da montanha de Javornik, e mantê-las ocupadas
com o número de forças que considerar necessárias. O Governo eslovaco disponibilizará à
Wehrmacht os terrenos necessários para estas instalações. Além disso, o Governo eslovaco
concordará com a regulamentação necessária ao abastecimento, isento de direitos
aduaneiros, das tropas alemãs e ao necessário fornecimento, isento de direitos aduaneiros,
das instalações militares.
Na zona referida no primeiro parágrafo, os direitos de soberania militares serão
exercidos pela Wehrmacht alemã. Pessoas de nacionalidade alemã, que em consequência de
uma relação contratual privada, participem na construção das instalações militares na
zona referida, dependem da jurisdição alemã.
Artigo 3.º
O Governo eslovaco organizará as suas forças militares em estreito acordo com a
Wehrmacht alemã.
Artigo 4.º
De acordo com a relação de protecção acordada, o Governo eslovaco conduzirá a sua
política externa em concertação permanente com o Governo alemão.
Artigo 5º
Este Tratado entra imediatamente em vigor com a sua assinatura e é válido por vinte e
cinco anos. Ambos os governos negociarão oportunamente a sua prorrogação antes da
expiração deste prazo.
Em fé do que os plenipotenciários abaixo-assinados apuseram as suas assinaturas neste
acordo em dois exemplares.
Berlim, 23 de Março de 1939 P’lo Governo Alemão:
Viena, 18 de Março de 1938 ass. Von Ribbentrop
P’lo Governo Eslovaco:
ass. Dr. Tiso, ass. Dr. Tuka
ass. Dr. Durcansky34
O corpo de oficiais do exército eslovaco também não era homogéneo. Enquanto alguns
generais e oficiais apoiavam a ditadura clerical fascista de Tiso, muitos outros eram
adversários dos alemães e dos conterrâneos fascistas. Entre eles, e sobretudo entre os
soldados, existiam partidários da União Soviética e simpatizantes do PCEs.
34
Texto em alemão segundo o jornal Voelkischer Beobachter, de 24 de Março de 1939. Citado
em Wolfgang Venohr, Aufstand fuer die Tschechoslowakei. Der slowakische Freiheitskampf von
1944 (Insurreição pela Checoslováquia. A luta de libertação eslovaca de 1944), Hamburgo, 1969,
p. 287 e seg.
10
A 24 de Junho de 1941, Tiso declarou num telegrama a Hitler «que o seu país se
encontrava em guerra com a URSS.»35 Mas a mobilização do exército eslovaco contra a
União Soviética revelou-se um enorme erro. Os oficiais e soldados desertavam,
juntavam-se aos guerrilheiros ou desapareciam com as armas nas florestas. Franz
Karmasin, «Líder dos Alemães» na Eslováquia, num telegrama para Himmler,
Reichsführer SS, de 19 de Agosto de 1944, afirmava que «o exército eslovaco está
desmoralizado em todos os aspectos. Desde a recusa de obediência para sair da
fronteira ou entrada em acção contra os guerrilheiros (relatório do sr. ministro do
Interior), passando por cantar canções bolcheviques, içar bandeiras vermelhas, colocar
inscrições em transportes como «Vamos ter com Stáline», colocar cravos vermelhos
nos uniformes e barretes, até deserções para os grupos de guerrilheiros.»36
Tiso viu-se obrigado a pedir a Hitler para transferir tropas eslovacas da Frente
Soviética para a Frente Ocidental, para as proteger da «perigosa influência do meio
russo».37
Desde a Primavera de 1944 que o movimento resistente tinha ganho força e influência
na Eslováquia. Em Setembro, depois do início da insurreição, formou-se um exército de
insurrectos nas regiões libertadas pela guerrilha. Este exército de sublevados era dirigido
por um centro militar. Em Setembro possuía ao todo seis grupos de Infantaria. Cada um
deles tinha dois destacamentos compostos por um a dois regimentos com 1500 a 2500
homens. Em meados de Setembro, o exército era constituído por cerca de 60 mil homens.
No entanto, este exército não tinha suficiente capacidade de combate. Os comandantes
tinham fraca preparação militar, e alguns deles, particularmente os oriundos de partidos
burgueses, eram instáveis e vacilavam. As unidades de guerrilheiros, com cerca de 16 mil
homens, eram a maior força armada da insurreição. O seu Estado-Maior foi reforçado
com oficiais experientes do movimento guerrilheiro da Ucrânia. Prisioneiros e
antifascistas dos países ocupados pelos alemães, que tinham conseguido fugir dos
campos fascistas, também integraram as unidades da resistência eslovaca. O Exército
Vermelho abastecia por via aérea estas unidades com armas, equipamento, alimentos e
medicamentos.38 Segundo Chtemenko, em 1944, o Governo soviético forneceu aos
insurrectos mais de dez mil espingardas, metralhadoras, carabinas e pistolas, cerca de
mil metralhadoras pesadas, centenas de lança-granadas antitanque e vários milhões de
munições. O QG enviou para a Eslováquia a 2.ª Brigada Especial Aerotransportada
Checoslovaca e o 1.º Esquadrão de Caças Checoslovaco, ambos formados na URSS, assim
como um grande número de instrutores e comandantes guerrilheiros. 39
A força do movimento de guerrilheiros também não passou despercebida ao Governo
de Benes, em Londres. O fim dos fascistas alemães estava à vista. O Governo de Benes
esperava que as tropas americanas libertassem o Ocidente da Checoslováquia, incluindo
Praga, das tropas fascistas, e se «antecipassem aos russos». Benes queria igualmente
antecipar-se a uma insurreição popular na Eslováquia e apostava nos generais e oficiais
do exército eslovaco, antifascistas mas dependentes da ideologia burguesa, esperando
que iniciassem uma sublevação sem a participação das massas populares, o que afastaria
35
W. Bleyer, K. Drechsler, G. Förster, G. Hass, Deutschland 1939-1945 (Alemanha 1939-1945),
Berlim, 1969, p. 162.
36
Venohr, ob. cit., p. 290.
37
Ge., II Weltkrieg (II Guerra Mundial), op. cit., t. 8, p. 246.
38
Kóniev, op. cit., p. 292.
39
Schtemenko, ob. cit., p. 309 e seg. [Ed. cit., p. 473. (N. Ed.)]
11
a possibilidade de uma insurreição popular. Já Carl von Clausewitz sabia que as guerras
populares, as sublevações populares, tinham dois lados, um político e um militar. Assim,
a guerra popular tem «os seus partidários e os seus adversários, estes últimos ou por
razões políticas – porque a consideram um meio revolucionário, um estado anárquico
considerado legal, tão perigoso para a ordem social interna como para os seus
inimigos externos – ou por razões militares, porque acreditam que o êxito não
corresponde à energia dispendida.»40
Embora Clausewitz, por precaução, não analise as «razões políticas» e só se pronuncie
sobre as militares, aqui interessam exactamente as políticas, que Clausewitz, já no seu
tempo, tinha muito bem analisado nas guerras populares em Espanha, na Rússia, assim
como nos movimentos populares na Prússia contra Napoleão. Os militares reformadores,
aos quais pertenciam Clausewitz e os Freikorps41 de Schill e Lützow, eram altamente
suspeitos para o rei prussiano Frederico Guilherme II. Guerras populares, insurreições
populares tinham maiores possibilidades de êxito quando se aliavam às acções de tropas
regulares próprias ou aliadas. Isto também era evidente para Benes. A insurreição do
exército eslovaco, ou seja das «tropas regulares», devia ser apoiada pelo Exército
Vermelho. Assim, o Governo Benes informou o Governo soviético sobre «uma possível
insurreição armada contra os ocupantes na Eslováquia», pedindo ajuda à URSS.42
Benes foi mais esperto do que o Governo polaco no exílio em Londres e a sua Delegação
na Polónia, que recusaram qualquer cooperação com o Exército Vermelho por um
estúpido anti-sovietismo, conduzindo a insurreição à derrota. Benes pertencia à ala
esquerda da burguesia checa e também não tinha esquecido o apoio do Governo soviético
à Checoslováquia no ano crítico de 1938, quando os governos britânicos e francês
entregaram o país a Hitler.
O Governo checoslovaco no exílio em Londres era aliado da União Soviética. Em 12 de
Dezembro de 1943, os governos da URSS e da República Checoslovaca assinaram um
acordo de amizade, ajuda mútua e cooperação para depois da guerra. O presidente Benes
esteve nessa altura em Moscovo para a assinatura do tratado.
Também houve negociações entre Benes e uma delegação do Bureau no exterior do
PCCh, sob a direcção de Klement Gottwald. Houve diferenças de opinião principalmente
sobre questões relativas ao pós-guerra, porém alcançou-se um acordo sobre questões
importantes da luta de libertação, pelo que o movimento antifascista na Checoslováquia
se ampliou e ganhou em influência.43
Paralelamente à sua representação diplomática, o Governo de Benes, como membro
da coligação anti-hitleriana, mantinha uma missão militar em Moscovo, sob a direcção
do general Píka.
Stáline ordenou que se comunicasse ao Governo checoslovaco no exílio em Londres a
decisão do Governo soviético de prestar ajuda ao povo checoslovaco. 44 E para cumprir
com a palavra dada, encarregou o Estado-Maior de elaborar um plano para concretizar a
40
Carl von Clausewitz, Vom Kriege (Da Guerra), edição comemorativa Janeiro de 2003, Muni-
que, 2003, p. 529.
41
O termo alemão Freikorps significa à letra «corpos livres» e designa os destacamentos de vo-
luntários recrutados inicialmente na Alemanha durante a vigência de Frederico II da Prússia
(1712-1786) e mais tarde nas guerras napoleónicas. (N. Ed.)
42
Schtemenko, op. cit., p. 283.
43
Ge., II Weltkrieg (II Guerra Mundial), op. cit., t. 8, p. 247 e seg.
44
Schtemenko, op. cit., p. 285. [Ed. cit., p. 457. (N. Ed.)]
12
ajuda soviética. No Estado-Maior procurou-se corresponder aos desejos dos generais de
Benes, mas, diz Chtemenko, estes não tinham correspondência com as possibilidades
reais.45
Os generais eslovacos pretendiam utilizar exclusivamente o exército eslovaco para a
insurreição armada. As massas populares não deviam ser chamadas ao combate contra os
fascistas, pelo contrário, a sublevação do exército devia antecipar-se a uma insurreição
popular. As tropas checoslovacas constituídas na União Soviética, apesar de terem lutado
contra o exército alemão ao lado do Exército Vermelho e possuírem experiência de
combate, também não eram referidas no plano dos generais de Benes. Com o acordo do
governo de Benes, iniciara-se, já a 10 de Abril de 1944, a constituição do 1.º Corpo do
Exército Checoslovaco. Uma brigada do Corpo era comandada pelo coronel Ludvík
Svoboda, mais tarde general do Exército, ministro da Defesa e presidente da República
Socialista da Checoslováquia de 1968 a 1975. Os generais de Benes não conseguiram
ultrapassar as peias das classes burguesas a que pertenciam.
O plano dos generais eslovacos previa uma defesa contra as tropas alemãs nos passos
do Norte, em Tatra, ao longo da fronteira com a Polónia. No lado ocidental apoiavam-se
nas cumeadas e nos rios Vah e Hron. A região aberta para Sul, na fronteira húngara,
devia ser defendida com o apoio de bombardeamentos das forças aéreas americana e
britânica. Segundo o Estado-Maior General soviético, este plano era completamente
irreal devido à correlação de forças existente. Como assinalaram Chtemenko e o general
Antónov, mesmo o desembarque de duas divisões de Infantaria soviéticas não alteraria a
situação.
O desembarque aéreo de duas divisões soviéticas – mesmo sem artilharia e serviços de
apoio – era uma tarefa difícil, porque o Estado-Maior General só podia disponibilizar 170
aviões de transporte, cada um dos quais com capacidade para 20 homens com
equipamento. Também não estava assegurado o combustível necessário para o
reabastecimento dos aparelhos na viagem de regresso.
Os generais eslovacos não podiam compreender – também pela pouca experiência de
combate – que as tropas soviéticas não tinham condições de entrar nos Cárpatos nessa
altura. Uma poderosa defesa alemã controlava os acessos e passos na zona oriental. Os
alemães, nesta região, nada ficavam a dever aos soviéticos, quer em número, quer em
equipamento. Chtemenko e o general Grizlov, que tinham sido incumbidos de elaborar o
plano de apoio à insurreição prevista pelos generais eslovacos, propuseram «encarar a
situação eslovaca apenas enquanto possibilidade de criação de uma grande testa-de-
ponte para um combate activo de guerrilha no território da Eslováquia.» No entanto,
admitindo que «por considerações políticas» a proposta dos checos seria aprovada e que
o Exército Vermelho seria chamado a ajudar a Eslováquia, antes de estar preparada a
ofensiva através dos Cárpatos, Antónov recomendou que, nesse caso, fossem
desembarcadas duas brigadas de pára-quedistas na Eslováquia, uma soviética e outra
checoslovaca, e enviadas armas e outros equipamentos necessários à insurreição.
Chtemenko e Antónov chamaram também a atenção para que tal «não será possível sem
grandes baixas.»46
Em Agosto de 1944, a resistência contra o fascismo tinha-se reforçado sob a direcção
do Conselho Nacional. A guerra de guerrilha transformava-se gradualmente numa
insurreição popular.
45
Idem, ibidem, p. 286.
46
Idem, ibidem. [Ed. cit., p. 458. (N. Ed.)]
13
O chefe da Missão Militar checoslovaca em Moscovo, general Píka, sublinhou várias
vezes que as acções das tropas eslovacas só seriam concebíveis «sob o comando
checoslovaco no exílio». Segundo Benes, a libertação da Eslováquia era «tarefa exclusiva
do Exército.»47 Tinha-se atribuído ao Exército Vermelho o papel de coadjuvante do
exército eslovaco. Em nome do Ministério da Defesa checoslovaco em Londres, o general
Píka insistia sobre as «datas das acções» conjuntas do Exército Vermelho e das divisões
eslovacas. Chtemenko supôs, não sem fundamento, que o governo londrino queria
«averiguar as intenções do Comando Supremo soviético».48
No final do Verão apareceu em cena o general Catlos, ministro da Defesa do Governo
de Tiso. Perante a previsível derrocada da Alemanha fascista, Catlos tinha os seus
próprios planos. Planeava instaurar uma ditadura militar na Eslováquia sob a sua
direcção.
Com este objectivo queria estabelecer relações separadas com a União Soviética e
propôs ao governo soviético uma «acção comum contra os alemães». Enquanto
separatista eslovaco, recusou reconhecer o Governo Benes em Londres e justificou os
seus planos no «Memorandum Catlos», um documento que faz parte da história da
Checoslováquia e que nessa época causou grande polémica. 49
Esta assinalável iniciativa de Catlos não foi bem recebida pelo Governo de Benes. O
general Píka informou o Estado-Maior General soviético sobre a intenção de Catlos de se
deslocar de avião à União Soviética. Píka achava que o lado soviético devia utilizar a
autoridade de Catlos para a insurreição do exército eslovaco, mas depois devia livrar-se
dele.
O CC do PC da Eslováquia e o Conselho Nacional Eslovaco conseguiram enviar uma
delegação no avião de Catlos. Stáline autorizou a entrada do avião, que levantou voo a 4
de Agosto e aterrou na região de Lvov. O Quartel-General recebeu amplas informações
dos camaradas do PCEs e dos representantes do Conselho Nacional sobre o
amadurecimento da insurreição popular na Eslováquia. Tornou-se claro por que razão o
Governo de Benes em Londres pretendia realizar a libertação da Eslováquia unicamente
por via do exército e sem a participação das forças da resistência. 50
Neste Agosto efervescente apareceu em cena um outro oficial eslovaco, o tenente-
coronel Ján Golian, chefe do Estado-Maior das forças terrestres eslovacas.
Golian trabalhava em cooperação com o Conselho Nacional, mas também estava por
dentro dos planos de Catlos. Golian comunicou aos soviéticos que os oficiais eslovacos,
na sua maioria, tinham uma orientação antigermânica e pró-soviética e que «cumprirão
as ordens dos dirigentes da insurreição». Ele contava com o apoio de Catlos para
eliminar os elementos fascistas, de modo a que a insurreição e a intervenção das tropas
soviéticas se processasse sem resistência. Afirmava que podiam entrar «subitamente e
sem a menor resistência tantas tropas do Exército Vermelho no Leste da Eslováquia,
quanto fosse possível numa noite, antes que o Comando Supremo alemão e húngaro
dessem por isso».51
Como Chtemenko notou, as previsões de Golian eram muito ingénuas. Também não
houve uma palavra de Golian sobre o envolvimento do povo na insurreição. Golian, que
47
Idem, ibidem, p. 289 e seg.
48
Idem, ibidem, p. 290.
49
Cf., Venohr, op. cit., pp. 119-121.
50
Schtemenko, op. cit., p. 290 e seg.
51
Idem, ibidem, p. 291.
14
tinha assumido, em 29 de Junho, a direcção do centro militar junto do Conselho
Nacional Eslovaco, deixou claro quais eram as suas intenções numa mensagem ao
Governo de Benes em Londres, a 15 de Junho: «Não nos queremos passar para os
russos. Se cooperamos com eles é porque queremos, acima de tudo, libertar a
Eslováquia.»52
As tropas soviéticas ainda se encontravam a 50-60 quilómetros dos passos dos
Cárpatos. Os passos eram o problema! Não havia nenhuma outra possibilidade real de
ajudar os eslovacos sem derrotar os nazis nos passos. O comando supremo alemão tinha
constituído uma poderosa linha defensiva na chamada linha de Arpad, a divisória
hidrográfica, nas costas dos Cárpatos, aproveitando o relevo natural, cumes,
desfiladeiros, rios.
A ideia de as tropas eslovacas atacarem os passos pelo Ocidente e as soviéticas pelo
Oriente, e ultrapassá-los numa noite (esperando que as tropas alemãs dormissem?...),
demonstra um conhecimento insuficiente da situação militar concreta e da correlação de
forças nos Cárpatos e pouca experiência de combate. Ou haveria especulação política por
trás?
O Comando Supremo fascista tinha-se naturalmente apercebido do amadurecimento
da insurreição e preparou-se militarmente. No final de Agosto, três divisões SS ocuparam
a Eslováquia. O Estado-Maior General soviético obteve do general Píka a informação de
que o Governo de Benes tinha apelado «à insurreição armada da população e das
tropas da Eslováquia».53 Compreendendo que não poderia impedir a insurreição
popular, o Governo Benes queria agora colocar-se na vanguarda, para a dirigir num
direcção inofensiva no que toca às relações de poder e propriedade capitalistas.
A 31 de Agosto, a missão militar checoslovaca informou o Comando Supremo soviético
de «que as divisões eslovacas controlam as passagens através do maciço principal dos
Cárpatos e se preparam para agir ao encontro do Exército Vermelho. O ataque
surpresa na retaguarda da defesa inimiga, que se interpunha às tropas de Kóniev
[comandante-em-chefe da 1.ª Frente Ucraniana, U.H] e de Petrov [comandante-em-
chefe da 4.ª Frente Ucraniana, U.H.], podia ser uma condição decisiva para o êxito
comum.»54
Com base nesta informação, Stáline ordenou ao Estado-Maior General que ajudasse os
insurrectos. Estavam previstas operações ofensivas das tropas soviéticas. Stáline exigiu
telefonicamente ao marechal Kóniev «que o informasse com brevidade da sua opinião
sobre a ajuda à insurreição eslovaca pelas forças da 1.ª Frente Ucraniana.»55
No dia seguinte, a 1 de Setembro, o QG recebeu notícias completamente diferentes. Os
insurrectos encontravam-se envolvidos em «duros combates» com tropas alemãs
ofensivas. Com toda a probabilidade os passos dos Cárpatos continuariam inacessíveis às
tropas soviéticas.
Naquelas circunstâncias, os soldados soviéticos tinham pela frente «combates ferozes
por cada metro de caminho no maciço dos Cárpatos, sobretudo nas passagens». E na
própria Eslováquia os combates «não seriam menos árduos» até que as tropas soviéticas
se pudessem juntar aos insurrectos. 56 Sobre os ferozes combates nos Cárpatos, travados
52
Kóniev, op. cit., p. 290.
53
Schtemenko, op. cit., p. 293.
54
Idem, ibidem, p. 294.
55
Idem, ibidem.
56
Idem, ibidem.
15
com muitas baixas, existe uma rica bibliografia deixada pelo major-general Moskalenko,
comandante-em-chefe da 1.ª Frente Ucraniana, e pelo major-general Gretchko,
comandante-em-chefe do 1.º Exército da Guarda da 4.ª Frente Ucraniana. 57
A ajuda aos insurrectos poderia ter sido mais rápida se as tropas soviéticas, o exército
insurrecto e a guerrilha não tivessem sido colocados, mais do que uma vez, em situações
precárias devido a traições dos oficiais burgueses e pró-fascistas eslovacos. A
manutenção da ordem social capitalista (que não foi questionada pelas tropas soviéticas,
sendo considerada assunto interno dos checos e dos eslovacos!) era prioritária para eles,
em detrimento da libertação do país dos ocupantes fascistas e das suas marionetas da
ditadura de Tiso.
Como o marechal Kóniev relata, só a 31 de Agosto recebeu da unidade de guerrilha de
A.A. Martinov e de oficiais do exército eslovaco a informação de que «grupos de
insurrectos e unidades de guerrilha tinham iniciado acções armadas na Eslováquia».
A 1 de Setembro, Kóniev recebeu o recém-chegado de avião coronel V. Talsky, adjunto
do comandante do Corpo Oriental Eslovaco, que se apresentou como «representante do
Corpo Eslovaco Oriental do Exército insurrecto».58
Kóniev informou imediatamente Stáline e propôs-lhe a preparação de uma operação
de auxílio aos insurrectos. Stáline concordou e pediu que lhe comunicasse o plano. A 2 de
Setembro, Kóniev enviou ao QG o seguinte relatório:
«Hoje, 01.09.1944, veio ter comigo o coronel Vilian Talsky do Estado-Maior General
do Exército eslovaco, adjunto do comandante do grupo de exércitos do Exército
Eslovaco (1.ª e 2.ª divisões), e declarou que, devido à ocupação alemã da Eslováquia,
viajara para receber instruções da minha parte sobre a futura linha de actuação das
tropas eslovacas. Durante a conversa, o coronel Talsky considerou que, no caso de uma
ofensiva das nossas tropas para Ocidente, a 1.ª e 2.ª divisões eslovacas (…) podiam
atacar na direcção de Krosno, para se juntarem ao Exército Vermelho. O coronel
Talsky considera que a 1.ª Divisão, sob comando do coronel Markus, cumprirá as suas
ordens. No entanto, não deposita particular confiança no comandante da 2.ª Divisão.
O coronel Talsky declarou ainda que caso as nossas tropas por qualquer motivo não
possam passar à ofensiva, será conveniente que a 1.ª e 2.ª Divisões passem a acções de
guerrilha.
Juntamente com Talsky, em 30.08.1944 aterrou no nosso território um grupo de 27
aviões, sob comando do major Trinka. Entre os aparelhos existem nove aviões Focke-
Wulf FW-189 e ME 109 B, os restantes são aviões de transporte.
Na região de Krosno, a nossa Frente encontra-se a 30-40 quilómetros da fronteira
eslovaca. Para nos juntarmos às unidades eslovacas e ao movimento guerrilheiro da
Eslováquia, (…) seria conveniente realizar uma operação conjunta do flanco esquerdo
da 1.ª Frente Ucraniana e do flanco direito da 4.ª Frente Ucraniana de modo a
penetrar no território eslovaco na região Stropkov-Medzilaborce.
Para a operação, a 1.ª Frente Ucraniana pode destinar quatro divisões de Infantaria
do 38.º Exército e o 1.º Corpo de Cavalaria. Direcção do golpe: Krosno-Dukla-Tylava.
Nesta direcção será desejável envolver o 1.º Corpo Checoslovaco.
A operação pode iniciar-se dentro de sete dias.
57
Cf. Kóniev, op. cit., pp. 287-347; K.S. Moskalenko, In der Südwestrichtung 1943-45 (Na di-
recção sudoeste 1943-45), vol. II, Moscovo 1975/Berlim 1979, pp. 418-507; A.A. Gretschko, Über
die Karpaten (Através dos Cárpatos), Moscovo 1970/Berlim 1972, pp. 165-261.
58
Kóniev, op. cit., p. 297. [Ed. cit., pp. 300-301. (N. Ed.)]
16
Solicito as suas instruções sobre este assunto.
Peço permissão para enviar o coronel Vilian Talsky para Moscovo. Pessoalmente
não dei quaisquer instruções ao coronel Talsky.
Kóniev, Krainiukov, Sokolovski»59
Entre os dias 2 e 3 de Setembro, o QG e Kóniev prepararam os planos da ofensiva para
o 38.º Exército (Moskalenko) e o 1.º Exército da Guarda (Gretchko). A operação foi
marcada para 8 de Setembro. 60
Houve divergências entre Stáline e Kóniev sobre a operação dos Cárpatos e a fixação
das respectivas datas. Por ordem de Stáline, as tropas da 1.ª Frente Ucraniana deviam
realizar «um ataque a partir da região Krosno-Sanok na direcção de Presov», para
«alcançar a fronteira eslovaca e juntar-se às tropas eslovacas».61
Retrospectivamente, Chtemenko assinala que a directiva dada por ordem de Stáline
apenas à 1.ª Frente Ucraniana podia colocar as tropas numa situação difícil, já que, à
medida que avançassem o seu flanco sul ficaria desguarnecido. Isto podia ser aproveitado
pelo adversário para um perigoso ataque. Esta directiva «constituía uma clara infracção
às regras estabelecidas no nosso exército sobre a protecção das linhas da frente e dos
flancos.» Ao receber a directiva, Kóniev telefonou de imediato a Antónov criticando a
«pouca perspicácia». Antónov explicou-lhe que se tratava de uma ordem de Stáline.
Kóniev decidiu então acrescentar uma «nota diplomática» no seu relatório sobre o plano
da operação dos Cárpatos, na qual sublinhava ser necessário «incorporar também na
operação pelo menos quatro divisões do flanco direito da 4.ª Frente Ucraniana da
região de Sanok ou colocar à minha disposição quatro divisões de infantaria da 4.ª
Frente Ucraniana». Stáline concordou.
Stáline pressionava. Estava insatisfeito com as datas marcadas por Kóniev, como
assinalou Moskalenko, comandante-em-chefe do 38.º Exército, que foi testemunha de
um telefonema entre Kóniev e Stáline.62 Por fim, a proposta de Kóniev prevaleceu.
Tais divergências resultavam das diferentes responsabilidades que competiam ao
Comandante Supremo e aos comandantes-em-chefe das frentes. Kóniev era responsável
pelas tropas da sua frente – uma só frente! – pelas vitórias, derrotas e baixas. Para
Kóniev, o factor militar tinha prioridade sobre o político. Stáline tinha a responsabilidade
pelo conjunto das frentes, pela vitória ou derrota da União Soviética na guerra, isto é,
pelo destino da União Soviética. Stáline era antes de mais chefe de Estado, tinha
compromissos internacionais com os parceiros de coligação anti-hitleriana e –
justamente na fase final da guerra – tinha de ter em conta os interesses da segurança do
país na organização do pós-guerra, já que a estratégia de classe dos aliados ocidentais era
determinada crescentemente pela divisa: «Deixar os russos de fora – não os deixar
entrar na Europa – chegar primeiro que os russos!»
Eram principalmente motivos políticos que levavam Stáline a pressionar, o que em
alguns casos conduzia a decisões militares que não correspondiam à situação. Os
comandantes-em-chefe das frentes e das Forças Armadas, os generais e o Estado-Maior
General compreendiam bem, enquanto comunistas, a necessidade política de ajudar o
mais rapidamente possível os insurrectos na Eslováquia. O marechal Kóniev também o
compreendia. Percebiam tão bem como Stáline os jogos de intrigas, cujas consequências
59
Idem, ibidem, p. 297 e seg. [Ed. cit., pp. 301-302. (N. Ed.)]
60
Idem, ibidem, pp. 299-306, Schtemenko, op. cit., pp. 294-299.
61
Idem, ibidem, p. 295 e seg.
62
Idem, ibidem, p. 296, Moskalenko, op. cit., p. 422 e seg. [Ed. cit., p. 433. (N. Ed.)]
17
se tinham feito sentir nas frentes durante os anos de guerra, mas cada um tinha de
responder pela sua área.
Todos, quer o QG quer o comandante-em-chefe da 1.ª Frente Ucraniana ou o
comandante-em-chefe do Exército da 4.ª Frente Ucraniana, estavam conscientes de que
um ataque frontal nos Cárpatos era uma operação difícil que provocaria muitas baixas. A
correlação de forças nesta região entre as tropas soviéticas e alemãs era equivalente;
parcialmente as unidades alemãs eram superiores às soviéticas. Porém não havia outro
caminho para ajudar os insurrectos na Eslováquia senão romper a defesa inimiga e
conquistar os passos. A 8 de Setembro iniciou-se o ataque do 38.º Exército sob o
comando de Moskalenko. Seguiu-se, a 9 de Setembro, o ataque do 1.º Exército da Guarda
sob o comando de Gretchko.
Stáline, Kóniev, o QG, os comandantes-em-chefe do exército, Moskalenko e Gretchko
ainda não sabiam, nesta altura, que ambas as divisões eslovacas que deviam atacar pelo
Ocidente as posições dos alemães nos passos, já estavam desarmadas. Houvera traição. O
comandante do corpo eslovaco, general Malár, tinha traído. Informara o comando
fascista dos planos de tomada dos passos nos Cárpatos e desertara para o campo alemão.
Malár era um dos homens de confiança de Catlos.
Abandonadas pelo comando, as tropas não ofereceram grande resistência e
depuseram as armas. Apenas algumas unidades passaram à luta de guerrilha.
Em consequência, «o comando alemão pôde colocar grandes forças nas direcções
importantes, garantir o controlo dos passos e total liberdade de manobra a partir da
retaguarda».63 Os soldados soviéticos e os patriotas eslovacos pagaram com o seu sangue
esta vil traição.
Sem dúvida que as esperanças que o Governo de Benes tinha depositado no exército
eslovaco se tinham esfumado. Mas o que era isso perante as vítimas causadas entre os
soldados soviéticos e insurrectos eslovacos.
O grupo traidor de Malár conseguira duas coisas: primeiro, isolou a insurreição
nacional eslovaca e entregou os insurrectos às divisões SS; segundo, infligiu baixas
suplementares às tropas soviéticas no ataque frontal nos Cárpatos, que retardaram o seu
avanço, dando às tropas fascistas a possibilidade de reforçar a sua linha de defesa na
Eslováquia.
63
Schtemenko, op. cit., p. 300. [Ed. cit., p. 466. (N. Ed.)]
18
Plano para derrotar o inimigo nos Cárpatos
19
jurídica da destituição de Kratochvil e da nomeação de Svoboda, porque se «trata do
comandante das tropas de um outro país, apesar de ser um nosso aliado».64
Depois de árduos combates, a 6 de Outubro de 1944, as tropas do general Svoboda,
juntamente com o 67.º Corpo de Infantaria do Exército Vermelho, tomaram de assalto o
passo de Dukla. Foi aqui que os soldados checoslovacos voltaram a pisar a sua terra e
iniciaram a libertação da sua pátria.65
Stáline atribuía «grande importância política» ao Corpo Checoslovaco. Repetiu várias
vezes nas reuniões no QG que não se devia lançá-lo «contra tropas inimigas experientes
e bem armadas, prevendo que nestes casos sofreria pesadas baixas.»
Paradoxalmente, Benes, em vez de reconhecer o mérito de Ludvik Svoboda pela
tomada do passo Dukla, responsabilizou-o injustamente pelas elevadas baixas sofridas
pelo corpo. Isto apesar de Benes, enquanto presidente, estar devidamente informado
sobre as difíceis condições da ofensiva nos Cárpatos. Afinal até tinha uma Missão Militar
em Moscovo. Nesta campanha contra Svoboda participaram o ministro da Defesa do
Governo de Benes, S. Ingr, assim como algumas personalidades civis em funções
militares, incluindo o destituído general Kratochvil.
Londres deu instruções ao general Píka para dissolver o Corpo Checoslovaco, por
alegada «falta de reservas», e enviou um telegrama ao general Svoboda no mesmo
sentido.
O Corpo deveria ser dividido em três ou quatro batalhões de infantaria, perdendo-se o
regimento de artilharia e a brigada blindada. Na prática, a unidade seria desmantelada.
Porém, as intenções do Governo de Benes não tiveram apoio nem no QG nem no
Corpo Checoslovaco. O Corpo podia ser completado com voluntários, depois da
libertação dos Cárpatos ucranianos, onde havia muitos habitantes de nacionalidade
eslovaca.
O QG concordou com a proposta do Conselho de Militar da 1.ª Frente Ucraniana de
manter o Corpo, completar o seu efectivo e reforçá-lo com armas e técnica das reservas
soviéticas.66 Assim, as «razões» apresentadas pelo Governo Benes para a sua dissolução
ficavam sem efeito.
A intenção do Governo Benes de dissolver o Corpo baseava-se exclusivamente em
conjecturas políticas. Na sua perspectiva burguesa de classe, Benes compreendera que o
Corpo podia constituir o núcleo de um futuro exército popular checoslovaco, o qual não
poderia ser utilizado como órgão de repressão do povo, na defesa dos interesses de classe
burgueses.
Durante todo o mês de Outubro de 1944, continuaram árduos combates nos Cárpatos.
Os combatentes da insurreição popular conseguiram resistir face à superioridade das
tropas fascistas alemãs até ao final do Outono. Apesar de a insurreição não ter podido
vencer por causa da acção irresponsável dos traidores eslovacos, os guerrilheiros
continuaram a combater depois da derrota.
Em honra da insurreição nacional eslovaca, dos corajosos guerrilheiros e soldados do
1.º Corpo Checoslovaco, assim como dos soldados soviéticos da 1.ª e 4.ª frentes
ucranianas, Chtemenko escreveu: «A insurreição do povo eslovaco prolongou-se até ao
final do Outono de 1944. Foi o acontecimento político e militar mais importante da luta
de libertação nacional checoslovaca. Cabe-lhe um lugar de honra na história do
64
Idem, ibidem, p. 303 e seg. e Kóniev, op. cit. p. 311.
65
Schtemenko, op. cit., p. 305. (Ed. cit., p. 470. (N. Ed.)]
66
Idem, ibidem, pp. 305-307.
20
movimento de resistência europeu. Nas horas mais difíceis, os insurrectos, em
particular os comunistas, encararam de frente o perigo e continuaram a luta difícil.
Sabiam que o Exército Vermelho viria em seu socorro e por isso resistiam até ao último
homem. Porém, os dias da insurreição estavam contados. Com a derrota do exército
eslovaco frente aos fascistas, perdeu-se irremediavelmente tempo precioso. O governo
Benes voltou a demonstrar a sua inconsistência, pela qual os heróicos insurrectos
tiveram de pagar com o seu sangue. Divisões SS cerraram os insurrectos num anel de
ferro e dizimaram cruelmente os antifascistas. Milhares de soldados soviéticos, que
vinham em socorro da Eslováquia e atacaram frontalmente os Cárpatos, caíram em
violentos combates. Passou ainda meio ano antes de os soldados soviético, com os seus
camaradas de armas do Corpo Checoslovaco, terminarem a sua vitoriosa campanha
libertadora na cidade de Praga que os acolheu entusiasticamente.»67
67
Idem, ibidem, p. 310.
21
de Tuka, na base da qual o Partido do Povo do regime incitou a nação eslovaca a lutar
contra o povo russo irmão e outros povos eslavos.
A partir de hoje, a nação eslovaca alia-se aos povos que, com a sua mobilização e
inúmeros sacrifícios, lutam por uma vida livre e democrática para todos os povos da
Terra e também para o nosso pequeno povo. Queremos contribuir com todos os meios
para o rápido fim desta luta de libertação.
Neste momento histórico comprometemo-nos a disponibilizar toda a ajuda moral e
material ao nosso exército eslovaco e aos guerrilheiros. Apelamos à luta armada de
todo o povo contra o nosso inimigo de sempre e os seus cúmplices nacionais, para que
todos os eslovacos possam construir a sua vida de acordo com a sua vontade numa
República Checoslovaca livre.
Viva a nossa justa causa!
Viva a República Checoslovaca!
A libertação de Viena
Viena e Berlim eram os objectivos principais das forças armadas soviéticas na fase
final da guerra. A definição destes objectivos resultou em primeiro lugar de razões
políticas. O significado político da tomada de ambas as capitais não era só evidente para
Stáline, mas também para Churchill e Roosevelt, apesar deste atribuir menos
importância em particular à tomada de Viena, para grande irritação de Churchill. Esta
questão era para ele «tão significativa» que se dirigiu pessoalmente a Roosevelt:
«É evidente que os exércitos Aliados no Norte e no Centro têm de marchar o mais
rapidamente possível na direcção do Elba, afastando todos os obstáculos e evitando
todos os desvios. Até aqui a nossa ofensiva tinha como objectivo Berlim. Agora, o
general Eisenhower, com base na sua avaliação da resistência inimiga, à qual eu
atribuo uma grande importância, quer transferir a direcção da ofensiva principal mais
para Sul, para apontar para Leipzig e até talvez mais para Sul, para Dresden. (…) Digo
com toda a franqueza que Berlim mantém a maior importância estratégica. Nada
exercerá tamanho efeito psicológico de desespero nas forças alemãs resistentes como a
queda de Berlim. Ela será o sinal supremo da derrota para o povo alemão. Por outro
lado, se se deixar que se mantenha o cerco dos russos, enquanto a bandeira alemã
drapejar sobre Berlim, tal incitará a resistência de todos os alemães armados.
Para além disto, há um outro aspecto, que eu e você devemos considerar. Os
exércitos russos invadirão sem dúvida toda a Áustria e entrarão em Viena. Se também
ocuparem Berlim, a impressão de que contribuíram de forma avassaladora para a
nossa vitória comum e não ficará indelevelmente gravada nas suas mentes, e não
poderá isto dar-lhes um ânimo que levantará perigosas e extraordinárias dificuldades
no futuro? Por conseguinte considero que, do ponto de vista político, devemos avançar
o mais longe possível para o Leste da Alemanha e, assim que Berlim estiver ao nosso
alcance, tomá-la seguramente. Isto também me parece fazer sentido do ponto de vista
militar.68
Depois das conversações entre Karl Wolff, coronel-general das SS, comandante das
tropas SS na Itália e o chefe dos serviços secretos norte-americanos Allen Dulles, em 8 de
68
Churchill, Der Zweite Weltkrieg, (A Segunda Guerra Mundial), versão em um só volume, op.
cit., p. 1042. [Ed. cit., p. 407. (N. Ed.)]
22
Março de 1945 em Zurique, Churchill deu a entender que seria desejável uma
«capitulação parcial» das tropas alemãs em Itália. Porém as condições não o permitiam.
Percebeu que «o Governo soviético podia suspeitar de uma rendição separada no Sul, a
qual permitiria aos nossos exércitos avançar com uma resistência reduzida até Viena e
mesmo até ao Elba ou Berlim.»69
Finalmente ainda lamentou postumamente o desprezo de Roosevelt pela sua
«variante dos Balcãs», mediante uma ofensiva no Norte de Itália, através da depressão
de Laibach, para chegar a Viena «antes dos russos», ao raciocinar: «A nossa
oportunidade de nos anteciparmos aos russos nesta antiga capital (…) alienámo-la há
cerca de oito meses, quando as forças de Alexandre (general comandante das Forças
Armadas aliadas em Itália, UH) foram desguarnecidas em nome do desembarque no Sul
da França.»70 Os russos ocuparam a cidade a 13 de Abril, depois de um ataque em forma
de tenaz do Leste e Sul.
No seu lamento, Churchill não considerou, com efeito, a capacidade de reacção do
Comando Supremo soviético às alterações nas frentes. O comando soviético tinha a
iniciativa na guerra contra a Alemanha fascista; a frente decisiva era a frente germano-
soviética e não a do Norte de Itália. Viena, porém, não só tinha um enorme significado
político, mas também estratégico-militar. Hitler planeara transformar o Sul da
Alemanha, a região Oeste da Checoslováquia e a Áustria na «fortaleza dos Alpes» e aí
esperar. Por quê? Pela desagregação da coligação anti-hitleriana – o «Milagre da Casa de
Brandeburgo».71 A forte resistência das tropas alemãs aos exércitos soviéticos na
Hungria, Áustria e Checoslováquia explica-se também por este plano política e
militarmente absurdo.
A ocupação de Viena tinha efectivamente uma importância chave.
Em 1945 existiam 600 fábricas de armamento na Áustria. A produção anual atingia
nove mil aviões, 17 mil motores, cerca de 850 tanques e veículos blindados, mais de mil
canhões, assim como uma quantidade considerável de outro material de guerra e
munições.
Cerca de um milhão e meio de austríacos alistaram-se na Wehrmacht ou foram nela
«integrados». A Áustria possuía 35 divisões, constituídas até 80 por cento por austríacos.
Destas, 17 operavam na frente germano-soviética.72
A maioria do povo austríaco estava sob a influência da propaganda fascista. O Partido
Comunista da Áustria (KPÖ) resistia com enormes sacrifícios aos fascistas alemães e
austríacos desde o primeiro dia da anexação. O Partido Social-Democrata da Áustria
(SPÖ) não aderiu à resistência antifascista. No seu conjunto, as forças antifascistas no
país eram demasiado fracas para oferecer uma resistência significativa em comparação
com outros países ocupados.
Chtemenko refere uma sublevação planeada por dois regimentos de Infantaria na
reserva e uma bateria de artilharia, aos quais alegadamente estariam dispostos a juntar-
69
Idem, ibidem, p. 1049. [Ed. cit., p. 387. (N. Ed.)]
70
Idem, ibidem, p. 1065. [Ed. cit., pp. 440-441. (N. Ed.)]
71
[O Milagre da Casa de Brandeburgo refere-se à salvação da Prússia na Guerra dos Sete Anos.
A morte súbita da tsarina Isabel I da Rússia levou ao poder Pedro III, que denunciou a aliança
com a Áustria e assinou, em 1762, uma paz separada com Frederico II, desistindo das conquistas
russas em território prussiano, a chamada Paz de São Petersburgo. (NT)]
72
M.M. Malachow: Die Befreiung Österreichs. In: Die Befreiungsmis-sion der Sowjetstreit-
kräfte im zweiten Weltkrieg. Unter der Redaktion und mit einem Vorwort von Marschall der
Sowjetunion A.A. Gretschko. Moscovo, 1971/Berlim, 1973, p. 343.
23
se 1200 soldados de outras divisões e cerca de 20 mil habitantes de Viena. O comandante
da sublevação era o major Szokoll. Tinha estabelecido contactos com o Estado-Maior da
3.ª Frente Ucraniana. O início da sublevação foi marcado para as 12.30 horas do dia 6 de
Abril, simultaneamente com o ataque do exército soviético a Viena. Mas o plano falhou.
Os fascistas descobriram, através de traidores, o grupo do major Szokoll. Muitos foram
presos e fuzilados ainda na manhã do dia 6. Assim, a planeada sublevação não se
concretizou.73
Para Stáline, a Áustria era um Estado anexado pelos fascistas alemães à revelia da lei
internacional. Não considerava a Áustria um Estado inimigo, apesar de saber que os
fascistas austríacos eram aliados dos fascistas alemães.
Ao contrário dos governos da França e da Grã-Bretanha, que aprovaram a anexação da
Áustria a 12 de Março de 1938, cedendo a Hitler os Estados dos Balcãs e a
Checoslováquia, propiciando-lhe uma vantajosa base estratégica para uma agressão
contra a União Soviética, o Governo soviético tinha condenado a anexação. A 17 de Março
propôs a todas as grandes potências a convocação de uma conferência internacional para
analisar a situação criada. Numa declaração oficial às potências ocidentais, sublinhou a
responsabilidade destas na manutenção da paz no mundo: «Amanhã pode ser já tarde
demais, porém hoje ainda é possível se todos os Estados, nomeadamente as grandes
potências, assumirem uma posição firme e inequívoca no que diz respeito ao problema
da salvação colectiva do mundo.»74
Com efeito, o Governo britânico, liderado pelo primeiro-ministro Chamberlain, tinha
assumido uma «posição inequívoca» de encorajamento de Hitler à agressão. Tenho de
deixar em aberto se o Governo soviético conhecia o conteúdo de uma conversa entre
Hitler e o MNE britânico, Halifax, de 17 de Novembro de 1937. O protocolo desta
conversa foi publicado pelo MNE em 1948. Nele lê-se claramente: «Halifax, em nome do
Governo britânico, propôs a Hitler uma espécie de aliança na base de um ”pacto a
quatro”, garantindo-lhe liberdade de acção na Europa Central e de Leste. Em
particular, Halifax declarou que “não se pode excluir qualquer possibilidade de
mudança da situação existente” na Europa, e precisou de seguida que “Danzig, a
Áustria e a Checoslováquia estão relacionadas com estas questões”.»75
A posição dos britânicos em relação à Áustria não se alterou mesmo depois do início
da guerra. Numa declaração de 9 de Novembro de 1940, Churchill, primeiro-ministro
desde Maio de 1940, deixou o destino da Áustria em aberto.
Em 1943, os esforços de Churchill apontavam para a restauração de uma monarquia
no Danúbio. Na conferência de ministros dos Negócios Estrangeiros dos EUA, Grã-
Bretanha e URSS em Moscovo (19-30 de Outubro de 1943), Mólotov recusou
categoricamente os planos de Churchill para a criação de diversas «Federações» ou
«Confederações». Depois de duras discussões, a delegação soviética conseguiu que fosse
adoptada a «Declaração sobre a Áustria», que determinou a libertação da Áustria do
domínio alemão. Nela se declarou que as três potências «desejam a restauração de uma
Áustria livre e independente».76
73
Schtemenko, vol. 2, op. cit., p. 317 e seg. [ed. cit., p. 479. (N. Ed.)]
74
Malachow, op. cit., p. 340.
75
I.M. Maiski, Memoiren eines sowjetischen Botschafters, (Memórias de um Embaixador So-
viético), Moscovo, 1964/Berlim, 1984, p. 408. [Ed. cit., p. 291. (N. Ed.)]
76
Ge.II.W’krieg (História da II Guerra Mundial), vol. 7, ob. cit., p. 401.
24
O Governo soviético manteve-se fiel a esta Declaração, enquanto Churchill procurou
sempre impor os seus «planos de Federação», apoiando-se nos círculos conservadores da
burguesia austríaca.
A questão do futuro da Áustria foi objecto de uma dura confrontação de classe dentro
e fora da coligação anti-hitleriana.
No seu discurso comemorativo do 26.º aniversário da Grande Revolução Socialista de
Outubro, a 6 de Novembro de 1943, Stáline pronunciou-se inequivocamente a favor da
libertação dos povos europeus dos ocupantes fascistas e dispôs-se a ajudá-los a
restabelecer os seus Estados nacionais. Os povos da França, Bélgica, Jugoslávia,
Checoslováquia, Polónia, Grécia e de outros Estados deviam «tornar-se de novo livres e
independentes». Aos povos libertados deve «dar-se pleno direito e liberdade de eles
próprios decidirem sobre o seu sistema estatal.»77
Em duros combates, as tropas da 2.ª e 3.ª frentes ucranianas avançaram desde a
região Norte de Balaton, na Hungria Ocidental, na direcção de Viena: a 3.ª Frente através
de Papa-Sopron-Wiener Neustadt-Viena; a 2.ª Frente, pelo Sul e Norte do Danúbio, na
direcção de Györ. A 4 de Abril, as tropas da 2.ª Frente libertaram Bratislava.
Em 5 de Abril, Viena ficou cercada pelas tropas da 2ª e 3ª frentes ucranianas. A 6 de
Abril iniciou-se o ataque. A 13 de Abril, a capital austríaca foi libertada dos ocupantes
fascistas.
Durante a fase de planeamento da Operação Viena, Stáline perguntou no QG: « Mas
onde está esse tal social-democrata Karl Renner, que foi discípulo de Kautsky? Durante
anos esteve na direcção da social-democracia austríaca e parece-me que foi presidente
do último parlamento austríaco (…) Não se deve menosprezar as forças influentes que
têm posições antifascistas (…). Decerto que a ditadura hitleriana também ensinou
alguma coisa aos sociais-democratas.»78
Renner não era nenhum desconhecido para Stáline. Foi quando esteve em Viena, em
1912-13, que Stáline escreveu «O marxismo e a questão nacional», artigo inicialmente
publicado na revista Prosvichenie (Instrução) sob o título «A questão nacional e a social-
democracia». Neste trabalho, Stáline polemiza com os destacados austromarxistas, Otto
Bauer e Karl Renner, nomeadamente com o artigo deste último «O problema nacional»,
escrito em 1909, no qual Renner define a nação como «comunidade cultural» e exige
autonomia para ela. Renner publicou este artigo sob o pseudónimo de Rudolf Springer e
por isso é citado no texto de Stáline como R. Springer. 79
Depois de Stáline se ter interessado pelo paradeiro de Renner, foram dadas instruções
à 3.ª Frente Ucraniana para o tentar localizar.
Em Junho de 1944, funcionários dirigentes do KPÖ tinham apelado à luta contra o
fascismo. Em Outubro de 1944, o QG recebeu informações sobre «combates locais mas
sérios» de guerrilheiros austríacos contra tropas alemãs. Na Jugoslávia formou-se o 1.º
Batalhão da Liberdade, com guerrilheiros austríacos e ex-prisioneiros, que participou em
duros combates contra os fascistas. No início de 1945 houve novos combates de
77
Stáline, Werke (Obras), Ed. 15, Verlag Roter Morgen, 2ª ed., Dortmund, 1976, p. 333. [«Dis-
curso na Sessão Solene do Soviete de Moscovo com organizações sociais e do partido da cidade de
Moscovo, 6 de Novembro de 1943», I.V. Stáline, Obras (em russo), t. 15, Pissátel, Moscovo, 1997,
pp. 172-173. (N. Ed.)]
78
Schtemenko, op. cit., p. 314. [Ed. cit., p. 476. (N. Ed.)]
79
Stáline, Marxismus e Nationale Frage («O marxismo e a questão nacional»), in SW 2/273,
288 e seg., 294 e seg.
25
guerrilheiros austríacos nos Alpes e formaram-se dois novos batalhões da liberdade.
Porém, o QG não dispunha de quaisquer informações sobre a luta de antifascista de
políticos burgueses austríacos.80
Entretanto, o próprio Renner apresentou-se ao Estado-Maior da 103.ª Divisão da
Guarda de Infantaria da 3.ª Frente Ucraniana e ofereceu-se para cooperar na formação
de um governo provisório austríaco durante o período da guerra, avisando desde logo que
excluía a participação de nazis no parlamento. Renner considerava que nove décimos da
população de Viena estavam contra os fascistas, mas devido às repressões fascistas e aos
bombardeamentos anglo-americanos «sentiam-se acossados e incapazes de acções
enérgicas». Por seu lado, a social-democracia não tinha tomado quaisquer medidas para
organizar a luta da população contra os fascistas. 81
Depois de recebida esta informação no QG, Stáline ditou o seguinte telegrama para o
Conselho de Militar da 3.ª Frente Ucraniana: «1) Manifestar confiança a Karl Renner;
2) Informá-lo de que o Comando das tropas soviéticas lhe prestará apoio a favor do
restabelecimento do regime democrático na Áustria; 3) Explicar a Renner que as
tropas soviéticas não entraram nas fronteiras da Áustria para ocupar o seu território,
mas para expulsar os ocupantes fascistas.»82
O QG decidiu ainda que o Comando da 3.ª Frente Ucraniana deveria apelar ao povo
vienense para que resistisse aos fascistas e os impedisse de destruir a cidade, e
transmitir, em nome do Governo soviético, uma declaração sobre o futuro da Áustria. O
texto afirma: «O Governo soviético não tem como objectivo apropriar-se de qualquer
parte do território austríaco ou mudar a ordem social da Áustria. O Governo soviético
partilha o ponto de vista da declaração de Moscovo dos aliados sobre a independência
da Áustria. Irá aplicar essa Declaração. Contribuirá para a liquidação do regime dos
ocupantes fascistas alemães e para o restabelecimento da ordem e instituições
democráticas na Áustria.»83
No apelo do marechal Tolbúkhine, comandante da 3.ª Frente Ucraniana, aos
habitantes de Viena, de 6 de Abril, afirma-se: «O Exército Vermelho não entrou nas
fronteiras da Áustria com o objectivo de ocupar o território austríaco, mas
exclusivamente com o objectivo de derrotar as tropas fascistas inimigas e libertar a
Áustria da dependência alemã (…) O Exército Vermelho luta contra o ocupante alemão
e não contra a população da Áustria, a qual pode dedicar-se calmamente ao seu
trabalho pacífico.»
O comandante anunciou de seguida que tinha chegado a hora da libertação de Viena.
Mas o inimigo em retirada queria transformar a capital da Áustria em campo de batalha,
ameaçando Viena e os seus habitantes com «enormes destruições e os horrores da
guerra». Em nome da preservação da capital da Áustria, dos seus monumentos
histórico-culturais, Tolbúkhine apelou aos vienenses para que não saíssem da sua cidade
e impedissem o inimigo de a destruir.
«Cidadãos de Viena! Ajudai o Exército Vermelho na libertação da capital da Áustria,
contribui com a vossa parte para a libertação da Áustria do jugo fascista.»84
80
Schtemenko, op. cit., p. 314.
81
Idem, ibidem, p. 315.
82
Idem, ibidem, p. 315 e seg.
83
Idem, ibidem, p. 316.
84
Idem, ibidem.
26
Após a libertação de Viena, Karl Renner empreendeu iniciativas concretas para a
formação do Governo provisório. Numa carta a Stáline, usa o vocativo de «camarada» e
lamenta não ter ainda conseguido «conhecê-lo pessoalmente, estimado camarada».
«O Exército Vermelho, durante a sua ofensiva, encontrou-me, a mim e à minha
família, no meu local de residência, Gloggnitz (perto de Wiener Neustadt), onde, pleno
de confiança, juntamente com os meus camaradas de partido, aguardava a sua
chegada. O comando local tratou-me com profundo respeito, colocou-me de imediato
sob a sua protecção e deu-me de novo completa liberdade de acção, da qual, com um
aperto no coração, fui forçado a abdicar durante o período do fascismo de Dollfuss e
Hitler. Por tudo isto, em meu nome pessoal e em nome da classe operária da Áustria,
agradeço sinceramente e com humildade ao Exército Vermelho e a Vós, glorioso
Comandante Supremo.
Quis o destino que eu fosse o primeiro dos membros do Comité Central do Partido
Social-Democrata, que permaneceram no país, a obter de novo liberdade de acção.
Além disso dá-se a circunstância feliz de que, enquanto último presidente da antiga
assembleia popular livre, posso considerar-me no direito de falar em nome do povo
austríaco. Outra vantagem minha consiste no facto de, como primeiro chanceler da
República da Áustria, me ter sido confiado o processo de reestruturação das bases do
Estado e organização da Administração Pública, e por isso sou merecedor de confiança
na iniciativa e condução do processo de despertar da Áustria (…)»
Sem a ajuda do Exército Vermelho não me teria sido possível dar um único passo.
Por isso, não só eu pessoalmente, mas toda a futura “Segunda República da Áustria” e a
sua classe operária ficar-lhe-ão agradecidos durante longos anos, a Vós, senhor
marechal, e ao vosso exército vitorioso.
O regime de Hitler condenou-nos à total impotência. E impotentes ficaremos às
portas das grandes potências quando se concretizar a reorganização da Europa. Peço-
vos já hoje a vossa benévola atenção para com a Áustria no Conselho dos Grandes e, na
medida em que as trágicas circunstâncias o permitam, que nos coloquem sobre a vossa
poderosa protecção. No presente momento estamos ameaçados pela fome e epidemias;
negociações com os nossos vizinhos ameaçam-nos com perdas de território. Nos
fragosos Alpes já hoje dispomos de muito pouca terra arável, que nos fornece apenas
um frugal sustento diário. Se ainda ficarmos privados de uma parte do nosso
território, não poderemos viver. (…)
«Os vencedores não podem ter a intenção de nos condenar a uma existência
indigente. No entanto, o Ocidente, como ficou demonstrado em 1919, revela insuficiente
interesse em nos garantir as condições da independência (…)
«Graças ao extraordinário florescimento do poderio da Rússia, o nosso povo
compreendeu totalmente a falsidade de duas décadas de propaganda nacional-
socialista e está maravilhado com os grandiosos êxitos da União Soviética. Em
particular está a criar-se uma confiança ilimitada da classe operária austríaca nas
Repúblicas Soviéticas. Os sociais-democratas austríacos chegarão fraternalmente a um
acordo com o Partido Comunista e trabalharão em conjunto, com igualdade de direitos,
para a restauração da República.»
Na resposta de Stáline afirmava-se: «Agradeço-lhe, muito respeitado camarada, a
sua missiva de 15 de Abril. Pode estar certo de que as suas preocupações sobre a
independência, integridade e prosperidade da Áustria constituem também uma
preocupação minha.» Stáline prometeu prestar à Áustria «toda a ajuda na medida das
forças e possibilidades».
27
Stáline cumpriu a sua palavra e apoiou a Áustria material e politicamente. Por
instrução sua, a administração militar soviética ajudou na construção da administração
civil de Viena. O QG deu instruções ao marechal Tolbúkhine para apoiar um acordo entre
«personalidades prestigiadas austríacas sobre as candidaturas» para a Câmara
Municipal de Viena. Foi assim que se encontrou um amplo consenso em torno do antigo
general Körner, também social-democrata e antifascista, libertado pelas tropas soviéticas
das prisões fascistas. Em colaboração com a administração austríaca, Körner foi eleito
presidente da Câmara de Viena e trabalhou em estreita ligação com o comandante militar
soviético de Viena, o general Blagodatov. 85
O comando militar soviético apoiou de diferentes formas a administração austríaca a
reconstruir a vida civil.
Com a ajuda soviética foram reconstruídas as pontes Norte-Oeste e Sul sobre o
Danúbio, perto de Viena, muito importantes para a circulação. A flotilha soviética
desminou a parte austríaca do Danúbio, içou 128 navios naufragados e reparou 30 por
cento dos guindastes nos portos e outros equipamentos no Danúbio.
Os soviéticos reconstruíram 1719 quilómetros de linhas-férreas, 45 pontes ferroviárias
e 27 depósitos de locomotivas, e ajudaram os ferroviários austríacos na reparação de 300
carruagens de passageiros e cerca de 10 mil vagões de mercadorias. Repararam a rede de
água e equipamentos fabris, reanimaram os transportes públicos ferroviários,
construíram hospitais e escolas.
Apesar de a população soviética, devido à destruição causada pela guerra, ter ela
própria necessidade de bens alimentares, e em parte ter de sobreviver com rações frugais,
a 3.ª Frente Ucraniana, por instrução do Governo soviético, partilhou as suas próprias
reservas com a população vienense. Entre o final dos combates e 1 de Maio, foram
fornecidas sete mil toneladas de cereais, 500 toneladas de milho, mil toneladas de feijão,
mil toneladas de ervilhas, 200 toneladas de óleo vegetal, 300 toneladas de manteiga, 200
toneladas de açúcar, 200 toneladas de sal, 100 toneladas de sumo de fruta e outros
produtos.
A 23 de Maio, o Comité de Defesa do Estado aprovou o fornecimento de mais bens
alimentares à população vienense. Cada habitante recebeu uma ração diária de 300
gramas de pão, 50 gramas de cevadinha, 30 gramas de carne, 10 gramas de gordura, e 20
gramas de açúcar. Mensalmente recebia 50 gramas de café e 400 gramas de sal.
Durante os primeiros cinco meses após a libertação da Áustria, a população de Viena
foi exclusivamente fornecida com bens alimentares provenientes das reservas do Exército
Vermelho. Durante os primeiros anos do pós-guerra a URSS forneceu à Áustria 67 585
toneladas de farinha, 16 375 toneladas de cevadinha, 5436 toneladas de açúcar, 33 162
toneladas de batatas, 7683 toneladas de carne, 1937 toneladas de gordura e 434
toneladas de café. A ajuda alimentar cifrou-se num total de 132 612 toneladas. 86
Aos olhos de hoje, nas condições de vida actuais nos Estados capitalistas
desenvolvidos, pode parecer que estes fornecimentos foram diminutos. Mas em 1945, na
fase final da guerra e imediatamente a seguir ao fim dos combates, depois da política de
«terra queimada» praticada pelos fascistas na sua retirada das regiões ocidentais da
URSS até ao Cáucaso, no Volga e na Carélia, depois de enormes baixas, estes
fornecimentos foram prova da grande generosidade dos povos da União Soviética, que
ainda durante muito tempo depois da guerra tiveram de abdicar de bens vitais. A ajuda
85
Idem, ibidem, p. 325.
86
Malachow, op. cit., p. 353.
28
da União Soviética correspondia aos princípios do internacionalismo proletário. Karl
Renner reconheceu nessa altura «que sem a ajuda contínua disponibilizada pelo
Comando Supremo do Exército Vermelho, não teria sido possível ultrapassar as
dificuldades.»87
Apesar de em questões centrais, Renner, enquanto velho teórico e político social-
democrata, defender posições diferentes das do Governo soviético e de Stáline, não se
deve duvidar da correcção destas palavras. Renner não pertencia aos anticomunistas
ferrenhos e possivelmente, como disse Stáline, «decerto que a ditadura de Hitleriana
também ensinou alguma coisa aos sociais-democratas».
Mas havia outra coisa. A sociedade austríaca era uma sociedade de classes e nos
círculos burgueses ter-se-ia visto com melhores olhos se tivessem sido libertados pelos
americanos e britânicos, para assegurar as antigas relações de poder e de propriedade.
No Governo provisório formado por Renner também havia comunistas, o que não
agradava aos políticos conservadores no Governo. O MNE austríaco, Gruber, pertencia
pelos vistos a estes políticos conservadores. Queixou-se pelo facto de ter de a
administração militar soviética ter aumentado os salários ao pessoal das empresas da
sociedade de navegação do Danúbio entre 10 a 15 por cento, de lhe ter vendido pacotes de
bens alimentares e contratado novos trabalhadores nos estaleiros em Klosterburgo «por
salários demasiado altos».
O representante político da URSS na Áustria, E. Kisseliov, respondeu educadamente,
mas com firmeza: «Relativamente ao seu requerimento sobre a decisão da
administração militar soviética de estabelecer normas superiores de bens alimentares e
aumentado o salário de uma parte dos operários e funcionários, informo-o de que o
comando soviético não podia, no interesse da rápida reconstrução destas empresas e
do normal recomeço da sua actividade, manter as rações de fome decididas pelos
fascistas alemães e os salários extremamente baixos.»88
Não se tratava aqui de uma questão económica, dado que os referidos aumentos
salariais eram necessários, também não se tratava de uma ingerência nas competências
da administração do Governo austríaco, dado que o comando soviético se restringia aos
assuntos puramente militares na região da Frente. Este último aspecto era um princípio
fundamental da política soviética nos países libertados.
Nesta polémica tornaram-se claras duas linhas de classes: a democrático-
revolucionária (ainda não socialista!) e a conservadora-restauracionista. Esta última
encontrou apoio nas potências ocupantes americanas e britânicas, que procuravam
consolidar as velhas relações burguesas, antes de surgirem quaisquer sinais de
democratização que ultrapassassem o quadro da democracia parlamentar burguesa. Só
depois da libertação de Viena, o Comando Supremo soviético soube que, com o
conhecimento e ajuda do chefe dos serviços secretos americanos, Allen Dulles, um grupo
de figuras altamente duvidosas tinha formado o movimento de resistência «Áustria,
Acorda!», o qual já tinha traído a direcção do grupo sublevado do major Szokoll. O
objectivo imediato deste movimento reaccionário era tomar o poder depois da libertação
e isolar os comunistas, divulgando entre a população boatos caluniosos sobre os soldados
do Exército Vermelho.
87
«Österreichische Volksstimme» (Voz do Povo Austríaco), Viena, 29 de Novembro de 1945,
citado de acordo com Malachow, op. cit., p. 354.
88
Malachow, op. cit., idem.
29
A 15 de Abril, dois dias depois da libertação de Viena, representantes deste grupo
procuraram apoio e reconhecimento por parte do comandante soviético da cidade como
único movimento legítimo de resistência, o que levou a experiente administração militar
a investigar em pormenor os «combatentes pela liberdade» deste «movimento de
resistência». Entre eles havia um barão, que tinha servido na Wehrmacht, um príncipe,
também oficial da Wehrmacht, e várias outras figuras duvidosas que seriam precursores
da «guerra-fria».89
Naturalmente, o Comando soviético não reconheceu este «movimento de resistência»,
preferindo trabalhar com o Governo de Renner e as autoridades vienenses.
Entre o final de Abril e o início de Maio, as tropas soviéticas alcançaram a linha de
Linz-Hieflau-Klagenfurt, onde se realizou o encontro com as tropas americanas. Quando,
a 5 de Maio, os tanques americanos se aproximaram do campo de concentração
Mauthausen, houve um levantamento dos presos contra as tropas SS, dirigido pelo major
soviético A.I. Pirogov e o coronel austríaco Codre. A 7 de Maio, tropas americanas
entraram em Mauthausen. Os prisioneiros do campo lograram alcançar a liberdade.
Na luta pela libertação da Áustria morreram 26 mil soldados e oficiais soviéticos. 90
89
Schtemenko, op. cit., p. 321 e seg.
90
Malachow, op. cit., p. 350 e seg.
30
Índice de nomes
(acrescentado pela edição portuguesa)
31
(1944), comandou várias unidades durante a fascismo, os aliados dão-lhe protecção e
II Guerra, designadamente o 46.º Exército evitam que seja julgado como criminoso de
da Frente do Cáucaso do Norte, integrado na guerra. Refugia-se então Portugal, no Estoril,
3.ª Frente Ucraniana a partir de Setembro de onde morre aos 89 anos.
1943. Em Janeiro de 1945 e até ao fim da Ingr, Jan Sergěj (1894-1956), general
guerra comanda o 9.º Exército da Guarda checoslovaco, foi ministro da Defesa do
que participa nas batalhas de Balaton, de governo no exílio em Londres. Hostil ao
Viena e de Praga. novo regime instaurado no pós-guerra, criou
Golian, Ján (1906-1945), major-general o conselho da Checoslováquia Livre, que se
eslovaco, comandante das forças militares propunha restabelecer a «democracia» no
terrestres em 1944 e organizador da país.
sublevação militar em Agosto do mesmo ano. Karmasin, Franz (1901-1970), fascista
Depois da derrota dos insurrectos (Outubro eslovaco, foi secretário de Estado para os
de 1944) apelou às unidades do exército que Assuntos da Etnia Alemã de 1938 até à
integrassem a resistência. Capturado pelos derrota dos nazis. Depois da guerra instala-
nazis foi executado, no início de 1945, no se na Alemanha, sendo julgado à revelia na
campo de concentração de Flossenbürg, na Checoslováquia em 1947.
Alemanha, juntamente com outros oficiais
eslovacos. Kautsky, Karl (1854-1938), dirigente do
Partido Social-Democrata Alemão e da II
Gretchko, Andrei Antónovitch (1903- Internacional. Inicialmente marxista, mais
1976), militar e político soviético, entrou tarde renegado da teoria revolucionária,
para o Exército Vermelho em 1919. Membro torna-se ideólogo do centrismo. Depois da
do PCU(b) desde 1928, do CC desde 1961 Revolução de Outubro na Rússia, manifesta-
(candidato desde 1952), e do Politburo a se contra a ditadura do proletariado, o
partir de 1973. Comandou divisões e corpos Partido Comunista e o Estado Soviético.
do exército durante a II Guerra, tornando-se
primeiro-vice-ministro (1957-67) e ministro Kiss, János (1883-1944), coronel-general
da Defesa a partir de 1967. Foi nomeado húngaro, opositor à aliança coma Alemanha
marechal da URSS em 1955. nazi, foi um dos organizadores do
movimento de resistência que começou a
Grizlov, Antoli Alekséievich (1904-1974), surgir em 1944. Em 22 de Novembro de 1944
coronel-general soviético, integrou o Estado- é preso pelos fascistas húngaros e executado
Maior General do Exército Vermelho na prisão militar de Margit Körút.
durante a II Guerra.
Kisseliov, Evguéni Dmitriévitch (1908-
Gruber, Karl (1909-1995), político e 1963), diplomata soviético, foi cônsul da
diplomata austríaco, foi ministro dos URSS na Alemanha (1940-41), em Nova
Negócios Estrangeiros da Áustria entre 1945 Iorque (1943-45), conselheiro político para
e 1953. Posteriormente foi embaixador nos os Assuntos da Áustria junto do comando do
EUA (1954-57 e 1969-72), em Espanha Grupo Central das Tropas (1945-48) e
(1961-66), na RFA (1966) e na Suíça (1972- representante político da URSS na Áustria
74). entre 1946 e 1948. No pós-guerra serviu
Horthy, Miklós Horthy de Nagybánya ainda como embaixador na Hungria (1949-
(1868-1957), um dos chefes militares da 54), no Egipto (1955-58) e no Iémen (1956-
Hungria, foi regente do reino entre 1920 e 59) em acumulação de funções.
1944, impondo-se ao arquiduque, Joseph- Kóniev, Ivan Stepánovitch (1897-1973),
Auguste de Habsbourg-Lorraine. Adere jovem oficial russo, participante na I Guerra,
formalmente ao Eixo em Abril de 1941 e adere ao POSDR(b) em 1918 e combate nas
participa na guerra ao lado da Alemanha fileiras do Exército Vermelho durante a
nazi, designadamente na invasão da guerra civil. Tenente-general no início da II
Jugoslávia. Após a vitória sobre o nazi-
32
Guerra, comanda várias frentes, sofrendo Coronel-general (1944), foi membro do
pesados reveses em 1941 e 1942. No ano Conselho Militar do 60.º Exército e da
seguinte o seu nome fica ligado a Frente de Varonej (1942-43), vice-chefe do
importantes vitórias em Kursk, Dniepr, Estado-Maior General e chefe da sua
Khárkov, entre muitas outras batalhas. Direcção de Contra-Informação, sector que
Liderando a 2.ª Frente Ucraniana, é-lhe dirigiu entre 1943 e 1953.
atribuído o título de marechal da União Lützow, Adolf Wilhelm von (1782-1834),
Soviética em Fevereiro de 1944, e pouco tenente-general do exército prussiano,
depois as suas tropas ultrapassam as conhecido pela organização de unidades de
fronteiras entrando na Roménia. A partir de voluntários durante as guerras napoleónicas.
Maio e até ao fim a guerra comanda a 1.ª
Frente Ucraniana que participa na tomada Malár, Augustín, (1894-1945), general
de Praga e de Berlim. Depois da guerra eslovaco, comandante do exército do Oriente
desempenha vários cargos, designadamente da Eslováquia (1944). Durante a II Guerra
como vice-ministro das Forças Armadas participou na invasão nazi da Polónia e da
(1946-59) e da Defesa (1950-56). URSS. No Verão de 1944 adere à sublevação
nacional, sendo preso após a sua derrota e
Körner, Theodor Edler von Siegringen executado no campo de concentração nazi de
(1873-1957), militar e político austríaco, Sachsenhausen.
general (1924), presidente do Conselho
Federal (1933-34). Preso durante a ditadura Markus, coronel, não encontrámos
de Dollfuss e mais tarde pelos nazis, é referências biográficas deste militar
libertado pelas tropas soviéticas, tornando-se eslovaco.
presidente da Câmara de Viena. Depois da Маrtínov А.А., não encontrámos
morte de Karl Renner foi eleito presidente da referências biográficas deste resistente
Áustria, cargo que assumiu entre 1951 e 1957. eslovaco.
Kratochvil, Jan (1889-1975), general Miklós de Dálnok, Béla (1890-1948),
checo, emigrou para França na sequência da general húngaro, foi vice-ministro da Guerra
ocupação nazi. Em 1944, o Governo de Benes do Governo de Horty (1929-33) e adido
envia-o para a URSS como comandante das militar em Berlim (1933-36), sendo depois
unidades checas aí constituídas. Durante a nomeado comandante de várias unidades
operação dos Cárpatos é-lhe retirado o militares subordinadas ao grupo de exércitos
comando das tropas e substituído pelo alemães «Sul», com os quais participa na
general Svoboda. invasão da URSS e na tomada de Kíev. À
Krávtchenko, Andrei Grigórievitch frente do 1.º Exército húngaro, procura uma
(1899-1963), general soviético, membro do saída da guerra. Em Outubro de 1944 apela
PCU(b) desde 1925, comandou o 2.º e 4.º aos oficiais para apoiarem as forças
corpos blindados e o 6.º Exército Blindado, soviéticas. Após a libertação torna-se
durante a II Guerra. Participou no cerco das primeiro-ministro do governo provisório da
tropas nazis nos arredores de Stalingrado, Hungria até às eleições de Novembro de
entre várias outras batalhas. Em 1955 é 1945.
passado à reserva. Foi deputado do Soviete Nagy, Jenö (1898-1944), militar húngaro
Supremo da URSS. antifascista, integrou o movimento de
Kuznetsov, Fiódor Fedotovitch (1904- resistência criado em 1944. Foi preso pelos
1979), membro do PCU(b) desde 1926, nazis em 22 de Novembro de 1944 e
candidato do CC (1952-56), desempenhou executado em 8 de Dezembro.
vários cargos partidários até ser transferido Postumamente foi-lhe atribuída a patente de
para o Exército Vermelho em 1938, onde se coronel.
torna chefe da Secção de Quadros da Ostapenko, I.A., não encontrámos
Direcção Principal de Propaganda Política. referências biográficas deste capitão do
33
Exército Vermelho abatido, em Dezembro de Vermelho em 1918. Durante a II Guerra
1944, juntamente com o seu camarada de comandou estados-maiores de várias frentes,
armas Miklos Steinmetz, quando tentava designadamente da 1.ª Frente Ucraniana
entregar uma proposta de rendição oferecida (1944-45). Recebe o título de marechal da
pelo comando soviético às tropas fascistas URSS em 1946, tornando-se primeiro-vice-
húngaras de Horty. ministro das Forças Armadas em 1949.
Petrov, Ivan Efímovitch (1896-1958), Steinmetz, Miklós (1913-1944), capitão
oficial do Exército Vermelho desde 1918, do Exército Vermelho (filho de pais
major-general (1940), comandou várias húngaros), abatido em Dezembro de 1944,
unidades e frentes na II Guerra, juntamente com o seu camarada de armas I.
distinguindo-se em importantes batalhas em A. Ostapenko, quando tentava entregar uma
território soviético e além fronteiras, proposta de rendição oferecida pelo
designadamente na batalha dos Cárpatos comando soviético às tropas fascistas
Orientais, na tomada de Berlim e de Praga. húngaras de Horty.
Píka, Heliodor (1897-1949), general do Svoboda, Ludvík (1895-1979), general e
exército checoslovaco, permaneceu fiel ao político checoslovaco, combateu na I e II
governo de Benes exilado em Londres, em guerras, passando à clandestinidade, na
nome do qual é nomeado chefe da missão Primavera de 1939, após a invasão alemã,
militar checoslovaca na União Soviética. como membro da organização Obrana
Após a guerra foi chefe do Estado-Maior Národa (Defesa da Nação). Mais tarde
General e responsável pela indústria de torna-se comandante das unidades
armamento. Em 1948 é preso acusado de checoslovacas formadas na URSS que
espionagem e alta traição, sendo executado participam na libertação do seu país.
em Junho de 1949. Distinguia-se por uma grande temeridade
Pirogov, A.I, não encontrámos que o impelia para as linhas avançadas,
referências biográficas deste oficial soviético, combatendo ao lado dos seus soldados de
prisioneiro de guerra, indicado como um dos pistola-metralhadora em punho. Tornou-se
dirigentes da revolta no campo concentração membro do Partido Comunista da
nazi de Mauthausenm (Áustria) no início de Checoslováquia em 1948 e exerceu os cargos
Maio de 1945. de ministro da Defesa (1945-50), vice-
primeiro-ministro (1950-51) e de presidente
Renner, Karl (1870-1850), membro da da Checoslováquia (1968-75).
social-democracia desde 1894, importante
austromarxista, publicou obras histórico- Szálasi, Ferenc (1897-1946), fundador do
teóricas sobre a questão nacional. Foi partido nazi húngaro em 1935, mais tarde
chanceler e MNE (1919/20), presidente do designado Partido da «Cruz de Flechas».
Conselho Nacional (1931/33), chefe do Ocupou o posto de chefe de Estado e de
Governo provisório (1945) e Presidente da Governo da Hungria entre Outubro e o início
República (1945/50). de Dezembro de 1944, tendo fugido pouco
depois de as tropas soviéticas iniciarem o
Schill, Ferdinand von (1776-1809), major cerco a Budapeste. Veio a ser capturado na
do exército prussiano, destacou-se nas Alemanha pelas tropas norte-americanas,
guerras contra o regime de ocupação de que o entregaram às autoridades húngaras.
Napoleão pela promoção de destacamentos Julgado pelo tribunal popular em 1946, foi
de voluntários na base dos quais se veio a condenado a enforcamento por crimes de
constituir um novo exército. guerra e alta traição.
Sokolovski, Vassíli Danílovitch (1897- Szokoll, Carl (1915-2004), major de
1968), membro do PCU(b) desde 1931, do CC infantaria austríaco, organizador da
(1952-61), candidato (1961-68), general do sublevação militar em Abril 1945, que foi
exército (1943), ingressou no Exército derrotada pelos nazis. Em Julho de 1944
34
esteve envolvido na conspiração para com a URSS, integrando o Governo
assassinar Hitler. Após a guerra tornou-se provisório como ministro da Defesa (1944-
escritor e realizador de cinema. 45). Foi ainda chefe do Estado-Maior
Talsky, Vilian, não encontrámos General (1945-46). Em 1949 é acusado de
referências biográficas deste coronel espionagem e sentenciado com prisão
eslovaco, que participou na insurreição perpétua, vindo a ser libertado em 1956.
contra o ocupante nazi em 1944. Wolff, Karl Friedrich Otto (1900-1984),
Tartsay, Vilmos (1901-1944), militar coronel-general das SS, colaborador próximo
húngaro antifascista, membro do movimento de Himmler, em 1943 é nomeado
de resistência, foi preso pelos nazis em 22 de comandante das SS e da Polícia em Itália,
Novembro de 1944 e executado em 8 de onde estabelece contactos com os norte-
Dezembro. americanos através da intermediação do
papa Pio XII, com o objectivo de preparar
Teleki de Szék, Géza (1911-1983), político para uma paz separada. Depois da guerra é
húngaro (conde), integrou a delegação detido pelas tropas dos EUA. Libertado em
enviada a Moscovo pelo Governo de Horty, 1949, é poupado aos julgamentos pelos
em 28 de Setembro de 1944, para encetar crimes de guerra que cometeu. Só em 1962 é
negociações de paz. Todavia, o acordo de novo preso pelas autoridades da RFA, e
assinado em 11 de Outubro seria anulado condenado a 15 anos de prisão pela
pelo golpe de Estado de 15 de Outubro deportação de 300 mil judeus. Em 1971 é
realizado pelo partido fascista Cruz de libertado por razões de saúde.
Flechas. Mais tarde foi ministro da Religião e
da Educação do Governo provisório,
constituído em Debrecen. Em 1949 emigrou
para os EUA.
Tiso, Jozef (1887-1947), padre católico
eslovaco, deputado no parlamento
checoslovaco entre 1925 e 1939, ministro da
Saúde e dos Desportos (1927-29), acedeu ao
cargo de presidente da Eslováquia após a
invasão dos nazis, dos quais se torna vassalo
impondo um feroz regime fascista e anti-
semita.
Trinka, não encontrámos referências
biográficas deste major resistente eslovaco.
Tuka, Vojtech «Béla» (1880-1946),
primeiro-ministro e ministro dos Negócios
estrangeiros do governo marioneta da
República Eslovaca, aliado de Hitler, entre
1940 e 1945. Foi executado em Agosto de
1946.
Vörös, János (1891-1968), militar e
político húngaro, coronel-general, combateu
na I Guerra e foi chefe do grupo de operações
do Estado-Maior General, participando no
planeamento das operações do exército
húngaro na frente germano-soviética. Depois
do golpe de Szálasi, passou para o lado da
coligação antifascista. Assinou o armistício
35
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (VI)*
• Ulrich Huar
* Este texto conclui a publicação do IV capítulo desta obra de U. Huar (N. Ed.)
1 K. A. Merezkov, Im Dienste des Volkes (Ao Serviço do Povo), Moscovo, 1968, Berlim, 1982, 3ª
Ed., p. 318. [Citações cotejadas com o original russo, K. A. Meretskov, Na Slujbe Narodu,
Politizdat, Moscovo, 1968, p. 366. (N. Ed.)]
1
Não havia nada a contra-argumentar.
Stáline e Meretskov conheciam-se já desde 1920. Stáline, então com 41 anos, membro
do Conselho de Militar Revolucionário da Frente Sudoeste contra os polacos brancos de
Pilsudski, que tinham ocupado temporariamente Kíev, encontrou Meretskov, de 25 anos,
membro do Estado-Maior do comandante Iegórov, num comboio especial. Stáline quis
falar com os colaboradores de Iegórov. Falaram de cavalos.
«Sabe tratar de cavalos?» – perguntou Stáline.
«Todos nós passámos a instrução em cavalaria, camarada membro do Conselho de
Militar Revolucionário.»
«Por conseguinte sabe com que perna se deve subir para a sela?»
«Isso, cada um faz como lhe dá mais jeito. Há artistas para tudo.»
«E quando coloca a sela, também sabe dar um soco para tirar o ar do ventre do
cavalo, de modo a que este não inche a barriga e engane o cavaleiro ao apertar a
cilha?»
«Pelos vistos, sabemos.»
«Tenham em conta, camaradas, que se trata de coisas sérias. É necessário reforçar
urgentemente o Estado-Maior do 1.º Exército de Cavalaria. É por isso que vos enviam
para lá. Quem conhece o cheiro de um cavalo não tem lugar no Exército de
Cavalaria!»2
Podem parecer anacrónicas as perguntas sobre os cavalos depois das experiências da I
Guerra Mundial, da guerra de trincheiras no Ocidente e da introdução dos tanques e
aviões. A cavalaria, com pouca utilidade na Frente Ocidental, teve uma grande
importância estratégica durante a guerra civil e de intervenção no vasto território russo,
onde não existiam frentes fixas nem uma guerra de trincheiras. Em algumas situações, a
sua utilização foi decisiva para o desfecho dos combates. Mesmo depois da Grande
Guerra Pátria, Stáline considerava útil a existência de alguma cavalaria para vigiar a
extensa fronteira da URSS em regiões intransitáveis. As primitivas perguntas de Stáline,
aos olhos do leitor de hoje, explicam-se pelo baixo o nível de instrução da maioria da
população do antigo império tsarista: cerca de 85 por cento de analfabetos, atingindo 90
por cento nas regiões da Ásia Central. Stáline sabia fazer-se entender com gente simples.
É pouco provável que nessa altura Stáline tenha prestado especial atenção ao jovem
Meretskov. Contudo, tinha uma excelente memória. Depois da guerra ainda se recordava
deste primeiro encontro.
O teatro de guerra a Norte não era, pois, desconhecido para Meretskov.
Como as complicadas relações sovieto-finlandesas são pouco conhecidas, e na história
burguesa e revisionista são deturpadas por tendências anti-soviéticas, parece-me
justificado um pequeno desvio para melhor compreensão da guerra nas frentes de
Leningrado e da Carélia.
Não só a Finlândia, mas toda a península escandinava é de importância económica e
militar estratégica. Já antes da I Guerra Mundial, a Finlândia e a Escandinávia eram
importantes para os Estados-Maiores da Grã-Bretanha e da Alemanha Imperial. A
Finlândia pertencia à Rússia tsarista.
Entre os séculos XII e XVIII, a Suécia ocupou a Finlândia. Em meados do século XVIII
surgiu a Rússia. Em 1712, a Suécia cedeu Viborg à Rússia, e o Sudeste finlandês em 1743.
2
Em 1809 seguiu-se a inclusão do Grão-Ducado da Finlândia no império tsarista.
Com o desenvolvimento do capitalismo no Sul da Finlândia, surgiram nas cidades as
duas classes fundamentais da sociedade burguesa, a burguesia e o proletariado
industrial. Em 1899, operários e intelectuais progressistas fundaram o Partido Operário
da Finlândia, que mudou o nome, em 1903, para Partido Social-Democrata da Finlândia.
Nesta época contava cerca de 13 mil membros.
Tomando parte na primeira revolução russa, os operários finlandeses entraram em
greve geral em Outubro de 1905. Nas grandes cidades, como Helsínquia, houve
manifestações de massas e formou-se a Guarda Vermelha.
Na sequência das revoluções de Fevereiro e de Outubro de 1917 na Rússia, a classe
operária finlandesa também se sublevou. A 23 de Novembro (6 de Dezembro no
calendário gregoriano), o Parlamento finlandês proclamou a independência da Finlândia.
De acordo com a política leninista das nacionalidades, o Conselho dos Comissários do
Povo reconheceu a independência da Finlândia a 18 (31) de Dezembro de 1917. As tropas
russas retiraram-se sucessivamente. Deve reter-se: a fundação do Estado finlandês
independente foi resultado da Grande Revolução Socialista de Outubro!
A 28 de Dezembro de 1917 (10 de Janeiro de 1918) iniciou-se a revolução operária
finlandesa. A 15 (28) de Janeiro de 1918 formou-se o Conselho dos Representantes do
Povo, sob a presidência do social-democrata Manner. O Conselho Geral Operário era o
órgão supremo de poder, composto por 35 membros, dez sociais-democratas, dez
funcionários sindicais, dez membros da Guarda Vermelha e cinco do Helsingforser Sejm
das organizações operárias, um género de parlamento operário. O programa do Conselho
de Representantes do Povo continha exigências democrático-burguesas. Não era ainda
um programa socialista. No Sul da Finlândia, principalmente nas cidades, os operários
tinham o poder. O Sejm [parlamento] das organizações operárias tinha as funções da
ditadura do proletariado. Porém, também ele não ia além de medidas democrático-
revolucionárias. O processo de clarificação das forças revolucionárias estava ainda em
curso.
O Norte da Finlândia, atrasado e pouco povoado, onde os latifundiários exerciam o
poder, foi a base territorial da contra-revolução finlandesa. Carl Gustav, barão de
Mannerheim, ex-oficial do exército tsarista, foi a grande personalidade da contra-
revolução finlandesa. Tinha recebido uma excelente formação do general Brussílov e
pertenceu temporariamente à guarda pessoal do tsar. Depois da Revolução de Outubro,
Mannerheim regressou à Finlândia, onde foi nomeado comandante das tropas contra-
revolucionárias pelas forças reaccionárias.
A reacção branca finlandesa não era capaz de lidar sozinha com a Guarda Vermelha e
por isso fez um acordo com o Governo imperial alemão para utilizar grupos alemães na
repressão da revolução.
A 5 de Março de 1918, o comando alemão estacionou tropas nas ilhas Alanda. O corpo
de expedição alemão, a chamada «Divisão do Mar Báltico», sob o comando do major-
general Rüdiger von der Goltz, desembarcou no porto de Hanko, uma antiga base naval
da frota russa do Mar Báltico, situada na extremidade de uma estreita península à
entrada do Golfo da Finlândia. A 3 de Abril, 12 mil alemães ocuparam a cidade portuária
de Turku e cerca de três mil a cidade de Loviisa.
Depois de árduos combates, a 14 de Abril, as tropas de Mannerheim puderam
conquistar Helsingfors (Helsínquia). No início de Maio, as forças conjuntas dos alemães
e da contra-revolução finlandesa derrotaram a revolução. Cerca de 35 mil revolucionários
foram vítimas do terror branco. O Exército Vermelho, fundado a 23 de Fevereiro, estava
3
ainda em formação e não pôde prestar qualquer ajuda. A Rússia soviética tinha de se
defender de todos os lados contra a contra-revolução interna e a intervenção estrangeira.
Os alemães fizeram-se pagar caro pela sua intervenção a favor dos finlandeses
brancos. O preço foi a perda da independência. A Finlândia ficou completamente
dependente do imperialismo alemão. Até o historiador britânico, John Keegan, que não
pertence exactamente aos amigos do Outubro Vermelho, teve de concordar que o
governo finlandês «ficou comprometido» ao aliar-se à Alemanha.3 A Revolução de
Novembro de 1918, na Alemanha, também não pode alterar esta situação. Mais tarde, a
Finlândia assumiu um papel central no plano dos fascistas hitlerianos, o plano
«Barbarossa» para o assalto à União Soviética.
Stáline sabia-o e não só ele.
Com o início da II Guerra Mundial, a Escandinávia, nomeadamente a Noruega, passou
a merecer a atenção do almirantado britânico.
***
3 John Keegan, Der Erste Weltkrieg. Eine europäische Tragödie (A I Guerra Mundial. Uma
tragédia europeia), Reinbek bei Hamburg, Outubro 2001, p. 530.
4 Churchill, Der Zweite Weltkrieg (A II Guerra Mundial), versão num volume, op. cit., p. 229.
4
mil toneladas de alumínio. A Noruega cobria 75 por cento das necessidades alemãs em
molibdénio e 100 por cento das necessidades de enxofre.5
Churchill citou pormenorizadamente o relatório que o almirante Raeder, comandante
supremo da Marinha de Guerra alemã, apresentou a Hitler em 10 de Outubro de 1939.
Raeder sublinhava «as desvantagens que teria para nós uma ocupação da Noruega
pelos ingleses: o controlo das entradas para o Mar Báltico, a perturbação das nossas
operações navais e dos nossos ataques aéreos contra a Inglaterra, assim como o fim da
nossa pressão sobre a Suécia.» Raeder sublinha também «as vantagens que teria para
nós a ocupação da costa norueguesa: saída para o Atlântico Norte, impossibilidade de
uma barreira britânica de minas, como em 1917-18.»
No mesmo dia, Hitler ordenou ao Estado-Maior da Wehrmacht que preparasse a
invasão da Noruega.6
Contudo, Churchill omite o facto de que a invasão da Noruega também se dirigia
contra a União Soviética.
O anticomunismo e anti-sovietismo profundamente enraizados de Churchill
manifestam-se na sua descrição da guerra sovieto-finlandesa de 30 de Novembro de 1939
a 12 de Março de 1940. Mesmo considerando o Pacto Germano-Soviético de Não
Agressão, de 23 de Agosto de 1939, o qual Churchill não podia ignorar, as suas
afirmações sobre esta guerra devem caracterizar-se como uma difamação da União
Soviética. Churchill conhecia as razões que conduziram à guerra. No entanto caracterizou
a guerra sovieto-finlandesa como um «ataque não provocado da colossal potência
soviética contra uma pequena nação, enérgica e altamente culta», como um
«espectáculo de brutal intimidação e agressão.»
Churchill sentiu «um forte desejo de ajudar os finlandeses com aviões e outro
material de guerra precioso e com voluntários da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e
sobretudo da França.»
Neste quadro, o porto do minério de ferro de Narvik adquiriu uma nova importância,
mais «sentimental» do que «estratégica». O Governo britânico, que se dizia «relutante»
em violar a neutralidade norueguesa, tencionava agora, «movido por sentimentos
generosos», exigir à Noruega e à Suécia «a livre passagem de tropas e de fornecimentos
de material de guerra para a Finlândia.»
Mas, abstraindo-se dos seus «sentimentos generosos», reconhecia prosaicamente que
«se Narvik se tornar uma espécie de base aliada para abastecer os finlandeses, será por
certo fácil impedir os navios alemães de carregar minério de ferro no porto e depois
navegar em segurança ao longo da costa até à Alemanha.»
Em 2 de Março de 1940 (dez semanas antes da ofensiva alemã!), o Governo francês do
primeiro-ministro Daladier decidiu enviar para a Finlândia 100 mil voluntários e 100
bombardeiros. A 12 de Março, o Governo britânico reactivou os planos para o
desembarque de tropas em Narvik e Trondheim, devendo seguir-se desembarques em
Stavanger e Bergen, como parte «do aumento da ajuda à Finlândia».7
5 A. M. Noskow, Das Ausscheiden Finnlands aus dem Krieg. Die Befreiung Nordnorwegens (A
Saída da Finlândia da Guerra. A libertação do norte da Noruega), in: Die Befreiungsmission des
Sowjetstreitkräfte… (A missão libertadora das forças armadas soviéticas…), op. cit., p. 261.
6 Churchill, Der Zweite Weltkrieg (A II Guerra Mundial), versão num volume, op. cit., p. 230.
[Ed. cit., Vol. 1, p. 483. (N. Ed.)
7 Idem, ibidem, pp. 231, 233, 234, 237. [Idem, Ibidem, pp. 485, 488, 489 e 517. (N. Ed.)]
5
A França e a Grã-Bretanha encontravam-se em guerra com a Alemanha fascista, no
entanto, ambas estavam dispostas a ajudar militarmente um Estado declaradamente
vassalo de Hitler, contra a URSS, à custa do enfraquecimento das suas próprias forças.
Mesmo depois do assalto dos fascistas alemães à Polónia, a 1 de Setembro de 1939, os
governos francês e britânico mantinham pois a esperança de poder dirigir a agressão
fascista contra a União Soviética. A Finlândia tinha um papel importante neste conceito
estratégico. A fronteira sovieto-finlandesa situava-se perto de Leningrado. Leningrado
encontrava-se ao alcance da artilharia do agressor estacionado em território finlandês. A
partir da sua costa sul podia-se bloquear o acesso da frota soviética do Báltico ao Golfo da
Finlândia. O porto de Hanko, no extremo sul de uma estreita península, tinha uma
posição chave estratégica. Não só os alemães, mas também os imperialistas franceses e
britânicos consideravam a Finlândia uma base para uma agressão à União Soviética.
Compreende-se assim que a Finlândia tenha recebido apoio material e militar tanto da
Grã-Bretanha e da França como da Alemanha, ainda que não oficialmente devido ao
acordo de neutralidade desta última com a URSS. Isto apesar de ambos os grupos
imperialistas já se encontrarem em guerra, embora no início, em 1939-40, tenha sido
conduzida de forma muito contida, ficando na história como a «guerra cómica».
Mas não havia nada de cómico! Era um compromisso na base do anti-sovietismo
destinado a não se causar danos mútuos. O anti-sovietismo era o elo de ligação de ambas
as coligações imperialistas em «guerra», que se manteve com intensidade variável até
depois da capitulação da Alemanha fascista.
Que fique desde já claro: a Finlândia com os seus cerca de três milhões de habitantes,
num território com 338 145 km² (mais ou menos a área da Alemanha Federal) e um
sistema capitalista medianamente desenvolvido nas cidades do Sul, não constituía
nenhuma ameaça para a União Soviética. A ameaça partia das grandes potências
imperialistas, nomeadamente da Alemanha, que utilizava o território finlandês para a sua
política de agressão, subjugando para esse fim o povo finlandês.
Sectores reaccionários da grande burguesia, das forças armadas, dos latifundiários
assim como dos funcionários públicos finlandeses apoiavam activamente a política de
agressão das potências imperialistas. De acordo com interesses específicos, apoiavam ou
o poder alemão ou britânico.
Não faltavam sequer objectivos expansionistas às camadas mais reaccionárias da
sociedade finlandesa. Estes finlandeses brancos sonhavam com uma «Grande
Finlândia», do «Golfo de Bótnia até ao Mar Branco e ao Lago Ilmen.»8 Mesmo
publicistas anti-soviéticos e anticomunistas assinalam as ambições de uma grande
Finlândia.9
Depois da derrota da revolução em 1918, o comandante supremo das forças armadas
finlandesas, general Mannerheim (marechal desde 4 de Junho de 1942) mandou erigir
um fortíssimo sistema de defesa no istmo da Carélia. Este sistema nunca poderia ter sido
construído exclusivamente com meios financeiros finlandeses. As potências imperialistas
disponibilizaram dinheiro, tecnologia moderna e especialistas para este fim.
As primeiras fortificações foram construídas entre 1920 e 1929. Depois de uma
interrupção, a construção foi retomada no Verão de 1938. As novas fortificações ficaram
6
prontas no Verão de 1939, ainda antes da assinatura do Pacto de Não Agressão germano-
soviético e antes da invasão da Polónia! Além disso operou-se uma reorganização do
exército finlandês junto à fronteira soviética.
«Junto à fronteira soviética estavam estacionadas cinco unidades de tropas
operacionais finlandesas. No final de 1939 foram fundidas com o Grupo da Lapónia do
general Wallenius (direcção de Murmansk), o Grupo Norte do general Tuompo e a
brigada de voluntários suecos do general Linder (direcção de Kandalakcha), o 4.º
Corpo do Exército do general Hägglund (direcção do Mar Branco), o grupo do general
Tavela (direcção de Petrozavodsk), o 5.º Exército do general Oestermann e com o
Grupo das Ilhas Alanda (direcção de Leningrado).»10
No final de Junho de 1939, Stáline convocou Meretskov, nesta altura comandante da
circunscrição militar de Leningrado, para uma reunião em Moscovo. Meretskov relata
que Stáline falou sobre o problema de Leningrado: «A situação na fronteira finlandesa é
alarmante. Leningrado está sob ameaça de fogo. As conversações sobre a assinatura de
um acordo com a Grã-Bretanha e a França não têm tido por enquanto êxito. A
Alemanha está pronta para se lançar sobre os seus vizinhos, de qualquer lado,
incluindo a Polónia e a URSS. A Finlândia pode tornar-se facilmente uma praça de
armas de acções anti-soviéticas para cada um dos dois principais grupos burgueses-
imperialistas – o alemão e o britânico-franco-americano. Não está excluído que
comecem de facto a entenderem-se sobre uma intervenção conjunta contra a URSS. E a
Finlândia pode ser aqui uma moeda de troca num jogo alheio, transformando-se no
iniciador açulado de uma grande guerra. (…)
Stáline sublinhou que ainda este Verão se pode esperar acções sérias por parte da
Alemanha. E, quaisquer que sejam, irão inevitavelmente afectar-nos, directa ou
indirectamente, a nós e à Finlândia. Por isso convinha apressarmo-nos.»11
Esta conversa desenrolou-se quando decorriam as negociações sovieto-franco-
britânicas em Moscovo sobre uma aliança militar contra a agressão iminente da
Alemanha fascista. Consta das actas que as negociações foram boicotadas pelo lado
franco-britânico.
Como transmitiu o embaixador alemão em Londres, Dirksen, ao secretário de Estado
alemão, Weizäcker, a tarefa da missão militar britânica nas negociações «era mais
avaliar a capacidade de combate do Exército Soviético do que concluir acordos
operacionais.»12
Isto levou ao Pacto de Não-Agressão germano-soviético.
Stáline incumbiu Meretskov de preparar em duas a três semanas o plano de defesa da
fronteira e de contra-ataque, no caso de um ataque finlandês. O prazo era muito curto,
mas o tempo urgia. Os relatórios sobre a linha Mannerheim eram pouco concretos.
Alguns membros dos serviços secretos soviéticos pensavam até que a linha Mannerheim
não passava de «propaganda». Como se verificou, isto foi um «erro grosseiro».13
Dirksen (1938-39), Ministério dos Negócios Estrangeiros da URSS, Moscovo, 1949, p. 105.
[Cotejado com o original russo, Документы и материалы кануна второй мировой войны.
1937-1939. Politizdat, Moscovo, 1981., t. 2, p. 161. (N. Ed.)]
13 Merezkov, op. cit., p. 158. [Ed. cit., p. 178. (N. Ed.)]
7
Em caso de um ataque finlandês, o contra-ataque soviético devia realizar-se «no mais
curto prazo de tempo». Meretskov alegou que algumas semanas não eram suficientes
para uma tal operação, ao que Stáline e Vorochílov (Comissário do Povo da Defesa)
responderam que devia levar em conta não só as possibilidades da circunscrição militar
de Leningrado, mas as forças de toda a União Soviética. Terão Stáline e Vorochílov
subestimado a linha Mannerheim devido a informações falsas e pouco rigorosas e
sobrestimado as próprias forças?
Stáline terá ainda analisado outras variantes do plano de uma contra-ofensiva,
fazendo-o separadamente com diferentes grupos de pessoas. Além de Meretskov,
aparentemente só o marechal Chápochnikov (chefe do Estado-Maior General) partilhava
a opinião de que «uma contra-ofensiva na Finlândia estava longe de ser uma tarefa
fácil.» Tal ofensiva exigiria pelo menos «vários meses de guerra esforçada e difícil,
mesmo que as grandes potências imperialistas não se imiscuam directamente no
conflito.»14
O Governo soviético tinha proposto ao Governo finlandês um pacto de ajuda mútua.
Os finlandeses recusaram. O Governo soviético propôs então uma troca de território. O
Governo finlandês devia recuar a sua fronteira no istmo da Carélia, que se situava só a 32
quilómetros de Leningrado, e arrendar à União Soviética os portos de Petsamo, na região
polar, e de Hanko, no Golfo da Finlândia. Em compensação pela cedência da faixa de
território junto a Leningrado, a Finlândia receberia uma região bastante mais extensa a
Norte do Lago Onega. Os finlandeses também recusaram esta proposta soviética.
O Governo finlandês respondeu com a mobilização das suas forças armadas e com
provocações armadas contra as tropas fronteiriças soviéticas na região de Leningrado.
«A 26 de Novembro recebi um despacho urgente, o qual informava que os
finlandeses tinham aberto fogo de artilharia contra os guardas fronteiriços soviéticos
junto à localidade de Mainila. Quatro pessoas foram mortas e nove ficaram feridas.
Ordenei que colocassem sob controlo das forças da circunscrição militar toda a
extensão da fronteira e reenviei de imediato o despacho para Moscovo. De lá chegou a
instrução de nos prepararmos para um contra-ataque. Deram-nos uma semana para a
preparação, mas na prática tivemos de reduzir o prazo para quatro dias, dado que
destacamentos finlandeses começaram a passar a fronteira em vários pontos,
penetrando no nosso território e enviando grupos diversionistas para a retaguarda
soviética. Seguiu-se a declaração governamental da URSS e, a 30 de Novembro, pelas
oito horas da manhã, tropas regulares do Exército Vermelho começaram a responder
às acções anti-soviéticas. A guerra sovieto-finlandesa tornou-se um facto.
As tropas receberam a ordem de repelir o inimigo de Leningrado, garantir a
segurança da fronteira na Carélia e na região de Murmansk e obrigar as marionetas
das potências imperialistas a renunciar a novas provocações contra a URSS. Além
disso, a tarefa principal consistiu na liquidação da praça de armas no istmo da
Carélia.»15
As medidas do Governo soviético eram de natureza defensiva. Sem a deslocação da
fronteira junto a Leningrado, não teria sido possível defender a cidade do assalto da
Alemanha a 22 de Junho de 1941.
Em obras de história militar de autores burgueses e não só existem algumas descrições
insustentáveis sobre a ofensiva do Exército Vermelho, inicialmente fracassada e com
8
grandes baixas. Estas versões não levam em consideração o nível técnico-material do
armamento e o nível de formação do Exército Vermelho. O serviço militar obrigatório só
tinha sido introduzido na União Soviética em Setembro de 1939, ou seja, pouco antes da
guerra do Inverno. A correlação de forças no início da guerra era mais ou menos
equivalente.
Inicialmente, os bunkers da linha Mannerheim resistiram à artilharia soviética. Só
depois da introdução de munições pesadas (calibre 203 e 208 mm) foi possível destruir
bunkers directamente. Muitos deles estavam protegidos com várias camadas de chapas
blindadas no lado da canhoneira, fortes paredes e tectos de ferro e betão com 1,5 a dois
metros de espessura, cobertos por uma camada de dois a três metros de terra calcada.16 A
linha Mannerheim, que também foi comparada com a linha francesa Maginot, não era na
verdade só propaganda. Mas a direcção soviética só soube isto depois.
Em Fevereiro de 1940 o Comando soviético conseguiu alcançar uma superioridade
absoluta, sobretudo em artilharia e blindados, para romper a linha Mannerheim.
O Governo finlandês dispôs-se então a terminar a guerra. A 12 de Março de 1940
assinou-se o tratado de paz. O Governo soviético abdicou das reparações pelas baixas
sofridas.
O Tratado de Paz determinava que «a União Soviética obtém o istmo da Carélia
assim como a margem norte e oeste do Lago Ladoga, as cidades de Víborg, Kexholm e
Sortavala. Na zona militar de Kandalakcha, a fronteira com a Finlândia junto à linha-
férrea de Murmansk foi transferida um pouco para Ocidente. No Norte, pequenos
territórios das penínsulas Sredni e Fischer passaram para a União Soviética. O mesmo
com um grupo de ilhas no Golfo da Finlândia. O Tratado de Paz determinou ainda que
a Finlândia arrendaria a península de Hanko com as respectivas ilhas à União
Soviética, que aí estacionou uma base de apoio naval; a URSS declarou-se disposta a
pagar anualmente cinco milhões de marcos finlandeses.
O Tratado de Paz previa a não-agressão mútua e a não participação em coligações
que se dirigissem contra um dos Estados.»17
No seu apelo aos soldados na Frente Leste, de 22 de Junho de 1941, Hitler afirmou
relativamente à Finlândia: «Os nossos camaradas encontram-se em aliança com as
divisões finlandesas, com os vencedores de Narvik, no Oceano Ártico. Soldados
alemães, sob o comando do conquistador da Noruega, assim como os heróis finlandeses
da liberdade, sob comando do seu Marechal, protegem a Finlândia.»18
Como assinalou o general de Infantaria Waldemar Erfurth, estas afirmações de Hitler
eram «especialmente indesejadas pela administração finlandesa», sobretudo «pelo QG
finlandês. Criavam uma impressão incorrecta, como se entre os finlandeses e o Reich
alemão existisse uma aliança militar e como se os finlandeses também tivessem entrado
em guerra contra a União Soviética em 22 de Junho de 1941. Como o estado de guerra
entre a Finlândia e a União Soviética só entrou em vigor, de acordo com o direito
internacional, a 26 de Junho, as afirmações de Hitler antecipavam os acontecimentos e
comprometiam a política finlandesa.»19
16Idem, ibidem, p. 161 e seg. e 166. [Idem, ibidem, p. 187. (N. Ed.)]
17 I. B. Bershin, Geschichte der UdSSR 1917-1970 (História da URSS 1917-1970), Moscovo
1966/Berlim 1971, p. 491.
18 Citado de acordo com Erfurth, Siehe Waldemar Erfurth: Der Finnische Krieg 1941-1944. 2.
überarbeitete Auflage 1977. Wiesbaden und München, 1950, p. 196.
19 Idem, ibidem.
9
Erfurth encontrou assim uma declaração salomónica para a sensibilidade do Governo
finlandês. Ele próprio expõe até ao absurdo, no 1.º capítulo do seu livro, esta tentativa de
justificar a política agressiva do Governo finlandês. Mas, no 5.º capítulo, esquece-se do
que escrevera antes a este propósito.
No 1.º capítulo, Erfurth escreve que, em Março de 1940, o Governo finlandês procurou
«uma aproximação à Alemanha».20 «A 22 de Setembro de 1940 foi assinado um acordo
germano-finlandês sobre a passagem de tropas alemãs pelo Norte da Finlândia,
através do qual o abastecimento das tropas alemãs no Norte da Noruega ficou muito
facilitado.»21 Erfurth assegura-nos que «a desconfiança em relação à União Soviética
(…) [obrigou] a uma aproximação à Alemanha».22 Porém os vários «contactos» entre as
administrações finlandesas e alemãs, na primeira metade de 1941, foram feitos «sem
excepção por iniciativa alemã».23 Como assim? Então não foi o Governo finlandês quem
procurou «uma aproximação à Alemanha» em 1940?
Entre o final de Janeiro e o início de Fevereiro de 1941, o general Heinrichs, chefe do
Estado-Maior finlandês, visitou Berlim e Zossen. Seguiu-se em Fevereiro/Março de 1941
uma primeira visita à Finlândia do coronel alemão Buschenhagen, chefe do Comando
Supremo do Exército da Noruega. De acordo com informações do coronel Buschenhagen,
o objectivo da visita foi «iniciar contactos com o Estado-Maior General finlandês para
coordenar operações conjuntas no caso de uma guerra germano-soviética.»
Buschenhagn interessou-se «especialmente» pelas condições do terreno no Norte da
Finlândia.
A 25 e 26 de Maio de 1941 – quatro semanas antes do assalto à União Soviética! –
seguiram-se conversações entre oficiais alemães e finlandeses em Salzburgo e Berlim.
Nas suas declarações em Salzburgo, o general Jodl explicou que, no caso de uma provável
guerra germano-russa, os alemães avançariam através da região Norte da Finlândia na
direcção da região de Murman-Bahn. Uma outra visita do coronel Buschenhagen a
Helsínquia teve lugar no início de Junho.24
Segundo Erfurth, os finlandeses ter-se-iam comprometido nas conversações com os
representantes do Estado-Maior alemão.
A 13 de Junho de 1941 – nove dias antes do assalto à União Soviética! – o general
Erfurth, comandante do «Estado-Maior de ligação Norte», aterrou no aeroporto de
Malmi, perto de Helsínquia, e assumiu as suas funções no QG finlandês. «Através das
(…) sugestões do Comando Supremo da Wehrmacht, transmitidas pelo general Erfurth,
no que diz respeito à concentração do exército finlandês, o plano de operações finlandês
foi influenciado de certo modo pelo lado alemão.»
A 15 de Junho – sete dias antes do assalto à União Soviética! – o major-general von
Falkenhorst e parte do Comando do Exército da Noruega reuniram-se em Rovaniemi,
passando Falkenhorst a assumir o comando das tropas alemãs e finlandesas.25
A 17 de Junho – cinco dias antes do assalto à União Soviética! – vedetas rápidas e
lança-minas, sob o comando do capitão Büllow, entraram nos portos finlandeses da costa
23 Idem, ibidem.
25 Idem, ibidem.
10
sul e «assumiram a defesa no Golfo da Finlândia contra a frota russa do Mar Báltico
estacionada em Kronstadt.»26
No mesmo dia, o presidente finlandês deu instruções para notificar os reservistas do
alistamento, sem no entanto declarar publicamente a mobilização geral.27
Mais ou menos à mesma hora em que Hitler fazia o apelo atrás referido, tropas do
Comando Supremo do Exército da Noruega marchavam de Kirkenes para a região de
Petsamo. Sem conhecimento e acordo do Governo finlandês?...
Navios de guerra finlandeses e alemães começaram a bloquear o Golfo da Finlândia no
lado oriental. Sem conhecimento e acordo do Governo finlandês?...
Aviões alemães bombardearam a base naval soviética Hanko.
Tudo isto sem conhecimento do Comando Supremo finlandês?...
Como relatou o almirante N.G. Kuznetsov, Comissário do Povo e Comandante
Supremo da Marinha de Guerra, em 19 de Junho, a Frota do Báltico passou ao nível 2 de
prontidão operacional, prevenindo eventuais surpresas.28 Antes de 22 de Junho, aviões
de guerra alemães sobrevoaram a região polar e o Golfo da Finlândia. Kuznetsov deu
ordens para disparar sobre os aviões que violassem o espaço aéreo soviético, e isso valeu-
lhe uma repreensão de Stáline.29
A embaixada alemã tinha-se queixado de que aviões pacíficos, que faziam
«observações meteorológicas», tinham sido atacados.30 Stáline queria evitar tudo o que
pudesse servir de pretexto aos fascistas alemães para uma guerra contra a URSS.
Poucas horas antes do assalto, o comandante da Frota do Norte, general Golovko,
informou telefonicamente Kuznetsov que do território finlandês partiam aviões alemães
na direcção do Pólo Norte. Kuznetsov ordenou: «Abra fogo sobre os aviões que violem o
nosso espaço aéreo.»31
A 22 de Junho as forças armadas soviéticas ripostaram. Aviões soviéticos atacaram
couraçados finlandeses e algumas fortificações nos recifes de Turku, assim como barcos
costeiros a Sudoeste de Porvo. Na manhã de 22 de Junho, a artilharia soviética disparou
sobre território finlandês e à noite a infantaria abriu fogo, o que é descrito por Erfurth
como «violações de fronteira», que também se repetiram nos dias seguintes. E só então,
a 26 de Junho, o Governo finlandês, alegadamente provocado pelos russos, declarou
guerra à União Soviética.32
Seguindo a «argumentação» de Erfurth, as tropas soviéticas só poderiam ter ripostado
depois de 26 de Junho – na melhor das hipóteses! – já que só a partir deste momento a
Finlândia entrou em guerra com a URSS de acordo com «o direito internacional». Este
género de «história objectiva» liquida-se a si próprio.
O Governo branco reaccionário finlandês era desde o início aliado de Hitler. E
comprometeu-se de mote próprio.
As tropas do Comando Supremo do Exército Norueguês, juntamente com as tropas
finlandesas, sob a direcção do general von Falkenhorst, iniciaram a ofensiva a partir da
11
região Petsamo (actual Petchenskaia oblast) na direcção de Murmansk e Murman-Bahn,
a 29 de Junho.33 Pergunta-se: sem preparação e planeamento conjunto com o Comando
Supremo finlandês?
Para documentar com toda a clareza as estreitas relações entre os finlandeses brancos
e os fascistas alemães recordamos aqui, com algum pormenor, um acontecimento em si
insignificante.
Mannerheim comemorou o seu 75.º aniversário a 4 de Junho de 1942, o que deve ter
sido um «grande acontecimento» para o povo finlandês. A festa foi organizada pelo
presidente Ryti na margem sul do lago Saimaa. Os generais Dietl e Stumpff estavam
entre os convidados vindos «de longe». Finalmente aterraram «dois aviões Dornier
vindos da Alemanha»; «traziam Adolf Hitler». «Hitler, que tinha grande interesse
pessoal em Mannerheim e admirava o heróico povo finlandês, tinha decidido
manifestar pessoalmente ao herói finlandês os seus parabéns e os do povo alemão.» Foi
«um acontecimento brilhante e satisfatório para todos os participantes.» Hitler, que
não tinha pensado em fazer um discurso à mesa, «acabou por se levantar e fez um
discurso bem aceite por todos os ouvintes, com admirável capacidade de compreensão
daquele para ele desconhecido círculo, no qual elogiou a participação finlandesa na
guerra do Inverno e na presente guerra, e lamentou que a Alemanha não tenha podido
ajudar logo o povo finlandês na guerra do Inverno.»
Entre os participantes da festa «dominava a satisfação geral (…) sobre o bom
decorrer do dia.»
Enquanto a imprensa finlandesa comentou «positivamente» a visita de Hitler, na
América esta visita foi «muito pouco apreciada». «O embaixador Procope relatou que o
Departamento de Estado lhe tinha dado a entender que a Finlândia não podia voltar a
permitir-se uma festa destas.»
A 27 de Junho, Mannerheim retribuiu a visita de Hitler. Hitler enviou-lhe o seu avião
privado com o seu chefe ajudante da Wehrmacht, general Schmundt, para o ir buscar a
Helsínquia. Foi recebido na Wolfsschanze.34 Mannerheim participou na reunião diária
«sobre a situação geral, com o Führer». À tarde, o major-general Halder, chefe do Alto
Comando do Exército recebeu Mannerheim. A noite passou-a como «convidado do
Marechal do Reich na casa de caça do Reich no coração da charneca de Rominter.»
Regressou a 28 de Junho, de novo no avião de Hitler.35
Este relatório, na «linguagem do III Reich», não necessita de mais comentários. É
suficientemente explícito para provar as relações pessoais da reacção branca finlandesa
com a clique dirigente fascista.
Naturalmente que Hitler também tinha objectivos políticos ao visitar a Mannerheim.
Os serviços secretos alemães não desconheciam que a guerra era impopular no seio do
12
povo finlandês. Espalhava-se a convicção no povo de que era tempo de encontrar uma
saída para a guerra.
E é tudo sobre a pré-história dos combates na Frente da Carélia em 1944.
***
Havia já cerca de três anos que as tropas finlandesas e alemãs se encontravam num
género de guerra de trincheiras frente às forças armadas soviéticas na região de
Leningrado e na Carélia.
As tropas finlandesas e alemãs conseguiram êxitos iniciais e ocuparam Alakurttii,
Kestenga e Petrozavodsk. Aproximaram-se de Murmansk, mas não conseguiram ocupar
a cidade. Em algumas secções conseguiram atingir Murman-Bahn, que liga Leningrado a
Murmansk. No Sul chegaram a Svir, mas não conseguiram atravessá-lo. A frente, desde o
Golfo da Finlândia até ao Mar de Barents tinha quase 1600 km. Não havia outra frente
tão extensa.36
O plano inicial preparado por Meretskov, em Fevereiro de 1944, previa uma ofensiva
contra 0 20.º Exército de Montanha alemão, o «Exército da Lapónia» no Extremo Norte.
O ataque principal devia desenrolar-se na direcção de Kandalakcha, e previa-se um
ataque secundário na região de Murmansk. O QG aprovou o plano a 28 de Fevereiro e
também autorizou a requisição de meios de reforço suplementares das reservas do QG.
Este plano tinha por trás razões políticas. Já no Outono de 1942, ainda antes da
batalha de Stalingrado, o sentimento antiguerra alastrava no povo. A guerra dos
finlandeses brancos não era popular, mesmo em camadas da burguesia. No seio da classe
dominante aumentavam as dúvidas sobre uma vitória da Alemanha fascista, caso a
coligação anti-hitleriana se mantivesse estável. Mesmo a imprensa censurada
questionava-se se não seria tempo para procurar uma saída para a guerra.
Em 1944, o Governo finlandês estava cada vez mais sob pressão do sentimento
antiguerra. Em três anos de guerra tinha havido mais de 37 mil mortos. Uma perda
amarga para um povo de três milhões! Cada mês de guerra custava à Finlândia dois mil
milhões de coroas finlandesas. As deserções aumentavam nas forças armadas.
Os êxitos do Exército Vermelho perto de Leningrado e Novgorod, no Inverno de 1944,
desencadearam também um processo de reflexão entre os políticos finlandeses. Como
poderiam sair desta guerra? No Parlamento finlandês formara-se uma poderosa oposição
antiguerra contra o Governo reaccionário, que já não se podia ignorar ou reprimir.37 O
ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou a 1 de Fevereiro: «Caso não se consiga
manter Narva, há uma nova situação para a Finlândia.»38 Oficiais finlandeses falavam
abertamente entre eles sobre uma «paz separada» com a URSS. Inicialmente, os círculos
dominantes haviam procurado uma saída para a guerra através de contactos com os EUA
e a Grã-Bretanha. Os EUA não estavam em guerra com a Finlândia, ao contrário da Grã-
Bretanha.
Só a 16 de Fevereiro, depois dos referidos êxitos do Exército Vermelho perto de
Leningrado e Novgorod, o Governo finlandês encarregou o conhecido político
36 Ge. II. W’krieg (História da II Guerra Mundial), Vol. 8, op. cit., p. 58; Merezkov, op. cit., p. 320.
37 Noskov, op. cit., p. 262 e seg.
38 Erfurth, op. cit., p 164.
13
democrático-burguês, Juho Kusti Paasikivi, que não estava comprometido com a política
de guerra antipopular do Governo finlandês branco, de se informar junto da
embaixadora soviética na Suécia, a Sra. A. M. Kollontai, sobre as condições soviéticas
para o cessar dos combates e a saída da Finlândia da guerra. Aqui podemos concordar
com o que Erfurth escreveu: «O nome Paasikivi significava, claramente, para todos os
finlandeses um programa; nomeadamente a unificação da Finlândia com a União
Soviética. Apesar de ser um conservador (Partido Nacional Conservador), Paasikivi
defendeu sempre a cooperação da Finlândia com a União Soviética. Ele era a
personalidade reconhecida para reatar as relações entre a Finlândia e a União
Soviética.»39
A 19 de Fevereiro, o Governo soviético comunicou as condições: «Corte de relações
com a Alemanha; internamento das tropas e navios alemães estacionados na
Finlândia; restabelecimento do Acordo sovieto-finlandês de 1940; retirada das tropas
finlandesas para as fronteiras aí definidas; libertação dos prisioneiros de guerra
soviéticos e aliados e civis.»40 Outras questões como a desmobilização das forças
armadas finlandesas, reparações à União Soviética dos prejuízos da guerra ou a região de
Petsamo, deviam ser adiadas para posteriores negociações em Moscovo.41
Churchill, que de acordo com a sua condição de aliado tinha sido informado pelo
Governo soviético sobre este assunto, felicitou Stáline, na sua mensagem de 21 Março,
pela «forma excepcionalmente equilibrada como tratou com os finlandeses.»42 Em
1940, a conversa tinha sido outra!
Estas foram as razões políticas da decisão do QG de dirigir o ataque principal contra
os alemães do exército da Lapónia, e de não atacar as tropas finlandesas em Svir e na
retaguarda entre os Lagos Ladoga e Onega, facilitando assim a saída dos finlandeses da
guerra. Isto poupava baixas soviéticas e permitia dirigir forças para outras frentes e
encurtar a duração da guerra. As operações militares, portanto, também foram aqui
subordinadas às exigências políticas.
A 27 e 29 de Março realizaram-se conversações sovieto-finlandesas em Moscovo. Sob
forte pressão alemã, nomeadamente de Hitler e Ribbentrop, o Parlamento finlandês
recusou, a 12 de Abril, por «razões técnicas», as condições de armistício do Governo
soviético.
Em consequência, o QG alterou o objectivo estratégico na Frente da Carélia. O ataque
principal não era agora no Norte contra os alemães do Exército da Lapónia, mas sim no
Sul, em Svir e no Lago Ladoga, contra as forças armadas finlandesas para obrigar o
Governo finlandês a sair da guerra. Assim, a 30 de Maio, Meretskov foi chamado a
Moscovo ao QG.
Num curto espaço de tempo tinha de ser elaborado um novo plano para derrotar as
tropas finlandesas no Sul. Mas não podiam ser retiradas forças da zona Norte.
Chtemenko relata uma conversa que teve com Stáline em que este sublinha «que em caso
algum se pode enfraquecer a zona Norte da Frente da Carélia contra o 20.º exército
alemão da Lapónia. É necessário manter aí nossas tropas em total prontidão para um
ataque imediato, sem dar ao inimigo a possibilidade de manobrar parte das forças
para Sul. Agora, na actual fase da guerra, o Comando Supremo soviético pode
14
permitir-se uma tal reserva de forças. Estamos em condições de acumular por outras
vias tropas e os meios materiais necessários para o êxito da operação planeada contra
os finlandeses, tanto mais que a ausência de estradas nas regiões do Norte torna
qualquer manobra uma operação difícil. Para além disso, o terreno intransitável nas
latitudes Norte dificulta qualquer manobra. Acresce que os finlandeses já não são o que
eram antes: estão quebrados em todos os sentidos e querem a paz.»43
Stáline repetiu estas instruções a Meretskov, ordenando-lhe que em «caso algum»
deveria «enfraquecer as forças posicionadas contra as tropas alemãs, lembrando que
podem ser necessárias em qualquer momento para destruir o inimigo.»44
Meretskov «não ficou completamente satisfeito» com a conversa com Stáline.
Baseando-se nos dados dos serviços de informação sobre as forças inimigas, mostrou as
dificuldades que as suas tropas tinham de ultrapassar, usando um mapa de relevo do
istmo entre o lago Ladoga e o lago Onega. Stáline, assim pensava Meretskov, não gostava
que lhe dissessem como o inimigo iria agir. Quem o poderia prever com exactidão? E,
vendo nas palavras de Meretskov «uma tentativa de obter reservas adicionais»,
recusou-as. Depois, em face de um segundo relatório dos colaboradores do QG, Stáline
reconsiderou a sua decisão e autorizou o envio das reservas requeridas.45
Estas divergências não eram raras no QG. Cada comandante da frente procurava obter
reservas suplementares do QG. Mas Stáline tinha de ter sob controlo todas as frentes, dos
Balcãs até à região polar, principalmente na direcção do ataque principal. Um
comandante da frente da Carélia não podia saber o que o comandante na Roménia ou nos
Cárpatos precisava.
A Frente da Carélia sempre teve poucas forças e meios. Por isso era obrigada a
arranjar-se com o que tinha, pedindo com frequência ajuda ao QG. «O Comandante
Supremo chamava a esta frente “o eterno pedinte”. Compreendia as suas condições de
combate, compadecia-se, mas não cedia mais tropas, pensando permanentemente nas
direcções principais da guerra.»46
A 9 de Junho, Stáline comunicou a Meretskov que a Frente de Leningrado devia
romper a linha de defesa finlandesa no istmo da Carélia, e necessitava do seu apoio. A
Frente da Carélia tinha de derrotar rapidamente o adversário em Svir-Sortavala. A
operação devia estar pronta em dez dias e a sua preparação decorria no QG com a
participação de A. M. Vassiliévski, G.K. Júkov e A. I. Antónov. Houve de novo discussões
sobre os reforços.47
As novas exigências de Meretskov não eram infundadas. Os finlandeses possuíam
poderosas forças nas faixas de ataque, quer na Frente de Leningrado e no istmo da
Carélia, quer também na Frente da Carélia, em Svir, entre o lago Ladoga e o lago Onega:
15 divisões e seis brigadas, cerca de 268 mil homens, 1930 canhões e lança-granadas, 110
tanques e cerca de 250 aviões. Além disso, os finlandeses tinham construído fortificações
neste território de difícil acesso.
O QG, levando em linha de conta estas dificuldades, concentrou importantes forças no
istmo da Carélia e no Svir, região dos lagos Ladoga e Onega, que eram superiores às dos
15
finlandeses em 160 por cento nos efectivos, 330 por cento em canhões e lança-granadas,
320 por cento em tanques e artilharia móvel e 600 por cento em aviões.48
Stáline cedeu a Meretskov dois corpos suplementares de infantaria e uma divisão de
artilharia. No que respeita ao apoio aéreo, o marechal da Força Aérea Nóvikov foi
incumbido de fazer um ou dois bombardeamentos sobre as posições finlandesas.
Meretskov insistiu na necessidade de mais um corpo de infantaria, mas Vassiliévski e
Júkov recusaram.
Depois da saída destes últimos, Stáline convidou Meretskov para assistir à salva de
canhões em honra da Frente de Leningrado. Na despedida sussurrou-lhe: «Vou
conceder-lhe adicionalmente o corpo de infantaria que pediu.»49
A secção mais difícil da Frente da Carélia era o rio Svir com 350 metros de largura e 8
a 11 metros de profundidade, onde estava instalado o complexo hidroeléctrico Svir-3,
com um paredão de 18 metros de espessura e um reservatório de água com 125 milhões
de metros cúbicos. Se os finlandeses abrissem as comportas, impediriam a travessia do
Svir. Para prevenir tal eventualidade, Meretskov mandou destruir a barragem, pelo que
teve de dar explicações em Moscovo.
Segundo Meretskov, que explicou a sua decisão pessoalmente a Stáline, o Comandante
Supremo «não se interessava apenas pela essência das questões, mas também entrava
em pormenores, os quais talvez pudesse evitar.»50
Na guerra «não é possível planear todo o curso dos acontecimentos até ao fim (…) O
importante é traçar o rumo geral das operações, mas os pormenores concretos devem
ser deixados aos comandantes subordinados, sem lhes coarctar antecipadamente a
iniciativa. Na maioria dos casos, I.V. Stáline procedia deste modo, só se desviando deste
costume quando estava em causa consequências políticas ou por considerações
económicas, ou ainda quando a sua memória lhe dizia que já no passado se tinha
confrontado com situações semelhantes. Com isto não quero dizer que concordei
sempre com a forma como I.V. Stáline resolvia os assuntos, tanto mais que tive
discussões, na medida em que tal me era possível, dentro dos limites da subordinação,
quer sobre pequenos quer sobre grandes problemas (…)».
«Era próprio de Stáline voltar a chamar os comandantes-em-chefe das frentes a
Moscovo, ao tomar conhecimento de alterações parciais na operação planeada. Tais
chamadas aconteciam com frequência. Sempre que era possível, Stáline preferia falar
pessoalmente com as pessoas. Afigura-se-me que ele fazia isto por três razões. Em
primeiro lugar porque no decurso de uma conversa pessoal era possível inteirar-se
melhor do assunto. Depois porque Stáline gostava de testar as pessoas e formava
opinião sobre elas em tais encontros. Por último, Stáline, quando queria, sabia
aprender com os outros. Nos anos da guerra esta qualidade revelou-se com muita
frequência. Penso que os comandantes-em-chefe das frentes, os colaboradores do QG,
do Estado-Maior General e outros militares ensinaram muito ao Comandante
Supremo, no que toca aos problemas da guerra moderna. Correspondentemente,
também eles aprenderam muito com ele, sobretudo em questões gerais de Estado,
económicas e políticas. Isto também me diz respeito. Considero que cada deslocação ao
48 Noskov, op. cit., p. 265. Ver também Schtemenko, op. cit., p. 342.
49 Merezkov, op. cit., p. 329. [Ed. cit., p. 380. (N. Ed.)]
50 Idem, ibidem, p. 330. [Idem, ibidem, p. 381. (N. Ed.)]
16
QG me enriqueceu com algo e que cada encontro com dirigentes do partido e do Estado
alargou o meu horizonte e foi para mim extremamente instrutivo e útil.»51
Em 10 de Junho, as forças da Frente de Leningrado iniciaram a sua ofensiva. Tinham
uma superioridade decisiva perante os finlandeses. «A correlação geral de forças a
nosso favor na infantaria era de duas vezes, na artilharia e blindados quase de seis
vezes e na aviação de três vezes. Na faixa do 21.º Exército, que infligiria o ataque
principal, foi concentrada a maior parte das tropas e meios técnicos de combate
existentes no istmo da Carélia. Para além disso, nesta zona, participava ainda na
ofensiva o 23.º Exército. Nesta zona da ruptura, com uma largura de 12,5 quilómetros,
a correlação de forças era ainda mais impressionante, em particular, no que respeita à
artilharia.»52
A ofensiva teve resultados significativos. Pelas 19 horas de 20 de Junho, Viborg foi
libertada.
A 18 de Junho, quando a ofensiva no istmo da Carélia decorria positivamente, Stáline
notou que se aproximava o momento da ofensiva das tropas de Meretskov. E encarregou
Antónov de recordar uma vez mais ao Conselho Militar da Frente da Carélia a
necessidade de conservar intactas as forças e meios contra o exército alemão da Lapónia.
Antónov enviou o seguinte telegrama para a Frente da Carélia: «O Comandante Supremo
ordenou que vos recordasse a sua exigência de não enfraquecer a ala direita e o centro
da Frente e não retirar daí sem autorização do QG quaisquer forças e meios adicionais,
salvo as deslocações anteriormente autorizadas pelo QG.»53
Stáline seguia mentalmente todo o conjunto das operações: «O deslocamento das
forças inimigas para o istmo da Carélia, e o consequente enfraquecimento das tropas
finlandesas na Frente da Carélia, o avanço desta última para os flancos do grupo
principal dos finlandeses, e as operações daqui resultantes para a derrota final do
exército finlandês e, de seguida, das tropas fascistas alemãs, que ficariam numa
situação de quase isolamento.»54
Seria incompleto não referir o papel da marinha soviética nas operações no istmo da
Carélia e o interesse de Stáline pelas questões marítimas.
Durante o planeamento das operações nas frentes de Leningrado e da Carélia, Stáline
informou-se minuciosamente sobre as possibilidades da esquadra do Báltico e das
esquadrilhas do Ladoga e do Onega participarem nos combates. Com este objectivo, em
Março de 1944, chamou o almirante Tríbuts, comandante da esquadra do Báltico, ao QG
em Moscovo.
Stáline ouviu atentamente, como era seu hábito, as explicações do almirante Tríbuts. A
sua questão: que apoio podia dar a esquadra do Báltico às operações no istmo da Carélia?
A esquadrilha vermelha do Báltico tinha estado três anos cercada em Kronstadt. Só
pôde participar na defesa de Leningrado utilizando a sua artilharia e colocando uma
divisão de marinheiros como infantaria da Marinha na frente em terra. Por vezes, um
submarino conseguia romper a barragem de minas na saída ocidental do Golfo da
Finlândia.
17
«Agora os marinheiros têm a possibilidade de mostrar o que valem», dizia Stáline
referindo-se à esquadra do Báltico. Terminara o tempo em que estavam cercados no
Golfo da Finlândia. Na mesma altura começaram os preparativos para as ofensivas em
Novgorod e Narva, para a libertação das repúblicas soviéticas bálticas. Estas operações
deviam ser apoiadas pela esquadrilha do Báltico.
Mas para já tratava-se da operação de Viborg. Stáline interessou-se principalmente
pela artilharia naval, o seu alcance e calibre, assim como pelas possibilidades de
transporte de tropas e desembarque nas costas. Avisou para se «não colocar
desnecessariamente navios em perigo.»55 Deviam ser utilizados principalmente
hidroaviões. À artilharia naval era atribuído um importante papel no rompimento da
linha de defesa finlandesa extremamente fortificada. O termo «artilharia naval» é aqui
usado em sentido amplo. Isto porque durante o cerco de Leningrado foi desmontada a
artilharia pesada dos navios e utilizada como «artilharia terrestre», em parte para a
defesa dos caminhos-de-ferro. De acordo com o comandante da esquadra do Báltico, a
«artilharia naval» foi dividida em quatro grupos: 1) artilharia dos caminhos-de-ferro, 2)
artilharia dos fortes e navios fundeados em Kronstadt, 3) artilharia do polígono militar
da marinha, 4) artilharia dos navios da esquadra.56
Havia artilharia pesada com munições de 120 a 406 milímetros de calibre. Dos 240
canhões utilizados em Viborg, metade pertencia à «artilharia da marinha», que disparou
um total de 17 mil projécteis de grande calibre sobre as posições finlandesas.57
A esquadra do Báltico desempenhou ainda um papel importante na preparação da
operação de Viborg, transportando as tropas do 21.º exército da reserva do QG, de
Oranienbaum para Lissi Noss, para integrarem a Frente de Leningrado.58
Na baía de Viborg, uma vedeta soviética afundou um submarino alemão em águas
pouco profundas, que pôde depois ser içado. A bordo deste submarino encontravam-se
os novos torpedos «Zaunkönig»,59 autodirigidos através de dispositivos acústicos, que
haviam sido introduzidos em 1944.
Churchill pediu a Stáline autorização para que especialistas britânicos visitassem o
submarino alemão. Stáline autorizou a visita depois de consultar o almirante Kuznetsov,
Comissário do Povo e comandante supremo da Marinha de Guerra, que não lhe disse não
ver «nenhuma razão» para recusar o pedido. Os britânicos agradeceram calorosamente a
visita «em particular pelas informações preciosas sobre os torpedos acústicos
alemães.» Isto alarmou Stáline: «Não teremos cedido um segredo demasiado valioso?
(…) Stáline recordou que os aliados não demonstravam nenhuma vontade de partilhar
os seus segredos militares connosco. (…) Tríbuts e eu ficámos preocupados».60
55 N. G. Kusnezov, Auf Siegeskurs (A Caminho da Vitória), Moscovo 1975, Berlim, 1979, p. 128.
[Cotejado com o original russo, Кузнецов, Николай Герасимович, Курсом к победе. Голос,
Moscovo, 2000., p. 400. (N. Ed.)]
56 Idem, ibidem, p. 132. [Idem, ibidem, p. 404. (N. Ed.)]
57 Idem, ibidem, pp.132 e 133. [Idem, ibidem, 404 e 405. (N. Ed.)]
59 [Zaunkönig era o nome de código dos torpedos da marinha alemã dirigidos acusticamente,
também conhecidos por G7es. O nome de código dos aliados para este torpedo era GNAT
(German Navy Acoustic Torpedo). (NT)]
60 Idem, ibidem, p. 136. [Idem, ibidem, p. 408. (N. Ed.)]
18
Esta dúvida parece legítima: será que os almirantes soviéticos não examinaram antes
este torpedo especial?
A 21 de Junho, pelas 11.45 horas, a Frente da Carélia iniciou a sua ofensiva com forte
fogo de artilharia e ataques aéreos às fortificações finlandesas. Pelo início da tarde
iniciou-se a conquista do Svir. A 24 de Junho, as tropas soviéticas tinham forçado o Svir
em todo o seu comprimento. A esquadrilha de Ladoga desempenhou um papel
importante na operação no istmo entre os lagos Ladoga e Onega. «Os russos bateram-se
no lago de Ladoga (…) táctica e estrategicamente muito bem», escreveu o historiador
suíço Jürg Meister. «Em 1944, o desembarque russo em Tuulos foi feito com meios
superiores.»61
A 28 de Junho, o exército de Meretskov libertou Petrozavodsk. No final de Junho,
Murman-Bahn estava completamente limpo de inimigos, o canal Mar Branco-Mar
Báltico era de novo completamente navegável.62
As tropas da Frente de Leningrado ameaçavam a região de Viborg, as da Frente da
Carélia, com a passagem do meridiano 34º, aproximavam-se da fronteira sovieto-
finlandesa. A 21 de Julho, o 32.º exército da Frente da Carélia alcançou a fronteira.
Nos três anos de guerra, os finlandeses tinham sofrido baixas irreparáveis. Os
diferentes dados existentes coincidem no essencial. Segundo Meretskov, os finlandeses
perderam 50 mil soldados e oficiais só durante mês e meio de combates no istmo Onega-
Ladoga.63 Em geral não se diferencia o número de mortos e feridos. No istmo da Carélia
(Frente de Leningrado), segundo Noskov, houve 44 mil mortos e feridos. De acordo com
Noskov, o total de baixas finlandesas na II Guerra Mundial foi de cerca de 90 mil
homens.64 Erfurth diz que as baixas finlandesas no istmo da Carélia, desde o início da
ofensiva soviética a 9 de Junho, foram de 18 mil homens, num total de 32 mil, somando
as baixas no istmo Ladoga-Onega. Até 18 de Julho, as baixas totais finlandesas em ambas
as frentes atingiam 44 mil homens, dos quais 6500 mortos.65
A 25 de Agosto, o Governo finlandês solicitou um armistício. A 4 de Setembro, os
finlandeses cessaram o fogo, o que foi seguido pelas tropas soviéticas no dia 5. A 19 de
Setembro seguiu-se a assinatura do armistício. A Finlândia tinha saído da guerra.
Depois dos combates, Meretskov teve a possibilidade de investigar as fortificações de
defesa finlandesas na região de Olonez. A linha de defesa, com uma extensão de 30
quilómetros, dispunha aqui em cada quilómetro de 30 metralhadoras e lança-granadas,
70 alvéolos para atiradores, dez bunkers e sete campânulas blindadas antitanque. Para
além disso havia trincheiras para a infantaria com refúgios esféricos em betão armado e
até dez construções de combate em betão armado nas direcções principais. «Para
construir e manter uma tal defesa (…) o país tinha de dispor de um importante
potencial económico-militar. Mas a Finlândia não o tinha. (…) A construção realizou-se
com ajuda estrangeira (essencialmente alemã, é claro). (…) Esforcei-me por
compreender em que se baseavam as expectativas dos finlandeses. As suas tropas eram
insuficientes. Não dispunham de quantidade suficiente de aviões, tanques, artilharia.
61 Jürg Meister, Der Seekrieg in den osteuropäischen Gewässern 1941-1945 (A Guerra Naval
nas Águas do Leste Europeu 1941-1945), Munique, 1958, p. 201.
62 Sobre o desenrolar dos combates, ver Merezkov, op. cit., pp. 331-334.
19
Não terá este pequeno país colocado sobre os seus ombros um fardo demasiado pesado,
mesmo do ponto de vista puramente militar?»66
O Governo branco colocara o povo finlandês à disposição do imperialismo fascista
alemão para a realização de uma tarefa histórica impossível, na vaga esperança de
construir a «Grande Finlândia», com a anexação da península de Kola, rica em matérias-
primas. Seria também o povo também a pagar a factura da camada superior mais
reaccionária da classe dominante finlandesa.
A guerra contra a Finlândia tinha terminado, mas não a guerra contra o exército
alemão da Lapónia na região polar, que, de acordo com o armistício, devia deixar a
Finlândia até 15 de Junho. Não o fez. Os combates continuaram com impiedosa dureza
do lado soviético com o objectivo de impedir a retirada do Exército da Lapónia, com o seu
material de guerra, para a Noruega, de onde podia continuar a guerra contra a URSS. Na
sua retirada, o Exército da Lapónia organizou evacuações coercivas de cidadãos
finlandeses, fez reféns, destruiu cidades e aldeias. Como se verá, também foram
destruídas pelos fascistas Petsamo e a cidade norueguesa de Kirkenes. O próprio Erfurth
não podia negar estas acções vis, mesmo que tenha procurado, da forma conhecida,
legitimar os generais fascistas, considerando estes actos como «exigências militares».
A operação de Petsamo-Kirkenes
66Merezkov, op. cit., p. 337. [Ed. cit., pp. 389-390. (N. Ed.)]
67A. G. Golovko, Zwischen Spitzbergen und Tiksibucht (Entre Esvalbarda e a Baía de Tiksi),
Moscovo, 1979, Berlim, 1986, p. 203. [Citações cotejadas com o oriental russo Головко А. Г.
Вместе с флотом, Финансы и статистика, 3.ª edição, Moscovo, 1984, pp. 228-229. (N. Ed.)]
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devido às reservas de níquel e das importantes bases navais e aéreas aí instaladas, onde
estavam concentrados os submarinos e aviões para procurariam impedir as ligações
marítimas soviéticas no mar de Barents. Como os alemães não davam sinais de retirar
dessa região, tinham de ser obrigados pela força. Para cumprir essa tarefa era preciso
concentrar tropas na região polar. A perseguição do 36.º Corpo do Exército alemão
exigiria reservas necessárias na região de Murmansk. O QG até admitia destinar parte
das forças da Frente da Carélia para a direcção Oeste.68
Este era o aspecto militar do problema militar. Mas ainda havia um outro político,
sobre o qual o QG não podia, ou não considerou necessário, informar as tropas. Só
passadas duas semanas, Meretskov soube da assinatura do armistício em 19 de
Setembro, cujas negociações decorriam naquele período.
Na nova situação, a permanência de tropas alemãs no seu território era extremamente
perigosa para o Governo finlandês. Receando ser acusado pelo Governo soviético de não
cumprir as cláusulas do acordo, o executivo de Helsínquia foi obrigado a expulsar pela
força os alemães. «Este episódio é bastante instrutivo no plano histórico. Mesmo na
guerra há situações em que a resolução política de um problema se revela mais eficaz
do que a solução militar.»69
No entanto, os fascistas alemães só concordaram em retirar as suas tropas até à região
do Extremo Norte do Golfo de Bótnia.70 O Governo finlandês viu-se na necessidade de
combater os antigos aliados. Na primeira semana de Outubro, os finlandeses
conseguiram conquistar as cidades portuárias de Kemi e Tornio no Golfo de Bótnia e
iniciaram o ataque a Rovaniemi, onde se encontrava o Estado-Maior do 20.º Exército de
Montanha, do general Rendulic, que destruiu a cidade e retirou para Petsamo.71
No final de Outubro, as tropas finlandesas tinham conseguido dividir as unidades
alemãs em duas partes. Uma retirou para Noroeste, junto à fronteira finlandesa-
norueguesa. A outra tomou posições junto ao lago Inari, controlando a via para Petsamo.
As tropas alemãs ainda ocuparam a região Kilpis-Järvi durante seis meses, até que foram
expulsas ou feitas prisioneiras pelos finlandeses.
No que toca à libertação de Petsamo, esta resultou das operações conjuntas das tropas
da Frente da Carélia e unidades da esquadra soviética do Mar do Norte. A 29 de
Setembro, Meretskov e o almirante Golovko concertaram o plano para derrotar os ainda
poderosos restos do Exército da Lapónia na região de Petsamo.
A 7 de Outubro iniciou-se a ofensiva do lado terrestre e um dia mais tarde a partir do
mar.
É de salientar a marcha de quatro dias do 126.º Corpo de Infantaria, muito referida na
história militar internacional, atravessando a tundra, com todo o equipamento, canhões,
lança-granadas e metralhadoras, transportados por cavalos e renas através de rios,
pântanos e território montanhoso. Em completo silêncio, surpreenderam as tropas
alemãs do lado em que não era de esperar nenhum ataque.
O já citado historiador suíço Jürg Meister sublinha o papel da artilharia soviética de
costa na península de Ribatchi, a qual «desempenhou um papel importante durante
toda a guerra». «A partir de 1942 o fogo russo era excelente também durante a noite e
68 Merezkov, op. cit., p. 339 e seg. [Ed. cit., pp. 393-394. (N. Ed.)]
69 Idem, ibidem, p. 340. [Idem, ibidem, pp. 395. (N. Ed.)]
70 Idem, ibidem. [Idem, ibidem. (N. Ed.)]
21
com nevoeiro».72 As lanchas rápidas e os torpedeiros soviéticos distinguiram-se na
operação de Petsamo pelo bem sucedido transbordo de tropas e pela conquista de
Linachamari, o porto de Petsamo. A 15 de Outubro, as tropas da Frente da Carélia e
unidades da esquadra do Mar do Norte libertaram Petsamo, e, a 25 de Outubro, durante
a perseguição das tropas alemãs em território norueguês, a cidade de Kirkenes.73
A 29 de Outubro, Meretskov informou telefonicamente Stáline de que o Conselho
Militar da Frente da Carélia tinha decidido na véspera dar como concluída a operação: os
objectivos colocados à Frente da Carélia e à Frota do Norte foram integralmente
cumpridos, os agressores fascistas liquidados e expulsos do Norte soviético. Para além
disso, fora prestada ajuda à libertação da Noruega.
Stáline concordou com a decisão e ordenou que as tropas da Frente da Carélia não
avançassem mais «em território norueguês. Até receber instruções para a utilização das
tropas da frente, proteja as direcções principais nos limites alcançados e constitua
fortes reservas, e desloque-se pessoalmente ao QG.»74
O Governo norueguês comunicou ao Governo soviético, através da sua missão militar
em Moscovo, que ficaria reconhecido se o Exército Vermelho apoiasse a administração
local e as forças do movimento de resistência norueguês.
A entrada do Exército Vermelho na Noruega tinha criado as condições propícias para
uma acção conjunta com os destacamentos especiais, formados pelo Governo norueguês
em território de outros países, com vista à libertação do país. Todavia, o transporte das
tropas norueguesas para o Norte atrasou-se, e o trabalho inicial de organização das forças
norueguesas no território libertado pela Frente da Carélia recaiu sobre o 14.º Exército
soviético.
Esta cooperação do comando do 14.º Exército com a administração norueguesa e o
movimento de resistência estava legalmente enquadrada no acordo entre o Governo
norueguês e os governos da URSS, dos EUA e da Grã-Bretanha, de 17 de Maio de 1944, e
no apelo do rei norueguês, Haakon VII, ao povo finlandês.
Mas as dificuldades em constituir destacamentos militares no Norte da Noruega eram
grandes: «As pessoas viviam aqui em aldeias ou quintas, distantes entre si até 100
quilómetros, não havia caminhos, transportes ou comunicações. A situação alimentar
não podia ser pior. Faltava o equipamento necessário e o calçado era totalmente
inexistente. Ninguém na população tinha recebido instrução militar e era impossível
constituir um comando.»75
Acresce que os fascistas, na sua retirada, tinham destruído Kirkenes e a pequena
localidade de Neiden. O 14.º Exército ajudou a população com os seus meios, que
também não eram abundantes. Partilhou as suas reservas alimentares, ajudou na
construção de uma base hospitalar e no combate às doenças infecciosas, na instalação de
redes de comunicação e na recuperação de instalações produtivas. Os membros da
resistência receberam equipamentos e automóveis.76
205-221.
74 Merezkov, op. cit., p. 352. [Ed. cit., pp. 408-409. (N. Ed.)]
75 Schtemenko, op. cit., p. 360. [Ed. cit., pp. 505-506. (N. Ed.)]
22
No seu discurso radiofónico de 26 de Outubro, o rei norueguês elogiou a actuação das
tropas soviéticas: «Dispomos de inúmeras provas da amizade e simpatia para com o
nosso país da parte do Governo e do povo da Rússia soviética. Acompanhámos com
admiração a luta heróica e vitoriosa da União Soviética contra o nosso inimigo comum.
O dever de cada norueguês consiste em prestar o máximo apoio ao nosso aliado
soviético.»77
Em Julho de 1945, o rei norueguês declarou: «O povo norueguês seguiu com
entusiasmo o heroísmo, a coragem e os golpes poderosos que o Exército Vermelho
infligiu aos alemães (…) A guerra foi ganha pelo Exército Vermelho na Frente Leste. Foi
exactamente esta vitória que conduziu à libertação do território norueguês no Norte
pelo Exército Vermelho (…) O povo norueguês recebeu o Exército Vermelho como
libertador.»78
A este propósito, o ministro da Justiça norueguês enviou um telegrama a Meretskov:
«Na qualidade de membro do Governo norueguês sinto o desejo, senhor marechal, de
vos manifestar, a vós como comandante desta Frente, a minha sincera gratidão».79
O Governo norueguês condecorou Meretskov com a Ordem do Santo Olavo.80
A 31 de Outubro, o Presidium do Soviete Supremo nomeou Meretskov como marechal
da União Soviética.
Em Setembro de 1945, as tropas soviéticas retiraram do Norte da Noruega. O jornal
norueguês Aftenposten escreveu: «Os russos foram os primeiros a chegar e são também
os primeiros a partir. Os noruegueses nunca esquecerão o que os russos fizeram por
eles e pela causa comum da vitória sobre o inimigo.»81
77 Merezkov, op. cit., p. 352. [Ed. cit., pp. 410. (N. Ed.)]
78 Pravda, 5 de Julho de 1945. Citado segundo Noskov, op. cit., p. 291.
79 Merezkov, op. cit., p. 352. [Ed. cit., pp. 410. (N. Ed.)]
23
Índice de nomes
(acrescentado pela edição portuguesa)
24
Tirol, de onde é libertado pelos norte- Mannerheim, Carl Gustaf Emil (1867-
americanos. 1951), chefe militar dos brancos finlandeses
Heinrichs, Axel Erik (1890-1965), na guerra civil de 1918, comandante das
militar finlandês, combateu na guerra civil forças armadas durante a II Guerra, foi
ao lado dos brancos e na guerra sovieto- regente da Finlândia (1918-19) e Presidente
finlandesa. Em Junho de 1940 foi nomeado da República (1944-46).
chefe dos Estado-Maior General e Manner, Kullervo (1880-1939),
promovido a general de Infantaria. jornalista e político finlandês, presidente do
Ierógov, Aleksandr Ilitch (1883-1939), Partido Social-Democrata da Finlândia
membro do PCU(b) desde 1918, candidato do (1917-18), presidente do Conselho dos
CC entre 1934 e 1938, oficial do exército na I Plenipotenciários Populares da Finlândia
Guerra, ingressa no Exército Vermelho em (1918), fundador do Partido Comunista da
1917, comandando várias unidades durante a Finlândia (1918) e seu presidente entre 1920
guerra civil, designadamente na Frente Sul e 1924. Radicado na URSS após a derrota da
contra Deníkine e na Frente Sudoeste contra revolução finlandesa, trabalha para o
a Polónia, por cujos serviços recebe o título Komintern até ser preso, em 1935, acusado
de marechal. Chefe do Estado-Maior General de ligações aos fascistas finlandeses. É
(1931-37), primeiro-vice-ministro da Defesa condenado a dez anos de trabalhos forçados,
(1937-38), foi preso em 1938, julgado e vindo a falecer de doença num campo de
condenado a execução por espionagem e reclusão.
preparação de actos terroristas. Nóvikov, Aleksandr Aleksándrovitch
Jodl, Alfred Josef Ferdinand (1890- (1900-1976), marechal soviético, militar do
1946), militar alemão, foi chefe de operações Exército Vermelho desde 1919, entrando
no Estado-Maior do Alto Comando do para a Força Aérea em 1933. Participou na
exército nazi durante a II Guerra. Julgado guerra civil e na guerra sovieto-finlandesa.
em Nuremberga foi condenado à morte e Durante a II Guerra comandou as frentes da
enforcado, em 16 Outubro de 1946, como aviação como representante do QG do
criminoso de guerra. Comandante Supremo.
25
Raeder, Erich Johann Albert (1876- Stumpff, Hans-Jürgen (1889-1968),
1960) comandante supremo da Marinha de general alemão da Luftwaffe, comandou a
Guerra da Alemanha (almirante) antes e 5.ª Esquadra durante a II Guerra e
durante a Segunda Guerra Mundial até 1943, participou na assinatura da rendição
quando foi substituído por Karl Dönitz. incondicional da Alemanha, em 8 Maio de
Julgado e condenado à prisão perpétua em 1945, em Berlim. Foi libertado pelos
Nuremberga, foi libertado alguns anos britânicos em 1947.
depois por razões de saúde. Talvela, Paavo Juho (1897-1973) militar
Rendulic, Lothar (1887-1971), militar de finlandês, comandante de batalhão na guerra
origem croata, serviu nos exércitos austro- civil, foi promovido a general durante a
húngaro, austríaco e alemão. Na II Guerra guerra sovieto-finlandesa, na qual comandou
comandou sucessivamente a 14.ª (1940) e a um grupo designado com o seu nome e o 3.º
52.ª (1940-42) divisões de Infantaria, o 35.º Corpo no Istmo da Carélia, em Fevereiro de
Corpo de Exército (1942-43), o 2.º Exército 1940. Entre 1942 e 1944 foi o representante
Blindado na Jugoslávia (1943-44), o 20.º finlandês no alto comando nazi.
Exército de Montanha (1944-45) e, a partir Tríbuts, Vladímir Filípovitch (1900-
de Junho de 1944, os grupos de exércitos que 1977), almirante soviético (1943),
ocupam a Finlândia e a Noruega. Deu ordem comandante da Frota do Báltico entre 1939 e
para a destruição da cidade finlandesa de 1947, ingressou na Frota Vermelha em 1918 e
Rovaniemi. Em 1945 comanda os grupos de combateu na guerra civil. Membro do
exércitos da Curlândia (cercados na PCU(b) desde 1928 e da Comissão Central de
Lituânia), a seguir os grupos de exércitos do Fiscalização (1941-52). É autor de mais de
Norte, terminando a guerra à frente dos meia centena de obras sobre história militar
grupos de exércitos do Sul, que combatem na e de vários livros de memórias.
Áustria e na Checoslováquia., onde se rende
em 7 de Maio de 1945. Tuompo, Viljo Einar (1893-1957),
militar finlandês, comandou o Grupo Norte
Ribbentrop, Friedrich Wilhelm Joachim de tropas durante a guerra sovieto-
von (1893-1946), ministro dos Negócios finlandesa. Foi promovido a tenente-general
Estrangeiros da Alemanha Nazi (1938-1945). em 1941.
Foi julgado pelo Tribunal de Nuremberga e
executado por crimes de guerra. Wallenius, Kurt Martti (1893-1984),
militar finlandês treinado na Alemanha,
Rüdiger von der Goltz, Gustav Adolf combateu ao lado dos brancos na guerra civil
Joachim (1865-1946), general alemão de 1918, sendo depois nomeado comandante
durante a I Guerra, comandou o exército do regimento de Guarda da Lapónia.
germânico do Báltico, tendo um papel Promovido a major-general (1930), envolve-
decisivo na contra-revolução nos países se no movimento fascista Lapua, do qual se
bálticos e na Finlândia. torna secretário-geral. Na guerra sovieto-
Ryti, Risto Heikki (1889-1956), finlandesa comanda o grupo de tropas da
presidente da Finlândia entre Dezembro de Lapónia, sendo exonerado após a derrota
1940 e Agosto de 1944. Antes foi primeiro- frente ao Exército Vermelho na Baía de
ministro (1939-40), ministro das Finanças Viipuri, em Março de 1940.
(1921-24) e presidente do Banco da
Finlândia (1925-39).
Weizsäcker Ernst Heinrich Freiherr von
Schmundt, Rudolf (1896 -1944), oficial (1882-1951), político e diplomata alemão foi
alemão, general de Infantaria (1944), chefe Secretário de Estado dos Negócios
do Departamento de Pessoal do Exército Estrangeiros de 1938 a 1943, e embaixador
nazi, foi uma das vítimas mortais ao da Alemanha no Vaticano de 1943 a 1945.
atentado fracassado contra Hitler, em 20 de
Julho de 1944.
26
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (VII)*
Ulrich Huar
Capítulo V
«O Ano de 1945»
1
Stáline diferenciou três períodos na guerra até esse momento. Ao primeiro período
pertenciam «os primeiros dois anos de guerra», a ofensiva das tropas alemãs, o seu
avanço na União Soviética, os combates defensivos do Exército Vermelho.
O segundo período é o terceiro ano da guerra, o «ano da reviravolta fundamen-
tal», no qual o Exército Vermelho conduziu poderosíssimas ofensivas, libertou dois
terços do solo soviético. Durante este período o Exército Vermelho conduziu a
guerra contra as tropas alemãs «ainda um contra um, sem apoio sério por parte
dos aliados...».
Chamou terceiro período ao «quarto ano da guerra», «um ano de vitórias deci-
sivas dos exércitos soviéticos e dos exércitos dos nossos aliados...».
Os alemães tinham agora de conduzir a guerra em duas frentes. As tropas alemãs
foram expulsas da União Soviética, França, Bélgica e Itália meridional, os combates
estenderam-se ao solo alemão.
Segue-se a enumeração dos «dez golpes» com os seus resultados, assim como as
baixas humanas e materiais dos alemães e dos seus aliados.
A Conferência de Teerão (28 de Novembro – 1 de Dezembro 1943) não terminou
«sem resultados. A deliberação da Conferência de Teerão sobre um ataque con-
junto à Alemanha pelo Oeste, Leste e Sul foi implementada com impressionante
pontualidade.» 2
Stáline elogiou a invasão dos aliados anglo-americanos, em 6 de Junho de 1944,
«uma operação de desembarque de maciça», cuja «organização e dimensão são
únicas na história e ultrapassou magistralmente as fortificações alemãs.» 3
Sem a formação da 2ª frente na Europa, que amarrou 75 divisões alemãs, as tro-
pas soviéticas não teriam «em tão curto espaço de tempo rompido a resistência das
tropas alemãs e podido expulsá-las da União Soviética.» E inversamente, «sem as
poderosas ofensivas do Exército Vermelho, no Verão desse ano, que amarraram
200 divisões alemãs», as tropas anglo-americanas não teriam «podido vencer (...)
tão rapidamente as tropas alemãs.» 4
Eram afirmações muito diplomáticas, com as quais Stáline dava a entender quem,
mesmo depois da invasão a Ocidente, aguentava o maior peso da guerra.
Pode acrescentar-se que os êxitos das forças armadas soviéticas, que tinham de-
monstrado capacidade suficiente para libertar a Europa do imperialismo fascista ale-
mão, levaram os aliados ocidentais a implementar a invasão para «chegar antes dos
russos».
Naturalmente, Stáline também sabia isto ao referir discretamente as 200 divisões
alemãs na frente germano-soviética. Mais claro foi na sua afirmação: «Hoje todos
reconhecem que a luta abnegada do povo soviético salvou a civilização europeia
dos fascistas. É isto que constitui o maior mérito do povo soviético perante a histó-
ria da humanidade.» 5
Passados 60 anos da libertação do fascismo, parece-me ser necessário sublinhar
isto, perante a repetida asseveração de que a Europa foi libertada pelos americanos.
O sublinhar do mérito histórico mundial do povo soviético não significa de forma
2
nenhuma diminuir ou negar a contribuição excepcional das tropas anglo-americanas
durante a invasão em Itália ou em outras frentes. Tiveram uma participação signifi-
cativa na derrota da Alemanha fascista que se deve louvar.
Fala-se em divergências de opinião entre os Aliados. Existiram e existiriam no fu-
turo. Não se tratava de divergências de opinião, mas sim que elas não «ultrapassas-
sem o quadro do admissível no interesse da união das três potências e que por fim
fossem resolvidas no interesse dessa união». 6
Os fascistas hitlerianos tentaram por diversas vezes dividir as nações e colocá-las
umas contra as outras. É compreensível. A união dos Aliados era o maior perigo para
os fascistas, cuja separação seria para eles o maior êxito militar e político. Os esforços
dos políticos fascistas nesta direcção não tiveram êxito. A união da União Soviética,
Grã-Bretanha e EUA não se baseava em «razões ocasionais e passageiras (…), mas
sim em interesses vitais e duradouros.» Esta união irá «sobreviver às provas da fase
final da guerra». 7
Stáline evitou referir, nas suas observações, os interesses de classe contraditórios
existentes no interior da coligação anti-hitleriana entre a União Soviética e os Aliados
ocidentais. Nesta altura, o interesse comum na derrota da Alemanha fascista – e do
Japão! – ainda era dominante perante as contradições de classe. As especulações de
Hitler e Goebbels de que as contradições de classe levariam inexoravelmente à sepa-
ração da coligação anti-hitleriana, eram nesta altura completamente irrealistas. Hi-
tler e Goebbels invocaram repetidamente nos seus discursos e proclamações «o mi-
lagre da divina providência». No seu discurso de Ano Novo, a 1 de Janeiro, ao povo
alemão, Hitler declarou que ao ano de 1945 seria «o ano de uma viragem histórica».8
No diário de Goebbels de 1945 encontram-se várias notas sobre a esperança num
«milagre» político, uma repetição do «milagre da casa Brandeburgo» na Guerra
dos Sete Anos (1756-1763), do comportamento dos romanos durante o cerco à sua
cidade pelas tropas de Aníbal, na Segunda Guerra Púnica (218-201 a.n.E). 9
«Por que razão», escreveu Goebbels ainda a 24 de Março no seu diário, «não de-
vemos esperar uma idêntica maravilhosa mudança das coisas» 1 0 . A 5 de Março,
8 Max Domarus: Hitler, Discursos e Proclamações, tomo II. Declínio. Segundo Volume,
1977, pp. 72, 110, 116, 249, 363. Na batalha de Canaã (216 a.n.E), os romanos sofreram uma
derrota esmagadora na Segunda Guerra Púnica. Os cartagineses, comandados por Aníbal,
encontravam-se perante as portas de Roma. Os romanos puderam, no entanto, defender a
sua cidade. De acordo com a lenda, os gansos começaram a grasnar quando os cartagineses
queriam, durante a noite, escalar os muros da cidade e acordaram os romanos. Este foi o
«milagre» da Segunda Guerra Púnica. O prussiano, Frederico II, o Grande, aproximava-se
do seu fim na fase final da Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Estava «em agonia e esperava
os últimos sacramentos». A 12 de Janeiro morreu a czarina Elisabete. O seu sucessor, Pedro
III, um admirador de Frederico, terminou de imediato a guerra contra a Prússia, safando-o
assim de uma derrota esmagadora. Este foi o «milagre» da Casa Brandeburgo.
3
Goebbels ainda acreditava, referindo-se a Hitler, numa mudança na política da
guerra através de «conversações com Stáline». 1 1
Assim também Stáline anotou: «Ganhar a guerra contra a Alemanha significa
completar uma grande obra histórica. Mas ganhar a guerra ainda não significa
assegurar aos povos uma paz duradoura e uma segurança fidedigna para o futuro.
A tarefa não consiste unicamente em ganhar a guerra, mas também em tornar im-
possível o aparecimento de uma nova agressão e uma nova guerra se não para
sempre, pelo menos durante um longo espaço de tempo.» 1 2
Existia uma única forma para alcançar paz e segurança para os povos: «criar uma
organização especial de representantes das nações amantes da paz para proteger
a paz e a garantia de segurança, disponibilizar ao seu órgão dirigente o mínimo
necessário em Forças Armadas para prevenção de uma agressão e comprometer
esta organização a utilizar de imediato estas Forças Armadas na prevenção e liqui-
dação da agressão e na punição dos responsáveis pela agressão.» 1 3
Uma tal organização não devia ser, no entanto, uma repetição da Sociedade das
Nações «de má memória». Stáline concluía com a questão: «É de contar que a ac-
tuação desta organização internacional venha a ser suficientemente eficaz? Será
eficaz se as grandes potências, em cujos ombros repousou o fardo principal da
guerra contra a Alemanha hitleriana, continuarem a colaborar no espírito da
unanimidade e entendimento. Será ineficaz se esta condição necessária for posta
em causa.» 1 4
A eficácia de uma tal organização está assim dependente das condições referidas.
Stáline deixou em aberto a questão se um tal «entendimento» das três grandes po-
tências poderia continuar a existir depois da guerra.
Esta formulação não significa que a guerra já se encontrasse no fim, que já não se
lutasse violentamente nas frentes. De acordo com os historiadores militares da RDA
Gerhard Förster e Richard Lakowski, a indústria de armamento alemã ainda produ-
zia em Janeiro de 1945 mais do dobro do que em Janeiro de 1942. Na verdade, a
curva da produção de armamento mostra, desde Agosto de 1944, uma constante ten-
dência de diminuição, apesar de a produção de armas ainda ter aumentado até De-
zembro de 1944, e para alguns tipos de armas até Fevereiro/Março de 1945. 1 5
A resistência do Exército fascista alemão ainda não estava definitivamente que-
brada, pelo contrário, em algumas zonas das frentes Leste e Oeste ainda se intensifi-
cou. «O fascismo procurou adiar a catástrofe inevitável com acentuadas medidas
desesperadas», escreveu o marechal Júkov. «A Alemanha ainda era capaz, no final
de 1944, de combates de defesa e resistia activamente. As suas Forças Armadas
1 4 Idem, ibidem.
4
ainda possuíam mais de 7,5 milhões de homens dos quais 5,3 milhões operacionais.
Como antes, o comando fascista mantinha agora, nas etapas decisivas, a maior
parte das suas tropas na frente germano-soviética, cerca de 3,1 milhões de homens,
28 500 peças de artilharia e lança-granadas, cerca de quatro mil tanques e canhões
autopropulsores, perto de dois mil aviões. Tem de se ter em conta que a frente ger-
mano-soviética se reduzira em cerca de 50 por cento, pelo que a concentração de
defesa era extremamente grande.» 1 6 As tropas soviéticas e os aliados em França
eram «superiores em todos os aspectos» às tropas alemãs. As forças armadas opera-
cionais soviéticas contavam cerca de seis milhões de homens nos finais de 1944, dis-
punham de mais de 91 400 peças de artilharia e lança-granadas, cerca de 11 mil tan-
ques e canhões autopropulsores, mais de 14 500 aviões. Para além disso ainda havia
reforços de tropas polacas, checoslovacas, romenas e búlgaras, cerca de 320 mil ho-
mens, assim como aviadores franceses do regimento de caças «Normandia-Njemen»,
que combatiam na unidade da 3ª frente na Bielorrússia.
Na frente Oeste encontravam-se 87 divisões bem armadas de tropas americanas,
britânicas e francesas, com 6500 tanques e mais de dez mil aviões. Em Itália, os
Aliados possuíam mais de 21 divisões e nove brigadas, perante 31 divisões alemãs
incompletas. 1 7
De acordo com o marechal Kóniev, comandante da 1ª Frente Ucraniana, as tropas
alemãs na sua zona da frente – no curso superior do rio Vístula, a Norte da zona
industrial da Alta Silésia, antes da cabeça-de-ponte de Sandomierz, na margem oci-
dental do Vístula – eram constituídas, no final de Janeiro de 1945, por cerca de cem
mil homens, nove divisões de infantaria e duas divisões de tanques, vários grupos de
combate (unidades constituídas com restos de divisões dispersas e derrotadas) duas
brigadas autónomas, seis regimentos autónomos e 22 batalhões autónomos. Tinha
de contar-se com a chegada de mais duas ou três divisões de infantaria. 1 8
O alto comando das Forças Armadas alemãs (Wehrmacht) estava decidido a man-
ter de todas as formas a zona industrial da Alta Silésia. A sua capacidade de produção
seguia-se à da zona do Ruhr, já ameaçada pelos Aliados. 1 9
Kóniev fez uma muito cuidadosa avaliação da moral das tropas alemãs. Nem todos
os alemães tinham já consciência do declínio da Alemanha fascista. «A situação di-
fícil ainda não influencia substancialmente o comportamento dos soldados alemães
no campo de batalha. Como sempre, combatem corajosamente e caracterizam-se
mesmo, principalmente na defesa, por uma firmeza fanática. A organização do
exército esteve sempre à altura; as divisões estavam completas e dispunham de
quase todo o armamento e equipamento.»
Ainda não se podia falar de um colapso moral das Forças Armadas fascistas.
Kóniev justificava-o com a propaganda de Goebbels e com as duras represálias a que
estavam sujeitos os soldados alemães. «A ofensiva nas Ardenas provocou até um
perceptível ímpeto moral. De acordo com declarações de prisioneiros, estava muito
divulgada, entre os soldados e oficiais, a ideia de que o comando alemão venceria
16 G.K. Júkov: Recordações e Reflexões, tomo II, Moscovo, 1969 – Berlim, 1973, 4ª edição
revista, p. 241 e seg.
1 7 Idem, ibidem, p. 242 e seg.
1 8 I.S. Kóniev: O Ano de 1945, Moscovo, 1966 – Berlim, 1982, 4.ª edição, p. 31.
5
os Aliados nas Ardenas, obrigá-los-ia a uma paz separada para depois utilizar to-
das as suas forças em todas as frentes contra a União Soviética. Estes boatos cor-
riam mesmo depois de a ofensiva nas Ardenas ter colapsado.» 20
Júkov, pelo contrário, escreveu: «Entre todos os prisioneiros que interrogámos
não houve um que ainda acreditasse na vitória. Os fascistas reprimiam com as me-
didas mais duras toda a dissidência e actuavam de forma implacável contra todos
os que duvidavam do seu regime.» 21
Esta avaliação de Júkov referia-se ao período antes da ofensiva nas Ardenas. O
marechal Bagramian, comandante da 1ª Frente Báltica, relata também a forte resis-
tência das tropas alemãs no fim de 1944, início de 1945, na Prússia Oriental e em
Kurland. «Mais de 30 divisões fascistas plenas, apinhadas num espaço limitado [em
Kurland, UH], resistiam desesperadamente. Para além disso, esperavam ainda
uma evacuação através do mar e assim evitavam pensar na possibilidade de ser
feitos prisioneiros. A propaganda de Goebbels ainda funcionava.» 22
O marechal Moskalenko, comandante do 38.º Exército da 4.ª Frente Ucraniana,
considerava que o moral das tropas fascistas alemãs já se encontrava muito abalado
na sua zona de combate no Leste da Eslováquia. «O número de soldados alemães
que se entregavam aumentou. As suas declarações denunciavam enormes depres-
sões.» Ele cita declarações de prisioneiros de acordo com material de arquivo: «”Por
que crimes somos obrigados a estar aqui?”, perguntavam os soldados alemães…
Excepto os novatos, ninguém acredita numa vitória da Alemanha. Os soldados só
pensam em como salvar a sua pele (…) A disposição dos soldados na frente, aqui
nos Cárpatos, resulta do cansaço permanente em que se encontram (…) Na ver-
dade, a esperança dos soldados na vitória há muito que foi para o inferno. E por
isso há sempre novas deserções, apesar da disciplina férrea. Em Novembro, foi exe-
cutado um soldado da 4.ª Companhia. Foi acusado de traição e desmoralização.»23
Numa carta do chefe do Alto Comando do grupo do Exército Vístula, da SS e ge-
neral da Polícia, Heinz Lammerding, a Heinrich Himmler, chefe da SS, de Fevereiro
de 1945, escreve-se: «A impressão geral que tive nos últimos dias é que nos encon-
tramos numa profunda crise de comando da Wehrmacht. O corpo de oficiais já não
controla a tropa. Na própria tropa surgem sinais de desagregação horríveis. Não
são casos isolados, os soldados que despem o uniforme e procuram obter, por todos
os meios, roupas civis para desertar. Constatou-se também sem margem para dú-
vidas que em muitas colunas de refugiados se esconderam soldados vestidos à civil
para partirem com elas.» 24
Numa linha de frente com 1200 quilómetros de extensão, os exércitos das Forças
Armadas soviéticas estavam preparados, em Janeiro de 1945, para derrotar definiti-
vamente o regime fascista na Alemanha. As três frentes da Bielorrússia e a 1.º Exér-
cito Ucraniano tinham de conduzir o ataque principal. A 1.ª Frente Bielorrussa, co-
p. 429.
2 3 K.S. Moskalenko: Na Direcção Sudoeste, tomo II. Moscovo 1975/Berlin 1979, p. 508.
6
mandante Júkov, e a 1.ª Frente Ucraniana, comandante Kóniev, em direcção a Ber-
lim e Viena, a 3.ª Frente Bielorrussa, comandante Tcherniakhóvski, e parte da 2.ª
Frente Bielorussa, comandante Rokossóvski, em direcção à Prússia Oriental.
As ofensivas das frentes deviam iniciar-se a 20 de Janeiro de 1945. Por ordem de
Stáline, a data dos ataques teve de ser antecipada cinco dias, apesar das más condi-
ções meteorológicas, que não permitiam a utilização de meios aéreos. As tropas an-
glo-americanas, na frente Oeste, encontravam-se em situação difícil por causa da
ofensiva nas Ardenas. Não existiu um pedido directo para antecipar a ofensiva na
frente germano-soviética, mas na sua mensagem a Stáline, de 6 de Janeiro, Churchill
dava a entender que ficaria agradecido a Stáline se ele o pudesse informar «se em
Janeiro podemos contar com uma grande ofensiva russa na frente do Vístula ou
noutra zona…» Ele considerava o assunto «urgente». 25
Na sua resposta a Churchill, de 7 de Janeiro, Stáline esclarece: «Preparamo-nos
para a ofensiva, mas as condições meteorológicas de momento não favorecem o
nosso ataque. O Quartel-General, porém, tendo em conta a situação dos nossos
aliados na frente Oeste, decidiu acelerar os preparativos finais e, sem tomar em
consideração o tempo, iniciar o mais tardar na segunda metade de Janeiro, vas-
tas operações ofensivas contra os alemães em todo a zona central da frente. Não
duvide de que tudo faremos para apoiar as tropas gloriosas dos nossos aliados.» 26
25 Correspondência entre Stáline e Churchill, Attlee, Roosevelt e Truman 1941 - 1945. Pu-
blicado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da USSR, Moscovo, 1957 – Berlim, 1961,
p, 363.
2 6 Idem, ibidem, p. 363 e seg.
2 7 Reuniões de análise da situação de Hitler. Os fragmentos dos protocolos das suas con-
ferências militares 1942-1945, editado por Helmut Heiber, Estugarda, 1962, p. 74.
7
Apesar de o objectivo da ofensiva alemã não ter sido atingido, a situação das tropas
anglo-americanas na frente Oeste sofreu «uma alteração embaraçosa» 28, como es-
creveu Churchill nas suas memórias. Os aliados ocidentais tinham «sofrido um revés
estratégico» 29 . A ofensiva das Ardenas foi «para nós um sério golpe». «Rebentou
uma crise sobre nós» 30 . A ofensiva das Ardenas «preocupou-nos. Adiou o nosso
avanço…» 31 . A 7 de Janeiro, o general Eisenhower declarou: «Por detrás da actual
ofensiva parece estar um fanatismo ou uma “fúria alemã” e eu não duvido que os
alemães concentrem todas as suas forças para alcançar rapidamente uma vitória
a Oeste. A batalha das Ardenas, na minha opinião, representa só um episódio e de-
vemos esperar outras tentativas noutras regiões.» 32
Eisenhower não dispunha de muitas reservas. Tinha de pedir a Washington tro-
pas suplementares, mas que só deveriam chegar à Europa Ocidental em meados de
Fevereiro. Numa carta para o Quartel-General dos Aliados, Eisenhower escreveu:
«A situação tensa podia ser sensivelmente aliviada se os russos iniciassem uma
grande ofensiva…» 33 . Esta foi a situação que levou à troca de correspondência en-
tre Churchill e Stáline já citada. A 14 de Janeiro, Eisenhower enviou ao chefe do
Estado-Maior das Forças Armadas soviéticas um telegrama: «A notícia importante
de que o esplêndido Exército Vermelho avançou num novo campo de batalha foi
recebida com entusiasmo por todos os exércitos aliados. Permito-me saudá-lo e
desejar-lhe os maiores êxitos a si e a todos os que dirigem e participam nesta es-
plêndida ofensiva.» 34
Churchill anotou a 18 de Janeiro na Câmara dos Comuns: «O Marechal Stáline
é muito pontual. Prefere adiantar-se do que atrasar-se na colaboração com os
aliados.» 35
A ofensiva soviética obrigou o Quartel-General da Wehrmacht a deslocar, entre 15
e 31 de Janeiro, oito divisões, entre as quais quatro divisões de blindados e uma di-
visão de infantaria motorizada com 800 blindados para a frente germano-soviética.
A frente Oeste teve poucas substituições, em Janeiro 291 blindados, 1328 na frente
germano-soviética. 36
A ofensiva soviética tinha levado o Quartel-General da Wehrmacht a abdicar de
novas acções ofensivas.
28 Winston S. Churchill, A II Guerra Mundial. Versão revista pelo próprio Churchill num
único volume das suas Memórias em 12 volumes, Outubro, 2003, p. 997.
2 9 Idem, ibidem, p. 998.
3 2 The Papers of Dwight D. Eisenhower: The War Years, Tomo 4, Baltimore - Londres
1970, p. 2407. Citado de acordo com História da II Guerra Mundial em XII Volumes,
10/288.
3 3 Idem, ibidem.
3 4 The Papers of Dwight D. Eisenhower: The War Years, Tomo 4, Baltimore - Londres
1970, p. 2407. Citado de acordo com História da II Guerra Mundial em XII Volumes,
10/289.
3 5 Winston S. Churchill, Discursos 1945, Vitória Final, Charles Eade, Zurique, 1950, p. 47.
8
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
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Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (IX)
Ulrich Huar
Capítulo V
4 Karl Dönitz, Dez Anos e Dez Dias. Memórias 1935 – 1945, 9ª edição, Koblenz, 1985, p.
390 e seg.
1
A 22 de Janeiro, a 3ª Frente Bielorussa conseguiu avançar para Königsberg, e
a 2ª Frente Bielorussa (Rokossóvski) alcançou o mar Báltico, a Leste de Elbing. 5
A 27 de Janeiro iniciou-se o ataque dos exércitos da 1ª Frente Báltica no Me-
mel; a 28 de Janeiro a cidade de Memel tinha sido conquistada. De seguida, a 1ª
Frente Báltica continuou o seu ataque na direcção de Liepaja. A unidade alemã
da Prússia Oriental ficou separada da unidade da Curlândia.
No combate pelo território de Memel, só a unidade da Curlândia perdeu cinco
mil soldados e oficiais, 40 tanques, sete peças de artilharia, 188 lança-granadas,
mais de 180 metralhadoras e outro equipamento. 6
Bagramian e o Quartel-General acreditavam que o exército da Curlândia esta-
ria completamente isolado das forças principais da Wehrmacht, o que se demons-
trou erróneo. Ao contrário do 6.º Exército de Paulus em Stalingrado, que se en-
contrava sob um «cerco de aço», a unidade da Curlândia estava protegida «de
três lados pelo mar». A unidade da Curlândia podia pôr em combate «todas as
forças numa zona de defesa com 200 quilómetros de largura», pelo que a con-
centração operativa de apenas seis quilómetros por divisão era extremamente
alta. «Desta forma, o adversário podia organizar a defesa escalonada em pro-
fundidade e ampliá-la de forma sólida. A sua segunda unidade e também a ter-
ceira na direcção principal e as suas importantes reservas encontravam-se em
condições de conduzir contra-ataques violentos».
O mar Báltico era a porta através da qual, até ao final da guerra, as tropas ale-
mãs recebiam tudo o que precisavam para a sua acção. «De Outubro a Dezembro
de 1944, a unidade da Curlândia recebeu cerca de três milhões e 570 mil tonela-
das brutas de reabastecimentos. Nunca lhe faltou nem munições, nem combus-
tível, nem alimentação. A frota do mar Báltico [soviética (N. Ed.)] não possuía
força suficiente para bloquear por mar a unidade da Curlândia». 7
Nos combates na costa, o Alto Comando ordenava normalmente o desembar-
que simultâneo de tropas bem preparadas. Foi assim na libertação da Crimeia a
partir de Novorossisk.
O Quartel-General contava desembarcar tropas nas costas das unidades da
Curlândia, através de Irben-Sun, mas a frota do Báltico não estava preparada para
uma operação dessa envergadura, como escreveu Bagramian. 8 Naquele mo-
mento, a relação de forças no mar Báltico não permitiu um tal desembarque.
No início de 1945, a frota do Báltico era constituída por um couraçado, dois cru-
zadores, 12 contratorpedeiros, 28 submarinos (dos quais 20 em condições opera-
cionais), 78 torpedeiros, cinco navios-patrulha, 73 caça-minas, 220 caça-submari-
nos pequenos e corvetas, 204 draga-minas e 47 canhoneiras. Parece ser uma pode-
rosa frota, mas a maioria dos caça-submarinos, draga-minas e navios-patrulhas
eram barcos de pesca transformados. 9 A capacidade de voo da frota do Báltico,
2
com os seus 781 aviões de combate, podia apoiar as operações de desembarque,
mas não podia substituir as lanchas de desembarque.
Devido à enorme destruição das bases das frotas libertadas e bases de apoio,
assim como à existência de minas no Golfo da Finlândia, os grandes navios fica-
ram fundeados em Kronstadt e Leningrado e não participaram nos combates. Em
1945, a parte de leão dos combates na guerra no mar Báltico foi assumida pelos
torpedeiros, submarinos e pela aviação naval. «Devido ao distanciamento das
bases de apoio, ao número limitado de caça-submarinos e torpedeiros, assim
como à impossibilidade de utilizar os grandes navios de guerra, a frota do Bál-
tico nunca conseguiu bloquear totalmente a unidade da Curlândia e os outros
grupos isolados do adversário e cortar a sua ligação ao mar Báltico. 10
A marinha de guerra alemã tinha superioridade no Báltico: dois antigos coura-
çados, o «Schlesien» e o «Schleswig-Holstein», equipados com artilharia e canhões
antiaéreos modernos, quatro cruzadores pesados e quatro leves, entre eles o «Prinz
Eugen», «Admiral Scheer», «Lützow», «Admiral Hipper» e «Leipzig», (os gran-
des navios de combate não estavam sempre em acção, UH), mais de 200 submari-
nos, que na verdade não estavam todos em condições de operacionalidade, mais de
30 contratorpedeiros e torpedeiros, 70 lanchas, 64 caça-minas, estes últimos tam-
bém na sua maioria cúteres e barcos de pesca transformados. Perante uma tal re-
lação de forças, uma tentativa de desembarque de tropas soviéticas nas costas das
unidades da Curlândia implicaria elevadas baixas com poucas possibilidades de
êxito.
Cárpatos
10 Idem, ibidem, p.279. Sobre a guerra no Báltico em 1945 ver Juerg Meister, A Guerra
Marítima em Águas do Leste Europeu 1941 – 1945, Munique, 1958, pp. 115-135. Na verdade,
as fontes de Meister são muito limitadas. Nesta época não podia conhecer material de arquivo
publicado mais tarde.
11 Moskalenko, ibidem, p. 520.
3
As «frentes secundárias» desempenharam, assim, um papel significativo nos
êxitos das forças armadas soviéticas. Os combates nas frentes secundárias não
foram menos difíceis do que os na direcção principal.
Ao atingir a região de Bielsko-Biala, a 4ª Frente Ucraniana terminou a sua par-
ticipação na operação Vístula-Oder. O Quartel-General atribuiu-lhe uma nova ta-
refa: atacar na direcção de Moravska-Ostrava, libertar uma das maiores zonas
industriais da República da Checoslováquia e assim atingir seriamente a produ-
ção de armamento dos fascistas. Seria esta também uma «direcção secundária»?
Os resultados da operação Vístula-Oder foram resumidos por Kóniev da se-
guinte forma: «A 1ª Frente Bielorussa e a 1ª Frente Ucraniana, com o apoio ac-
tivo da 2ª Frente Bielorussa e a 4ª Frente Ucraniana, avançaram cerca de 600
quilómetros em 23 dias, alargaram a brecha até mil quilómetros, atravessaram
o Oder e construíram uma série de testas-de-ponte. Foi assim que a 1ª Frente
Bielorussa chegou à testa-de-ponte de Küstrin, a 60 quilómetros de Berlim.» 12
A condução das frentes directamente pelo Quartel-General tinha mostrado o
seu valor.
Nos duros combates para romper as linhas de defesa alemãs, os soviéticos tam-
bém aplicaram novos métodos na direcção da guerra: a introdução de unidades
blindadas, assim como a chamada frente «dupla», uma «interior» no cerco das
tropas adversárias e uma «exterior», com corredores de ataque na linha da frente
do adversário.
Naturalmente que a introdução de novos métodos provocou discussões entre
os generais. As operações de guerra não são possíveis sem perdas de vidas hu-
manas. Nenhum general, ainda menos um comandante em chefe, decide de
ânimo leve adoptar novos métodos em vez de seguir os métodos com êxitos com-
provados. Assim, como conta Kóniev, havia «hesitações» no Quartel-General
sobre a decisão de introduzir de unidades blindadas logo no primeiro dia do
rompimento. Na perspectiva do QG, Kóniev não nomeia Stáline directamente,
as unidades blindadas não deviam ser utilizadas na linha da frente contra os
principais corredores de defesa do adversário, para evitar elevadas baixas dos
tanques. Kóniev era da opinião de que o método de «rasgar» a defesa do adver-
sário com a infantaria pertencia à I Guerra Mundial. Na segunda metade da
Grande Guerra Pátria, as tropas soviéticas tinham «todas as possibilidades» de
utilizar tanques e excelentes canhões autopropulsados, logo desde o primeiro
dia no rompimento do corredor principal de defesa, como o tinham feito com
êxito na operação Vístula-Oder.13
Uma particularidade da operação Vístula-Oder consistiu em não liquidar gru-
pos de tropas adversárias, mesmo quando se tratava de «forças significativas»
que poderiam atacar pelas costas as tropas que avançavam, mas sim continuar a
avançar e deixar o cerco para a segunda unidade. Unidades adversárias assim
cercadas já não podiam ser perigosas.
4
Kóniev abria uma excepção caso as forças cercadas fossem «tropas blindadas
e motorizadas móveis»; o «cerco móvel na retaguarda» podia ainda tornar-se
perigoso. Kóniev não refere quem deveria derrotar este «cerco móvel». 14
Förster e Lakowski confirmaram a eficácia desta táctica: «Bem na retaguarda
das unidades soviéticas, dois grupos de combate alemães procuravam o resto
de duas unidades blindadas que se tinham juntado a pequenos grupos de dife-
rentes unidades para alcançar a salvadora margem ocidental do Oder, e conse-
guiram fazê-lo entre o final de Janeiro e o início de Fevereiro, mas à custa de
baixas muito significativas. Só algumas divisões e grupos do 9.º Exército e do
4.º Exército Blindado puderam escapar à completa eliminação. Entre o final de
Janeiro e o início de Fevereiro, as tropas chegaram ao Oder divididas, dizima-
das e esgotadas. A Wehrmacht perdeu entre o Vístula e o Oder cerca de 400 mil
homens.» 15
Na guerra não há «receitas». As unidades alemãs na Curlândia e Prússia Orien-
tal podiam ainda ser perigosas nas costas das forças armadas soviéticas. Pelo me-
nos ocupavam tropas soviéticas que não podiam ser utilizadas na linha da frente
para terminar mais rapidamente a guerra e assim poupar vidas humanas.
No seu conjunto as forças armadas soviéticas, nas principais linhas de ataque,
foram superiores à Wehrmacht fascista. Mas isto não é válido para todas as sec-
ções das frentes. A relação de forças nas «frentes secundárias» não foi sempre
favorável às tropas soviéticas. Moskalenko relata que, numa secção do 38.º Exér-
cito na frente dos Cárpatos, a relação de soldados era de 1:0,55 a favor do adver-
sário. 16 Para contrariar a desvantagem, Moskalenko utilizou um método conhe-
cido «já desde as guerras dos antigos gregos»: a concentração de tropas dispo-
níveis num determinado flanco do adversário para alcançar, nessa secção, uma
superioridade de forças que provocava a vitória. Moskalenko referia-se ao coman-
dante de Tebas Epaminondas, que, com este método, venceu os espartanos, su-
periores em número, na batalha de Leukra (371 a.n.E) e uma segunda vez em
Mantineia em 362 a.n.E.
Moskalenko cita Friedrich Engels, o primeiro teórico militar marxista, que es-
creveu sobre a batalha de Leukra: «Epaminondas foi o primeiro a reconhecer o
grande princípio táctico que, até aos dias de hoje, decide quase todas as bata-
lhas: a distribuição irregular das tropas na linha da frente para concentrar o
ataque principal num ponto decisivo.» 17
17 Idem, p. 488. Friedrich Engels, infantaria. Infantaria Grega, in: MEW 14/343. Engels
continua: «Até aí as batalhas dos gregos tinham-se desenrolado numa ordem paralela; a
robustez da linha da frente era igual em todos os pontos. Se o exército adversário era supe-
rior em número, ou formava uma ordem de batalha em profundidade ou dominava o outro
exército por ambos os flancos. Epaminondas, pelo contrário, determinava um dos seus flan-
cos para o ataque e o outro para a defesa. O flanco de ataque era constituído pelas suas
melhores tropas e pela maioria dos seus Hoplitas (Infantaria armada até aos dentes e blin-
dada, UH) formadas em coluna e seguidas por infantaria ligeira e cavalaria. O outro flanco
5
Este método não era, portanto, novo, mas a sua utilização demonstra o alto
nível teórico dos generais soviéticos, os seus conhecimentos sobre a história da
guerra. Novas eram as condições em que era aplicado, que se distinguiam daque-
las em que Epaminondas o tinha utilizado pela primeira vez. Assim, escreveu
Moskalenko: «Nos anos da Grande Guerra Pátria, quando milhões de pessoas
participavam nos combates com armamento e técnicas eficazes, o problema da
concentração de forças tornou-se extraordinariamente difícil. Este princípio
ganhou um novo conteúdo. O nosso alto comando aplicou-o frequentemente em
operações na frente e conseguiu êxitos assinaláveis. Isto foi muito evidente na
batalha de Stalingrado, onde o Exército Vermelho, com um número de forças
equivalente, cercou os alemães e liquidou-os.
As nossas tropas praticaram, com êxito, a concentração de forças em quase
todas as operações posteriores, sem que o alto comando fascista tenha uma
única vez conseguido opor-se-lhe de uma maneira eficaz. Com o decorrer do
tempo, o nosso alto comando, cada vez mais confiante, procurava enfraquecer
algumas secções para concentrar tropas noutros pontos. Embora estivesse sem-
pre presente o perigo de o adversário atacar em primeiro lugar na secção da
frente enfraquecida, nunca foi capaz de o fazer, já que na maioria dos casos o
nosso alto comando concentrou as tropas sabiamente, fazendo-o só no último
momento, depois de ter enganado o adversário com manobras de diversão.
Os generais de Hitler, que sofreram derrota após derrota, não queriam ad-
mitir que os seus fracassos tinham origem na crescente arte do nosso coman-
dante e na capacidade militar dos nossos soldados. Para se justificarem, os ge-
nerais nazis referiam, entre outras razões, a superioridade de forças do Exército
Vermelho, que na verdade tinha sido conseguida nas direcções principais atra-
vés de uma sábia concentração de forças.» 18
Este último aspecto é a razão por que as explanações militares de Moskalenko
foram pormenorizadamente documentadas.
Com o fim coroado de êxito da operação Vístula-Oder, os soldados do exército
soviético conseguiram obter uma forte posição político-militar para as negocia-
ções de Stáline na Conferência da Crimeia com os altos comandantes dos aliados,
que ele soube aproveitar.
era muito mais fraco e não avançava enquanto a coluna atacante rompia a linha do ini-
migo e depois ou se virava ou se desdobrava e assim penetrava no seio do inimigo com o
apoio das tropas ligeiras e da cavalaria.»
18 Moskalenko, ibidem, p. 488 e segs.
6
Malta
23 Idem, ibidem.
7
Ialta
8
Para a História do Socialismo
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Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (VIII)*
Ulrich Huar
Capítulo V
A operação Vístula-Oder
1
o comando das frentes se tornara mais simples, seria possível comandar as fren-
tes directamente do Quartel-General. No seguimento das mudanças no comando
das frentes, Stáline procedeu a uma redistribuição de papéis nas frentes.
Júkov devia assumir o comando da 1ª Frente Bielorrussa, que se encontrava
na direcção de Berlim, e tomar a cidade. Júkov manteve-se como representante
do Comandante Supremo, Rokossóvski, até aí comandante da 1ª Frente Bielor-
russa, assumiu o comando da 2ª Frente Bielorrussa, no flanco direito da 1ª Frente
Bielorrussa. No seu flanco esquerdo encontrava-se a 1ª Frente Ucraniana sob o
comando de Kóniev. As três frentes constituíam a força principal na direcção de
Berlim. (Alguns dias depois do início da ofensiva Rokossóvski teve de dirigir-se
na direcção da Prússia Oriental, como adiante veremos.) Estas três frentes foram
constituídas principalmente com reservas, armamento e equipamento, em parte
à custa das frentes secundárias, apesar de as operações destas não deverem ser
subestimadas no rápido avanço em direcção ao centro da Alemanha fascista.
A decisão de Stáline de nomear Júkov seu representante no comando da 1ª
Frente Bielorrussa teve, certamente, razões políticas. No final de Outubro de
1944, tiveram lugar as reuniões sobre as operações finais da Grande Guerra Pá-
tria.
O plano do Quartel-General previa executar, entre 15 e 20 de Janeiro, ofensivas
poderosas nos pontos estratégicos. As tropas alemãs deviam ser destruídas e a
Prússia Oriental conquistada. As tropas alemãs na Polónia, Checoslováquia, Hun-
gria e Áustria deviam ser derrotadas. Devia alcançar-se uma linha até Viena, ini-
ciando-se na foz do Vístula e passando por Bydoszcs-Posen-Breslau-Moravska-
Ostrava.
A 1ª e 2ª frentes bálticas tinham como missão derrotar as fortes tropas alemãs
na Curlândia e, em todo o caso, impedir que retirassem através do mar Báltico e
fossem utilizadas noutras frentes. A 1ª Frente Bielorrussa devia atacar na direc-
ção principal Varsóvia-Berlim.
No final de 1944, Berlim encontrava-se à mesma distância quer da frente so-
viética, quer da frente ocidental. Como já foi referido no capítulo «O ano de
1943», Churchill queria sem falta chegar a Berlim «antes dos russos» 4. Era de
grande importância política a conquista de Berlim. Não era, de forma nenhuma,
só uma questão de prestígio.
Os planos para as operações da fase final da guerra, assim como para as gran-
des operações de Stalingrado e Kursk são trabalhados colectivamente. Júkov re-
fere que os principais oficiais da direcção operativa do Estado-Maior, Antonov,
Chtemenko, Grislov e Lomov, «demonstraram ser profundos conhecedores do
planeamento operativo em todas as etapas do trabalho da direcção opera-
tiva.» 5
4 Cf. Ulrich Huar, Contribuições de Stáline Para a Teoria Militar e Política Marxista-
Leninista. O ano de 1943, in Coleção para a Educação Marxista-Leninista do Partido Comu-
nista da Alemanha, Parte 1, Caderno n.º 168/II, p. 39 e segs.
5 Júkov, idem, p. 244.
2
Teria sido um milagre se, na elaboração do plano, não tivesse havido divergên-
cias de opinião e conflitos sobre a distribuição das tropas, equipamento, reabas-
tecimento, defesa dos flancos, etc. Havia acordo sobre a definição da direcção
principal e as tarefas das frentes, mas o diabo está nos detalhes e o diabo também
não fez nenhuma excepção nas discussões do Quartel-General.
Um problema sério era a concentração de tropas alemãs na Prússia Oriental.
Aí possuíam importantes fortificações e campos dificilmente transponíveis. Estas
tropas podiam ameaçar seriamente o flanco direito do exército soviético no seu
avanço na direcção de Berlim. Stáline já tinha recusado, no Verão de 1944, a pro-
posta do Estado-Maior de reforçar as frentes na direcção da Prússia Oriental. O
Comandante Supremo «não considerou necessário concordar com a nossa pro-
posta de reforço da 2ª Frente Bielorrussa com mais um exército para derrotar
as tropas alemãs na Prússia Oriental».
Com esta crítica a Stáline nada se diz sobre as razões da recusa desta pretensão.
Uma explicação para a decisão de Stáline encontra-se, apesar de se referir ao
grupo da Curlândia, na observação do marechal Bagramian sobre as razões por
que não puderam derrotá-lo. Para isso teriam sido necessários forças e meios po-
derosos. «Mas, exactamente nesta altura [Janeiro de 1945, UH] o Quartel-Ge-
neral precisava de forças poderosas para a preparação do último e decisivo ata-
que na direcção do Ocidente. Para além disso (…) imediatamente a seguir à li-
bertação da capital da Letónia, e de novo no final de 1944, tinham sido retiradas
forças significativas do Báltico.» 6
A direcção ocidental – Berlim – era a direcção principal quer militar, quer po-
lítica. Aqui deve ser procurada a razão por que Stáline não autorizou reforços para
os exércitos que combatiam na direcção da Prússia Oriental. A capacidade mate-
rial e a disponibilidade de homens das Forças Armadas soviéticas não eram ili-
mitadas. O reforço de uma frente com um exército significava retirá-lo de uma
outra frente ou à reserva do Quartel-General, que depois não poderia ser utilizada
no caso de surgir uma situação precária numa frente.
Júkov ajuíza aqui a partir da perspectiva de comandante de uma frente e tinha
certamente razão de um ponto de vista militar – o reforço do flanco direito da 1ª
Frente Bielorrussa. Stáline decidia tendo em conta aspectos políticos e as neces-
sidades de todas as frentes e também tinha razão. Em situação de guerra as deci-
sões não são fáceis.
Como já foi referido, tendo em atenção a situação difícil dos aliados ocidentais,
a ofensiva foi antecipada cinco dias, sendo diferentes as datas das ofensivas das
frentes.
A 1ª Frente Ucraniana iniciou a ofensiva a 12 de Janeiro, a 1ª e 2ª frentes Bie-
lorrussas em 14 de Janeiro.
A 16 de Janeiro os exércitos da 2ª Frente Bielorrussa tinham rompido a frente
alemã desde Lomza até à foz do Narev (Norte de Varsóvia, UH). A 20 de janeiro,
Rokossóvski recebeu a ordem do Quartel-General de desviar para Norte e No-
roeste o 3.º e 48.º exércitos, o 2.º Exército de Choque e o 5.º Exército Blindado
3
da 2ª Frente Bielorrussa para participar nos combates contra o reagrupamento
[alemão] na Prússia Oriental.7
Com esta manobra ultrapassou-se a ameaça das tropas alemãs sobre o flanco
direito da 1ª Frente Bielorrussa na Prússia Oriental. Segundo Rokossóvski este
desvio dos exércitos referidos demonstrou «a flexibilidade e o comando opera-
tivo do Quartel-General. Quando constatou que as tropas da 3ª Frente Bielor-
russa ficavam para trás, corrigiu de imediato o plano original.» 8
A 20 de Janeiro, o 3.º e o 48.º exércitos passaram a fronteira polaca e entraram
na Prússia Oriental. Um corpo de cavalaria (naturalmente não a cavalo, mas sim
com artilharia e metralhadoras) penetrou em Allenstein (Olsztyn). Tiveram lugar
combates ferozes na cidade.
Rokossóvski sublinha que a 2ª Frente Bielorrussa na Operação Vístula-Oder
«desempenhou um papel importante» na ofensiva principal, mas que esse pa-
pel é silenciado «por uma qualquer razão» em quase todas as obras sobre a
Grande Guerra Pátria. Dá-se a entender que a 2ª Frente Bielorrussa, a partir de
14 de Janeiro, foi utilizada para impedir o reagrupamento do adversário na
Prússia Oriental. Isto não corresponde à verdade. A directiva do Quartel-General
e as ordens pessoais de Stáline tinham como «objectivo uma estreita cooperação
entre a 2ª e a 1ª frentes Bielorrussas». 9 Como Rokossóvski informa, as forças
principais da 2ª frente Bielorrussa desviaram-se para Norte só a 20 de Janeiro,
ou seja, seis dias depois do início da ofensiva.
Um problema na descrição dos acontecimentos parece residir no facto de os
autores da literatura de guerra não terem dado atenção suficiente às «frentes se-
cundárias», neste caso na Prússia Oriental, em comparação com as operações na
direcção principal. Sem o cerco das poderosas forças alemãs na Prússia Oriental
e na Curlândia, o avanço da 1ª Frente Bielorrussa na direcção principal do Oder
não tinha sido tão rápido.
A ofensiva de Inverno do exército soviético, numa frente com 1200 quilóme-
tros de comprimento entre o Mar Báltico e os Cárpatos, foi bem sucedida.
Os exércitos da 1ª Frente Bielorrussa romperam logo no primeiro dia as linhas
da frente alemã. Tippelskirch resume: «Na noite de 15 de Janeiro já não existia
nenhuma frente alemã organizada desde Nida até Pilica. As partes do 9.º Exér-
cito ainda existentes no Vístula e a Sul de Varsóvia estavam seriamente amea-
çadas. Não existiam mais reservas.» Júkov, «no seu avanço para ocidente, não
encontrou quase resistência e chegou a Lodz…». 10
A 19 de Janeiro, a 1ª Frente Bielorrussa tomou Lodz, a 23 de Janeiro, Byd-
goszcz e a 25 de Janeiro, Poznán. 11
gumas operações.
10 Kurt von Tippelskirch, História da II Guerra Mundial, 2ª edição, Bona, 1954, pp. 531 e 532.
4
A 31 de Janeiro, o 5.º Exército de Choque da 1ª Frente Bielorrussa, sob o co-
mando do tenente-general Bersarian, forçou a passagem do Oder e construiu na
sua margem ocidental uma testa-de-ponte na região de Kienitz – Gross – Neun-
dorf – Rehfeld, a cerca de 70 quilómetros de Berlim. Até 4 de Fevereiro, o 5.º
Exército de Choque, depois de rechaçar poderosos contra-ataques, alargou a testa-
de-ponte, ao que se seguiu o ataque dos grupos de choque da 1ª Frente Bielorrussa
a Berlim. 12
A 1ª Frente Ucraniana, sob o comando de Kóniev, iniciou a sua ofensiva, por
ordem de Stáline, pelas razões já referidas, logo a 12 de Janeiro. As condições
meteorológicas eram desfavoráveis, o que desde logo excluiu a utilização da força
aérea. Kóniev refere, neste contexto: «Os nossos aliados ocidentais fizeram de-
pender muito os seus planos e datas para a abertura da segunda frente das con-
dições meteorológicas. Isto mostra claramente a diferença em relação à nossa
condução da guerra. O Quartel-General tomou a decisão de antecipar a opera-
ção sem tomar em consideração as condições meteorológicas.» 13
A ofensiva dos exércitos da 1ª Frente Ucraniana iniciou-se pelas 5 horas com
um poderoso ataque de artilharia que durou duas horas. As unidades alemãs so-
freram pesadas baixas. Apesar de o comando alemão ter actuado «de forma cor-
recta» ao «decidir retirar todas as forças possíveis», só conseguiu «salvar uma
pequena parte das tropas (…)».14
A zona que sofreu o ataque de artilharia «estava literalmente sulcada, (…)
tudo tinha ruído, soterrado (…) Aqui (…) 250 até 280, por vezes até 300 peças
de artilharia por cada quilómetro de frente tinham atacado o adversário.» 15
Tippelskirch descreveu o primeiro dia da ofensiva da 1ª Frente Ucraniana: «A
12 de Janeiro, a partir da testa-de-ponte Sandomierz – Baranov, depois de um
violento ataque de artilharia preparatório que durou cinco horas, [as tropas da
1ª Frente Ucraniana, UH] invadiram a frente do 4.º Exército Panzer. O ataque
teve um tal ímpeto, que não só esmagou as unidades estacionadas, como tam-
bém atingiu as reservas que se encontravam atrás da linha e que, por ordem de
Hitler, se mantinham muito próximo da frente, tendo ficado logo destruídas
com o fogo preparatório russo e arrastadas para o turbilhão que se seguiu, não
tendo sido possível utilizá-las de acordo com os planos. As penetrações na frente
alemã eram tão numerosas, que foi impossível eliminá-las ou tão só cercá-las.
Os russos avançavam de imediato com as suas unidades blindadas operativas
nas falhas abertas, que alcançaram Nida a Ocidente e com o seu flanco Norte
neutralizaram Kielce.» 16
A 15 de Janeiro, as tropas de Kóniev conquistaram Kielce. Até 17 de Janeiro
furaram a defesa alemã numa profundidade de 120-140 quilómetros. 17
15 Idem, ibidem.
5
A 19 de Janeiro as tropas soviéticas libertaram Cracóvia, tendo o cuidado táctico
de não danificar seriamente os edifícios históricos da velha cidade real polaca. A 20
de Janeiro, as tropas soviéticas formaram uma testa-de-ponte na margem es-
querda do Oder, nos arredores de Oppeln. A 23 de Janeiro encontravam-se na re-
gião industrial da Alta Silésia, designada de «ouro» por Stáline numa conversa com
Kóniev sobre a elaboração do plano. 18
Este «ouro» devia ser entregue à Polónia depois da guerra. Tratava-se, por-
tanto, também aqui, de conquistar esta região industrial sem causar danos sérios.
Na região industrial da Alta Silésia encontravam-se estacionados cerca de cem
mil soldados alemães, bem equipados. Kóniev encontrava-se perante a questão
de cercar a região, tomá-la de assalto, destruir as tropas alemãs ou deixar um
corredor para o adversário retirar as suas tropas. A primeira variante também
teria conduzido a inúmeras baixas nas tropas soviéticas e provocado enormes
destruições. «Já tínhamos perdido gente em número suficiente nos quatro anos
de guerra», julgava Kóniev. 19 A sua opção pela segunda variante – possibilitar ao
adversário a retirada – não lhe foi fácil. Mas: «A realidade confirmou a justeza
da minha decisão». 20 Kóniev sintetizou os resultados da ofensiva da 1ª Frente
Ucraniana: «No desenrolar da Operação Sul da Polónia, com a sua velha capital
Cracóvia, as tropas da 1ª Frente Ucraniana limparam esta região do adversá-
rio, ocuparam a região industrial da Alta Silésia e criaram, com a construção
da testa-de-ponte operativa na margem esquerda do Oder, condições favorá-
veis para o avanço na direcção de Berlim e Dresden».
De acordo com os seus cálculos, durante os 23 dias de combate, a 1ª Frente
Ucraniana derrotou 21 divisões de infantaria, cinco divisões de blindados, 27 bri-
gadas autónomas de infantaria, nove brigadas de artilharia e brigadas lança-gra-
nadas, assim como inúmeras unidades especiais e batalhões autónomos. «Fize-
mos 43 mil prisioneiros, mais de 150 mil soldados e oficiais morreram. Nos des-
pojos de guerra encontravam-se mais de cinco mil peças de artilharia e lança-
granadas, 300 tanques, 200 aviões assim como uma grande quantidade de
meios técnicos de combate e outro equipamento.» 21
6
Para a História do Socialismo
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Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (X)
Ulrich Huar
Capítulo V
A pedido de Stáline, Roosevelt abriu a conferência dizendo que «os líderes das
três potências» já se entendiam bem e que «a compreensão entre si crescia». 1
Se esta observação amigável foi ou não irónica, não interessa agora.
Depois de um relatório síntese do general do exército Antonov sobre os êxitos da
operação Vístula-Oder, Churchill, aparentemente muito preocupado com o bem-es-
tar das tropas soviéticas, colocou, entre outras, a questão sobre o que «tinha de ser
feito» para impedir a transferência de oito divisões alemãs de Itália para a frente so-
viética. Ele também tinha logo uma sugestão: «Talvez se devesse retirar uma parte
das tropas aliadas (de Itália, UH) e enviá-las pela estrada para Liubliana, para
assim se unirem ao Exército Vermelho?» 2
Uma vista de olhos pelo mapa é suficiente para questionar porque é que Churchill
não mencionou logo Viena.
Não é preciso muito para reconhecer o verdadeiro objectivo de Churchill, por trás
das suas «preocupações» em «aliviar» o Exército Vermelho. Em Janeiro, pouco an-
tes da conferência, Elliot Roosevelt, que acompanhava o seu pai na conferência, re-
cebeu de Henry Hopkins a informação sobre «os planos de invasão [de Churchill] a
partir do Sul,…» como «última tentativa de infiltrar soldados aliados nas Balcãs
antes dos russos…». 3
Depois da troca de informações sobre os resultados da ofensiva soviética de In-
verno e os resultados da defesa da ofensiva das Ardenas a Ocidente, Stáline declarou
que a União Soviética, de acordo com as conclusões da Conferência de Teerão, «não
estava obrigada a fazer a ofensiva de Inverno».
1
O presidente perguntou-lhe se ele podia receber um representante do general Ei-
senhower. Ele naturalmente concordou. Churchill enviou-lhe uma mensagem, na
qual perguntava se ele, Stáline, tinha a intenção de, durante o mês de Janeiro, iniciar
a ofensiva. Stáline entendeu que nem Churchill, nem Roosevelt lhe solicitavam di-
rectamente uma ofensiva. Ele apreciava esta sensibilidade dos Aliados, porém com-
preendeu que uma tal ofensiva era necessária para os Aliados. O comando soviético
iniciou-a ainda antes da data marcada. O governo soviético considerou-a sua obriga-
ção, obrigação de aliado, apesar de não ter nenhuma obrigação formal. Stáline queria
que os líderes das potências aliadas soubessem que o líder soviético não só cumpria
com as suas obrigações, como também estava disponível para assumir as obrigações
morais deles, sempre que possível. Perguntou quais eram os seus desejos, porque
Tedder tinha pedido para que as tropas soviéticas não interrompessem a sua ofensiva
até ao final de Março. Stáline entendeu isto como talvez não fosse só um desejo de
Tedder, mas que outros líderes militares dos aliados também o desejassem. Nós,
disse Stáline, continuaremos a nossa ofensiva se o tempo e o estado das estradas o
permitir. 4
Duas observações feitas de passagem no final do primeiro dia da conferência de-
vem ser consideradas. A propósito do futuro da Alemanha, Churchill observou:
«Caso esta venha a ter algum futuro». Stáline respondeu lacónico: «A Alemanha
terá um futuro». 5
Se na primeira reunião se tratou de um género de «ponto da situação» sobre o
estado das coisas nas frentes e de uma troca de experiências sobre os combates havi-
dos até aí, nas reuniões seguintes, 13 no total, tratou-se de questões relacionadas com
a ordem do pós-guerra, que na maioria das vezes foram discutidas na perspectiva de
um determinado tema e decididas assim que foi possível chegar a um acordo.
A Alemanha devia ser dividida? Esta questão não deve ser confundida com a cria-
ção de zonas de ocupação pelos Aliados. Roosevelt na verdade pensava que estas zo-
nas talvez pudessem «ser o primeiro passo para a divisão da Alemanha». 6
A questão da divisão foi profundamente discutida, mas não decidida. Churchill
defendeu o seu velho plano da criação de um «novo grande estado alemão no Sul,
cuja capital podia ser Viena, que asseguraria uma linha divisória de águas entre a
Prússia e o resto da Alemanha». Colocava-se-lhe uma outra questão: se a Prússia
«deveria ser ainda mais dividida». 7 Roosevelt, não via «sob as condições actuais
nenhum outro caminho do que a divisão…» 8. Stáline declarou que a questão estava
4 Conferências, p. 121. Lord Arthur W. Tedder era marechal da força aérea britânica.
5 Idem, ibidem, p. 123.
6 Idem, ibidem, p. 124.
2
decidida «em princípio» e que teria de «ser fixada no contexto da capitulação in-
condicional» 9, contudo não se pronunciou de forma concreta ou vinculativa. A ques-
tão da divisão não deveria ser incluída no texto do documento da capitulação. Stáline
deixou em aberto a questão da divisão. No comunicado final da conferência afir-
mava-se então que «estavam de acordo» em dar a conhecer as «cláusulas da capi-
tulação incondicional» só depois da «derrota definitiva da Alemanha» 10.
No que diz respeito às zonas de ocupação afirmava-se que «as forças armadas
das três potências ocupam uma zona da Alemanha». Importante é a constatação de
que o plano das três potências previa «uma administração coordenada e controlada
por uma comissão central de controlo com sede em Berlim», que devia «ser consti-
tuída pelos comandantes em chefe das três potências» 11. A França deveria ser con-
vidada a assumir uma zona de ocupação e a tomar parte como quarto membro na
comissão de controlo.12 No comunicado final afirmava-se inequivocamente: era
«vontade inabalável» das três potências «destruir o militarismo e o nazismo e as-
segurar que a Alemanha nunca mais estará em condições de prejudicar a paz mun-
dial…». Não era seu objectivo [das três potências] «destruir o povo alemão. Só
quando o militarismo e o nazismo estiverem exterminados, existirá uma vida digna
e um lugar na comunidade das nações para o povo alemão» 13.
Reparações
O governo soviético tinha delineado um plano sobre a questão das reparações, cu-
jos princípios foram apresentados por Maiski 14 na conferência. As reparações não
deviam ser cobradas em dinheiro, como na I Guerra Mundial, mas pagas em géneros,
de duas formas: um pagamento único através da riqueza nacional da Alemanha (fá-
bricas, máquinas, navios, material ferroviário, equipamento em fábricas no estran-
geiro, etc.) e no fornecimento anual de mercadorias. A indústria pesada da Alemanha
(indústria metalúrgica, indústria siderúrgica, construção de máquinas, tratamento
de metais, eletrotécnica, química, etc.) devia fornecer 80 por cento. Na construção
de aviões e produção de combustível sintético estava previsto um fornecimento a cem
por cento, o mesmo para indústria de armamento especializada (fábricas de armas,
de munições, etc.).
Os 20 por cento restantes da indústria antes da guerra eram considerados suficien-
tes para cobrir as necessidades internas da Alemanha. O pagamento das reparações
devia decorrer num prazo de dez anos. Estava previsto um apertado controlo da eco-
nomia alemã pelos ingleses, soviéticos e americanos. Este controlo também se devia
manter depois do fim do prazo de pagamento das reparações.
Como era impossível pagar todos os prejuízos resultantes da agressão alemã, cuja
contabilização teria atingido uma soma astronómica, os países que tinham direito às
reparações deviam decidir uma certa ordem das indemnizações, de acordo com dois
13 Idem, ibidem.
3
critérios: por um lado de acordo com a contribuição do respectivo país para a vitória
sobre o inimigo, por outro de acordo com a dimensão da perda material directa. A
URSS considerava justo receber reparações no valor de dez mil milhões de dólares.
Isto corresponderia a uma pequena parte das perdas materiais directas sofridas pela
URSS.
Uma Comissão de Reparações especial devia ser criada com representantes das
três potências com sede em Moscovo. 15
Churchill não duvidava do direito da URSS a reparações, mas sim do êxito de re-
ceber «um tal número de valores» de uma Alemanha destruída. Levantava-se «o
fantasma de uma Alemanha faminta com os seus 80 milhões de habitantes…» pe-
rante os seus olhos. «Quem os alimentaria, quem pagaria. Não chegariam ao ponto
de os Aliados terem de pagar uma parte das reparações do seu próprio bolso?». 16
Maiski respondeu: o fracasso das reparações depois da I Guerra Mundial residiu
no facto de terem sido exigidas em dinheiro e não em géneros. Uma outra razão fora
que o avultado investimento em capital dos EUA, Inglaterra e França na Alemanha
tinha-a encorajado a não cumprir com as suas obrigações no pagamento das repara-
ções. A Alemanha tinha pago aos Aliados cerca de um quarto da soma que estes lhe
tinham emprestado nos primeiros anos de guerra. (Maiski evitou dizer por que razão
as três potências ocidentais tinham concedido tanto crédito à Alemanha. Evitou tam-
bém referir o Tratado de Rapallo, no qual a Alemanha e a Rússia Soviética tinham
abdicado reciprocamente de reparações).
Por isso agora se propunha que as reparações deveriam ser pagas em géneros para
que se evitassem dificuldades de transferências como as da I Guerra Mundial. Seria
de esperar «que os EUA e a Inglaterra não financiassem a Alemanha depois do fim
da guerra».
Roosevelt e Churchill deram a entender que «não tinham essa intenção». (Ainda
não se falava no Plano Marshall).
Churchill deu a entender que a soma exigida pela URSS era «insuportável para a
Alemanha». Dificilmente essa soma poderia estar correcta. Maiski contabilizou: 10
mil milhões de dólares eram só dez por cento do orçamento dos EUA para 1944/45,
eram um quarto orçamento dos EUA em tempo de paz. Quanto a Inglaterra, dez mil
milhões equivaliam somente a seis meses de despesas de guerra ou a 2,5 vezes o seu
orçamento em tempos de paz (1936-38). Neste caso não se poderia falar de uma
«exorbitância» na exigência soviética, antes de uma «modéstia excessiva destas exi-
gências…».
Maiski respondeu à objecção de Roosevelt e Churchill de que «tem de se evitar a
fome na Alemanha»: «O governo soviético não tenciona de forma nenhuma trans-
formar a Alemanha num país faminto, esfarrapado e descalço». Durante a elabo-
ração do plano de reparações, o governo soviético preocupou-se em «criar condições
para que o povo alemão tenha, depois da guerra, o nível de vida europeu». Não há
limitações para a agricultura e indústria ligeira na Alemanha que possam vir a ser
alargadas. A Alemanha também estaria livre de todas as despesas com armamento,
já que seria completamente desarmada. 17
4
Nas discussões seguintes, Churchill e Roosevelt foram evasivos. Só houve acordo
na criação de uma comissão para as reparações.
Stáline era da opinião que a Conferência tinha de aprovar directivas para o trabalho
da comissão de reparações. O princípio orientador tinha de ser, que em primeiro lugar
recebiam reparações os Estados que «tinham suportado o fardo principal da guerra
e organizado a vitória sobre o inimigo». Estes Estados eram a URSS, os EUA e a Grã-
-Bretanha. Tinha de «se estipular definitivamente que o direito a reparações perten-
cia principalmente àqueles que tinham contribuído para a derrota do inimigo.»
Roosevelt declarou estar de acordo, Churchill não teve objecções. A questão das
reparações foi entregue aos ministros dos negócios estrangeiros. Churchill anun-
ciou ainda o seu princípio: «A cada um segundo as suas necessidades, mas da Ale-
manha segundo as suas capacidades. Este princípio devia ser a base do plano de
reparações.»
Por outras palavras, ele não concordava com o princípio orientador de Stáline.
Stáline respondeu então que ele preferia um outro princípio: «A cada um de acordo
com os seus merecimentos.» 18
Na sexta reunião, a 9 de Fevereiro, o ministro americano dos Negócios Estrangei-
ros, Stettinius, informou que os ministros dos Negócios Estrangeiros tinham apro-
vado os pontos 1 e 2 do plano americano apresentado. Era um compromisso entre os
princípios apresentados por Stáline e por Churchill.
1. Em primeiro lugar recebem reparações os países que suportaram os maiores
fardos da guerra, sofreram pesadas baixas e organizaram a vitória sobre o inimigo.
2. A questão da utilização de mão-de-obra alemã como forma de reparação foi
adiada. As reparações são em géneros, por um lado a levantar de uma só vez depois
do fim da guerra, por outro pelo fornecimento anual de mercadorias. O levantamento
único deverá ocorrer nos dois anos seguintes ao fim da guerra, o fornecimento de
mercadorias no decorrer de dez anos depois da guerra.
Sobre o ponto 3 chegou-se a um compromisso. A totalidade das reparações nas
suas duas formas devia perfazer 20 mil milhões de dólares. A URSS devia receber 50
por cento.
O ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Sir Anthony Eden, ressalvou que
ainda não tinha recebido nenhuma instrução de Londres. 19
Na sétima reunião, a 10 de Fevereiro, Churchill e Roosevelt acharam que não se
devia referir uma quantia. Stáline discordou, era incorrecto dar a impressão de que
as reparações seriam pagas em dinheiro. «Não se trata de dinheiro, mas sim de mer-
cadorias no valor de 20 mil milhões de dólares».
Stáline perguntou directamente: «Ou talvez a conferência não queira que os rus-
sos recebam qualquer reparação?» Churchill naturalmente «negou», com o conhe-
cido «mas…!!!» «… a conferência não deve amarrar-se a nenhum número.» Citou
um telegrama do gabinete de guerra, que tinha acabado de receber, em que os ingleses
consideravam «impossível» «nomear já agora a extensão das reparações…». Os in-
gleses atribuem «importância especial» à capacidade dos alemães em pagar as suas
5
importações. «Se não», achava Churchill, «ficaríamos numa situação em que nós te-
ríamos de pagar à Alemanha, enquanto os outros receberiam as reparações». 20
Em linguagem não diplomática significava que a URSS não devia receber nada, já
sem referir o facto de este género de «telegramas» chegar sempre no momento certo.
Apenas uma «proposta de resolução» de Stáline, na qual a Alemanha tinha de
reparar os prejuízos que tinha provocado aos países aliados durante a guerra através
de mercadorias e que a Comissão de Reparações analisaria a questão da extensão dos
prejuízos a serem reparados assim como deveria informar os respectivos governos
das suas conclusões, teve a concordância de Churchill e Roosevelt. Stáline perguntou
irónico: «Amanhã não o revogarão?» 21
No comunicado final também não houve fixação das reparações. Apenas se referiu
que «se considera justo», que a Alemanha «tem de reparar em géneros na maior
dimensão possível os prejuízos causados.» 22
Andrei Gromiko, que tomou parte na Conferência como membro da delegação so-
viética, escreveu nas suas memórias que «a questão das reparações alemãs à URSS
nunca foi regulamentada». «Stáline e a restante delegação soviética perguntavam-
-se o que teriam pensado Roosevelt e Churchill quando puseram de parte esta ques-
tão. Não tinham compreendido que não era mais do que uma gota no oceano se os
alemães tivessem de pagar 20 ou 30 mil milhões de dólares? Os prejuízos que pro-
vocaram no nosso país foram mais tarde avaliados em 2,6 milhões de milhões de
rublos. Terão os nossos aliados pensado que a economia soviética não devia recu-
perar muito rapidamente?
Cada um dos três grandes pronunciou-se mais do que uma vez sobre este tema,
o Presidente menos do que os outros. Estava disponível para aceitar a possibilidade
de uma reparação nominal, mas não podia referir nenhuma quantia. Também evi-
tou um confronto directo com Churchill, que nem sequer estava disposto a admitir
um gesto de reparação simbólico à URSS.» 23
Numa conversa com Gromiko, depois de uma destas discussões, Stáline disse-lhe:
«Possivelmente os EUA e a Inglaterra já se entenderam nesta questão.» Esta sus-
peita, segundo Gromiko, veio mais tarde a confirmar-se. 24
6
Para a História do Socialismo
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_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XI)
Ulrich Huar
Capítulo V
1 Idem, ibidem.
2 Conferências, p. 145.
1
Grã-Bretanha, quer a China tinham o direito de se pronunciar. 3 Logo, a China tam-
bém pertencia aos pequenos Estados?!
Em consequência disso, Stáline escolheu um outro «exemplo», o Canal do Suez,
que se localiza em território egípcio.
Churchill também concedia este direito ao Egipto. A Grã-Bretanha não tinha ne-
nhuma preocupação com isso, pois os seus interesses estavam protegidos através do
§3 do projecto de Constituição da ONU. O parágrafo 3.º era o direito de veto dos
membros permanentes do Conselho de Segurança.
Stáline declarou: «Parece-me que as decisões tomadas em Dumbarton Oaks4 ti-
nham como objectivo assegurar aos diferentes países não apenas o direito de ex-
pressarem a sua opinião. Este direito não custa muito».
Ninguém contestou.
O assunto era, no entanto, muito mais sério. Quando uma nação coloca uma
questão para si importante, não o faz só para exercer a possibilidade de expressar
a sua opinião, mas para levar a uma decisão sobre essa questão. Entre os presentes
não há ninguém que não reconheça o direito de uma nação de expressar a sua opi-
nião. No entanto, isto não é o centro da questão. Churchill acha, manifestamente,
que caso a China colocasse a questão de Hong Kong fá-lo-ia só para exercer o seu
direito de se pronunciar. Isto não é correcto. A China exigiria uma decisão. Tal como
o Egipto não se dará por satisfeito em dar apenas a sua opinião quando colocar a
questão da devolução do Canal do Suez. Por isso não se trata só de assegurar a pos-
sibilidade de expressar a sua opinião, mas de coisas muito mais importantes.» 5
Stáline revelou-se perspicaz na sua argumentação. Churchill disse: «Não há razão
para recear algo indesejável (…) Sim, enquanto nós todos vivermos, não há nada a
recear. Não permitiremos nenhuma divergência perigosa entre os nossos países.
Não toleraremos uma nova agressão contra um dos nossos países. Mas dentro de
dez anos ou talvez menos já não estaremos cá. Virá uma nova geração, que não
passou por nada disto que nós vivemos, e que muito provavelmente verá muitas
questões de forma diferente de nós. O que acontecerá então? Não nos propusemos
a assegurar a paz por pelo menos 50 anos? Ou pensará Stáline, talvez por ingenui-
dade, assim? Tem de se reflectir sobre a melhor forma de assegurar a coligação das
três potências, a que se deve acrescentar a França e a China.» 6
«Sim, enquanto nós todos vivermos…». Roosevelt morreu oito semanas depois da
Conferência da Crimeia, a 12 de Abril, e Churchill fez o seu famigerado discurso de
Fulton, 13 meses depois, a 5 de Março de 1946. Assim terminou a coligação ainda
mais rapidamente do que Stáline terá admitido. Mas ele já o apontava como possível.
Stáline respondeu à acusação de Churchill de que ele, Stáline, agravava a questão
da votação no Conselho de Segurança. Na verdade, Stáline dava «grande atenção» à
3 Idem, ibidem.
4 Dumbarton Oaks, Casa de campo da Universidade de Harvard. Conferências Grã-Breta-
nha, EUA, URSS de 28.8 a 27.9.1944; China, Grã-Bretanha, EUA de 29.9 a 7.10.1944 sobre
projecto de estatuto para uma organização de segurança mundial, a base para a Carta das
Nações Unidas posterior. Cf. Pequena Enciclopédia, História Mundial, Tomo 2, Leipzig, 1975,
p. 489.
5 Conferências, p. 147 e seg.
2
questão da votação, pois a URSS «é a mais interessada nas decisões tomadas no
Conselho de Segurança. Todas as decisões serão tomadas por votação. Pode-se dis-
cutir durante cem anos e não tomar nenhuma decisão. Para nós (…) as decisões são
importantes. E não só para nós.» 7
Stáline referiu mais uma vez os «exemplos» da China/Hong Kong e Egipto/Canal
do Suez. Se ambos exigissem a devolução de Hong Kong e do Canal do Suez, a As-
sembleia e o Conselho de Segurança votariam. Ele, Stáline, «podia assegurar ao seu
amigo Churchill, que a China e o Egipto não estariam sozinhos. Encontrariam ami-
gos na organização internacional. Isso está em relação directa com a questão da
votação».
Churchill respondeu brevemente que a Grã-Bretanha diria «não». 8
A declaração do Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico Eden é notável: «Os
países podem falar, discutir, porém a decisão não pode ser tomada sem o consenti-
mento das três potências.» 9
Tratava-se da questão do veto. Com o veto de uma das três potências, não havia
nenhuma decisão na ONU. Stáline referiu ainda um outro perigo: «(…) Os seus cole-
gas não teriam com certeza esquecido que, durante a guerra russo-finlandesa, os
ingleses e os franceses tinham instigado a Sociedade das Nações contra os russos,
isolado e expulsado a URSS e mobilizado tudo contra a URSS. Tem de se pôr termo
à repetição de tais acontecimentos.» 10
Churchill e Eden declararam que não existia um tal perigo. Mólotov diz laconica-
mente: «É a primeira vez que ouvimos isso». 11
Stáline chamou a atenção para que, apesar da impossibilidade de expulsão de um
membro, mantinha-se «a possibilidade de uma mobilização da opinião pública con-
tra um dos membros».
Churchill não podia [queria?, UH] excluir «uma ampla agitação contra um mem-
bro», mas também a diplomacia surtiria simultaneamente efeito. Seguem-se florea-
dos sobre se Roosevelt combateria ou não a Inglaterra ou se Stáline se colocaria con-
tra Inglaterra. Ele, Churchill, «está convicto de que se encontra sempre um caminho
para a resolução de conflitos. Em todo o caso, no que a si diz respeito, podia dar
essa garantia.» 12
Stáline, de acordo com a sua experiência anterior com Churchill, já deveria saber
avaliar tal «garantia». Mas ainda não podia conhecer o já referido discurso de Ful-
ton. 13 Assim, Stáline propôs continuar a discussão sobre esta questão nos dias se-
guintes.
A delegação soviética reiterou as exigências já apresentadas em Dumbarton Oaks,
de que três, no mínimo duas Repúblicas Soviéticas tinham de ser reconhecidas com
10 Idem, ibidem.
11 Idem, ibidem.
13 Sobre o discurso de Fulton cf. Helmuth Stöcker/Adolf Rüger: Handbuch der Verträge
1871-1964, Berlim, 1968, pp. 395-397; entrevista de Stáline com o correspondente do Pravda
por ocasião do discurso de Churchill em Fulton (EUA), Março 1946, SW, 15/64-72.
3
membros fundadores das Nações Unidas, a saber a Ucrânia, Bielorrússia e Lituânia.
Roosevelt considerou a questão sobre as três Repúblicas Soviéticas «muito inte-
ressante». Achava que a Grã-Bretanha tinha vários domínios, a União Soviética vá-
rias Repúblicas, mas os EUA, enquanto país «homogéneo» só tinha um ministro dos
Negócios Estrangeiros. Caso uma grande potência devesse ter mais do que um voto,
seria «ferida a regra», segundo a qual «cada membro» só devia ter um voto. 14
Churchill viu na proposta de Stáline um «grande passo» na direcção de um
acordo. Ele «recebeu com grande simpatia a proposta do governo soviético. Estava
comovido e o seu coração voltado para a grande Rússia, exangue, mas que tinha
derrotado a tirania.» Ele «ficaria muito satisfeito» se Roosevelt desse uma resposta
à delegação soviética, que «não pudesse ser entendida como uma recusa».
Depois destas efusões untuosas, Churchill avançou com o seu famoso «mas», ele
«não podia ultrapassar os seus poderes» e não se podia levar-lhe a mal «que não
pudesse dar de imediato a resposta do governo britânico à delegação soviética». 15
Com este problema dos membros fundadores tratava-se – como também mais
tarde – das maiorias nas questões de votação, pelo que, de acordo com o princípio
uma grande potência um voto, na perspectiva de classe, a União Soviética perante os
EUA e a Grã-Bretanha estaria em «minoria». Se a China, isto é a China do governo
de Chiang Kai-shek dependente dos EUA, e a França se juntassem, a «maioria» dos
estados capitalistas e dependentes dos EUA seria ainda mais forte, a URSS isolada,
muito «democraticamente», de acordo com o velho jogo «maioria» e «minoria», no
qual a «minoria» se tinha de submeter à «maioria».
Naturalmente que Stáline compreendeu este velho jogo parlamentar de 200 anos.
Com a inclusão de duas ou três Repúblicas Soviéticas, enquanto membros fundado-
res, os objetivos dos governos americano e britânico seriam pelo menos parcialmente
paralisados.
A questão dos membros fundadores voltou de novo à mesa dos ministros dos Ne-
gócios Estrangeiros. As conclusões das suas reuniões foram apresentadas por Eden
na 5ª sessão. De acordo com o seu teor, a Conferência de 25 de abril de 1945 devia
ser convocada e deviam ser incluídas duas Repúblicas Soviéticas, a Ucrânia e a Bie-
lorrússia, como membros fundadores, juntamente com a URSS.
Houve ainda outros problemas. Havia Estados que não mantinham relações di-
plomáticas com a URSS, apesar de terem declarado guerra à Alemanha. Outros,
como o Egipto, não tinham declarado guerra à Alemanha por conselho do governo
britânico. Caso semelhante era o da Islândia, que no entanto tinha autorizado a en-
trada de tropas americanas no país e contribuído para as rotas de ligação dos Aliados
no Atlântico Norte. Porém, a Dinamarca não reconhecera a independência da Islân-
dia. Mas estas questões, apesar de importantes para os Estados envolvidos, não po-
dem ser aqui tratadas.
Durante a discussão da proposta americana de comunicado, Roosevelt declarou
que a decisão da conferência de convidar a Ucrânia e a Bielorrússia como membros
fundadores da organização internacional de segurança lhe traria «dificuldades polí-
ticas» nos EUA. Churchill tocou na mesma tecla. Roosevelt propôs uma outra for-
mulação não vinculativa: «Os americanos apoiarão a proposta sobre a convocação
4
de ambas as Repúblicas Soviéticas como membros fundadores da organização.» 16
Então Stáline retirou a proposta da delegação soviética. No comunicado sobre a
Conferência foi assinalado que «na questão importante do processo de votação não
se tinha chegado a acordo». 17
No protocolo do trabalho da conferência da Crimeia afirma-se que «os delegados
do Reino Unido e os Estados Unidos da América apoiam a proposta de autorizar
como membros fundadores duas Repúblicas Soviéticas, a saber a Ucrânia e a Bie-
lorrússia…». 18
Polónia
21 Idem, ibidem, p. 673. O governo polaco provisório também era designado nos documen-
tos soviéticos, depois da libertação de Varsóvia, como «governo de Varsóvia», enquanto nos
5
A 4 de Janeiro seguiu-se o reconhecimento diplomático do governo provisório
polaco pelo governo soviético. Stáline tinha criado factos antes da Conferência.
Com isso, as posições de ambos os lados estavam definidas, antes da conferência
da Crimeia.
Das 96 páginas do protocolo sobre as consultas, incluindo o comunicado final, 30
dizem respeito às discussões sobre a Polónia. Os protocolos britânicos continham,
segundo Churchill, «cerca de 18 mil palavras trocadas entre mim, Stáline e Roose-
velt sobre este tema». 22 Contudo, no protocolo da conferência da Crimeia nada se
refere sobre a Polónia.
A linha Curzon foi reconhecida pelas três potências como a fronteira Leste da Po-
lónia, com alguns pequenos aumentos territoriais a favor da Polónia. No respeitante
à fronteira a Ocidente, as três potências concordaram que a Polónia devia receber um
significativo aumento territorial. A fronteira ocidental devia incluir a foz do rio Oder,
incluindo Świnoujście e Estetino, seguir o Oder até à confluência do rio Neisse com
o rio Oder e depois até à fronteira da República Checa. Stáline insistia no Neisse a
Oeste, Roosevelt e Churchill no Neisse a Leste, que passa a Norte de Oppeln e conflui
no Oder. Assim a maior parte ocidental da Silésia manter-se-ia na Alemanha. Não se
alcançou nenhum acordo.
A 6 de Julho de 1950, o primeiro-ministro da República Democrática Alemã, Otto
Grotewohl, assinou, em Zgorzelec, a marcação da fronteira no Oder e no Neisse. O
governo da RDA, desde a sua fundação, reconhecera a legitimidade da fronteira
Oder-Neisse como condição imprescindível para ultrapassar a longa contenda ger-
mano-polaca e como condição para a amizade germano-polaca. 23
A questão da fronteira polaca era, no entanto, secundária, perante a questão da
ordem interna da Polónia, isto é, da ordem social. Também aqui se pode concordar
com Churchill quando afirma: «Muito mais importante do que definir as fronteiras
era que nascesse uma Polónia livre e independente». 24 Com a actual Polónia bur-
guesa na NATO e na UE cumpriu-se o desejo de Churchill.
A questão decisiva, à volta da qual o combate se despoletou, foi a da ordem social
na Polónia, a questão de classe, apesar de nas discussões não terem sido utilizados
os conceitos de classe, interesses de classe, luta de classes. Também Stáline não os
usou. Também para quê? Ambos os lados compreendiam muito bem do que se tra-
tava. De acordo com Churchill, e também com Roosevelt tratava-se da restauração
do antigo poder e das relações de propriedade da grande burguesia e dos latifundiá-
rios para restaurar a Polónia como um «cordon sanitaire» contra a União Soviética
tocolos concordam no essencial. As datas são, em parte, diferentes. De acordo com o proto-
colo britânico a conferência iniciou-se a 5 de Fevereiro, de acordo com os protocolos da URSS
e EUA a 4 de Fevereiro. Cf. Liewellyn Woodword, Britisch Foreign Policy in the Second Worl
War. Her Majesty’s Statinary Office, London, 1962, p. 48.
23 O governo da RFA só reconheceu a fronteira ocidental da Polónia (Oder-Neisse) a 7 de
Dezembro de 1970.
24 Churchill, ibidem, p. 1024.
6
- «arrancar os russos da Europa». Stáline queria uma Polónia forte, democrática e
pacífica, queria segurança na fronteira ocidental da União Soviética.
Para ambos os lados era clara que primeiro teria de se decidir a questão do poder,
antes de se puderem realizar «eleições livres». As questões de poder não se decidem
com o boletim de voto.
Enquanto Churchill e Roosevelt praticavam a sua política de classe sob a solução
das «eleições livres», Stáline desmascarou a política reacionária do governo no exílio
em Londres e, para ser preciso, em formulações diplomáticas e corteses, mas sem
papas na língua.
Roosevelt abriu a discussão – ou mais claramente: o conflito de classe no campo
da diplomacia – sobre a questão polaca na sessão de 6 de Fevereiro.
Em primeiro lugar, referiu os cinco a seis milhões de cidadãos americanos de ori-
gem polaca. A sua posição coincidia com a esmagadora maioria dos polacos residen-
tes nos EUA. Os polacos estão «sempre preocupados em “salvar a face”». 25
Stáline perguntou «a que polacos se referia: os verdadeiros ou os emigrantes?
Os verdadeiros polacos viviam na Polónia». 26
Roosevelt foi claro de imediato: «A parte mais importante da questão polaca era
a formação de um governo permanente na Polónia.» A opinião pública americana
era contra o reconhecimento do «Governo de Lublin». 27 Naturalmente que Roosevelt
não disse nada sobre como era formada a opinião pública nos EUA. 28
Roosevelt propôs «fundar um conselho presidencial com alguns polacos excep-
cionais, que tinha como tarefa constituir um governo provisório». Deseja «que a
Polónia venha a manter relações de amizade com a União Soviética». 29
Churchill sublinhou, depois dos seus habituais floreados, que as reivindicações da
Rússia sobre a linha Curzon como fronteira, depois da «tragédia» por que tinha pas-
sado e dos «esforços» feitos para a libertação da Polónia, se baseavam «no direito».
«Contudo era para ele mais importante a questão da soberania polaca, da liber-
dade e independência da Polónia do que a definição das suas fronteiras. Ele queria
que os polacos tivessem uma pátria onde pudessem viver como lhes parecesse me-
lhor (…) A Grã-Bretanha entrara na guerra para defender a Polónia da agressão
alemã. A Grã-Bretanha interessava-se pela Polónia, porque era uma questão de
honra (…)». 30
Esta afirmação de Churchill, de que a Inglaterra entrara na guerra para «defender
a Polónia da agressão alemã», que repetiu nas suas memórias 31 não resiste a um
exame objectivo. Perante o tribunal militar de Nuremberga, o antigo Chefe do Es-
tado-Maior fascista, general Alfred Jodl, afirmou: «Se não fomos derrotados logo
em si. Cf. G. Le Bom, Psychologie der Massen, Stuttgart, 1960. Gustave Le Bon redigiu o seu
livro em 1985. É considerado o pai da moderna manipulação de massas e da «livre formação
de opinião».
29 Conferências, ibidem, p.152.
7
em 1939 isso deveu-se a que as cerca de 110 divisões francesas e inglesas a Ocidente
não fizeram nada durante a campanha militar na Polónia». 32
Os governos francês e inglês ainda tinham a esperança, em 1939, de poder virar a
agressão fascista contra a União Soviética. Evidentemente que Churchill sabia isto
assim com o Stáline o sabia.
Depois de mais algumas frases, Churchill perguntou «se não se podia formar um
governo polaco, como o que tinha proposto o Presidente». 33
À parte: o longo discurso agitador de Churchill cansou o próprio Roosevelt, de
acordo com relatórios do Foreign Office em Londres. Voltando-se para o ministro
dos Negócios Estrangeiros Stettinius, o Presidente disse: «Agora vamos ouvir isto
durante meia hora». 34
Stáline explanou, fundamentada e minuciosamente, a perspectiva do governo so-
viético. Como esta contribuição historicamente importante é pouco conhecida, cita-
se aqui textualmente de acordo com o protocolo:
«Stáline diz que Churchill acabou de afirmar que a questão da Polónia é para o
governo britânico uma questão de honra. Stáline compreende isso. No entanto, tem
de assinalar que a questão da Polónia para os russos não é só uma questão de
honra, mas também uma questão de segurança. Uma questão de honra, porque os
russos no passado tinham cometido muitos pecados contra a Polónia. O governo
soviético esforça-se por reparar esses pecados. Mas era uma questão de segurança,
porque muitos problemas estratégicos do Estado soviético estão relacionados com
a Polónia.
Não se trata só de a Polónia ter uma fronteira conjunta connosco. Isso é natu-
ralmente importante, mas o problema é mais profundo. Ao longo da história, a Po-
lónia tem sido um corredor utilizado pelos inimigos para atacar a Rússia. Basta
recordar os últimos 30 anos. Neste período os alemães marcharam duas vezes atra-
vés da Polónia para atacar o nosso país. Porque tem sido tão fácil até agora ao
inimigo marchar através da Polónia? Principalmente, porque a Polónia era fraca.
O corredor polaco não podia ser fechado mecanicamente do exterior só pelas forças
russas. Ele só pode ser fechado pelas próprias forças polacas no interior. Para isso,
Polónia tem de ser forte. Por isso, a União Soviética está interessada na criação de
uma Polónia forte, livre e independente. A questão polaca é para o Estado soviético
uma questão de vida ou de morte. Isto explica a completa rejeição da política do
tsarismo para a Polónia. O governo tsarista queria, como se sabe, assimilar a Po-
lónia. O governo soviético mudou radicalmente esta política desumana e optou pelo
caminho da amizade com a Polónia e da garantia da sua independência. Esta é a
razão por que os russos defendem uma Polónia forte, independente e livre.
Agora Stáline diz que quer tratar algumas questões referidas na discussão e so-
bre as quais se mantêm diferenças de opinião.
Trata-se principalmente da linha Curzon. Ele, Stáline, quer sublinhar que a linha
34 Liewellyn Woodward, ibidem, p.485. Nota de rodapé 3: «Now we are in for half an
hour of it.»
8
de Curzon não foi inventada pelos russos. Os seus autores são Curzon, Clemenceau
e os americanos, que participaram na conferência de Paris em 1919. Nesta confe-
rência, não participaram russos. A linha Curzon foi definida com base em dados
etnográficos, contra a vontade dos russos. Lénine não concordou com ela. Ele não
quis entregar à Polónia a cidade e a região de Bialystok, como a linha de Curzon
previa.
O governo soviético já se afastara da posição de Lénine. Que querem agora? per-
gunta Stáline. Que sejamos menos russos do que Curzon e Clemenceau? Desse modo
impelem-nos para o opróbrio. O que diriam os ucranianos se aceitássemos a vossa
proposta? Diriam que Stáline e Mólotov demonstraram ser defensores menos fiá-
veis dos russos do que Curzon e Clemenceau. Com que cara é que ele, Stáline, podia
regressar a Moscovo? Não, é preferível que a guerra contra os alemães dure mais
um pouco, mas temos de ser capazes se indemnizar a Polónia à custa da Alemanha
a Oeste.
Durante a sua estadia em Moscovo, Mikolajczyk perguntou a Stáline qual era
fronteira ocidental polaca que o governo soviético reconhecia. Mikolajczyk ficou
muito satisfeito quando ouviu que nós reconhecíamos a linha do Neisse como a
fronteira oeste da Polónia. É necessário esclarecer que há dois rios com o nome de
Neisse: um corre a Leste de Breslau o outro a Oeste. Stáline é da opinião que a fron-
teira Oeste da Polónia deve corresponder ao Neisse a Oeste e solicita a Roosevelt e
a Churchill que o apoiem.
Uma outra questão sobre a qual Stáline se quer pronunciar é a constituição do
governo polaco. Churchill propõe que o governo polaco seja constituído aqui na
conferência.
Stáline supõe que Churchill se tenha enganado: como seria possível formar um
governo polaco sem a participação dos polacos? Muitos chamam-lhe, a ele Stáline,
um ditador, não o consideram um democrata, no entanto tem suficientes sentimen-
tos democráticos para não tentar formar um governo sem os polacos. Um governo
polaco só pode ser formado com a participação e o consentimento dos polacos.
Um momento apropriado teria sido no Outono passado quando Churchill foi a
Moscovo e levou consigo Mikolajczyk, Grabski e Romer. Os representantes do go-
verno de Lublin também foram convidados a ir a Moscovo nessa altura. Ele orga-
nizou um encontro entre os polacos de Londres e de Lublin. Até se identificaram
certos pontos para um acordo. Churchill certamente se recordava. Depois Mikola-
jczyk foi a Londres, pretendendo regressar rapidamente a Moscovo para terminar
o processo de formação de um governo. Em vez disso, Mikolajczyk foi excluído do
governo polaco em Londres, porque defendia um acordo com o governo de Lublin.
O actual governo polaco em Londres, presidido por Arciszewski e dirigido por Ra-
czkiewicz, é contra um acordo com o governo de Lublin. Mais ainda: age de forma
hostil contra um tal acordo. O governo de Londres chama ao governo de Lublin um
bando de criminosos e ladrões. Evidentemente que o ex-governo de Lublin e actual
governo de Varsóvia não o deixa sem resposta e considera os polacos de Londres
traidores e renegados. Como é que se pode unir em tais condições? Stáline não faz
ideia.
Os líderes do governo de Varsóvia, Bierut, Osubka-Morawski e Rolazymierski
não queriam saber de uma união com o governo polaco de Londres. Ele, Stáline,
perguntara ao governo de Varsóvia quais as cedências que estaria disposto a fazer.
9
A resposta foi: os polacos de Varsóvia podiam tolerar nas suas fileiras pessoas do
governo de Londres como Grabski e Zeligowski, mas não aceitavam Mikolajczyk
como primeiro-ministro. Stáline estava disposto a apoiar qualquer tentativa de
unidade dos polacos, mas só na condição de uma tal tentativa ter hipóteses de êxito.
O que se devia então fazer? Talvez convidar os polacos de Varsóvia para uma con-
ferência? Ou talvez convidá-los para Moscovo e falar aí com eles?
Por fim, Stáline quer ainda referir uma outra importante questão, sobre a qual
quer agora falar como militar. O que exige ele, enquanto militar, do governo de um
país que foi libertado pelo Exército Vermelho? Só exige uma coisa: que esse governo
assegure a paz e a ordem na retaguarda do Exército Vermelho, que impeça o eclodir
de uma guerra civil atrás das nossas linhas da frente. Para os militares é, no fim de
contas, indiferente qual é o governo. Para os militares é importante que ninguém
lhes dispare pelas costas. Na Polónia está o governo de Varsóvia. Na Polónia tam-
bém estão agentes do governo de Londres que estão em contacto com círculos clan-
destinos, que se autointitulam “forças da resistência interior”. Enquanto militar, ele
Stáline, compara a actividade de uns e de outros e conclui inevitavelmente que o
governo de Varsóvia cumpre com as suas tarefas de assegurar a paz e a ordem na
retaguarda do Exército Vermelho, enquanto “as forças da resistência interior” só
nos prejudicam.
Estas “forças” já assassinaram 212 membros do Exército Vermelho. Assaltam os
nossos acampamentos para roubar armas. Desobedecem às nossas ordens de re-
gisto das estações de rádio nos territórios libertados pelo Exército Vermelho. As
“forças da resistência interior” violam todas as leis da guerra. Queixam-se de que
os prendemos. Ele, Stáline, declara que, caso estas “forças” continuem os assaltos
aos nossos soldados, abatê-las-emos a tiro.
Afinal, de uma perspectiva estritamente militar, o governo de Varsóvia é útil e o
governo de Londres e os seus agentes são prejudiciais. Naturalmente que os milita-
res apoiarão um governo que assegure paz e ordem na retaguarda, pois sem isso
não são possíveis êxitos do Exército Vermelho. Paz e ordem na retaguarda são con-
dições para os nossos êxitos. Isto é compreendido não só por militares, mas também
por civis. As coisas estão neste pé.» 35
«Roosevelt propôs continuar a discussão nos dias seguintes e comentou salomo-
nicamente que «a questão polaca (…) há cinco séculos que provoca dores de cabeça
ao mundo». 36
Nas reuniões seguintes, em discussões posteriores sobre a Polónia, trataram-se
dos detalhes, entre os quais Roosevelt e Churchill colocaram no centro a exigência de
«eleições livres». Roosevelt e Churchill especulavam sobre a existência de sentimen-
tos anti-soviéticos na população. A sociedade polaca era uma sociedade de classes. A
propaganda de Goebbels e a influência do clero católico desempenhavam um papel
não displicente. Havia também a propaganda do governo no exílio em Londres. Se o
exército de Anders, com 150 mil homens, sob influência de um corpo de oficiais an-
ticomunista, regressasse à Polónia, estariam criadas as condições para uma guerra
civil. Roosevelt e Churchill não viam ou não queriam ver que no seio da população
10
polaca se iniciara um processo de reconsideração. O Partido Polaco dos Trabalhado-
res tinha prestígio e possuía autoridade política. Isto também acontecia na Europa
ocidental, onde os partidos comunistas, por causa do seu papel dominante no movi-
mento de resistência antifascista, tinham prestígio e autoridade. A Ocidente, os go-
vernos americano e britânico podiam apoiar as forças restauracionistas e bloquear
os movimentos democráticos. Na Polónia, o Exército Vermelho e o seu aliado Exér-
cito Popular Polaco impediam a ingerência dos EUA e Grã-Bretanha. Naturalmente
que os comunistas polacos também agiram de acordo com os conhecimentos resul-
tantes das experiências do processo histórico: primeiro decidiram a questão do poder
e depois as eleições livres.
As intenções de Roosevelt e de Churchill tinham por base a eliminação do governo
de Varsóvia e a sua substituição por um governo burguês conveniente, ou seja, que-
riam decidir a questão do poder no seu interesse e depois, com «os russos fora!»,
«eleições livres».
Isto não foi possível com Stáline. Assim foi assumida no comunicado uma fórmula
de compromisso que cada lado podia interpretar à sua maneira: «Na Polónia surgiu
uma nova situação com a sua completa libertação pelo Exército Vermelho. Isto
exige a formação de um governo polaco provisório, que se deve apoiar numa base
mais ampla do que aquela que era possível até à recente libertação da parte oci-
dental da Polónia. O actual governo provisório na Polónia deve, por isso, ser remo-
delado numa ampla base democrática abrangendo personalidades democráticas
da Polónia e polacos no estrangeiro. Este novo governo deve chamar-se então Go-
verno Provisório de Unidade Nacional (…)». Este governo «deve comprometer-se,
tão breve quanto possível, com a realização de eleições livres baseadas no sufrágio
universal e secreto. Todos os partidos antinazis e democráticos devem ter direito a
participar nestas eleições e a apresentar candidatos». 37 (Este Governo Provisório
de Unidade Nacional foi constituído a 28 de Junho. Osobka-Morawski tornou-se pri-
meiro-ministro e Gomulka e Mikolajczk seus representantes. Com o apoio dos EUA
e da Grã-Bretanha, formaram-se organizações clandestinas reaccionárias que cria-
ram uma situação de pré-guerra civil, com o assassínio de personalidades democrá-
ticas e actos de sabotagem. A 28 de Março de 1947 assassinaram o general Karol Swi-
erczewski, ministro-adjunto de Defesa Nacional. Especialmente perigosos eram os
bandos do «Exército de Sublevação Ucraniano», apoiados por uma parte da popu-
lação ucraniana. Só no fim de 1948, o poder popular conseguiu derrotar as forças
contra-revolucionárias. Depois da vitória eleitoral do bloco democrático, a 19 de Ja-
neiro de 1947, Mikolajcyk pôs-se a andar para Londres.)
11
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XII)
Ulrich Huar
Capítulo V
Jugoslávia
pelo marechal Tito, no qual participaram alguns políticos do governo no exílio em Londres:
Subasic, Gröl, Sutej. Com isto terminou o governo no exílio em Londres. A 11 de Novembro
realizaram-se eleições para a Assembleia Nacional. A 29 de Novembro foi proclamada a Re-
pública Popular da Jugoslávia.
3 Conferências, ibidem, p. 206.
1
Japão
***
Significado histórico da Conferência
2
Aos povos libertados foi-lhes reconhecido o direito «de criar instituições democráti-
cas de acordo com a sua escolha, (…) escolher a forma de governo em que viverão
(…)» 6
Os três signatários do comunicado reforçaram a sua intenção «de cooperar com
outras nações amantes da paz, criar uma ordem mundial baseada no direito e na
lei, na qual a paz, a segurança, a liberdade e o bem-estar geral de toda a humani-
dade são sagrados.» 7
Se estas intenções referidas na declaração não foram mais tarde respeitadas pelas
potências imperialistas – e continuam no presente a não ser – não se pode culpar a
Conferência e menos ainda a delegação soviética sob a direcção de Stáline. Sob o as-
pecto da política soviética na fase final da guerra e da sua política para a paz no pós-
guerra, a Conferência da Crimeia foi um êxito do governo soviético e do seu primeiro-
ministro, o camarada Stáline.
Décadas depois, Gromiko descreveu o papel de Stáline na Conferência da Crimeia:
«Não me lembro de uma única vez em que Stáline tenha ouvido ou compreendido
mal uma declaração relevante dos seus parceiros na Conferência. Captava de ime-
diato o sentido das suas palavras. A sua atenção, a sua memória, para usar uma
comparação dos nossos dias, funcionava como um computador e nada lhe esca-
pava. Durante as reuniões no Palácio Livadia apercebi-me, provavelmente como
nunca antes, das capacidades invulgares que este homem possuía.
«Stáline preocupava-se em todos os membros da delegação soviética estivessem
bem informados das tarefas que, do seu ponto de vista, eram as mais importantes
da Conferência. Orientava o trabalho da delegação com uma segurança que se
transmitia a todos nós, em particular àqueles que se sentavam ao seu lado à mesa
das conversações.
Apesar da falta de tempo, Stáline encontrava ocasiões para se reunir com a de-
legação, para conversar pelo menos com aquelas pessoas que, pela sua posição,
podiam expressar opiniões sobre as questões em análise e estavam incumbidas de
realizar contactos com membros das delegações americano e britânica. Estes en-
contros “internos” podiam ser mais ou menos restritos quanto ao número de parti-
cipantes. Tudo dependia das circunstâncias.
Uma vez, Stáline organizou uma espécie de recepção cocktail (…) Ao longo deste
encontro avistou-se com vários camaradas soviéticos para trocar algumas pala-
vras sobre este ou aquele assunto. Movimentava-se lentamente, com um ar pensa-
tivo. Por vezes animava-se e até gracejava. Conhecia pessoalmente todos os pre-
sentes. Aliás, esta era uma característica da sua personalidade. Lembrava-se de
um grande número de pessoas, dos seus nomes e apelidos e, com frequência, dos
lugares e circunstâncias em que se tinham encontrado. Esta capacidade impressi-
onava os interlocutores.
(…) Chamou-me à atenção que ele próprio falava pouco, mas ouvia os interlocu-
tores com interesse, passava de um para outro, e assim conhecia as suas opiniões.
Tive a impressão de que mesmo naquelas ocasiões continuava a trabalhar, prepa-
rava-se para o próximo encontro com os “três grandes”.» 8
3
Depois da Conferência, Júkov teve uma conversa com Stáline, a 7 ou 8 de Março,
em que falaram das conversações. Stáline achava que depois da Conferência se tinha
conseguido um entendimento sobre acções militares e que, «desde então (…) a coor-
denação das acções tinha melhorado significativamente».
Stáline referiu que tinha havido entendimento em relação à fronteira ocidental da
Polónia, que deveria seguir a linha do Oder e do Neisse-Görlitzer, mas havia diferen-
ças de opinião sobre o futuro governo polaco.
«Churchill quer uma Polónia burguesa, que nos seja estranha, a fazer fronteira
com a União Soviética, mas nós não podemos permitir isso», disse Stáline. «Nós
queremos, uma vez por todas, ter uma Polónia aliada amistosa. O povo polaco tam-
bém quer esta amizade.»
Depois, Stáline acrescentou: «Churchill mete-se à frente com o seu Mikolajczyk,
que durante quatro anos andou a trabalhar para a Inglaterra. Mas os polacos não
aceitarão Mikolajczyk. Já fizeram a sua escolha…». 9
Aqui houve um mal-entendido ou de Júkov ou de Stáline – ou então uma má in-
terpretação de Stáline das resoluções sobre a fronteira ocidental. A questão da fron-
teira ocidental fora «adiada até à Conferência de Paz», isto é, o Neisse de Lausitz
(ou de Görlitz) enquanto linha de fronteira Oeste da Polónia não fora confirmado por
Churchill e Roosevelt. É possível que Stáline tenha recebido garantias de Roosevelt
nesse sentido, à margem das resoluções oficiais, mas é improvável que tal tenha
acontecido com Churchill. Não encontrei nenhumas informações sobre isto.
A operação berlinense
controvérsias
Nas suas memórias, o marechal Tchuikov, citado por Júkov, interroga-se sobre a
razão pela qual o comando da 1ª Frente Bielorrussa (isto é, Júkov enquanto seu co-
mandante-em-chefe) não insistiu com o Quartel-General (isto é, Stáline, Coman-
dante Supremo) para prosseguir a ofensiva da operação Vístula-Oder até Berlim. Se-
gundo Tchuikov, «teria sido possível tomar Berlim logo em Fevereiro. Isso teria na-
turalmente acelerado o fim da guerra». 10
No final de Janeiro, Júkov propusera ao Quartel-General que, depois do reabas-
tecimento da 1ª Frente Bielorrussa, se continuasse «a ofensiva na manhã de 1 e 2 de
Fevereiro com vista a transpor o Oder em movimento. Além disso planeou-se de-
senvolver uma ofensiva rápida na direcção de Berlim, em que as forças principais
deviam ser concentradas para cercar Berlim a Nordeste, Norte e Noroeste. O Quar-
tel-General confirmou esta proposta a 27 de Janeiro». 11
Júkov concordava assim com a opinião de Tchuikov de que, naquele momento, as
forças do adversário eram limitadas e a sua defesa fraca. O marechal Kóniev, coman-
dante-em-chefe da 1ª Frente Ucraniana, apresentou no Quartel-General uma pro-
posta idêntica. As suas tropas deviam derrotar os grupos de alemães na região de
4
Breslau, atingir o rio Elba, entre 25 e 28 de Fevereiro, e com a ala direita da sua
Frente tomar Berlim em conjunto com a 1ª Frente Bielorrussa. O Quartel-General
confirmou também este plano a 29 de Janeiro.
A proposta do Conselho Militar da 1ª Frente Bielorrussa previa, entre outras tare-
fas, «(…) tomar Berlim através de um rápido avanço a 15 e 16 de Fevereiro.» 12
Os planos da 1ª Frente Bielorrussa, da 1ª Frente Ucraniana e do Quartel-General
previam, portanto, tomar Berlim logo em Fevereiro.
Mas nada se passou como se esperava.
Nos primeiros dias de Fevereiro crescia uma verdadeira ameaça. O comando ale-
mão podia iniciar um contra-ataque, a partir da Pomerânia Oriental, ao flanco direito
e retaguarda das forças principais da 1ª Frente Bielorrussa, que avançava para o
Oder. Júkov cita uma afirmação do marechal-de-campo Keitel, chefe do Alto Co-
mando da Wehrmacht, segundo a qual estava planeada uma ofensiva para «romper
a frente russa e alcançar Küstrin pela retaguarda através dos vales dos rios Noteč
e Wartha». 13
O coronel-general Guderian, nesta altura ainda chefe do Alto Comando do Exér-
cito, escreveu que «estava previsto um ataque limitado a partir da região de
Choszczno, com o objectivo de derrotar os russos no rio Wartha e manter a provín-
cia da Pomerânia e a ligação com a Prússia Ocidental.»
O ataque devia realizar-se antes que «mais tropas russas» se concentrassem no
Oder. Tinha de ser «conduzido como num relâmpago». Guderian estava decidido a
«iniciar o ataque a 15 de Fevereiro…». 14
A 16 de Fevereiro seguiu-se o ataque do 3.º Exército Blindado alemão sob o co-
mando do coronel-general Rauss. Fez «bons progressos» até 17 de Fevereiro, mas
depois parou e «não pode ser de novo posto em movimento». 15
Na verdade, nem Júkov, Stáline e o Quartel-General podiam conhecer as inten-
ções de Keitel ou Guderian, mas viram o risco que corria o flanco direito da 1ª Frente
Bielorrussa, a partir da Pomerânia. Na Pomerânia Oriental, entre o Vístula e o Oder,
estavam ainda estacionadas duas poderosas unidades alemãs, o 2.º e 11.º exércitos,
com 16 divisões de infantaria, duas a quatro divisões blindadas, três divisões moto-
rizadas, quatro brigadas e oito grupos de formação de combate flexível. Perto de Ste-
ttin, ainda se encontrava o já referido 3.º Exército Blindado, que também foi utili-
zado. Os serviços de informação soviéticos indicaram «que estes exércitos foram re-
forçados com novas forças.» 16
Naturalmente que a forte concentração de tropas alemãs na Pomerânia também
não tinha passado despercebida a Tchuikov. Mas considerava que na guerra era pre-
ciso correr riscos com frequência. 17 Júkov concordava que não há guerra sem risco,
como ensina a experiência, mas havia limites. Os riscos tinham de ser controlados. 18
17 Idem, ibidem.
5
O marechal Kóniev também reflectiu de forma análoga: «Alguns são da opinião
de que, em vez da operação na Baixa Silésia, teria sido melhor parar no Oder e,
depois de romper a defesa alemã, concentrar forças para percorrer de uma só vez
a distância que separava a 1ª Frente Ucraniana de Berlim.» 19
A operação na Baixa Silésia durou 17 dias, de 8 a 24 de Fevereiro. Depois de com-
bates com muitas baixas contra poderosas forças alemãs, tropas da 1ª Frente Ucra-
niana cercaram Breslau, a 17 de Fevereiro.
Na região de Breslau, faziam ainda frente às tropas soviéticas 37 divisões, das
quais sete divisões blindadas. Ainda durante a operação foram ainda reforçadas com
tropas retiradas da frente ocidental, designadamente, 21 divisões blindadas e 18 di-
visões de infantaria motorizadas. 20 Não se deve subestimar o grau de «organização
da direcção alemã neste momento crítico, apesar de a manutenção da ordem só ser
possível através de um imenso terror fascista, segundo declarações de centenas de
prisioneiros.» 21
Kóniev pensava que sem a operação na Baixa Silésia, as dificuldades da operação
Berlim teriam sido muito maiores: «A tomada de Berlim e a libertação de Praga
teriam acontecido mais tarde». «Apesar dos ensinamentos da operação na Baixa
Silésia, por vezes ainda se defende de forma irreflectida que devíamos ter iniciado
a ofensiva contra Berlim logo em Fevereiro.» 22
Diferenças de opinião não eram raras na avaliação que os generais soviéticos fa-
ziam aos combates da Grande Guerra Pátria. A mim parece-me improvável que uma
ofensiva contra Berlim pudesse ter sido possível mais cedo. Mas o historiador tam-
bém não deve participar em especulações, mas sim atentar ao decurso concreto da
guerra.
24 Churchill, ibidem, p. 1042. Cf. Ulrich Huar, offensiv, Caderno 8/2004, p. 67.
6
O marechal de campo Montgomery escreveu nas suas memórias que podiam ter
tomado Viena, Praga, Berlim, «todas as três cidades antes dos russos». 25 Se…! Se
tivessem agido de acordo com a variante dos Balcãs de Churchill.
Esta especulação não leva em conta que em tal situação, quer o Alto Comando
alemão, quer o Quartel-General soviético teriam reagido. Com que resultados? A res-
posta só pode ser especulativa. Montgomery também esquece que a iniciativa dos
combates estava do lado da União Soviética, algo que o comando anglo-americano
teria de levar em consideração.
Esta argumentação recorda o conhecido provérbio popular: «Se o velho pudesse e
o novo quisesse, nada havia que não se fizesse».
Segundo Júkov, Eisenhower declarou a 7 de Abril perante o Quartel-General dos
Aliados que «no caso de a tomada de Leipzig ser fácil, avançaria imediatamente
para Berlim» e justificou o seu ponto de vista com considerações políticas. 26
Júkov relata conversas com generais americanos e britânicos depois do fim da
guerra, entre eles Eisenhower, Montgomery, com o general francês Lattre de Tas-
signy e outros. Delas conclui que «a conquista de Berlim pelas tropas aliadas só saiu
da ordem do dia quando as tropas soviéticas chegaram ao Oder e ao Neisse e, atra-
vés do poderoso ataque da sua artilharia, lança-granadas, força aérea assim como
do ataque conjunto das unidades blindadas e paramilitares, abalaram as funda-
ções da defesa do adversário». 27
Stáline e o Quartel-General estavam informados sobre os negócios secretos dos
dirigentes fascistas com os aliados ocidentais – em parte com conhecimento de Hi-
tler, em parte contra as suas intenções –, apesar de não disporem de todos detalhes
que só depois da guerra foram conhecidos.
Numa conversa com Júkov, na noite de 29 de Março, Stáline afirmou: «A frente
alemã a Ocidente está definitivamente derrotada, é manifesto que os nazis não que-
rem fazer nada para parar o avanço das tropas aliadas. Porém reforçam as suas
tropas em todas as direcções importantes contra nós. Aqui está o mapa, pode ver
as últimas informações sobre as tropas alemãs (…) Penso que nos espera um com-
bate sério (…)» 28.
De acordo com os documentos da época, os fascistas possuíam na região de Berlim
mais de quatro exércitos com pelo menos 90 divisões, entre elas 14 divisões blindadas
e motorizadas, 37 regimentos independentes e 98 batalhões independentes. Só mais
tarde se verificou que em Berlim estavam estacionados pelo menos um milhão de
homens, 10 mil canhões e lança-granadas, 1500 blindados e canhões autopropulsa-
dos, assim como 3300 aviões. Propriamente na cidade de Berlim estavam 200 mil
homens, dispondo de mais de três mil canhões e lança-granadas e 250 tanques. 29
Stáline informou Júkov sobre a carta de «um amigo estrangeiro», em que se re-
latavam negociações secretas entre agentes fascistas e «representantes oficiais dos
aliados ocidentais». Na carta afirmava-se que «os nazis estavam dispostos a cessar
os combates contra os Aliados, caso estes aceitassem uma paz em separado». Na
29 Parotkin, Das Ende des Dritten Reiches, In: Gretschko, Die Befreiungsmission, p. 421.
7
verdade, os Aliados recusaram esta proposta, mas «os fascistas, possivelmente, abri-
riam o caminho para Berlim às tropas das potências ocidentais.»
Chtemenko relata um segundo encontro entre o general das SS, Wolff, a 19 de
Março na Suíça (o primeiro encontro realizara-se a 8 de Março com Allan Dulles), e
os chefes do Estado-Maior das tropas anglo-americanas em combate em Itália. O go-
verno soviético só foi informado oficialmente sobre estas negociações a 21 de
Março. 30
Kóniev refere uma comunicação telegráfica, mandada ler por Stáline no Quartel-
-General, na presença de Chtemenko, Júkov e do próprio Kóniev, na qual se afirmava
que «o Alto Comando anglo-americano planeou uma operação para conquistar
Berlim e ocupar a cidade antes do Exército Vermelho. Para isso será formada uma
poderosa unidade sob a direcção do marechal de campo Montgomery. A direcção
principal foi planeada a Norte do Ruhr, o percurso mais curto que separa as prin-
cipais unidades britânicas da capital alemã. A comunicação telegráfica informava
sobre uma série de preparativos do Alto Comando dos Aliados para organizar a
junção e concentração das tropas. Finalmente percebia-se que o Estado-Maior dos
Aliados ocidentais considerava real a possibilidade de o Exército Vermelho ocupar
Berlim e preparava-se para isso». De seguida Stáline colocou a pergunta a Júkov e
Kóniev: «Quem vai tomar Berlim? Nós ou os Aliados?» 31
Relatando uma conversa, a 23 de Janeiro, com Paul Barandon, o homem de liga-
ção entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e o Estado-Maior do Exér-
cito, Guderian refere que «as reduzidas relações diplomáticas que restam ao MNE»
podiam ser utilizadas «para, pelo menos, alcançar um armistício com um lado. Te-
mos esperança de que os aliados ocidentais, sensíveis aos perigos resultantes de um
rápido avanço dos russos na direcção da Alemanha e até talvez mesmo através da
Alemanha, aceitem um armistício ou se inclinem para um acordo implícito que nos
autorize, renunciando a Oeste às potências ocidentais, a defender o Leste com o
resto das nossas forças». 32
Guderian teve uma conversa de idêntico conteúdo com Ribbentrop, a 25 de Ja-
neiro, sem conclusões. Guderian estava, contudo, decidido «a continuar com o
mesmo plano, por outras vias.» 33
Depois de 13 de Março, Guderian dirigiu-se a Himmler e desafiou-o a utilizar as
suas relações internacionais «para se pôr cobro às mortes cada vez mais sem sen-
tido». Mas evidentemente só a Ocidente!
A 21 de Março, Guderian repetiu a sua visita a Himmler para o convencer a alcan-
çar um armistício. 34
Com os seus esforços para alcançar um armistício, Guderian queria contornar a
exigência decidida em Ialta pelas três potências da coligação anti-hitleriana: «A ca-
pitulação incondicional» de todas as forças armadas alemãs em todas as frentes. Os
aliados ocidentais teriam gostado de ocupar Berlim. Alguns generais fascistas esta-
8
vam dispostos a abrir a frente a Ocidente para os deixar avançar até Berlim. Os acon-
tecimentos tomaram outro curso devido ao início da ofensiva das forças armadas so-
viéticas, a 16 de Abril.
Não é pois verdade, como Domarus alega, que os anglo-americanos tenham dado
a prioridade ao marechal Júkov para conquistar Berlim, ao estilo da nobreza feudal:
«Meus Senhores, o primeiro tiro é vosso!».
9
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XIII)
Ulrich Huar
Capítulo V
1
Parotkin, ibidem, p. 407 e seg.
2
Kóniev, ibidem, p. 78.
1
O Alto Comando não podia, portanto, perder tempo. A preparação para a ope-
ração teria de estar completa em 12 a 15 dias no máximo.
A 2ª frente bielorussa tinha dificuldades acrescidas, resultantes das caracterís-
ticas do relevo do curso inferior do Oder, constituído pelos dois grandes braços, o
Oder Leste e o Oder Oeste. As dificuldades não resultavam só da geografia da foz
do Oder. Na verdade, a 2ª frente bielorussa tinha terminado, no essencial, a Ope-
ração Pomerânia Oriental, com a conquista de Danzig, a 30 de Março, mas não
estava ainda definitivamente finalizada. Na região de Krokova, o 65.º Exército
combateu as tropas alemãs até 6 de Abril. O 19.º Exército teve ainda de derrotar
restos das tropas alemãs em Putziger Nehrung. 3
A destruição das poderosas tropas alemãs na Pomerânia Oriental foi difícil e
provocou muitas baixas. Durou de 19 de Fevereiro até 30 de Março, quase sete
semanas e esgotou as tropas da 2ª frente bielorussa. À frente opunha-se um exér-
cito alemão com 230 mil homens, 700 tanques e canhões autopropulsados, 300
veículos blindados de transporte de pessoal, 20 comboios blindados e 3600 bo-
cas-de-fogo e lança-granadas. 4 Eram abastecidos por mar. Às vezes, unidades da
marinha de guerra envolviam-se nos combates de artilharia a partir do mar. Pe-
rante a ala direita da 1ª frente bielorussa ainda se encontravam, nesta altura,
200 mil homens com 700 tanques, 2500 bocas-de-fogo e lança-granadas e 300
aviões de combate. 5
A parte da 1ª frente bielorussa que participara na Operação Pomerânia Oriental
foi retirada para se dirigir a Berlim. As regiões conquistadas por este exército fo-
ram ocupadas pelas tropas da 2ª frente bielorussa. A 2ª frente bielorussa tinha de
ocupar uma extensão de território que ia desde a foz do Oder, Stettin até Schwedt.
A maioria das tropas encontrava-se, porém, ainda na região de Gdnia – Danzig.
Centenas de milhares de soldados, milhares de bocas-de-fogo, dez mil toneladas
de munições e uma grande quantidade de outro material de guerra tinham de per-
correr uma extensão de 300 a 350 quilómetros. As estradas e as linhas férreas
estavam praticamente destruídas. Os comboios circulavam em algumas partes a
uma velocidade reduzida. Só os tanques e outros veículos de lagartas eram trans-
portados de comboio, tudo o resto tinha de ser transportado por estrada. No Vís-
tula as tropas fizeram parte do percurso a pé e em parte em camiões. A média
diária estipulada do avanço das tropas era de 30 a 50 quilómetros, dependendo
do meio de transporte, e de 30 a 35 quilómetros a pé. A data de ataque da 2ª frente
bielorussa foi assim fixada para 20 de Abril, depois de Rokossóvski ter exposto
todas as dificuldades no Alto Comando em conversas com Stáline. 6
Perante as ambições dos aliados ocidentais no que respeita a Berlim, o Alto Co-
mando não podia, contudo, esperar tanto. 7 A 1ª frente bielorussa e a 1ª frente
ucraniana tinham de iniciar a ofensiva a 16 de Abril, quatro dias depois seria a vez
da 2ª frente bielorussa.
Júkov expôs as enormes dificuldades com que o exército soviético se defron-
tava. Ele tinha participado em grandes e importantes ofensivas durante toda a
guerra, mas «o combate pela tomada Berlim era uma operação especial, sem
3
Idem, ibidem, p. 419.
4
Idem, ibidem, p. 392.
5
Idem.
6
Idem, ibidem, pp. 418-420.
7
Júkov, ibidem, p. 284.
2
precedentes. A frente tinha de romper uma poderosa linha defensiva solidamente
fortificada, desde o Oder até à cidade. Para podermos conquistar a capital da Ale-
manha fascista, pela qual o adversário travaria um combate de vida ou de morte,
tínhamos de derrotar um forte contingente nas entradas de Berlim.» 8
Até então, as tropas soviéticas nunca tinham conquistado uma cidade tão
grande e tão bem defendida como Berlim. Estendia-se por uma área de mais de
900 Km2 e possuía uma ampla rede de instalações subterrâneas.9 Isto exigia uma
ampla e rigorosa preparação em apenas cerca de 15 dias.
As três frentes que deviam realizar a ofensiva contra Berlim receberam do Quar-
tel-General forças muito poderosas: 19 exércitos, quatro exércitos blindados, quatro
exércitos da Força Aérea, cerca de 170 divisões de cavalaria e infantaria, assim como
oito corpos autónomos de blindados e mecanizados. Este grupo estratégico dispunha
de 2,5 milhões de soldados e oficiais, 41 mil lança-granadas e bocas-de-fogo, 6300
tanques e 7500 aviões de combate. O exército soviético tinha 2,5 vezes mais soldados
e oficiais do que o adversário, quatro vezes mais artilharia, 4,1 vezes mais tanques e
canhões autopropulsados e 2,3 vezes mais aviões. 10 As tropas do 1.º e 2.º exércitos
polacos também participaram na Operação Berlim. 11
Esta poderosa concentração de tropas, artilharia, tanques e aviões colocava enor-
mes desafios ao reabastecimento. Tinham de ser fornecidas enormes quantidades de
combustíveis e lubrificantes, assim como de munições.
No início, o reabastecimento do exército também foi dificultado por acontecimen-
tos naturais. No final de Março, inícios de Abril começou o degelo. No Vístula «mon-
tanhas de gelo» deslizavam ao sabor da corrente e danificaram alicerces de pontes
por onde passava o reabastecimento para a 1ª frente ucraniana. As pontes tiveram de
ser salvas e reparadas num curto espaço de tempo, sob pena de os exércitos ofensivos
ficarem privados de reabastecimentos durante dez ou 15 dias, o que significaria o
adiamento da Operação Berlim.
A luta contra a natureza durou três dias. O gelo foi desfeito com bombardeamentos
ou implosões de modo a que blocos mais pequenos pudessem deslizar sem destruir
os alicerces das pontes.
Já o reabastecimento da 2ª frente bielorrussa teve de ser desviado por Varsóvia,
uma vez que a única ponte por onde passava, perto de Torun, foi destruída pela pres-
são do gelo.
Um outro problema foi a largura das linhas de ferroviárias. Até Frankfurt/Oder
tinham sido colocadas com a bitola russa, a partir de Frankfurt até Berlim manti-
nham a norma ocidental. 12 Teve de fazer-se o transbordo dos comboios.
No início da Operação Berlim foi preciso também montar pontes sobre o Oder
num curto espaço de tempo. No total foram montadas 25 pontes com um compri-
mento total de 15 017 metros. Durante a preparação e concretização da Operação
Berlim, passaram por estas pontes em ambas as direcções 1 671 188 veículos e 400
mil carroças puxadas a cavalo. 13
8
Idem, ibidem, p. 284 e seg.
9
Idem, ibidem, p. 285.
10
Parotkin, ibidem, p. 408 e seg.
11
Idem, ibidem, p. 410.
12
N.A. Antipenko, Na Direcção Principal, Moscovo, 1971, 1973, pp. 275-278.
13
Idem, ibidem, p. 278.
3
Para que se possa compreender as enormes dificuldades da construção de uma
ponte, veja-se o caso da construção da ponte sobre o Oder, para a cabeça-de-ponte
de Küstrin.
O estaleiro encontrava-se sob forte ataque de artilharia e lança-granadas.
Várias vezes foi alvo de ataques aéreos. A ponte ficou pronta em sete dias, mas as
baixas foram pesadas: 201 mortos, dos quais 38 afogados e 186 feridos. A
actividade de construção dos pioneiros soviéticos realizava-se frequentemente
sob pesadas baixas.14
Naturalmente, o Alto Comando alemão também estava ciente da importância es-
tratégica das pontes. A 18 de Abril, dois dias depois do início da ofensiva soviética,
aviões da Luftwaffe destruíram ambas as pontes ferroviárias sobre o Oder e o Varta.
Sob bombardeamentos constantes, as pontes estavam reconstruídas a 25 de Abril,
dia em que se iniciou o ataque ao centro de Berlim. A 25 de Abril, pelas 18 horas,
chegou o primeiro comboio com artilharia pesada a Berlim-Lichtenberg. 15
Para se compreender as exigências colocadas ao reabastecimento, refiram-se
alguns números.
Nesta altura, a 1ª frente bielorussa tinha cerca de 14 mil tubos de lança grana-
das e artilharia. O peso da capacidade de fogo em munições era de 43 mil tonela-
das. Na direcção de Berlim, a cada quilómetro havia 272 tubos destes, em alguns
casos 286.
Para os primeiros dias da Operação Berlim estava planeado o envio de cerca de
1,15 milhões de granadas assim como 500 mil bazucas e 2382 vagões com muni-
ções. Um quilómetro de frente correspondia a 350 toneladas de munições. 16
Entre 1 de abril e 9 de Maio foram fornecidos à 2ª frente bielorrussa e à 1ª frente
ucraniana cerca de dez mil vagões com munições, dos quais seis mil depois de 16
de Abril. 17
O fornecimento desta quantidade enorme de munições às três frentes foi feito,
em parte, à custa do reabastecimento das outras frentes, que não eram pouco im-
portantes, caso da que conduzia a ofensiva na direcção de Praga. Assim, o mare-
chal Moskalenko, comandante do 38.º exército da 4ª frente ucraniana, lamentou-
se da escassez de munições para os seus canhões de 76 mm e 122 mm, durante a
libertação da zona industrial de Moravska-Ostrava, fortemente defendida. Toda-
via, o Conselho de Militar recusou as exigências da 4ª frente ucraniana (coman-
dante-em-chefe general Ieromenko): «Não será entregue essa quantidade de
granadas».
A razão principal das restrições no fornecimento de munições foi, juntamente
com as dificuldades de utilização da linha ferroviária, a preparação das três fren-
tes para a Operação Berlim. «Aí devia ser conduzido o último golpe aniquilador
contra a Alemanha fascista. Por isso os serviços de reabastecimento concentra-
vam-se, naturalmente, em primeiro lugar, em fornecer as tropas na direcção
estratégica com tudo o que era necessário.» 18
As tropas também tinham de ser reabastecidas com géneros alimentares e não
só elas. Alimentação tinha também de ser fornecida às populações libertadas nos
14
Idem, ibidem, p. 278 e seg.
15
Idem, ibidem, p. 279.
16
Idem, ibidem, p. 282.
17
Idem, ibidem, p. 283.
18
Moskalenko, ibidem, p. 567 e seg.
4
campos de concentração e nas respectivas regiões. Era preciso assegurar o transporte
de gado, principalmente bovino com todas as dificuldades inerentes, a recolha de
leite, assistência veterinária, partos, forragens, etc., sob as condições complicadas re-
sultantes da destruição causada pelos fascistas.
Na preparação e concretização da Operação Berlim também se incluiu uma ordem
do governo soviético destinando cinco mil vacas para alimentação das crianças ber-
linenses. 19
A Administração dos Serviços de Retaguarda da 1ª frente bielorrussa teve um pa-
pel importante e decisivo na implementação da Operação Berlim. Para assegurar os
abastecimentos das tropas e da população, assim como a manutenção das vias rodo-
viárias e ferroviárias, era necessário criar uma «economia» numa região quase do
tamanho da RFA, com 250 mil a 300 mil km2. 20
Os órgãos políticos do Exército Vermelho desenvolviam uma intensa actividade
político-ideológica, apoiando-se principalmente nas organizações do Partido e do
Komsomol. Na noite anterior ao ataque dois mil soldados e oficiais solicitaram a sua
inscrição no PCUS. Os conselhos militares das frentes apelaram às tropas para se
comportarem correctamente perante a população alemã. O soldado soviético, afir-
mava-se, nunca se colocará ao mesmo nível dos canibais fascistas, nunca manchará
a honra dos soviéticos. «Comportar-se-á de tal forma em território alemão que a
notícia do Exército Vermelho como libertador rapidamente se espalhará pelo
mundo». 21
Houve vários apelos e instruções neste sentido dos conselhos de militares das
frentes, do Quartel-General e do próprio Stáline. Entre os soldados e oficiais, não
havia praticamente ninguém cuja aldeia ou cidade não estivesse destruída, cuja mu-
lher, pais, irmãos, filhos amigos não tivessem sido assassinados ou raptados pelos
fascistas. Sentimentos de vingança, de retaliação sobre os fascistas, e sobre os ale-
mães em geral estavam muito disseminados e eram compreensíveis. Tem de se sub-
linhar que os comandantes soviéticos, as organizações do Partido e do Komsomol
nas forças armadas tudo fizeram para impedir motins dos membros do Exército
Vermelho, apesar de não ter sido possível impedi-los em todos os casos. As viola-
ções da disciplina e das instruções sobre o comportamento perante a população
eram castigadas pelos comandantes e, em casos graves, eram julgadas pela justiça
militar soviética.
Os casos de ataques de soldados soviéticos à população civil alemã continuam a
ser exagerados nas publicações anticomunistas, ao mesmo tempo que são minimi-
zados ou omitidos os motins dos soldados aliados ocidentais, que também existi-
ram e não em pequeno número. Crimes contra a população civil são inevitáveis nas
guerras com exércitos de massas, o que de forma nenhuma justifica ou desculpa
esses crimes. Também qualquer comparação entre ataques de membros isolados
do exército soviético e os assassínios em massa, ordenados pelo comando fascista e
executados por unidades SS e também por unidades da Wehrmacht, não só não é
aceitável, como não tem é suportada por factos históricos.
19
Antipenko, ibidem, p. 285.
20
Idem, ibidem, p. 281.
21
Parotkin, ibidem, p. 409.
5
Por último, os responsáveis por estes motins são os instigadores da guerra,
neste caso, os fascistas imperialistas alemães, que conduziram uma guerra de
rapina, de conquista e mortífera contra a União Soviética. Apesar de os ex-ge-
nerais da Wehrmacht procurarem nas suas memórias responsabilizar Hitler por
tudo, eles também foram responsáveis pelos crimes cometidos pelas SS e uni-
dades da Wehrmacht nas áreas sob o seu comando.
Hitler, Goebbels e Goering apelaram nos seus discursos, proclamações e ordens
ao aniquilamento dos povos eslavos, dos «sub-humanos», ordens também execu-
tadas pelas tropas alemãs sob o comando dos seus generais.
Stáline declarou várias vezes que o objectivo do Exército Vermelho não era a
aniquilação do povo alemão e do Estado alemão. Disse-o logo assim na ordem de
23 de Fevereiro de 1942. Repudiou tais boatos da «imprensa estrangeira» e qua-
lificou-os de «palermices e calúnias absurdas contra o Exército Vermelho». «O
Exército Vermelho não tem objectivos tão idiotas…» Tratava-se da libertação do
solo soviético dos invasores alemães fascistas, de uma guerra que conduziria «à
expulsão ou aniquilação da clique de Hitler». A clique de Hitler não se devia con-
fundir com o povo alemão, com o Estado alemão: «os Hitler vão e vêm, o povo
alemão e o Estado alemão ficam.» 22
A hora da destruição de clique de Hitler aproximou-se com a Operação Berlim.
Foi simultaneamente a hora da libertação do povo alemão da bárbara ditadura
fascista, a hora da abertura do caminho para um futuro em paz.
Estas eram as intenções do exército soviético no seu ataque a Berlim, que de-
terminaram a estratégia militar e política dos generais soviéticos, o comporta-
mento da esmagadora maioria dos soldados e oficiais soviéticos.
A libertação de Berlim
A preparação das três frentes para a ocupação de Berlim não passou desper-
cebida ao serviço de informações fascista. O Alto Comando da Wehrmacht tinha
transformado Berlim numa fortaleza. Na opinião de Tippelskirch, Hitler ainda
não se tinha dado por vencido politicamente: «Ele pensava só ter de aguentar
até que se concretizasse a segura divisão do inimigo. Ao constatar que os ingle-
ses não procuraram sequer perturbar a retirada das tropas alemãs da Grécia
e reprimiram violentamente a revolução comunista com origem no movimento
da resistência, Hitler viu aqui os primeiros sinais das contradições políticas no
campo inimigo, das quais estava convencido poder retirar benefícios. A morte
de Roosevelt, a 12 de Abril, foi saudada em Berlim como uma fatalidade do
destino. Hitler ainda foi mais longe. Preso no pensamento alucinado de que a
Alemanha, sob a sua direcção, ainda tinha liberdade de movimentos, pretendia
fazer um acordo, depois da divisão dos Aliados, com aqueles que lhe fizessem a
melhor proposta.» 23
De acordo com a nota do seu diário de 5 de Março, Goebbels era da opinião de
que «Stáline ainda seria quem estaria nas melhores condições para implementar
uma mudança de direcção no curso da política de guerra»; e a 8 de Março escre-
veu: «Hitler acredita encontrar uma possibilidade de entendimento com a União
22
SW 14/266.
23
Tippelskirch, ibidem, p. 566.
6
Soviética (…) e depois continuar a guerra contra a Inglaterra com brutal energia.»
A 12 de Março, Goebbels anota: «Eliminar a guerra a Leste e ser operativo a Oeste
– uma ideia maravilhosa.» 24
Centenas de milhares de soldados alemães tiveram de morrer por esta insanidade,
que talvez não fosse partilhada por todos os generais do Alto Comando, mas em que
todos participaram. No final da guerra, 300 mil soldados soviéticos pagaram com a
vida esta loucura. A «maravilhosa ideia» de Goebbels começou a 16 de Abril, pelas
05.00 horas.
Júkov escreveu: «Neste momento toda a região se ilumina com os muitos milha-
res de bocas-de-fogo e lança-granadas e dos foguetes das nossas Katiuchas. Depois
ouviu-se os estrondos dos tiros e explosões da nossa artilharia, granadas e bom-
bardeamentos aéreos. No ar aumentava o barulho de motores de muitas centenas
de bombardeiros (…) Ao longo de toda a frente lançaram-se milhares de foguetes
luminosos. Eram o sinal para 140 projectores colocados com intervalos de 200 me-
tros. Com a intensidade luminosa de mais de cem mil milhões de velas, iluminou-se
o campo de batalha, encandeou-se o inimigo e retirou-se da escuridão os alvos do
ataque. Foi uma imagem impressionante que eu não tornei a ver durante toda a
minha vida.
«A nossa artilharia reforçou o seu poder de fogo; a infantaria e os tanques ata-
caram em conjunto e o seu ataque foi acompanhado por uma poderosa e dupla tác-
tica entre as unidades de artilharia e as unidades de infantaria. Com o amanhecer
as nossas tropas tinham derrubado a primeira posição do adversário e atacavam
a segunda.» 25
«A 1ª frente ucraniana iniciou a ofensiva de manhã cedo, a 16 de Abril, com fogo
de preparação da artilharia, que durou duas horas e 35 minutos. No final da pri-
meira parte da preparação da artilharia, que durou 1.40 horas, aviões de combate
lançaram a baixa altitude uma cortina de fumo sobre o rio Neisse. Sob nevoeiro
cerrado, cerca das 6.50 horas, os batalhões de reconhecimento da 1ª frente ucrani-
ana iniciaram a travessia do Neisse. Transportados em botes, os batalhões de re-
conhecimento montaram pontes. Assim que uma destas pontes era fixada na outra
margem, a infantaria atravessava-a em passo de corrida. A construção de uma
ponte leve demorava 50 minutos, enquanto uma com 30 toneladas demorava duas
horas. Pontes com capacidade para 60 toneladas ficavam prontas em quatro horas
e aguentavam tanques de todos os tipos. Quando as unidades de reconhecimento
atravessaram o rio, uma parte da artilharia já tinha sido puxada para a outra
margem com cabos.
«Cerca de 10.15 horas, depois de os primeiros soldados terem alcançado a mar-
gem ocidental, os primeiros canhões de 85mm já tinham sido puxados para lá. Com-
batiam os tanques alemães e apoiavam assim os nossos soldados nas suas primeiras
pequenas cabeças-de-ponte. Para além das pontes, utilizámos também balsas, que
transportaram determinados tanques necessários para apoiar a infantaria.» 26
De acordo com o planeado, a 20 de Abril, pelas 6 horas, os 65.º, 70.º e 49.º exér-
citos da 2ª frente bielorrussa iniciaram a ofensiva na região da foz do Oder. Sob uma
cortina de fumo idêntica à do Neisse, os 65.º e 70.º exércitos alcançaram a margem
24
Goebbels, Diários, pp. 116, 157, 210.
25
Júkov, ibidem, p. 296 e seg.
26
Idem, ibidem, p. 85.
7
ocidental do Oder ao cair da noite e organizaram as primeiras cabeças-de-ponte
na margem oeste. O 49.º exército só alcançou essa margem a 21 de Abril.
As dificuldades encontradas pela 2º frente bielorrussa prendiam-se com o facto
de não ter sido possível utilizar no início, e depois apenas parcialmente, meios de
combate pesados, tanques e artilharia pesada, dado que a região era pantanosa,
recortada por inúmeros canais. A imprescindível construção de pontes e a prepa-
ração das balsas sob permanente fogo inimigo abrandou a velocidade do ataque.
Só na zona da frente do 70.º exército, até à noite de 20 de Abril, estavam em fun-
cionamento na margem oeste do Oder, nove balsas de desembarque, seis de trans-
porte e uma ponte de 50 toneladas. Uma enorme proeza dos pioneiros soviéticos.
No entanto os meios de transporte não eram suficientes para transportar as armas
pesadas de toda a frente entre as duas margens do Oder.
A 25 de Abril, a defesa adversária tinha sido rompida numa largura de 20 qui-
lómetros; as tropas da 2ª frente bielorrussa puderam atingir a linha Randov.27
No mesmo dia, a 1ª frente bielorrussa e a 1ª frente ucraniana iniciaram os com-
bates em Berlim. A ala direita da 1ª frente bielorrussa tinha cercado Berlim a
Norte. Graças à 2ª frente bielorrussa, o inimigo não pôde recorrer às suas reservas
estacionadas a Norte para defender Berlim. 28 Mas a 1ª frente bielorrussa também
teve dificuldades. As colinas de Seelow representaram «verdadeiros obstáculos»,
escreveu Júkov. «Não só limitavam os movimentos dos nossos tanques, como
também constituíram um sério obstáculo para a nossa artilharia». 29
As posições alemãs nas colinas de Seelow não puderam ser rompidas no pri-
meiro dia.
Houve contactos telefónicos directos entre Stáline e Júkov. Stáline estava in-
quieto. 30 A situação em Seelow era preocupante. A velocidade relativamente baixa
de ataque da 1ª frente bielorrussa podia pôr em perigo o calendário previsto para
o cerco da Berlim.
«Na noite de 17 de Abril, Stáline falou telefonicamente sobre o assunto com o
comandante-em-chefe da 1ª frente ucraniana, I.S. Kóniev. O comandante su-
premo ordenou que os 3.º e 4.º exércitos blindados mudassem de rumo na direc-
ção de Noroeste e atacassem Berlim pelo Sul. Esta ordem foi imediatamente
posta em prática.
O quartel-general ordenou que a 2ª frente bielorrussa iniciasse o ataque a 20
de Abril, e, o mais tardar a 22 de abril, atacasse com as forças principais Schöne-
beck para assim cercar Berlim pelo Norte. O cerco a Sudoeste e a Norte pela 1ª
frente ucraniana e pela 2ª frente bielorrussa garantia o cerco e a derrota do ad-
versário na região de Berlim, mesmo no caso de a 1ª frente bielorrussa não con-
seguir acelerar a sua velocidade de ataque.» 31
Na manhã de 18 de Abril, Seelow foi conquistada pelas tropas da 1ª frente bie-
lorrussa, depois de elevadas baixas em combate. Como Júkov escreveu, tinham
27
Randov é um pequeno rio que corre paralelamente ao Oder, do lado ocidental. A região à volta do Ran-
dov também era pantanosa.
28
Rokossóvski, ibidem, pp. 430-442.
29
Júkov, ibidem, p. 298.
30
Idem, ibidem, p. 299 e seg.
31
Parotkin, ibidem, p. 413 e seg.
8
«subestimado um pouco» a complexidade da região das colinas de Seelow. «Durante
o planeamento da ofensiva de artilharia devíamos ter previsto as dificuldades na
liquidação das posições de defesa do adversário.» 32
Desvios ao plano, como a ordem para ambos os exércitos blindados da 1ª frente
ucraniana seguirem para Sudoeste de Berlim e Potsdam – o que não estava previsto
– demonstram a competência e flexibilidade de Stáline, no comando da operação de
Berlim enquanto comandante supremo. Isto também é válido para a ordem dada a
Rokossóvski para atravessar o Oder «mais depressa» e cercar Berlim pelo Norte com
uma parte das tropas. Esta instrução foi correcta do ponto de vista estratégico, apesar
de Stáline ter subestimado as complexas condições do terreno, na região pantanosa
do Oder. Rokossóvski iniciou a sua ofensiva a 20 de abril, mas a conquista da margem
ocidental do Oder não foi tão rápida como estava planeado.
Kóniev pronunciou-se sobre este problema: «Que significa planear na guerra?
Fazemos os nossos planos sem o adversário, mas executamo-los, por assim dizer,
em conjunto, ou seja, sob a sua contra-acção. Quanto mais tempo um combate se
prolonga, mais correções ao plano são necessárias. Isto não se deve só a dificulda-
des e obstáculos imprevistos, mas também ao comportamento do adversário. Não
se sabe antecipadamente quando, onde e com que amplitude ele utilizará as suas
reservas operativas, porém, só depois de as derrotarmos poderemos continuar em
frente.» 33
Os estados-maiores das frentes e os seus comandantes trabalhavam autonoma-
mente as suas propostas de planos para as áreas definidas pelo Quartel-General. O
plano tinha depois de ser confirmado pelo QG. A coordenação das operações, as li-
nhas divisórias entre as frentes, a atribuição de reservas, de armamento e de docu-
mentação eram da competência do QG, a última decisão pertencia a Stáline, en-
quanto Comandante Supremo. Alterações fundamentais estratégicas, como a altera-
ção de rumo dos dois exércitos blindados da 1ª frente ucraniana, não podiam ser to-
madas pelos comandantes das frentes. Se o considerassem necessário, tinham de o
solicitar ao comandante supremo. Isso fazia-se rapidamente através da ligação tele-
fónica directa. O comandante supremo estava ligado em permanência com os coman-
dantes das frentes. Assim, antes da Operação Berlim, a pedido de Kóniev, Stáline
tinha retirado dois exércitos da frente no Báltico e atribuiu-os à 1ª frente ucraniana:
«Como as frentes no Báltico e na Prússia Oriental começam a diminuir, posso atri-
buir-lhe [a Kóniev] dois exércitos, o 28º e o 31º, da frente báltica.» 34
Kóniev escreveu sobre o método de desenvolvimento dos planos e directivas no
QG: «Normalmente, o comandante-em-chefe da frente não só apresenta o seu plano
e as suas reflexões, como também trabalha previamente com o seu estado-maior a
proposta das directivas do QG.
Devido à concepção estratégica geral do Alto Comando, o comando das frentes
planifica as operações em todos os aspectos relativos à sua implementação e só co-
locava entre parenteses as questões que ultrapassavam as suas competências e di-
ziam respeito ao Alto Comando.
Simultaneamente também era trabalhada a proposta de directiva, cuja versão
original reproduzia a opinião da frente para a concretização da operação seguinte,
32
Júkov, ibidem, pp 300 e 301.
33
Kóniev, ibidem, p. 89.
34
Idem, ibidem, p. 74.
9
sendo condição prévia o necessário apoio do Alto Comando. Em que medida es-
tas directivas sofriam alterações ou contribuições, dependia de como as propos-
tas das frentes tinham sido avaliadas pelo Alto Comando e até que ponto concor-
davam com a decisão definitiva. Este método desenvolvido com o desenrolar da
guerra parece-me ainda hoje funcional e promissor (…)
No QG só eram analisadas questões fundamentais como direcção do ataque,
a composição das tropas e a colocação da artilharia. Questões técnicas relacio-
nadas com as operações eram decididas pelos métodos habituais. Para além
disso a frente estava equipada com o que era necessário.» 35
A 23 de Abril, Júkov e Kóniev receberam ordem do Alto Comando para «o mais
tardar até 24 de Abril cercar completamente o grupo Frankfurt-Gubener, o 9.º
exército sob o comando do general Busse, e impedir o seu avanço para Berlim ou
em direcção Oeste». 36
Kóniev mandara fechar as estradas entre os lagos a Norte de Teupitz e organi-
zara aí uma defesa estável de tanques e infantaria. Com 200 mil homens, mais de
duas mil bocas-de-fogo e lança-granadas, assim como 300 tanques e canhões au-
topropulsados, o 9.º exército era um adversário poderoso. A correlação de forças
na infantaria e nos tanques era idêntica, só na artilharia e lança-granadas as tropas
da 1ª frente ucraniana e 1ª frente bielorrussa eram três vezes superiores. 37
Deve ter-se em conta o comprimento e profundidade da frente da 1ª frente
ucraniana. Ia do Sudoeste de Berlim até Dresden, de Frankfurt-Görlitz até ao
Elba. Dois dos seus exércitos blindados combatiam em Berlim e perto de Pots-
dam e Brandeburgo. Hitler queria juntar no Sul de Berlim o 9.º exército (Busse)
com o 12.º exército (Wenck), que avançava de Oeste, para ocupar a cidade. Na
comunicação de Hitler a Jodl, de 26 de abril, 0.25 horas, ordena-se: «É urgente
a concretização rápida, em todas as direcções, de todos os ataques ordenados
para libertar as tropas cercadas. O 12.º exército (Wenck) tem de assumir a li-
nha Beelitz-Ferch e continuar prontamente o ataque na direcção Leste até se
juntar ao 9.º exército (Busse). O 9.º exército ataca pelo caminho mais curto na
direcção Oeste e estabelece a ligação com o 12.º exército. Depois da união, am-
bos exércitos devem dirigir-se para Norte e liquidar as unidades inimigas na
parte Sul de Berlim e estabelecer uma ampla ligação com Berlim.» 38
Na madrugada de 26 de Abril, um forte contingente do 9.º exército, três divisões
de infantaria, uma divisão de blindados e uma divisão motorizada, tentou romper o
cerco da 1ª frente ucraniana para se juntar ao 12.º exército. Numa estreita faixa da
frente pôde colocar em vantagem forças de infantaria, artilharia e tanques. Cerca
das oito horas, este contingente conseguiu romper a linha soviética e avançou para
Oeste. Esta brecha foi rapidamente fechada pela 1ª frente ucraniana, isolando o con-
tingente do 9.º exército. Uma grande parte deste contingente foi aniquilado e uma
outra parte conseguiu avançar até ao 12.º exército (Wenck).
A 28 de Abril, o general Busse informa o comando do Exército: «Tentativa de
ruptura abortada. Frente blindada de ataque avançou para Oeste, expressa-
mente contra ordem dada, ou aniquilada. O resto do grupo de ataque foi parado
sofrendo pesadas baixas. A condição física e psicológica dos oficiais e soldados
35
Idem, ibidem.
36
Idem, ibidem, p. 122.
37
Parotkin, ibidem, p. 419.
38
Domarus, ibidem, p. 2230.
10
assim como a situação do combustível e munições nem permitem um novo ataque
de ruptura, nem permitem aguentar muito tempo.» No entanto, o 9.º exército rece-
beu a ordem de, «por causa da situação em Berlim, avançar imediatamente para
Oeste ao encontro do 12º exército.» 39
A 25 de Abril, já as tropas da 1ª frente ucraniana se tinham juntado à 2ª frente
bielorrussa na zona de Potsdam. Fechou-se o cerco a Berlim.
As esperanças de Hitler de libertação do cerco pelo grupo de exércitos Weichsel
sob o comando do coronel-general Heinrici, estacionado a Norte de Berlim, também
não se concretizaram. As ordens de Keitel a Heinrici para atacar Berlim pelo Norte
revelaram-se também impraticáveis. O grupo de exércitos Weichsel tinham de se re-
tirar da linha Randov na direcção Oeste, para evitar uma ruptura pelas tropas da 2ª
frente bielorrussa. Quando, a 27 de Abril, tropas da 2ª frente bielorrussa romperam
na direcção de Prenzlau, Heinrici retirou para Norte duas divisões, disponibilizadas
pelo Alto Comando da Wehrmacht para o ataque a Berlim, para impedir uma desin-
tegração do 3.º exército blindado sob o seu comando. 40
Não era, portanto, de esperar nenhuma libertação do cerco a Berlim pelo Norte. A
ordem da chancelaria do Reich de 28 de Abril, 12.30 horas, também já nada podia
alterar: «Tarefa para todas as unidades em combate entre o Elba e o Oder: concluir
com êxito um amplo ataque para libertação da capital do Reich. Perante esta tarefa
decisiva desiste-se do combate ao adversário em Mecklenburgo». 41
Antes do assalto a Berlim, o Conselho de Guerra da 1ª frente bielorrussa propôs,
a 23 de Abril, ao Alto Comando alemão e ao Comando da ocupação de Berlim, cessar
a resistência absurda. 42 O comando fascista recusou e assumiu assim a responsabili-
dade pela morte sem sentido de dezenas de milhares de pessoas e pela continuação
da destruição da cidade, já de si arruinada pelos ataques aéreos das forças aliadas
ocidentais. Para a clique de Hitler, na chancelaria do Reich, tratava-se apenas de ga-
nhar literalmente alguns dias, e para isso estava disposta a deixar aniquilar a popu-
lação de Berlim. A 24 de Abril, o general Weidling, comandante da defesa de Berlim,
recebeu ordem de Hitler para defender a cidade obstinadamente e mantê-la a qual-
quer preço. 43
Depois do bombardeamento de várias horas pela aviação soviética, o assalto a Ber-
lim iniciou-se cedo, a 26 de Abril, e terminou sete dias depois, a 2 de Maio, com a
capitulação incondicional do comando alemão.
Hitler suicidou-se a 30 de Abril, pelas 15.30 horas. No seu testamento político no-
meou como seu sucessor o grande almirante Dönitz e Goebbels como chanceler do
Reich. Himmler e Bormann deviam também fazer parte do novo governo do Reich
como ministros.
A 1 de Maio, pelas 03.50 horas, o novo «chanceler do Reich» enviou o chefe do
Alto Comando do Exército, General Krebs, ao comandante-em-chefe do 8.º Exército
Vermelho, General Tchuikov, com a notícia da morte de Hitler, a constituição de um
novo governo e a proposta de um armistício. Tchuikov informou imediatamente Jú-
kov. Júkov enviou o seu representante, general do exército Sokolovski, ao Comando
39
Diários de Guerra do Alto Comando da Wehrmacht, 1944-45, Vol. IV, tomo 2, org. Percy E. Schramm,
Bona, p. 1462. De seguida KTB/OKW
40
Tippelskirch, ibidem, p. 571 e segs.
41
Domarus, ibidem, p. 2232.
42
Parotkin, ibidem, p. 421 e seg.
43
Idem, ibidem, p. 422.
11
e Controlo de Tchuikov, e exigiu a Krebs a capitulação incondicional da Alemanha.
Após ser informado, Stáline respondeu: «Com que então o patife jogou a última
cartada. Pena que não o tenhamos apanhado vivo. Onde está o cadáver de Hi-
tler?» Júkov: «De acordo com Krebs, o cadáver de Hitler foi queimado.» Stáline:
«Transmita a Sokolovski (…) que nem com Krebs, nem com qualquer outro fas-
cista não há nada a negociar a não ser a capitulação incondicional. Caso não
aconteça nada extraordinário, não me telefone até amanhã, quero descansar um
pouco. Hoje temos o desfile do 1.º de Maio.» 44
Cerca das cinco horas, Sokolovski informou Júkov sobre a conversa com
Krebs. 45 Sokolovski: «Fazem jogo duplo (…) Krebs declarou que não estava au-
torizado a decidir sobre a capitulação incondicional. Disse que sobre isso só o
novo governo dirigido por Dönitz podia tomar essa decisão. Krebs quer negociar
um cessar-fogo, supostamente para permitir a reunião dos membros do governo
Dönitz. Creio que os devemos mandar para o diabo se não aceitarem a capitula-
ção incondicional.» Júkov: «Exactamente (…) diz-lhe o seguinte: se Goebbels e
Bormann não aceitarem até às dez horas a capitulação incondicional, infli-
gimos-lhes um golpe tão duro, que lhes passará para sempre a vontade de resis-
tir. Os fascistas deviam pensar no sacrifício inútil do povo alemão e pensar na
responsabilidade pessoal da sua loucura.» 46
Parece-me assinalável que um marechal soviético tenha tido que exigir aos fas-
cistas que pensassem no «sacrifício inútil do povo alemão». Os interesses nacio-
nais do povo alemão exigiam a capitulação incondicional como única saída para a
catástrofe nacional, a que as «elites» fascistas, por incumbência dos representan-
tes reaccionários do capital financeiro alemão, tinham conduzido. O marechal so-
viético mostrou ser, nessa hora, o procurador da nação alemã.
Não houve resposta de Goebbels e Bormann dentro do prazo estipulado. Em
consequência, a artilharia soviética abriu fogo sobre a última posição de defesa no
centro de Berlim. Só cerca das 18 horas, Goebbels e Borman enviaram um emis-
sário, que apresentou a recusa da capitulação incondicional. Às 18.30 horas ini-
ciou-se o último assalto ao centro e à chancelaria, onde os fascistas se tinham en-
trincheirado. Goebbels assassinou os seus filhos e suicidou-se com a sua mulher.
A 2 de Maio, o comandante-em-chefe da defesa de Berlim, general Weidling,
capitulou perante as tropas da 1ª frente bielorrussa.
44
Júkov, ibidem, p. 315.
45
Krebs falava fluentemente russo e não precisava de tradutor.
46
Júkov, ibidem, p. 315.
12
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XIV)
Ulrich Huar
Capítulo V
Refira-se uma vez mais que, na Conferência de Ialta, as três potências da aliança
anti-hitleriana tinham tomado a decisão de exigir aos detentores do poder fascista
e ao seu aparelho militar, o Alto Comando da Wehrmacht, a «capitulação incondi-
cional» em todas as frentes perante as três potências, sem excepção. O comunicado
da Conferência, assim como o relatório das reuniões de trabalho foram assinados por
Roosevelt, Churchill e Stáline. Na Conferência também foram fixadas as fronteiras
das zonas de ocupação. Na sequência de operações militares, estas fronteiras pode-
riam ser ultrapassadas com o consentimento dos comandantes dos respectivos exér-
citos aliados.
Mas enquanto o novo presidente americano, Harry S. Truman e o general Eise-
nhower, pelo menos formalmente, cumpriam o acordo, Churchill procurou esqui-
var-se por todos os meios. Retrospectivamente, declarou: «Nesse momento existia
uma proposta do general Eisenhower de que os exércitos aliados operassem sem
ter em consideração as linhas de demarcação; mas onde os exércitos de Leste e
Oeste entrassem em contacto, cada lado podia exigir a retirada do outro exército
da sua zona de fronteira. A autorização para apresentar tais solicitações ou orde-
nar tais retiradas era concedida pelos comandantes. Caso essas solicitações não
correspondessem a uma necessidade operativa, devia ordenar-se a retirada. A mim
esta proposta pareceu-me precipitada e excedendo as necessidades militares ime-
diatas. Por isso tratei do assunto e dirigi-me, a 18 de Abril, ao novo presidente, que,
naturalmente, ainda só há pouco tempo e indirectamente conhecia todas as com-
plicações com que tínhamos de nos debater e em larga medida tinha de se apoiar
nos seus conselheiros. Assim, o ponto de vista puramente militar afirmou-se des-
medidamente.
1
(…) Não tenho, de forma nenhuma, a intenção de tocar nas zonas de ocupação
combinadas; porém não desejo que um qualquer arrogante comandante de secção
russo obrigue à retirada precipitada, de algum local, das tropas aliadas america-
nas e nossas. Tem de se encontrar um acordo entre governos contra tais incidentes,
para que se assegure espaço de manobra a Eisenhower para resolver, à sua admi-
rável maneira, tais incidentes imediatamente.» 1
Segundo Churchill, naturalmente só do lado soviético existiam «comandantes ar-
rogantes»! Decisões sobre estas questões só podiam ser tomadas pelos comandantes
das frentes e pelo Quartel-General e não por um «comandante de secção», o que era
do conhecimento de Churchill. Contactos, encontros com as tropas soviéticas reali-
zaram-se com a 1ª e 2ª frentes bielorrussas e da 1ª frente ucraniana, com os seus
comandantes, os marechais Rokossóvski, Júkov e Kóniev. Eles estavam em perma-
nente contacto telefónico directo com Stáline. Nenhum «comandante de secção», ou
lá o que fosse, «arrogante» ou não, podia, do lado soviético, dar ordens aos generais
britânicos ou americanos para retirar para além das linhas de demarcação. Deve pois
reconhecer-se a Churchill um domínio magistral da fina calúnia anti-soviética.
Truman, para grande pena de Churchill, mostrou-se «pouco prestável». «De
acordo com a sua proposta, as tropas das potências ocidentais deviam retirar-se
para as zonas acordadas, na Alemanha e na Áustria, assim que a situação militar
o permitisse.» 2
Também as zonas acordadas tinham sido «decididas de forma muito precipi-
tada». Para sua grande pena, elas também não podiam «ser alteradas sem o consen-
timento dos russos». Por isso deviam «no exacto momento em que a vitória seja
proclamada, pressionar que fosse criada a comissão de controlo em Berlim» 3
Churchill queria, portanto, chegar rapidamente à zona de ocupação soviética em
Berlim. Ele não se ficava só pelas palavras, fazia tudo para se esquivar aos compro-
missos que tinha assumido com a sua assinatura. Inicialmente, a «teoria» da capitu-
lação parcial servia-lhe. Não me foi possível identificar quem inventou esta «teoria»,
se foram os generais fascistas, o comandante das tropas aliadas no Noroeste da Ale-
manha, marechal de campo Bernard Law Montgomery (Visconde de Alamein, desde
1945) ou o próprio Churchill.
Como já foi referido, o coronel-general Guderian queria negociar um armistício
ou então um «acordo silencioso» com o Ocidente, o que «nos permitiria defender o
Leste, com o resto das nossas forças, renunciando ao Oeste em favor das potências
ocidentais». 4
O grande-almirante Dönitz, sucessor de Hitler, o novo comandante supremo e
chefe de Estado do Reich, com sede em Plön, 5 a partir de 2 ou 3 de Maio, no enclave
Flensburg-Mürvik, ainda não ocupado pelas tropas aliadas, foi até mais claro. Logo
a 30 de Abril, Dönitz tinha tomado as suas «primeiras medidas. Como tinha de con-
tinuar a combater para Leste, para salvar o maior número possível dos nossos sol-
dados na frente Leste e os refugiados nas zonas ocidentais anglo-americanas, não
Holstein. [NT]
2
me era possível aceitar a capitulação incondicional exigida pelos Aliados desde Fe-
vereiro de 1943. Por isso, queria, a Oeste, – perante as tropas anglo-americanas –
alcançar o mais rapidamente possível uma capitulação parcial. Isto colocava-se,
em primeiro lugar, para o exército alemão a Noroeste, perante o marechal de
campo inglês Montgomery. 6
A 1 de Maio, às 01.22 horas, Dönitz enviou um assinalável radiograma a Hitler,
nesta altura já morto. «FRR Quartel-General do Führer: Meu Führer, a minha leal-
dade será absoluta. Farei tudo para libertar Berlim. Se o destino, porém, me obri-
gar a chefiar o Reich enquanto seu sucessor por si determinado, dirigirei esta
guerra até ao fim como o exige a extraordinária luta heróica do povo alemão.
Grande Almirante Dönitz.» 7
Dönitz serve-se do arsenal de mentiras e difamações anti-soviéticas de Goebbels
para justificar as suas acções durante o tempo do seu governo em Flensburg. Repeti-
damente afirmou que se tratava de salvar os alemães da «arbitrariedade russa».
Deixe-se aqui em aberto se Dönitz acreditava nas terríficas lendas anti-soviéticas do
Völkischen Beobachter 8 e outros produtos dos media de Goebbels e era ele próprio
vítima da ideologia e doutrinação fascista. Mas, pelo menos, a partir de 8 de Maio,
tinha de estar mais bem informado. Nas notas, supostamente escritas pelo seu aju-
dante, capitão de corveta, Lüdde-Neurath, sobre a evolução da situação militar na
Alemanha fascista, entre 20 de Abril e início de Maio de 1945, lê-se: «A actuação dos
russos perante a população civil a Leste do Elba é aparentemente comedida e re-
servada. Presumivelmente este comportamento baseia-se numa táctica mais pro-
funda. Os russos terão grande facilidade em conseguir condições de vida suportá-
veis na parte da Alemanha por si ocupada, com base no despovoamento e no asse-
gurar das bases da alimentação. A Oeste do Reich, uma região desde sempre de-
pendente de subsídios, a fome e o caos são uma ameaça devido à sobrepopulação.
Tornar-se-á a região mais fértil para o comunismo. Fazer gala e jogar com estas
contradições só pode ser vantajoso para Stáline.» 9 Por conseguinte, os alemães a
Leste do Elba não foram deportados para a Sibéria, como Dönitz pensava. Além
disso, as afirmações de Lüdde-Neurath não são rigorosas. As regiões orientais alemãs
estavam destruídas pela guerra e os campos em grande parte minados. O governo
soviético teve de fornecer milhares de toneladas de alimentos nas suas zonas de ocu-
pação para impedir epidemias de fome, apesar de a sua própria população estar fa-
minta. O governo soviético forneceu como primeira ajuda a Berlim, 96 mil toneladas
de cereais, 60 mil toneladas de batata, cerca de 50 mil cabeças de gado, assim como
açúcar, gordura e outros alimentos. 10
A ameaça de caos a Oeste, em parte concretizada, deveu-se às potências de ocupa-
ção ocidentais. A União Soviética tinha-se preparado desde o início para administrar
6 Karl Dönitz, Zehn Jahre und zwanzig Tage. Erinnerungen 1935 - 1945 (Dez anos e
vinte dias. Memórias 1935-1945), 9ª ed., Kobenz, 1985, p. 436.
7 KTB/OKW (Diário de Guerra/Alto Comando da Wehrmacht), ibidem, p. 1468.
é capitão-tenente.
10 Júkov, ibidem, p. 329.
3
a sua zona de ocupação. Refira-se aqui, como um exemplo de muitos, o coronel-ge-
neral Bersarin, primeiro comandante da cidade de Berlim, que pôs a vida económica
e cultural de novo a funcionar na capital.
A primeira edição das memórias de Dönitz apareceu em 1958! No entanto, logo
depois da guerra continuou com as suas difamações anti-soviéticas. Apenas se dis-
tanciou das bestialidades e assassínios em massa fascistas, dos quais, como afirmou,
só teve conhecimento depois da guerra. Pode ser que não soubesse de nada. Das bár-
baras acções de aniquilamento do ocupante fascista alemão, do seu terror contra a
população da União Soviética, da deportação de cidadãos soviéticos como trabalha-
dores forçados para a Alemanha, da famigerada ordem dos comissários e outras ins-
truções idênticas de Hitler, enquanto seu comandante-em-chefe da Wehrmacht,
como sobre o tratamento a dar aos soldados soviéticos prisioneiros, que morreram
aos milhares nos campos de prisioneiros, a ordem para execução da táctica de terra
queimada na retirada das tropas alemãs, de tudo isto não teve conhecimento o co-
mandante-em-chefe da marinha de guerra?
Dönitz só estava interessado numa capitulação parcial perante as tropas anglo-ame-
ricanas, sendo o seu «interlocutor» para acordos concretos no Noroeste da Alemanha,
Holanda, Dinamarca e Noruega, o marechal de campo Montgomery. As tropas alemãs
deveriam ser retiradas de todas as frentes, no Sul, na Itália e na Croácia; na Checos-
lováquia, na Curlândia e na Prússia Oriental, para Ocidente atrás das linhas do exér-
cito anglo-americano. Segundo Dönitz, eram necessários cerca de oito a dez dias para
esta operação: «Tinha, portanto, de tentar adiar a capitulação perante a União So-
viética durante esse espaço de tempo». Se a capitulação parcial teria êxito perante a
exigência de «capitulação incondicional», não o sabia. Pelo menos «a tentativa ti-
nha de ser feita e de forma nenhuma publicamente, porque então seguramente se-
ria impedida pela actuação dos russos». Queria, claro, «alcançar acordos de capi-
tulação a Ocidente.» 11
Dönitz enviou, a 3 de Maio, o seu representante o general-almirante von Friede-
burg ao Quartel-General de Montgomery para negociar a capitulação parcial. Mont-
gomery não recusou e, por conseguinte, também não exigiu a capitulação incondi-
cional em todas as frentes, incluindo a russa.
A 5 de Maio, o ajudante de Montgomery chegou a Flensburg. Dönitz informou-o
de que «nós só temos o objectivo de salvar os nossos alemães da aniquilação russa.
São cerca de oito milhões de alemães que queremos salvar do aniquilamento por
deportação para a Sibéria». 12
Dönitz podia estar satisfeito: «Foi o primeiro passo para conseguir uma capitu-
lação parcial a Ocidente, sem para isso ter de se ceder na entrega de soldados ale-
mães e parte da população em mãos russas.» 13
Sobre isto uma questão: Poderia Montgomery, enquanto comandante de uma
frente a Noroeste, negociar uma tal capitulação parcial em forma de acordo, sem co-
nhecimento de Churchill? Uma capitulação não é só um acto militar, mas também
político. É improvável que uma capitulação parcial, com imensas consequências po-
líticas, nomeadamente ao arrepio dos acordos assinados entre os aliados em Ialta,
4
pudesse ser negociada autonomamente por um comandante de frente sem consultar
o comandante-em-chefe Churchill.
Isto ainda é reforçado por instrução dada por Churchill a Montgomery. Exige-lhe
que, ao prender soldados alemães, «reúna e armazene cuidadosamente as armas
alemãs para facilitar a sua devolução aos soldados alemães, caso tenhamos que nos
aliar em caso da continuação do avanço soviético.» 14
A insinuação da possibilidade da «continuação do avanço» do exército soviético
era uma aberração com origem no anti-sovietismo paranóico de Churchill. Os exér-
citos soviéticos não avançariam para além das linhas de demarcação acordadas, o
que era do conhecimento de Churchill. Mas para ele já eram muito amplas.
Estas intrigas não passaram ao lado do Quartel-General soviético. Numa conversa
com Júkov, em Maio, Stáline afirmou: «Enquanto nós desarmámos todos os solda-
dos e oficiais da Wehrmacht e os transportámos para campos de prisioneiros de
guerra, os ingleses mantêm-nos em completa prontidão e começam a colaborar
com eles. Até agora, os estados-maiores e os seus antigos comandantes gozam de
completa liberdade e, seguindo instruções de Montgomery, reúnem as suas armas.
Penso que os ingleses querem utilizar de novo as tropas alemãs, (…) isso é uma vi-
olação directa dos acordos entre os chefes de governo sobre a dissolução imediata
da Wehrmacht fascista.» 15
Para antecipar: depois do discurso Churchill em Fulton, segundo um memorando
de Júkov aos representantes dos EUA, Grã-Bretanha e França, no Conselho de Con-
trolo, em 1946 ainda se encontravam tropas e serviços militares do exército, da ma-
rinha e da aviação alemães nas zonas de ocupação britânica. Segundo este memo-
rando, as unidades do exército Norte, unidades terrestres e aéreas e unidades de de-
fesa aéreas eram constituídas por dois corpos cada um com cerca de cem mil homens.
Os britânicos tinham constituído, a partir da marinha de guerra um «Serviço de De-
tecção de Minas Alemão», que possuía divisões de segurança, um estado-maior e
flotilhas. Perante a pressão dos factos, Montgomery teve de admitir que na zona de
ocupação britânica existiam «tropas alemãs organizadas». 16
As especulações de Dönitz sobre a possibilidade de uma capitulação parcial pe-
rante os aliados ocidentais, continuando a guerra contra a União Soviética, tiveram
acolhimento junto de Churchill e Montgomery. Nestas combinações entre Dönitz e
Montgomery, assim como entre generais alemães com os seus «parceiros» do lado
ocidental (nem todos!), tratava-se de trazer para o lado ocidental cerca de dois a três
milhões e meio de soldados e oficiais alemães que ainda se encontravam na frente
germano-soviética, na Croácia, na Checoslováquia, na Prússia Oriental e na Curlân-
dia, mantê-los como reserva contra a URSS. Um rearmamento destas tropas sob co-
mando britânico ou americano representava um perigo para a União Soviética.
14 Daily Herald, London, 24. November 1954. «...to be careful in collecting the German
arms, to stack them so that they could easily be issued again to the German soldiers whom
we should have to work with if the Soviet advance continued.» Citado segundo W.P.
Morosow: Brüderliche Hilfe für die Völker der Tschechoslowakei. (Ajuda solidária aos po-
vos da Checoslováquia) In: Gretschko: Die Befreiungsmission der Sowjetstreitkräfte (A
missão libertadora das forças soviéticas), p. 385.
15 Júkov, ibidem, p. 356.
5
Estas capitulações parciais concretizaram-se várias vezes. «Assim, a unidade do
exército Vístula estava, a 2 de Maio, cercada numa faixa entre 20 a 30 quilómetros
de largura, entre a linha Wittenberge-Parchim-Bützow-Doberam, pela 2ª frente
bielorrussa a Leste e uma unidade americana na linha Ludwigslust-Schwerin-Wis-
mar. No próprio dia e antes de as negociações sobre um armistício se iniciarem, os
comandantes da 21ª e 3ª unidades de blindados conseguiram, através de um con-
tacto telefónico com os americanos, que os seus soldados em combate na frente con-
tra os russos pudessem, depondo as armas, franquear a frente americana. Ambas
as unidades foram poupadas à capitulação incondicional no campo de batalha, o
que as teria conduzido inevitavelmente ao cativeiro russo. Desapareceram no úl-
timo momento atrás das linhas americanas.» 17
A 2 de Maio capitulou a unidade do exército a Sudoeste (General Vietinghoff) pe-
rante os aliados ocidentais. Dönitz regozijava-se com cada área «em que entravam
os americanos e não os russos». 18
A 4 de Maio suspenderam-se os combates a Noroeste entre as tropas de Montgo-
mery e as unidades que restavam do exército, da marinha e da força aérea de Dönitz,
mas este continuava a guerra contra a URSS, sem ser incomodado pelos aliados oci-
dentais. Segundo o almirante soviético, N.G. Kuznetsov, a marinha de guerra alemã
pôde, até 8 de Maio, transportar por mar dois milhões de soldados e oficiais da Cur-
lândia e da Prússia Oriental até à zona de ocupação britânica. Dönitz tinha ordenado,
via rádio, o fim dos combates da marinha de guerra contra os britânicos e america-
nos. Nessa comunicação não nomeou a frota soviética. Com isso era para os coman-
dantes alemães claro que a guerra contra a União Soviética continuava. 19
No diário de guerra do Alto Comando da Wehrmacht do dia 5 de Maio, afirma-se:
«Segundo o acordo com o comandante-em-chefe do 21.º exército britânico, Mare-
chal de campo Montgomery, desde hoje às 8 horas da manhã existe um cessar-fogo
na Holanda, Noroeste da Alemanha, desde a foz do Ems até à Kieler Förde, assim
como na Dinamarca (incluindo as ilhas). Em consequência, as operações da mari-
nha de guerra e marinha mercante contra a Inglaterra e os portos dessas regiões
também cessam. O cessar-fogo foi negociado por ordem do grande almirante
Dönitz, já que a guerra contra o Ocidente perdera o sentido (…) Mas a resistência
contra os soviéticos continua (…) Todas as unidades da Wehrmacht não abrangidas
pelo cessar-fogo continuam o combate contra o agressor.» 20
Com esta ordem, Dönitz colocava-se ao mesmo nível de Churchill. Ambos critica-
vam a posição de Eisenhower, que cumpria os acordos com o governo soviético.
Dönitz assinalava em relação à posição de Eisenhower: «As últimas medidas opera-
tivas de Eisenhower mostram que ele não levou em conta a mudança política mun-
dial que agora ocorreu (…) Em vez deste objectivo militar, deveria ter tido lugar o
1979, p. 201 . Dönitz informa que entre 23 de Janeiro até 8 de Maio «salvou para o oci-
dente» 2 204 477 pessoas destas regiões. Segundo Kuznetsov, entre 2 e 8 de Maio. Este úl-
timo deve ser um erro. Segundo o KTB/OKW, foram cerca de 1,5 milhões de Janeiro a 9 de
Maio. Os números são pouco rigorosos. Informações exactas não eram possíveis na fase fi-
nal da guerra.
20 KTB/OKW, ibidem, p. 1278.
6
objectivo político de ocupar a maior extensão de território alemão possível para o
Ocidente anglo-americano perante a invasão do aliado russo (…) Pelos vistos não
percebe que, neste momento, a situação mundial se adiou por muito tempo. A posi-
ção americana pareceu-me, na época e ainda hoje (1958, UH), errada.» 21 Do ponto
de vista de um imperialista fascista, estas afirmações não carecem de lógica.
A 7 de Maio, Dönitz ordenou que todos os navios alemães nos portos e bases no
Mar Báltico, ameaçados por tropas soviéticas, partissem em direcção a Ocidente até
à meia-noite de 9 de Maio. Mesmo depois da assinatura da capitulação incondicional,
contratorpedeiros da marinha de guerra abriram fogo contra aviões soviéticos, que
exigiam o regresso dos navios aos portos a leste. 22
As intenções desta «capitulação parcial» a Ocidente, continuando a guerra con-
tra as forças armadas soviéticas, para manter uma grande parte das forças armadas
alemãs – ainda que inicialmente em cativeiro ocidental –, não passaram desperce-
bidas ao governo soviético. Chtemenko escreveu que «o entendimento do conceito
de capitulação pelos nossos aliados veio mesmo a calhar para os generais fascis-
tas.» «Na verdade, os aliados exigiam oficialmente a capitulação incondicional
da Alemanha perante todas as nações aliadas, porém afastavam-se substancial-
mente deste princípio ao autorizar os seus comandantes a aceitar a capitulação
de unidades adversárias no campo de batalha, um procedimento muito utilizado
até ao cessar-fogo em todas as frentes. O adversário percebeu muito bem a saída
que esta “excepção” oferecia. Uma capitulação no “campo de batalha” era o con-
vite aos aliados ocidentais para ocupar a Alemanha. Abriu um amplo caminho no
interior do país às tropas anglo-americanas, possibilitou-lhes a ocupação do país
e assim anteciparem-se ao Exército Vermelho. O procedimento, que além disso
não previa nenhuma capitulação incondicional, dava a possibilidade ao adversá-
rio de negociar vantagens que iam ao ponto de autorizar a retirada das tropas
alemãs para o interior e livrá-las da destruição. Evidentemente, no caso de uma
ocupação dos anglo-americanos das bases industriais, manter-se-iam intactas as
forças armadas e o território necessários à continuação da guerra contra a União
Soviética. A tolerância evidente dos nossos aliados legitima as belas esperanças
no futuro dos fascistas». 23
A 21 de Abril, as missões militares britânica e americana informaram o Estado-Maior
soviético de que proximamente «será possível uma capitulação incondicional de po-
derosas forças adversárias em qualquer local». Na informação afirma-se: «Os che-
fes dos Aliados são da opinião de que cada grande potência, se assim o entender,
deve ter a possibilidade de enviar representantes para participar em negociações
sobre a capitulação, contudo não deve ser recusada nenhuma proposta de capitu-
lação só porque um dos representantes não está presente.» 24
Para o Estado-Maior soviético era claro que os Aliados ocidentais aceitariam, em
quaisquer condições, capitulações das tropas alemãs, mesmo quando elas se diri-
gissem contra a União Soviética. Chtemenko resumia: «Apesar desta informação
não dizer mais do que “pensem o que pensarem, nós aceitaremos as capitulações
7
sob quaisquer condições, mesmo quando elas se dirigirem contra vós, nossos ali-
ados’, declarámo-nos de acordo.» O Alto Comando fascista ordenou às suas tropas
a Oeste, na noite de 21 de Abril: «Retirar todas as tropas onde os americanos ac-
tuam e enviá-las para a frente Leste. Assim os resultados das negociações viram-
se contra nós.» 25
Depois da concretização da capitulação parcial perante Montgomery, o general al-
mirante von Friedeburg voou, enquanto representante de Dönitz, para Reims, Quar-
tel-General de Eisenhower, que recusou uma capitulação parcial e exigiu uma capi-
tulação incondicional em todas as frentes, ou seja, também perante a União Sovié-
tica. O coronel-general Jodl, que Dönitz enviara a Reims para apoiar von Friedburg,
também não conseguiu alterar nada.
A 7 de Maio, às 02.41 horas, foi assinada a capitulação incondicional em Reims. O
chefe da delegação militar soviética junto ao Estado-Maior dos Aliados ocidentais,
general Susloparov, encontrava-se numa situação difícil. Perguntou a Moscovo se de-
via assinar. A data foi marcada por Eisenhower, que não queria esperar mais. A res-
posta de Moscovo não chegou. Susloparov assinou.
Um telegrama de Moscovo com a instrução para não assinar nenhum documento
chegou tarde de mais. Contudo, Susloparov tinha introduzido no Protocolo a se-
guinte cláusula: «O presente documento sobre a capitulação militar não exclui a
assinatura de uma Acta mais completa sobre a capitulação da Alemanha, caso um
dos Aliados o deseje.» 26
Com isto, Susloparov deixou em aberto o espaço de manobra do governo soviético,
que desejava uma tal «Acta mais completa» sobre a capitulação da Alemanha fas-
cista. Todavia, Dönitz conseguiu assim ganhar dois dias para continuar a guerra con-
tra a União Soviética (originalmente ele queria ainda entre oito a dez dias, depois
pelo menos quatro dias até ao cessar-fogo), já que a ordem para o cessar-fogo só foi
decidida a 9 de Maio, às 00.01 horas, hora de Moscovo.
O Estado-Maior soviético recebeu do chefe da missão militar americana, Deans,
uma carta em que o presidente Truman incumbia Deans de obter o acordo de Stáline
para tornar pública a capitulação da Alemanha.
Molotov recusou com o argumento de que o governo soviético ainda não tinha
recebido nenhuma informação do seu representante junto ao Estado-Maior de Eise-
nhower (Susloparov) sobre a capitulação da Alemanha.
Truman, informado da recusa por Deans, respondeu que «não darei nenhum co-
nhecimento oficial sobre a capitulação antes de dia 8 de Maio às 9.00 horas de
Washington ou 16.00 horas de Moscovo, a não ser que o marechal Stáline concorde
com a sua antecipação» 27
A intenção de Truman era clara. Antonov disse: «Os aliados querem pressio-
nar-nos. A opinião pública mundial deve tomar conhecimento de que as tropas
alemãs capitularam perante eles e não perante a União Soviética.» 28
Houve uma reunião no Krémlin com Stáline e os comissários do povo sobre a ca-
pitulação de Reims.
25 Idem, ibidem.
26 Idem, ibidem, p. 378 e seg.
27 Idem, ibidem, p. 384.
8
Stáline retirou «as conclusões deste acontecimento. O acordo unilateral entre os
Aliados e o governo de Dönitz foi um mau regateio. Para além do general Suslopa-
rov, não esteve presente mais nenhum representante da URSS. Tudo foi preparado
para que não houvesse nenhuma capitulação perante o nosso país, apesar de ter-
mos sofrido mais sob o assalto fascista e termos dado a principal contribuição para
a vitória, ao termos quebrado a espinha à besta fascista. Uma tal “capitulação” terá
consequências nefastas».
Stáline, textualmente: «Não se pode nem anular, nem reconhecer o acordo de
Reims. Enquanto acontecimento histórico extraordinário, a capitulação não deve
acontecer em território dos vencedores, mas sim lá, de onde partiu a agressão fas-
cista, em Berlim, e não perante um lado só, mas sim perante os estados-maiores de
todos os países da coligação anti-hitleriana. Ela deve ser assinada por um dos res-
ponsáveis do antigo Estado fascista ou um grupo de fascistas responsáveis por to-
dos os crimes contra a humanidade.» 29
Stáline e Molotov concordaram com os representantes dos aliados em considerar
a assinatura de Reims como uma capitulação provisória. A assinatura acta da capitu-
lação «formal» foi marcada para 8 de Maio em Berlim. Júkov foi autorizado a assinar
a acta da capitulação incondicional, em representação do Comandante Supremo.
Vichínski foi nomeado seu representante. Júkov foi nomeado comandante-em-chefe
da zona de ocupação soviética.
O desenrolar da capitulação a 8 de Maio, às 24.00 horas, (9 de Maio às 02.00
horas, hora de Moscovo), na Escola dos Pioneiros em Berlim-Karlshorst é sobeja-
mente conhecido e não é necessário repeti-lo aqui. Refira-se só um episódio à mar-
gem do acontecimento. Keitel e os outros membros da delegação alemã, von
Friedburg e Stump, encontravam-se antes da assinatura numa sala separada. Keitel
dirigiu-se aos seus acompanhantes: «Quando atravessámos Berlim, constatei im-
pressionado a destruição da cidade.» Oficiais soviéticos que se encontravam na sala
perguntaram-lhe: «O senhor marechal de campo não se impressionou quando, por
sua ordem, milhares de cidades e aldeias soviéticas foram completamente arrasa-
das, lugares onde, nas suas ruínas, milhões dos nossos compatriotas, entre eles mi-
lhares de crianças, encontraram a morte?». Keitel não respondeu.
9
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XIX)
Ulrich Huar
Capítulo II
O fracasso da estratégia
da guerra relâmpago dos fascistas 1941/42
Kiev
Sublinhamos mais uma vez que não se trata aqui de uma descrição da Grande
Guerra Pátria, mas sim de contribuições de Stáline para a teoria militar e política
marxista-leninista. Nesta perspectiva são apenas abordadas as fases da guerra em
que as contribuições de Stáline são particularmente evidentes, isto é, houve de
fazer escolhas.
Houve debates do QG entre Stáline, Júkov e o comandante-em-chefe da Frente
Sudoeste, coronel-general Kirponóss 1 sobre a retirada das tropas do Exército Ver-
melho da cabeça-de-ponte na região de Kiev, na margem esquerda do Dniepre,
no início de Setembro de 1941. A decisão tomada no QG, e em última instância
por Stáline enquanto Comandante Supremo – depois de debate! – é avaliada
na literatura militar soviética de várias formas.
As forças principais das unidades alemãs investiram no sector central em di-
recção a Viazma – Mojaisk – Moscovo. Os seus flancos a Norte e a Sul tiveram de
ser defendidos contra poderosas unidades do Exército Vermelho. Chtemenko es-
creveu: «Está agora documentado que a chefia fascista só poderia ter tomado
Moscovo, se antes tivesse tomado Leningrado e tivesse formado uma frente co-
mum com as tropas finlandesas. Uma outra condição era a derrota das nossas
tropas na região de Kiev.» 2
1Kirponóss, Mikhail Petróvitch (1892-1941), membro do partido desde 1918. Foi coman-
dante de divisão na guerra sovieto-finlandesa e general comandante dos exércitos soviéticos
do Sudeste na II Guerra. Foi morto em combate. (N. Ed.)
2 Chtemenko, ibidem, Vol. I, p. 34.
1
A Sul estavam estacionadas unidades poderosas do Exército vermelho. Tinham
formado uma forte cabeça-de-ponte na margem direita do Dniepre, à volta de
Kiev. Do Norte investiu o grupo alemão blindado 2, na direcção de Konotop, do
Sul o grupo blindado 1 na direcção de Lokhvitsa, onde ambas as unidades blin-
dadas se uniram a 15 de Setembro e cercaram um terço das forças dos 5.º, 37.º e
26.º, assim como parte das forças dos 21.º e 38.º das unidades soviéticas.
«O comando da Frente Sudoeste também partilhou o duro destino dos cerca-
dos. Neste combate, que foi conduzido até às últimas consequências, morreu o co-
mandante-em-chefe, coronel-general Kirponóss. O chefe do estado-maior da
frente, tenente general Tupikov e o membro do Conselho de Guerra, Comissário
de Divisão Ríkov também morreram. O gravemente ferido comandante-em-chefe
do exército Potapov e alguns comandantes de divisão foram feitos prisioneiros.
O major-general Bagramian, chefe do departamento operativo, conduziu os
membros do estado-maior sobreviventes para fora do cerco.» 3
O historiador soviético I.B. Berkhine escreveu: «O Alto Comando alemão lan-
çou dois exércitos do sector central para o Sul, nas costas do grupo de Kiev da
Frente Sudoeste. Simultaneamente, tropas inimigas do exército Sul, perto de
Krementchuk, forçaram a passagem do Dniepre e atacaram também na reta-
guarda da Frente Sudoeste com o objectivo de se unir ao exército do sector cen-
tral. O inimigo começou a sua operação, que tinha como objectivo cercar as tro-
pas da Frente Sudoeste que defendiam Kiev. Nesta situação era necessário reti-
rar as unidades soviéticas que se encontravam nesta zona. Contudo, o Alto Co-
mando soviético recusou esta proposta do comando da Frente Sudoeste. Só a 17
de Setembro foi concedida a autorização para abandonar Kiev, porém, já era
tarde de mais, porque em meados de Setembro duas unidades blindadas do ini-
migo tinham-se unido no Raion de Romni e aqui se juntaram também unidades
de infantaria. A Frente Sudoeste foi cercada e cerca de um terço das suas tropas
foram capturadas.» 4
O Alto Comando no QG tinha as suas razões para não autorizar uma retirada
antecipada de Kiev. Chtemenko ajuizou: «A batalha de Kiev desempenhou, como
a defesa firme de Leningrado, um papel positivo. A unidade blindada 2, prevista
para a ofensiva total a Moscovo, sofreu assinaláveis baixas. Para além disso o
combate diminuiu a velocidade relâmpago das tropas fascistas na direcção Su-
doeste e deu-nos tempo para a preparação da defesa em novos sectores.» 5
O Quartel-General soube utilizar este tempo. «Sob o mais estrito sigilo com-
pletou-se, no interior do país, a constituição e formação de exércitos de reserva,
cuja existência só era do conhecimento do QG e de alguns poucos oficiais do Es-
tado-Maior, que se ocupavam com isso. Ao mesmo tempo, prepararam-se para
a transferência para Oeste, várias divisões bem preparadas da região Trans-
baikal e do Extremo-Oriente. Rapidamente avançou-se com a fortificação das
2
zonas de Viazma e Mojaisk. Criou-se a chamada zona de defesa de Moscovo, que
cercava a cidade e os arredores.» 6
Tippelskirch demonstra compreensão estratégica, quando escreve sobre a ba-
talha de Kiev: «A grandeza do êxito a Leste falava a favor de Hitler. Mas só o
fim da campanha militar podia provar se a grandeza da vitória táctica, no
campo de batalha, se encontrava na relação certa com a perda de tempo para
a continuação das operações. Se o objectivo da campanha não fosse conse-
guido, então os russos teriam perdido uma batalha, mas ganhado a campanha
militar.»7
O cerco de Kiev
Fonte: Kurt von Tippelskirch: Geschichte des Zweiten Weltkrieges (História da II Guerra
Mundial), Bona, 1959.
3
E assim aconteceu. O objectivo da campanha militar – a tomada de Leningrado
e de Moscovo ainda antes do Inverno e, com isso, o fim da guerra contra a União
Soviética – não foi alcançado por Hitler e os seus generais. Stáline tinha perdido
uma batalha e ganhado a campanha militar. Júkov informa-nos de como Stáline
tomou a decisão.
Houve «diferentes versões» sobre a posição do QG, do Estado-Maior, do Alto
Comando da Direcção Sudoeste e do Conselho de Guerra da Frente Sudoeste so-
bre a questão da defesa de Kiev e sobre uma retirada da Frente Sudoeste perante
o perigo de cerco no rio Psiol. Júkov reproduziu excertos do telefonema entre
Stáline e o Alto Comando da Frente Sudoeste a 8 de Agosto de 1941:
«Stáline: Chegaram-nos informações de que a frente decidiu, de ânimo leve,
entregar Kiev ao adversário, supostamente por falta de tropas para a sua de-
fesa. É verdade?
Coronel-general Kirponóss: Bom dia, camarada Stáline. Não foi informado
correctamente. Eu e o Conselho de Guerra da frente tentaremos tudo para não
desistirmos de Kiev em nenhuma situação. O adversário atacou o lado Sul da
zona fortificada com três divisões de infantaria e apoio aéreo, rompeu-a e for-
mou uma cunha com quatro quilómetros de profundidade. Ontem, o adversário
perdeu cerca de quatro mil homens entre mortos e feridos. O combate foi feroz,
alguns locais mudaram várias vezes de mão. Para reforço das tropas da zona
fortificada, ontem e hoje entraram em acção duas brigadas aéreas e, além disso,
mais 30 tanques hoje com a tarefa de destruir as tropas que romperam esta
zona e restaurar a situação anterior.
Stáline: Pode afirmar, com segurança, que tomou todas as medidas necessá-
rias para restaurar a situação no sector Sul da zona fortificada? Utilize parte
das tropas de outras direcções para reforçar a defesa de Kiev. Penso que, depois
da retirada de Muzitchenko, 8 a sua ofensiva na direcção que conhece perde o
seu significado original. Portanto, também terá algumas forças livres, talvez
possa com elas reforçar a região à volta de Kiev…
O Comité de Defesa e o Quartel-General pedem-lhe que faça tudo para defen-
der Kiev. Dentro de duas semanas será um pouco mais fácil, porque então temos
a possibilidade de o ajudar com novas forças, mas durante estas duas semanas
tem de manter Kiev a qualquer preço (…)
Kirponóss: Camarada Stáline, o nosso único objectivo – falo aqui em nome
de todo o Conselho de Guerra – é não deixar Kiev nas mãos do inimigo. Tudo o
que tivermos disponível será utilizado na defesa, para que cumpramos a tarefa
atribuída (…)
Stáline: Muito bem. Os meus cumprimentos. Desejo-lhe êxito. Adeus.
Kirponóss: Agradeço-lhe os votos.» 9
4
A 19 de Agosto, Júkov telegrafou a Stáline:
«O adversário apercebeu-se da forte concentração das nossas tropas na di-
recção de Moscovo, na Frente Central, e do nosso exército em Velikie Luki, nos
seus flancos. Por isso desistiu temporariamente de avançar para Moscovo, pas-
sou tropas da frente Oeste e da reserva para a defesa activa e entrou em acção
com as suas tropas blindadas e motorizadas contra as frentes Central, Sudoeste
e Sul.
A ideia provável do adversário é destruir a Frente Central, avançar para a
região Tchernigov-Konotop-Priluki, atacar os exércitos da Frente Sudoeste pe-
las costas e esmagá-los. Finalmente: ataque principal a Moscovo, contornando
as florestas Briansk e avanço para a bacia do Donetsk…
Informei Stáline que considerava apropriado para eliminar esta perigosa in-
tenção, colocar o mais rapidamente possível um grupo importante na região
Gluchov-Tchernigov-Konotop e com ele atacar os flancos do inimigo atacante.
O nosso grupo tinha de incluir obrigatoriamente 11 a 12 divisões de infantaria;
duas a três divisões de cavalaria; pelo menos mil tanques e 400 a 500 aviões.
Estas forças podiam ser retiradas à frente no Extremo-Oriente, à zona de defesa
e defesa aérea de Moscovo e aos distritos militares interiores.
Foi proposta uma série de medidas ao QG para impedir a manobra do ad-
versário, entre elas a preparação de uma poderosa contra-ofensiva da região
de Briansk.
No mesmo dia recebi um telegrama do QG:
“Consideramos correctas as suas considerações sobre um provável avanço
dos alemães na direcção de Tchernigov-Konotop-Priluki. O avanço dos alemães
(…) significaria o desvio do nosso grupo de Kiev pela margem leste do Dniepre
e o cerco dos nossos 3.º e 21.º exércitos (…) Antevendo um tal indesejável caso e
para o prevenir, formou-se a Frente de Briansk, com Eriómenko no comando.
Além disso serão tomadas outras medidas, de que o informaremos em particu-
lar. Esperamos travar o avanço dos alemães.
Stáline. Chapochnikov.”» 10
De uma conversa entre Júkov e Chapochnikov resulta claro que Stáline con-
cordou em «retirar uma parte das tropas do flanco direito da Frente Sudoeste
para a margem leste do Dniepre. O grupo de Kiev devia, contudo, continuar a
defender os acessos a Kiev, que se pretendia manter até esgotar todas as possi-
bilidades». 11
Chapochnikov explicou a Júkov que a nova Frente de Briansk, sob o comando
do tenente-general Eriómenko, não podia suster um avanço das tropas alemãs na
Frente Central (direcção de Moscovo, UH).
5
«O tenente-general Eriómenko, todavia, prometeu numa conversa com
Stáline derrotar estes grupos na Frente Central e impedir o seu avanço nos flan-
cos e na retaguarda da Frente Sudoeste.» 12
Chapochnikov e Júkov duvidavam do êxito de Eriómenko. Júkov considerou
ser «necessário urgentemente convencer o Comandante Supremo de que todas
as tropas do flanco direito da Frente Sudoeste, além do Dniepre, tinham de ser
retiradas.»
Stáline declarou que se tinha aconselhado com Khruchov e Kirponóss, que o
tinham convencido de «que não se podia desistir de Kiev em nenhuma circuns-
tância». Mesmo que Eriómenko não tivesse capacidade para derrotar o adversá-
rio, iria, sem dúvida, sustê-lo.
De uma conversa entre Júkov e Stáline, a 8 de Setembro, ressalta que Stáline
tinha de novo aconselhado «retirar o conjunto das tropas em Kiev para a mar-
gem leste do Dniepre e com as suas forças constituir a reserva na região de
Konotop.»
Segundo um telefonema entre Stáline e Chapochnikov, Stáline queria debater
de novo a questão no dia seguinte. A 11 de Setembro realizou-se a conversa com
o Conselho de Guerra da Frente. Participaram Kirponóss, Burmistenko, Zupilov
do Conselho de Guerra; Stáline, Chapochnikov, Timochenko do QG. Eis o desen-
rolar cronológico da conversa:
«I.V. Stáline: A sua proposta de retirar as tropas para a linha do rio seu co-
nhecido, parece-me perigosa.
Na actual situação na margem leste do Dniepre, a sua proposta de retirada
significaria o seu cerco, já que o adversário não atacará só de Konotop, ou seja,
do Norte, mas também do Sul, ou seja de Krementchug, assim como de Oeste,
porque, na retirada das nossas tropas do Dniepre, ocupará imediatamente a
margem leste e podendo iniciar o ataque. Se o grupo de Konotop se unir ao de
Krementchug, ficará cercado.
Como vê, as suas propostas de retirar imediatamente as tropas, ainda antes
de ter preparado uma defesa em Psiol, são muito perigosas. Isto em primeiro
lugar. E em segundo: sem ataques ousados contra o grupo adversário de Kono-
top, em conjunto com a Frente de Briasnk – repito: sem estas condições as suas
propostas de retirada são perigosas e podem conduzir a uma catástrofe. Que
saídas há? Uma saída podia ser a seguinte: 1.º) As forças devem ser imediata-
mente reagrupadas mesmo à custa da zona fortificada de Kiev e outras tropas,
para além disso, ataques contra o grupo adversário de Konotop em conjunto
com Eriómenko, devendo concentrar-se nesta zona 9/10 da força aérea.
Eriómenko já recebeu as devidas instruções. Mas transferimos hoje a força aé-
rea de Petrov, através de uma ordem especial, para Kharkov e subordinamo-la
à [Frente] Sudoeste. 2.º) Em Psiol, ou nesta linha, deve constituir-se imediata-
mente uma defesa, entrando em acção um grande grupo de artilharia com a
frente para o Norte e Oeste e estacionar cinco a seis divisões atrás desta linha.
3.º) Depois da concentração das forças de ataque contra o grupo adversário de
12 Idem, ibidem.
6
Konotop e da construção da defesa em Psiol – só depois destas medidas se deve
iniciar a retirada de Kiev e preparar minuciosamente as pontes para a sua ex-
plosão.
No Dniepre não devem ser deixados nenhuns meios de transporte, têm de ser
destruídos; depois da saída de Kiev as tropas devem manter-se na margem leste
e não deixar o adversário atravessar.
Deve finalmente desistir-se de procurar linhas para a retirada, mas sim pro-
curar possibilidades para a resistência e só para a resistência.
Kirponóss: Não tínhamos pensado numa retirada das tropas até termos sido
instados a dar a nossa opinião sobre a retirada das tropas para Leste e indicar
as respectivas linhas. Só pedimos para reforçar a nossa Frente com reservas,
dados os seus 800 quilómetros de comprimento. De acordo com as instruções
do Quartel-General do Alto Comando, que recebemos na noite de 10 para 11 de
Setembro, serão retiradas duas divisões de artilharia e transferidas de comboio
para Konotop. Têm a tarefa de, juntamente com os exércitos de Podlas e
Kuznetsov, destruir o grupo motorizado do adversário que rompeu na direcção
de Romni. Na nossa opinião, por enquanto não devem ser retiradas mais tropas
da zona fortificada de Kiev, porque daí já foram retiradas duas divisões e meia
para Tchernigov. Da zona fortificada de Kiev já só se pode retirar uma parte da
artilharia.
As instruções do Quartel-General do Alto Comando, agora mesmo recebidas,
serão imediatamente cumpridas.
Stáline: 1.º) As propostas de retirada das tropas da Frente Sudoeste são suas
e de Budiónni, o comandante da Direcção Sudoeste. Eu transmito resumida-
mente a informação de Budiónni de [dia] 11.
Chapochnikov referiu que o QG do Alto Comando considera prematura, por
agora, a retirada das tropas da Frente Sudoeste. Mas não tendo o QG do Alto
Comando, neste momento, qualquer possibilidade de concentrar um poderoso
grupo, então considera urgente a retirada da Frente Sudoeste.
Como vê, Chapochnikov é contra a retirada das tropas, mas o coman-
dante-chefe assim como a Frente Sudoeste foram pela retirada imediata das
tropas.
2.º) Informe-nos permanentemente sobre as medidas para concentração de
forças contra o grupo do adversário em Konotop e para preparação de posições
de defesa nas conhecidas linhas.
3.º) Sem autorização do QG, Kiev não pode ser abandonada e as pontes não
podem ser destruídas.
Adeus.
Kirponóss: As suas instruções são claras. Adeus.»
7
Depois da conversa, Júkov ainda consultou Vassilevski, 1.º representante do
Chefe do Estado-Maior, que foi da opinião de que «a retirada das tropas para
além do Dniepre já foi tarde.» 13
Das conversas protocoladas ressalta claramente que Stáline não deu ordens
autocráticas, voluntaristas. Ele aconselhou-se minuciosamente. Mas as opiniões
eram diferentes e mesmo depois da guerra a situação teve avaliações diversas.
Stáline era o Comandante Supremo, tinha de tomar decisões e assumir assim a
responsabilidade por uma derrota evitável ou por «ter perdido uma batalha, mas
ganhado a guerra».
Sessenta e seis anos depois, somos todos muito espertos!
Moscovo
Stáline – Júkov – Rokossóvski
Carácteres e ordens
8
Segundo Júkov, os contra-ataques ordenados por Stáline «não trouxeram o re-
sultado esperado pelo Comandante Supremo. O adversário era ainda suficiente-
mente forte e o seu espírito ofensivo ainda não estava quebrado.» 15
De acordo com Júkov, a decisão de Stáline foi errada.
E Júkov não cometeu erros?
O tenente-general Rokossóvski, comandante-chefe do 16.º Exército, que se en-
contrava a Noroeste de Moscovo em combate contra poderosas unidades alemãs,
relatou que os combates proliferavam no centro e no flanco esquerdo, 10 a 12
quilómetros a Oeste do açude do Istra. Ele queria levar de volta as tropas para
linha do Istra, rio e açude, onde podia construir uma forte defesa antes de o ad-
versário «o lançar para trás e, irrompendo, forçar o rio e o açude.»
O 16.º Exército teve pesadas baixas em forças e meios, as pessoas ainda capa-
zes de entrar em acção estavam «completamente esgotadas». Contudo, Júkov,
que era o comandante-chefe da Frente, recusou a proposta de Rokossóvski e or-
denou «não recuar nem um passo e lutar até ao último homem.»
Rokossóvski considerava que tal ordem seria «justificada, se com isso pudesse
poupar a maioria da ruína, mudar uma situação difícil ou assegurar o êxito
total. Mas no nosso caso não havia mais tropas atrás do 16.º Exército. Se as
tropas que se defendiam fossem destruídas, o caminho para Moscovo estaria
aberto e o adversário teria alcançado o seu o objectivo. Por isso considerei ab-
solutamente necessário voltar para a linha do Istra.»
Rokossóvski considerou ser seu dever, enquanto comandante e comunista, não
aceitar a decisão de Júkov, comandante-chefe da Frente, e dirigiu-se ao chefe do
Estado-Maior, marechal Chapochnikov, que aprovou a decisão de Rokossóvski.
Em seguida, Rokossóvski deu ordem para as forças voltarem para a linha Istra,
na qual o adversário podia partir os dentes. Porém, pouco tempo depois, chegou
um telex de Júkov: «Sou eu quem comanda as tropas da Frente. Com este telex
anulo a ordem de recuar as tropas para trás do açude do Istra. Ordeno a defesa
da linha ocupada e nem um passo atrás. Júkov. General.» 16
Rokossóvski tinha de obedecer à ordem. Eis o resultado da intervenção de Júkov:
«Como previsto, o adversário pressionou as nossas tropas no flanco esquerdo
para Leste, forçou o Istra com esse movimento e construiu a cabeça-de-ponte na
sua margem leste. Mas a Sul do açude do Volga, rompeu a defesa (…) avançou
rapidamente com unidades motorizadas e blindadas e alargou a brecha»17
As tropas alemãs aproximaram-se alguns quilómetros de Moscovo.
Não se trata aqui de «compensações», mas sim de constatar que não foi só
Stáline que cometeu erros, outros também os cometeram, nomeadamente Júkov.
Na guerra, decisões erradas são inevitáveis. Stáline, Júkov, Rokossóvski eram
personalidades fortes e comandantes qualificados. Às vezes as relações entre eles
eram bastante ásperas. Não facilitaram reciprocamente as suas vidas.
9
«O mundo inteiro olha para vós…»
21 Idem, ibidem.
10
de tempo, as tropas alemãs tinham sofrido baixas de superiores a 4,5 milhões,
incluindo mortos, feridos e prisioneiros. 22
Mesmo que estes números, de que Stáline dispunha através de informações
incompletas, não coincidam totalmente com informações posteriores mais exac-
tas, mantém-se importante a conclusão retirada por Stáline de que as reservas
humanas alemãs «estão a esgotar-se», de que a Alemanha «em resultado destes
quatro meses de guerra está significativamente mais fraca do que a União So-
viética, cujas reservas só agora se apresentam em toda a sua dimensão.»23
Stáline tratou pormenorizadamente as razões por que a «guerra relâmpago» ti-
vera êxito no ocidente e fracassara na União Soviética.
Os fascistas tinham contado «seriamente» com «uma coligação geral contra
a URSS». O seu jogo «com as contradições de classe em cada Estado assim como
entre Estados e a União Soviética» teve resultados em França, «cujos detentores
do poder se deixaram assustar com o espectro da revolução e, no seu medo, de-
puseram o seu país aos pés de Hitler e abdicaram da resistência». O mesmo jogo
dos fascistas fracassou perante os EUA e a Grã-Bretanha. A URSS não só não es-
tava isolada, como ganhou novos aliados na Grã-Bretanha, nos EUA e nos países
ocupados pelos alemães. O «espectro da revolução» já não servia mais na nova
situação. 24
Os alemães duvidavam da solidez do regime soviético e do interior [do país] e
acreditavam que a URSS cairia depois do primeiro ataque sério. Especulavam
com conflitos entre operários e camponeses, disputas entre os povos da URSS,
insurreições, com a decadência do país.
O regime soviético demonstrou ser estável, «o regime soviético é hoje o mais
estável de todos os regimes». 25
Para além disso, os alemães haviam-se enganado sobre o Exército Vermelho e
a Frota Vermelha, subestimando a sua capacidade. «Naturalmente que o nosso
exército e a nossa frota ainda são jovens, estão em guerra apenas há quatro
meses, ainda não puderam transformar-se em tropas de elite, e defrontam as
tropas de elite da frota e do exército alemãs, que estão em guerra há dois anos.»
Além disso «o moral das nossas tropas é superior», pois defendem a sua pátria
contra invasores estrangeiros, enquanto o exército alemão conduz uma guerra de
conquista. 26
Segue-se a referência ao papel da retaguarda. Na sua marcha para o interior da
URSS, o exército alemão estava a afastar-se cada vez mais da retaguarda da sua
pátria, operava numa região hostil e era é obrigado a criar uma nova retaguarda
num país estrangeiro, que estava a ser destruída pelos partisans. Pelo contrário,
22 Idem, ibidem, p. 245. Deve ter-se em consideração que estes números são um cálculo
aproximado. Nesta altura ainda não era possível dispor de números exactos. Facto é que am-
bos os lados sofreram pesadas baixas nos primeiros quatro meses de guerra.
23 Idem, ibidem.
24 Idem, ibidem, p. 246. Os EUA, em Novembro de 1941, ainda não se encontrava oficial-
26 Idem, ibidem.
11
o Exército Vermelho «opera na sua região natal», recebe o apoio da sua reta-
guarda, pode contar com «reabastecimento e reforços em pessoas, munições e
bens alimentares.»
«Todas estas circunstâncias foram determinantes para que a guerra relâm-
pago tivesse inevitavelmente que fracassar». 27
A par das condições favoráveis a longo prazo para o Exército Vermelho, tam-
bém havia condições desfavoráveis. Em primeiro lugar, Stáline referiu a não exis-
tência de uma segunda frente na Europa. Os alemães consideravam a sua reta-
guarda oeste segura e tinham tido a possibilidade de utilizar todas as suas tropas
e as dos seus aliados na Europa contra a URSS. A consequência era que «o nosso
país conduz sozinho a guerra de libertação, sem ter ajuda militar de ninguém,
contra as forças unidas de alemães, finlandeses, romenos, italianos e húnga-
ros». Não se devia duvidar de que a inexistência de uma segunda frente na Eu-
ropa contra os alemães significava um grande alívio para os alemães. Stáline es-
tava certo de que «uma tal frente deverá inevitavelmente surgir nos próximos
tempos.» 28
Desde este discurso, Stáline instou sempre os parceiros anglo-americanos da
coligação a abrir a segunda frente.
Outro motivo para os reveses sofridos pelas tropas soviéticas, segundo Stáline,
era a superioridade numérica dos tanques alemães, apesar de os soviéticos serem
qualitativamente superiores. 29 Se a primeira a firmação é verdadeira, a qualidade
superior dos tanques soviéticos só se verificava nos tanques de novo tipo, entre
eles o famoso T34, o qual, nesta altura, ainda não podia ser fornecido nas quan-
tidades necessárias ao Exército Vermelho. Assim, seguia-se o pedido «de aumen-
tar muito mais a produção de tanques no nosso país», o mesmo para a produção
de aviões antitanques, fuzis antitanque, canhões antitanque, granadas antitanque
e lança-granadas. Devia construir-se mais fossos antitanques e outros obstáculos
de todo o género.
Stáline observou ainda que «os adeptos de Hitler, que nós chamamos de fas-
cistas (…) intitulam-se obstinadamente “nacional-socialistas”». Na verdade, ex-
plicou, não são nacionalistas, mas sim imperialistas. No período em que procu-
ravam juntar solo alemão, ao anexarem a região do Reno, a Áustria e etc., ainda
podiam ser considerados, «com algum fundamento», nacionalistas. Mas depois
de os hitlerianos terem ocupado territórios estrangeiros e subjugado nações eu-
ropeias, ambicionando dominar o mundo, o partido de Hitler «deixou de ser um
partido nacionalista (…) tornou-se num partido imperialista e anexionista
opressor».
Stáline caracterizou o NSDAP como «um partido de imperialistas, dos mais
rapaces e predatórios de todos os imperialistas do mundo.»
27 Idem, ibidem, p. 248. Stáline tinha dado muita atenção à questão da retaguarda nos
seus trabalhos político-militares durante a guerra civil e de intervenção. Os conhecimentos
alcançados nesta época foram-lhe muito úteis. Veja Capítulo I, U. Huar.
28 Idem, ibidem, p. 249.
12
Do mesmo modo, os adeptos de Hitler não eram socialistas, mas sim «jurados
inimigos do socialismo», os piores reaccionários e trucidadores, que privaram «a
classe operária e os povos da Europa das liberdades democráticas. O partido de
Hitler é um partido de inimigos das elementares liberdades democráticas». O
NSDAP era «um partido da reacção medieval e de sinistros pogroms.»
«E se estes astutos imperialistas e reaccionários cruéis continuam a disfar-
çar-se com a toga de “nacionalistas” e “socialistas”, fazem-no para enganar o
povo, iludir simplórios, e encobrir com a bandeira do “nacionalismo” e do “so-
cialismo” a sua essência imperialista predadora.
Corvos que se disfarçam com penas de pavão. Mas por mais penas de pavão
com que se cubram não deixam por isso de ser corvos.
“Temos de conseguir, por quaisquer meios, que o mundo seja conquistado pe-
los alemães” – declarou Hitler. “Se queremos criar o nosso grande Reich ale-
mão, então temos, antes de mais, de expulsar e exterminar os povos eslavos: os
russos, os polacos, os checos, os eslovacos, os búlgaros, os ucranianos, os bielo-
russos. Não há nenhuma razão para o não fazer”.
“O ser humano” – declarou Hitler – “é pecador desde o nascimento e só pode
ser dirigido com a ajuda da violência. Todos os métodos são permitidos no trato
com ele. Se a politica o exigir, tem de se mentir, atraiçoar e até assassinar”.
“Matai todos os que são contra nós, matai, matai, não sois vós que tereis de
assumir a responsabilidade, mas sim eu, por isso matai!” – declarou Göring.
“Eu liberto o ser humano da humilhante quimera chamada consciência. A
consciência tal como a educação mutilam o ser humano. Eu tenho a vantagem
de não me deixar inibir por nenhuma consideração teórica ou de ordem moral”.
Numa das ordens ao comando alemão do regimento de infantaria 489, com
data de 25 de Setembro, encontrada num sargento alemão morto em combate,
afirma-se:
“Ordeno que se dispare sobre qualquer russo que apareça a 600 metros de
distância. O russo tem de saber que tem perante si um inimigo determinado, do
qual não deve esperar nenhuma indulgência.”
Num dos apelos do Alto Comando alemão aos soldados, encontrado na
posse do tenente morto em combate, Gustav Ziegel, de Frankfurt sobre o Meno,
declara-se:
“Não tenhas nem coração nem nervos, que não são precisos na guerra. Des-
trói em ti a piedade e a compaixão – mata todos os russos soviéticos, não te
detenhas mesmo que tenhas perante ti um velho ou uma mulher, uma criança,
rapariga ou rapaz – mata, assim salvas-te a ti da morte, asseguras o futuro da
tua família e alcanças fama eterna.”
Eis o programa e as ordens dos dirigentes do partido de Hitler e do Alto co-
mando nazi, o programa e ordens de pessoas que perderam todo e qualquer
rosto humano e desceram ao nível de bestas ferozes.
E esta gente, destituída da consciência e da honra, gente com uma moral de
animais selvagens, têm a ousadia de apelar à destruição da grande nação russa,
13
a nação de Plekhánov e de Lénine, de Belinski e Tchenitchevski, de Púschkine e
de Tolstoi, de Répine e Surikov, de Suvorov e Kutuzov!...
Os agressores alemães querem uma guerra de extermínio contra os povos da
URSS. Pois então, se os alemães querem uma guerra de extermínio, tê-la-ão.» 30
30 Idem, ibidem.
31 Idem, ibidem, pp. 254-256.
14
como quiserem. Sem qualquer ingerência nos assuntos internos dos outros po-
vos!». 32
Esta frase é importante! Stáline não tencionava impor o socialismo aos outros
povos. A revolução socialista não é nenhum artigo de exportação. Stáline, en-
quanto marxista-leninista sabia que não se pode «impor a felicidade de fora» a
um povo, como Engels escreveu a Kautsky, a 12 de Setembro de 1882. 33 A última
frase era aparentemente dirigida – preventivamente? – contra as intenções dos
parceiros capitalistas da coligação. Stáline sinalizava que não toleraria uma «in-
gerência» externa. Pelo menos conhecia os desejos do Sr. Churchill, como cha-
mava educadamente ao seu parceiro de coligação britânico. Tais receios não
eram, como veremos mais à frente, infundados. O aspecto ideológico da guerra
tinha passado para segundo plano, mas não desaparecido.
O relatório apresentado na sessão solene e o discurso de 7 de Novembro du-
rante a parada das tropas do Exército Vermelho tiveram um efeito fortemente
mobilizador nas massas e simultaneamente um forte efeito internacional. 34
«O apelo de Stáline em nome do Partido e do Governo soviético ecoa a rebate
por todo o país», escreveu Chtemenko. 35 Stáline terminou a o seu discurso na
parada na Praça Vermelha com frases que se tornaram mundialmente famosas:
«Camaradas do Exército Vermelho e marinheiros da Frota Vermelha, co-
mandantes e funcionários políticos, guerrilheiros e guerrilheiras! O mundo in-
teiro olha-vos como a força capaz de destruir as hordas predadoras dos invaso-
res alemães. Olham-vos como os seus libertadores os povos escravizados da Eu-
ropa, que caíram sob o jugo dos ocupantes alemães. Sobre vós recaiu a grandi-
osa missão libertadora. Sede dignos dessa missão! A guerra que conduzis é uma
guerra de libertação, uma guerra justa. Que vos inspirem nesta guerra os exem-
plos heróicos dos vossos corajosos antepassados – Alexander Névski, Dmitri
Donskoi, Kuzma Minin, Dmitri Pojárski, Alexander Suvorov, Mikhail Kutuzov!
Que vos cubra o estandarte vitorioso do grande Lénine!
Pela derrota total dos invasores alemães!
Morte aos ocupantes alemães!
Viva a nossa pátria gloriosa, a sua liberdade, a sua independência!
Sob o estandarte de Lénine – avante para a vitória!» 36
36 SW 14/261.
15
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XV)
Ulrich Huar
Capítulo V
«A guerra ainda não acabou…»
1
mesmo dia revoltaram-se os trabalhadores da fábrica Skoda em Plzen. Queriam
apoiar a insurreição em Praga, mas foram impedidos por tropas americanas, que che-
garam a Plzen a 6 de Maio. A 5 de Maio a insurreição tinha alastrado a toda a Boémia
e Oeste da Morávia. 4
Schörner queria reprimir a insurreição por todos os meios. A 7 de Maio publicou
a seguinte ordem: «A propaganda inimiga divulga falsos boatos sobre uma capitu-
lação da Alemanha perante os aliados. Chamo expressamente a atenção da tropa
para a continuação da guerra contra a União Soviética». 5
Ainda na manhã de 9 de Maio, Schörner recusou a exigência de capitulação pe-
rante o Exército Vermelho e continuou a guerra. Tencionava romper até à zona ame-
ricana com o Grupo de Exércitos Centro e aí depor das armas. Moskalenko escreveu
sobre a retirada de Schörner: «Na sua retirada, o adversário destruiu tudo o que
não pôde levar: pontes, estradas, armamento pesado e armazéns.» 6
Schörner abandonou os soldados e oficiais do seu grupo de exércitos com a justi-
ficação de não poder dirigi-los mais e desapareceu em traje civil. O estado-maior da
Wehrmacht, no seu comunicado final de 9 de Maio, responsabilizou os insurrectos
na Checoslováquia pela actuação de Schörner: «Um movimento insurrecional checo
– que abrange toda a Boémia e Morávia – pode pôr em perigo a implementação
das condições da capitulação nesta região». 7
Que cada um faça a sua apreciação do sr. general marechal-de-campo Schörner.
Foi feito prisioneiro pelas tropas americanas, entregue à URSS e posto em liberdade
em 1954.
Schörner e Rendulic, comandante-em-chefe do Grupo de Exércitos «Ostmark» na
Áustria, que também recusou a capitulação, prolongaram a guerra com a sua actua-
ção irresponsável, provocando mais derramamento de sangue. O governo de Dönitz
não tomou nenhuma decisão contra a violação das condições de capitulação por
Schörner e Rendulic e tornou-se assim corresponsável pela morte sem sentido de
mais soldados alemães os quais, alegava Dönitz, queria salvar da destruição pelo
«terror bolchevique» e do seu «sequestro para a Sibéria».
A 4 de Maio, o comandante-em-chefe dos Aliados, general Eisenhower escreveu
uma carta ao chefe do estado-maior soviético, coronel-general Antonov, na qual de-
clarava que estavam prontos «caso a situação o exija, a avançar até ao Moldava e
ao Elba para limpar a margem ocidental desses rios.» 8
A operação ponderada ultrapassava a linha de demarcação acordada entre a URSS
e os Aliados ocidentais, onde as tropas deveriam parar e incluía Praga. Antonov, em
nome do Alto Comando, recusou a proposta de Eisenhower na sua carta de resposta
de 5 de Maio e solicitou-lhe que as forças armadas aliadas não ultrapassassem a linha
de demarcação acordada, para evitar uma mistura das tropas. 9
2
Kóniev conta que o general americano Omar Bradley, comandante-em-chefe do
12.º Exército americano, num encontro a 5 de Maio, lhe perguntou cortesmente como
pensavam as tropas soviéticas conquistar Praga e se os americanos deviam ajudar. 10
Já que os Aliados ocidentais não puderam conquistar Berlim e Viena «antes dos
russos», então talvez ainda Praga? Os políticos burgueses no Conselho Nacional
checo teriam saudado uma tal solução. O Quartel-General tinha recorrido aos exér-
citos de três frentes, a 1ª, 2ª e 4ª frentes ucranianas, para libertar Praga. A 9 de Maio
Praga foi libertada dos ocupantes fascistas.
Apesar de os estratos burgueses da sociedade checa não terem saudado com
grande alegria a libertação pelas tropas do Exército Vermelho, nomeadamente aque-
les que tinham simpatizado ou mesmo cooperado com o ocupante fascista, a massa
do povo recebeu os soldados do Exército Vermelho com verdadeiro entusiasmo. O
tenente-general W.P. Mshawanadse, membro do Conselho de Guerra da 1ª frente
ucraniana descreveu a sua experiência durante a entrada nas cidades e aldeias da
Boémia: «Em 10.05.1945 estive pessoalmente nas cidades e aldeias em que as nos-
sas tropas entravam – Chlumec, Hradec, Kralove, Jaromer e outras. As tropas
marchavam em perfeita ordem. De acordo com as informações que recebi à noite,
os soldados portaram-se correctamente no território da Checoslováquia. Nas cida-
des e aldeias em que observei a entrada das nossas tropas, tudo decorreu de forma
exemplar. Tudo estava festivamente enfeitado, em quase todas as casas e edifícios
oficiais tinham sido içadas bandeiras da República da Checoslováquia e da URSS.
A população inteira saudava e acompanhava as tropas. Todas as praças e ruas es-
tavam cheias de gente que dava vivas ao camarada Stáline e à Rússia.
Pôde-se assistir a muitas cenas comoventes nos encontros entre a população e
as nossas tropas: um velho abraçava um jovem combatente, uma velha mãe ben-
zia-se, jovens apertavam-nos as mãos, queriam absolutamente marchar com os
soldados e muitas outras cenas idênticas anunciavam o amor e respeito do povo
checo pela União Soviética e o Exército Vermelho.» 11
Mas a guerra ainda não tinha terminado. Na zona de Caclav, a 10 de Maio, o 6.º
Exército Blindado, sob o comando do general Kravchenko, encontrou forte resistên-
cia das tropas alemãs, que tinham recusado a capitulação. 12
A Oeste da Checoslováquia ainda circulavam unidades do general Vlássov e uni-
dades de guardas brancos que queriam ultrapassar a linha de demarcação na direc-
ção das tropas britânicas e americanas. Uma parte destas tropas anti-soviéticas,
ajudantes dos fascistas alemães, conseguiu fugir através da linha de demarcação. A
12 de Maio, estes bandos encontravam-se a 40 quilómetros a sudoeste de Plzen.
Estas tropas de Vlássov ainda tinham a força de divisões. A pena de morte esperava-
os na União Soviética, a Vlássov e aos restantes velhos generais brancos, cujos no-
mes os jovens soviéticos já não conheciam: Krásnov, o príncipe Chukuro, Sultan-
Girei e outros.
3
A fronteira com as tropas americanas era perto. Devia esperar-se destes bandos
uma resistência desesperada. Vlássov pôde ser preso pelas tropas soviéticas com a
ajuda de um desertor, o que teve como consequência a rendição da divisão Vlássov.
Os generais brancos e uma parte das suas tropas conseguiram alcançar as linhas
inglesas com grandes baixas. O governo soviético exigiu energicamente aos seus
aliados a sua entrega. «Apesar de os britânicos terem demorado o seu tempo», es-
creveu Chtemenko, «acabaram por entregar às autoridades soviéticas os, para si
sem valor, generais brancos e a sua soldadesca. O processo de entrega concreti-
zou-se com a substituição das unidades de acompanhamento britânicas pelas uni-
dades soviéticas.» 13
Como relatou o marechal Moskalenko, comandante do 38.º exército da 4ª frente
ucraniana, só a 19 de Maio foi possível derrotar os últimos grupos do Grupo de Exér-
citos Centro, que ainda tinham tentado romper a linha das tropas soviéticas para fu-
gir na direcção do Sul da Alemanha ou da Áustria. 14
A 13 de Maio, o general americano Rooks e o brigadeiro britânico Foord, da Co-
missão de Controlo dos Aliados, apresentaram-se em Flensburg-Mürwik. Esforça-
ram-se por conseguir um acordo com Dönitz antes de os representantes soviéticos
na Comissão de Controlo chegarem a Mürwik. Segundo Dönitz, as relações entre os
membros da Comissão e o Governo eram «reservadas mas correctas». 15 Churchill
manteve-se na expectativa perante Dönitz. Não actuou contra ele. Dönitz tinha al-
guma razão quando considerava o comportamento dos citados elementos da Comis-
são como um reconhecimento de facto do seu Governo.
A 17 de Maio, o jornal britânico Labour Daily Herald publicou um comunicado
do Quartel-General dos Aliados, segundo o qual Dönitz e outros oficiais alemães ti-
nham sido simplesmente incumbidos da alimentação, desarmamento e cuidados mé-
dicos das forças armadas alemãs sob controlo dos aliados. 16 O Labour Daily Herald
viu nisso uma tentativa dos governos americano e britânico «criarem um género de
Governo Quisling na Alemanha.» 17
A 17 de Maio chegaram a Flensburg os membros soviéticos da Comissão de Con-
trolo dos Aliados, sob a direcção do General Truskov. Exigiram categoricamente a
dissolução do Governo Dönitz, o que aconteceu a 23 de Maio. Dönitz e os membros
do seu governo foram presos por ordem de Eisenhower e Dönitz foi condenado a dez
anos como criminoso de guerra no Tribunal de Nuremberga.
16 «Dönitz and other German officers are being employed only in connection with the feeding,
disarmament and medical care of the German fordes» under Allied control. G. Deborin, The
Second WorId War, Progress Publishers, Moscovo, o.J., p. 46.
17 “(...) that it was aimed at creating a sort of quisling government in Germany.» Idem.
4
Entre a guerra quente e fria
Potsdam - abertura
18 Estava previsto que Berlim fosse o local onde se iria realizar a conferência dos «Três Gran-
des», mas como não foi possível encontrar nem uma sala, nem alojamento para as delegações,
dado o grau de destruição da cidade, escolheu-se Potsdam por proposta do governo soviético. As
reuniões realizaram-se no palácio Cecilienhof e alojamento organizou-se nas moradias quase in-
tactas de Babelsberg. Por isso encontra-se na literatura também a designação «Conferência de
Berlim», paralelamente a conferência de Potsdam. De seguida usarei a designação «Conferência
de Potsdam».
19 Júkov, ibidem, p. 367 e seg.
5
Ao nível económico: proibição de toda e qualquer indústria de armamento; des-
centralização da economia alemã; destruição de concentração excessiva, especial-
mente cartéis, sindicatos, trusts, monopólios; a Alemanha deve ser vista como uma
unidade económica; manutenção de um nível de vida médio na Alemanha. 21
A geração mais jovem, principalmente na ex-RFA, não sabe quase nada sobre a
Conferência de Potsdam em geral e sobre o capítulo III em especial.
Na Conferência de Potsdam, o capítulo III, na verdade, tomou um lugar especial
já que se tratava da opção entre uma Alemanha democrática, neutral militarmente
no centro da Europa ou a restauração de velha ordem monopolista, do militarismo e
no alinhamento com os estados satélites dos EUA na política de agressão do Pentá-
gono contra a URSS. Mas a questão alemã não era o único problema que conduziu,
em Potsdam, a confrontações renhidas entre as delegações soviéticas e a americana
e britânica.
Na historiografia da RDA, os conflitos foram inteiramente tratados, mas subli-
nhou-se que a Conferência foi um êxito para as forças mundiais da paz e da demo-
cracia. Na reunião final da Conferência a 1 de Agosto, Stáline manifestou a opinião:
«Pode considerar-se a conferência um sucesso». 22
Mas a Conferência foi uma coisa, outra a concretização das suas decisões. O capí-
tulo III – como outros capítulos – representa um compromisso. Stáline não pôde
evitar um desmembramento da Alemanha, mas fez prevalecer a sua vontade no que
respeita à criação de um governo central alemão. Ao contrário, Truman e Churchill
não conseguiram transformar a Polónia num cordon sanitaire contra a URSS. As
formulações no comunicado eram, em parte, passíveis de interpretação. Os aliados
ocidentais, em Potsdam, ainda estavam muito interessados em que a URSS entrasse
na guerra contra o Japão – apesar do êxito da sua experiência com a bomba atómica.
Isso levou-os a evitar uma confrontação aberta com a delegação soviética. Para além
disso, Stáline estava muito bem visto internacionalmente. A sua autoridade incon-
testada impressionou até Churchill, que foi muito cuidadoso em não se envolver num
combate directo com ele. Uma ruptura com a União Soviética ainda não era possível
em Potsdam, apesar da bomba atómica.
De seguida concentro-me nas questões que, na Conferência, tornaram evidentes
as contradições de classe irreconciliáveis, que determinaram a política quer da União
Soviética, quer dos EUA e da Grã-Bretanha depois de Potsdam. Quando a União So-
viética remetia para as decisões tomadas na Conferência de Potsdam e sublinhava o
seu carácter vinculativo de direito internacional, as potências ocidentais, inicial-
mente, consideravam-nas formais, aplicavam-nas esporadicamente, depois nem isso
até que romperam publicamente. Isto demonstra que Stáline conseguiu impor na
Conferência importantes deliberações promotoras da paz e da democracia. Nessa
medida foi um êxito.
Todavia, a delegação soviética não conseguiu impor a democratização, desmilita-
rização e desnazificação de toda a Alemanha. A destruição passo a passo da unidade
nacional, através de reformas monetárias separadas, bi e trizonas, constituição inde-
pendente do Estado alemão ocidental e a sua inclusão na NATO, demonstra as ver-
dadeiras intenções dos EUA e da Grã-Bretanha na Conferência. Foi a continuação da
6
política de Churchill em relação ao governo de Dönitz, a manutenção da Wehrmacht
alemã sob uma outra etiqueta, enquanto força armada anti-soviética e sob comando
anglo-americano.
7
A divisão da frota alemã
Na primeira reunião, a 17 de Julho, Stáline perguntou por que razão «o sr. Chur-
chill nega aos russos a sua parte da frota alemã?». Churchill deu a entender que era
a favor do afundamento da frota alemã. Stáline exigiu a divisão da frota: «Se o sr.
Churchill prefere afundar a frota, pode fazê-lo com a sua parte. Eu não tenciono
afundar a minha parte.» Churchill esclareceu que quase toda a frota se encontrava
nas suas mãos. Stáline respondeu que, exactamente por isso, a questão tinha de ser
decidida. 23
Na terceira reunião, a 19 de Julho, tratou-se de novo da frota. Truman perguntou
se a frota alemã era considerada como despojos de guerra ou devia pertencer às re-
parações. Stáline considerava a frota de guerra como despojos de guerra, a frota co-
mercial podia ser incluída nas reparações. Lembrou que «no caso da Itália» «a frota
de guerra e a frota comercial foram incluídas nos despojos de guerra». 24
Churchill não tinha «em princípio» nada contra uma divisão, mas tinha de se co-
locar a questão das perdas.
A Grã-Bretanha tinha perdido cerca de dez grandes navios, navios de combate,
cruzadores pesados e porta-aviões. Para além disso, pelo menos 20 cruzadores e vá-
rias centenas de contratorpedeiros, submarinos e pequenos barcos. Como os subma-
rinos alemães desempenharam um «papel especial» deviam ser todos destruídos ou
afundados e só conservar para «revista» os novos submarinos alemães, de «especial
interesse científico e técnico».
No que dizia respeito aos «navios» deviam «ser divididos igualmente entre nós
sob a condição de estarmos de acordo sobre todas as outras questões e separarmo-
nos aqui em completo acordo.» 25 E se não? Então o sr. Churchill ficaria com a frota!
Em linguagem não diplomática chama-se a isto chantagem.
Quanto à frota comercial, Churchill alegava que a frota comercial da Finlândia
com 400 mil toneladas (registo bruto de toneladas, i.e. capacidade da carga, UH) «foi
parar às mãos dos nossos aliados russos», assim como alguns navios romenos «en-
tre os quais dois importantes navios para transporte de tropas, que são muito ne-
cessários.» Os navios tinham «de ser considerados na divisão total dos navios».
Stáline corrigiu esta suposição: «Não ficámos com nada da frota comercial fin-
landesa, nem um único navio e da Roménia ficámos apenas com um navio.» 26
Truman propôs que a questão da frota fosse adiada até ao final da guerra contra o
Japão.
Stáline perguntou: «E se os russos combaterem contra o Japão?» (O envio de
tropas soviéticas para as regiões de concentração, no Krai de Zabaykalsky e no Ex-
tremo Oriente, estava em pleno curso nesta altura). 27
Truman disse que os russos podiam naturalmente reclamar um terço da frota, que
lhes seria entregue.
8
Stáline apresentou então detalhadamente a perspectiva do governo soviético:
«Não se deve apresentar os russos como pessoas que desejam prejudicar o sucesso
das acções da frota dos aliados contra o Japão. E também não se deve retirar a
conclusão de que os russos desejam um presente dos seus aliados. Nós não quere-
mos um presente, só queremos saber se este princípio é reconhecido, se o direito dos
russos a uma parte da frota alemã é considerado legítimo (…)
«Se for reconhecido em princípio que os russos têm direito a um terço das frotas
de guerra e comercial, ficamos satisfeitos. No que diz respeito à utilização da frota
comercial, e em especial ao terço que será legitimamente atribuído à Rússia, natu-
ralmente não procuraremos impedir que esse terço seja utilizado pelos aliados no
seu combate contra o Japão. Também concordo que esta questão seja decidida no
final da Conferência.» 28
No comunicado afirmou-se laconicamente que «em princípio» foi alcançado
acordo quanto à frota; que os três governos irão «chamar especialistas» que deverão
formular planos detalhados, que uma «declaração conjunta» dos três governos será
publicada «no devido tempo.» 29 Foi tudo.
Polónia
Quando Churchill afirmou, na nona reunião a 25.07, que a questão da Polónia era
«a base do êxito de toda a Conferência» 30, tinha razão, do seu ponto de vista. O ob-
jectivo de Churchill e Truman em relação à Polónia consistia em manter ou restabe-
lecer as antigas relações de poder e propriedade, estabelecer o poder das forças anti-
soviéticas/anti-russas do antigo governo polaco no exílio londrino, do exército de
Anders, da emigração anti-soviética/anti-russa nos EUA e Grã-Bretanha, em re-
sumo, instaurar na Polónia um regime extremamente reacionário e nacionalista. A
Polónia devia ser transformada novamente numa região de entrada para uma agres-
são contra a União Soviética. «Quando, ao fim de dez dias, a Conferência terminar
o seu trabalho sem ter tomado uma decisão sobre a Polónia, (…) isso significa sem
dúvida um fracasso da Conferência» 31, declarou Churchill.
Os planos de Truman e Churchill fracassaram ante a posição consequente de
Stáline. Nessa medida, a Conferência foi «um fracasso» para ambos.
Em mais nenhuma outra questão as posições de classe foram tão evidentes como
no debate sobre a Polónia.
No tema polaco distinguem-se duas questões, por um lado a questão da fronteira
ocidental da Polónia e por outro a questão da sua ordem interna. Nesta, a questão de
classe foi dominante. Não é de excluir que, caso Stáline tivesse concordado com as
exigências de Truman e Churchill em restabelecer um regime reacionário e naciona-
lista, eles teriam deixado de resistir à fronteira Oder (Oeste)/Neisse. Contudo isto é
especulação.
No que diz respeito à fronteira ocidental da Polónia, Churchill recorreu a falsida-
des no intuito de fornecer aos revanchistas alemães material para a sua política a
31 Idem, ibidem.
9
Leste: «Nós concordámos que a Polónia seja ressarcida, à custa da Alemanha, pela
região que perdeu a Leste da linha Curzon.» 32
Churchill falsificou os factos históricos. Primeiro, Stáline não concordou com tal
afirmação, nem na Conferência da Crimeia, nem em Potsdam. O «nós» referia-se só
a Churchill, porque nem Roosevelt, na Crimeia, nem Truman tinham feito tal afir-
mação. Segundo, as regiões a Leste da linha Curzon não pertenciam à Polónia.
Estas regiões, pertencentes à Bielorrússia soviética e à Ucrânia soviética, tinham
sido anexadas pelos Pans polacos, em 1920, na sequência da sua guerra de agressão
contra a Rússia Soviética, apoiados militarmente pelos franceses, britânicos e ame-
ricanos. A Polónia recebeu dos EUA, na primeira metade de 1920, 200 tanques, 300
aviões, 20 mil metralhadoras. A França forneceu duas mil bocas-de-fogo, três mil
metralhadoras, 500 mil espingardas e 350 aviões. Cerca de 700 oficiais franceses,
entre eles 38 generais e coronéis, assumiram o papel de instrutores do exército po-
laco. O exército polaco (740 mil homens) era aconselhado pelo general francês
Weygand e apoiado pelo comandante da missão britânica Lord d’Abernon. 33
Nessa época, Churchill era ministro da Guerra no governo de Sua Majestade e co-
nhecia muito bem os factos. «Esqueceu-os»? Stáline não tinha esquecido nada. Nessa
época combateu na frente sul contra Wrangel, que, por indicação das potências da
Entente, devia apoiar a intervenção do exército polaco.
A argumentação entretanto combinada entre Churchill e Truman apoiava-se nos
slogans da democracia, da realização de «eleições livres», com presença de observa-
dores dos EUA e Grã-Bretanha e a participação «livre» de jornalistas ocidentais. Li-
gavam estas exigências de «democracia» com as questões das reparações e do forne-
cimento de carvão da região mineira da Silésia, referindo-se à «parte Leste da Ale-
manha de 1937», que, segundo Truman, não devia ser desmembrada, tendo em conta
as reparações e fornecimento de toda a população da Alemanha. 34 Truman «esque-
cia-se» do carvão da região mineira do Ruhr, que Stáline discretamente lembrou. 35
Stáline propôs debater a questão da fronteira ocidental com o governo polaco, cu-
jos representantes deviam ser convidados para Potsdam. Churchill procurou, com
todos os truques, impedi-lo. Truman considerava que se devia deixar a questão da
fronteira ocidental para a conferência de paz, o que também não agradou a Churchill,
porque, na sua opinião a questão «é urgente. Se a decisão sobre esta questão for
adiada, então são fixadas as linhas actuais. Os polacos começarão a utilizar estas
regiões, instalar-se-ão e se o processo continuar será muito difícil depois chegar a
uma qualquer decisão.» 36
Churchill já calculava que a conferência de paz não se iria realizar tão cedo: as
potências ocidentais iriam impedi-la por todos os meios e o governo polaco, com o
apoio soviético, iria criar factos consumados, que aquelas não poderiam fazer voltar
atrás.
10
Numa longa intervenção Churchill propôs que as regiões a Leste do Oder/Neisse
(Oeste) fossem consideradas parte da ZOS (Zona de Ocupação Soviética), sob admi-
nistração soviética. 37
Stáline repetiu uma vez mais o ponto de vista da delegação soviética: «Se ainda
não estiver farto desta questão, estou disposto a tomar a palavra mais uma vez.
Também eu parto da deliberação da Conferência da Crimeia, que o Presidente aca-
bou de citar. Do sentido exacto desta deliberação resulta que nós, depois da forma-
ção do governo de unidade nacional na Polónia, temos ter em conta a sua opinião
sobre a questão da fronteira ocidental da Polónia. O novo governo polaco transmi-
tiu-nos a sua opinião. Agora temos duas possibilidades: ou confirmamos a opinião
do governo polaco sobre a fronteira ocidental ou, se não concordarmos com a pro-
posta polaca, temos de ouvir os representantes polacos e só depois decidir (…)
Aqui tratamos da questão da fronteira e não de delinear uma fronteira provisó-
ria. Não se pode contornar esta questão. Se estivessem de acordo com a Polónia,
podíamos tomar uma decisão, sem convidar para aqui os representantes do go-
verno polaco. Mas como não concordam com a opinião do governo polaco e dese-
jam alterações, seria bom convidar e ouvir a opinião dos polacos. Esta é a questão
de princípio.» 38
Churchill não teve outra alternativa se não retirar, «em nome do governo britâ-
nico», as objecções contra o convite à Polónia para Potsdam.
A delegação polaca chegou, sob a direcção do presidente Boleslav Bierut. Apresen-
tou o seu ponto de vista na reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros, a 22 de
Julho: «A delegação polaca considera que a fronteira ocidental da Polónia deve se-
guir do Mar Báltico, por Świnoujście, ficando Estetino (Szczecin) na Polónia, conti-
nuando ao longo do Oder até à margem ocidental do Neisse e até à fronteira com a
Checoslováquia.
Com a nova definição territorial, partes da população polaca não necessitam de
emigrar para outros países e o trabalho dos polacos que foram obrigados a emi-
grar para outros países pode ser totalmente aproveitado.
Do ponto de vista da segurança é de grande importância que a fronteira pro-
posta pela delegação polaca seja a mais curta possível entre a Polónia e a Alemanha
e possa ser facilmente defendida.
Os alemães tentaram exterminar o povo polaco e destruir a cultura polaca. De
uma perspectiva histórica seria justo edificar um Estado polaco poderoso, que esti-
vesse em condições de se defender contra qualquer agressão alemã.
Estas regiões pertenceram às mais poderosas bases da indústria bélica alemã e
foram uma base para o imperialismo alemão. A aceitação da solução proposta re-
tiraria à Alemanha a zona de concentração [militar] e a base da produção de ar-
mamento. A Polónia seria um Estado sem minorias nacionais.
Antes da guerra, a Polónia tinha excesso de população camponesa que não en-
contrava trabalho na indústria, já que esta não estava suficientemente desenvol-
vida. A inclusão desta região permitirá à Polónia chamar os aldeões para traba-
lhar na cidade e aqueles que emigraram voltarão à sua terra natal e poderão ter
trabalho.
11
Além disso, os representantes polacos chamaram a atenção para que toda a ba-
cia hidrográfica do Oder devia ser entregue à Polónia, porque o Oder não tinha
água suficiente e as nascentes dos seus afluentes encontravam-se a Oeste do Neisse.
Finalmente a delegação polaca declarou que, segundo a sua opinião, esta questão
devia ser rapidamente decidida e devia chegar-se a um acordo, para que o governo
polaco tivesse a possibilidade de repatriar rapidamente os polacos que se encon-
travam no estrangeiro e, assim, participar na reconstrução da Polónia.» 39
Deve recordar-se aqui que os fascistas alemães assassinaram seis milhões de po-
lacos, 20 por cento da população polaca. As regiões a Oeste a serem entregues à Po-
lónia eram alemãs. Que elas tivessem de ser entregues era o resultado da agressão e
dos crimes do imperialismo alemão. Stáline apoiou as exigências do governo polaco.
A União Soviética tinha uma legítima necessidade de segurança e interesse numa Po-
lónia forte e democrática na sua fronteira ocidental. Stáline também defendeu elei-
ções livres e democráticas com participação de todos os partidos democráticos.
Stáline entendia a democracia de forma diferente da democracia burguesa parla-
mentar. A democracia burguesa parlamentar é a melhor forma de governo para a
ditadura de classe do capital. Ela assegura esse domínio de classe e possibilita aos
burgueses decidirem a concorrência entre si politicamente, sendo que cada facção da
burguesia só consegue impor os seus interesses de facção em concordância com os
interesses de classe do conjunto dos capitalistas. O truque consiste em deixar cair o
adjectivo «burguês», que expressa o conteúdo de classe desta democracia, para as-
severar a existência de uma democracia abstracta, da democracia pura, que desde as
antigas democracias na Grécia e em Roma nunca existiu em lado nenhum e também
nunca existirá. Realizada esta separação, então pode colocar-se a democracia, a de-
mocracia «pura» em oposição à ditadura «pura», a que também se retirou a sua de-
terminação de classe, e tem-se a «teoria do totalitarismo», cujo inventor foi Kautsky,
depois de se ter tornado renegado. De acordo com esta famosa teoria, os estados, os
governos podem dividir-se em «democracias», os «bons», e as «ditaduras», os
«maus», os «estados bandidos», que têm de ser bombardeados.
A novidade nas exigências de Truman e Churchill consistiu na utilização abstracta
do conceito de democracia nas suas intervenções, para a desestabilização da ordem
interna dos outros estados, não só da Polónia, mas também da Roménia, da Bulgária,
da Hungria e até da Finlândia. (No século XIX houve uma desestabilização idêntica
no México pelo governo da Grã-Bretanha, «precursor» de um método, que se tornou
parte integrante da política externa imperialista desde meados do século XX).
Friedrich Engels tinha previsto uma tal evolução há 120 anos. Na sua carta a Au-
gust Bebel de 11/12 de Dezembro de 1884 escreveu: «No momento da Revolução a
«pura democracia» desempenha o papel (…) de partido extremamente burguês (…)
de âncora de salvação (…) Num tal momento a grande massa reacionária apoia-a
e reforça-a: tudo o que era reaccionário comporta-se então democraticamente (…)
Em todo o caso, é o nosso único adversário no dia da crise e no dia seguinte – o
conjunto da reacção que se agrupa à volta da pura democracia e isso, creio, não se
deve perder de vista.» 40
Stáline também não perdeu isso de vista.
12
Isso era o que se escondia por trás das repetidas exigências de Truman e Churchill
de «eleições livres», «livre acesso de jornalistas ocidentais e observadores» etc. Sob
a solução da «pura democracia» tinham esperança de estabelecer na Polónia um
governo reacionário favorável.
A sociedade polaca ainda era uma sociedade de classes profundamente dividida.
As forças populares progressistas, sob a direcção do Partido dos Trabalhadores Po-
lacos, opunham-se às forças restauradoras anticomunistas e anti-soviéticas da emi-
gração e da própria Polónia.
Ambos os lados dispunham de exércitos bem equipados e experientes. Em algu-
mas regiões da Polónia, unidades do Exército Popular polaco combatiam bandos
reaccionários, que procuravam desestabilizar os cidadãos polacos com actos de sa-
botagem e assassinatos.
Truman e Churchill estavam convencidos de que se conseguissem, sob estas con-
dições, realizar «eleições livres» à sua maneira, abririam as portas à intervenção ex-
terna para apoiar e dirigir as forças contra-revolucionárias. Contavam com o apoio
das forças clericais-fascistas do clero católico, incluindo o Papa.
Ceder perante eles significava a guerra civil na Polónia com consequências incal-
culáveis. As exigências de Truman e Churchill não eram mais do que a continuação
do plano «Rankin» 41, com embalagem «liberal-democrática». Se no plano «Ran-
kin» se tratava de «deixar os russos de fora, não os deixar entrar», agora era na
direcção contrária, «empurrar os russos para fora», a política de «roll back», como
mais tarde a chamou Truman.
Naturalmente, não era possível concretizar tal «política» com Stáline. Ele com-
preendeu o jogo que fracassou face à sua oposição.
Truman e Churchill, pelo seu lado, impediram o reconhecimento da fronteira do
Oder/Neisse, que foi adiada para a conferência de paz, ou seja, para o dia de São
Nunca. Com a não fixação da fronteira Oeste da Polónia, em conjunto com a «ideia»
da «Alemanha com as fronteiras de 1937», deram luz verde aos revanchistas nas
zonas ocupadas a Oeste.
Os cidadãos da Polónia não deviam esquecer, para além da gritaria dos naciona-
listas polacos, que devem a Stáline o reconhecimento, hoje, pelo direito internacional
da sua fronteira ocidental.
13
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XVI)
Ulrich Huar
Capítulo V
Roménia, Bulgária, Hungria, Finlândia
1
Interessante para a compreensão do conceito de democracia de Truman e Chur-
chill foi o seu comportamento perante a ditadura fascista de Franco em Espanha.
Stáline propusera a suspensão das relações diplomáticas com o governo de
Franco. 4 Churchill considerou tal decisão «não adequada para a solução dessa
questão». Pensava que «não nos devemos imiscuir nos assuntos de um Estado (…)
A organização mundial fundada em S. Francisco recusa a interferência nos assun-
tos internos de outros países.» 5
Stáline lembrou que «o regime de Franco foi imposto por Hitler e Mussolini e
representa o seu legado. Se destruirmos o regime de Franco, destruímos a sua he-
rança. Também não devemos esquecer que a libertação democrática da Europa im-
põe determinadas obrigações.» Se «um meio como a suspensão de relações diplo-
máticas (…) [é] muito drástico, podemos reflectir sobre outros meios mais elásticos
ao nível diplomático». Seria «perigoso manter o regime de Franco como é agora».6
Mesmo esta proposta de compromisso de Stáline era demasiado para Churchill,
pois tinham «há muito relações comerciais com Espanha. Eles fornecem-nos laran-
jas, vinho e alguns outros produtos». 7
Churchill não queria pôr em risco a importação de laranjas de Espanha. Mas não
se tratava só de laranjas.
Um derrube de Franco, induzido por sanções, podia provocar um movimento de
massas em Espanha, com consequências imprevisíveis para o sistema capitalista.
As posições de classe não podiam tornar-se mais claras.
Na Roménia, Bulgária, Hungria, Polónia, Jugoslávia, as exigências de «democra-
tização», etc., não eram interferência nos assuntos internos dos Estados. No respei-
tante ao regime de Franco era uma interferência que contrariava as decisões das Na-
ções Unidas. Desestabilizar as democracias populares (não se inclui aqui a Finlândia
enquanto Estado liberal-democrático) para eliminar o poder popular e restaurar o
poder capitalista e as relações de propriedade era legítimo, «democrático». Pressio-
nar diplomaticamente a ditadura fascista em Espanha, que participou com a «Divi-
são Azul» na guerra contra a URSS, apoiou os submarinos alemães e assegurou re-
fúgio, violava a proibição, à luz do direito internacional, de ingerência nos assuntos
internos de outros Estados, não era conciliável com os princípios da «democracia»,
do «direito de autonomia» dos povos.
Neste contexto, recorde-se aqui «a política de não ingerência» da Grã-Bretanha,
França e dos EUA em relação à Espanha de 1936, que serviu para bloquear o forne-
cimento de armamento à desarmada República Espanhola legítima, e assim apoiar
os golpistas de Franco e a intervenção militar dos fascistas alemães e italianos na
guerra contra a República. A 27 de Fevereiro de 1939, a Grã-Bretanha e a França
reconheceram diplomaticamente o regime de Franco, e os EUA a 1 de Abril. A 27
de Março de 1939, o regime de Franco aderiu ao pacto anti-komintern, como prova
da a sua legitimação «democrática». Não houve acordo sobre a Espanha na Confe-
rência. A ditadura fascista de Franco pôde continuar a usufruir do apoio benévolo
2
das potências ocidentais «democráticas». Nada estorvava a exportação de laranjas
para a Grã-Bretanha.
Reparações
3
Montgomery informara Júkov de que tinha «decidido» instalar-se nos próximos
dias no «seu» sector em Berlim, e queria acordar com ele as «vias de ligação» a Berlim.
Júkov respondeu: «Antes de decidirmos sobre a questão das vias de ligação,
pelas quais as tropas americanas e britânicas virão para Berlim, todas as tropas
dos aliados terão de ocupar as regiões na Alemanha, em conformidade com as
decisões da Conferência da Crimeia (…) Só então analisaremos as questões práti-
cas relacionadas com a travessia para Berlim e o alojamento do pessoal aliado em
Berlim. Enquanto as tropas americanas não tiveram saído da Turíngia e as tropas
britânicas da região de Wittenberg, não posso autorizar a entrada dos aliados em
Berlim.» 12 Mais tarde, publicistas burgueses afirmaram que os sectores ocidentais
de Berlim tinham sido «trocados» por regiões da Turíngia e do Elba, escondendo
assim a violação das deliberações na Conferência da Crimeia.
Em Potsdam, as delegações americana e britânica pretendiam não reconhecer o
direito da União Soviética às reparações, as quais, em relação ao nível de destruição
do seu país, desde o istmo da Carélia até ao Cáucaso, eram muito modestas. Churchill
ainda foi mais longe, lembrando que na discussão na Conferência «não se disse nada
sobre a transferência de obrigações perante a Grã-Bretanha para o governo pro-
visório polaco, nomeadamente os 120 milhões de libras esterlinas que nós adiantá-
mos ao antigo governo polaco em Londres.» 13
Isto era uma provocação intencional. O governo polaco ainda devia pagar o que o
governo britânico tinha gasto com a política de desestabilização anti-soviética e con-
tra os interesses nacionais do povo polaco, durante a ocupação da Polónia pelos fas-
cistas alemães, através do governo reacionário polaco no exílio em Londres.
Naturalmente, nestas despesas estava incluída a manutenção das tropas polacas
(o exército Anders), que combatera ao lado das potências ocidentais na guerra contra
as tropas alemãs, não sendo possível deixar de registar o carácter anti-russo do ge-
neral Andres. Churchill não teve êxito ao apresentar esta exigência inaceitável.
Stáline perguntou: «Pensa o governo britânico exigir à Polónia a devolução de todos
os adiantamentos que disponibilizou para a manutenção das tropas polacas?»
Churchill tinha de negar esta pergunta directa, mas evitou-o: «Isso discutiremos
com os polacos.»
Stáline: «Nós também demos determinados meios ao governo de Sikorski para
a criação do exército do governo nacional provisório. Mas somos da opinião que o
povo polaco já pagou estas dívidas com o seu sangue.» 14
Mesmo para Truman, esta exigência descarada de Churchill ia longe de mais.
A delegação soviética não conseguiu impor as suas exigências na questão das re-
parações. O debate terminou com o «compromisso» de que a URSS podia satisfazer
as suas exigências de reparações através da desmontagem de equipamentos indus-
triais e a apropriação da produção corrente no valor de dez mil milhões de dólares da
4
sua zona de ocupação e os respectivos activos externos. Os direitos de reparação da
Polónia serão liquidados com a parte soviética. 15
Foi assim que a ZOS/RDA pagou as reparações à URSS, ou seja, pagou sozinha a
factura do imperialismo alemão. A RDA, até ao final de 1953, pagou 4,3 mil milhões
de dólares em reparações à URSS. Por decisão do governo soviético, de Agosto de
1953, a RDA ficou isenta de pagar a dívida activa, no valor de 2,537 mil milhões de
dólares, respeitante às reparações ainda devidas. Com efeitos a partir de 1 de Janeiro
de 1954, o governo soviético entregou graciosamente as restantes 33 empresas SAG 16
à RDA. 17
Para a ZOS/RDA, as reparações eram consideráveis, mas comparadas com a des-
truição que os fascistas alemães tinham provocado na URSS, eram uma gota no oce-
ano. Sem menosprezar as prestações da ZOS/RDA, factualmente a União Soviética
não recebeu nada pelo grande sacrifício em vidas humanas, em bens materiais e cul-
turais que lhe custou a libertação da Europa do fascismo.
De acordo com informações recentes, a guerra de libertação antifascista custou
aos povos da União Soviética entre 25 a 30 milhões de vidas humanas.
Acções anti-soviéticas
ucranianos que, no «acordo» com o governo polaco reaccionário de Pilsudski, reuniu o resto
das tropas contra-revolucionárias e conduziu motins na Ucrânia soviética, com o apoio do
ministro da Guerra britânico, W. Churchill. Em Novembro/Dezembro de 1921, o bando de
Petliura foi derrotado pelo Exército Vermelho. Os oficiais de Petliura referidos por Stáline
deviam ser antigos conhecidos de Churchill.
5
Stáline negou, «só havia lá ucranianos, cidadãos soviéticos.»
Truman encerrou a sessão! 19
Na oitava reunião da Conferência, a 24 de Julho, Churchill teve de confirmar a
informação da delegação soviética e declarou: «A missão soviética em Roma ocupa-
se agora desses dez mil homens e tem acesso livre ao campo. Informou que as pes-
soas que se encontram no campo são maioritariamente ucranianas, mas não cida-
dãos soviéticos. Neste campo também há um certo número de polacos, que, até onde
nos foi possível esclarecer, viveram nas fronteiras da Polónia de 1939. Um total de
665 homens querem regressar imediatamente à União Soviética e estão em curso
medidas para o seu transporte. Também estamos dispostos a entregar todos aque-
les que desejam regressar. Estes dez mil homens renderam-se em conjunto e, uni-
camente por razões administrativas, aceitámos a sua rendição sob a direcção dos
seus comandantes.» 20
Do contexto da comunicação da delegação soviética e do relatório de Churchill
torna-se claro que se tratava na sua maioria de ucranianos nacionalistas e contra-re-
volucionários, que tinham combatido ao lado dos fascistas alemães em Itália contra
as tropas anglo-americanas e que o Alto Comando britânico queria manter enquanto
unidade anti-soviética, como Montgomery tinha tentado com as unidades alemãs em
Schleswig-Holstein. Não me foi possível saber o que aconteceu a estes ucranianos.
Aqueles que queriam voltar para a União Soviética, «os que desejam regressar», de-
vem ter sido entregues. Aqueles que «não o desejavam» não foram, pelos vistos, en-
tregues à União Soviética.
Churchill assegurou que era sua intenção «desarmar estas tropas», o que Stáline
também não duvidou. Churchill ainda acrescentou: «Não os mantemos na reserva,
para de repente os retirarmos da manga. Irei exigir imediatamente um relató-
rio.» 21 Pelos vistos Churchill esquecera que ordenara a Montgomery que reunisse as
armas das tropas alemãs e as mantivesse disponíveis, o que Montgomery cumpriu
com afã.
Nesta altura ainda se encontravam 400 mil soldados alemães na Noruega, que não
tinham sido desarmados. Provavelmente também por «razões administrativas». 22
No que diz respeito a acções anti-soviéticas por parte dos russos brancos e outras
organizações inimigas da URSS nas zonas de ocupação americana e britânica na Ale-
manha e Áustria, o MNE americano Byrnes declarou na 12ª reunião da Conferência,
a 31 de Julho, que os representantes anglo-norte-americanos «investigam» os factos
apresentados pela delegação soviética – «debatem medidas para impedir estas ac-
tividades» – «ocupam-se sem demora desta questão» em Londres – tratarão dela
«o mais rapidamente possível». 23
No entanto estas «organizações» puderam continuar sem impedimentos a sua
actividade anti-soviética, a coberto da benevolente paciência da potência ocupante
americana.
6
Júkov recorda que no final de uma reunião, Truman informou Stáline de que os
EUA possuíam uma bomba de força explosiva descomunal, sem lhe chamar bomba
atómica. Stáline não mexeu um músculo. Churchill e outros autores norte-ameri-
canos e britânicos julgaram mais tarde que «Stáline talvez não tivesse compreen-
dido a importância da informação». De regresso dessa reunião, Stáline informou
Molotov da conversa com Truman. Mólotov disse: «Eles querem aumentar a pa-
rada». Stáline riu: «Que o façam. Tem de se falar com Kurtchatov para acelerar
o trabalho.» 24
Gromiko, que participou na reunião seguinte, na residência de Stáline em Pots-
dam, escreveu nas suas memórias que Stáline havia mencionado aquilo que se viria
a revelar a questão central da reunião: «Os nossos aliados disseram-nos que os EUA
teriam uma nova arma, a bomba atómica. Assim que Truman me disse que a ti-
nham testado com sucesso, falei com o nosso físico Kurtchatov. Teremos segura-
mente em breve a nossa bomba. Mas a sua posse confere a cada Estado uma gigan-
tesca responsabilidade. A questão fundamental é devem os países que têm a bomba
concorrer simplesmente entre si na sua produção ou, como também outros países
que venham a obter mais tarde, deverão procurar uma solução que proíba a sua
produção e utilização? Neste momento não se vislumbra como poderia ser um tal
acordo, mas uma coisa é clara: a energia atómica só deve estar ao serviço de ob-
jectivos pacíficos.»
Mólotov referiu que os norte-americanos tinham trabalhado o tempo todo na
bomba atómica, mas que não tinham dito nada sobre isso.
Stáline continuou: «Sem dúvida que Londres e Washington têm a esperança que
nós ainda demoremos algum tempo até desenvolvermos a bomba atómica. Entre-
tanto, querem utilizar o monopólio americano – mais exactamente o monopólio
anglo-americano – para nos obrigar a aceitar os seus planos para a Europa e o
mundo. Mas não o conseguirão!» 25
Para além das duras controvérsias na Conferência, também houve momentos di-
vertidos e, para alguns participantes, momentos e opiniões positivos.
Gromiko recorda as bonitas polícias de trânsito soviéticas, que manifestamente
chamavam a atenção dos delegados: «Em cada cruzamento, em cada praça, esta-
vam polícias de trânsito soviéticas com bandeiras na mão. Todas elas tinham uni-
formes novos e bonitos e os seus movimentos eram tão graciosos, que quase se po-
dia pensar que eram bailarinas. Disseram-nos que os delegados norte-americanos
e britânicos gostavam tanto de as ver como nós (…) Churchill estava tão encantado
com as nossas polícias de trânsito nos seus magníficos uniformes, que espalhou as
cinzas do seu charuto no seu fato, mas sem consequências. Stáline sorriu, talvez
pela primeira vez durante toda a reunião.» 26
Extremo Oriente
7
o fim da guerra contra a Alemanha fascista, o marechal Meretskov e os generais do
seu comando da antiga frente da Carélia entraram, a 31 de Março de 1945, em Iaros-
lavl, no comboio especial para o extremo-oriente.
O Alto Comando da antiga frente da Carélia era agora o Alto Comando do Grupo
do Litoral (pouco depois mudou o nome para 1ª frente extremo-oriente), com Mere-
tskov como comandante-em-chefe. O Grupo do Litoral dependia directamente de
Stáline. 27
Por que razão Stáline escolheu Meretskov para comandante-em-chefe do Grupo
do Litoral? «Ele é suficientemente astuto e será capaz de magicar como derrotar os
japoneses», justificou. «Não é a primeira vez que conduz uma guerra na floresta e
tem de romper regiões fortificadas». 28
De acordo com o compromisso que Stáline assumira nas conferências em Teerão
(28.11 a 01.12.1943) e Ialta (04 a 11.02.1945) de entrar na guerra contra o Japão ao
lado dos aliados ocidentais, avançavam agora os preparativos para o cumprimento
dessa obrigação, dois a três meses depois do fim da guerra na Europa.
Logo em 1943, depois da batalha de Kursk, os governos dos EUA e da Grã-Breta-
nha já tinham pressionado a URSS para se «apressar» a entrar na guerra contra o
Japão. Chtemenko escreveu que eles se esforçavam por «nos envolver o mais rapi-
damente possível na guerra no Extremo-Oriente». No final de Junho de 1944, de-
pois da abertura da 2ª frente em França, o chefe da missão militar americana em
Moscovo dirigiu-se ao chefe do Quartel-General soviético com «o pedido urgente (…)
de acelerar por todos os meios a entrada da URSS na guerra no Extremo-Oriente.»
O governo soviético não estava disposto a entrar na guerra contra o Japão antes
do fim da guerra na Europa. A União Soviética teria dispersado as suas forças mili-
tares e assim adiado a vitória sobre a Alemanha fascista. 29
A União Soviética/Rússia era/é não só um Estado europeu, mas também um Es-
tado asiático. Desde 1904 que o Japão ameaçava seriamente as regiões russas do ex-
tremo-Oriente (da Rússia Soviética a partir de 1917). Até 1922, tropas japonesas, jun-
tando-se à intervenção dos exércitos imperialistas contra a Rússia Soviética, tinham
ocupado parte das repúblicas no Extremo-Oriente, incluindo Vladivostok, até que
tropas da Rússia Soviética e das repúblicas do Extremo-Oriente as expulsaram. A 25
de Outubro de 1922, tropas do Exército Vermelho libertaram Vladivostok. Por deci-
são da Assembleia Popular, a República do Extremo-Oriente aderiu em 15 de Novem-
bro de 1922 à República Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFSR). A 29 de
Julho de 1938, tropas japonesas invadiram território soviético no Lago Khassan, e a
11 de Maio de 1939 invadiram a República Popular da Mongólia (RPM). Entre a URSS
e a RPM existia um pacto de assistência mútua, que obrigava a URSS a prestar auxí-
lio. O ataque do Japão à RPM não foi uma simples «violação de fronteira», mas uma
verdadeira guerra, na qual os japoneses foram totalmente derrotados pelo ainda
pouco conhecido general Júkov. A guerra terminou a 31 de Agosto de 1939, imedia-
tamente antes do ataque de Hitler à Polónia.
8
Depois da invasão da União Soviética pela Wehrmacht fascista, as tropas japone-
sas na Manchúria, o chamado Exército Kwantung 30, planeava invadir a Sibéria para
estar preparada para «a divisão» da União Soviética.
O governo e os militares japoneses, sob a direcção do Imperador Hirohito, toma-
ram a seguinte resolução: «Embora a nossa relação com a guerra germano-sovié-
tica seja determinada pelo eixo Roma – Berlim – Tóquio, não iremos, para já inter-
ferir; mas iremos, por iniciativa própria, tomar medidas e armarmo-nos em se-
gredo para a guerra contra a União Soviética (…) Caso a guerra germano-soviética
evolua favoravelmente ao Japão, utilizaremos a força das armas para resolver os
problemas a Norte e assegurar a estabilidade dessas regiões.» 31
Depois de Stalingrado, as ambições dos militaristas japoneses foram arrefecendo,
depois de Kursk foram obrigados a desistir dos desejos de anexação. Mas também a
guerra no Pacífico contra os EUA e a Grã-Bretanha, depois dos sucessos iniciais, não
decorria de acordo com as suas exageradas expectativas. Como os alemães, também
os militares japoneses se tinham enganado redondamente sobre a relação de forças
existente.
A 4 de Junho de 1942, uma poderosa esquadra japonesa, constituída por 50 navios
de transporte e 30 navios de guerra, entre eles quatro porta-aviões, rumou em direc-
ção à base naval da frota americana no Midway-Atoll. Porta-aviões norte-americanos
atacaram com sucesso os japoneses. Afundaram os quatro porta-aviões, dois cruza-
dores, três contratorpedeiros, e danificaram três couraçados. Os japoneses recuaram,
perseguidos por aviões norte-americanos, que lhes provocaram mais baixas. 32
O historiador militar soviético G.K. Plotnikov escreveu: «Apesar de uma série de
vitórias sobre as forças armadas do Japão na região do Oceano Pacífico e no Su-
doeste asiático, as tropas aliadas não foram capazes de infligir ao ocupante japonês
a derrota decisiva. Apesar de as tropas aliadas se encontrarem próximas dos aces-
sos à mãe-pátria, os imperialistas japoneses ainda possuíam meios consideráveis
para continuar a guerra. Esperavam, não sem razão, conseguir montar nas ilhas
da mãe-pátria e mais tarde no continente, uma defesa estável e permanente contra
9
as forças armadas dos EUA e Grã-Bretanha. Nestas condições era de importância
decisiva que a União Soviética entrasse em acção contra os agressores.» 33
Nos comandos dos EUA e da Grã-Bretanha, pensava-se que a guerra contra o Ja-
pão duraria um a dois anos, depois da vitória na Europa. Por isso, um ataque das
tropas soviéticas no continente asiático, no Norte da China, era de importância es-
tratégica. Por outro lado, também aqui se manifestaram os interesses de classe de
ambas as potências anglo-saxónicas: uma vitória do exército soviético na China e na
Coreia sobre os japoneses teria consequências incalculáveis para os povos asiáticos,
aumentaria a autoridade da União Soviética na Ásia. Desse modo, o exército de liber-
tação popular chinês e o movimento guerrilheiro na Coreia seriam reforçados política
e militarmente. A influência do PC na China e do movimento democrático anti-im-
perialista na Coreia 34 cresceria.
Assim, por um lado, os governos americano e britânico estavam interessados na
entrada da União Soviética na guerra contra o Japão, por razões estratégicas, por
outro, uma vitória das tropas soviéticas na China e na Coreia não era desejável por
considerações de classe.
Naturalmente, Stáline e os generais soviéticos também estavam conscientes das
consequências políticas de uma vitória para a evolução [da situação] na China e na
Coreia; para o reforço do apoio das forças democráticas – não só dos comunistas –
nestes países contra as intrigas da contra-revolução interna e externa.
No final de Agosto, existiam relações diplomáticas normais entre a União Sovié-
tica e o governo nacional da República chinesa, mesmo se as intrigas anticomunistas
de Chang-Kai-Tchek não passavam despercebidas ao governo soviético. A 14 de
Agosto, os governos da URSS e da República chinesa assinaram um Tratado de Ami-
zade e um Pacto de Aliança. Na sua mensagem ao presidente do governo nacional da
República chinesa, o generalíssimo Chang-Kai-Tchek, Stáline escreveu: «Estou certo
de que este Tratado e o Pacto servirão de base sólida para um desenvolvimento
ulterior das relações de amizade entre a URSS e a China, para o bem-estar dos nos-
sos povos e consolidação da paz e segurança no Extremo-Oriente e em todo o
mundo.» 35
As chefias soviéticas tiveram de ultrapassar grandes dificuldades na preparação
das acções de combate iminentes. Algumas centenas de milhares de homens com
equipamento, armas e munições, alimentação, etc., tinham de ser transportados em
condições de rigoroso sigilo, numa distância de 9 mil a 11 mil quilómetros até ao Ex-
tremo-Oriente. De Maio a Julho chegaram 136 mil vagões com tropas do Ocidente ao
Extremo-Oriente e ao Krai de Zabaikalski. A isto juntou-se a enorme extensão do
território. As tropas soviéticas tiveram de ser estacionadas, numa frente com cinco
10
mil quilómetros de comprimento, em zonas de concentração. O teatro de operações
previsto abrangia cerca de 1,5 milhões de quilómetros quadrados.
Com as tropas já existentes no Extremo-Oriente, o Quartel-General formou um
forte grupo com 1,5 milhões de soldados e oficiais, 26 mil bocas-de-fogo e lança-gra-
nadas, 5500 tanques e mais de 3800 aviões de combate. 36 Os japoneses tinham for-
tificado fortemente a fronteira da Manchúria. Originalmente, as fortificações tinham
sido pensadas como ponto de partida para o ataque à URSS. Depois de Stalingrado
foram reedificadas para a defesa. O exército Kwantung contava cerca de um milhão
de soldados de elite. Podia, em qualquer momento, ser aumentado para mais de 1,5
milhões de homens, através da reserva estratégica. 37 Dividia-se em 42 divisões de
Infantaria, sete divisões de Cavalaria, 23 brigadas de Infantaria e duas brigadas de
Cavalaria. Dispunha de mais de 5300 bocas-de-fogo, mil tanques e 1800 aviões. A
técnica do exército Kwantung adaptava-se ao território. Dispunha de grandes provi-
sões de munições e alimentação. Mesmo em situações de interrupção do reabasteci-
mento por mar, podia passar largo tempo sem reabastecimento do Japão. 38
A relação de forças era equilibrada no que respeita ao número de efectivos. Na
artilharia, blindados e aviões o exército soviético no Extremo-Oriente era várias vezes
superior.
Por causa da enorme distância entre as tropas soviéticas e o centro político e
económico da URSS, o Quartel-General criou um alto comando especial, um género
de central mediadora entre as frentes no Extremo-Oriente e Moscovo, o «Alto Co-
mando das tropas soviéticas no Extremo-Oriente» comandado pelo Marechal A.M.
Vassiliévski.
O plano do Alto Comando previa atacar o adversário na Manchúria por três lados
e derrotá-lo. As tropas soviéticas formaram três frentes: a frente do Krai de Zabai-
kalski – comandante marechal Malinovski; o 2.º Exército do Extremo-Oriente – co-
mandante Purkáiev; o 1.º Exército do Extremo-Oriente (originalmente Grupo do Li-
toral, a antiga frente da Carélia) – comandante marechal Meretskov.
O almirante N. G. Kuznetsov tinha de coordenar as forças navais (frota do Pací-
fico, frota do Pacífico Norte, frota de Armur) e organizar a coordenação com as for-
ças terrestres.
A frente do Krai de Zabaikalski devia atacar pelo Oeste; o 1.º Exército do Ex-
tremo-Oriente, pelo Norte; o 2.º Exército do Extremo Oriente, pelo Leste. O 2º Exér-
cito do Extremo-Oriente também tinha de libertar o Sul de Sakhalin e as ilhas Curilas.
Aí encontravam-se as cinco divisões japonesas, que estavam previstas para a opera-
ção contra Sakhalin e Kamtchatka. 39
A frota do Pacífico tinha de desembarcar na Coreia nos primeiros dias de guerra.
Tinha de defender toda a costa e dificultar as comunicações adversárias. «Os por-
tos mais próximos para o reabastecimento do Exército Kwantung eram Yuki,
11
Rashin (Nadzin) e Seishin (Chongdzin). A frota estava preparada para abordar
estes portos.» 40
No Extremo-Oriente também havia razões políticas para derrotar rapidamente o
exército de Kwantung. Meretskov escreveu retrospectivamente: «Se as nossas tropas
aqui tivessem começado a pressionar o exército Kwantung por vários lados, como
supunha Tóquio, este teria retirado gradualmente na direcção da Coreia ou da
China e teria assim prolongado a defesa. Mas os nossos aliados ocidentais teriam
gostado que as tropas anglo-americanas se apresentassem como as únicas liberta-
doras das regiões asiáticas ocupadas pelas tropas japonesas. Uma derrota rápida
do exército Kwantung riscou ambos os planos.
Para além disso, uma rápida vitória sobre o exército Kwantung poupava a vida
de centenas de milhares, ao encurtar a duração da guerra. Portanto, uma “estraté-
gia de expulsão” não servia para nada.» 41
Em Julho de 1945, o governo japonês dirigiu-se ao governo soviético com o pedido
de que assumisse o papel de mediador nas negociações com os aliados ocidentais.
A 8 de Agosto, Mólotov entregou ao embaixador japonês Sato, em nome do go-
verno soviético, uma declaração endereçada ao governo japonês, na qual se afirmava:
«Depois da derrota da Alemanha nazi, apenas resta o Japão, enquanto grande po-
tência, a pretender a continuação da guerra.
«A exigência de capitulação incondicional, apresentada de 26 de Julho do cor-
rente pelas três potências, EUA, Grã-Bretanha e China, foi recusada pelo Japão.
Assim, não tem qualquer fundamento a proposta que o governo japonês faz ao go-
verno soviético para que assuma o papel de mediador.» O governo soviético aderiu
a esta declaração de 26 de Julho. «O governo soviético é da opinião (…) de que esta
sua política é o único meio de acelerar a paz, de libertar os povos de mais sacrifícios
e sofrimento e dar ao povo japonês a possibilidade de evitar os perigos e destruição
que a Alemanha sofreu depois de ter recusado a capitulação incondicional.» Na de-
claração afirmava-se ainda que a União Soviética «se considera em estado de guerra
com o Japão desde 9 de Agosto.» 42
Segundo os autores japoneses da História da Guerra no Oceano Pacífico, a notícia
da declaração de guerra da URSS constituiu um «golpe atordoante para os dirigen-
tes do governo japonês (…) Nem sequer a utilização da bomba atómica levou a al-
terações da política de Estado, determinada pelo Alto Conselho para a condução da
guerra (…) Mas a entrada da União Soviética na guerra destruiu todas as esperan-
ças de a poder continuar. Só neste momento o imperador, o guarda do selo secreto
Kido, o primeiro-ministro Suzuki, o MNE Togo, o ministro da marinha Yonai e ou-
tros membros dirigentes do governo tomaram a decisão de acabar com a guerra.»
Não obstante, o imperador ordenou ao comandante do exército Kwantung, gene-
ral Yamada, a defesa dos territórios ocupados pelas tropas japonesas e a preparação
de operações militares «em grande escala». 43
12
A 10 de Agosto, a República Popular da Mongólia declarou a guerra ao Japão. Sob
o comando do general Tchoibolsan e do tenente-general Zedenbal, o exército revolu-
cionário popular mongol, com 80 mil homens, tomou parte nos combates ao lado do
Exército Vermelho.
A ofensiva soviética iniciou-se a 9 de Agosto e a 14 de Agosto deu-se a capitulação
incondicional do exército Kwantung. A capitulação foi assinada a 2 de Setembro.
No desenrolar desta guerra, as tropas soviéticas libertaram da ocupação japonesa
o Nordeste da China e a Coreia até ao paralelo 38º. O rápido desenrolar da guerra
não significa que os japoneses tenham oferecido pouca resistência. Pelo contrário, os
japoneses defenderam obstinadamente cada fortificação do seu sistema de defesa e
cada colina, e tiveram lugar ocorrências inesperadas. Meretskov escreveu: «Na re-
gião fortificada de Dongning, perante a impossibilidade de continuar a resistir ao
nosso 25.º exército, os oficiais japoneses ordenaram aos seus soldados que depu-
sessem as armas. Porém estes recusaram-se a obedecer e fuzilaram os seus oficiais.
Em algumas guarnições foram utilizados padres e professores das escolas locais
para convencer os soldados da falta de sentido em continuar a resistência. Mas os
soldados educados ao longo dos anos no espírito dos samurais não davam ouvidos
e continuavam a combater.» 44
Os japoneses recorriam a comandos suicidas. Entravam furtivamente nos campos
de painço, com bolsas penduradas cheias de explosivos e com granadas de mão e
atiravam-se contra os tanques soviéticos. Inicialmente estas «minas vivas» revela-
ram-se perigosas, mas depois os soldados soviéticos adequaram a sua táctica e apren-
derem a combatê-las. 45
A capitulação de 14 de Agosto não significou logo o fim dos combates. O imperador
japonês tinha realmente ordenado o fim dos combates, contudo nem o exército
Kwantung, nem outras forças militares receberam as respectivas ordens. Na ordem
do imperador não havia uma única palavra indicando que as tropas deviam ser feitas
prisioneiras. Segundo a tradição samurai era proibido entregar-se como prisioneiro.
Por isso algumas unidades continuaram a resistência. Em algumas secções das
frentes até se realizaram contra-ataques. Em Sakhalin combateu-se até 26 de Agosto,
nas ilhas Curilas até 31 de Agosto. 46
O lançamento da bomba atómica em Hiroxima e Nagasaki, a 6 e 9 de Agosto, se-
gundo Meretskov, não se reflectiu praticamente na forma de pensar e no comporta-
mento dos soldados soviéticos. «Primeiro, não existia nenhuma ligação entre os
nossos planos para derrotar o exército Kwantung e o acontecimento trágico em
Hiroxima e Nagasaki. Segundo, não era conhecido com rigor, mesmo no lado ame-
ricano, as consequências reais da detonação; os japoneses tiveram todos os cuida-
dos em ocultar a informação.» 47
Para os norte-americanos não havia nenhuma razão estratégico-militar para uti-
lizar armas atómicas, ainda por cima contra a população civil. Sete dos cientistas que
construíram a bomba foram contra a sua utilização. O presidente Truman, porém,
seguiu o conselho do ministro da Defesa, Stimson, e dos seus conselheiros militares,
13
segundo o qual a utilização da bomba aceleraria o fim da guerra e pouparia baixas às
forças armadas americanas. 48
Esta justificação é ainda hoje defendida em publicações americanas. Perante a en-
trada iminente da União Soviética na guerra contra o Japão, que era do conheci-
mento do comando americano e do presidente, não há nenhuma justificação para
este crime.
Para Stáline, para os membros do Politburo, para o Estado-Maior soviético e
também para todas as forças democráticas no mundo inteiro era claro contra quem
se dirigia a injustificável e criminosa utilização da bomba atómica. As reacções pú-
blicas disso deram conta. Era a reivindicação do capital financeiro americano ao do-
mínio mundial indiviso. Churchill afirmou-o de forma clara e inequívoca no seu fa-
moso discurso de Fulton (6 de Março de 1946): «Seria loucura criminosa, se se ti-
vesse revelado este conhecimento secreto [sobre a produção da bomba atómica, UH]
neste ainda tempestuoso e ainda não preparado mundo. Nem uma única pessoa em
nenhum país dormiu pior pelo facto de o segredo da bomba atómica ter ficado nas
mãos dos norte-americanos. Não acredito que tivéssemos dormido tão bem se fosse
ao contrário, se um qualquer estado comunista ou neofascista tivesse monopoli-
zado este segredo.» 49
Ao mesmo tempo, no seu anticomunismo cego de raiva, esta era também uma
afirmação ingénua que Churchill fazia publicamente. Acreditava realmente que o
«segredo» da bomba atómica ficaria só nos EUA? Entre os políticos e militares oci-
dentais era comum a opinião de que a União Soviética necessitaria de décadas para
recuperar das horrorosas consequências da guerra. Montgomery estimava que a
URSS iria necessitar de 15 a 20 anos. 50 Nos laboratórios de investigação soviéticos,
já havia cientistas a quebrar o monopólio dos EUA da bomba atómica. Todavia, este
armamento atómico, imposto à URSS, foi feito à custa da produção de mercadorias
urgentemente necessárias na vida diária. Os imperialistas norte-americanos e britâ-
nicos não permitiram nenhuma pausa respiratória à União Soviética.
À pergunta do correspondente em Moscovo do Sunday Times, Alexander Werth,
em 17 de Setembro de 1946, se a bomba atómica representava uma das principais
ameaças à paz, Stáline respondeu. «Não acredito que a bomba atómica seja uma
força tão séria, como certos políticos se inclinam a apresentá-la. As bombas atómi-
cas são destinadas a intimidar pessoas com nervos fracos, mas não podem decidir
o destino de uma guerra, já que não bastam, de forma nenhuma, para essa finali-
dade. Certamente que possuir o monopólio do segredo da bomba atómica repre-
senta uma ameaça, mas há pelo menos dois meios contra isso: a) a posse monopo-
lista da bomba atómica não pode durar muito; b) a utilização da bomba atómica
será proibida.» 51
A miopia dos estrategas norte-americanos e britânicos no que diz respeito à
bomba atómica revelou-se muito depressa. A 25 de Setembro de 1949, a agência
TASS divulgou o sucesso do ensaio da bomba atómica da URSS. Com isso terminava
o monopólio norte-americano da bomba atómica. Ao lado da Grã-Bretanha e da
França, que se tornaram potências atómicas, também a República Popular da China
51 SW 15/88.
14
entrou no clube das potências atómicas com a detonação da sua primeira bomba ató-
mica a 16 de Outubro de 1964.
Apesar de todos os «acordos para a não proliferação» não foi possível impedir
que outros estados conseguissem armas atómicas, um processo que também conti-
nuará no futuro, procurando-se constantemente melhoramentos técnicos com o ob-
jectivo de matar o maior número de pessoas de uma vez só. Com efeito, a proibição
da sua utilização, admitida por Stáline, não exclui o seu emprego futuro. A utilização
de armas proibidas pelo direito internacional pelos militares norte-americanos devia
alertar para as ilusões sobre a utilização de armas de destruição maciça em guerras
futuras.
No seu discurso ao povo, em 2 de Setembro de 1945, Stáline honrou a vitória do
exército do Extremo-Oriente sobre o agressor japonês. Stáline falou de uma «agres-
são mundial» no Oeste, por parte da Alemanha e no Leste, por parte do Japão. Qua-
tro meses depois da capitulação da Alemanha fascista, o Japão «principal aliado da
Alemanha» foi também obrigado a capitular. «Isso significa que chegou o fim da II
Guerra Mundial». Tinham sido «conseguidas as condições necessárias» para a «paz
em todo o mundo».
Stáline fez um curto balanço das agressões japonesas de 1904, ainda contra a
Rússia tsarista, de 1938 no lago Khassan e de 1939 contra a República Popular da
Mongólia.
«A derrota das tropas russas em 1904, na guerra russo-nipónica, tinha deixado
memórias dolorosas na consciência do povo. Esta derrota abateu-se sobre o nosso
país como uma mancha negra. O nosso povo acreditava e esperava a chegada do
dia da derrota do Japão e da eliminação dessa mancha. Nós, da geração mais ve-
lha, esperámos 40 anos por este dia. E agora ele chegou. Hoje o Japão deu-se por
vencido e assinou a capitulação incondicional.
Isto significa que Sakhalin-Sul e as ilhas Curilas pertencem à União Soviética e
a partir de agora não servirão para separar a União Soviética do oceano e para
base de apoio de um ataque japonês ao nosso Extremo-Oriente, mas sim como meio
de ligação directa da União Soviética ao oceano e de base de defesa do nosso país
contra a agressão japonesa.
O nosso povo soviético não poupou nem forças nem esforços na guerra. Vivemos
anos duros. Mas agora cada um de nós pode dizer: vencemos. A partir de agora
podemos considerar a nossa pátria livre da ameaça de uma invasão alemã a Oeste
e de uma invasão japonesa a Leste. A paz longamente desejada para os povos de
todo o mundo chegou.» 52
***
A «paz longamente desejada» era o desejo e o objectivo da política de Stáline.
Apenas seis meses após a capitulação do Japão, ouviu-se, no discurso de Churchill
em Fulton, uma clara declaração de guerra à União Soviética, a reivindicação do di-
reito à hegemonia mundial dos povos «falantes da língua inglesa». Quatro anos de-
pois da abertura oficial da «Guerra Fria», seguiu-se a guerra quente do imperialismo
norte-americano contra a República Popular Democrática da Coreia, que durou três
52 SW 15733 e seg.
15
anos. Stáline já não assistiu ao fim da guerra da Coreia com o armistício de
Pammundsom. Ele morreu a 5 de Março de 1953.
A «paz longamente desejada» foi e é um sonho, enquanto existir um sistema im-
perialista. Aqui inicia-se um novo capítulo da história mundial que já não é objecto
deste trabalho. As contribuições teóricas militares e políticas de Stáline podem ser
proveitosas para as estratégias revolucionárias de paz no nosso tempo: «impor a
paz»… onde as classes dominantes «gritam guerra». 53
53 Karl Marx, Adresse an die Nationale Arbeiterunion der USA, Londres, 12 Maio de 1869,
in MEW 16/375. (Mensagem à União Operária Nacional dos Estados Unidos, 12 de Maio de
1869, Marx e Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Editorial «Avante!», «e capazes de
impor a paz ali onde os seus pretensos amos gritam guerra.») [NT]
16
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XVII)
Ulrich Huar
Capítulo II
«O Mundo olha para vós...»
1941 – 1942/43
Dois extremos
Nota do Editor: Da presente obra de Ulrich Huar foram publicados em Para a História do
Socialismo os capítulos I, IV e V. Com vista a concluir a tradução integral deste importante livro,
iniciamos a publicação do capítulo II.
1 K. A. Merezkov, Im Dienste des Volkes (Ao Serviço do Povo), Moscovo, 1968/Berlim, 1972,
1ª ed., p. 386.
1
Segundo o almirante N.G. Kuznetsov, Comissário do Povo para a Marinha de Guerra,
Stáline «era para nós militares uma autoridade indiscutível». «É completamente falsa
a afirmação maldosa de que ele avaliava a situação e tomava decisões pelo globo. Po-
dia apresentar muitos exemplos em que Stáline, quando analisava a situação nas fren-
tes com os comandantes militares, também estava informado, se necessário, sobre um
qualquer regimento. Tinha sempre consigo um bloco de notas no qual anotava diaria-
mente o número de efectivos militares, a produção nos centros mais importantes e as
reservas de bens alimentares no país.»2
O segundo extremo consiste na glorificação de Stáline como um género de «novo Cé-
sar», que «chegou, viu e venceu». Este segundo extremo da mistificação de Stáline é tão
absurdo como o primeiro, talvez até mais prejudicial, porque oferece suficientes pontos
de ataque aos adversários do marxismo-leninismo e anti-stalinistas. Stáline reagiu ener-
gicamente várias vezes contra tais bajulações primitivas sobre a sua actividade como Co-
mandante Supremo das Forças Armadas Soviéticas. Numa carta ao coronel prof. dr. Ra-
sine, de 23 de Fevereiro de 1946, Stáline afirma que os seus «hinos a Stáline» «ferem os
ouvidos»; «é simplesmente penoso lê-los».3
Generais soviéticos, que trabalharam com Stáline durante a guerra, confirmam a sua
atitude desaprovadora perante tais mistificações disparatadas da sua pessoa.
O Quartel-General (QG) em Moscovo, que dirigia a guerra na sua totalidade, militar
e politicamente, era chefiado por Stáline enquanto Comandante Supremo. As decisões
eram tomadas de acordo com as deliberações colectivas dos membros do QG, do Es-
tado-Maior, do Conselho Militar incluindo os comandantes das frentes e, se necessá-
rio, os comandantes do Exército. O trabalho do QG realizava-se de acordo com o prin-
cípio dos partidos marxistas-leninistas: discussão colectiva e decisões individuais com
responsabilidade pessoal. Na medida em que Stáline tinha a última palavra nas deci-
sões, também arcava com a principal responsabilidade na direcção da guerra, quer nas
vitórias, quer nas derrotas, quando estas eram provocadas por erros na direcção, o que
nem sempre era o caso. Stáline nunca fugiu das suas responsabilidades.
O general Chtemenko descreveu o trabalho no QG, enquanto colaborador na admi-
nistração operativa desde 1940, que era o núcleo do Estado-Maior, e chefe da adminis-
tração operativa a partir de 1943. Encontrava-se quase diariamente com Stáline.
«Sublinhe-se que o CC do partido – Politburo, Bureau de Organização e Secretariado
– decidia sobre todas as questões fundamentais da condução do país e da guerra. As
deliberações eram implementadas pelo Presidium do Soviete Supremo da URSS, o
Conselho dos Comissários do Povo, O Comité de Defesa do Estado e o Quartel-General
do Comando. Para encontrar soluções operativas para questões militares eram con-
vocadas reuniões conjuntas de membros do Politburo e do Comité de Defesa do Estado
ou de elementos do Politburo e do Quartel-General. Questões especialmente importan-
tes eram debatidas conjuntamente pelo Politburo, o Comité de Defesa do Estado e o
Quartel-General.
O princípio da direcção unipessoal, fundamento importante quer em tempos de
guerra, quer em tempos de paz para a construção das Forças Armadas e da condução
de tropas, também era determinante na condução das acções de combate. A direcção
das operações encontrava-se ao mais alto nível exclusivamente nas mãos do QG do
2
Comando Supremo. Porém, como os membros do Politburo e militares responsáveis
pertenciam ao QG, este constituía um órgão colectivo.
As resoluções do QG traziam a assinatura de duas pessoas, a do Comandante Su-
premo e a do Chefe do Estado-Maior, mas também por vezes a do representante do
Comandante Supremo. Documentos assinados só pelo Chefe do Estado-Maior tinham
normalmente a indicação “por ordem do QG”.
Normalmente, o Comandante Supremo não assinava documentos operativos sozi-
nho, com excepção daqueles em que criticava duramente algum membro da direcção
militar superior. (Não era conveniente que o Estado-Maior assinasse tais documentos,
pois agravaria as relações; Stáline preferia assumir pessoalmente essas críticas). As-
sim, só assinava pessoalmente ordens de vários géneros, sobretudo de carácter admi-
nistrativo. Com esta forma de direcção estava assegurada a necessária centralização.
Tal como desde a Revolução de Outubro, também na Grande Guerra Pátria a “ad-
ministração militar” executou rigorosamente e de todas as formas possíveis a política
do Partido Comunista.
Stáline não decidia e não gostava de decidir sozinho sobre questões importantes
da guerra. Compreendia bem a necessidade do trabalho colectivo neste domínio com-
plexo. Reconhecia autoridades em determinados problemas militares, levava em con-
sideração as suas opiniões e demonstrava o devido reconhecimento a cada um. Por
exemplo, em 1943, depois da Conferência de Teerão, na reunião conjunta do CC do
PCUS, do Comité de Defesa do Estado e do Quartel-General, na qual deviam ser tra-
çados os planos de acções futuras, Antónov e Vassiliévski intervieram sobre o desen-
rolar e perspectivas do combate nas frentes, Voznessénski interveio sobre questões
da economia de guerra e Stáline analisou os problemas internacionais.»4
Na recepção no Krémlin em 24 de Maio de 1945, em honra dos comandantes das tro-
pas do Exército Vermelho, Stáline fez um brinde à saúde do povo russo, que na guerra
«conquistou o reconhecimento geral entre todos os povos do nosso país como a força
condutora da União Soviética, (...) porque possui lucidez, um carácter firme e paciên-
cia. Não foram poucos os erros cometidos pelo nosso governo, tivemos situações deses-
peradas em 1941-42, quando o nosso exército recuou e abandonou as nossas amadas
aldeias e cidades da Ucrânia, Bielorrússia, da Moldávia, da região de Leningrado, dos
países bálticos e da República da Carélia-Finlândia, porque não havia outra saída.
Qualquer outro povo teria podido dizer ao seu Governo: não correspondestes às nossas
expectativas, tratai de ir embora e escolheremos um outro governo que faça a paz com
a Alemanha e nos assegure a tranquilidade. Contudo, o povo russo não agiu assim,
pois acreditava na justeza da política do seu governo, e sacrificou-se para assegurar a
derrota da Alemanha. E esta confiança do povo russo revelou-se o factor decisivo que
assegurou a vitória histórica sobre o inimigo da Humanidade, sobre o fascismo. Agra-
deça-se ao povo russo esta confiança!»5
São principalmente generais do Exército Vermelho que nos fornecem informações
sobre o papel de Stáline, enquanto comandante supremo e sobre a sua contribuição para
a elaboração da teoria militar e política marxista-leninista da Grande Guerra Pátria. Fa-
zem-no nas suas memórias, recorrendo a arquivos e documentos, que reproduziremos
4 S.M. Chtemenko, Im Generalstab (No Estado-Maior), vol. II, Moscovo, 1973/Berlim, 1985,
3ª ed., p. 250 e seg.
5 SW 15/15 e seg.
3
aqui segundo o original. Mas também temos testemunhos de homens de Estado e mili-
tares dos aliados ocidentais. Discursos e artigos de Stáline são compreensivelmente ra-
ros durante o período da guerra.
Dmítri Volkogónov, que se considera o grande teórico militar do período da glasnost,
não consegue passar ao lado das declarações dos generais da Grande Guerra Pátria, às
quais atesta que «à sua maneira, estas declarações também são correctas». Mas como
não se coadunam com a sua concepção anti-stalinista, são eliminadas enquanto fontes
históricas com a observação de que eles só «podiam escrever o que a administração
política principal do Exército e da Marinha de guerra soviéticos permitiam». Volkogó-
nov declara que «observações negativas e críticas dirigidas ao comandante suprema
(i.e. Stáline, UH) [eram] avaliadas como [sendo] difamatórias.»6
Mas mesmo que tais restrições tenham existido depois do famoso relatório secreto
de Khruchov, em 1956, apenas abonariam a favor da administração principal. Mas isso
não é o importante. Quem leu as memórias dos generais, nomeie-se aqui representando
todos Júkov, Kóniev, Meretskov, Rokossóvski, o almirante Kuznetsov, conhece o seu ca-
rácter. Não poucas vezes houve entre eles e Stáline duras discussões, que em parte assu-
miram formas rudes. É inverosímil que personalidades como Júkov, Kóniev, Rokos-
sóvski, Meretskov, Tchuikov e o almirante Kuznetsov, entre outros, que tiveram discus-
sões com Stáline, permitissem que a administração principal lhes ditasse o que «po-
diam» ou não escrever, talvez através de Volkogónov (?) que segundo as suas próprias
indicações trabalhou cerca de 20 anos na administração. Será possível que Júkov e
Kóniev, que depois da morte de Stáline prenderam o todo o poderoso Béria,7 que queria
vender a RDA à RFA, levaram-no a tribunal e executaram-no, que ofereceram aberta-
mente resistência ao rumo de Khruchov no XX Congresso do PCUS, tenham recebido
instruções da administração sobre o que deviam ou não escrever?
Neste contexto é muito elucidativa uma conversa entre Júkov e Stáline no Inverno de
1941/42, na qual participou Rokossóvski. Stáline encarregara Júkov de fazer uma pe-
quena operação na importante área estratégica da estação ferroviária de Mga (na frente
de Leningrado, UH), para aliviar a situação dos habitantes de Leningrado. Júkov decla-
rou que só uma grande operação atingiria esse objectivo. «Concordo, camarada Júkov»,
respondeu Stáline, «mas faltam-nos os meios, e tem de se levar isso em conta». «Então
não será realizada. O desejo não é suficiente para o êxito», insistiu Júkov no seu ponto
de vista. Embora Stáline estivesse visivelmente furioso, Júkov manteve a sua opinião.
«Vá e pense mais uma vez sobre isto, camarada Júkov», disse finalmente Stáline.
6 D. Volkogonov, Triumph und Tragödie. Politisches Porträt des J.W. Stalin (Triunfo e
Tragédia. Retrato Político de I.V. Stáline), Vol. 2/1, 1ª ed., Berlim, 1990, p. 310. Sublinhado no
original.
7 A personalidade de Lavrénti Béria e sobretudo as circunstâncias que levaram ao seu afasta-
mento do poder e execução em 1953, poucos meses após a morte de Stáline, continuam envoltas
em contradições e mistificações. A afirmação aqui feita pelo nosso autor de que Béria pretendia
vender a RDA à RFA não nos parece ter qualquer fundamento, embora seja uma das muitas das
atoardas que ensombram o nome deste dirigente soviético e apagam o seu destacado papel na
construção do socialismo e na vitória da URSS sobre o nazi-fascismo. Sobre Béria ver a interes-
sante entrevista com a historiadora Elena Prudnikova (http:// www. hist-socialismo.com /docs/Entre-
vista_Prudnikova_Beria_I.pdf;http://www.hist-socialismo.com/docs/Entrevista_Prudnikova_Beria_II.pdf
e http://www.hist-socialismo.com/docs/Entrevista_Prudnikova_ Beria_III.pdf). (N. Ed.)
4
Esta rectidão de Júkov impressionou Rokossóvski. Disse-lhe a sós que «não conside-
rava conveniente usar um tom tão agreste perante o comandante supremo». Júkov
respondeu: «Isto não é nada. Por vezes há muito mais alvoroço entre nós».8
O general K.V. Krainiukov,9 membro do Conselho de Guerra da 1ª Frente Ucraniana,
fez comentários sobre Júkov semelhantes aos de R0kossóvski. Ele era «por vezes
brusco» e demonstrava «rudeza desnecessária». Júkov comentou uma vez: «Confesso
que não nasci diplomata. Às vezes falo realmente de forma muito rude, mas sou franco.
Quando se trata do destino de milhares de pessoas e do êxito num combate, não se tem
sempre tempo e possibilidade de encontrar palavras gentis. Assim aparecem, por ve-
zes, aquelas que soam mal aos ouvidos.»10
Também houve outras discussões entre Stáline e outros generais, como mostrare-
mos. A linguagem era em geral rude. Isto não era uma característica especial de Stáline.
Estas discussões mostram também que se podia contrariar Stáline sem se ser fuzilado
de imediato.
O almirante Kuznetsov escreveu: «Perguntaram-me frequentemente depois da
guerra se era verdade que Stáline não aceitava ser contrariado. Não se pode responder
a esta pergunta com um simples sim ou não. Às vezes Stáline não aceitava realmente
nenhum protesto. Contudo, frequentemente ouvia com paciência objecções e gostava
até que alguém tivesse outra opinião. Não sou só eu que penso assim. Em Abril de 1968
falei sobre isto com o marechal Rokossóvski. Disse-me directamente: ”Quando conse-
guia justificar o meu ponto de vista, Stáline concordava sempre comigo. Naturalmente
que também acontecia Stáline interromper muito bruscamente um interlocutor. Mas
só o fazia quando achava que a questão central do problema não esta a ser abrangida.
Ele adorava exposições fundamentadas, convincentes, reflectidas”.»11
Mas nem Volkogónov pode evitar uma opinião diferenciada sobre Stáline enquanto
militar, reconhecendo que o pensamento de Stáline «se encontrava em áreas específicas
muito à frente de muitos altos militares soviéticos.» Também se pode concordar com
Volkogónov quando ele afirma que Stáline «não era um general no sentido restrito da
palavra», mas sim um «líder político» que «enquanto primeiro homem no país tinha
uma perspectiva mais profunda do que eles [os generais, UH] da interdependência do
combate armado com outros factores “não militares” (factores económicos, sociais,
técnicos, políticos, diplomáticos, ideológicos e nacionais) e as possibilidades reais do
país; conhecia a sua indústria, a sua agricultura melhor do que os membros do QG e
os comandantes das frentes. O pensamento de Stáline era de certa forma universal e
ligado a um grande círculo de conhecimentos não militares. Devia a sua função de ho-
mem de Estado, político e funcionário do partido a esta sua qualidade. O âmbito das
sou no Exército Vermelho em 1919, combate na guerra civil, tornando-se funcionário político no
exército em 1922. Em 1940 é promovido a vice-comandante da secção política do 2.º Corpo de
Cavalaria, integrando os conselhos militares de vários exércitos durante a II Guerra, designada-
mente na 1ª Frente da Ucrânia, a partir de 1943. Dirigiu a Academia Político-Militar V.I. Lénine
(1948-49) e a Direcção Política Principal do Exército Soviético (1949-53). Aposentou-se em 1969,
tendo deixado o livro de memórias Uma Arma de Tipo Especial, publicado em 1978. (N. Ed.)
10 K.V. Krainjukov, Vom Dnepr zur Weichsel (Do [rio] Dniepre ao [rio] Vístula), Vojenisdat
5
obrigações de um general era só uma entre as muitas funções que um homem de Estado
do seu nível tinha.»12
Um comandante-em-chefe concentrava-se nos acontecimentos na sua frente, no
que necessitava em exércitos, armas, equipamentos, etc., no que recebia ou exigia ao
QG. Mas o comandante supremo tinha de se lembrar de todas as frentes, do Mar do
Norte até ao Cáucaso e ao Extremo Oriente e tinha de se preocupar com a produção de
armas, equipamentos, produtos agrícolas, hospitais militares, meios de transporte, re-
servas estratégicas e às vezes até coisas tão profanas como botas para uma divisão na
frente, tinha de levar em consideração as complexas relações com os aliados. Os co-
mandantes-em-chefe tinham fundamentalmente que se ocupar de questões táctico-ope-
rativas, com as quais Stáline rapidamente se familiarizava.
A decisão sobre a distribuição das limitadas reservas humanas disponíveis e dos
meios materiais de combate e abastecimento para cada uma das frentes, assim como
questões de política externa, por exemplo, impedir a entrada na guerra do Japão e da
Turquia ao lado da Alemanha fascista ou as questões sobre a abertura de uma segunda
frente competiam em última instância ao comandante supremo.
O âmbito limitado da responsabilidade do comandante-em-chefe da frente e o âmbito
universal da responsabilidade de Stáline davam por vezes origem a discussões entre eles,
que afinal de contas eram decididas objectivamente, mesmo quando o tom era agreste.
Segundo Rokossóvski, Júkov também não era um chefe muito fácil. «Apesar de tudo,
Júkov não deixa de ser, para mim, uma personalidade com todas as qualidades de um
grande general: força de vontade, determinação e genialidade.»13
Cite-se uma frase do teórico militar prussiano Clausewitz, «insuspeito» nesta ques-
tão, como observação final sobre a avaliação da função de um comandante supremo em
situação de guerra: «Para conduzir a um objectivo brilhante toda uma guerra ou os
seus grandes actos, a que chamamos campanhas, é necessário um conhecimento pro-
fundo das elevadas relações do Estado. Aqui, a condução da guerra e a política coinci-
dem e o general torna-se simultaneamente no homem de Estado.»14
Na descrição da elaboração da teoria militar marxista-leninista não é possível apurar
exactamente quem contribuiu com quê, Stáline ou este ou aquele general. As contribui-
ções de cada general ou de Stáline não se deixam quantificar. Por isso escolhi o título
«Contribuições» de Stáline para a teoria militar e política marxista-leninista, porque
não é possível atribuir-lhe unicamente a ele todos os contributos. Mas não se pode negar,
sem se cair no ridículo, que Stáline teve uma elevada quota-parte nessa elaboração e
assumiu a principal responsabilidade da sua aplicação na praxis da guerra.
6
«impostor enganado», que desprezou todos os avisos, etc., que os êxitos iniciais da
Wehrmacht alemã foram resultado da «decapitação» do Exército Vermelho levada a
cabo por Stáline.15 Apesar das diferenças nas diversas descrições absurdas, todas têm em
comum o facto de ignorarem factos comprovados, materiais de arquivo e as declarações
dos generais soviéticos. Júkov dedicou dois capítulos, 119 páginas, das suas Memórias à
questão da preparação da União Soviética para um ataque do imperialismo fascista ale-
mão e ao papel de Stáline na eclosão da guerra. 16
Depois da guerra civil e de intervenção, Lénine (até à sua morte) e Stáline chamaram
várias vezes a atenção para que só estava garantida uma «pausa respiratória» à União
Soviética antes de uma nova guerra imperialista. Stáline não tinha a mínima ilusão
quanto ao imperialismo fascista alemão e ao seu instrumento, Hitler. Isto está documen-
tado.17 Volkogónov reconhece que Stáline apoiou fortemente a indústria de defesa.
Júkov afirma «que Stáline se preocupou muito com a indústria de defesa; conhecia
muitos directores de fábricas, organizadores do partido, engenheiros-chefes, encon-
trava-se amiúde com eles e pressionava com a sua insistência para que se cumprissem
os planos.» Foi notório «um desenvolvimento forçado da indústria de defesa nos anos
antes da guerra.»18
Na perspectiva do pós-guerra é naturalmente fácil de dizer que se deveria ter dado
mais importância a este ou aquele tipo de arma. Júkov admite que os militares, nos úl-
timos meses de paz, exigiam mais à indústria do que «as reais possibilidades do país»
permitiam.19
Em meados de Março de 1941, o marechal Timochenko, Comissário do Povo para a
Defesa, e Júkov pressionaram Stáline para convocar os reservistas do serviço militar
obrigatório para as divisões de defesa. Inicialmente, Stáline recusou a proposta com o
argumento de que tal poderia precipitar «os fascistas para a guerra».
Mas logo no final de Março, 500 mil soldados e sargentos foram chamados para as
regiões militares fronteiriças, alguns dias depois seguiram-se mais 300 mil reservistas.
Assim, nas vésperas da guerra estavam prontas 170 divisões nas regiões militares fron-
teiriças, 19 divisões com cinco mil a seis mil homens, 144 divisões com oito mil a nove
mil homens em média, num total de um milhão e 300 mil homens.20
Entre 1939 e 22 de Junho de 1941, o Exército Vermelho recebeu mais de sete mil tan-
ques.21 Os tanques estavam em parte desactualizados, tinham motores a gasolina que se
incendiavam facilmente sob fogo. No início da guerra, cerca de 1861 modernos tanques
7
KV22 e o lendário T34 tinham saído das fábricas. Só na segunda metade de 1940 chega-
ram, em pequeno número, novos tanques às regiões militares fronteiriças.23
O objectivo do Estado-Maior de constituir, em 1940, novos corpos mecanizados de
maiores dimensões, divisões de blindados e divisões motorizadas, deparou-se de início
com reservas de Stáline. Só no final de Março de 1941 foi decidido organizar 20 corpos
mecanizados.24
Como se explicam as reservas de Stáline perante as exigências fundamentadas do
Estado-Maior? Júkov esclarece-as: «Nas nossas exigências, não tivemos em conta as
possibilidades objectivas da nossa indústria de blindados. Só para o completo equi-
pamento dos novos corpos mecanizados eram necessários 16 600 tanques da nova
geração; no total 32 mil carros de combate. Uma tal quantidade, por muito boa von-
tade que houvesse, não era possível construir num ano, já para não referir que tam-
bém faltavam pessoal técnico especializado e comandantes. Até ao momento do ata-
que não teríamos podido equipar nem sequer metade dos corpos previstos».25
As diferentes opiniões do Estado-Maior e de Stáline sobre as divisões de blindados
decorrem assim da relação entre a economia e os aspectos militares. Manifestamente os
generais só viam as necessidades militares, Stáline via não só estas, mas também a ca-
pacidade limitada da indústria à época.
De acordo com documentos arquivados, o Exército Vermelho recebeu entre 1 de Ja-
neiro de 1939 e 22 de Junho de 1941, 29 637 canhões móveis, 52 407 lança-granadas,
incluindo tanques equipados com canhões, 92 578 canhões e lança-granadas. Até ao iní-
cio da guerra, a administração central ainda subestimou a poderosa arma reactiva BM-
B, mais tarde conhecida como «Katiucha»26 (os soldados alemães chamavam-lhe «ór-
gãos de Stáline», UH).
Porém, logo os primeiros disparos com esta arma, em Orcha, puseram as tropas alemãs
em fuga. Só em Julho de 1941 se iniciou a produção em série desta arma. Segundo Júkov,
Stáline considerava-a uma das armas mais importantes na guerra e por isso deu muita
atenção ao seu aperfeiçoamento. Stáline conhecia os funcionários responsáveis pela pro-
dução de armas e munições, os construtores-chefes dos sistemas de artilharia, os generais
I.I. Ivanov e V.G. Grábine, «encontrava-se pessoalmente com eles e tinha absoluta confi-
ança nos seus conhecimentos especializados.»27
Na guerra soviético-finlandesa no Inverno de 1939/40 houve problemas sérios com a
artilharia. O comandante-em-chefe da região militar de Leningrado, general K.A. Mere-
tskov, relatou que os bunkers da linha defensiva fronteiriça finlandesa, a chamada «Li-
nha Mannerheim» tinham aguentado a artilharia soviética.
26 [A arma Katiucha consiste num camião militar (usualmente o ZiS-6) originalmente equi-
pado com um lançador de foguetes BM-8, BM-13 e BM-31. Tinha um custo de fabricação muito
baixo e possuía grande mobilidade. NT]
27 Idem, ibidem, p. 246.
8
«Todavia, eram os próprios bunkers que nos preocupavam mais. Em vão tentámos
várias vezes destruí-los com a artilharia; as nossas granadas não conseguiram dani-
ficá-los. Stáline estava furioso, o fracasso das nossas acções podia reflectir-se na nossa
política. O mundo inteiro olhava para nós. A segurança da União Soviética baseia-se
na reputação do Exército Vermelho. Se nos atolássemos por muito tempo perante um
adversário tão fraco, promovíamos [com essa situação] as intenções anti-soviéticas dos
imperialistas.
«Depois do meu relato perante Stáline em Moscovo, fui encarregado de dirigir a
investigação para descobrir o segredo dos bunkers finlandeses. Ordenei que a investi-
gação se realizasse em três direcções. Embora já tivéssemos apurado a localização e o
número dos bunkers, não sabíamos ainda como eram constituídos. Por isso incumbi
um comandante de pioneiros e o seu grupo de fazer explodir um dos bunkers na reta-
guarda dos finlandeses, estudar a sua cobertura de protecção e obter um pedaço de
betão. Um instituto de investigação em Moscovo analisou a constituição do betão. Era
feito com cimento de muito alta qualidade que resistia à artilharia normal. Para além
disso, em muitos bunkers os espaços dos soldados junto às ameias eram reforçadas
com várias camadas blindadas. As paredes e coberturas de betão armado com 1,5 a 2
metros de largura estavam ainda protegidas com uma camada robusta de dois a três
metros de terra batida.
Depois de uma reunião com Voronov decidimos atacar os bunkers com artilharia
pesada. Com este objectivo, colocámos o mais próximo possível da linha da frente a
artilharia da reserva do Alto Comando com um calibre de 203 a 280 mm e abríamos
o fogo directamente contra os bunkers e as suas ameias. O êxito foi imediato. Agora
era necessário organizar uma combinação dos diferentes tipos de armas.»28
Um ponto fraco do armamento do Exército Vermelho era a falta de meios modernos
de comunicação. A rede radiotelegrafista do Estado-Maior estava deficientemente ape-
trechada com equipamentos modernos. Só 27 por cento dos transceptores previstos
para as regiões militares fronteiriças estavam disponíveis, em Kiev, 30 por cento, na
região báltica, 52 por cento. O mesmo se passava com as telecomunicações. Os serviços
responsáveis «não estavam preparados para trabalhar sob condições de guerra».29
Timochenko deu uma resposta negativa à exigência urgente do Estado-Maior de pôr
em ordem a rede telefónica e telegráfica: «Concordo com a vossa avaliação, mas não
creio que se possa fazer algo sério para ultrapassar rapidamente todas estas deficiên-
cias. Estive ontem com o camarada Stáline. Recebeu uma mensagem telegrafada de
Pavlov e ordenou que lhe fosse transmitido que, apesar da justeza das suas exigên-
cias, não temos de momento nenhuma possibilidade de as satisfazer.»30
Não foram, portanto, nem a incapacidade nem a miopia de Stáline que impediram as
deficiências de serem eliminadas em tempo útil, mas sim simplesmente a falta de meios
para poder satisfazer as legítimas exigências das Forças Armadas. Para conseguir essas
melhorias, eram necessários amplos trabalhos no terreno.
Júkov também indicou que este facto conduzia a falhas na formação dos comandan-
tes. «Os comandantes evitavam a radiocomunicação e preferiam a comunicação tele-
fónica (com fios) (...) A comunicação nas unidades de combate aéreo, na rede de aero-
9
portos, nas unidades blindadas, onde as comunicações com fios são impossíveis, cau-
sava dificuldades.»31 Não é necessário sublinhar a importância do papel das comunica-
ções na guerra moderna.
O Partido e o Governo dedicaram especial atenção à constituição da Força Aérea.32
De acordo com a documentação em arquivo, o Exército Vermelho recebeu, entre 1 de
Janeiro de 1939 e 22 de Junho de 1941, 17 745 aviões de combate, dos quais 3719 aviões
de novo tipo.33
Júkov afirma explicitamente: «O CC do PCU(b) e Stáline pessoalmente dedicavam
muito tempo e atenção aos construtores de aviões. Penso poder afirmar que Stáline até
tinha uma certa predilecção pela força aérea.»34
Mas também nesta área a indústria «não estava à altura das exigências dessa
época». Cerca de 75 a 80 por cento do total dos aviões eram tecnicamente inferiores ao
mesmo tipo de máquinas da Alemanha fascista. No máximo, apenas 21 por cento das
unidades da força aérea puderam ser equipadas com aviões modernos. O general Chte-
menko escreveu sobre a força aérea soviética:
«Em 1938, a URSS tinha construído 5469 aviões, em 1939 – 10 383, em 1940 –
10 565. Nesses anos, a Alemanha tinha produzido, respectivamente, 5235, 8295 e
10 826 aviões de todos os tipos.
A partir de 1939, na URSS, foram tomadas medidas extraordinárias, pode dizer-se,
para reforçar a base de produção da indústria aeronáutica, de ampliação dos gabine-
tes de projecto, desenvolvimento de novos aviões de combate de todos os tipos e orga-
nização da sua produção em série. A situação da aviação nas vésperas da guerra lem-
brava, em certa medida, a situação dos tanques: a indústria produzia uma grande
quantidade de aviões, mas pelas suas características tácticas e técnicas estavam em
parte ultrapassados e em parte não eram do tipo que a guerra exigia. Tinha-se dado
demasiada preferência aos bombardeiros lentos, com um raio de acção insuficiente, e
que, na prática, estavam indefesos contra os caças.
Dispondo do essencial – uma boa indústria aeronáutica para a época – o Estado
soviético foi obrigado num curto prazo a renovar o seu parque de aviões. A nossa
infelicidade, mais uma vez, esteve em não ter havido tempo para o fazer, apesar do
ritmo imprimido ser excepcionalmente elevado. Em 1940 apenas tinham sido produ-
zidos 64 caças Iak-1 e 20 caças Mig-3; só dispúnhamos de dois bombardeiros de voo
picado Pe-2. No primeiro semestre de 1941 a produção de novos modelos de caças
Iak-1, Mig-3 e Lagg-3 atingiu 1946 unidades, foram produzidos 458 bombardeiros
Pe-2, 249 aviões de assalto Il-2, num total de mais de 2650 aviões.
Em Julho de 1940, o Comité Central do Partido e o Conselho de Comissários do Povo
da URSS aprovaram a importante resolução «Sobre a Reorganização das Forças Aé-
reas do Exército Vermelho». O texto definia o plano de rearmamento das unidades de
aviação, a criação de novos regimentos de aviação, de zonas de defesa antiaérea, o
programa de instrução de pilotagem dos novos aviões. Este documento acelerou in-
questionavelmente a preparação da Força Aérea para a guerra.
Muito antes da guerra tinham sido criadas unidades de paraquedistas que nenhum
outro exército do mundo dispunha ainda. Os nossos progressos neste domínio foram
10
demonstrados nas manobras de Kiev, em 1935, depois na Bielorrússia, para grande
admiração dos observadores estrangeiros. Em 1940 o número de tropas paraquedistas
aumentou para o dobro.»35
As opiniões de Júkov sobre a preparação da marinha soviética são muito breves.
Como escreveu, depois da sua nomeação para chefe do Quartel-General, não teve possi-
bilidade de se «familiarizar pormenorizadamente com a Marinha». Apontou as rela-
ções frias entre si e o Almirante N.G. Kuznetsov, no entanto não aprofunda o assunto.
No que diz respeito a Stáline, diz somente que ele «para discutir questões relacionadas
com a frota naval não consultava nem o Comissariado do Povo para a Defesa, nem o
chefe do QG.»36
Segundo Chtemenko, a marinha de guerra tinha feito assinaláveis progressos:
«Ao longo de dois quinquénios foram construídos 500 navios de diversas classes nos
estaleiros navais do país. O aumento da frota foi particularmente rápido na véspera
da guerra. No momento em que a Alemanha hitleriana nos atacou dispúnhamos de
três couraçados, sete cruzadores, 54 condutores de frota e contratorpedeiros, 212 sub-
marinos, 287 vedetas lança-torpedos e mais de 2500 aviões.
A Frota do Norte, que existia desde 25 de Junho de 1933, foi reorganizada em Frota
do Báltico em 11 de Maio de 1937. Em resultado da intensificação da construção naval,
no início da Grande Guerra Patriótica, a mais jovem das nossas frotas possuía um im-
ponente efectivo militar e continuou a aumentar as suas forças.
Cresceram e foram aperfeiçoadas as nossas frotas mais antigas, em particular a
Frota do Báltico, que recebeu novas bases em Talin, Hanko e noutros locais, cada uma
das quais veio a ter um papel importante no decurso da luta armada neste teatro ma-
rítimo.»37
Como relata o almirante Kuznetsov, em Dezembro de 1938 realizou-se um encontro
do Conselho Superior Militar da Marinha de Guerra. Tratou-se da questão da «criação
de uma grande frota para o mar alto», de problemas da defesa da costa, da elaboração
de instruções de combate da marinha de guerra e instruções para a chefia das operações
navais. Com a agudização da situação internacional e a ameaça de guerra a organização
de planos a longo prazo para o alargamento da marinha de guerra pareciam arriscados.
Para a constituição de uma grande frota, principalmente de grandes navios de combate
necessita-se de tempo e muito investimento que a economia soviética não podia supor-
tar. O armamento das forças terrestres e aéreas tinha prioridade. Stáline, Mólotov,
Jdánov e Vorochílov participaram na reunião final do encontro de Dezembro.
«Stáline ouviu atentamente, colocou muitas questões e fez alguns apartes no decor-
rer da reunião.
Percebia-se que queria conhecer a opinião dos chefes da frota sobre as diferentes
classes de navios. Pela primeira vez, ainda que indirectamente, surgiram perguntas
35 Chtemenko, Im Generalstab (No Quartel-General), Vol I, Moscovo 1968, Berlim 1985, 6ª ed.,
p. 24 e seg. Em 1940 Chtemenko era colaborador na administração operativa do Quartel-General,
tornando-se chefe a partir de 1943. Durante a guerra encontrava-se quase diariamente com Stáline.
[Nesta passagem utilizou-se a tradução do russo de um extracto do livro O Estado-Maior Ge-
neral nos Anos da Guerra, de Serguei Chtemenko, publicado em http://www.hist-socia-
lismo.com/docs/Chtemenko_URSS_II_Guerra.pdf, que apresenta naturais diferenças de por-
menor em relação à tradução feita a partir do alemão. (N. Ed.)]
36 Júkov, ibidem, p.249 e seg.
11
sobre a doutrina da marinha no contexto da construção de uma grande frota e ques-
tões sobre as alterações a efectuar nas nossas directivas e instruções de serviço.
Se bem me recordo, Stáline criticou a formulação das “formas complicadas de com-
bate” que faziam parte da instrução de combate na formação de 1939. A sua reflexão
incidia no aspecto de que só seria possível realizar operações complexas quando tivés-
semos couraçados, cruzadores e outros navios de grande porte; contudo por enquanto
ainda éramos fracos no mar, as tarefas da nossa frota eram ainda muito limitadas.
“Temos de esperar ainda oito ou dez anos até sermos poderosos no mar”, disse ele.
Concretamente foram tratados problemas da formação de quadros para os futuros
navios. Nisso foi aflorada a questão dos que estavam há mais tempo ao serviço e ex-
primida a ideia de recrutar para a frota sobretudo homens novos oriundos da costa ou
ligados ao mar. Deviam ser escolhidos ainda antes de serem recrutados para o serviço
militar.
No Conselho Militar Supremo da Marinha de Guerra, Stáline afirmou que a criação
de uma frota maior consistia em 9/10 na formação dos seus quadros. Aconselhou a dar
mais atenção à formação dos futuros comandantes e eventualmente comprar no es-
trangeiro alguns navios-escola com este objectivo.
Também foram discutidas questões relacionadas com bases navais, uma frota de
apoio e estaleiros de reparação de navios. Estas palavras não foram lançadas ao
vento. Rapidamente em todas as frotas se registou uma actividade entusiástica. Nessa
altura surgiu também o plano de transferir o porto comercial de Vladivostok para
Nakhodka. E em Março/Abril de 1939, Jdánov e eu fomos enviados com este objectivo
para o Extremo Oriente, para inspecionar tudo in loco.
Não me esqueci do aviso de Stáline para não esperarmos até o adversário atacar,
mas sim esclarecer desde logo quais as suas possibilidades e os seus pontos fracos e
aumentar a vigilância e estar pronto para a luta.»38
Kuznetsov lamentou não ter pequenos porta-aviões «sem os quais os contratorpedei-
ros e cruzadores não podem combater com êxito».39
A aviação naval pouco se distinguia da aviação do exército. Muitos dos bombardei-
ros do exército foram utilizados como torpedeiros e para colocar minas. Com seus 2581
aviões, a aviação naval era muito fraca para uma costa tão extensa (40 mil Km, UH).
Era constituída, na sua maioria, por aviões ultrapassados. Tinham poucos bombardei-
ros e caças rápidos. Bombardeiros de voo picado e caças-bombardeiros, «os mais aptos»
para alvos no mar, não existiam. Estavam mais bem equipados de artilharia, mas faltava
defesa antiaérea. Os sistemas de vigilância para os navios e as bases navais não estavam
suficientemente desenvolvidos. Embora os torpedos fossem de grande qualidade, os lança-
minas e os caça-minas estavam aquém das exigências.40
No início de 1940, iniciou-se a construção de novas «zonas fortificadas» na fronteira
ocidental. Surgiram diferenças de opinião sobre a artilharia nas antigas instalações entre
o marechal Kulikov, o marechal Chapochnikov e Jdánov, membros do Conselho Militar
principal, por um lado, e o marechal Timochenko e Júkov por outro. Os primeiros que-
riam desmontar a artilharia e montá-la nas novas instalações. A questão foi apresentada
12
a Stáline, que se juntou à opinião de Kulikov, Chapochnikov e Jdánov, e ordenou a des-
montagem de uma parte da artilharia em algumas zonas importantes e a sua transferên-
cia para Oeste e Sudoeste.
As antigas zonas fortificadas tinham sido construídas entre 1925 e 1935 e equipadas
principalmente com metralhadoras. Em 1938 e 1939 vários dos pontos de fogo foram
reforçados com munições.
Novamente consultado, Stáline concordou em deixar uma parte do armamento nas
zonas em que devia ser desmontado.41
Segundo Júkov, as zonas fortificadas na antiga fronteira (antes da libertação das zo-
nas na Bielorrússia e Ucrânia que haviam sido ocupadas pela Polónia em 1920, UH) não
foram desmanteladas nem total nem parcialmente, como é afirmado erradamente em
alguns artigos. Iriam até ter ser reforçadas, o que já não pôde ser feito depois do ataque
de 22 de Junho. Os trabalhos de construção das novas zonas fortificadas foram acelera-
dos, de acordo com repetidas ordens de Timochenko e do Quartel-General. Diariamente
140 mil homens executavam estes trabalhos. «Stáline também apela à aceleração dos
trabalhos».42
O abastecimento da artilharia com munições constituiu um problema sério. «Falta-
vam granadas para os obuses, canhões antitanque e armas antiaéreas. A situação era
ainda pior no que respeita às munições para os novos sistemas de artilharia». Segundo
N.A. Voznessénski43 e outros, em 1941, os objectivos do Comissariado do Povo para as
Munições e Defesa, relativos ao abastecimento de munições, só foram cumpridos no má-
ximo a 20 por cento. Depois de várias exposições a Stáline foi tomada a decisão de pro-
duzir «uma quantidade de munições significativa maior na segunda metade de 1941 e
início de 1942».44 Não havia informação numérica. Não existem informações sobre até
que ponto esta decisão pôde ser concretizada.
Perante a iminência da guerra, Timochenko, o Quartel-General e também Júkov orde-
naram o armazenamento dos meios técnico-materiais perto das tropas, o que mais tarde
se veio a revelar um erro. «Quando a guerra eclodiu, rapidamente caíram nas mãos do
adversário, dificultando o abastecimento das tropas e a formação de reservas.»
Júkov comparou as parcas possibilidades materiais da indústria soviética com o po-
tencial da Wehrmacht fascista. No momento do ataque à URSS, a Alemanha dispunha
de quase todos os recursos económicos e militares estratégicos da Europa. A Wehrmacht
podia ser fornecida com as mais modernas técnicas de combate e com quantidades sufi-
cientes de material. Nesse momento não havia nenhuma ameaça a Oeste.
Stáline, que o considerou um dos seus possíveis sucessores no pós-guerra. Depois da guerra,
Voznessénski foi vítima, provavelmente, de uma intriga de agentes trotskistas nos serviços de
segurança e foi fuzilado contra a ordem de Stáline. Este assunto ainda precisa de ser esclarecido.
44 Júkov, ibidem, p. 265.
13
Só o petróleo era escasso na economia de guerra alemã, o que pôde ser em parte com-
pensado com a importação de petróleo romeno, reservas e a produção de combustível
sintético. Em 1941, a indústria de armamento alemã produziu mais de 11 mil aviões, 52oo
blindados, 30 mil munições de diferentes calibres, cerca de 1,7 milhões de carabinas,
espingardas, metralhadoras. Para além disso contavam ainda com as armas roubadas
aos países subjugados e com a produção de armamento dos países satélites.45
Até Junho de 1941, a Wehrmacht possuía oito milhões e 500 mil homens; cerca de
208 divisões estavam operacionais. Segundo o serviço de informações soviético, até 1 de
Junho de 1941, encontravam-se 120 divisões alemãs na fronteira Oeste da URSS. Kurt
von Tippelskirch, general de infantaria da Wehrmacht deu informações exactas sobre o
poderio das tropas alemãs operacionais:
«Até 22 de Junho, dia do início do ataque, estavam 81 divisões de infantaria, uma
divisão de cavalaria, 17 divisões blindadas, 15 divisões motorizadas, nove divisões de
polícia e segurança estacionadas nas áreas de implantação. A reserva a ser ainda
transportada era constituída por 22 divisões de infantaria, duas divisões blindadas,
duas divisões motorizadas e uma divisão de polícia. O exército dispunha, no conjunto,
não contando com as divisões de polícia e segurança, mais de 140 unidades completa-
mente prontas a combater.
A aviação disponibilizou cerca de 1800 aviões de combate divididos em três frotas
aéreas, que deviam cooperar com as unidades do exército. Correspondendo às unida-
des, a frota aérea 2 (marechal de campo Kesselring), que cooperava com a unidade
Mitte, era a mais forte; abrangia metade das forças disponíveis. A frota aérea 4, a
operar no Sul, (coronel-general Löhr) era um pouco mais forte do que a frota aérea 1
(coronel-general Keller) prevista para o Norte».46
Nesta altura, a força total do Exército Vermelho ascendia a cerca de cinco milhões de
homens.47
Deutsche Industrie im Kriege 1939-45» (A indústria alemã na guerra 39-45), Duncker e Hum-
bold, Berlim, 1954, que o historiador militar soviético G. Deborin cita na sua monografia The
Second World War, Moscovo. Produção alemã de armamento em 1940: 9500 aviões; 1800 blin-
dados; quatro mil canhões; 57 mil MG; um milhão e 400 mil espingardas. Há que acrescentar a
produção de armamento das fábricas na França, Checoslováquia, Áustria, Bélgica, Holanda,
Hungria, Roménia e outros países controlados pelos fascistas alemães.
14
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XVIII)
Ulrich Huar
Capítulo II
«O Mundo olha para vós...»
1941 – 1942/43
***
Júkov considerava que já se tinha escrito muito sobre a guerra, «ainda que em parte
de forma tendenciosa e sem suficiente conhecimento especializado». 1 Deve-se concor-
dar com ele, embora seja o mínimo que se pode dizer.
Na véspera de 22 de Junho, 170 divisões soviéticas estavam «distribuídas num
imenso território com cerca de 4,5 mil quilómetros de frente entre o Mar de Barents
e o Mar Negro e 400 quilómetros de profundidade». Nesta frente estava também
incluído o conjunto das costas, «que estavam simplesmente defendidas pela defesa
da costa e a frota da marinha de guerra. Entre Talin e Leningrado não havia tropas
na costa. Por isso as nossas 170 divisões encontravam-se na realidade numa frente
com 3375 quilómetros de comprimento. Na verdade, elas não estavam agrupadas
uniformemente ao longo da fronteira.» 2
Segundo Júkov, 2,9 milhões de homens encontravam-se nas zonas fronteiriças
militares a Ocidente, incluindo a Marinha, mais de 1500 aviões de novo tipo e «inú-
meros aviões de construção antiga», cerca de 35 mil canhões e lança-granadas, sem
incluir lança-granadas de 50mm, 1800 tanques pesados e médios, dos quais dois ter-
ços de novo tipo e um número significativo de tanques com horas de funcionamento
limitadas. 3
O PCU(b), o seu secretário-geral, Stáline, desde Maio de 1941 também presidente
do Conselho dos Comissários do Povo e chefe do Quartel-General soviético, Timo-
chenko, Comissário do Povo para a Defesa, e a administração da indústria soviética
1
tinham feito tudo para assegurar a defesa da URSS face a um ataque do imperia-
lismo fascista alemão. Stáline estava rigorosamente informado sobre as capaci-
dades e as fraquezas ainda existentes no equipamento técnico do Exército Vermelho.
Sabia que nesta altura a Wehrmacht era superior económica, técnica e material-
mente ao Exército Vermelho. A União Soviética precisava ainda de, pelo menos, mais
um a dois anos para alcançar um armamento equivalente ao alemão e das outras po-
tências imperialistas.
A Turquia no Cáucaso e o Japão no Extremo Oriente estavam prontos para entrar
em guerra contra a União Soviética. Nestas condições foi correcto evitar tudo o que
pudesse servir de pretexto aos fascistas alemães para iniciarem uma guerra contra a
URSS. Stáline e os membros do Politburo do PCU (b), assim como o Quartel-General
estavam conscientes de que o ataque se concretizaria; Stáline – e não só ele – queria
adiar esse momento o máximo possível. Em Junho de 1941, o objectivo principal
da estratégia política e militar soviética era ganhar tempo. E aqui residia a fronteira
entre uma política correcta e um erro estratégico-militar de dimensões trágicas.
Júkov escreveu: «Hoje é tempo de apontar o erro principal dessa altura, do qual
resultaram muitos outros: a avaliação errada da data provável do ataque das tro-
pas fascistas». 4
Polemizando com «alguns autores» que afirmam que antes da guerra «não exis-
tiam planos de mobilização de tropas e nenhuns planos de estratégicos militares»,
Júkov indica que naturalmente existia um plano de mobilização e operação das for-
ças armadas. 5 Contudo havia um erro estratégico no plano, que se baseava numa
tese falsa. «Stáline estava convencido de que o fascismo alemão, no ataque à
União Soviética, estaria, em primeiro lugar, empenhado em ocupar a Ucrânia e a
Bacia do Donetsk, para roubar à União Soviética importantes regiões económicas
e apossar-se dos cereais ucranianos, do carvão de Donetsk e mais tarde, também
do petróleo caucasiano.
Numa reunião sobre o plano da Operação na Primavera de 1941, disse: ”Sem
estes recursos vitais, a Alemanha fascista não conseguirá manter uma guerra pro-
longada” (…) Esta sua afirmação também tinha alguma fundamentação objectiva,
mas não tomava em consideração os planos da guerra relâmpago do adversário
contra a URSS.» 6
Segundo o tenente-general A.A. Gretchko (mais tarde marechal da União Sovié-
tica), a hipótese de Stáline de que a direcção principal do ataque dos agressores fas-
cistas seria para o Sul não era infundada. Gretchko refere uma instrução do ACW
(Alto Comando da Wehrmacht), de 21 de Agosto de 1941, ao Alto Comandante do
Exército, na qual é sublinhada a importância «da rápida ocupação da Crimeia e da
Bacia do Donetsk pelas tropas alemãs e o seu avanço para o Cáucaso». 7
Cita ainda um estudo assinado por Hitler, de 22 de Agosto de 1941, para o Alto
Comando do Exército: «Por fim, também é urgentemente necessário, por razões po-
líticas, avançar para uma região que não só impeça o acesso da Rússia ao petróleo,
2
mas também dê a esperança principalmente ao Irão de contar com a ajuda alemã
em tempo útil, no caso de resistência contra a ameaça russo-inglesa.
Perante as tarefas acima referidas a Norte, que se nos colocam neste teatro de
guerra, assim como as que se nos colocam a Sul, o problema de Moscovo, no seu
significado, perde consideravelmente importância.» 8
Da análise dos documentos, Gretchko conclui: «A tendência de deslocar as forças
principais para o flanco sul da frente soviético-germânica foi aumentando à me-
dida que se revelava o fracasso da ideia da “guerra relâmpago” e se devia contar
com uma guerra prolongada…». 9
Como é claro, a mudança da direcção estratégica pelo comando fascista só foi to-
mada em Agosto, depois de ser evidente que a «guerra relâmpago» contra a União
Soviética não resultava.
Tippelskirch criticou esta decisão de Hitler de alterar o plano original – em di-
recção a Moscovo – e dirigir a direcção principal para a Crimeia – Bacia do Donetsk
– Cáucaso, da mesma forma que responsabilizou Hitler por todas as derrotas da
Wehrmacht. A 21 de Agosto, Hitler ordenou a continuação da operação de acordo
com as seguintes directivas: «O objectivo mais importante a alcançar ainda antes
da chegada do Inverno não é a tomada de Moscovo, mas sim, no Sul, a tomada da
Crimeia, da região industrial e do carvão de Donetsk, assim como o estrangula-
mento do abastecimento aos russos do petróleo do Cáucaso e a Norte a conquista
de Leningrado e a união com os finlandeses.
As poderosas forças russas no flanco norte do Grupo de Exércitos Sul devem ser
destruídas, antes de se atravessar o rio Desna e o sector de Sula. Só assim haverá a
necessária segurança no flanco norte da Frente Sul para executar as operações a
Leste do rio Dniepre na direcção de Rostov e Kharkov.
O Grupo de Exércitos Centro deve, por isso, independentemente de operações
posteriores, colocar a Sul as forças necessárias para poder destruir as forças rus-
sas, mantendo a possibilidade de se defender de ataques inimigos no centro.
A rápida tomada da Crimeia é da maior importância para o fornecimento de
petróleo à Alemanha, que está ameaçado enquanto as fortes unidades aéreas rus-
sas se mantiverem na Crimeia.
Só quando das forças russas forem destruídas pelo Grupo de Exércitos Sul e o
Grupo de Exércitos Norte se tiver unido aos finlandeses num apertado cerco a Le-
ningrado estarão criadas as condições para o Grupo de Exércitos Centro atacar e
derrotar com êxito as forças inimigas que se lhe opõem.» 10
Houve avisos à União Soviética e pessoalmente a Stáline de que o ataque da Wehr-
macht fascista estava iminente. A razão pela qual Stáline não retirou as devidas con-
clusões é uma questão repetidamente colocada.
Em primeiro lugar, não é totalmente correcto que ele não tenha retirado conclu-
sões. Contudo, do ponto de vista militar elas foram insuficientes. As medidas dos
3
referidos planos operativos e de mobilização só podiam ser iniciadas com uma reso-
lução especial do Governo. «Essa resolução só foi tomada na noite de 22 de Julho de
1941.» 11
Júkov ampliou a questão, «por que razão a direcção, com Stáline a chefiar» não
executou mais cedo as medidas previstas no plano operativo. «Estes erros e equí-
vocos são atribuídos na maioria das vezes a Stáline. Stáline cometeu sem dúvida
erros, mas eles não devem ser isolados dos processos e manifestações históricos
objectivos, não podem ser considerados isoladamente do conjunto dos factores
económicos e políticos. Nada é mais fácil do que, numa altura em que já
são conhecidas todas as consequências, regressar ao início dos acon-
tecimentos e saber tudo, fazendo todo o género de juízos de valor. Mas
também nada é mais difícil do que analisar todo o complexo de questões, de se
orientar no conflito entre as forças e de ponderar as diferentes opiniões, informa-
ções e factos.» 12
Também ressalta claramente de outras publicações sérias, como Júkov escreve, que,
no que respeita a Stáline, «toda a sua razão de ser era dominada pelo desejo de evitar
uma guerra e pela certeza de que o conseguiria. Stáline sabia inquestionavelmente a
pesada desgraça que significaria para os povos da União Soviética uma guerra con-
tra um adversário tão poderoso e experiente como a Alemanha fascista. Por isso ele
coincidia com todo o nosso Partido no esforço para evitar uma guerra.» 13
Que avisos foram esses e donde vieram?
Tem de se referir o governo de Churchill, entre cujos ministros se encontravam
homens do calibre de Lord Simon, que já tinham feito parte do governo de Cham-
berlain e queriam, com a sua política, provocar uma guerra entre a URSS e a Alema-
nha. E no que toca a Churchill, um crítico consequente do governo de Chamberlain,
tratava-se de manter o Império britânico, que via ameaçado pela Alemanha fascista
e, por isso, estava interessado numa guerra entre a União Soviética e a Alemanha.
Depois da capitulação da França, a Grã-Bretanha estava isolada perante as podero-
sas unidades alemãs no Canal, encontrava-se numa perigosa guerra marítima contra
os submarinos alemães, numa situação de «splendid isolation». Uma guerra da Ale-
manha contra a União Soviética, na qual ambas se enfraquecessem, era bem-vinda
para Churchill. Com uma guerra germano-soviética, afastava-se antes de mais a pos-
sibilidade de uma invasão alemã a Inglaterra. Recorde-se que durante as negocia-
ções da URSS com a Grã-Bretanha e a França sobre medidas militares conjuntas
contra o agressor fascista, no Verão de 1939, o governo de Chamberlain conduzia
negociações secretas com a Alemanha fascista em Londres, nas quais as esferas de
influência mundiais entre ambas as potências imperialistas deviam ser definidas. 14
Não é fácil ajuizar hoje sobre as consequências que o voo a Inglaterra de Rudolf
Hess, representante de Hitler, a 10 de Maio de 1941, 43 dias antes do ataque à URSS,
teve no pensamento e tomada de decisão de Stáline.
O embaixador da URSS em Londres à época, I.M. Maíski, escreveu nas suas me-
mórias: «Na Primavera de 1941, tudo o que era basilar e essencial sobre o voo de
4
Hess era já do conhecimento da embaixada da URSS.» 15 Na imprensa britânica, se-
gundo Maíski, houve várias fases no tratamento do voo de Hess. Entre outras, houve
simpatias por Hess, que odiava a URSS por profunda convicção, e condenações a Hi-
tler pelo seu «apaziguamento» com o bolchevismo.
Mesmo entre os ministros do governo de Churchill, encontravam-se alguns que
pensavam que se devia «aproveitar a oportunidade inesperada para estabelecer
contactos com Hitler ou pelo menos sondar as eventuais condições de paz». 16
Estes acontecimentos, respeitantes a Hess, foram naturalmente comunicados pela
embaixada a Stáline e Mólotov.
Interessantes são as informações do publicista britânico Ted Harrison sobre o voo
de Hess, a reacção dos políticos britânicos e o efeito que isso teve de ter sobre o go-
verno soviético.
«Não só a opinião pública britânica estava admirada e decepcionada com o
tratamento do caso Hess pelo governo britânico, mas também a União Soviética
estava perplexa e preocupada. A direcção soviética sabia que uma aliança ger-
mano-inglesa equivalia à destruição da União Soviética. Depois de a França ter
sido vencida em Junho de 1940, os soviéticos também estavam preocupados com a
permanência no gabinete de Churchill de políticos a favor do Appeasement, como
Lord Simon. Em Julho de 1940 o embaixador soviético em Londres, Ivan Maíski,
falou com os seus amigos ingleses sobre os seus receios de que a Grã-Bretanha, em
determinadas circunstâncias, ”através da traição da classe dirigente, à semelhança
da de Pétain e do seu grupo” pudesse vir a ser vencida. Na Primavera seguinte, a
preocupação da União Soviética sobre uma possível aproximação germano-inglesa
acentuou-se fortemente por via do embaixador britânico em Moscovo, Sir Stafford
Cripps. A 18 de Abril de 1941, Cripps, impulsivo, avisou Mólotov no seu memorando:
“Caso a guerra se prolongue por um longo espaço de tempo (…) a Grã-Bretanha
(e principalmente determinados círculos na Grã-Bretanha) pode cair na tentação
de terminar a guerra através de um acordo.” Neste contexto, a viagem de Hess à
Grã-Bretanha, realizada logo de seguida, teve de surgir ao governo soviético como
algo mais do que casual. Segundo o memorando de Cripps, Maíski recebeu expres-
samente de Moscovo a tarefa de não perder de vista todas as aproximações de paz
germano-inglesas. Maíski entrou de imediato em contacto com Rab Butler, subse-
cretário de Estado para a política externa. Butler informou Eden: “O embaixador
soviético defendeu a opinião de que Hess é um grande adepto do Mein Kampf. Disse
seriamente que Hess era um dos grandes adversários dos russos entre os dirigentes
nazis e que isso não lhe tinha escapado. Afirmou também que Hess acreditava
numa aliança com este país e não com a Rússia.” Contudo Butler não fez nada para
satisfazer Maíski. Manteve a sua política do silêncio e recusou disponibilizar infor-
mações de qualquer espécie, o que lhe valeu o reconhecimento de Eden. Na verdade,
Butler só piorou o faux pas da política do silêncio. Maíski concluiu da conversa que
o gabinete britânico tomara seriamente em consideração a proposta de paz de
Hess.» 17
17 Ted Harrison, «…wir wurden schon viel so oft hereingelegt.» (...já fomos enganados
tantas vezes), Maio de 1941. Rudolf Hess à vista dos ingleses. Citado de acordo com Kurt
5
Por conseguinte, Stáline era da opinião de que Hess fora enviado por Hitler com
essa missão.
Teria Stáline razões para confiar nos avisos de Inglaterra? Não se tratava de
gentleman’s honrados, interessados no bem-estar dos povos da União Soviética e se-
riamente empenhados na existência da União Soviética, mas sim de políticos impe-
rialistas que destruiriam a União Soviética na primeira ocasião.
Houve avisos de soldados alemães e de sargentos que se passaram para o Exército
Vermelho. Diziam a verdade ou tratava-se de provocadores? Sabemos hoje que di-
ziam a verdade, mas Stáline podia sabê-lo nessa altura?
Refira-se por fim a preocupação de Richard, que radiotelegrafou a data do ataque
de Tóquio para Moscovo. Sabemos hoje quem era Richard Sorge. Nessa época tam-
bém não era um desconhecido. O Komintern conhecia-o. Mas o Komintern também
não era completamente imune aos trotskistas. Qual a origem das suas informações?
À época, tudo isto eram factores desconhecidos.
Antes do ataque de 22 de Junho houve várias provocações fronteiriças. Devia
Stáline deixar que elas o arrastassem para uma guerra de vida ou de morte?
Nas decisões de Stáline pesavam não só os seus conhecimentos militares, mas an-
tes de mais os de um homem de Estado. Ele era a instância máxima no sistema polí-
tico da URSS. Em última análise, era nos seus ombros que repousava a responsabili-
dade por uma guerra da qual dependia a existência da União Soviética.
Chtemenko achava que «numa guerra, naturalmente, não se pode antever tudo.
“Quem quer prever tudo na guerra, não deve fazê-la” comentou Napoleão. Como
disse, a eficácia de um comandante-chefe é sempre acompanhada por acasos ines-
perados. Ele só pode tomar medidas depois da entrada em cena desses aconteci-
mentos e isso é naturalmente uma fonte de enganos e erros.
Um erro trágico foi a opinião do Alto Comando soviético, e pessoalmente de
Stáline, sobre o momento do ataque à União Soviética. Na verdade sabia-se que a
Alemanha fascista nos atacaria e o país preparou-se resolutamente para a resis-
tência à agressão, contudo não a esperávamos logo em Junho, mas sim muito mais
tarde. Esforçámo-nos em vão por adiar o momento do ataque, mas o adversário
antecipou-se-nos.»18
Júkov escreveu o seguinte: «Quando a perigosa situação amadureceu, nós mili-
tares manifestamente não fizemos tudo para convencer Stáline de que uma guerra
com a Alemanha era inevitável no curto prazo e que eram necessárias medidas ur-
gentes de acordo com o plano operativo e de mobilização.
Estas providências naturalmente também não teriam assegurado o completo
êxito da resistência ao ataque, já que as forças de ambos os lados eram tudo menos
equivalentes. Mas as nossas tropas deveriam ter entrado no combate mais organi-
zadas e consequentemente podiam ter provocado maior número de baixas ao ad-
versário. São disto prova os bem-sucedidos combates de resistência das tropas e
unidades aos ataques nas regiões de Vladimir-Volinski; Rava-Russkaia; Peremichl
e outros sectores da Frente Sul.» 19
Pätzold/Manfred Weiss-Becker, Rudolf Hess, Der Mann na Hitlers Seite (O Homem ao Lado
de Hitler), 1ª edição, Leipzig, 1999, p. 388 e seg.
18 Chtemenko, vol. 2, p. 429.
6
Basta a comparação entre as forças soviéticas e alemãs para refutar a mentira da
guerra preventiva, berrada por Hitler e Goebbels pelo mundo fora, para «salvar a
Europa do bolchevismo», e divulgada pela escrita revisionista da história na RFA até
aos nossos dias, ainda por cima legitimando posteriormente a guerra de agressão cri-
minosa dos imperialistas alemães contra a União Soviética.
Até Tippelskirch, que não pertencia exactamente aos simpatizantes da União Sovi-
ética ou até mesmo de Stáline, viu-se obrigado a refutar esta mentira da guerra pre-
ventiva, mesmo quando, expressando-se na linguagem corrente da escrita burguesa
da história militar da RFA, se esforça por atribuir toda a culpa – principalmente pelas
derrotas – a Hitler e eximir os generais da responsabilidade pela guerra de agressão,
que eles próprios planearam e executaram, assim como desculpabilizá-los pela der-
rota catastrófica, salvando desta forma o militarismo alemão no pós-guerra.
«A hipótese de a União Soviética provocar, a breve trecho, um conflito armado
era, por razões políticas e militares muito improvável, por muito que fosse legítima
a preocupação de que, mais tarde e sob condições favoráveis, a União Soviética se
pudesse tornar num vizinho incómodo e mesmo perigoso. Na altura, contudo, não
havia razão para a União Soviética abdicar de uma política que até aí lhe tinha
trazido os melhores êxitos quase sem combates. Estava prestes a converter os seus
antiquados blindados e aviões e ao mesmo tempo a transferir parte importante da
sua indústria de armamento para lá dos Urais. Um ataque à Alemanha, país que
apenas dispersara partes insignificantes do seu exército noutras frentes e podia
concentrar a sua poderosa aviação a Leste em qualquer momento, não estava na
mente dos políticos cuidadosos e ponderados do Krémlin, que, em 1941, ainda não
se sentiam capazes de defender incondicionalmente o seu país. Seguramente que
não escapou aos serviços de informação russos, que a força militar alemã se deslo-
cava cada vez mais para Leste. A direcção russa tomou as suas contramedidas.
A 10 de Abril, o Conselho de Guerra russo, sob a direcção de Timochenko, decla-
rou o estado de alarme e aumentou as preparações militares para todas as unida-
des na Frente Oeste. A 1 de Maio foram tomadas mais medidas urgentes de prepa-
ração para a guerra e medidas de protecção da fronteira ocidental russa. A 6 de
Maio, Stáline, que até aí era apenas secretário-geral do Partido Comunista, ainda
que sendo o homem mais poderoso na União Soviética, sucedeu a Mólotov no cargo
de presidente do Conselho dos Comissários do Povo e assim ficou oficialmente à
cabeça do governo. Este passo significou, pelo menos formalmente, um reforço da
autoridade do governo e uma concentração das forças. Não era de esperar uma
alteração da política em relação à Alemanha, em resultado desta mudança. Pelo
contrário, a União Soviética continuava a esforçar-se por cumprir integralmente
as suas obrigações resultantes do tratado comercial.
Dentro das suas forças, estava preparada para um conflito armado. O comando
alemão não podia contar com uma surpresa estratégica. O máximo que se podia
conseguir era manter em segredo a data do ataque, de modo que a surpresa táctica
facilitasse o primeiro ataque ao inimigo.» 20
Destas afirmações resulta claramente que:
1. A União Soviética não representava nenhum perigo.
2. A Wehrmacht dispunha de superioridade técnico-militar, contra a qual o Exér-
cito Vermelho «ainda não se sentia capaz de defender incondicionalmente».
7
3. Uma guerra contra a Alemanha não podia estar «na mente dos políticos cuida-
dosos e ponderados do Krémlin» (ou seja Stáline, UH).
4. O poder soviético «tomou as suas contramedidas», preparou-se para a defesa.
Estava «tanto quanto as suas forças o permitiam» preparado para a guerra.
5. O comando alemão – ou seja, também os senhores generais – não podiam con-
tar com uma surpresa estratégica.
6. O máximo que podiam era «manter em segredo a data do ataque», uma «sur-
presa táctica» que podia facilitar «o primeiro ataque».
Tippelskisch, à sua maneira, confirmou a avaliação feita por Júkov.
Sobre as reacções de Stáline ao ataque de 22 de Junho de 1941, há também, a par
de avaliações sérias, apreciações muito curiosas, principalmente de historiadores
do período da glasnost, a quem foram parcialmente abertos os arquivos por Gor-
batchov e Éltsine, nos quais se puderam servir à vontade dos documentos que qui-
seram (ignorando outros) para difamar a personalidade de Stáline. 21
21 Algumas notas sobre os materiais de arquivo: 1.º Nunca serão disponibilizados todos
os documentos. 2.º Foram destruídos documentos. 3.º O historiador em causa escolhe e ana-
lisa sob determinados aspectos subjectivos que – em última instância – são de classe, ou seja,
determinados ideologicamente. Na avaliação de personalidades históricas incluem-se os va-
lores individuais do historiador. Uma história sem ideologia não existe desde a existência da
sociedade de classes. A afirmação dos historiadores burgueses de representarem uma histo-
riografia «objectiva», «sem ideologia», em si é já ideológica, no sentido em que a historio-
grafia burguesa partidária reclama ser «objectiva», «sem ideologia», e pretende ser aceite
enquanto tal, enquanto a história marxista-leninista faz coincidir a objectividade científica
com o tomar partido e nesse ponto tem um carácter abertamente ideológico e, portanto, é
«ideológica», sendo por isso condenada como «não científica». (Não é possível referir aqui
as diversas escolas da historiografia burguesa).
A história marxista-leninista abrange três funções: 1. uma função teórico-científica; 2.
uma função ideológica e 3. uma função pragmática. A função ideológica inclui o tomar par-
tido abertamente pelos interesses da classe operária. Ideologia e objectividade científica coin-
cidem com os interesses objectivos da classe operária, já que a classe operária é a única classe
na sociedade capitalista interessada objectivamente na verdade histórica, enquanto a bur-
guesia, detentora dos meios de produção e exploradora da força de trabalho dos trabalhado-
res (não detentores), tem de disfarçar, falsificar a verdade objectiva da história para assegu-
rar ideologicamente o seu domínio de classe. Se a burguesia aceitasse a verdade histórica dos
últimos 150 anos, isto significaria o sacrifício da sua própria identidade teórica e histórica. A
sua ditadura de classe requer a mentira histórica. Que alguns historiadores burgueses rom-
pam com esta praxis, isso nada altera, quanto muito pode-se dizer que esses historiadores
deixam de ser historiadores «burgueses».
Os historiadores russos da glasnost tal como os «purificados» antigos historiadores da
ex-RDA que se venderam à burguesia, na linguagem do PDS, e «chegaram à RFA» lan-
çando o seu montinho ou montão de lixo sobre a RDA e oferecendo os seus desabafos como
«novíssimo conhecimento», mostram ser, com as suas difamações, renegados vulgares
que enquanto insiders a burguesia gosta de utilizar, porque as suas meias verdades e men-
tiras, a sua «objectividade», são mais bem aceites do que as dos historiadores abertamente
conservadores.
Na sociedade capitalista, os produtos da historiografia também estão sujeitos às leis do
mercado. O historiador da sociedade capitalista é também um trabalhador assalariado da
burguesia, vende, como qualquer outro trabalhador na produção, a sua força de trabalho aos
detentores (neste caso dos media) que a podem explorar. Marx e Engels chamaram a atenção
8
Ajuizando pelo seu artigo «Stáline e o ataque da Alemanha hitleriana à União
Soviética», 22 Gueórgui Kumaniov pertence a este grupo de historiadores da glasnost
e é considerado «especialista» da Grande Guerra Pátria 1941-45 no mercado da his-
tória revisionista. Willi Gens traduziu, sem comentários, alguns excertos do seu livro
«Ao Lado de Stáline», publicado em 2001, em Smolensk, para [a revista] Marxis-
tischen Blättern, Caderno 2-03.
Enquanto as avaliações aí reproduzidas de A.M. Vassilévski coincidem, no essen-
cial, com as de Júkov e de Chtemenko, entre outros, as de A.I. Mikoian (1922-1966,
membro do Politburo do CC do PCUS) contêm meias verdades e algumas afirmações
que, no mínimo, são tendenciosas. Mikoian faz parte daquelas personalidades a
quem não se pode negar o mérito da sua contribuição para o desenvolvimento da
economia na URSS no tempo de Stáline. Simultaneamente revelou-se um oportu-
nista, com presença contínua no Politburo até 1953, com Stáline, a partir de 1954,
com Khruchov, e depois de 1964, com Bréjnev, o que não deve ter sido possível sem
metamorfoses da consciência.
Mikoian também pertencia ao círculo dos membros do CC que, no plenário de De-
zembro do CC do PCUS (1957), votou pela exclusão do CC dos «inimigos do Partido»
(!): Mólotov, Málenkov e Kaganóvitch. Os camaradas referidos tinham sido aberta-
mente contra «o curso do Partido aprovado no XX Congresso e a correção dos erros
e falhas resultantes do culto da personalidade».
Do mesmo modo, nesse plenário, Júkov foi excluído dos órgãos dirigentes do Par-
tido e exonerado do seu cargo de ministro da Defesa da URSS. 23 Explicitando: Mólo-
tov, Málenkov, Kaganóvitch e Júkov eram contra a política revisionista e voluntarista
de Khruchov, contra a difamação de Stáline, contra a desastrosa política, indiferente
às classes, da «coexistência pacífica», que tinha de conduzir à destruição da URSS e
dos estados membros do Pacto de Varsóvia, que abriu as portas à contrarrevolução.
No plenário do CC do PCUS, de Outubro de 1964, Khruchov foi derrubado com a
ajuda fervorosa de Mikoian, nessa altura presidente do Soviete Supremo. Mikoian
manifestou-se então contra o voluntarismo na política económica de Khruchov, que
ele próprio tinha apoiado. Mikoian revelou-se uma personalidade muito hábil. Na
linguagem política uma tal personalidade designa-se de oportunista.
Tal é a «avaliação» que faz de Stáline na altura do ataque, à qual Willi Gerns dis-
pensa cinco colunas, em comparação com as três colunas para Vassilévski e uma co-
luna para Timochenko, enquanto Júkov nem sequer é referido.
Segundo Mikoian, Stáline recusou «categoricamente» dirigir-se ao povo através
da rádio, com a explicação: «Não tenho nada a dizer ao povo. Mólotov que fale.»
Stáline estaria «num tal estado de preocupação que não sabia o que dizer ao
povo». Na verdade, a coisa foi um pouco diferente. Stáline esteve, até 3 de Julho,
doente com uma forte bronquite e amigdalite, que o impedia de fazer comunicações
para isto há mais de 150 anos no Manifesto do Partido Comunista. A burguesia «transfor-
mou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o cientista nos seus trabalhadores assalariados»
(MEW 4/465). O historiador oficial também não é aqui nenhuma excepção.
22 Marxistische Blaetter (Revista Marxista), Caderno 2-03, p. 70-74.
708-710.
9
pela rádio. 24 Se Mikoian esteve na referida reunião tinha de o saber. Por isso ou não
esteve presente ou mentiu. No seu diário, referente à data de 22.06, Dimitrov refere
os presentes nessa reunião. Mikoian não é referido. 25 As afirmações atribuídas a
Stáline por Mikoian também não se encontram nos relatórios dos camaradas pre-
sentes na reunião.
O antigo historiador da RDA, Wolfgang Ruge, assegura-nos no seu surpreendente
artigo «Quando Lénine só queria cultivar legumes», 26 que Stáline caiu em «apatia»
depois do ataque de 22 de Junho. Manifestamente, Ruge, que no tempo da RDA pro-
duziu trabalhos muito bons sobre a República de Weimar e os seus políticos, como
Brüning, Streseman, Hindenburg, entre outros, envelheceu bastante desde então.
Nas suas memórias, Júkov descreve exacta e detalhadamente o comportamento
de Stáline a 22 de Junho.
Na noite de 22 de Junho, todos os membros do Estado-Maior e do Comissariado
do Povo para a Defesa permaneceram nos seus postos. Cerca da meia-noite (de 21
para 22 e Junho) todos os sinais indicavam o avanço das tropas fascistas na direcção
da fronteira. Às 00.30 horas, Stáline foi informado. Júkov informou-o e solicitou au-
torização para tomar medidas militares.
«Stáline não disse nada.
“Compreendeu-me?”
Outra vez silêncio.
Finalmente Stáline perguntou: “Onde está o comissário do povo?” [Timochenko,
UH]
“Telefone para o distrito militar de Kiev.”
“Venha com Timochenko ao Krémlin. Diga a Poskrebichev para convocar todos
os membros do Politburo.”»
Entre as 4.00 e as 4.30 horas chegaram notícias sobre os ataques aéreos alemães
à frota do Mar Negro, sobre o início dos combates das tropas alemãs na fronteira
dos distritos militares ocidental e báltico.
Pelas 4.30 horas reuniram-se os membros do Politburo. [Júkov não indica no-
mes, UH]
«Stáline estava pálido sentado à mesa, o cachimbo cheio na mão. Disse: “Tem de
se contactar rapidamente a embaixada alemã”».
Foi incumbido Mólotov, que recebeu o embaixador alemão Conde von der
Schulenburg.
Pouco depois, entrou Mólotov apressado. Disse: “O governo alemão declarou-nos
a guerra”.
Stáline afundou-se na cadeira e reflectiu. Iniciou-se uma longa e sufocante pausa.
Júkov quebrou o silêncio e propôs utilizar todas as tropas disponíveis na fron-
teira para impedir o avanço das tropas.
“Não só impedir, mas destruir”, precisou Timochenko.
24 Ver Hans-Juergen Falkenhagen, Leo Trotzki und das Wesen des Trotzkismus (Lev
Trótski e a essência do trotskismo), Schriftenreihe, Caderno n.º 96/II, Berlim, Fevereiro
2003, p. 79.
25 Dimitrov, Tagebuecher 1933-1943 (Diários 1933-1943), org. Bernhard H. Bayerlein, 1ª
10
“Dê a ordem”, disse Stáline.
A 22 de Junho, pelas 07.15 horas emitiu-se a Directiva n.º 2 do Comissariado do
Povo para a Defesa para todos os distritos militares. Contudo, ela não correspondia
nem à relação de forças, nem à complexidade da situação e por isso não pôde ser
implementada.» 27
Do respectivo contexto das memórias de Júkov é claro que Stáline continuou o seu
trabalho a 22 de Junho. Pelas 9 horas, Timochenko e Júkov encontraram-se com
Stáline no Krémlin. Informou-se sobre o estado de coisas e disse: «Mólotov vai falar
pela rádio ao meio-dia». 28
Stáline leu o esboço do despacho de mobilização, limitou a extensão da mobiliza-
ção prevista pelo Estado-Maior e entregou o despacho a Poskrebichev para confir-
mação pela presidência do Soviete Supremo.
Stáline reteve a proposta de formação do Quartel-General do Alto Comando, por-
que queria discuti-la ainda no Politburo. 29
Cerca das 13 horas, Stáline telefonou a Júkov: «”Os nossos comandantes na frente
não possuem experiência suficiente na condução dos combates e aparentemente per-
deram a cabeça. O Politburo decidiu enviá-lo como representante do Quartel-Gene-
ral para a Frente Sudoeste. O marechal Chapochnikov e o marechal Kulik vão para
a Frente Oeste. Já instrui Chapochnikov e Kulik. Você tem de voar imediatamente
para Kiev e daí seguir para Ternopol juntamente com Khruchov”.
“Quem dirigirá o Estado-Maior numa situação tão complicada?”, perguntei.
Stáline respondeu: “Ponha Vatútine a substituí-lo.”
E depois acrescentou um pouco irritado: “Não perca tempo, nós cá faremos o
nosso trabalho”». 30
Na noite de 22 de Junho, Júkov chegou a Kiev e ligou a Vatútine.
«Nikolai Fiódorovitch Vatútine relatou-me o seguinte:
O Estado-Maior não conseguiu obter informações precisas sobre as nossas tro-
pas e sobre o adversário, apesar da pressão enérgica dos comandos das frentes,
das forças armadas e da aviação. As informações sobre os avanços do adversário
eram contraditórias. Faltavam informações exactas sobre as baixas das forças
terrestres e aéreas. Só se sabia que a força aérea da Frente Oeste tinha sofrido
pesadas baixas. O Estado-Maior e o Comissariado do Povo não conseguiram con-
tactar com os comandantes das frentes, o general de brigada Kuznetsov e o gene-
ral do Exército Pavlov, que se tinha juntado às tropas sem o comunicar ao Comis-
sariado do Povo. Os estados-maiores destas frentes não sabiam do paradeiro dos
seus comandantes-em-chefe.
De acordo com informações do reconhecimento aéreo, combatia-se nas zonas
fortificadas e por vezes a 15 ou 20 quilómetros dentro na nossa área. Tentativas dos
estados-maiores das frentes para conseguir uma ligação directa com as tropas não
tiveram êxito, já que a maioria dos exércitos e corpos autónomos não possuíam li-
gações de rádio ou por cabo.
11
Vatútine informou-me ainda que Stáline tinha autorizado a Directiva n.º 3 do
Comissariado do Povo e ordenara que eu a assinasse.
“Que Directiva é essa?”, perguntei.
“A Directiva ordena que as nossas tropas passem à contra-ofensiva, para derro-
tar o adversário e avançar na direcção do seu território.”
“Mas nós não sabemos exactamente onde e com que forças o adversário ataca”,
objectei. “Não é melhor esclarecer até amanhã de manhã o que aconteceu na frente
e depois decidir?”
“Sou da sua opinião, mas a coisa já está decidida.”
“Bem”, disse, “coloque a minha assinatura.”» 31
O Quartel-General constituiu-se a 23 de Junho. Júkov e Timochenko tinham pro-
posto que Stáline fosse nomeado Comandante Supremo. Todavia, para o cargo de
Comandante Supremo foi nomeado Timochenko. Júkov considerou esta decisão de-
saconselhável, já que Timochenko não podia tomar nenhuma decisão fundamental
sem Stáline. «Assim, de facto, ficámos com dois comandantes supremos. O Comis-
sário do Povo Timochenko, de jure, de acordo com a deliberação, e I.V. Stáline de
facto.» 32 Integravam o Quartel-General Timochenko, Júkov, Stáline, Mólotov, Voro-
chílov, Budióni e o comissário do povo da Marinha de Guerra, almirante N.G.
Kuznetsov. 33
Isto coincide com as informações do general do exército Chtemenko. Segundo ele,
constituiu-se, junto ao QG, «um organismo de conselheiros permanentes», a que
pertenciam o marechal Chapochnikov, os generais Meretskov, Vatútine, Vorónov, as-
sim como os membros do Politburo Mikoian, Voznessénski, Jdánov, entre outros. 34
A 30 de Junho constituiu-se o Comité de Defesa Estatal, sob a direcção de Stáline,
que exercia todo o poder na URSS. A 8 de Agosto foi transformado em Grande Quar-
tel-General. Stáline foi nomeado Comandante Supremo, de acordo com a proposta
original de Júkov e Timochenko.35
Júkov escreveu o seguinte sobre o estilo de trabalho no QG: «Normalmente não
havia nervosismo; cada um podia dar a sua opinião. Stáline comportava-se de
forma igual com todos, rigoroso e bastante formal. Sabia ouvir, quando o informa-
vam com conhecimento de causa.
Aliás, durante os longos anos da guerra, convenci-me de que ele não era, de
forma nenhuma, alguém com quem não se pudesse discutir ou perante quem não
se pudesse levantar questões prementes e defender veementemente o seu ponto de
vista. Quem afirmar o contrário, respondo-lhe de imediato: isso não é verdade.» 36
«Antes da guerra era difícil medir os conhecimentos e capacidades de Stáline no
campo da ciência militar, na arte operativa e estratégica, já que nessa época, no
Politburo e pessoalmente junto a Stáline, sempre que tive oportunidade de estar
12
presente, se discutiram e se tomaram decisões principalmente sobre questões orga-
nizativas, problemas de mobilização e assuntos técnicos. Já relatei que Stáline se
ocupava muito com questões do armamento e das técnicas de combate. Chamava
frequentemente construtores-chefe de aviões, de artilharia e blindados e infor-
mava-se em pormenor sobre os detalhes de construção das respectivas técnicas de
combate, quer no nosso país, quer no estrangeiro. Conhecia bem as características
dos principais tipos de armas.
Stáline exigia dos construtores-chefe e dos directores das fábricas (conhecia mui-
tos pessoalmente) que os modelos de aviões, blindados e artilharia, assim como de
outros meios técnicos, fossem entregues nos prazos e que fossem não só de nível
mundial, mas o ultrapassassem.
Sem o seu consentimento, nenhum modelo de armamento ou outra técnica de
combate podia ser introduzida nas forças armadas. Isto, naturalmente, dificultava
a iniciativa dos comissários para a Defesa e os seus representantes responsáveis
pelo armamento.
Antes da Grande Guerra Pátria, e sobretudo depois, atribuiu-se a Stáline o papel
dirigente no desenvolvimento das forças armadas, na elaboração das bases da ciên-
cia militar soviética, nas directrizes da estratégia e até da arte operativa. Stáline terá
sido, na realidade, uma cabeça tão excepcional na área do desenvolvimento das for-
ças armadas e um tão profundo conhecedor das questões estratégico-operativas?
Conheço muito bem Stáline da perspectiva militar, já que comecei e acabei com
ele a guerra. Ele dominava a organização das operações de cada frente e grupos
da frente e dirigia-as de forma conhecedora, orientando-se nas grandes questões
estratégicas. Nesse aspecto mostrou o seu valor enquanto Comandante Supremo
em Stalingrado.
A sua rica intuição foi-lhe útil no comando da luta armada. Ele possuía a capa-
cidade de reconhecer o elo principal na situação estratégica para reagir contra o
adversário e conduzir esta ou aquela grande operação de ataque. Ele foi, sem dú-
vida, um digno Comandante Supremo.
Naturalmente, Stáline não sabia o quão multiforme era o complexo de questões
com que a tropa e os seus órgãos dirigentes se debatiam a todos os níveis, no meti-
culoso trabalho para preparar, de forma minuciosa, esta ou aquela operação numa
das frentes ou num grupo de frentes. Mas também não tinha de o saber necessaria-
mente. Nestes casos, naturalmente, reunia com os membros do Quartel-General, o
Alto Comando e os especialistas para a artilharia, tropas blindadas, força aérea,
marinha de guerra, serviços de retaguarda e abastecimento. Uma série de concep-
ções básicas são atribuídas pessoalmente a Stáline, por exemplo sobre os métodos
do ataque de artilharia, sobre a conquista do domínio do ar, sobre os métodos de
cercar o adversário, sobre a divisão de grupos cercados e a sua destruição, e etc.
Todos estes problemas importantes da arte da guerra são fruto dos conhecimentos
ganhos nas lutas e combates contra o inimigo, são resultado de profundas reflexões
e generalizações de experiências de um grande colectivo de chefes militares e da
própria tropa.
É mérito de Stáline ter compreendido correctamente os conselhos dos mais res-
peitados especialistas militares, completado, desenvolvido e transmitido em linhas
mestras, directrizes e instruções práticas às tropas. Para além disso, Stáline mos-
trou o seu valor na segurança das operações, na criação de reservas estratégicas,
na organização da produção de técnicas de combate e na criação de tudo o que
13
era necessário para a frente, ou seja, enquanto excelente organizador. Seria in-
justo não o reconhecer.» 37
«Stáline era uma pessoa determinada, não era um cobarde. Só o vi uma vez aba-
tido: na madrugada de 22 de Junho de 1941. A sua confiança em que se podia evitar
a guerra tinha-o enganado.
Depois de 22 de Junho de 1941, Stáline, com o CC do Partido e o governo sovié-
tico, dirigiu de forma segura o país, as operações militares e os assuntos interna-
cionais durante toda a guerra». 38
Dimitrov anotou no seu diário os acontecimentos destes dias:
«21.6.41
- no telegrama de Chu-En-Lai de Chongqing para Yan’an (para Mao Tsé Tung)
refere-se, entre outras, que Chang-Kai-Check afirma persistentemente que a Ale-
manha atacará a URSS e ele até refere uma data: 21.6.41.
- Os rumores sobre o ataque iminente multiplicam-se por todo o lado.
- Tem de se ter cuidado…
- Telefonei de manhã a Mólotov. Pedi-lhe para debater com Ioss[if] Vissáriono-
vitch [Stáline] a situação e as necessárias instruções para os partidos comunistas.
- Mol[otov]: «A situação não é clara. Joga-se um grande jogo. Nem tudo de-
pende de nós. Falarei com Ioss[if] V[issárionovitch]. Quando houver algo especial,
telefono-te.
22.6.41
– Domingo.
– Fui chamado de urgência ao Krémlin às 7h da manhã.
– A Alemanha atacou a URSS. Começou a guerra.
– Encontro na antessala Poskrebichev, Timochenko, Kuznetsov [i.e Nikolai
Kuznetsov], Mekhlis (de novo em uniforme), Béria (que dá várias instruções por
telefone).
– No escritório de Stáline encontram-se Mólotov, Vorochílov, Kaganóvitch,
Malenkov.
– Stál[ine] para mim: “Atacaram-nos sem nos colocarem qualquer exigência,
sem requererem quaisquer negociações, atacaram-nos vilmente como ladrões. De-
pois do ataque, depois do bombardeamento de Kiev, Sebastopol, Chitomir e outros
locais, apareceu Schulenberg com a declaração de que a Alemanha se sentiu amea-
çada com a concentração de tropas soviéticas na fronteira leste e tomou medidas. Os
finlandeses e os romenos estão ao lado dos alemães. A Bulgária assume a represen-
tação dos interesses da Alemanha na URSS.” – Só os comunistas podem vencer os
fascistas…
– Admirável é a calma, firmeza e confiança de Stáline e de todos os outros.
– Redige-se a declaração do governo que Mólotov deverá ler na rádio.
– São dadas instruções ao exército e à marinha.
– Medidas para a mobilização e situação de guerra.
Está pronta uma sede subterrânea para o trabalho do CC e do Alto Comando.
– Os representantes diplomáticos, disse Stáline, têm de sair de Moscovo e ser le-
vados para outros locais, por exemplo para Kazan. Aqui podem fazer espionagem.
14
– Acordamos linhas sobre o nosso trabalho. O Komintern não deve, para já, apa-
recer publicamente. Os partidos desenvolvem localmente um movimento para defesa
da URSS. Não é de lançar a questão da revolução socialista. O povo soviético conduz
uma guerra patriótica contra a Alemanha fascista. Trata-se da destruição do fas-
cismo, que escravizou uma série de povos e ambiciona escravizar outros povos…
– No Komintern foram convocados os secretários e os membros dirigentes. Nós
explicámos-lhes a nossa posição e as tarefas neste momento.
– Enviou-se instruções aos partidos comunistas na América, Inglaterra, Suécia,
Bélgica e França, Holanda, Bulgária, Jugoslávia e China.
– Decidiu-se uma série de medidas organizativas. Declarou-se a mobilização de
todas as nossas forças.» 39
Das memórias pormenorizadas de Júkov, dos registos de Dimitrov e Chtemenko
percebe-se claramente que Stáline assumiu, na madrugada de 22 de Junho, a chefia
da defesa do país. Stáline assumiu também a responsabilidade pelo facto de a direc-
ção soviética se ter deixado surpreender pelos fascistas e colocou ao Politburo a ques-
tão do voto de confiança. 40
Não há nenhuma prova de que Stáline tenha caído em apatia, se tenha retirado
dias a fio. Todavia, não se encontrava na melhor das disposições.
***
A 3 de Julho, depois de a sua incomodativa doença estar mais ou menos ultrapas-
sada, Stáline dirigiu-se aos povos da União Soviética através da rádio. 41 O seu dis-
curso compreendia quatro temas: 1. as tropas fascistas alemãs são invencíveis? 2. a
assinatura do pacto de não-agressão com a Alemanha fascista foi um erro? 3. medi-
das para a mobilização dos povos da União Soviética; 4. a natureza da guerra.
1. Como a história mostra, não existem exércitos invencíveis. Stáline referiu Na-
poleão cujo exército era considerado invencível e, no entanto, fora derrotado várias
vezes pelas tropas russas, inglesas e alemãs. O mesmo era válido para o exército ale-
mão de Guilherme na época da primeira guerra imperialista. Também era conside-
rado invencível e foi igualmente derrotado. Os exércitos fascistas de Hitler não en-
contraram no continente europeu «nenhuma resistência séria». Não foi esse o caso
na URSS. O Exército Vermelho derrotou «em resultado dessa resistência» as «me-
lhores divisões do exército fascista alemão», o que significa «que o exército fascista
de Hitler também virá a ser derrotado, como os exércitos de Napoleão e Guilherme
foram derrotados». 42
Perante as notícias descontínuas e contraditórias da frente recebidas no QG nos
primeiros dias de guerra, talvez pareça exagerada a afirmação de que «as melhores
divisões» das tropas fascistas tinham sido «derrotadas». Contudo, é um facto que as
tropas alemãs fascistas, desde os primeiros dias, depois de ultrapassada a surpresa
do ataque, encontraram uma inesperada resistência do Exército Vermelho, como
também Tippelskirch teve de confirmar: «Surpreendente foi a dureza com que o
inimigo lutou, surpreendente também a quantidade de contra-ataques de blinda-
dos. Estava-se perante um inimigo com vontade de aço, cujas forças entravam em
15
acção de forma brutal, e hábil operativamente. Não havia razão para preocupa-
ções sérias, mas já era possível reconhecer o seguinte: aqui não se tratava de der-
rubar um castelo de cartas com golpes rápidos. Esta campanha não iria decorrer
tão facilmente e de acordo com os planos como as anteriores.» 43
2. A assinatura do pacto de não-agressão não foi nenhum erro. «Um pacto de
não-agressão é um acordo de paz entre dois Estados». A Alemanha propôs esse
pacto à URSS. Nenhum «Estado que ame a paz pode recusar um acordo de paz com
um império vizinho, mesmo se na chefia desse império se encontram monstros e
canibais como Hitler e Ribbentrop». Isto só, naturalmente, quando «nem directa
nem indirectamente [for beliscada] a integridade territorial, a independência e a
honra do Estado amante da paz». O Pacto de Não-Agressão entre a Alemanha e a
URSS foi «exactamente um destes pactos». A URSS, através dele, assegurou para si
«um ano e meio de paz» e obteve a possibilidade de preparar as suas forças para a
defesa. A Alemanha, ao romper o pacto, «conseguiu por um curto espaço de tempo
uma certa situação vantajosa para as suas tropas, (…) mas perdeu do ponto de
vista político». A Alemanha desmascarou-se perante todo o mundo como «agressor
sangrento». A «vantagem militar a curto prazo» para a Alemanha era só «um epi-
sódio». A vantagem política da URSS era «um sério factor a longo prazo».
Por conseguinte, no curto prazo, os fascistas retiraram vantagens táctico-ope-
rativas de efeito rápido, mas a longo prazo os factores políticos a favor da URSS
surtiriam efeito. Manifestamente, Stáline evitou expor as verdadeiras causas da as-
sinatura do Pacto de Não Agressão com a Alemanha fascista, em atenção aos agora
aliados britânicos, ao Sr. Churchill. Expor publicamente o parceiro de aliança britâ-
nico seria uma burrice política. Isso já era história. A tarefa consistia em proteger a
URSS da destruição. Churchill estava perante a mesma tarefa, no que diz respeito ao
império britânico. A destruição dos agressores fascistas alemães era no interesse dos
governos soviético e britânico. 44
3. Esta guerra imposta à URSS era uma «guerra de vida ou de morte». Isto exige
o esforço de todas as forças dos povos da União Soviética. É necessário tomar as se-
guintes medidas: a) os «homens e mulheres soviéticos» têm de «compreender a toda
a dimensão do perigo que ameaça o nosso país». Deve acabar-se «com tranquili-
dade despreocupada e a atmosfera de construção pacífica». O objectivo do inimigo
é «ocupar o nosso território, apropriar-se dos nossos cereais, do nosso petróleo, dos
frutos do nosso trabalho». O poder dos latifundiários seria de novo recuperado, o
tsarismo restabelecido, as culturas nacionais e a autonomia nacional dos povos livres
da URSS seriam destruídas. Tornar-se-iam escravos dos príncipes e barões alemães.
Os soviéticos tinham de compreender isto, preocuparem-se, mobilizarem-se, adaptar
todo o seu trabalho à guerra.
Estes avisos de Stáline demonstram capacidade de antevisão. Os assassínios em
massa dos soviéticos pelos fascistas, o roubo de bens materiais e a sua destruição
maciça, a deportação de centenas de milhares de homens e mulheres para trabalho
escravo na Alemanha, o genocídio da população judaica, ainda não tinham aconte-
cido 11 dias depois do ataque. Ainda estavam por acontecer. Os avisos revelaram-se
completamente justificados. No entanto não se encontram indícios de os fascistas
tencionarem restaurar o tsarismo. b) «Nas nossas fileiras não pode haver lugar
16
para pessimistas, cobardes para alarmistas e desertores». Os soviéticos não devem
«sentir medo no combate» e têm de «estar dispostos a fazer sacrifícios na nossa
guerra de libertação pátria contra os opressores fascistas». c) Todo o trabalho tem
de se adaptar à guerra, subordinar-se aos interesses da frente. «O Exército Vermelho,
a Marinha Vermelha e todos os cidadãos da União Soviética (…) têm de combater
até à última gota de sangue pelas nossas cidades e aldeias». d) Tem de se assegurar
«todo o apoio ao Exercito Vermelho» e «o reforço das suas fileiras». Garantir o seu
abastecimento com tudo o necessário, o rápido transporte de tropas e bens militares,
a ajuda aos feridos. e) Tem de se fortalecer a retaguarda do Exército Vermelho. As-
segurar o fabrico de armas e munições em todas as fábricas. Organizar a defesa de
fábricas, centrais eléctricas, comunicações, fazer funcionar a defesa antiaérea local.
f) Organizar o combate impiedoso contra todos os sabotadores na retaguarda, contra
os desertores, alarmistas, boateiros. Espiões, sabotadores e paraquedistas inimigos45
devem ser eliminados. «Todos os que impedirem a defesa do país através de alar-
mismo e cobardia têm de ser entregues imediatamente, sem excepções, aos tribu-
nais de guerra.» g) Em retirada imposta a partes das tropas do Exército Vermelho
todo o material rolante dos caminhos-de-ferro, cereais, combustíveis, animais devem
ser transportados para a retaguarda. «Todos os bens úteis, entre eles metais, cereais
e combustíveis, que não possam ser transportados, têm de ser destruídos. Nas áreas
ocupadas pelo inimigo devem constituir-se unidades de partisans, a pé e a cavalo,
assim como grupos de divisões. Deve fomentar-se a guerrilha em toda a parte. Nas
regiões ocupadas devem criar-se condições insuportáveis para o inimigo e seus aju-
dantes, que têm de ser perseguidos passo a passo e destruídos, fazendo fracassar
todas as suas medidas.» 46
4. A guerra contra a Alemanha fascista não deve ser entendida como uma guerra
vulgar. «Não é só uma guerra entre dois exércitos. É também a grande guerra de
todos os povos soviéticos contra as tropas fascistas alemãs.» Stáline definiu esta
guerra como «guerra-pátria do povo», que não devia ser conduzida só para eli-
minar o perigo para a União Soviética, «mas também para ajudar todos os povos da
Europa, que sofrem sob o jugo do fascismo alemão.» Nesta guerra de libertação
«teremos aliados fiéis nos povos da Europa e América, entre eles também no povo
alemão, escravizado pelos detentores do poder fascistas. A nossa guerra pela liber-
tação da nossa pátria fundir-se-á com a luta dos povos europeus e americano pela
sua independência, pelas suas liberdades democráticas.»
Com a referência de também encontrar no povo alemão «aliados fiéis», Stáline
distingue explicitamente o povo alemão dos fascistas. Esta distinção política essen-
cial – 11 dias depois do ataque! – foi várias vezes por ele repetida e nela baseou-se a
política do Estado soviético. É neste contexto que se deve entender «o discurso his-
tórico do Sr. Churchill» sobre a «ajuda à União Soviética» assim como a «Declara-
ção do Governo dos Estados Unidos da América sobre a sua disponibilidade, de
ajudar o nosso país.» 47
17
Neste discurso radiofónico, Stáline aliou o significado nacional ao significado in-
ternacional da guerra, enquanto guerra «patriótica» e de «libertação». Stáline evi-
tou qualquer referência à defesa do socialismo ou até revolução socialista e ao inter-
nacionalismo proletário. O aspecto de classe tinha de passar para segundo plano pe-
rante a pressão descomunal do perigo que o fascismo representava, ainda que esteja
implícito na definição de guerra «patriótica», já que a pátria era socialista. Neste
contexto deve recordar-se que os imperialistas alemães, já em 1914, cobiçavam as
ricas matérias-primas russas. Logo na República de Weimar, os olhares vorazes do
ávido capital monopolista alemão já estavam voltados para a Ucrânia, a Bacia do
Donetsk, a região do Cáucaso, para o petróleo, cereais e minério russo. Mesmo se a
Rússia fosse um país burguês, os imperialistas alemães teriam declarado a guerra.
A questão ideológica veio por acréscimo. A Rússia actual é de novo um país impe-
rialista, ainda que por agora fraco, tal como as antigas repúblicas soviéticas não rus-
sas, o que não impede minimamente os ladrões imperialistas dos EUA, Grã-Bretanha
e da RFA de explorar as matérias-primas que aí se encontram, não obstante as zangas
na luta pelo saque. Nem os imperialistas britânicos conseguiram obter os campos
petrolíferos de Baku durante a guerra de intervenção (1918-1920), nem os imperia-
listas alemães conseguiram obter os campos petrolíferos de Grózni e Baku em 1941-
42. Está ainda para ver se desta vez o conseguem, através dos separatistas chechenos,
através das sonantes frases sobre o direito de autodeterminação dos povos, da demo-
cracia, cujos guardiões do Graal, como se sabe, os imperialistas sempre foram e são
e se o conseguirem, durante quanto tempo, pois tenho a certeza de que a Rússia não
se manterá o que hoje é.
O conceito «guerra de libertação» teve desde o início o sentido de uma guerra
antifascista, abrangente, de todas as classes. Contudo, entre os aliados na coligação
anti-hitleriana a questão de classe esteve presente durante toda a guerra, como de-
monstraremos mais à frente.
Este discurso radiofónico de Stáline surtiu um forte efeito de mobilização entre os
povos da União Soviética. O próprio Tippelskirch teve de reconhecer que o «apelo» de
Stáline encontrou «ouvidos», «que se tornaram cada vez mais disponíveis à medida
que a guerra se prolongava e que a fama da invencibilidade alemã empalidecia».
Tippelskirch ficou particularmente irritado com o referido no ponto 3 do citado
apelo de Stáline, em se dá a indicação para evacuar ou destruir todos os bens úteis,
de forma a «não deixar ao inimigo (…) nem um quilo de cereal, nem um litro de
combustível». Percebe-se a sua irritação.
18
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XX)
Ulrich Huar
Capítulo II
Os nervos estavam à flor da pele
1
mal-entendidos e discussões violentas, como recorda Júkov: «O Comandante Su-
premo recebeu de alguma forma a notícia de que tínhamos desistido da cidade de
Dedovsk, a noroeste de Nakhabino. É claro que isso preocupou muito Stáline, já que
a 28 e 29 de Novembro, a 9ª Divisão, sob o comando do major-general A. P. Belo-
borodov, tinha rechaçado com êxito os repetidos e duros ataques do adversário na
região de Istra. Porém, tinham passado 24 horas e agora ouvia que Dedovsk caíra
nas mãos dos fascistas.
Stáline telefonou-me: “Sabe que Dedovsk está ocupada?”
“Não, camarada Stáline, isso não é do meu conhecimento.”
O Comandante Supremo não escondeu a sua irritação e disse:
“O comandante de uma frente tem de saber o que se passa na sua frente”. Disse-
me que devia ir imediatamente para lá “para organizar pessoalmente o contra-
ataque e reconquistar Dedovsk”.
Repliquei que que numa situação tão crítica não seria inteligente abandonar o
estado-maior da frente.
“Não faz mal, cá nos arranjaremos. Deixe o Sokolovski no seu lugar.”
Depois desta conversa, liguei imediatamente a Rokossóvski e exigi-lhe que me
esclarecesse por que razão no estado-maior da frente ninguém sabia que se tinha
desistido de Dedovsk. Verificou-se então que a cidade de Dedovsk não tinha sido
ocupada pelo adversário, quanto muito podia tratar-se da aldeia Dedovo. Na re-
gião de Khovanskoie – Dedovo – Snegiri, a Sul, a 9ª Divisão estava envolvida num
duro combate e tinha impedido o adversário de avançar ao longo da estrada de
Volokolamsk para Dedovsk e Nakhabino.
Manifestamente tratava-se de um erro. Quis telefonar para o Quartel-General
para esclarecer o mal-entendido. Mas I.V. Stáline ficou definitivamente furioso e
exigiu que eu fosse imediatamente ter com Rokossóvski e tratasse de reconquistar
essa desgraçada localidade. Para além disso ordenou que levasse comigo o coman-
dante do 5.º Exército, L. A. Govorov. “Ele é especialista em artilharia e deve ajudar
Rokossóvski a organizar o fogo de artilharia no interesse do 16º Exército.”
Não fazia sentido levantar objecções nesta situação. Quando fui buscar o general
Govorov e lhe expliquei o que havia a fazer, procurou, cheio de razão, demonstrar
que esta viagem não era necessária. O 16.º Exército tinha o seu próprio chefe de
artilharia, o major-general Kazakov, e o seu comandante também tinha meios para
actuar. Por que razão, ele, Govorov, devia deixar o seu exército numa situação tão
difícil. Para terminar a discussão, disse-lhe que era uma ordem de Stáline.
Fomos ter com Rokossóvski e depois continuámos juntos até à divisão de A.P.
Beloborodov. O comandante da divisão não se mostrou satisfeito com a nossa pre-
sença. Tinha imenso que fazer e agora ainda devia explicar por que razão o adver-
sário tinha tomado algumas casas na aldeia Dedovo, que ficavam no outro lado do
desfiladeiro.
Beloborodov relatou-nos a situação e apresentou-nos argumentos convincentes
de que tacticamente não fazia sentido reconquistar agora as casas. Infelizmente
não lhe pude explicar que, neste caso, não me podia guiar por considerações tácti-
cas. Por isso ordenei simplesmente a Beloborodov que enviasse uma companhia de
infantaria e dois tanques para expulsar os fascistas daquelas casas. Isso foi feito,
tanto quanto sei, na madrugada de 1 de Dezembro.» 5
2
A contra-ofensiva soviética de 6 de Dezembro de 1941
3
Logo no Inverno de 1942/43 os seus ataques eram mais perigosos e bem-sucedi-
dos.» 9 É assinalável que Tippelskirch se refira aos «relativos fracassos» do Exér-
cito Vermelho.
Em Moscovo tornou-se visível para todo o mundo o fracasso definitivo da «guerra
relâmpago». O Exército Vermelho provou que as tropas alemãs não eram invencí-
veis. Pela primeira vez, tropas alemãs foram cercadas por tropas do Exército Verme-
lho, caso do cerco de cem mil homens em Demiansk, perto de Kholm. Apesar de no
Inverno de 41/42, o comando fascista ainda ter conseguido romper o cerco – à custa
de pesadas baixas – estes combates já lançavam a sua sombra para o futuro.
«Para o comando alemão, o resultado deste Inverno teria, contudo, no longo
prazo, consequências funestas, que se iriam revelar decisivas para a derrocada
posterior, não só na Frente Leste.» 10 Até aqui pode concordar-se com Tippelskirch.
Mas quando ele, como já vimos, atribui a responsabilidade exclusivamente a Hitler
e aos efeitos do Inverno russo, procura eximir de responsabilidades os generais.
Qualquer aluno medianamente interessado sabe que o Inverno na Rússia pode ser
muito frio. Naturalmente que o general Tippelskirch também sabia isto. Onde Hitler
e os senhores generais fracassaram foi na subestimação do Exército Vermelho, da
estabilidade da ordem social socialista, da vontade de resistência dos povos da União
Soviética sob a direcção do PCU(b), dos generais soviéticos e, por fim mas não por
último, de Stáline, que possuía uma grande autoridade na sociedade soviética e qua-
lidades militares de comando, apesar de não ter evitado erros. Como não pode ser o
que não deve ser, nomeadamente fracassar perante a União Soviética socialista, teve
de se invocar factores climatéricos e atribuir só a Hitler as próprias opções erradas.
Pela primeira vez, a iniciativa da guerra transferiu-se para o Exército Vermelho. A
condução alemã da guerra, segundo Tippelskirch, assumiu, depois de Moscovo «ca-
racterísticas patológicas». 11
Também nisto se deve concordar com ele.
O planeamento, a organização e as decisões nas frentes da ofensiva de Inverno
pertenciam ao Quartel-General. Como Stáline era o Comandante Supremo, tinha de
decidir, depois de consultas colectivas, e assim assumir a responsabilidade pelos re-
sultados. Para a tomada das decisões, Stáline dependia das informações sobre a ca-
pacidade da indústria, produção de armas, munições, alimentos, capacidade de
transporte, das reservas de combustíveis e lubrificantes. Simultaneamente, tinha de
manter debaixo de olho os inimigos potenciais. No Extremo Oriente, o Japão, no
Cáucaso, a Turquia e, como sublinhou Chtemenko, também o Irão.
«Três dos nossos exércitos estavam no Irão: o 53.º Exército Autónomo da Ásia
Central, o 47.º e 44.º. Foram lá estacionados logo no fim de Agosto de 1941, no
âmbito de um acordo assinado em 1921 entre a Rússia Soviética e o Irão. O acordo
previa a possibilidade de uma tal acção, no caso de haver risco de o território
iraniano poder ser utilizado por outros Estados para ameaçar os interesses da
URSS. O governo fascista contava seriamente com o Irão, para, a partir daqui,
avançar para a Transcaucásia soviética e usar ainda o país como trampolim para
as suas divisões avançarem na direcção da Índia. Aqui os nossos interesses eram
coincidentes com os da Grã-Bretanha, que enviou as suas tropas para o Sul do
4
Irão. Neste contexto, a necessária conciliação das inúmeras questões com o Co-
missariado do Povo dos Negócios Estrangeiros implicava um esforço suplementar
para o Quartel-General.» 12
Um comandante de uma frente ou de um exército não tinha de se preocupar com
estas questões. Stáline tinha de as considerar todas nas suas decisões sobre a distri-
buição das forças pelas frentes. Por isso, algumas decisões, algumas ordens de Stáline
pareceram incompreensíveis aos comandantes das frentes, até mesmo erradas. Por
vezes tinham razão, mas nem sempre. Além disso os próprios comandantes das fren-
tes também cometiam erros. Muitas vezes houve acesas discussões entre Stáline e
Júkov e assim como com outros generais sobre a distribuição das forças, tropas, uni-
dades blindadas de ataque, artilharia, aviões.
Na véspera da ofensiva de Inverno, Stáline discordou da distribuição, ordenada
por Júkov, do 1.º Exército de Choque e do 10.º Exército na Frente Oeste. Se não,
ameaçou Júkov «a nossa situação complicar-se-á seriamente.» Depois de consul-
tar o Estado-Maior, Stáline concordou com a distribuição. Júkov tinha «solicitado»
previamente ao chefe do Estado-Maior da frente, V.D. Sokolovski que apoiasse o
seu pedido. 13
Dias antes do início da ofensiva, a 4 de Dezembro, Stáline perguntou a Júkov:
«Como podemos ajudar mais a sua frente, para além do que já lhe demos?» Júkov
pediu «apoio da aviação da reserva do Alto Comando», assim como «pelo menos
200 tanques com tripulação». Júkov podia ter os aviões, mas: «Não temos tanques
e não podemos disponibilizar-lhe nenhuns». Stáline informou-o ainda de que a
Frente de Kalínine e um grupo operativo da Frente Sudoeste entrariam também na
ofensiva a 5 e 6 de Dezembro. 14
É compreensível que os comandantes das frentes procurassem conseguir o má-
ximo possível. Depois dos êxitos da ofensiva de Inverno, Stáline acreditou poder pas-
sar para a ofensiva geral em toda a frente desde o lago Ladoga até ao Mar Negro.
Colocou esta questão à discussão no Quartel-General. Dos apontamentos de Júkov
ressalta que ele e Voznessénski consideravam a ofensiva demasiado prematura, o ini-
migo ainda era poderoso e não existiam as condições materiais para tal.
Timochenko era a favor da ofensiva, era preciso «cansar mais depressa os ale-
mães, para que não possam atacar na Primavera». Como mais ninguém se quis
pronunciar, Stáline encerrou a discussão.
Segundo Júkov, Chapochnikov ter-lhe-á dito que esta questão já estava decidida
antes da discussão. É algo que não se pode confirmar. Outros generais referem tam-
bém decisões deste tipo, as quais, no entanto, não os impediram de tomarem as suas
decisões. 15
Porém, esta decisão de Stáline revelou-se um sério erro.
Era um «grande plano, no entanto, em diferentes aspectos, não estava suficien-
temente respaldado em forças e meios necessários. Isto teve consequências na ve-
locidade e resultados da nossa primeira ofensiva de Inverno. Só as tropas da Frente
Noroeste avançaram com sucesso, já que o adversário não possuía aí uma defesa
contínua», 16 afirma Júkov.
5
Contra-ofensiva das tropas soviéticas em Moscovo
Dezembro 1941 – Abril 1942
6
Por sua vez, Rokossóvski, comandante do 16.º Exército, criticou os resultados da
Frente Oeste e da Frente Kalínine, e assim indirectamente Júkov, enquanto seu co-
mandante: «Mantenho até hoje a opinião de que as operações de Inverno das fren-
tes Oeste e de Kalínine não conduziram aos resultados esperados e terminaram in-
completas. Enquanto nós rechaçávamos o adversário, ficávamos também em apu-
ros. Com os ataques, a linha da frente prolongou-se muitas vezes inutilmente. Fez
avanços que o adversário frequentemente isolou. Todas as operações militares têm
de se basear rigorosamente no cálculo das forças, meios e possibilidades – tanto
nossas como do adversário.» 17
Para compreender o aparecimento de divergências de opinião dos generais entre
si e entre estes e Stáline, é útil analisar os combates a Sul de Viazma, nos finais de
Janeiro de 1942.
Entre 18 e 22 de Janeiro, foram retirados nesta região, atrás das linhas alemãs,
dois batalhões da 201ª brigada aerotransportada e o 250.º regimento aerotranspor-
tado para cortar ao adversário as vias de abastecimento. Três divisões do 33.º exér-
cito, sob o comando do tenente-general M.G. Iefrémov, em conjunto com o 1.º corpo
de cavalaria, comandado por P.A. Belov, pára-quedistas, brigadas de guerrilheiros e
o 11.º corpo de cavalaria da Frente de Kalínine, deviam romper a defesa alemã e li-
bertar Viazma. 18
O Quartel-General ordenou a retirada do 4.º corpo aerotransportado da região de
Oseretchni. «Como não tínhamos aviões de transporte, foi retirada apenas a 8ª bri-
gada aerotransportada com dois mil homens.» 19
Até ao início de Fevereiro de 1942, o Alto Comando fascista tinha retirado da
França e de outras frentes reservas significativas que foram enviadas para Viazma.
Os grupos alemães conseguiram cercar numa região de floresta todo o grupo coman-
dado por Iefrémov e inúmeras brigadas de guerrilheiros.
Depois de dois meses de pesadas baixas de ambos os lados, no início de Abril a
situação de cerco tornou-se cada vez mais crítica para os soviéticos. O Alto Co-
mando da frente, Júkov, autorizou os generais Belov e Iefrémov a conduzir as tro-
pas para fora do cerco e a juntarem-se às forças principais da frente. Deviam rom-
per o cerco na região de Kirov. O 1.º corpo de cavalaria e as tropas aerotransporta-
das «executaram exactamente esta ordem» e abriram caminho a custo até às posi-
ções soviéticas. 20
O tenente-general Iefrémov considerou que este caminho era muito longo para as
suas esgotadas tropas e pediu licença «para partir para Ugra pelo caminho mais
curto.»
Stáline telefonou a Júkov e perguntou-lhe se estava de acordo. Júkov recusou «ca-
tegoricamente». Stáline respondeu que Iefrémov era um comandante-em-chefe ex-
periente e que se devia concordar com ele. O Quartel-General ordenou a organização
de um ataque na posição prevista para a brecha. Segundo Júkov, esta operação foi
«planeada e executada pelo 43.º Exército, mas o grupo de Iefrémov não alcançou o
sector previsto».
7
O grupo foi descoberto pelo adversário e aniquilado, Iefrémov, gravemente ferido,
suicidou-se para não cair nas mãos dos fascistas. 21
A quem deve ser atribuída «a culpa»? Quem cometeu os «erros»? Iefrémov? Jú-
kov? Stáline? Qual dos três sabia nessa altura que os alemães tinham ido buscar
reforços a França? Todos os três decidiram e agiram responsavelmente de acordo
com a sua avaliação da situação.
Com isto quer demonstrar-se que não é assim tão fácil atribuir «erros» a este ou
aquele comandante ou ao comandante supremo. Posteriormente, os «críticos» são
sempre muito sábios e, naturalmente, teriam feito tudo «de forma muito diferente».
Se tivessem nascido mais cedo, ao que nos teriam poupado!
Relate-se ainda uma outra ocorrência. O 16.º exército, comandado por Rokos-
sóvski, ocupou Sukhinitchi, importante cidade estratégica, no seguimento da ofen-
siva de Inverno na ala sul da Frente Oeste. Júkov, comandante-em-chefe da frente,
ordenou manter a cidade, «continuar a esgotar o adversário com ataques e im-
pedi-lo de se fixar duradouramente e concentrar forças.» 22
Segundo Rokossóvski, esta ordem era de difícil execução. É possível esgotar o ad-
versário com combates defensivos, para atingir um equilíbrio de forças, mas não é
possível esgotar e enfraquecer o adversário com ataques «quando ele possui de forma
inequívoca preponderância de forças, ainda por cima num Inverno rigoroso.» 23
«Com efeito, o adversário tinha sido rechaçado em Moscovo e sofrido uma der-
rota, mas a sua capacidade de defesa ainda estava inabalada. Afinal fixou posições
e reforçou-se com tropas frescas transferidas de Oeste para a frente germano-so-
viética. Na Europa ocidental as suas forças armadas não se confrontavam com os
nossos aliados. Os nossos soldados esgotados podiam apenas fazer recuar o adver-
sário nesta ou naquela zona. Mas isto custava forças sem que se conseguisse nada
de decisivo. As nossas tropas só avançavam com muita dificuldade. Repetidas visi-
tas a diferentes tropas e em diferentes sectores convenceram-me que não estáva-
mos em condições de alcançar um êxito decisivo. Os regimentos e divisões estavam
dispersos, faltavam metralhadoras, lança-granadas, artilharia e munições. Poucos
tanques sobraram.
A base da defesa adversária era constituída por pontos de apoio, em aldeias ou
bosques, os espaços entre eles estavam minados e eram cobertos com fogo de arti-
lharia. Nos ataques, a nossa infantaria só podia constituir esquadrilhas esparsas e
tinha de caminhar através da neve profunda sob intenso fogo. A nossa artilharia
dava pouco apoio, faltavam bocas-de-fogo e as munições eram escassas. Sem ver o
adversário, a nossa corajosa infantaria esgotou as suas forças muito antes do ata-
que e sofreu baixas.
Por isso considerei melhor utilizar a pausa respiratória ganha para passar à
defesa e concentrar forças e meios para uma poderosa ofensiva. Segundo informa-
ções do nosso estado-maior, o adversário era muito superior. Era um paradoxo: o
mais forte defende-se e o consideravelmente mais fraco ataca! E ainda por cima
enterrado na neve até às ancas.» 24
21 Idem, ibidem.
22 Rokossóvski, ibidem, p. 139.
23 Idem, ibidem.
24 Idem, ibidem, p. 139 e seg.
8
Rokossóvski enviou estas observações, com cálculos e conclusões, a Júkov. Rece-
beu a resposta lacónica: «Execute a ordem!» 25
Durante a ofensiva de Inverno, o equipamento técnico do exército soviético era
extremamente limitado. Júkov observava sobre isto: «As possibilidades do nosso
país, nesses meses decisivos, eram extremamente limitadas. As necessidades das
forças armadas não podiam ser cobertas como o exigia a situação e as nossas tare-
fas. Quando tínhamos assuntos a tratar no Quartel-General, mendigávamos lite-
ralmente ao Comandante Supremo espingardas antitanque, metralhadoras, 10 a
15 canhões antitanque e quantidades pequenas de balas e granadas. O que conse-
guíamos desta maneira era imediatamente carregado em carros e distribuído pelos
exércitos que mais necessitavam. O fornecimento de munições era particularmente
difícil. Da quantidade prevista de munições para os primeiros dez dias de Janeiro,
Assim, a frente recebeu apenas um por cento dos lança-granadas de 82mm e 20 a
30 por cento das munições de artilharia. No total, a frente recebeu em Janeiro de
1942, 2,7 por cento dos lança-granadas de 50mm, 36 por cento de lança-granadas
de 120mm, 55 por cento de lança-granadas de 82mm e 44 por cento de munições
para a artilharia. O plano de Fevereiro não foi sequer cumprido. Nos primeiros dez
dias não recebemos um único dos 316 vagões previstos. Por exemplo, não dispúnha-
mos de um único projéctil para os nossos lançadores múltiplos de foguetes, por isso
retirámo-los para a retaguarda.
Hoje ninguém pode imaginar que tivemos de introduzir a norma de um a dois
tiros por dia por cada peça de artilharia. E isto numa ofensiva!» 26
Frequentemente interrogado sobre o papel de Stáline durante a batalha por Mos-
covo, Júkov deu uma informação curta e concisa:
«Nessa altura Stáline esteve sempre em Moscovo. Organizou as forças e os meios
para a derrota do adversário. Na presidência do Comité de Defesa, apoiado nos
quadros dirigentes dos comissariados do povo, realizou um enorme trabalho de or-
ganização das necessárias reservas estratégicas e dos meios materiais e técnicos.
Com as suas firmes exigências, pode dizer-se que levou a cabo quase o impossível.» 27
Estava-se no início de Julho de 1942, quando Rokossóvski foi chamado ao Quar-
tel-General em Moscovo. Estava previsto o assumir o comando da Frente de Briansk
como comandante-em-chefe. «A recepção do Comandante Supremo foi afável.
Stáline informou-me em grandes traços sobre a situação na direcção de Voronej e
então disse-me que queria ajudar-me a completar o estado-maior e o comando da
Frente de Briansk com colaboradores adequados da minha escolha.» 28 Stáline
também aqui cumpriu a sua palavra e ordenou ao comandante-em-chefe da Frente
Oeste (Júkov, UH) que destacasse imediatamente os generais e oficiais escolhidos
por Rokossóvski.
«…os Hitlers vão e vêm, mas o povo alemão, o Estado alemão fica» 29
É assinalável que Stáline tenha expressado esta conhecida ideia na sua ordem n.º55
de 23 de Fevereiro de 1942, no 24.º aniversário do Exército Vermelho. A ameaça a
25 Idem, ibidem.
26 Júkov, ibidem, p. 435.
27 Idem, ibidem, p. 438.
28 Rokossóvski, ibidem, p. 159.
29 SW 14/266.
9
Moscovo tinha sido repelida, mas a União Soviética continuava em perigo. As tropas
fascistas alemãs tinham sofrido uma derrota, mas ainda eram suficientemente fortes
para abrir novas ofensivas perigosas contra o Exército Vermelho.
«O inimigo sofre derrotas, mas ainda não está vencido e ainda menos definiti-
vamente eliminado. O inimigo ainda é forte. Ele empregará as suas últimas forças
para atingir êxitos. E quantas mais derrotas sofrer, mais brutal se tornará.» 30
A distinção entre o povo alemão e a clique nazi atravessa toda a ordem. Na im-
prensa estrangeira veiculava a ideia de que o Exército Vermelho queria exterminar o
povo alemão, destruir o Estado alemão. Stáline responde que se trata de um «aranzel
estúpido e de difamação disparatada do Exército Vermelho». O Exército Vermelho
não tem tais «objectivos idiotas». Provavelmente a guerra terminará com a «expul-
são ou aniquilamento da clique hitleriana». «Nós saudaríamos» um tal fim. Mas
não se deve colocar em pé de igualdade o povo alemão com a clique hitleriana, afirma
Stáline, proferindo a citação atrás referida. E acrescenta que o Exército Vermelho não
conhece nenhum ódio racial, refutando certas afirmações da imprensa estrangeira,
de que os soviéticos «odeiam os alemães enquanto alemães», de que o Exército Ver-
melho não faz prisioneiros os soldados alemães. Os soldados e oficiais alemães que
se rendem são presos e poupa-se-lhes a vida, esclarece Stáline. Contudo, quando as
tropas de ocupação alemãs estão cercadas e recusam render-se sob condição de ga-
rantia das suas vidas, como aconteceu em Kalínine , Klin, Sukhinitchi, Andreapol e
Toropets, então são aniquiladas. «Guerra é Guerra.» 31
Na ordem n.º 130 de 1 de Maio de 1942, 32 Stáline repetiu algumas ideias funda-
mentais que já tinha apresentado no seu discurso de 6 de Novembro de 1941, porém
acrescentou novos aspectos. A sua crítica aos «nacional-socialistas», que nem eram
nacionalistas, nem socialistas, foi actualizada:
«Diz-se que os fascistas alemães são portadores da cultura europeia, que condu-
zem esta guerra para levar esta cultura a outros países.» 33
A formulação «diz-se» indica que esta visão da «cultura europeia» não era só di-
vulgada pela propaganda de Goebbels, mas também noutros países, entre eles [paí-
ses] neutrais. A tese divulgada por Goebbels, de que a Alemanha fascista defende a
Europa contra o bolchevismo, encontrou aceitação entre estratos da burguesia e da
pequena burguesia, não só na Alemanha, mas também noutros países europeus. O
antibolchevismo, desde 1917, era, não só na Alemanha, o núcleo central das institui-
ções de propaganda burguesas, inclusive da II Internacional social-democrata. Quase
60 anos mais tarde, revisionistas da História defendem ainda – ou de novo –, mais
ou menos abertamente, a tese de que Hitler salvou a Europa do bolchevismo!
A propaganda da «Europa», como a tese do aniquilamento do povo alemão pelo
Exército Vermelho, foi intensificada por Goebbels depois da derrota da Wehrmacht
em Stalingrado e em Kursk. Stáline era da opinião de que amadurecia no povo ale-
mão a ideia de que a derrota da Alemanha era inevitável, e de que se tornava cada
vez mais claro que a única saída era a eliminação da clique de aventureiros Hitler-
Göring. 34
10
Depois da derrota dos exércitos alemães em Moscovo surgiram seguramente as
primeiras dúvidas sobre uma «vitória» da Alemanha, mas só uma minoria dos ale-
mães pensava na necessidade do derrubamento dos fascistas que detinham o poder.
Era certo que a vontade de resistência dos países ocupados pelas tropas fascistas
não estava quebrada. «Toda a Jugoslávia e as regiões soviéticas ocupadas pelos ale-
mães estão cobertas pelas chamas da guerra de guerrilha.» 35
Isto era correcto. Mas o movimento de resistência nos países europeus ocidentais
só ganhou grande impulso depois de Stalingrado. A tendência para a resistência ar-
mada no movimento de resistência internacional foi bem identificada por Stáline.
A formulação de que os «povos de todos os países amantes da liberdade» olham
para a União Soviética, como «a força capaz de salvar o mundo da peste de Hitler»,
reflectia a crescente autoridade da União Soviética e do Exército Vermelho. 36
Era também justa a afirmação de que a ofensiva de Inverno do Exército Vermelho
«introduziu uma alteração profunda no desenrolar da guerra.» Depois da retirada
temporária, o Exército Vermelho «passou da defesa activa para a ofensiva exitosa
contra as tropas inimigas». 37 Sem dúvida que a «ofensiva exitosa» em Moscovo ti-
nha terminado com a «estratégia da guerra relâmpago» do comando fascista, mas
esta ofensiva ainda não era a ofensiva geral para «a libertação do território sovié-
tico», pelo que Stáline cautelosamente se referiu a ela como uma «fase». Sob o as-
pecto teórico-militar, a ofensiva de Inverno fez parte da defesa estratégica, a qual
também inclui contra-ataques.
Stáline repetiu que conduziam uma «guerra patriótica, uma guerra de liberta-
ção, uma guerra justa», para a libertação de todo o país do ocupante alemão. 38
Nas suas frases finais referiu que o Exército Vermelho possuía tudo o que preci-
sava. «Só lhe falta uma coisa – perícia para aproveitar plenamente contra o ini-
migo os meios técnicos de combate de primeira classe que a nossa pátria lhe dispo-
nibiliza». Por isso era tarefa dos combatentes do Exército Vermelho aprenderem
«empenhadamente», «estudarem na perfeição as suas armas, tornarem-se mestres
na sua especialidade e, desse modo, aprenderem com segurança a derrotar o ini-
migo.» 39 Segue-se a enumeração do que cada um tinha de aprender, desde o simples
soldado até ao comandante das unidades militares. Estas últimas referências no texto
dão conta da existência de um problema sério no Exército Vermelho – a insuficiente
qualificação dos combatentes. O atraso educativo herdado do tempo dos tsares não
podia ter ser totalmente superado no curto período de paz de 20 anos (1920-1940).
A escolaridade primária obrigatória universal só pôde ser introduzida a partir de
1930. Nesse ano, 37,4 por cento da população soviética ainda era analfabeta. 40 A
produção de armas modernas de alta qualidade e a sua entrega ao Exército Vermelho
era uma coisa, a sua utilização, manutenção e reparação quando necessário eram ou-
tra. Stáline sabia que o Exército Vermelho tinha ainda muito para aprender nos com-
bates, tinha de aprender nas condições de combate terríveis o que em tempo de paz
não pudera aprender devido a circunstâncias objectivas concretas. Os séculos de do-
mínio tsarista lançavam uma longa sombra.
35 Idem, ibidem.
36 Idem, ibidem, p. 273.
37 Idem, ibidem.
38 Idem, ibidem, p. 275.
39 Idem, ibidem, p. 275 e seg.
40 SW 12/262.
11
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XXI)
Ulrich Huar
Capítulo II
Stalingrado
Sobre a principal linha de ataque da Wehrmacht alemã no Verão de 1942
Discussões no Quartel-General
1
as forças do adversário ainda eram muito poderosas e, por isso, o Exército Ver-
melho deveria limitar-se a uma defesa estratégica activa. Pequenas operações de
ataque deviam realizar-se, simultaneamente, na Crimeia, na região de Kharkov,
nas direcções Lgov-Kursk e Smolensk assim como em Leningrado e Demiansk.2
Chapochnikov, chefe do Estado-Maior, estava «em princípio» de acordo com
Stáline. No entanto, queria limitar-se à defesa estratégica e desistir das pequenas
operações ofensivas. Até ao Verão, o adversário devia ficar esgotado e enfraque-
cido com as operações de defesa. Depois da constituição de reservas, o Exército
Vermelho devia então iniciar uma grande ofensiva no Verão.
Júkov partilhava a opinião de Chapochnikov, mas queria, no início do Verão,
derrotar as tropas fascistas na região Rjev-Viazma. O adversário tinha aí «con-
centrado forças poderosas».3
QG e Estado-Maior consideravam a direcção Oriol-Tula e Kursk-Voronej espe-
cialmente perigosa. A partir daí podia iniciar-se um ataque para cercar Moscovo.
Júkov concordou, no fundamental, com o prognóstico de Stáline, queria, con-
tudo – como também Chapochnikov – desistir de pequenas operações ofensivas,
que sorveriam as reservas e assim dificultariam a preparação da ofensiva geral.
Propôs a Stáline «em primeiro lugar atacar fortemente na direcção Oeste para
derrotar as tropas adversárias na região Viazma-Rjev.»4 Júkov orientava-se as-
sim para a derrota do adversário na direcção Oeste. Havia diferenças entre
Stáline, Chapochnikov e Júkov no que diz respeito às considerações tácticas –
realizar ou não pequenas operações ofensivas no âmbito da defesa estratégica –
mas não no que diz respeito à direcção estratégica principal. O principal perigo
encontrava-se, segundo os três, na Frente Ocidental Viazma-Rjev, Oriol-Tula, di-
recção principal Moscovo.
Como a questão da direcção principal da ofensiva alemã tinha importância es-
tratégica e era muito complexa, Stáline convocou uma reunião em que se discutiu
a situação geral e as possíveis variantes.
Esta reunião realizou-se no final de Março no Comité Estatal de Defesa. Partici-
param Voróchilov, Timochenko, Chapochnikov, Vassilévski, Bagramian e Júkov.
Como escreveu o tenente-general Bagramian, chefe do grupo operativo da
Frente Sudoeste (mais tarde marechal da União Soviética), Timochenko era da
opinião de que existia na Frente Sudoeste «uma posição inicial favorável», a par-
tir da qual, avançando pelo Norte e pelo Sul, se podia conquistar Kharkov, que
estava ocupada pelo adversário. Segundo Timochenko, o Conselho de Guerra da
Frente Sudoeste era da opinião de que «com o início do Verão, o alto comando
fascista irá dirigir os seus esforços principais na direcção de Moscovo para con-
quistar a nossa capital. Na direcção Sudoeste, o adversário contentar-se-á com
um ataque secundário. O QG também partilha deste ponto de vista. Partindo
daqui», esclarece Timochenko, «podíamos executar, com base nas posições al-
cançadas no Verão, várias operações de ataque coesas na direcção Sudoeste
2
para libertar Kharkov e a bacia de Donetsk. Para isso, a direcção Sudoeste tem
de ser reforçada atempada e suficientemente com pessoas, meios de combate,
munições e reservas.»
Timochenko e Khruchov não se guiavam só por puros raciocínios militares, mas
também pela ideia de reforçar o potencial militar-industrial do país, através da li-
bertação da bacia de Donetsk e do importante centro industrial de Kharkov. 5
O estado-maior da Frente Sudoeste elaborou um documento que foi entregue
a Stáline. Nele referiam-se as possíveis intenções do alto comando alemão. «Se-
gundo informações dos serviços de inteligência e declarações dos prisioneiros,
o adversário concentra as suas reservas, com um considerável número de tan-
ques, a Leste de Gomel e nas regiões de Krementchug, Kirovograd e Dneprope-
trovsk, manifestamente com o objectivo de passar à acção na Primavera.
De momento é difícil prever a dimensão deste ataque. Sobre as prováveis di-
recções e as intenções operativo-estratégicas do adversário só podem ser feitas
suposições.
Pensamos que o adversário dirigirá de novo os seus esforços principais na
direcção de Moscovo. Com este objectivo, o seu grupo principal procura persis-
tentemente manter a sua posição em Moscovo, enquanto as suas reservas se
concentram contra a ala esquerda da Frente Ocidental (para Leste de Gomel e
na região de Briansk).
Paralelamente a ataques frontais contra a Frente Oeste, o adversário procu-
rará, com poderosas unidades motorizadas, a partir da região Briansk e Oriol,
contornar Moscovo pelo Sul e Sudoeste, alcançar o Volga, na região de Gorki, e
isolar a capital dos importantes centros industriais e económicos da região do
Volga e do Ural.
A Sul espera-se um ataque de poderosas forças do adversário entre o Norte
do rio Donets e a bacia de Taganrog com o objectivo de alcançar o curso inferior
do Don e ainda nos campos de petróleo no Cáucaso.
Provavelmente, este ataque deverá ser acompanhado por um ataque secun-
dário a Stalingrado e operações de desembarque na costa do Mar Negro a par-
tir da Crimeia.
Para assegurar a entrada em acção das suas forças principais contra Mos-
covo e o Cáucaso, sem dúvida que o adversário procurará executar um ataque
secundário a Voronej, a partir da região de Kursk. Se estas forças alcançarem
a região de Voronej-Liski-Valuiki, perderemos as importantes linhas férreas
que ligam Moscovo à bacia de Donetsk e ao Cáucaso.
As condições meteorológicas, a Sul em meados de Abril e a Norte na primeira
metade de Maio, possibilitam acções de combate de grande envergadura.
Mas se considerarmos a vantagem que traz o ataque simultâneo de poderosas
forças em todas as frentes, então é de admitir que o adversário iniciará acções de
ataque decisivas em meados de Maio deste ano.»6
5 I. Ch. Bagramian, Assim Avançámos Para a Vitória, Moscovo 1977/Berlim 1984, p. 45.
6 Arquivo do Ministério da Defesa da URSS (AMV), Fundo 251, Lista 646, Acta 145, Folha
35. Citado de acordo com Bagramian, ibidem, p. 47 e seg.
3
Conclui-se deste documento, que Timochenko também esperava o ataque
principal contra Moscovo e «um ataque poderoso» a Sul, com o objectivo de con-
quistar os campos petrolíferos do Cáucaso. O adversário iria utilizar as suas forças
principais contra Moscovo e o Cáucaso. Portanto, Timochenko incluiu a direcção
Sul no seu prognóstico, todavia não como direcção principal.
Timochenko defendeu a proposta de executar um «ataque operativo» limitado
contra Kharkov «para melhorar a situação das nossas tropas na estratégica di-
recção Sudoeste».7 Trata-se, portanto, de uma «ofensiva estratégica» na região
de Kharkov.
Na já referida reunião no Comité de Defesa, Vorochílov apoiou a proposta de
Timochenko. Júkov declarou-se repetidamente contra várias operações de ataque.8
As opiniões não eram, portanto, coincidentes sobre as variantes tácticas. De-
pois da reunião, seguiu-se a directiva de Stáline para preparar e executar opera-
ções na Crimeia, na região de Kharkov e noutras direcções. Stáline não decidiu,
de forma nenhuma, «solitariamente», mas depois de uma reflexão colectiva, na
qual a maioria dos participantes, não só Stáline, foi da opinião de que o ataque
principal do exército alemão seria na Frente Ocidental, na direcção de Moscovo,
com tentativas de desvio a partir do Sudoeste. O plano para a Operação Kharkov
foi elaborado por Bagramian. «Na noite de 30 de Março, foi analisado e apro-
vado por Stáline, Chapochnikov e Vassilévski na nossa presença.»9 Bagramian
conclui: «Quer do ponto de vista estratégico, quer da perspectiva operativa, a
decisão do Alto Comando de iniciar a Operação Kharkov em Maio de 1942 es-
tava correcta, baseando-se na opinião largamente partilhada no QG de que o
Alto Comando fascista, com o início do Verão, utilizaria as suas forças princi-
pais na direcção de Moscovo e parte delas contra a direcção Sudoeste. Esta opi-
nião não era só partilhada pelo Alto Comando e o QG, mas também pelos co-
mandantes da maioria das frentes, entre eles o comandante da Frente Sudoeste.
Eu próprio era desta opinião.»10
Quer as operações na Crimeia, quer a operação para libertar Kharkov termina-
ram numa derrota. Para Júkov a causa da derrota das operações de ataque na
região de Kharkov foi «principalmente a subestimação do perigo real que a es-
tratégica direcção Sudoeste continha (…) O QG não tinha concentrado as reser-
vas necessárias para esta operação.»11
Bagramian viu a principal razão para o fracasso da Operação Kharkov no facto
de o QG e a direcção da Frente Sudoeste acreditarem que o ataque principal do
Alto Comando alemão seria na direcção de Moscovo e que no Sul só se deveria
esperar um ataque secundário. Cita abundantemente um artigo posterior de Vas-
silévski, de 1965: «No Verão e Outono de 1941, o grupo adversário mais pode-
roso actuava na direcção estratégica de Moscovo, onde eclodiram combates
cruéis. Este acontecimento trágico para nós ainda estava bem vivo na nossa
4
memória. Na campanha de Inverno 1941/42, as nossas tropas puderam recha-
çar as tropas do adversário, mas a nossa capital manteve-se ameaçada. Até fi-
nal de Abril de 1942, o grupo adversário mais poderoso mantinha-se, como an-
tes, no sector central da frente soviético-alemã. Perante este facto, o QG e o Alto
Comando retiraram conclusões erradas: consideraram que, com o início do Ve-
rão, os combates se iriam desenrolar de novo principalmente na região de Mos-
covo e que o adversário tentaria, exactamente aqui, na direcção central, derro-
tar-nos definitivamente.
(…) Depois da campanha de Inverno 1941/42 – o adversário ainda era con-
sideravelmente superior em homens e equipamento e nesse tempo ainda nos fal-
tavam reservas capazes, assim como recursos materiais – no QG tinha-se a con-
vicção inabalável de que a tarefa principal, na Primavera e no início do Verão,
consistia numa defesa estratégica temporária.
(…) O Comandante Supremo concordou com as conclusões e propostas do
chefe do Alto Comando, mas ordenou o planeamento de operações de ataque em
diferentes direcções para, por um lado, melhorar a situação operativa e, por
outro, antecipar-se a ataques do adversário. Consequentemente estavam pre-
vistas operações junto a Leningrado, na região Demiansk, nas direcções de
Smolensk e Kursk-Lgov, na região Kharkov e na Crimeia.
Os acontecimentos do Verão de 1942 tornaram claro que a passagem para a
defesa estratégica temporária em toda a frente soviético-alemã e a renúncia à
execução de operações de ataque – por exemplo a de Kharkov – teria poupado
ao país e às nossas tropas as pesadas derrotas e ter-nos-iam dado a possibili-
dade de passarmos bastante mais cedo às operações de ataque e assumir de
novo a iniciativa.
O erro do QG e do Alto Comando no planeamento dos combates para o Verão
de 1942 foi posteriormente considerado, especialmente no Verão de 1943,
quando se decidiu o carácter dos combates na bacia de Kursk.»12
Ou seja, Vassilévski também viu a razão principal da pesada derrota do Exér-
cito Vermelho a Sul, na Primavera de 1942, na previsão errada do suposto ataque
principal do adversário na direcção de Moscovo. Stáline manteve este ponto de
vista até Julho.13
Atrás provou-se que não era só Stáline que defendia este prognóstico errado.
Mas, enquanto Comandante Supremo, cabia-lhe a decisão final, era sua a respon-
sabilidade pela derrota, à qual também não se esquivou. Júkov comentou sobre
isto: «Stáline compreendera que a difícil situação no Verão de 1942 também era
consequência do seu erro pessoal, que tinha cometido na implementação do
plano para os combates na campanha de Verão de 1942. Ele não procurou ou-
tros culpados entre os camaradas dirigentes do QG e do Estado-Maior.»14
12 Voienno Istoristcheski Jurnal, Nº 8/1965, pp. 3-10. Citado de acordo com Bagramian,
ibidem, p. 105 e seg.
13 Idem, ibidem, p. 107.
5
Bagramian confirma, na sua perspectiva, o comportamento de Stáline a pro-
pósito da derrota na frente em Kharkov. Na avaliação dos acontecimentos
«Stáline estava calmo e reservado (…) Podia ter-nos feito acusações sérias por
causa dos nossos erros, mas Stáline tratou todo este assunto com calma e
grande dignidade.» Bagramian pensava «que o autocontrolo na condução dos
combates era uma das características mais assinaláveis de Stáline. Reflectia-se
positivamente na sua acção enquanto militar, político e comandante militar.»15
Na avaliação errada do QG e do Estado-Maior deve-se ter em conta que as in-
formações sobre o adversário eram muito incompletas. Quando tiveram de tomar
as suas decisões os generais desconheciam as informações, que mais tarde pude-
ram incluir nas suas memórias, contidas nos documentos do Alto Comando da
Wehrmacht (OKW).
Bagramian inclui uma compilação do Estado-Maior da Wehrmacht de 6 de Ju-
nho de 1942 sobre a situação da Wehrmacht: «Apesar de, entre 22.2.41 e 1.5.42,
se ter enviado um milhão e cem mil homens para o Exército Leste (sem contar
com os soldados curados regressados dos hospitais militares), a 1.5.42 havia
provavelmente 625 mil lugares vagos no Exército Leste, que afectavam princi-
palmente as tropas em combate. As unidades do Grupo de Exércitos Sul pos-
suem cerca de 50 por cento da sua infantaria inicial e o Grupo de Exércitos Cen-
tro e Norte cerca de 35 por cento. Até ao início da operação deve contar-se com
o reforço das divisões do Grupo de Exércitos Sul à sua máxima potência, até
Agosto de 1942 com o reforço das divisões do Grupo de Exércitos Centro e Norte
(cada divisão só tem seis batalhões) em 55 por cento da sua capacidade de com-
bate de infantaria inicial.»
Mais à frente: «O Grupo de Exércitos Centro e Norte só irá dispor de uma
unidade blindada por exército (…) A grande perda de viaturas durante a cam-
panha de Inverno – de 1.11.41 até 15.3.42, 75 mil viaturas para um fornecimento
de sete mil – e a enorme perda de cavalos – de 1.11.41 a 15.3.42 cerca de 180 mil
para cerca de 20 mil repostos – dificultou fortemente a possibilidade do resta-
belecimento total da mobilidade do Exército até ao início da operação (…)
Força Aérea: número de aviões operacionais reduzido em média em 50 a 60
por cento, em relação à situação em 1 de Maio de 1941. Quanto à artilharia an-
tiaérea, aumento do stock, mas pessoal insuficiente. A capacidade de defesa da
Wehrmacht, no seu conjunto, é mais baixa do que na Primavera de 1941, dada
a impossibilidade de um completo refrescamento do pessoal e do material.»16
«Infelizmente o Alto Comando desconhecia, à época, estas informações tão
importantes para nós. O QG e o Estado-Maior não tinham a possibilidade de
determinar a real situação do adversário em toda a sua dimensão.
Graças aos esforços heróicos do Partido Comunista e do povo soviético, a
capacidade do nosso Exército Vermelho aumentou para 5,1 milhões de homens
até ao início da ofensiva do Verão de 1942. Possuía mais de 44 900 canhões e
lança-granadas, quase 3900 tanques e cerca de 2200 aviões de combate. Nesta
6
altura a Alemanha fascista e os seus aliados tinham na frente soviético-alemã
cerca de 6,2 milhões de homens, 3229 tanques e canhões de assalto, 3395 aviões
de combate e 56 941 bocas-de-fogo e lança-granadas.
Desta comparação é fácil perceber que o adversário continuava a ser superior.
A superioridade quantitativa e qualitativa no que respeita aos aviões assegurava
ao adversário um domínio do ar esmagador. Quanto aos blindados éramos sen-
sivelmente superiores, mas uma parte importante era qualitativamente inferior
aos blindados alemães no que diz respeito às suas capacidades de combate.»17
7
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
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Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XXII)
Ulrich Huar
Capítulo II
1 Sobre isto veja Kurt Pätzold, Stalingrad und kein zurück. Wahn und Wirklichkeit
(Stalingrado Sem Regresso. Loucura e Realidade), Leipzig, 2002, capítulo 4, A instrução n.º
41, pp. 32-40.
1
A 19 de Julho, as unidades blindadas alemãs alcançaram o curso inferior do
Don e avançaram rapidamente para o Cáucaso. A 26 de Julho, as tropas do 6.º
exército chegaram à grande curva do Don, a cerca de 80 quilómetros de Stalin-
grado. A 23/24 de Julho, as tropas alemãs conquistaram pela segunda vez Rostov
no Don.
A ofensiva de Verão não foi menos perigosa para a existência da União Sovié-
tica do que a ofensiva de 1941. Apesar de ter sofrido baixas irreparáveis no In-
verno de 41/42, a Wehrmacht continuava a representar uma verdadeira ameaça
para a União Soviética. O Exército Vermelho também tinha sofrido pesadas bai-
xas, que também não puderam ser todas recuperadas. Na literatura de guerra so-
viética não existem números sobre as próprias baixas, para além de uma ou outra
informação. O tenente-general Antipenko refere cerca de 300 mil mortos na 1ª e
2ª frente bielorussa e 1ª frente ucraniana durante a operação Berlim de Abril de
1945. 2 É compreensível que durante a guerra não tenham sido publicados dados.
Manifestamente, continuaram a existiram reservas em publicá-los depois da
guerra. Assim, nos relatórios dos generais só se referem baixas «elevadas» ou
«pesadas». No total, calcula-se que a URSS tenha perdido cerca de dez por cento
da população na Grande Guerra Pátria, cerca de 25 a 30 milhões de pessoas, nas
quais se incluem as baixas na população civil nas regiões ocupadas pelos fascistas. 3
Esta era, resumidamente, a situação quando foi emitida a Ordem n.º 227 de
28 de Julho do Comissariado do Povo para a Defesa.
Esta ordem só é citada parcialmente nas memórias dos generais. Refere-se,
principalmente, os seus efeitos político-ideológicos e psicológicos.
A ordem mostra com impiedosa franqueza a gravidade da situação. Depois
da enumeração das baixas no país, na Ucrânia, na Bielorrússia, nos países bál-
ticos, na região de Donetsk, as perdas em pão, metais, oficinas e fábricas, os 70
milhões de habitantes que estavam cercados, segue-se a constatação de que
«não somos superiores aos alemães nem em reservas humanas, nem em reser-
vas de cereais». «Mais uma retirada significa a nossa destruição e a da nossa
pátria». É «já tempo de parar com as retiradas». «”Nem um passo atrás!” tem
de ser a nossa consigna mais importante. É preciso sermos persistentes, defen-
der até à última gota de sangue cada posição, cada metro de terra soviética, é
preciso segurar cada pedaço de terreno e defendê-lo até ao fim.»
As fábricas e as oficinas trabalhavam excelentemente, a frente recebia cada vez
mais aviões, tanques e lança-granadas. O principal problema era a falta «de or-
dem e disciplina nas companhias, batalhões, regimentos, divisões, nas unidades
blindadas, nos esquadrões da força aérea.» «Aqui reside o nosso maior erro».
«Tem se introduzir ordem rigorosa e disciplina férrea» nas forças armadas. Não
se tolerará mais comandantes que retiram das suas posições por iniciativa pró-
pria. Da mesma forma não se permitirá que «alguns alarmistas (…) induzam ou-
tros à retirada e assim abram a frente ao inimigo. Os pessimistas e os cobardes
têm de ser imediatamente eliminados.»
2
A ordem continha indicações sobre as companhias e unidades punitivas que
foram introduzidas depois da retirada no Inverno de 41/42 para reforçar a dis-
ciplina da Wehrmacht. Tinha sido um êxito. Os alemães combatiam agora me-
lhor do que no Inverno, tinham «uma boa disciplina», apesar de só lutarem
«pelo objectivo predatório de subjugarem um país estrangeiro». «As nossas
tropas, pelo contrário, têm o elevado objectivo de defender a sua pátria ame-
açada». As derrotas sofridas deviam-se à falta de disciplina. «Tal fizeram os
nossos antepassados, também nós temos de aprender com o inimigo para de-
pois o vencermos.»
Segue-se a ordem do Alto Comando do Exército Vermelho para a formação de
batalhões punitivos, assim como três a cinco unidades bem armadas com até 200
homens que «devem ser colocadas atrás de unidades de pouca confiança, com a
tarefa de abater a tiro todos os desertores e cobardes, no caso de uma retirada
desordenada dessas unidades, e assim apoiar todos os combatentes honestos na
defesa da sua pátria». Esta ordem foi lida em todas as companhias, esquadrões,
baterias e estados-maiores.
Sessenta anos depois (!) esta ordem não deve ser avaliada e condenada se-
gundo critérios morais abstractos, como acontece frequentemente. Também não
há nenhuma razão para não a publicar.
Esta ordem é um documento histórico, que caracteriza a gravidade da situação
da União Soviética em Julho de 1942. Não é a ordem que é «bárbara», como se
pode ler em publicações burguesas e também «de esquerda». Bárbaro foi o as-
salto da Wehrmacht fascista à União Soviética, uma guerra de saque e conquista,
que devia conduzir à «escravatura» dos «sub-humanos» «eslavos» e «asiáti-
cos», isto é, a população da União Soviética, e até mesmo ao extermínio físico de
grande parte dela. Este objectivo dos fascistas está registado e comprovado em-
piricamente nas regiões da União Soviética ocupadas pelos fascistas. Refira-se
aqui, simplesmente, os famosos discursos à mesa de Hitler no QG do Führer. 4
Os povos da União Soviética estavam, literalmente, perante a questão de
Hamlet: «Ser ou não ser». Situações históricas excepcionais exigem medidas
excepcionais.
Também não se pode comparar as medidas da Wehrmacht fascista para refor-
çar a disciplina militar com as tomadas pelo Exército Vermelho, como a ordem
expressamente refere. A oposição entre uma guerra de saque e de conquista e uma
guerra de libertação não pode ser esbatida com analogias entre ambos os lados,
como fazem os representantes da doutrina do totalitarismo e da «barbárie dos
dois ditadores». A distinção entre guerras justas e injustas mantém-se um axioma
irrenunciável da teoria militar marxista-leninista e deve ser aplicado na avaliação
histórica desta ordem.
Nesta ordem, Stáline sublinhou o carácter da guerra como de defesa da pátria.
O aspecto de classe da guerra foi subordinado ao interesse nacional da defesa da
pátria. A Grande Guerra Pátria foi parte da II Guerra Mundial, que Stáline, desde
3
o início, designou por guerra de libertação antifascista. Os Estados da coligação
anti-Hitler eram, com excepção da União Soviética, Estados capitalistas. Os inte-
resses de classe coincidiram, nesta guerra, com os interesses gerais dos povos da
coligação anti-Hitler, a defesa da sua independência nacional contra a barbárie
fascista. Porém, isto não significa que os governos dos Estados capitalistas desta
coligação tivessem abdicado dos seus especiais interesses capitalistas. Porém, fo-
ram obrigados, também pela pressão das massas populares nos seus países, a su-
bordinar os seus interesses específicos ao combate contra a coligação fascista. Fo-
ram as massas populares que determinaram o carácter da guerra enquanto guerra
de libertação antifascista e não a oligarquia financeira dominante destes Estados.
A derrota da coligação fascista, cuja potência principal era a Alemanha fascista,
constituía a condição prévia para a realização dos interesses da classe operária
internacional. Este carácter antifascista da guerra foi reforçado pelo facto de co-
munistas lutarem na linha da frente em todos os países, assumirem um papel do-
minante na resistência. A União Soviética era a potência principal na coligação
anti-hitleriana. Nas forças armadas soviéticas, exército e marinha de guerra, no
final de 1941 já havia 1,3 milhões de comunistas, o dobro do início da guerra. 5
Apesar de o aspecto de classe estar subordinado ao carácter antifascista da
guerra, manteve-se, no entanto, latente durante toda a guerra. O carácter antifas-
cista da guerra não impediu os governos da Grã-Bretanha e dos EUA de afirma-
rem os seus interesses imperialistas durante a guerra, o que se tornaria evidente
especialmente na problemática do estabelecimento da segunda frente, como se
mostrará mais adiante.
Júkov só se referiu de passagem à ordem n.º 227, com a observação de que
previa medidas radicais para combater os alarmistas e pessoas que violassem a
disciplina. A ordem condena todos os desejos de retirada. A consigna «Nem um
passo atrás!» tinha de se transformar em lei férrea das tropas. A eficácia da or-
dem foi apoiada através do trabalho político. 6
O comandante-em-chefe do 47.º Exército no Cáucaso, major general Gretchko
(mais tarde marechal da União Soviética) escreveu:
«A ordem de Stáline teve uma importância enorme para o reforço da situa-
ção político-moral das forças armadas, para a educação no espírito da disci-
plina e ordem militares férreas, assim como para a defesa obstinada.
Para cumprir esta ordem, foi necessário, num curto espaço de tempo, cons-
ciencializar cada soldado e cada oficial destas exigências. Para realizar este tra-
balho, a administração política da frente e os departamentos políticos das for-
ças armadas enviaram muitos quadros políticos para as unidades, que, em con-
junto que os comandantes, esclareciam convincentemente os soldados sobre as
exigências e a necessidade da ordem.
Por todo o lado, nos grupos ou nas unidades, realizaram-se reuniões do Par-
tido e do Komsomol nas quais se aprovaram resoluções sobre o reforço da dis-
ciplina militar e a luta contra os alarmistas. Para além disso, nas unidades, os
4
quadros do Partido promoviam seminários em que discutiam as formas concre-
tas e métodos para explicar as exigências fundamentais da ordem. Os promoto-
res destas iniciativas, cuja origem era a exigência do Partido “Nem um passo
atrás!”, foram os comunistas. Falavam sobre a situação difícil na frente, sobre
o perigo que ameaçava a pátria soviética e apelavam à responsabilidade dos
membros das forças armadas perante a necessidade de reconhecer que estava
em jogo o destino do país e a existência do estado soviético, a vida dos povos da
URSS.» 7
O general Tchuikov, comandante-em-chefe do 62.º Exército em Stalingrado
(mais tarde marechal da União Soviética) recordou que a ordem n.º 227 «desem-
penhou um papel importante no trabalho político daqueles dias. Sem rodeios,
falava-se do agravamento da situação e do que tinha de ser feito para afastar o
perigo.» 8 Tchuikov cita pormenorizadamente passagens importantes da ordem.
«Assim que as forças armadas tomaram conhecimento da ordem de ocupar
posições defensivas, comandantes e quadros políticos juntaram-se aos soldados
e marcharam com eles para os postos mais avançados, superando em marchas
forçadas a vastidão das estepes. Os quadros políticos explicavam as tarefas que
se colocavam às forças armadas, explicavam a táctica e os métodos do adver-
sário. A ordem n.º 227 marcou uma nova etapa no trabalho político. Agora, sem
disfarçar nada, os quadros políticos explicavam aos soldados qual era a situa-
ção real e exigiam que todas as ordens fossem cumpridas estritamente. Os co-
mandantes de todos os níveis reconheceram que a retirada já não era solução.
Seria ingénuo pensar que a mudança na mentalidade dos soldados foi provo-
cada pela ordem. Esta apenas expressava o que desde o início da campanha de
Verão tinha amadurecido em todos nós. Por si só a ordem não teria produzido
qualquer efeito se centenas de milhares de homens não tivessem tomado cons-
ciência da nossa trágica situação. Dor, raiva e amargura dominavam os nossos
soldados nos dias da difícil retirada. Muitos dirigiram-se a mim. “Que no ano
passado tenhamos retirado, compreende-se”, diziam. “O ataque surpresa, a
perda de muitos aviões e tanques, mesmo antes de termos começado a comba-
ter... Mas agora temos tanques, aviões, armas, podemos parar o inimigo. Então
porque retiramos?”
Nesses dias, o estado-maior já conhecia reacções do adversário a esta ordem.
Seria de supor que ficasse pelo menos preocupado, apesar de estar consciente
do seu poderio e da sua superioridade. Aconteceu o contrário. O comandante
de um corpo alemão, por exemplo, comunicou aos seus soldados que a ordem de
Stáline era insignificante para o desenrolar dos acontecimentos militares. Po-
rém, poucos dias depois, o general teve de se emendar. Numa segunda ordem,
avisou os seus oficiais de que tinha de se contar com uma resistência russa re-
forçada. O antigo oficial fascista Hans Doerr escreveu que a partir de 10 de
Agosto se constatou uma maior resistência do adversário.» 9
5
O general Bagramian, comandante-em-chefe do 16.º Exército na Frente Oci-
dental, declarou que a ordem n.º 227 estava «no centro» do trabalho político. «Os
comandantes e os quadros políticos explicaram aos soldados o conteúdo desta
ordem para que todos, desde o simples soldado ao general, compreendessem a
gravidade da situação no Sul. As palavras simples e certeiras deste documento
não deixavam ninguém indiferente. Provocavam a ambição indomável de com-
bater o odiado adversário até à última gota de sangue.» 10 A ordem teve «uma
influência essencial no moral dos nossos soldados e oficiais». 11 «Em poucos dias,
a ordem tomou conta do nosso pensamento e das nossas emoções (…) Nenhum
sector das tropas saiu da sua posição sem ordem.» 12
É de assinalar que, nos excertos sobre a ordem nº 227 incluídos nas memórias
dos generais, não se referem as instruções sobre a constituição de companhias
punitivas e tribunais de guerra para fuzilar «desertores» e «cobardes», as quais
não podiam passar despercebidas. Da ordem resulta claramente que havia cobar-
des, alarmistas e desertores entre os soldados e oficiais do Exército Vermelho.
As rigorosas medidas punitivas, determinadas pela situação, eram o comple-
mento necessário ao apelo à honra dos soldados e dos oficiais. Nenhum exército
do mundo, até hoje, passou sem uma justiça militar, em que o rigor das leis cor-
responde às condições concretas dos combates. Enquanto existirem classes, luta
de classes, estados e exércitos, enquanto a guerra for a normalidade do imperia-
lismo, haverá também no futuro justiça militar, tribunais de guerra, pelo que se
deve fazer a diferença de acordo com o conteúdo de classe, segundo o carácter de
classe do Estado e do exército. Sob este aspecto de classe não há nenhuns «sinais
de igualdade» entre os tribunais de guerra da União Soviética e os da Alemanha
fascista.
6
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
_____________________________
Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XXIII)
Ulrich Huar
Capítulo II
A «segunda frente»
1 SW 114/284.
2 Correspondência entre Stáline, Churchill, Attlee, Roosevelt e Truman 1941-1945, Ber-
lim, 1961, p. 75 e seg. (De seguida «Correspondência»).
1
As dificuldades sentidas pelo Exército Vermelho devido à recusa em abrir a se-
gunda frente em 1942 «sem dúvida que também contribuiriam para o agravamento
da situação militar da Inglaterra e dos outros aliados…».
O ano de 1942 oferecia, na sua opinião e na dos seus colegas, «condições favo-
ráveis para a abertura de uma segunda frente, porque quase todas as tropas ale-
mãs, e entre elas as mais poderosas, se concentravam na Frente Leste; na Europa
ficou um número insignificante de tropas, que eram também as mais fracas.» Não
se podia saber se no ano seguinte continuaria a haver condições favoráveis para a
abertura da segunda frente. «Consideramos possível e necessário abrir a segunda
frente já em 1942.» 3
Churchill, na sua resposta a Stáline, de 14 de Agosto, alegou que a «Operação
Torch», ou seja, o desembarque de tropas anglo-americanas no Norte de África que
teve lugar em Outubro, também era uma forma de preparar «o caminho para o ano
de 1943». E apresentou uma justificação táctico-militar de que um desembarque no
Norte da França, em 1942, seria «arriscado e inútil», já que não forçaria os alemães
a retirar tropas da Frente Leste.
Negando que ele, a Grã-Bretanha e os EUA tivessem «quebrado» alguma «pro-
messa», Churchill invoca o parágrafo 5 do seu memorando para Mólotov, de 10 de
Junho de 1942, no qual se diz «expressamente»: «Não podemos por isso fazer ne-
nhuma promessa». Alega ainda que só as conversações sobre uma eventual «invasão
anglo-americana na França neste ano» (1942, UH) teriam «retido consideráveis
forças aéreas e terrestres [da Wehrmacht, UH] na costa do canal francês.» Por fim
garante «ajuda aos nossos aliados russos por todos os meios possíveis».
Nesta troca de correspondência deve estar-se atento às datas. Stáline referiu-se
aos compromissos assumidos no comunicado anglo-soviético de 12 de Junho,
Churchill retorquiu com uma nota a Mólotov de 10 de Junho, ou seja, um docu-
mento entregue a Mólotov antes do comunicado conjunto. Churchill só refere o pa-
rágrafo 5 dessa nota. Contudo, no parágrafo 8, que Churchill não refere, está clara-
mente a obrigação da abertura de uma segunda frente, como «o mais importante de
tudo», no âmbito da qual se previa um desembarque de tropas britânicas e america-
nas no continente europeu «em grande escala em 1943». 4
As formulações de Churchill são de tal forma vagas que têm de ser interpretadas.
A afirmação de que só «as conversações» (!) sobre uma invasão da França teriam
levado o Alto Comando alemão a manter «forças aéreas e terrestres consideráveis»
no Norte da França não é séria. Como se a equipa dirigente fascista se deixasse im-
pressionar por «conversações»!
Nos primeiros oito meses de 1942, os EUA deslocaram para a Grã-Bretanha, para
além de outras tropas, quatro divisões do US-Army, a 1ª, 5ª e 34ª divisões de infan-
taria e a 1ª divisão blindada, no total cerca de 157 mil homens (isto por entre subma-
rinos alemães e sem baixas!). 5
3 Correspondência, pp.76-78.
4 Sublinhados meus.
5 Clay Blair, Der U-Boot-Krieg, 1939-1942. Die Jäger. Edição original, Hitler’s U-Boat
War. The Hunters 1939-1942, Random House, NY. Edição alemã, Bechtermüntz, Augsburg,
1998, p. 290.
2
As tropas de desembarque para a operação «Torch» foram transportadas em 500
navios, sob escolta de 350 unidades da US-Navy através do Atlântico para o Norte
de África, 6 com poucas baixas.
Não se compreende por que razão não seria possível a abertura de uma segunda
frente em França, em 1942, no momento da concentração das forças anglo-america-
nas. As fortificações no canal, a chamada «Atlantik Wall», não eram inexpugnáveis,
como se veio a comprovar em 1944.
A ideia de que a operação «Torch» representaria um alívio para o Exército Ver-
melho, só podia provocar espanto no QG e no Estado-Maior soviéticos. No momento
da troca de telegramas encontravam-se estacionados no Norte de África quatro (4!)
divisões alemãs e 12 italianas, 14 (catorze!) divisões no total. Nesta mesma altura,
encontravam-se na frente germano-soviética 179 divisões alemãs, 22 romenas, 14 fin-
landesas, dez italianas, 13 húngaras, uma eslovaca e uma espanhola, no total 240
divisões!
Por trás da argumentação de Churchill havia outra coisa. A ofensiva contra o Afri-
kakorps tinha como objectivo afastar os fascistas do Canal do Suez, derrotá-los, e
pressionar a Itália e a Turquia. Isto era do interesse dos imperialistas britânicos, para
manter abertas as vias de comunicação para o seu império colonial, principalmente
para a Índia, assim como para os campos petrolíferos do Médio Oriente e para os
Balcãs.
No contexto da II Guerra Mundial, África foi um teatro secundário. Apesar de to-
das as afirmações de historiadores militares britânicos e alemães ocidentais, a vitória
das tropas britânicas em El Alamein, a 20 de Novembro, (a conquista de Bengasi por
tropas britânicas) nem foi decisiva para a guerra, nem provocou a «mudança funda-
mental» na II Guerra Mundial. Segundo Tippelskirch «os acontecimentos no Norte
de África, no contexto dos acontecimentos gerais, tiveram uma ampla importân-
cia» apesar de «o exército alemão, e através dele o povo alemão, ter sido muito mais
afectado pela catástrofe de Stalingrado». 7
O 8.º Exército inglês em El Alamein só possuía sete divisões motorizadas, três di-
visões blindadas e sete regimentos blindados autónomos. As unidades germano-ita-
lianas que se lhe opunham eram ainda mais fracas. 8
Mesmo do ponto de vista dos interesses britânicos, as batalhas de Stalingrado e
no Cáucaso foram muito mais importantes do que as do Norte de África. Depois das
suas vitórias no Cáucaso os fascistas iriam avançar para a Pérsia e a Índia, como era
desejo de Hitler. Conquistadas as regiões petrolíferas na Ásia Central, as tropas fas-
cistas alemãs abalariam o domínio britânico no Médio Oriente e na Índia, onde já
existiam forças pró-fascistas e antibritânicas. Será que as tropas anglo-americanas o
teriam impedido? Isso continuará a ser uma matéria para especulação.
Aqui trata-se tão só de constatar que a batalha decisiva da II Guerra Mundial se
cristalizava em Stalingrado. Do resultado desta batalha dependia, no verdadeiro sen-
tido da palavra, não só o destino da União Soviética, mas também dos parceiros da
coligação antinazi.
3
Num aspecto, Churchill tinha certamente razão. Uma incursão no Norte de África
não seria possível sem baixas. E uma tal operação de desembarque também não estava
isenta de riscos. Como se na guerra existissem operações «sem risco»! Na realidade
era do interesse britânico poupar as suas forças armadas e esperar que o Exército Ver-
melho sofresse as baixas, para, no final da guerra, quando o Exército Vermelho e a
Wehrmacht estivessem suficientemente enfraquecidos, aparecerem no campo de ba-
talha com forças frescas. Naturalmente que Churchill não podia escrever tal coisa a
Stáline. Mas outros disseram-no muito abertamente.
Pode-se resumir a estratégia de Churchill do seguinte modo: segunda frente sim,
mas só quando as forças alemãs e o Exército Vermelho estivessem enfraquecidos, ao
ponto de uma invasão ser possível com risco baixo e poucas baixas.
Sobre a possibilidade de abrir uma segunda frente em França, em 1942, o almirante
Kuznetsov escreveu nas suas memórias: «A maior polémica rebentou em 1942.
Houve uma troca de opiniões sobre a abertura da segunda frente em Agosto de 1942,
durante a estadia de Churchill em Moscovo. Apesar de esta questão ter sido decidida
positivamente em Junho de 1942, durante a estadia de Molotov em Londres, o pri-
meiro-ministro britânico declarou em Moscovo que uma tal operação não era de
esperar num futuro próximo. Contudo, a abertura de uma segunda frente nunca ti-
nha sido tão necessária como nesse difícil e inesquecível Verão de 1942.
Os aliados ocidentais não queriam abrir a segunda frente em 1942, como se a
situação não o exigisse com urgência e não tivessem sido tomadas decisões sobre
isto. Este facto é indiscutível.
Sobre a possibilidade do desembarque de tropas em França, quero expor a mi-
nha perspectiva em poucas palavras.
Hoje o mundo sabe que o adiamento da abertura da segunda frente foi determi-
nado por puras considerações políticas. A fórmula de “não intervir na luta entre os
alemães e os russos, enquanto não existir necessidade urgente” funcionou sem pro-
blemas. Enquanto comandante-em-chefe da marinha de guerra da URSS, só quero
aqui referir o lado militar deste assunto.
Em 1942, a maior parte das tropas fascistas estava ocupada na frente sovié-
tico-alemã. Face às pesadas baixas sofridas, o comando fascista teve de prescindir
do número necessário de divisões em França. Estes factos, que constituíam a base
para a abertura da segunda frente em 1942, eram bem conhecidos de Churchill e
Roosevelt.
O perigo de as tropas aliadas desembarcarem em França também foi reconhe-
cido pelos generais fascistas. Depois da acção do comando inglês em St. Nazaire,
em Março de 1942, Hitler convocou de imediato uma reunião. Todos os generais
presentes referiram a necessidade de reforçar as tropas na costa francesa. O nú-
mero relativamente baixo de unidades devia ser compensado com a aviação e a
marinha e através da construção de fortificações.
As tentativas de desembarque dos aliados ocidentais na costa norte francesa,
perto de Dieppe, acentuaram o receio alemão a respeito da abertura da segunda
frente na Europa ocidental. Contudo a Grã-Bretanha e os EUA nunca equaciona-
ram sequer a abertura da segunda frente em 1942.
O show em Dieppe servia apenas para mostrar ao aliado soviético e também aos
seus próprios povos, que exigiam a abertura da segunda frente, que um desembar-
que duradouro no continente europeu era impossível em 1942.
4
Com efeito a acção de Dieppe, em Agosto de 1942, não foi uma operação militar
com objectivos de grande alcance, mas sim uma manobra política das potências
ocidentais para provar a impossibilidade de abrir a segunda frente na Europa oci-
dental em 1942. Todavia, os factos confirmam que, quando o nosso governo exigiu
a abertura em 1942 da segunda frente na Europa ocidental contra a Alemanha fas-
cista, havia possibilidades reais de a iniciar. Os aliados preferiram, porém, desem-
barcar em África e deixar a fardo principal da guerra contra o fascismo sobre os
ombros da União Soviética.
Os dirigentes políticos da Grã-Bretanha e dos EUA não queriam precipitar-se
com a abertura da segunda frente, enquanto no principal teatro de guerra na Eu-
ropa de Leste não tivesse ocorrido uma mudança definitiva para um ou outro lado.
Vários memorialistas e outros publicistas ocidentais escreveram sobre isto detalha-
damente.
Quando a Ocidente se pensava na segunda frente, pesava-se também a situação
no Extremo Oriente. Os EUA desejavam em segredo que o Japão viesse também a
atacar a União Soviética. Se isso tivesse acontecido, a América teria conseguido
orientar o ataque no Pacífico, sua esfera de interesses, na nossa direcção.
Entre as diferentes razões para o adiamento da segunda frente, pesou também
a opinião de alguns influentes militares britânicos de que a União Soviética seria
brevemente derrotada.
Por isso a missão militar britânica em Moscovo não tinha como tarefa principal o
rápido esclarecimento de questões relacionadas com a ajuda ao seu aliado. Círculos
britânicos influentes interessavam-se por outros assuntos, nomeadamente pela si-
tuação na frente soviético-alemã. Queriam saber quanto tempo o Exército Verme-
lho se aguentaria.
Nós defendíamos o ponto de vista fundamentado de que a Grã-Bretanha podia
pressionar a Norte as forças fascistas com a sua poderosa frota. A zona marítima do
fiorde de Varang era propícia para acções, pois aqui passava a rota marítima do
adversário para Kirkenes e Petsamo. De acordo com o estado-maior da nossa mari-
nha de guerra, o adversário era especialmente vulnerável nesta área.
Segundo me recordo, depois da troca de mensagens entre os chefes de governo
da URSS e da Grã-Bretanha, procurei saber junto do contra-almirante Miles o que
pensavam fazer na prática a este respeito os almirantes britânicos. Depreendi das
suas cuidadosas afirmações que não seria de esperar nenhumas acções sérias por
parte da marinha britânica. O seu apoio limitava-se, por enquanto, ao envio de
caça-minas e submarinos para Arkhanguelsk, para ajudar a manter as escoltas aos
navios. Além disso, a 30 de Julho, aviões britânicos atacaram Kirkenes e Petsamo,
a partir de porta-aviões, e no início de Agosto entraram na bacia do Kola dois sub-
marinos – Tigris e Tridente. A marinha dos “Senhores dos Mares” oferecia ao seu
aliado escassa ajuda! Mais êxito tiveram as negociações sobre as escoltas.» 9
5
«Lend and lease» – PQ 17 10
de 1941. De acordo com esta lei, os EUA forneciam armas e outros equipamentos militares
aos Estados cuja direcção da guerra fosse do interesse dos EUA. Estes fornecimentos, con-
tudo, não se faziam sem condições. Os EUA exigiam em troca bases nesses países. A Grã-
Bretanha, por 50 antiquados contratorpedeiros teve de entregar aos EUA 50 bases a longo
prazo no hemisfério norte. Um negócio destes com a URSS não era possível. No entanto,
realizaram-se fornecimentos acordados. PQ, escoltas que partiam da Grã-Bretanha e dos
EUA com direcção a Murmansk ou Arkhanguelsk. Normalmente eram constituídas em águas
islandesas. PQ 17, ou seja, escolta n.º 17 da Islândia para Murmansk. QP, escoltas que faziam
o caminho inverso.
11 I. Spector, An Introduction to Russian History and Culture, Toronto, New York, Lon-
6
os modelos estrangeiros. Especialmente os tanques com motores a gasolina foram
recusados por se incendiarem como tochas.» 13
A 12 de Setembro de 1942, quando o exército alemão se encontrava junto a Stalin-
grado e avançava na direcção do Cáucaso, Stáline manifestou a sua indignação a res-
peito do fraco apoio dos aliados: «O povo soviético dá centenas de milhares de vidas
na luta contra o fascismo, enquanto Churchill regateia meia dúzia de Hurricane
[caça britânico inglês antiquado, UH]. Ainda por cima estes aviões são uma porca-
ria. Os nossos pilotos não gostam deles». 14
O general Gretschko cita de um relatório de um comandante na Frente do Cáu-
caso: «As características dos tanques americanos, com os quais algumas tropas so-
viéticas estavam equipadas, não eram muito boas. O comandante do 131.º regi-
mento blindado, coronel Tichontchuk, que actuava com o 4.º corpo de cavalaria na
região de Mosdok, informou a 14 de Dezembro de 1942:”Os tanques americanos são
significativamente piores na areia. As lagartas caiem permanentemente, os tan-
ques ficam presos na areia e perdem força. Como os canhões de 75 mm estão mon-
tados num escudo, não podem girar como numa torre. Para disparar é preciso vi-
rar o tanque na direcção do adversário, com risco de se atascar. Tudo isto limita
muito a eficácia do fogo. 15
Os pilotos soviéticos queixavam-se dos defeitos dos aviões de caça tipo «Kitty
Hawk» fornecidos pelos EUA. «Estes aviões tinham motores (ball bearing motor)
construídos com uma liga de prata. Estes motores avariavam-se frequentemente.»
Os «Kitty Hawk» estavam mais em terra do que a voar. 16
Na sua carta a Roosevelt de 7 de Outubro de 1942, Stáline escreveu que podiam
prescindir temporariamente dos fornecimentos de tanques, peças de artilharia, muni-
ções, pistolas. Necessário era o fornecimento do moderno caça «Aircobras». O «Kitty
Hawk» não estava à altura dos caças alemães. Na resposta Roosevelt esclareceu que
«toda a produção de “Aircobras” vai imediatamente para a frente», ou seja para o
Norte de África. A URSS não podia receber estes aviões. 17
Numa outra carta para Roosevelt, de 18 de Julho de 1942, Stáline referiu os defei-
tos dos tanques americanos:
«Aproveito a oportunidade para lhe agradecer o envio do fornecimento adicio-
nal de 115 tanques.
Considero ser meu dever alertar para o facto de que, como afirmam os nossos
especialistas na frente, os tanques americanos se incendiam muito facilmente
quando são atingidos por balas de armas antitanque por trás ou de lado. Isto acon-
tece porque a gasolina de elevada qualidade usada nos tanques forma uma camada
densa de vapores altamente inflamável. Os tanques alemães também usam gaso-
lina, mas esta é de qualidade inferior e por isso não forma tantos vapores, sendo
Moscovo, 1979/Berlin, 1986, p. 88. O almirante Golovko foi comandante da frota do Mar do
Norte.
17 Correspondência, ibidem, pp. 496 e 498.
7
menos inflamável. Os nossos especialistas são da opinião de que os motores diesel
são os mais adequados para os tanques.» 18
O tenente general N.A. Antipenko, que desde de Junho de 1942 foi o representante
de Rokossóvski para os serviços de retaguarda na Frente de Briansk, responsável pelo
equipamento, alimentação, vestuário, combustível, munições, etc., queixou-se da
qualidade das botas de cabedal fornecidas pelos EUA. Eram «de baixa qualidade». O
peito do pé era muito baixo e as solas rompiam-se facilmente. Os soldados preferiam
calçar as velhas botas remendadas do que as novas estrangeiras. 19
Os fornecimentos «lend and lease» também se sujeitavam às leis do mercado da
economia capitalista. O que já não podia ser vendido no mercado interno, podia
ainda ser realizado sob o «lend and lease», com a vantagem de o governo soviético
ter ainda de agradecer.
***
8
A 15 de Julho, depois de ter recebido a informação da mudança de rota dos cruza-
dores, o grande-almirante Raeder mandou sair as unidades alemãs. Os cargueiros do
PQ17 indefesos estavam à mercê dos três couraçados alemães, dos submarinos e dos
aviões. Só o submarino soviético K 21, comandado pelo capitão-de-fragata N. A. Lu-
nin, atacou o «Tirpitz» com dois torpedos que acertaram no alvo. Ao fim de seis horas
e meia a esquadra alemã regressou à Noruega.
O balanço: 24 cargueiros afundaram-se com 3350 camiões e outros veículos, 450
tanques, 210 aviões, 100 mil toneladas de material de guerra; 153 marinheiros da
marinha mercante aliada encontraram a morte.
Nos portos soviéticos puderam ser desembarcados 896 veículos, 164 tanques, 87
aviões, 57 mil toneladas de outro material militar. 20
A 18 de Julho, Stáline recebeu de Churchill a notícia de que os peritos da marinha
britânica «lamentavam ter chegado à conclusão de que uma tentativa de enviar o
próximo comboio de navios PQ 18 não lhe traria nenhum benefício e só teria como
consequência a completa perda para a causa comum.» 21 Seguia-se a consoladora
«garantia» de «retomar» o comboio de navios na rota de Murmansk, «quando ti-
vermos possibilidade, quando existir a oportunidade real de que, pelo menos, uma
parte substancial dos bens a ser transportados lhe chegue às mãos». 22
Na sua resposta a Churchill, de 23 de Julho, Stáline declarou que «os nossos peri-
tos consideram pouco convincentes os argumentos dos peritos da marinha britâ-
nica para se suspender o fornecimento de material de guerra aos portos do Norte
da URSS. Estão convencidos de que, com boa vontade e disposição para cumprir as
obrigações assumidas, seria possível efectuar as viagens regularmente com gran-
des baixas dos alemães. A ordem do almirantado britânico ao comboio PQ 17, de
abandonar os cargueiros e regressar a Inglaterra, e aos cargueiros para se disper-
sarem e sem escolta tentarem alcançar individualmente os portos soviéticos é in-
compreensível e inexplicável para os nossos peritos. Naturalmente não sou da opi-
nião de que é possível um transporte regular para os portos a Norte da URSS sem
riscos e sem baixas. Mas em tempo de guerra não é possível realizar nenhuma
grande tarefa sem risco e sem baixas. É, naturalmente, do seu conhecimento que a
União Soviética sofre baixas incomparavelmente maiores. Em todo o caso, nunca
pensei que o governo britânico nos negasse exatamente neste momento o forneci-
mento de material de guerra, de que a União Soviética necessita com especial ur-
gência dada a gravidade da situação na frente soviético-alemã. Evidentemente que
os fornecimentos através dos portos persas não compensam de maneira nenhuma
as perdas que resultarão da recusa de transporte na rota Norte.» 23
Além do governo soviético, também Roosevelt apresentou um protesto veemente
contra esta decisão incrível do almirantado britânico. Só em Setembro voltou a partir
da Islândia um novo comboio de navios na rota de Murmansk. O comboio seguinte
só partiu em 22 de Dezembro. O PQ 19 zarpou da Islândia e chegou sem baixas ao
porto soviético previsto.
20 Blair, ibidem, pp. 905-906; Chtemenko, Vol. 2, ibidem, pp. 21-24; Golovko, ibidem, pp.
91-105.
21 Correspondência, ibidem, p. 66.
9
A decisão de Pound justificou-se do ponto de vista militar? Dada a superioridade
da escolta do PQ 17 face às unidades alemãs, o «Tirpitz» e os dois pesados cruzado-
res, não havia razão para mudar de rota. Por ordem de Hitler, os dispendiosos cou-
raçados não podiam ser colocados em situação de risco, o que explica a mudança de
rota das unidades alemãs ao fim de seis horas e meia. As razões daquela ordem irres-
ponsável não foram de natureza militar, mas sim política.
Chtemenko referiu que entre os dirigentes britânicos havia inimigos declarados
da União Soviética, aos quais pertencia Pound. O ministro da indústria aeronáutica,
Moore-Brabazon, era claramente hostil à URSS. Em segredo, retardou fornecimen-
tos de material de guerra. Churchill foi obrigado a exonerar este senhor, por pressão
da opinião pública britânica.
Havia naturalmente também outros membros do governo britânico que não nu-
triam especial simpatia pela URSS, mas que estavam dispostos a uma cooperação
pragmática, como Lord Beaverbrook, o ministro da Marinha, Alexander, e o chefe do
estado-maior da força aérea, Deal. O contra-almirante britânico Philips pertencia aos
simpatizantes da União Soviética. 24
O almirante Pound foi sem dúvida o responsável pela tragédia do PQ 17, incluindo
a morte de marinheiros britânicos. Normalmente, tal almirante deveria ser levado
perante um tribunal militar.
Com efeito, a coligação anti-hitleriana não estava livre de contradições ideológicas
que, em situações extremas, provocaram prejuízos significativos na luta antifascista
e exigiram sacrifícios desnecessários em vidas humanas.
10
Para a História do Socialismo
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Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XXIV)
Ulrich Huar
Capítulo II
1 SW 14/279-292.
2 Idem, ibidem, p. 283.
3 Sobre o sigilo da preparação da contra-ofensiva soviética e as manobras de diversão pe-
4 SW 14/286.
5 Idem, ibidem, p. 287.
6 Hitler, Monólogos…/ibidem, p. 342.
7 Idem, ibidem.
8 SW 14/287.
12 SW 14/291 e seg.
bPara a História do Socialismo
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Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XXV)
Ulrich Huar
Capítulo II
«Depois da morte de Stáline surgiu a questão de quem planeara uma tão impor-
tante contra-ofensiva, quer na sua dimensão, na sua eficácia e nos seus resultados.»2
Depois do famigerado «relatório secreto» de Khruchov, no XX Congresso do
PCUS, e ainda mais depois do anúncio da «glasnost» de Gorbatchov, do «novo pen-
samento!», tornou-se usual, também em publicações que se consideram «de es-
querda», ignorar o papel de Stáline na elaboração do plano e execução da contra-
ofensiva. Afinal, não se deve intimidar a bem-intencionada e culta burguesia e mos-
trar-se aberto a «novos» conhecimentos.
Ou se ignora, não se nomeando ninguém, ou o plano é atribuído exclusivamente a
Júkov. Às vezes também se sublinha um único general, Tchuikov, como «o verda-
deiro herói» de Stalingrado, como se um único general pudesse ter planeado e exe-
cutado uma tal batalha. Na história em seis volumes do PCUS, vol. V, afirma-se que
Júkov e Vassiliévski apresentaram o «plano da contra-ofensiva» a 13 de Novembro
numa reunião do CC do PCUS e do QG. «Depois de minucioso debate foi aprovado.»3
Aprovado por quem? Pelo porteiro?
Segundo Berkhine, «o comando supremo soviético em conjunto com os coman-
dos das frentes de Stalingrado, Sudoeste e Don preparou uma grandiosa operação
7 Idem, ibidem.
13Idem, ibidem, ver também Tchuikov, pp. 35; Chtemenko, Vol.2, pp. 404; Moskalenko,
Na Direcção Sudoeste, Nauka, 1969/Berlim, 1978, 2ª ed., pp. 308-334.
certa queda (…) Como, quando e onde deve ter-se esta reacção depende, decerto, de
muitas outras condições». 14 Quer dizer, das condições históricas concretas. Noutro
lugar, Clausewitz acrescenta ainda que através «de um tal género de defesa» se in-
troduz uma «relação de poder» «que torna possível a vitória [a ofensiva, UH] e
através desta vitória, como através do primeiro contragolpe provoca-se um movi-
mento que então, nos seus efeitos funestos, aumenta de acordo com as leis do co-
lapso.» 15 Esta lógica manteve-se no decorrer da guerra, que terminou consequente-
mente na capitulação incondicional da Wehrmacht alemã.
As enormes «operações para cercar e liquidar os exércitos inimigos» são desig-
nadas por Stáline «exemplos perfeitos da arte da guerra». Só «a estratégia cor-
recta do comando supremo do Exército Vermelho e a táctica elástica dos nossos
comandantes» podiam «conduzir a um facto extraordinário (…) como o cerco e
liquidação do tremendo exército de elite dos alemães, constituído por 330 mil ho-
mens, em Stalingrado.» 16
Pela primeira vez durante a Grande Guerra Pátria, o Exército Vermelho era su-
perior técnica e materialmente. Isto foi obra de todo um povo. A tabela seguinte
dá informação sobre a relação de forças no início da contra-ofensiva em 19/20 de
Novembro:
Todos os generais sublinham que a vitória foi alcançada sob a direcção do PCU(b),
do seu CC e, last but not the least, do seu secretário-geral, o camarada Stáline.
Sublinhe-se uma vez mais: as vitórias não devem ser atribuídas a uma única pes-
soa. São resultado de um colectivo de dirigentes militares e do Partido. Mas diga-se,
também claramente, que Stáline, enquanto comandante supremo, teve nesta vitória
e no aperfeiçoamento da teoria militar marxista-leninista, um papel importante. Se
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Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XXVI)
Ulrich Huar
Capítulo III
Na sua ordem n.º 95, de 23 de Fevereiro de 1943, Stáline avisava que não se devia su-
bestimar as forças do adversário depois da derrota em Stalingrado. O inimigo tinha sofrido
uma derrota, mais ainda não tinha sido vencido O exército fascista alemão passava por
uma crise, mas ainda podia recuperar. O combate ainda não tinha chegado ao fim. «O
Exército Vermelho está perante um duro combate contra um inimigo ainda poderoso,
cruel e traiçoeiro. Este combate irá exigir tempo, sacrifícios e esforços das nossas forças
e a mobilização de todos os nossos recursos.» 1
Esta avaliação realista, que correspondia à situação nas frentes, incluía também aspec-
tos psicológicos e diplomáticos. Os trabalhadores com o uniforme do Exército Vermelho
ou nas fábricas da retaguarda tinham de estar preparados para o longo caminho da liber-
tação do país, cheio de privações e sacrifícios.
Esta correcta avaliação da situação parece contradizer a orientação de Stáline para uma
ofensiva geral em toda a frente, do Mar Báltico até ao Mar Azov. Tal ofensiva traduz uma
sobrestimação das possibilidades próprias e uma subestimação das do adversário. Porém,
a ideia de uma ofensiva geral não deve ser só atribuída a Stáline. Correspondia também à
opinião dos membros do QG. A partir dos documentos não me foi possível determinar a
profundidade das discussões ou se foram manifestadas opiniões contrárias. Mas, enquanto
comandante supremo, Stáline era o responsável por esta ideia.
Inicialmente a ideia da ofensiva geral referia-se só à Frente Sul, do mar de Azov à região
de Kursk-Kharkov-bacia do Donets. O QG considerava a situação nesta região propícia a
uma ofensiva. A operação de ataque na direcção de Kharkov devia ser simultânea com a
libertação da bacia do Donets.
1 SW 14/307.
1
De acordo com o plano do QG, devia executar-se um ataque aniquilador contra o grupo
de exércitos do centro, na direcção ocidental. A Noroeste estava prevista a anulação dos
avanços das tropas alemãs na frente junto a Demiansk e no nó ferroviário de Mga. 2
O general do exército Rokossóvski, comandante da Frente Central, que juntamente com
a frente de Briansk devia conduzir «um ataque profundo na direcção de Gomel-Smolensk»
(ambas as cidades distam cerca de 290 quilómetros em linha recta, UH), relata a execução
da ofensiva geral na sua secção da frente, considerando-a «uma operação genial».
O QG determinou o início da ofensiva para 15 de Fevereiro de 1943. Esta data, segundo
Rokossóvski, não podia ser cumprida. O QG recusou as suas objecções. Uma grande parte
do seu exército (a «Frente Don», renomeada em «Frente Central», UH), que tinha parti-
cipado na batalha de Stalingrado, ainda se encontrava nessa região. Essas tropas tinham
primeiro de ser deslocadas para a zona de concentração em Jelez – a cerca de 600 quiló-
metros – através de uma linha férrea de via única parcamente recuperada. Isto revelou-se
extremamente difícil. O caminho-de-ferro não preparado para transportar um número tão
grande de tropas com o seu equipamento técnico e de abastecimento, munições, combus-
tível, mantimentos, hospitais militares, etc. Para além disso havia informações sobre defi-
ciências na linha, o que piorava ainda mais a situação: «O NKVD 3 foi incumbido de acele-
rar a transferência das tropas». 4 (Rokossóvski não refere o nome de quem deu esta infe-
liz ordem. Para evitar interpretações tendenciosas, ela pode ter sido dada por Stáline, mas
não obrigatoriamente. Stáline não decidia todos os detalhes. Os comandantes das frentes,
em algumas situações, também se socorriam do NKVD. É ainda preciso ter-se em linha de
conta de que havia na retaguarda elementos que praticavam actos de sabotagem).
Os resultados desta decisão revelaram-se catastróficos. Os camaradas do NKVD não
eram especialistas em transporte ferroviário. Baralharam tudo. Não havia nenhum plano
de transporte. As unidades começaram a chegar misturadas à zona de concentração; a ar-
tilharia atingia a estação de destino enquanto os seus equipamentos, os carros de tracção,
cavalos e viaturas permaneciam nas zonas de origem; meios técnicos de combate eram
descarregados numa estação, as tropas noutra. Havia comboios parados durantes dias nas
estações ou em linhas de desvio.
Rokossóvski dirigiu-se ao QG solicitando a retirada dos camaradas do NKVD para per-
mitir que a direcção dos caminhos-de-ferro trabalhasse autonomamente. O pedido foi
aceite. Os ferroviários necessitaram de bastante tempo para desenvencilhar o caos. 5
O ataque teve de ser adiado para 25 de Fevereiro, mas nessa data uma parte das tropas
ainda não se encontrava na zona de concentração. O 21.º Exército ainda estava a caminho
de Jelez (onde se encontra o estado-maior da Frente Central, UH), o 70º. Exército da re-
serva do QG também ainda não tinha chegado. No entanto, de acordo com a ordem do QG,
o ataque devia iniciar-se.
Nestas condições, a Frente Central não podia cumprir as tarefas colocadas pela ofensiva.
De acordo com as informações transmitidas por Rokossóvski a Stáline, o plano acabou por
2
ser alterado, mas teve «pouco êxito». Também houve dificuldades na Frente de Briansk e
Voronej. O QG viu-se obrigado a assumir «a decisão correcta e corajosa» de «suspender
o ataque a Oriol» e passar à defesa.
Não tinha escapado aos serviços de informação soviéticos que o adversário concentrava
tropas na secção central. Rokossóvski enviou uma informação a Stáline sobre a preparação
de uma «ofensiva decisiva» do adversário em Kursk. (Uma vantagem soviética na frente
entre Oriol a Norte e Belgorad a Sul, UH). O adversário queria «alcançar com forças ainda
mais poderosas, o que não tinha conseguido no Inverno.» Rokossóvski chamou a atenção
para a necessidade de constituir «reservas fortes» adstritas ao QG. 6
Até que ponto a sua informação teve influência, não o podia dizer, uma vez que «a
situação geral» tinha concentrado a atenção em Kursk. Entre Maio e Junho, O QG formou
uma poderosa reserva na retaguarda da Frente Central e de Voronej. O apelo de Rokos-
sóvski para se «constituir reservas seguras em Kursk» foi, assim, «concretizado». 7
Apesar da preparação insuficiente, a ofensiva soviética no Sul em Fevereiro conduziu à
libertação de Kursk e Belgorod e, em 15/16 de Fevereiro, à libertação de Kharkov.
A Norte, as tropas da Frente de Volkhov e de Leningrado ocuparam, a 18 de Janeiro, a
cidade de Chlisselburg, romperam o cerco de Leningrado e estabeleceram um corredor
com 12 quilómetros de largura a Sul do lago de Ládoga. Como relatou o general do exército
Merezkov, comandante da Frente de Volkhov, o QG tinha utilizado no Sul a maior parte
dos seus meios. Na Frente de Volkhov, tinha-lhe sido incumbida a tarefa de manter «a
qualquer preço» o corredor para Leningrado com as forças existentes. Com o avanço para
Chlisselburg terminara a ofensiva da Frente de Volchov e de Leningrado. As tropas da
frente de Volkhov e de Leningrado (comandante general Govorov) tinham agora, durante
12 meses, de conduzir operações militares na direcção de Mga e operações secundárias
noutras secções. Nestes combates criaram-se as condições prévias para o ataque posterior
no Báltico. 8
Stáline informou pessoalmente Merezkov e Govorov sobre a ideia da «ofensiva geral»,
apesar de não ter sido usado este termo. Este termo, provavelmente, foi utilizado mais
tarde na historiografia da II Guerra Mundial.
A ideia da ofensiva geral previa a coordenação de acções em cinco frentes: Central, Bri-
ansk, Oeste, Kalínine e Noroeste. As primeiras três deviam alcançar Smolensk, por Oriol e
Briansk. Isto devia permitir à Frente Noroeste liquidar o avanço das tropas alemãs em De-
miansk, avançar para a retaguarda das tropas fascistas, que se encontravam perante a
frente de Volkhov. Merezkov considerou este plano do QG «promissor». 9
Na Frente Noroeste as tropas soviéticas encontraram «forte resistência». Em Março, o
QG adiou várias vezes o ataque na região de Mga. Finalmente teve «de se renunciar ao
ataque». «O Exército Vermelho», resumiu Merezkov «tinha alcançado êxitos significati-
vos, mas os nossos comandantes ainda tinham de aprender coisas na difícil arte de con-
duzir a guerra moderna». 10 Não me posso pronunciar até que ponto ele deixou de fora
Stáline nesta observação salomónica sobre os «comandantes».
3
Pela primeira vez, na Frente de Volkhov, as tropas soviéticas defrontaram-se com os
tanques alemães «Tiger». Com isto, «as baixas na nossa frente aumentaram rapida-
mente», escreveu Merezkov. Uma parte da artilharia antitanque soviética já não era capaz
de combater eficientemente os «Tiger». O QG levou «muito a sério» a informação de Me-
rezkov. O programa da indústria de defesa teve de ser alterado num curto espaço de tempo,
os construtores foram instruídos para produzirem novos canhões e granadas. 11
Naturalmente que um comandante de frente não podia fazê-lo, nem era essa a sua ta-
refa. Este problema só podia ser resolvido pelo QG, e não por último, por Stáline Coman-
dante Supremo e Presidente do Conselho dos Comissários do Povo. Trata-se aqui simples-
mente de esclarecer que o comandante supremo não era só responsável pela elaboração
das estratégias das frentes, mas também pela indústria de defesa na retaguarda. Esta con-
centração de poder, Secretário-Geral do PCUS (B), Comandante Supremo e Presidente do
Conselho dos Comissários do Povo nas mãos de Stáline revelou-se, sob as condições histó-
ricas concretas da defesa da União Soviética, uma luta de vida ou de morte, necessária e
deu provas. Sob condições pacíficas normais uma tal concentração de poder não é neces-
sária e pode ter consequências indesejáveis, até mesmo prejudiciais. Mas em que época
teve a União Soviética condições de existência «normais, pacíficas»? Durante a vida de
Stáline de forma nenhuma.
Como escreveu Merezkov, este problema foi tratado «ao mais alto nível», criou-se uma
«comissão especial» para a elaboração de medidas. «Esta abordagem operativa das ques-
tões teve êxito.» 12 A produção de uma nova geração de armamento era uma parte, mas
depois as tropas também tinham de receber a respectiva formação, «aprender a manusear
as novas armas, alterar a sua táctica e aprender a combater os «Tiger». 13
Os novos tanques «Tiger», «Panther» e o canhão autopropulsado «Ferdinand», apesar
da sua perigosidade, também não evitaram a derrota dos fascistas. Em 1943, a retaguarda
das tropas soviéticas forneceu «um número tão elevado de novas técnicas de combate e
outro material, que foi possível uma mudança decisiva em nosso favor.» 14
O general Moskalenko descreve a táctica dos soldados soviéticos no combate contra o
«Tiger», um «tanque assustador». Os soldados tinham de ser bem preparados para re-
chaçar os ataques dos tanques. «Deitavam-se nas valas dos tanques, familiarizavam-se
com as novas granadas antitanque e aprendiam a conhecer os pontos fracos dos tanques
alemães. Para além disso, os artilheiros recebiam, imediatamente antes do combate, gra-
nadas antitanque para os canhões de 45 mm, 57 mm e 76 mm, assim como foguetes an-
titanque para os canhões de 76 mm e obuses de 122 mm. A utilização destas granadas,
que chegaram a tempo, limitou significativamente as possibilidades dos tanques alemães
e dos canhões autopropulsados.» 15
O Alto Comando da Wehrmacht (ACW), depois da derrota em Stalingrado, operou
uma significativa reorganização e reduziu as frentes. A esta reorganização pertence a re-
tirada da ala direita do Grupo de Exércitos do Don para além do rio Mius, o que permitiu
o posicionamento de poderosas forças para a contra-ofensiva. 16 Como não existia uma
segunda frente e também não era previsível que existisse nos tempos mais próximos, o
11 Idem, ibidem.
12 Idem, ibidem.
13 Idem, ibidem.
14 Idem, ibidem.
15 K. S. Moskalenko, Na Direcção Sudoeste, Vol. 2, Moscovo, 1975/Berlim, 1971, p. 21. Cf. tam-
4
ACW pôde retirar algumas divisões a Oeste e utilizá-las na secção em risco da frente ger-
mano-soviética.
Desde Janeiro, as tropas soviéticas tinham sofrido pesadas baixas consecutivas nas suas
operações de ataque, principalmente na direcção de Kharkov. Também estavam cansadas
e precisavam de se restabelecer.
A ofensiva soviética foi «abrandando». Em algumas secções, o rápido avanço – em al-
guns sectores até 300 quilómetros – prolongou as linhas de ligação com os serviços na
retaguarda. Os aeroportos que serviam os aviões de combate, cujo raio de acção era pe-
queno ou médio, estavam agora muito longe. Os efectivos dos exércitos tinham de ser re-
postos. Assim, a relação de forças, a Sul, tinha-se alterado a favor das tropas alemãs. Os
alemães tinham uma superioridade de 20 por cento nos tanques e 140 por cento nos aviões.
Contudo o QG estava decidido a continuar a ofensiva. O QG supunha que as tropas alemãs
retirariam para o Dniepre. Assim, o comandante da Frente de Voronej recebeu de Stáline
a ordem de «fazer recuar o adversário o máximo possível depois de Kharkov, de forma a
que o governo da República Socialista da Ucrânia possa trabalhar nesta cidade.» 17
A contra-ofensiva alemã iniciou-se a 19 de Fevereiro. O QG e também o general de Bri-
gada Vatutine, comandante da Frente Sudoeste, subestimaram o perigo iminente para as
tropas soviéticas mais avançadas. Algumas unidades pertencentes à Frente Sudoeste do
6.º Exército ficaram cercadas. Só a 25 de Fevereiro, Vatutine recebeu a ordem para retirar
a ala direita da Frente Sudoeste para o Norte de Donets. A 3 de Março, as unidades sovié-
ticas tinham ocupado as suas posições de defesa na margem esquerda do Donets. As ten-
tativas do adversário de forçar o rio podiam agora ser rechaçadas.
Na literatura militar soviética refere-se reiteradamente «as pesadas baixas» em pes-
soas e armamento do Exército Vermelho, mas quase não há referências estatísticas. As
tropas soviéticas na região de Kharkov não possuíam reservas operativas. A 4 de Março
iniciou-se a operação de defesa, designada combate de defesa na história militar soviética,
que durou até finais de Março. Depois de cinco dias de combates com pesadas baixas de
ambos os lados, as tropas alemãs entraram em Kharkov a 17 de Março e em Belgorod a 18.
O avanço para Kursk pôde, no entanto, ser repelido.
Por ordem de Stáline, o general Vassilévski (chefe do Estado-Maior) deslocou-se à
frente de Voronej e o general Júkov à região de Obajan. Ambos tinham a missão de ajudar
os comandantes e a coordenar a sua defesa. A 25 de Março a frente estabilizou. 18 A ideia
da ofensiva geral foi um erro? A ofensiva teve êxito até à libertação, em meados de Feve-
reiro, de Kharkov, Belgorod, Kursk e Rostov. Depois, numa perspectiva actual e com os
conhecimentos actuais, o Alto Comando soviético deveria ter passado à defesa. O conhe-
cimento dos serviços de inteligência sobre o real poder do adversário nesta região, que se
prolongava por centenas de quilómetros, era deficiente. Não só Stáline, mas também os
outros membros do QG e os comandantes das frentes subestimaram as capacidades do
adversário. Mas, enquanto comandante supremo, Stáline era o responsável. O que se pode
criticar na sua decisão é não ter tido suficientemente em consideração o estado das tropas,
que tinha de ser do seu conhecimento. As baixas em pessoas e armamento tinham de ser
do seu conhecimento, mesmo com informação incompleta. Stáline estava em contacto per-
manente com os comandantes das frentes. No seu caderno de apontamentos anotava in-
formações exactas sobre os efectivos das frentes e exércitos, sobre a sua composição, ar-
mamento, abastecimento. Também sabia que sem reservas operativas uma ofensiva era
uma operação muito arriscada e que a frente não se deve afastar muito da sua base de
22 Kurt von Tippelskirch, História da Segunda Guerra Mundial, Bona, 1954, p. 283.
23 SW14/310.
24 Idem.
6
Para a História do Socialismo
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Contribuições de Stáline
para a Ciência Militar e Política Soviética (XXVII)
Ulrich Huar
Capítulo III
Existe uma vasta literatura histórico-militar sobre a batalha de Kursk. 1 De seguida, tra-
taremos da elaboração do plano estratégico das tropas soviéticas e da contribuição de
Stáline. Sublinhe-se mais uma vez que falamos de contribuição, já que o plano para uma
operação militar com a dimensão da batalha de Kursk não podia ser pensado e concreti-
zado por uma só pessoa. Como na batalha de Stalingrado, o planeamento e execução foram
o resultado de um colectivo de generais, comandantes de exércitos e de frentes, economis-
tas e construtores, oficiais administrativos e, last but not least, de membros do Politburo
do PCUS.
Quer na história militar soviética, quer na burguesa, a batalha de Kursk é considerada
unanimemente como uma das maiores e mais importantes batalhas da II Guerra Mundial.
Em alguns trabalhos é considerada «a maior» batalha da II Guerra Mundial, ocasional-
mente até da «história mundial». Se deixarmos de lado os superlativos, que devem ser
usados com cuidado nos trabalhos científicos, a batalha de Kursk foi, sem dúvida, uma das
maiores da II Guerra Mundial e também uma das mais decisivas. Nela participaram, de
ambos os lados, mais de quatro milhões de homens, 69 mil peças de artilharia e lança-
granadas, mais de 13 mil tanques e canhões autopropulsados, cerca de 12 mil aviões de
combate. 2
Depois da batalha de Stalingrado, o comando fascista sabia definitivamente que já não
existia «a possibilidade de um final ofensivo da guerra a Leste». 3 Como consequência
deste reconhecimento, começou a esboçar novos planos de guerra, que previam uma de-
fesa estratégica para consolidar o espaço conquistado na Europa. Utilizando as linhas de
comunicação mais curtas no interior da «Fortaleza Europa», planeavam lançar as forças
principais nos cenários de guerra mais ameaçados.
1
Como a União Soviética continuava a ser o adversário principal e a demora da consti-
tuição da segunda frente pelos governos dos EUA e Grã-Bretanha era tida nos seus planos
como um factor seguro, o comando fascista chegou à conclusão, no Verão de 1943, que
podia enfraquecer decisivamente ou pelo menos paralisar por longo tempo o Exército Ver-
melho, através de um poderoso ataque numa estreita secção da Frente Leste. A estabiliza-
ção da frente germano-soviética devia então permitir, com forças superiores, fazer frente
ao movimento de guerrilha e aos exércitos aliados a Oeste. 4
Na sua «Ordem Operativa n.º 5», de 5 de Março de 1943, o Alto Comando da Wehrmacht
deu as primeiras ordens ao Grupo de Exércitos Sul e Centro para a preparação de uma con-
centração ofensiva contra a frente soviética na região de Kursk. Tratava-se, segundo o pen-
samento estratégico de base, de ditar as regras ao inimigo pelo menos numa secção da frente,
e nas outras frentes deixá-lo correr e esvair-se em sangue.
A 15 de Abril de 1945, na «Ordem Operativa n.º 6» assinada por Hitler, afirmava-se:
«Decidi, assim que o tempo o permita, executar este ano, em primeiro lugar, os golpes de
ataque da ofensiva “Cidadela”. Esta ofensiva é de suma importância. Ele tem de ser rá-
pida e contundente. Tem de nos permitir assumir a iniciativa nesta Primavera e Verão.
Por isso todos os trabalhos preparatórios devem ser executados com grande prudência e
dinamismo. Devem ser utilizados as melhores unidades, as melhores armas, os melhores
comandantes, grandes quantidades de munições nos pontos principais. Cada coman-
dante, cada homem tem de estar imbuído da importância decisiva desta ofensiva. A vi-
tória em Kursk tem de surtir o efeito de um farol no mundo.» 5
O comando fascista concentrou, assim, mais uma vez, na primeira metade do ano, todas
as forças disponíveis para uma batalha decisiva contra o Exército Vermelho. A indústria
do armamento, que atingiu em Maio de 1943 a sua maior produção de armas e veículos,
proporcionou um equipamento completamente novo para o ataque e para a renovação das
42 divisões de elite retiradas da frente. As 19 divisões blindadas foram fornecidas parcial-
mente com tanques pesados «Panther» e «Tiger» e com canhões autopropulsados «Fer-
dinand». Desguarnecendo todas as restantes secções da frente, foram disponibilizados
três mil tanques e 1800 aviões das 4ª e 6ª frotas aéreas que combatiam na frente ger-
mano-soviética. Uma tal concentração de forças de ataque num espaço tão pequeno nunca
existira antes. O comando fascista parecia convicto no êxito da operação «Cidadela».
Júkov chamou o general Vassiliévski e o general de brigada Antónov, representante do
Chefe do Estado-Maior, para, em conjunto com ele próprio, elaborarem o plano das forças
armadas soviéticas. «Antónov era considerado, com razão, um excelente mestre da cultura
do Estado-Maior, e enquanto nós redigíamos a síntese do relatório para Stáline, ele deli-
neava rapidamente o mapa e o plano de combate da frente na região de Kursk.» 6
Na noite de 12 de Abril, no QG, Júkov, Vassiliévski e Antónov apresentaram a proposta
a Stáline. Stáline concordou que Kursk seria o alvo da ofensiva fascista, por conseguinte, o
esforço principal das forças armadas soviéticas tinha de estar dirigido para Kursk. Con-
tudo, Stáline continuava a estar preocupado com Moscovo enquanto direcção estratégica
de uma ofensiva alemã.
2
Em meados de Abril, o QG tomou uma decisão provisória sobre a preparação da defesa
de Kursk. A decisão definitiva sobre a «defesa de acordo com o plano» foi tomada pelo QG
no final de Maio, início de Julho. O plano previa defrontar a esperada ofensiva com uma
«poderosa frente de defesa», deixar o adversário exangue e derrotá-lo definitivamente
com um contra-ataque. Decidiu-se iniciar a elaboração do plano ofensivo juntamente com
a elaboração do plano de defesa. Porém, se a ofensiva alemã se atrasasse, a ofensiva sovié-
tica não deveria esperar. 7
De acordo com o relatório, Stáline ainda duvidava «se as nossas tropas deviam defron-
tar o adversário na defesa ou realizar um ataque preventivo. O Comandante Supremo
receava que a nossa defesa não conseguisse resistir ao ataque das tropas fascistas, como
aconteceu várias vezes em 1941 e 1942. Porém, por outro lado, também não era certo que
as nossas tropas estivessem em condições de vencer o adversário num ataque.
«Em meados de Maio de 1943, após várias consultas, Stáline decidiu definitivamente
opor ao ataque fascista todo o fogo da defesa escalonada em profundidade, com podero-
sos golpes das forças da aviação e contragolpes das reservas estratégicas operativas,
enfraquecer e exaurir o adversário e depois derrotá-lo numa poderosa contra-ofensiva
na direcção de Belgorod-Kharvov e Oriol. Finalmente previa-se executar ataques em pro-
fundidade nas direcções principais.
Depois da derrota do adversário em Kursk, o QG queria libertar Donets e toda a Ucrâ-
nia a Leste do Dniepre, liquidar a cabeça-de-ponte alemã na península de Taman, liber-
tar as regiões orientais da Bielorrússia e criar as condições para conseguir a expulsão
total do adversário do nosso território.» 8
Inevitavelmente houve também avaliações erradas a respeito das forças do adversário
em algumas frentes. Júkov referiu que os serviços de inteligência desempenharam um pa-
pel importante na preparação da defesa e do ataque. Mas na recolha de informações par-
ticiparam milhares de pessoas e os métodos variavam de caso para caso. Houve acções de
reconhecimento efectuadas por guerrilheiros e informações fornecidas por simpatizantes.
Nessas informações também havia erros. Para além disso, o adversário desenvolvia mano-
bras de diversão, camuflagem, que nem sempre puderam ser identificadas com tal. Houve
igualmente erros que «não puderam ser evitados através do trabalho sistemático».9
Não é possível determinar se o QG conhecia as ordens operativas n.os 5 e 6 da Wehrmacht
tão bem como nós hoje.
Um dos erros do QG consistiu na suposição de que o grupo mais poderoso do adversário
se tinha formado na região de Oriol, contra a Frente Central (comandante Rokossóvski).
Na realidade, as unidades mais fortes encontravam-se na região de Belgorod, perante a
Frente de Voronej (comandante Vatúnine).
Em resultado desta avaliação errada a Frente Central pôde repelir mais facilmente o
ataque do adversário do que a Frente de Voronej. Esta defrontou-se contra 1500 tanques
alemães, a Frente Central, contra 1200. 10
10 Idem, ibidem.
3
Rokossóvski também estava convencido de que as forças alemãs principais se encontra-
vam concentradas na região de Oriol, perante a Frente Central. 11
Contudo, Rokossóvski contesta a avaliação de Júkov, segundo a qual houve mais facili-
dades na Frente Central do que na Frente de Voronej, sob o comando de Vatúnine. É ver-
dade que os alemães tinham mais blindados em Voronej – ele refere duas divisões blinda-
das – do que na Frente Central, mas teriam tido menos três divisões de infantaria. Na
Frente Central, o adversário, depois de um ataque incessante durante seis dias com pesa-
das baixas, conseguiu avançar entre seis a 12 quilómetros nas linhas de defesa, enquanto
na Frente Voronej puderam penetrar numa distância de cerca de 35 quilómetros, até serem
obrigados a parar. Rokossóvski explicou que isto se deveu ao facto de ter concentrado as
suas forças nas secções mais ameaçadas, enquanto Vatúnine dispôs as suas forças ao longo
de toda a secção de defesa. 12
De acordo com as informações de Júkov, Rokossóvski esperava defrontar-se com as for-
ças principais do exército alemão na sua frente, enquanto Vatúnine contava com uma con-
centração menos poderosa das forças adversárias. Na realidade aconteceu ao contrário,
como sabemos hoje.
Rokossóvski contava com o ataque das tropas alemãs de uma só direcção, o que se
revelou correcto. Teve a possibilidade de assegurar, nos 95 quilómetros de largura da
frente, uma alta densidade operativa e táctica das suas forças e manter, em profundidade,
poderosas reservas. Vatúnine partiu do princípio de que o adversário podia atacar de duas
direcções numa frente de 167 km. Também isto se revelou correcto. Por isso optou por uma
organização operativa em profundidade das suas tropas. Isto foi feito, naturalmente, à
custa da redução da densidade nas zonas tácticas de defesa.
Como, já foi referido, o QG supunha que o ataque principal do adversário estava dirigido
contra a Frente Central. Na repartição das forças disponíveis, Rokossóvski obteve um
corpo de artilharia que constituía um escudo de fogo difícil de ultrapassar. Vatúnine não
possuía um corpo de artilharia, ou seja, tinha menos 2700 canhões e lança-granadas do
que Rokossóvski. 13
Só se trata aqui de mostrar que as avaliações dos generais soviéticos, muitos anos pas-
sados sobre a batalha de Kursk, são divergentes em vários casos isolados.
No final de Abril, teve lugar uma reunião com Stáline, no QG, sobre o plano da operação
na região de Oriol, segundo é relatado pelo general Bagramian, comandante do 11.º Exér-
cito (inicialmente 16.º Exército – a alteração do nome, por ordem de Stáline como recom-
pensa pelos seus serviços, foi uma alta condecoração. UH),
O plano foi apresentado por Antónov e confirmado pelos comandantes das frentes pre-
sentes, Sokolóvski e Reiter. Stáline perguntou se todos estavam de acordo ou alguém tinha
opiniões diferentes. Bagramian pediu a palavra. Ele era da opinião de que o 11.º Exército
tinha de ser mais bem apetrechado para poder cercar o adversário, através de golpes po-
derosos e concêntricos na região de Bolkhov, e depois destruí-lo. Para isso, o 11.º Exército
tinha de receber 12 divisões, três das quais do vizinho. Além disso, o 61.º Exército tinha de
ser reforçado com várias divisões e um corpo de blindados da reserva do QG. Assim seria
4
possível romper a defesa do adversário e alcançar boas condições para um avanço das tro-
pas soviéticas. 14
Esta opinião já tinha sido rejeitada por Sokolóvski e Reiter, que viam nela apenas o de-
sejo de Bagramian de reforçar o seu exército à custa de outros. A maioria dos generais fazia
este tipo de tentativas para conseguir do QG o máximo de forças possível. Antónov tinha
declarado que não se podia alterar mais o plano. Stáline ouviu atentamente Bagramian e
disse: «Bagramian não está assim tão enganado. Devíamos concordar com a sua pro-
posta. A preocupação de um comandante em alcançar condições mais favoráveis é lou-
vável. Afinal assume a responsabilidade total em caso de fracasso.» 15
A proposta de Bagramian foi aceite sem alterações significativas. Este episódio demons-
tra que houve divergências de opinião e discussões nas reuniões do QG. Cada um dos pre-
sentes podia apresentar o seu ponto de vista. No final, enquanto comandante supremo,
Stáline tinha de decidir e assim assumir a responsabilidade última. Naturalmente, os crí-
ticos de Stáline podem acusá-lo de não ter respeitado a opinião da «maioria», constituída
por generais experientes, entre eles Antónov e dois comandantes de frente, e de ter apoiado
a opinião de uma única pessoa – também um general experiente! – ou seja, de ter tomado
uma decisão «subjectivamente». Mas isto, porém, não demonstra que a decisão de Stáline
tenha sido errada. As decisões da maioria nem sempre estão correctas. A análise das reu-
niões no QG mostra que as questões estratégicas e tácticas geraram frequentemente con-
trovérsia, sendo decididas de acordo com a situação e não de acordo com «maiorias» e
«minorias». O QG e o Estado-Maior não eram, afinal, parlamentos burgueses.
Segundo Júkov, foram disponibilizados para a operação de defesa e para a ofensiva sub-
sequente um milhão e 330 mil homens, mais de 3600 tanques e canhões autopropulsados,
20 mil peças de artilharia e 3130 aviões, incluindo aviões de combate de longo curso. 16
O tenente general Antipenko revela-nos as exigências colocadas aos serviços da reta-
guarda na disponibilização e transporte de combustível, munições, abastecimento, hospi-
tais de campanha e outros equipamentos. 17 Aqui chame-se a atenção para um só aspecto:
o consumo de munições de artilharia de duas frentes: a Frente Central (Rokossóvski) e a
Frente de Varonej (Vatúnine). No período entre 5 e 12 de Julho de 1943, na primeira fase
da batalha de Kursk, ou seja, na fase de defesa, portanto apenas durante sete dias (!), a
artilharia da Frente Central disparou 1079 vagões de munições, a Frente de Varonej «só»
417. 18 Um único exército da Frente Central, o 13.º Exército, disparou, neste espaço de
tempo, quatro capacidades de fogo em munições de artilharia (uma capacidade de fogo
corresponde a cerca de 20 mil toneladas. UH) «Uma tão grande capacidade de utilização
de munições num tão curto espaço de tempo nunca tinha existido em nenhuma operação
de defesa, nem na Grande Guerra Pátria, nem em toda a história da guerra.» 19
Antipenko refere problemas de abastecimento de carne às tropas da frente. Tinham sido
disponibilizados animais para abate num total de dez mil toneladas, mas faltavam meios
de transporte. Não havia vagões disponíveis em número suficiente. Os animais tiveram de
ser deslocados «com as próprias forças». Dez mil toneladas de carne correspondiam a 75
5
mil cabeças de gado, incluindo animais jovens, cerca de 500 manadas que tiveram de per-
correr mais de mil quilómetros. Durante a deslocação era preciso garantir assistência ve-
terinária, forragens para alimentação e a ordenha das manadas. Como comparação, Anti-
penko refere a deslocação de grandes manadas na Austrália e na Sibéria da Rússia czarista,
descritos na literatura da época. Mas se nesses casos se tratava de manadas com cinco a
seis mil cabeças de gado, eles, porém, tiveram de deslocar mais de 70 mil animais. 20
Pode questionar-se se o QG e o Comandante Supremo tinham alguma coisa a ver com
isto. Naturalmente que os responsáveis por esta operação eram os serviços de retaguarda.
Todavia, era obrigação do QG assegurar o fornecimento de víveres à frente, o que inclui a
produção, transporte e distribuição dos alimentos, neste caso de carne, e em muitas situa-
ções foi chamado a intervir.
O major general Krainiukov refere um destes casos. No final de 1943, o 18.º Exército da
1ª Frente Ucraniana tinha de executar um ataque, que fazia parte da ofensiva de Inverno
de 1943/44. Como em Dezembro normalmente há gelo e neve, os soldados estavam equi-
pados com botas de feltro. Mas veio chuva e começou o degelo, a neve derreteu e a terra
tornou-se um lodaçal. Antes do ataque, os soldados precisavam de trocar as botas de feltro
por botas de couro que não existiam em número suficiente. Disto dependia o êxito da ofen-
siva nesta secção da frente. O chefe da administração de Saúde alertou que as gripes po-
diam aumentar e tornarem-se epidémicas. No entanto, só foram fornecidas 30 por cento
das botas necessárias. Como os serviços da retaguarda se mostravam incapazes de satis-
fazer os pedidos, Krainiukov (chefe do serviço da retaguarda da 1ª Frente Ucraniana)
dirigiu-se directamente ao Chefe dos Serviços da Retaguarda (de todas as frentes), o ge-
neral do Exército Khruliov, em Moscovo, ou seja, ao QG, que enviou as botas necessárias
da sua reserva. 21 Nada podia sair da reserva do QG sem o consentimento de Stáline.
A formação e educação político-ideológica dos soldados também estavam incluídas na
preparação das grandes operações. Os jornais das frentes desempenhavam aí um impor-
tante papel. Contudo, nem todos os soldados do Exército Vermelho eram russos, nem to-
dos compreendiam russo ou só muito deficientemente. Assim, os jornais da 1ª Frente
Ucraniana tinham de ser publicados em russo, ucraniano, usbeque, cazaque e tártaro. 22 A
distribuição correcta e a tempo dos jornais era uma das tarefas indispensáveis para a pre-
paração das operações em Kursk do Serviço de Retaguarda.
Segundo a declaração de um prisioneiro, prestada a 5 de Julho, pelas 2 horas, o ataque
alemão iria iniciar-se uma hora depois, pelas 3 horas. Júkov e Rokossóvski ordenaram a
preparação da defesa e informaram imediatamente Stáline por telefone, que autorizou a
ordem. Stáline ordenou «que o informassem permanentemente». Júkov crê que, na con-
versa, sentiu «a tensão nervosa» de Stáline. «Todos nós estávamos muito excitados,
apesar de termos organizado uma defesa em profundidade e possuirmos, agora, meios
poderosos». 23
6
A 5 de Julho, pelas 02.20 horas a Frente Central iniciou «o ataque de artilharia» contra
as posições das tropas alemãs. Iniciou-se assim a batalha de Kursk.
Desde o início ao fim da batalha de Kursk, Stáline esteve em contacto permanente com
os comandantes das frentes, como estes atestam nas suas memórias através de relatos
coincidentes. 24 Stáline também tinha de manter sob observação as outras secções da longa
linha de frente, desde a Carélia do Norte até ao Mar de Azov; o mesmo para as actividades
dos japoneses no Extremo Oriente. Até mesmo o tráfego de embarcações no Volga, que
aparentemente nada tinha que ver com a batalha de Kursk, era alvo da atenção do Coman-
dante Supremo.
Como relata o almirante Kuznetsov, a aviação alemã tinha lançado centenas de minas
no Volga para paralisar o tráfego nesta importante artéria fluvial. Após a batalha de Sta-
lingrado, a desactivação das minas ainda não estava terminada. Em 1943, a frota do Volga
desmantelou pelo menos 600 minas. Stáline informava-se amiúde junto de Kuznetsov so-
bre a segurança do tráfego no Volga. Até Junho de 1943, o plano de transporte para os
navios no Volga foi cumprido a 70 por cento. No Verão de 1943, oito mil navios passaram
no Volga transportando sete milhões de toneladas de petróleo. Stáline declarou a
Kuznetsov : «O senhor também contribuiu para a vitória em Kursk. Transmita isso aos
seus camaradas.» 25
Enquanto Comandante Supremo, sempre que necessário, Stáline participou activa-
mente nas frentes com ordens e disponibilização de reservas do QG.
A direcção soviética desenvolveu novos métodos de combate na batalha de Kursk. Es-
perando o ataque alemão, disponibilizou poderosas forças de defesa e aplicou, pela pri-
meira vez, uma nova táctica de defesa. Até aí, os tanques inimigos avançavam em profun-
didade e só depois eram interceptados por contra-ataques dos tanques soviéticos.
Na Frente de Kursk as divisões inimigas não tiveram espaço para manobras. Pelo con-
trário, passados poucos quilómetros já se encontravam envolvidas num sistema de posi-
ções bem organizado e em profundidade, cuja espinha dorsal era constituída por uma po-
derosa artilharia de todos os calibres.
Logo no segundo dia da ofensiva, os tanques alemães foram confrontados com podero-
sos contra-ataques dos tanques soviéticos e, depois de uma semana com pesadas baixas,
só lograram avançar em alguns locais, entre nove quilómetros (na região de Oriol) e 35
quilómetros (na região Belgorod). As suas baixas em homens e material foram muito ele-
vadas. Em Julho, na retaguarda das unidades alemãs, os guerrilheiros provocaram 1114
explosões nas linhas de abastecimento, aliviando significativamente a defesa soviética. Às
poderosas unidades aéreas alemãs opunham-se as igualmente poderosas unidades sovié-
ticas apetrechadas com modernas máquinas. Realizaram-se ferozes combates aéreos, nos
quais a aviação soviética foi ganhando supremacia. 26
24 Cf. pp. 122 - 130 Bagramian; p. 186. Moskalenko; p.60/77 I. S. Kóniev, Notas de um Coman-
dante de Frente 1943/44, Nauka, Moscovo, 1972/Berlim, 1978. pp. 17, 23, 28 - 30, 41 e seg.
25 N. G. Kuznetsov, A Caminho da Vitória, Voienizdat, Moscovo, 1975/Berlim, 1979. p. 36.
de Estado do sistema fascista de Hitler no período da mudança decisiva na Segunda Guerra Mun-
dial, Dissertação, Janeiro de 1968, p. 150 e seg.
7
Novos métodos no ataque foram aplicados pela direcção soviética. Até aí o ataque da
infantaria realizava-se depois da preparação pela artilharia, agora as tropas acompanha-
vam o fogo da artilharia. A infantaria avançava imediatamente depois do bombardeamento
da artilharia e esta seguia a velocidade do ataque. 27
Sobre ideias, planos e direcção da batalha, Bagramian refere: «A batalha de Kursk re-
forçou a nossa opinião de que, na elaboração das ideias e do plano desta batalha, foram
os órgãos estratégicos de direcção, e não as instâncias das frentes que lhes estavam su-
bordinadas, que desempenharam o papel decisivo.
«A fixação exacta da ideia geral, o planeamento rigoroso e a preparação minuciosa
das operações, assim como a direcção brilhante das forças armadas baseavam-se prin-
cipalmente no enorme trabalho organizativo do Comité Central do Partido, do governo
soviético e do nosso alto comando militar. O êxito da batalha foi um verdadeiro triunfo
da arte da guerra soviética. Admirável foi a decisão sábia e oportuna de passar à defesa
na primeira etapa da campanha Verão-Outono de 1943 em Kursk. Isto permitiu que a
Frente Central e a Frente de Voronej cansassem e fizessem sangrar em combates de de-
fesa as tropas de ataque adversárias, equipadas abundantemente com tanques, aviões e
munições, e ajudou as seis frentes soviéticas (Oeste, Briansk, Central, Voronej, Estepes e
Sudoeste) a derrotar completamente, na segunda etapa, no contexto da ofensiva, as uni-
dades envolvidas na operação “Cidadela”.
«Concordo absolutamente com os historiadores que consideram as prioridades defi-
nidas pelo QG do Comandante Supremo como as mais importantes na preparação da
campanha Verão-Outono de 1943. Em primeiro lugar, a formação de uma frente de
ataque bastante mais larga do que aquela que a Wehrmacht fascista preparava para o
seu ataque. Excepcionalmente importante foi a disponibilização atempada de podero-
sas reservas, incluindo a Frente das Estepes, o que permitiu, até ao início do Verão de
1943, alcançar uma superioridade de forças em toda a frente soviético-germânica.
Além disso, assegurou-se o êxito porque o Alto Comando do Exército Vermelho optou
por um método de condução da guerra que correspondia à situação concreta! E, por
fim, o excepcional trabalho da inteligência que revelou as intenções do adversário e
conseguiu informações sobre os grupos de divisões, a sua disposição, assim como o
plano da operação “Cidadela”». 28
O general Kóniev confirmou as observações de Bagramian. O QG «previu correcta-
mente» que não só os esforços da frente e a formação das tropas são decisivos, mas tam-
bém «que eram necessárias reservas estratégicas». Kóniev também assinala criticamente
que era importante «concentrar as reservas estratégicas e [colocá-las no teatro de guerra]
na direcção decisiva». Isto não aconteceu na fase da defesa da batalha de Kursk (ou seja,
entre 5 e 12/13 de Julho, UH). Assim, as reservas foram utilizadas principalmente na
Frente de Voronej (Vatútine), o que provocou o enfraquecimento da Frente das Estepes
(comandante Kóniev). O Alto Comando da Frente das Estepes (ou seja, Kóniev) manifes-
tou «energicamente» o seu protesto no QG, mas o QG «infelizmente» não o aceitou. 29
Pelos vistos, também se podia protestar «energicamente» contra as decisões de
Stáline. O facto de Stáline não ter aceitado os protestos não é forçosamente negativo.
Nem sempre os protestos são fundamentados. Como já se referiu, o reforço urgente da
Frente de Voronej era necessário. Enquanto comandante da Frente das Estepes, Kóniev
8
não podia compreender a situação geral nas frentes em toda a sua complexidade. O QG
conhecia a situação geral e decidia em função dela. Assim, objecções de um comandante
de uma frente podem parecer justas, mas na altura não eram as mais correctas tendo
em conta a situação geral.
Apesar das suas «objecções», Kóniev considerou a batalha de Kursk um êxito extraor-
dinário da ciência militar soviética.
«O rompimento é uma arte e não simplesmente o resultado aritmético de cálculos. Sa-
bemos como é difícil. A tarefa principal do rompimento operativo consistia, normalmente,
em derrotar as forças principais do adversário na zona táctica e preparar tudo para a
utilização da unidade blindada ou da segunda unidade para aprofundar o rompimento.
«Na batalha de Kursk foram introduzidas, pela primeira vez, unidades blindadas no
rompimento para aumentar o êxito na profundidade operativa. Particularmente interes-
sante é a acção das unidades blindadas (1ª e 5ª) na operação Belgorod-Kharkov. Depois
de terem rompido a zona de defesa táctica, passaram rapidamente ao ataque e avança-
ram entre 120 a 150 quilómetros. A 1ª unidade blindada atacou na direcção de Bogo-
dukhov. Independente do exército, avançou 20 a 30 quilómetros em 24 horas, deslocou
as reservas operativas, golpeou os flancos e os serviços de retaguarda do adversário e
obrigou-o a desistir das suas posições e a recuar.
«A Frente das Estepes tinha 1380 tanques. No seu conjunto, as três frentes na batalha
de Kursk possuíam 4980 tanques e canhões autopropulsados; aproximadamente 50 por
cento dos tanques de todo o exército. Com isto se prova que o QG planeou a concentração
da utilização de tanques e das tropas mecanizadas na direcção principal. Em Kursk as-
sistiu-se ao maior combate de tanques na história da II Guerra Mundial. A região de
Prokhorovka e pouco depois as regiões de Akhtirka e Bogodukhov tornaram-se num
único campo de batalha. A experiência demonstrou que o êxito dependia da actuação
conjunta das unidades blindadas com as unidades gerais, da correcta organização do
apoio da artilharia e da aviação, da concentração rápida das forças na direcção princi-
pal, do ataque rápido e do comando contínuo.
«A experiência da força aérea nesta batalha também enriqueceu a arte da guerra. A
nossa força aérea alcançou o domínio dos ares. Durante a contra-ofensiva concentra-
ram-se ataques aéreos em grande profundidade contra as reservas do adversário. Algu-
mas unidades aéreas cooperaram estreitamente com aviadores da defesa aérea.
«Os serviços da retaguarda trabalharam incansavelmente para fornecer tudo o que
era necessário às tropas. Os nossos experimentados médicos fizeram tudo para trazer
soldados e oficiais para a retaguarda e recuperá-los.» Mais à frente, Kóniev escreve: «A
batalha de Kursk representa uma etapa importante na evolução da arte da guerra so-
viética. Ela representa para todo o sempre o símbolo do poder invencível do Estado
Socialista, nascido na grande Revolução de Outubro, e das suas Forças Armadas. Foi
um êxito extraordinário da ciência militar soviética.» 30
Para concluir, cite-se Júkov sobre o sobre o papel de Stáline na batalha de Kursk, com
quem esteve em contacto permanente:
«Depois da morte de Stáline defendeu-se a opinião de que ele teria tomado decisões
político-militares por iniciativa própria. Isto não corresponde à verdade. Ele ouvia sem-
pre opiniões versadas sobre qualquer questão. Não raramente alterava o seu ponto de
vista e decisões anteriores. Agiu assim sobretudo a respeito das datas do ataque em mui-
tas das acções de combate.