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Os Pactos MFA-Partidos e As Origens Do Sistema de Governo Da Constituição de 1976 CPRI-SD IEP-UCP Franci - 1

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Os Pactos MFA-Partidos e as origens do sistema de governo da

Constituição de 1976

Tese de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais: Segurança e Defesa


Orientador científico: Dr. Manuel Braga da Cruz
Mestrando: Francisco Barreira de Sousa (100513001)
Instituição: Universidade Católica Portuguesa
Outubro de 2019

1
2
Índice

1. Nota introdutória

2. Resumo

3. Introdução

4. I Pacto MFA-Partidos

a) 28 setembro 1974, ascensão do PCP, e ideia de Álvaro Cunhal do Pacto MFA-

Partidos

b) Debate sobre institucionalização do MFA e sistema de governo transitório: os

«catorze pontos» do Conselho dos Vinte

c) 11 março 1975, institucionalização do MFA, fim das negociações e conteúdo

final do I Pacto

5. II Pacto MFA-Partidos

a) PAP-CR, Documento-Guia e Diretório: “Verão Quente” e ultrapassagem

gonçalvista do I Pacto

b) 25 novembro 1975, travagem do gonçalvismo e apelos à revisão do I Pacto

c) Constitucionalização do legado económico gonçalvista: o II Pacto MFA-

Partidos, negociação e conteúdo

6. Constituição

3
a) Sistemas de governos dos projetos de Constituição dos partidos em sede de

Assembleia Constituinte e sistema de governo da Constituição de 1976

7. Conclusão

8. Anexos

9. Bibliografia

4
Nota introdutória

Este trabalho não teria sido realizável sem o apoio de algumas pessoas que urge

reconhecer e agradecer. Donas Olga e Beatriz do Arquivo Nacional da Torre do Tombo,

cujo profissionalismo, disponibilidade e eficiência permitiram a descoberta de

documentos extraviados e a anexação de outros tantos em tempo recorde, respetivamente.

À historiadora Maria Inácia Rezola, pela sua resposta sempre atempada e

disponível. Riccardo Marchi, pela sua ajuda com leituras e ideias relativas a 28 setembro

1974. Diogo Ramada-Curto, por me ter apresentado a Ricardo Noronha, e a este último

pelas recomendações de leitura para o “Verão Quente” de 1975.

Enfim agradeço ao Dr. Manuel Braga da Cruz por ter despertado o meu interesse

neste tema, e ao Dr. David Castaño pelas suas observações essenciais decorrentes das

funções de arguente aquando da minha defesa, que levaram a alterações importantes. A

meu pai, por me ter ensinado o valor da liberdade, a minha mãe, pelo seu amor

incondicional, e a meus irmãos, pela intimidade e amizade que guardo no coração.

5
Resumo

English

The following paper is about the origins, negotiation and content of two Constitutional

Pacts brokered between representatives of the main Portuguese political parties and the

MFA (Portuguese Armed Forces Movement) during the period which followed the 25

April 1974 military coup in Portugal. The purpose of this exercise was to establish who

the author of the system of government written into the 1976 Portuguese Constitution

was. Whether it was the representatives elected to the Constitutional Assembly, which

began its work on 2 June 1975 – the first Pact had been signed on 2 April, and the elections

for this Assembly occurred on 25 April – or whether it was unelected military men in the

aforementioned negotiations with then as yet unelected politicians.

It was necessary to reconstruct the historical narrative of the period 25 April 1974

– 25 November 1975 in order to deal with the origins and negotiation of both Pacts.

Political analysis sufficed to deal with their content. The content of the first Pact was

compared with the content of the systems of government inscribed into the Constitution

drafts handed by the representatives of the political parties in the Constitutional Assembly

in July 1975.

Events led to the negotiation of a second Pact after the suppression of a failed

Communist coup on 25 November 1975. This Pact was negotiated from 17 December

1975 – 26 February 1976. Both Pacts’ systems of government were compared with each

other. Their content was then compared with that of the final Constitution agreed upon

by elected representatives in the Constitutional Assembly on 2 April 1976.


6
The conclusion reached is that the MFA was, if not the sole author of the system

of government inscribed in the 1976 Portuguese Constitution, certainly its principal

contributor. Thesis word count: 62,217, including footnotes.

Português

Este trabalho é sobre as origens, negociação, e conteúdo em termos de sistema de governo

das Plataformas de Acordo Constitucional MFA-Partidos acordadas entre representantes

dos principais partidos políticos portugueses e o MFA no período de transição que se

seguiu ao golpe militar de 25 abril 1974. O objetivo deste exercício foi estabelecer a

autoria do sistema de governo inscrito na Constituição de 1976. Teriam sido os

representantes eleitos pelos portugueses à Assembleia Constituinte em 25 abril 1975,

Assembleia cujos trabalhos se iniciaram em 2 junho, tendo o I Pacto sido assinado em 11

abril, ou teria sido resultado de negociações tidas entre os militares e os políticos não-

eleitos à porta fechada?

Foi necessário reconstruir a narrativa histórico-política do período 25 abril 1974

– 25 novembro 1975 por forma a chegar às origens, e melhor compreender a força

negocial das diferentes partes aquando das negociações, daqueles instrumentos. O

conteúdo em termos de sistema do I Pacto foi comparado com os sistemas de governo

inscritos nos projetos de Constituição apresentados pelos deputados constituintes em

julho 1975 em sede de Constituinte. O conteúdo do II Pacto, negociado depois da

supressão da tentativa de golpe revolucionário de 25 novembro entre 17 dezembro – 26

fevereiro 1976, foi comparado com o do I. De seguida, comparou-se o sistema de governo

7
do II Pacto com o da Constituição acordada pelos deputados em sede de Constituinte em

2 abril 1976.

A conclusão a que se chegou foi que o MFA foi, se não o único autor do sistema

de governo da Constituição de 1976, seguramente quem para ele contribuiu mais. Ao

MFA damos, portanto, o papel de principal gerador daquele sistema. Total de palavras da

tese, incluindo notas de rodapé: 62,217.

8
Introdução

A correta classificação do atual sistema de governo português está longe de ser

consensual. O debate começou ainda durante a fase de transição constitucional (1976-

1982)1. Nessa altura Marcelo Rebelo de Sousa e Jorge Miranda classificavam-no como

semipresidencial, Vital Moreira e Gomes Canotilho parlamentar racionalizado, Marcello

Caetano ditadura do Conselho da Revolução (“CR”), Adriano Moreira regime de

predomínio das Forças Armadas (“FA”), e Francisco Lucas Pires semipresidencial com

pendor presidencial2.

Este debate despertou o meu interesse nas origens ‘pactícias’ do sistema de

governo sui generis da Constituição de 1976. Teriam os cidadãos portugueses tido

influência mediante representantes eleitos no desenho daquele sistema, ou teria resultado

de negociações entre militares e civis não-eleitos a porta fechada3? Propus-me então

desenvolver um trabalho de prospeção com vista ao esclarecimento deste ponto. A

1
O sistema muda depois da primeira revisão constitucional, em 1982, altura em que os poderes do CR são
divididos entre uma série de outros órgãos de soberania, levando à sua extinção. Todavia, a aceitação pela
comunidade científica internacional da classificação da Terceira República como semipresidencial é
relativamente recente. Arend Lijphart terá sido convencido pelo trabalho de Amorim Neto e Marina Costa
Lobo. Ver Octavio Amorim Neto & Marina Costa Lobo, ‘Portugal’s semi-presidentialism (re)considered:
An assessment of the President’s role in the policy process, 1976-2006,’ in European Journal of Political
Research, 48, 2009, p. 235 e Arend Lijphart, Patterns of Democracy: Government Forms and Performance
in Thirty-Six Countries, YUP, 2nd Edition, 2012, p. 108. Em Portugal a classificação semipresidencial ainda
não é pacífica: Cristina Queiroz, O sistema de governo semipresidencial, Almedina, 2007, p. 176.
2
Pedro Santana Lopes & José Durão Barroso, Sistema de governo e sistema partidário, Bertrand, 1980,
pp. 28-34.
3
Segundo Manuel Braga da Cruz, o sistema de governo “não foi uma livre escolha dos deputados
constituintes, mas resultou do compromisso estabelecido entre o MFA e os partidos políticos” (cf. Manuel
Braga da Cruz, O sistema político português, FFMS, 2017, p. 71). Para os que acreditam que o MFA foi o
autor da transição democrática portuguesa a interferência dos políticos militares no sistema de governo da
Constituição será legítima. Para os restantes, a questão coloca-se em moldes diferentes.
9
estrutura do trabalho afigura-se inédita, na medida em que, ao invés de procurar classificar

o sistema de governo da nossa Lei Fundamental e a magnitude da sua transformação com

a revisão de 1982, como os trabalhos de Ciência Política sobre o nosso sistema de governo

tendem a fazer4, visa descurar quais os intervenientes históricos nas suas diversas

componentes.

Até uma obra de vulto como a tese de doutoramento em Ciências Jurídico-

Políticas de Jorge Miranda sobre a Constituição de 1976, à qual devo muito, é algo omissa

quanto às origens das formas como os órgãos de soberania acabaram inscritos no texto

constitucional final, talvez por este ilustre jurista, embora testemunha enquanto deputado

à Constituinte de muito do que se passou durante aquele “Verão Quente,” não ter tido

acesso às fontes documentais hoje acessíveis aquando da publicação daquele seu trabalho

em 1978.

Após a leitura da tese de doutoramento de História Institucional sobre o CR de

Maria Inácia Rezola, li a sua biografia de Melo Antunes. Este processo levou-me a

descobrir que Ernesto Melo Antunes foi o principal impulsionador da parte do MFA das

negociações do II Pacto. Tal facto levou-me à consulta do seu fundo junto do Arquivo

Nacional da Torre do Tombo, mediante a generosa autorização da família daquele

conselheiro, com o propósito de desvendar algum documento inédito que clarificasse

quais as suas motivações para querer a revisão daquele instrumento.

O fundo do CR naquele Arquivo também foi consultado, para além da leitura de

uma série de obras, para melhor reconstruir o contexto em que se conceberam os Pactos

4
Veja-se, por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa, O sistema de governo português antes e depois da
revisão constitucional, 3ª ed., Cognitio, 1984 ou André Gonçalves Pereira, O semipresidencialismo em
Portugal, Ática, 1984.
10
e se desenvolveu a sua negociação. Também me desloquei à Biblioteca da Assembleia da

República para consultar os projetos de Constituição dos partidos constantes do Diário

da Assembleia Constituinte.

A estrutura do presente trabalho corresponde à origem, negociação, e conteúdo de

ambos os Pactos. Assim a primeira parte traça de forma sucinta a narrativa histórico-

política entre o golpe de 25 abril 1974 e a formulação por Álvaro Cunhal da ideia da

Plataforma de Acordo Constitucional (“Pacto MFA-Partidos”) em 30 novembro 1974,

passando pelos momentos mais marcantes entretanto vividos, como sejam a queda de

Palma Carlos, a malograda manifestação silenciosa de 28 setembro 1974, a demissão de

Spínola e a institucionalização do MFA.

Esta narrativa permite compreender o equilíbrio de forças em que Álvaro Cunhal

vai conseguindo para o PCP, naqueles meses iniciais após o golpe de 25 abril, o lugar

cimeiro em termos de influência, dispondo também do controlo da comunicação social,

no processo político. Segue-se a reconstrução da negociação daquela primeira Plataforma,

dando enfoque ao conteúdo das diversas propostas, incluindo o prolífico debate interno

que o MFA trava quanto à forma da sua institucionalização e que sistema de governo

impor aos partidos tal como o efeito que a negociação teve – sobretudo após 11 março

1975 – na versão final do instrumento. Segue-se uma breve análise do conteúdo do I

Pacto.

A segunda parte segue a mesma lógica, narrando o “Verão Quente” e as

vicissitudes do crescente vanguardismo do poder revolucionário dirigente, culminando

na saída de Mário Soares do IV GP, formação do ainda menos representativo V GP, seu

subsequente fim, e o cenário que culmina no 25 novembro 1975. Para chegar à negociação

11
e conteúdo do II Pacto. Enfim analisam-se os projetos de Constituição dos partidos e o

sistema de governo inscrito na Constituição de 1976.

O trabalho sofre de uma série de limitações. Em primeiro lugar, o facto dos

arquivos do Partido Comunista Português para este período permanecerem selados

dificulta seriamente qualquer tentativa de reconstrução de elementos centrais da sua

influência no desenrolar dos acontecimentos. Quais foram as contribuições do PCP para

o sistema de governo que acabou acordado no I Pacto? Por enquanto não nos é possível

dar com um grau suficientemente claro de precisão uma resposta a esta pergunta5.

Em segundo lugar, por motivos de tempo, foi-nos impossível tratar a questão do

Ultramar, cuja descolonização impactou centralmente toda a História da transição do

Estado Novo para a Terceira República. Em terceiro lugar, não conhecemos o sistema de

governo da II ou da I Repúblicas, o que poderia ter ajudado a ver as continuidades e

ruturas relativamente ao sistema instaurado em 2 abril 1976.

Enfim não analisámos todas as propostas de sistema de governo existentes

aquando do alargamento do debate no meio militar ainda antes da negociação do I Pacto

com os representantes se iniciar, nem percorremos os arquivos dos principais partidos

5
Da mesma forma continua a não se saber quem foi o autor do I Pacto. José Gomes Canotilho, em casa de
quem, uma semana antes da abertura da Assembleia Constituinte em 2 junho 1975, foi elaborado o projeto
de Constituição do PCP, acredita que Melo Antunes e Miguel Galvão Teles participaram da sua redação,
afirmando que ambos os Pactos foram redigidos em casa de Galvão Teles (Entrevista realizada por telefone
a José Gomes Canotilho em 27 março 2019). Contudo, Maria Inácia Rezola demonstrou na sua biografia
de Melo Antunes que este militar do MFA se dissociou das negociações que culminaram no I Pacto, por
discordar do elemento de intromissão nos trabalhos de feitura da Constituição, que considerava serem tarefa
para os deputados eleitos em sede de Constituinte (cf. Maria Inácia Rezola, Melo Antunes: uma biografia
política, Âncora Editora, 2ª Ed., 2013, pp. 266-267). Ver ainda o subcapítulo do presente trabalho: Ideia de
Álvaro Cunhal do Pacto MFA-Partidos, nota de rodapé 92.
12
políticos envolvidos naquelas negociações. Aquilo que obtivemos dos partidos é aquilo

que consta do fundo do CR dedicado àquela matéria.

13
28 setembro 1974, ascensão do PCP e ideia de Álvaro Cunhal do Pacto MFA-
Partidos

Contexto sociocultural do golpe de 25 abril 1974 e conteúdo do Programa do MFA

Ao tempo do pronunciamento militar de 25 abril 1974 o Partido Comunista Português

(PCP) era o partido político mais antigo em ininterrupta atividade em Portugal. Fundado

em 1921, ainda durante a Primeira República (1910-1926), sobrevivera os 48 anos de

autoritarismo da Segunda República (1933-1974) na clandestinidade. Durante este tempo

ganhara capacidades logísticas salientes, e a sua longa oposição à repressão autoritária do

Estado Novo, “principal grupo da oposição” após a década de 40, granjeara-lhe

considerável legitimidade6.

Ideólogos do Movimento das Forças Armadas (MFA), reunidos na sua Comissão

Coordenadora (“CCPMFA” ou “Coordenadora”), tinham-se radicalizado devido à

penetração entre as suas fileiras de “toupeiras” do PCP de 1967 em diante e pelo contacto

com os grupos marxistas-leninistas que lutavam pela renúncia de Portugal ao seu império

africano7. Acresce que “importantes franjas” da sociedade portuguesa, incapazes de

6
Álvaro Cunhal, o seu líder a partir de 1961, foi preso e torturado pela PVDE pela primeira vez aos 23
anos, e passou no total cerca de doze anos na prisão, onze dos quais seguidos (1949-1960), oito dos quais
em isolamento completo (cf. José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal: uma biografia política, vol. I: «Daniel»,
o Jovem Revolucionário (1913-1941), Temas e Debates, 1999, pp. 325-226; Diogo Freitas do Amaral, O
Antigo Regime e a Revolução: Memórias Políticas, Bertrand, 1995, p. 64; José Pacheco Pereira, ‘O Partido
Comunista Português e a esquerda revolucionária,’ in Mário Baptista Coelho (coord.), Portugal: sistema
político e constitucional, 1974-87, ICS-UL, 1989, p. 80). Ver também Sanches Osório, O equívoco do 25
de abril, Editorial Intervenção, 1975, p. 16 e Kenneth Maxwell, A Construção da Democracia em Portugal,
Editorial Presença, 1999, pp. 90-98.
7
Sobre a história do MFA ver Luís Pedro Melo de Carvalho, O Movimento dos Capitães, o MFA e o 25 de
abril: do Marcelismo à Queda do Estado Novo, Dissertação de Mestrado, Universidade Lusófona, 2009.
Quanto às “toupeiras” do PCP (a Ação Revolucionária Armada, ou ARA) cf. Mário Matos e Lemos, O 25
de abril no contexto da política externa soviética, s.d., pp. 174-188 – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa
109 pasta 4; Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 80-81, 142; António José Telo, História Contemporânea
de Portugal: do 25 de abril até à atualidade, vol. I, Editorial Presença, 2007, p. 56; Maria João da Câmara,
14
expressão política ao tempo do Estado Novo, fracassada a tentativa de renovar o regime

por dentro encabeçada pela ‘ala liberal’ durante os primeiros anos do consulado de

Marcello Caetano, e confrontadas com a persistência da Guerra Colonial (1961-1974),

tinham extremado as suas posições8.

Por conseguinte, o documento justificador do golpe de 25 abril, o Programa do

MFA (“PMFA” ou “Programa”), não consegue evitar alguma parcialidade ideológica. Os

capitães viam-se como zelando pelas “camadas mais desfavorecidas” do “povo

português” (B-6.a9), defensores dos “interesses das classes trabalhadoras” (B-6.b).

Almejavam melhorar as condições de vida dos portugueses através de uma “estratégia

antimonopolista” [leia-se: anticapitalista] (B-6.a), que seria executada com a “vigilância”

de “todas as operações económicas e financeiras com o estrangeiro” (A-2.e10).

Pulverização do poder, expansão do PS e do PCP/MDP

Sanches Osório: Memórias de uma Revolução, Oficina do Livro, 2019, p. 49. Ver ainda José Freire
Antunes, O segredo do 25 de novembro: o Verão Quente de 1975 e os planos desconhecidos do Grupo
Militar, 2ª Ed., Publicações Europa-América, 1980, pp. 50, 52 e Manuel Amaro Bernardo, Memórias da
Revolução, Portugal 1974-1975, Prefácio, 2004, p. 558.
8
António José Telo, op cit, pp. 97-98. Ver também Paula Borges Santos, Igreja Católica, Estado e
Sociedade 1968-1975: o caso Rádio Renascença, ICS, 2005, p. 60; Joana Reis, A transição impossível: a
rutura de Francisco Sá Carneiro com Marcello Caetano, Casa das Letras, 2010, pp. 21-24 e sobre a falta
de uma oposição do centro moderada ao Estado Novo: Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 63, 157. A
sociedade portuguesa de 1974 era “tendencialmente de esquerda radical” (cf. Maria João da Câmara, op cit,
p. 138).
9
FMS, pasta 04791.006, título «Programa do MFA,» assunto «Cópia da primeira edição a stencil do
Programa do MFA divulgado no dia 25 de abril de 1974,» documento n.º 3
(http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04791.006 2018.10.7). Todas as citações que se
seguem até à próxima nota de rodapé são do mesmo documento.
10
Ibidem, documento n.º 4. O anticapitalismo do Programa foi admitido por Melo Antunes em debate em
17 fevereiro 1976 como parte do Estágio Político-Militar realizado no Instituto de Altos Estudos Militares:
“a intenção dos redatores do Programa” tinha “uma perspetiva não capitalista” (cf. ANTT, Ernesto Melo
Antunes, caixa 19 pasta 23, folha 7 (Capítulo I p. 3)).
15
Em 1 maio 1974 o PCP promove uma enorme manifestação com a Intersindical para

celebrar o feriado nacional do Dia do Trabalhador, e através do Movimento Democrático

Popular/Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE), ocupando as comissões

administrativas substitutivas das autarquias locais, toma de “assalto,” “sem eleição

popular nem nomeação governamental,” câmaras municipais, juntas de freguesia e casas

do povo11.

Entre abril e setembro de 1974 o PCP expande-se vertiginosamente. Em 25 abril

1974 teria 2,000-6,000 membros, chegando a outubro com cerca de 30,000. Entre 17 maio

e 23 agosto 1974 vai de 9-99 centros de trabalho12. O PS teria 40,000 militantes inscritos

em dezembro 1974, o seu discurso sendo por vezes mais radical que o do PCP13. Álvaro

Cunhal consegue lugar na reunião para discutir a política económica do futuro I Governo

Provisório (“GP”) com a Coordenadora de 4 maio14. Pelo menos desde 27 abril Soares

defendia a importância do regresso dos comunistas exilados e de lhes ser permitido

colaborarem na “obra de salvação nacional,” tendo sido instrumental em assegurar para

o PCP lugar no primeiro Governo civil (16 maio – 11 julho 1974)15.

11
Riccardo Marchi, ‘As direitas radicais na transição democrática portuguesa (1974-1976),’ in Revista Ler
História, n.º 63, 2012, p. 81; Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 156; José Medeiros Ferreira, Ensaio
Histórico sobre a Revolução do 25 de abril: o período pré-constitucional, INCM, 1983, pp. 37-46, 99; José
Pinheiro de Azevedo, 25 de novembro sem máscara, Editorial Intervenção, 1979, pp. 28-29.
José Pacheco Pereira, ‘O Partido Comunista Português e a esquerda revolucionária,’ pp. 80-82; José
12

Medeiros Ferreira, op cit, pp. 90-95.


13
Maria José Fernández Stock, ‘O centrismo político e os partidos do poder em Portugal,’ in Mário Baptista
Coelho (coord.), op cit, pp. 149, 166-167; António José Telo, op cit, pp. 63-64. O PS apresentava princípios
programáticos, em matéria económico-social, favorecendo a reforma agrária, nacionalizações, etc. não
muito díspares daqueles defendidos pelos comunistas (cf. David Castaño, Mário Soares e a Revolução,
Publicações Dom Quixote, 2013, pp. 85-89).
14
Sobre esta reunião, ver Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 162-166 e Maria Inácia Rezola, Melo
Antunes… pp. 188, 192-196.
15
PS e PCP haviam-se unido pelo acordo de cooperação política de Paris meses antes do 25 abril (cf.
Marcelo Rebelo de Sousa, A Revolução e o Nascimento do PPD, vol. I, 5ª Edição, Bertrand Editora, 2000,
pp. 31, 118). Esta aproximação ou entendimento com os comunistas partira de uma consciência por parte
16
Para além da tomada do poder local, da expansão do número de sedes por todo o

país, e da atividade governamental, nos primeiros meses após o 25 abril 1974 o PCP

apropria-se de “sindicatos, cooperativas, instalações de organizações paramilitares da

ditadura,” e cria uma “rede de comissões ad hoc que se reclamam da legitimidade

«antifascista» para substituir as antigas autoridades16.”

Estas comissões ad hoc têm um papel importante nos “saneamentos” de quadros

afetos ao anterior regime que começam logo após o golpe. Profissionais de diversas áreas

vêm-se subitamente impedidos de desempenhar funções17. Talvez a comissão mais

influente de todas tenha sido a Comissão de Extinção da PIDE/DGS. Dava a quem a

controlasse acesso aos arquivos da anterior polícia política, ao edifício da António Maria

Cardoso e à prisão de Caxias18.

Como já antes do 25 abril o PCP tinha “animado um amplo movimento de

organização sindical, especialmente significativo em setores como os bancários, as

comunicações ou os transportes,” depois do golpe passa a agir em estreita concertação

de Soares da “pequenez e debilidade” da sua própria organização política, tal como de um desejo de libertar
o PC do seu estalinismo, travando assim os apetites hegemónicos dos comunistas. Soares refere-se à
intenção de que haja comunistas no Governo interino em 2 maio 1974 em Londres, e depois em Bona (cf.
David Castaño, Mário Soares… pp. 80-81, 95, 102, 104, 108, 110). António de Spínola explica que, com o
PM Adelino da Palma Carlos, integrou os comunistas no Governo para responsabilizá-los pela governação,
pois já dominavam “as estruturas dos diversos setores da administração e as cúpulas marxistas do MFA”
(cf. António de Spínola, País sem rumo: contributo para a História de uma Revolução, Editorial Scile,
1978, p. 132). O PCP sondara a JSN sobre a possibilidade da sua participação num putativo Governo
Provisório em 29 abril (cf. José Medeiros Ferreira, ‘A luta institucional num Portugal em transe,’ in José
Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. 8: Portugal em Transe, Editorial Estampa, 1994, p. 254). Mário
Soares informara Spínola que se os comunistas fossem excluídos do Governo o PS não participaria. Em 7
maio 1974 o líder do PS defendeu que o Governo devia apenas representar “três grandes correntes:
centristas, socialistas e comunistas” (cf. Amadeu Garcia dos Santos & David Castaño, Apontamentos
políticos: Eanes e os partidos, Bertrand, 2013, p. 15).
16
José Pacheco Pereira, ‘O Partido Comunista Português e a esquerda revolucionária,’ p. 86.
17
António José Telo, op cit, p. 111; Maria João da Câmara, op cit, pp. 117, 119.
18
António Maria Pereira, A burla do 28 de setembro, Bertrand Editora, 3ª Edição, 1977, pp. 124, 215-225.
Ver também Mário Soares, Portugal: que Revolução? Diálogo com Dominique Pouchin, P&R, 1976, p.
132 e Kenneth Maxwell, op cit, pp. 84-89.
17
com estes sindicatos, que são o elo do partido na vigilância por exemplo da banca. As

denúncias destes quadros sindicais de “sabotagem económica” dos bancos são

instrumentais no caminho para a nacionalização da banca em 11 março 197519.

No final de maio 1974 toma posse o Conselho de Estado (“CE”), composto por

militares e civis, a partir dessa altura o órgão de conselho do PR Junta de Salvação

Nacional (“JSN”) passando a funcionar através da sua participação no CE20.

Queda do I GP

A queda do I GP em julho resulta da demissão do Primeiro-Ministro (“PM”), Palma

Carlos. Este faz uma proposta de alteração constitucional em sede de CE, que é

rejeitada21.

19
António José Telo, op cit, p. 55. O ministro do Trabalho do I GP, do PCP, era Presidente do Sindicato
dos Bancários do Norte, detendo influência junto da Intersindical (cf. Ricardo Noronha, “ ‘A orquestra da
sabotagem económica’: radicalização discursiva e conflitualidade laboral durante o PREC (1974-1975)”,
in Análise Social, 210, xlix (1.o), 2014, p. 8).
20
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I, Edições Almedina, 2013, p. 186 rodapé 2. Segundo a Lei
n.º1/74 de 25 abril 1974 para a JSN passaram os poderes do PR, Governo, Assembleia Nacional e CE do
anterior regime, órgãos declarados naquela Lei dissolvidos (a extinção da Assembleia Nacional e da
Câmara Corporativa dá-se com a Lei n.º2/74 de 14 maio), funcionando a JSN como Governo militar até à
tomada de posse do PR, em 15 maio, e à nomeação pelo PR do I GP, em 16 maio (cf. Lei n.º1/74:
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/523192/details/normal?q=lei+n%C2%BA%201%2F74
(30.5.2019)). A Lei n.º3/74 de 14 maio 1974 cria o CE, composto pelos “membros da Junta, sete
representantes das FA «de acordo com as designações feitas pelo MFA» e sete vogais escolhidos pelo PR;
e tinha funções consultivas, de aprovação de novas leis constitucionais, de sanção das mais importantes leis
ordinárias (algumas destas, aliás, pertencentes à Constituição material) e de declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral.” O PR era “tão provisório quanto o Governo. O
fundamento jurídico da instituição era uma Lei Constitucional (“LC”) também provisória e o titular, em
vez de eleito (conforme requer um regime republicano), era escolhido por cooptação.” A “relativa
preponderância do PR” inscrita na Lei n.º3/74 na prática nunca se verificou, “sobretudo após 28 setembro
1974.” A generalidade dos atos do PR careciam de referenda ministerial. O PR “nomeava o GP e podia
livremente exonerá-lo, mas não podia tomar decisões políticas concretas a não ser em circunstâncias
excecionais” (cf. Jorge Miranda, A Constituição de 1976: formação, estrutura, princípios fundamentais,
Livraria Petrony, 1978, pp. 63 e nota de rodapé 25, 65-66, 77-78). Ver ainda, sobre as Leis n.ºs1 e 3/74:
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. II, Edições Almedina, 2013, pp. 251-255.
21
Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 209-214. A proposta teria sido da autoria de Francisco Sá Carneiro
e Vasco Vieira de Almeida. PS e CDS eram contra porque mitigava o papel dos partidos políticos (cf. Maria
18
A proposta do PM alterava o curso estabelecido pelo PMFA. Ao invés de se

processarem as eleições para uma Assembleia Constituinte (“AC”) em abril 1975 (A-

2.a)22, estas seriam adiadas para novembro 1976, sendo entretanto referendada uma

Constituição provisória. Seria adiantada a eleição presidencial, que segundo o PMFA

deveria ocorrer depois da eleição da AC (B-3.a), para outubro 1974, e das eleições

autárquicas para dezembro. Viria suprimida a JSN e o Conselho dos CEMFA

(“CCEMFA”)23. Os objetivos da proposta eram claros: travar a conquista do poder local

pelos comunistas, e reforçar a autoridade presidencial, sobrepondo a legitimidade

democrática-eleitoral à legitimidade revolucionária da CCPMFA. Era uma resposta à

“inexistência de mediações institucionais suficientemente fortes...de partidos políticos

solidamente implantados e credíveis,” funcionando o PR como “garante da solvência” ou

“banco central” do sistema24.

João da Câmara, op cit, p. 140; Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes: no centro da tempestade,
A Esfera dos Livros, 2ª Ed., 2008, p. 160). A proposta Palma Carlos pode ser consultada em: Jorge Miranda,
Fontes e trabalhos preparatórios da Constituição, vol. II, Edições INCM, 1978, pp. 1153-1168). Há quem
ligue a queda de Palma Carlos à questão colonial (cf. David Castaño, Mário Soares… p. 140).
22
FMS, pasta 04791.006, título «Programa do MFA,» assunto «Cópia da primeira edição a stencil do
Programa do MFA divulgado no dia 25 de abril de 1974,» documento n.º 3
(http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04791.006 2018.10.7).
23
O órgão legislativo CCEMFA foi criado com a Lei n.º4/74 de 1 julho 1974 para legislar sobre matérias
que respeitassem à estrutura e organização das FA, sendo que “a estrutura das FA era totalmente
independente da estrutura do GP” (cf. Jorge Miranda, A Constituição… pp. 50, 64). Veja-se o disposto nesta
Lei aqui: https://dre.tretas.org/dre/56047/lei-4-74-de-1-de-julho (30.5.2019).
24
Carlos Gaspar, ‘O processo constitucional e a estabilidade do regime,’ in Análise Social, vol. XXV (105-
106), 1990, p. 11; Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 111-112; António José Telo, op cit, pp. 79-80;
Maria José Fernández Stock, op cit, p. 155. Ver também Luís Salgado de Matos, ‘Significado e
consequências da eleição do presidente por sufrágio universal – o caso português,’ in Análise Social, vol.
XIX (76), 1983-2º, p. 240; Manuel Braga da Cruz, ‘O Presidente da República na Génese e Evolução do
Sistema de Governo Português,’ in Instituições Políticas e Processos Sociais, Bertrand Editora, 1995, pp.
223-224 e Bernardino Gomes & Tiago Moreira de Sá, Carlucci vs. Kissinger: os EUA e a Revolução
Portuguesa, Publicações Dom Quixote, 2ª Ed., 2008, p. 64.
19
Legitimidade revolucionária do MFA

A única entidade com maior legitimidade aos olhos da população que o PCP25 após o

golpe é o MFA, autor do derrube da ditadura marcelista. A adulação dos capitães pelos

portugueses fica patente no dia seguinte ao golpe, quando se realizam manifestações de

apoio ao Movimento em vários pontos do país26. Durante as semanas posteriores,

“centenas de moções de apoio ao MFA são enviadas” de múltiplas origens27.

Como corolário deste estatuto, o MFA é capaz de intervir no “movimento

popular,” a revolução espontânea que irrompe no seio da sociedade portuguesa a todos os

níveis28. O povo pede ao MFA ajuda para ocupar casas logo em 28 abril por iniciativa do

MRPP29, e pedir-lhe-á apoio mais tarde para ocupar terras. É do MFA que as organizações

de trabalhadores e populares aceitam a “repressão que tinham deixado de aceitar” às

forças policiais e ao quadro permanente das FA30.

25
Rebelo de Sousa relata um episódio sintomático do quociente de legitimidade do PCP vis-à-vis o PS e o
PPD na sua luta “antifascista” por ocasião de uma das reuniões da Comissão Comemorativa do 5 de outubro
em agosto/setembro 1974 (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, p. 222).
26
Boaventura de Sousa Santos, Maria Manuela Cruzeiro & Maria Natércia Coimbra, O Pulsar da
Revolução: Cronologia da Revolução de 25 de abril (1973-1976), Edições Afrontamento, 1997, p. 88.
27
Maria Carrilho, Democracia e Defesa: sociedade política e Forças Armadas em Portugal, Publicações
Dom Quixote, 1994, p. 41.
28
António de Spínola, op cit, p. 127; António José Telo, op cit, p. 97; Diego Palacios Cerezales, O poder
Caiu na Rua: Crise de Estado e Ações Coletivas na Revolução Portuguesa, 1974-1975, ICS, 2003, p. 127;
Bernardino Gomes et al, op cit, p. 36; Maria João da Câmara, op cit, p. 118.
29
Pequeno partido de extrema-esquerda perfilhador de ideologia maoísta (cf. Kenneth Maxwell, op cit, p.
139). Maria João da Câmara, op cit, p. 112.
30
Boaventura de Sousa Santos, et al, op cit, p. 88 e Raquel Varela, ‘“Um, dois, três MFA...”: O Movimento
das Forças Armadas na Revolução dos Cravos, do Prestígio à Crise,’ in Revista Brasileira de História, São
Paulo, v. 32, nº 63, 2012, pp. 407, 411. Cerezales afirma que às FA estava bloqueada “a possibilidade
de...atua[rem] de forma repressiva.” Terão sido ocupadas mais de mil habitações durante o PREC (cf. Diego
Palacios Cerezales, op cit, pp. 71-77, 96 nota de rodapé 68). Maria João da Câmara, op cit, pp. 109, 116,
119.
20
Ainda antes do golpe de 25 abril, a proposta dos nomes dos generais Francisco da

Costa Gomes e António de Spínola para chefiar o MFA não fora pacífica. Os capitães que

entretinham ideias marxistas, influenciados pelo ideólogo Melo Antunes31, queriam eles

mesmos liderar o Movimento32. Sobretudo Spínola era olhado com desconfiança por estes

elementos, por não partilhar da sua posição política, como já deixara claro33.

Spínola, politicamente desajeitado, tenta agir desde o início do período pré-

constitucional pós-golpe34 como uma força contrária à liderança moral do processo de

transição pelos comunistas e restante extrema-esquerda. A tarefa acaba por revelar-se

impossível, dada a forma hábil como o PCP se infiltra na comunicação social35, nas FA –

31
O pensamento político de Melo Antunes situava-se entre o PS e o PCP. Desfavorável, na prática, ao
pluralismo partidário, na medida em que todos os partidos tinham que, independentemente da sua ideologia,
apoiar a transição para o socialismo. Não apoiava incondicionalmente a democracia representativa liberal,
mas também não concebia um sistema que, dando espaço às organizações de base, suprimisse o papel dos
partidos políticos, desde que tutelados, e do Parlamento. Tolerava a iniciativa privada subalternizada ao
poder político numa fase transicional, desejando alcançar o socialismo, substituindo-se então as relações
de produção capitalistas. Para lá chegar queria um amplo bloco social de apoio, que se tornasse hegemónico
na sociedade. António Reis descreveu-o como eurocomunista neomarxista inspirado por Antonio Gramsci
e Michel Rocard (cf. Documento s.d./a. Portugal e a transição para o socialismo, outubro 1975 – ANTT,
Ernesto Melo Antunes, caixa 203 pasta 4; António Reis, ‘O duplo drama de Ernesto Melo Antunes,’ in
Relações Internacionais, no. 45, Lisboa, março 2015, p. 130).
32
António de Spínola, op cit, p. 152. A desconfiança dos militares da CCPMFA quanto a Spínola não era
inteiramente descabida, sendo que o Programa do MFA fazia menção de “associações políticas” em vez de
partidos políticos para agradar ao general, que terá resistido à legalização dos mesmos, querendo ao invés
um governo militar, ou na sua impossibilidade um “governo «técnico» e «suprapartidário», do qual
estivessem ausentes representantes e líderes de partidos políticos” (cf. Luís Melo de Carvalho, op cit, p. 73;
Amadeu Garcia dos Santos et al, op cit, p. 14 nota de rodapé 6; Maria Inácia Rezola, Melo Antunes, p. 122).
33
Ver António de Spínola, Portugal e o Futuro: análise da conjuntura nacional, 5ª Edição, Arcádia, 1974,
livro publicado em 22 fevereiro 1974 onde o general mostra apreensão perante a “subversão comunista” (p.
238), a “extrema...esquerda” (p. 230), e critica o marxismo, afirmando que a “consciência portuguesa” está
“fechada” a essa solução (p. 120). Ver também Waldemar Paradela de Abreu, Do 25 de abril ao 25 de
novembro: Memória do Tempo Perdido, Editora Intervenção, 3ª Ed., 1983, p. 54.
34
Já em 7 abril 1974 quando lhe chegara a primeira versão do Programa do MFA para as mãos Spínola
mostrara-se em desacordo com a sua “inspiração comunista” (António de Spínola, País sem rumo... p. 103).
35
O partido que mais sucesso teve na luta pelos órgãos de comunicação social nos primeiros oito meses
após 25 abril 1974 foi o PCP (com o MDP e a Intersindical). Esta captura foi feita de forma subtil, passando
despercebida ao público e às restantes forças políticas. A grande maioria da imprensa e da rádio passaram
a veicular informação de tom monolítico, havendo práticas de censura interna. O público retraiu-se, ficando
saturado, e temeroso de se exprimir livremente de forma contrária à ortodoxia. Na RTP Álvaro Guerra,
diretor interino do Departamento de Informação, queixa-se de ser vigiado, inclusive mediante “telefonemas
policiais,” por elementos do PCP no seu trabalho. Em finais de 1974 e inícios de 1975 o PCP aperta o
assalto à RTP, tentando censurar programas e contestando a presença de elementos socialistas (3/39) no
21
sobretudo na CCPMFA36 –, nas autarquias locais, na administração central37, nos

sindicatos, e em todos os partidos políticos excetuando aqueles que não apoiam o

socialismo ou o marxismo, muitos dos quais serão rapidamente banidos ou perseguidos38.

Em comício do PS em 24 outubro 1974 estão presentes delegados do PCP. A ala

esquerda do PS estava a “procurar conquistar a liderança...de modo a transformá-lo numa

organização de tipo frentista na linha do MDP/CDE39.” Tanto no I Congresso do PPD em

novembro como no do PS em dezembro estão presentes delegados do MFA40. Os

socialistas já em 1973 tinham redigido linhas programáticas que incluíam reforma agrária,

Departamento de Informação, conseguindo muito mais tempo de antena que o PPD ou o PS (cf. Álvaro
Guerra, Em defesa da liberdade de expressão, janeiro 1975 – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 29 pasta
1). Ver também José Pinheiro de Azevedo, op cit, p. 140; António José Telo, op cit, pp. 58, 110; Mário
Soares, op cit, pp. 132-135. Sobre as “toupeiras” do PCP na comunicação social ver Sanches Osório, op
cit, pp. 17, 72. A penetração de quadros do PCP é facilitada por estar melhor organizado que os partidos
recém-criados, como o PPD. A subsecretaria de Estado da Comunicação Social é entregue pelo ministro
Sanches Osório a um comunista, Luís de Barros, logo no II GP (cf. Maria João da Câmara, op cit, pp. 149-
150).
36
Melo Antunes admite que o MFA propôs ao PCP uma frente comum e cooperação logo após o golpe de
25 abril que o partido aceitou, passando a deter, para além das suas “toupeiras,” um capital de influência
adicional importante sobre o setor do Movimento não-spinolista (cf. António Maria Pereira, op cit, p. 102;
Max Wery, op cit, p. 130; Maria Inácia Rezola, Melo Antunes… p. 191).
37
O almirante Rosa Coutinho, “toupeira” do PCP, é encarregue de desativar a DGS (ex-PIDE), e em
concertação com a Coordenadora e o PCP nomeia, nos primeiros dias após o golpe de 25 abril, os delegados
da JSN para os ministérios e para as empresas privadas. Se Spínola não prestasse atenção, os novos
governadores civis teriam sido todos afetos ao PCP ou ao MDP/CDE, de acordo com as propostas que lhe
iam chegando do MAI do II GP, o tenente-coronel Costa Brás (cf. António de Spínola, País sem rumo...
pp. 127, 201).
38
O Centro Democrático Social (CDS) de Diogo Freitas do Amaral, fundado em 19 julho 1974, era o
partido “mais à esquerda” a não endossar o socialismo no seu programa (cf. Diogo Freitas do Amaral, op
cit, pp. 193-201). O Partido Popular Democrático (PPD) de Francisco Sá Carneiro e Francisco Pinto
Balsemão, fundado em 6 maio, era socialista (cf. José Medeiros Ferreira, Ensaio histórico... p. 70 e quanto
às linhas programáticas: Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 69-70). O Partido Socialista (PS) de Mário
Soares, fundado na Alemanha em 1973, era marxista (cf. António Reis, ‘O Partido Socialista na revolução,
no poder e na oposição: da dialética com o projeto nacional-militar à dialética com o eanismo,’ in Mário
Baptista Coelho (coord.), op cit, pp. 113-114).
Acresce que em 12 outubro Soares defendera uma aliança “íntima e orgânica” entre os dois partidos (cf.
39

David Castaño, Mário Soares… pp. 197, 199-200).


40
Os delegados do MFA presentes no I Congresso do PS foram convidados pelo partido (cf. David Castaño,
Mário Soares… pp. 211-212, 245). Marcelo Rebelo de Sousa, A Revolução… pp. 256-257. Já depois da
formação do CR temos provas de uma prática de vigilância partidária da parte do MFA, como o reporte
minucioso, s.d., elaborado a um Congresso do PS: Documento s.d./a. em papel do CR Congresso do Partido
Socialista – ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 5 n.º91, doc. 1 pp. 1-18.

22
nacionalizações, e planificação da economia. Para agradar à ala esquerda minoritária, que

queria uma maior cumplicidade com o PCP, Soares, no essencial, repete-as em dezembro

197441. Sá Carneiro termina o primeiro congresso com o PPD a favor da “autogestão” das

empresas, da socialização dos meios de produção, e da construção da sociedade

socialista42.

Crescente desordem económico-social, inoperância das polícias, criação do COPCON

À falta de autoridade alia-se um clima de indisciplina social: greves, manifestações, e,

mais tarde, ocupações das sedes das empresas pelos trabalhadores e expulsões das

gerências43. As tentativas de organização de comícios em Faro e Portimão pelo CDS em

agosto e setembro 1974 resultam em boicotes por grupos de extrema-esquerda

impossibilitando a sua realização, a sede do partido é saqueada em 4 novembro,

culminando no violento boicote do I Congresso, já o partido estando legalizado, em

41
Em outubro o PS já era alvo de ataques à sua esquerda por se ter afastado em agosto do MDP,
enfraquecendo a “unidade das forças progressistas” (cf. David Castaño, Mário Soares… pp. 84-89, 141,
196-229, 236-240). Manuel Serra estreitara relações com o MFA e a 5ª DIV/EMGFA – durante as ausências
de Soares enquanto MNE – e com a LUAR e o MES (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 245-261,
267-270; David Castaño, Mário Soares… p. 197). Para além de bloquear a direita, o PCP queria pulverizar
a esquerda, permitindo-lhe “um poder real com relativamente pequena percentagem dos votos” (cf.
Documento s.d./a. Melo Antunes, Enquadramento da Situação, novembro? 1974 – ANTT, Ernesto Melo
Antunes, caixa 134 pasta 18, doc. 5). Ver também Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 304, 315; Maria
José Fernández Stock, op cit, p. 150.
42
A ala esquerda do PPD, favorável aos regimes soviéticos, amiga do PCP e dos militares, encabeçada por
Jorge Sá Borges, sai assim vitoriosa no I Congresso do partido (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, A
Revolução… pp. 245-247, 257-258).
43
Em junho 1974 já tinham ocorrido inúmeras ocupações de casas (28 abril, 4 maio, 28 maio), houvera
mais de 150 greves, que incluíam os correios, transportes, setor têxtil, metalomecânica, estaleiros navais,
padarias, pescadores, empregadas de limpeza, construção civil, etc. incluindo expulsões de administrações
e ocupações de sedes das empresas, tal como a abolição dos exames para todos os alunos do ensino
secundário com média superior a 10 valores (cf. Boaventura Sousa Santos et al, O pulsar da revolução…
pp. 88-114; António José Telo, op cit, pp. 109-121; Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 79-81; Manuel
Braga da Cruz, op cit, pp. 225-226). Ver ainda as considerações do PM do I GP Palma Carlos sobre os
primeiros dois meses e meio após o golpe de 25 abril: Jorge Miranda, Fontes e trabalhos… pp. 1155-1157.
23
janeiro 197544. O PPD sofre boicotes a comícios em Castro Verde em julho 1974; Fafe,

Guimarães, Setúbal e tentativas de boicote a comícios em Almada, Chaves e Sacavém em

março 197545.

Como a GNR e a PSP se encontravam paralisadas, não tendo participado no golpe

de 25 abril e temerosas de serem saneadas por terem garantido a ordem no tempo da

ditadura, Costa Gomes consegue em julho o apoio de Spínola para formalizar, dando-lhe

uma estrutura orgânica militar, a força de segurança que vinha intervindo em situações

de emergência desde o golpe de 25 abril46. Escapa a Spínola que com Otelo Saraiva de

Carvalho47 como comandante-adjunto esta força, o Comando Operacional do Continente

(“COPCON”), passa para o lado da Coordenadora48.

II GP: institucionalização do MFA – início da violação do seu Programa

44
Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 227-230, 257-260, 287-303; Josep Sánchez Cervelló, A revolução
portuguesa e a sua influência na transição espanhola (1961-1976), Assírio e Alvim, 1993, pp. 211-212. O
PDC também vê seu comício em fevereiro 1975 boicotado (cf. Avelino Rodrigues et al, op cit, p. 149).
Veja-se o disposto no cartaz da OCMLP apelando à contramanifestação ao I Congresso do CDS em Maria
João da Câmara, op cit, p. 189 nota de rodapé 16.
45
Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 115, 461-462. Ver também Maria Inácia Rezola, Os militares na
Revolução de abril: o Conselho da Revolução e a transição para a democracia em Portugal (1974-1976),
Campo da Comunicação, 2006, p. 127; Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 155, 158. Veja-se o incidente
em que a UDP obriga, sob ameaça de boicote, comício do PPD em Setúbal em março 1975 a aceitar repetir
a frase “morte ao capitalismo!” que resulta em dois mortos e vinte feridos (cf. Avelino Rodrigues, Cesário
Borga, Mário Cardoso, Portugal depois de abril, Brás Monteiro, 1976, p. 159; Maria João da Câmara, op
cit, p. 203).
46
Rebelo de Sousa afirma que desde junho (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 83-84, 92). A polícia
de choque fora dissolvida em 13 maio 1974, dificultando o controle das manifestações (cf. Diego Palacios
Cerezales, op cit, pp. 62-69).
47
Sobre Otelo Saraiva de Carvalho ver Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 302-303; José Freire Antunes,
op cit, pp. 57-58; Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução de abril, pp. 324-325.
48
Otelo Saraiva de Carvalho, Cinco meses mudaram Portugal, Portugália Editora, 1975, pp. 7-8. Sobre o
COPCON ver ainda Max Wery, op cit, pp. 138-139 e Maria João da Câmara, op cit, pp. 140-143. José
Medeiros Ferreira, Ensaio histórico... p. 80; António José Telo, op cit, p. 77. Ainda sobre o COPCON, ver:
Maria Manuela Cruzeiro, Costa Gomes: o último marechal, Publicações Dom Quixote, 4ª Ed., 2014, pp.
360-361.
24
O II GP que toma posse a 18 julho revela o resultado da diminuição da força de Spínola:

a entrada em peso do MFA no Governo49. Fruto do fortalecimento da Coordenadora, que

para o Governo sugere a Spínola elementos seus “progressistas,” como o novo PM, Vasco

Gonçalves, compagnon de route dos comunistas, que passa a ser assessorado pelo vice-

PM Álvaro Cunhal50. Spínola encontra-se isolado, os partidos não-comunistas em funções

governativas temendo associar-se a ele, devido ao desgaste da sua imagem decorrente da

crise Palma Carlos.

Ao assumir funções governativas o MFA começa a contrariar as disposições do

seu Programa51. A CCPMFA não consta da estrutura de órgãos de soberania que o

documento propõe para o governo do país até ao primeiro Governo constitucional, a

saber: JSN, CE, PR e Governos provisórios52. O fortalecimento deste centro de poder

paralelo resulta na institucionalização do MFA. Para além do COPCON, em julho forma-

se a 5ª Divisão do EMGFA, que mais tarde executará campanhas de “dinamização

49
Manuel Braga da Cruz, ‘A evolução das instituições políticas: partidos políticos e Forças Armadas na
transição democrática portuguesa (1974-1986),’ in Povos e Culturas, n.º 1, CEP-UCP, 1986, pp. 207-208;
Maria João da Cãmara, op cit, p. 142.
50
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 201-206; Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 113-117, 127. Spínola
diz-nos que não consegue indigitar o tenente-coronel Firmino Miguel para PM devido à ameaça de
paralisação da banca, a CCPMFA obrigando-o a escolher Vasco Gonçalves (cf. António de Spínola, País
sem rumo... p. 175). Sobre a cor política de Vasco Gonçalves, ver Mário Soares, op cit, p. 127; Waldemar
Paradela de Abreu, op cit, pp. 57-58 e Bernardino Gomes et. al., op cit, p. 65. Ver, sobre as posições de
Vasco Gonçalves: Avelino Rodrigues et al, op cit, p. 214, nota de rodapé 1.
51
Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, p. 128; António de Spínola, País sem rumo... p. 176.
52
O constitucionalista Vital Moreira afirma que a Lei n.º3/74 institucionaliza o MFA “implicitamente.”
Refere-se ao PMFA anterior às revisões de Spínola, onde vinha explicitado que a CCPMFA nomearia os
elementos da JSN e do GP, tal como o PR, como veio a acontecer. Esta não foi a versão proposta aos
portugueses, os remendos de Spínola denotando uma preocupação desde o início em evitar a
institucionalização do MFA (cf. Vital Moreira, ‘A institucionalização da democracia. A Assembleia
Constituinte e a Constituição de 1976,’ in Fernando Rosas (coord.), Portugal e a transição para a
democracia (1974-1976), Edições Colibri, 1999, p. 195; Avelino Rodrigues et al, op cit, p. 300).
25
cultural53.” Esta inicia a publicação do Boletim do MFA em setembro54. É de setembro

também a criação do Conselho dos Vinte (“C20”), que congrega a CCPMFA, o

comandante-adjunto do COPCON, e os elementos do MFA na JSN e no Governo55.

Há um ator político ao qual a institucionalização do MFA convém: o PCP. Álvaro

Cunhal afirma, logo em abril 1974, que “a aliança do povo com os militares é condição

necessária à vitória56.” Cunhal tenta “apoiar-se nos militares para levar a cabo o seu

programa político57.”

Em agosto 1974, face à crescente desordem social, Spínola deixa de acreditar que,

sem alguma espécie de travagem sua, Portugal consiga transitar para uma democracia

pluralista. Considera a adoção de “medidas de exceção” limitadoras da liberdade de

reunião, associação, e expressão até ao início da campanha eleitoral para a Constituinte58.

Antes de propor este curso de ação ao CE, aconselha-se com Costa Gomes. A CCPMFA

e o PCP acabam por ser informados deste intento de Spínola59.

53
As campanhas de dinamização cultural executadas pela 5ª DIV/EMGFA a partir de outubro 1974 são
essencialmente propaganda ao PCP (cf. Diego Palacios Cerezales, O poder Caiu na Rua… pp. 95-96 e José
Medeiros Ferreira, Ensaio Histórico... pp. 148, 158).
54
Boaventura de Sousa Santos et al, op cit, pp. 128, 142. Sobre o conteúdo da propaganda veiculada pela
5ª DIV ver Maria João da Câmara, op cit, pp. 161-162.
55
António José Telo, op cit, pp. 85-86; Maria Inácia Rezola, 25 de abril: Mitos de uma Revolução, A Esfera
dos Livros, 2007, pp. 116-117; Kenneth Maxwell, op cit, p. 129. A primeira reunião do C20 dá-se em 26
outubro 1974 (cf. Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... p. 258). Alguns dos pontos discutidos nessa reunião,
incluindo organigramas relativos à organização do poder político-militar, podem ser consultados no Anexo
1 (Fonte: ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 18, doc. 5).
56
Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, p. 34. Ver também Kenneth Maxwell, op cit, p. 62 e David Castaño,
Mário Soares… p. 235.
57
Raquel Varela, op cit, p. 407. Ver também, a respeito da estratégia de Cunhal quanto ao MFA, José Freire
Antunes, op cit, p. 63. O PCP queria a «aliança povo-MFA» através de uma frente política “unitária”
conduzindo ao “apagamento dos partidos” (cf. Amadeu Garcia dos Santos et al, op cit, p. 17).
58
António de Spínola, País sem rumo... pp. 192-197. Ver, sobre a situação no país nesse mês: Maria João
da Câmara, op cit, pp. 155-156.
59
Veja-se a atuação de Costa Gomes relativamente ao “documento Hugo dos Santos” (cf. José Medeiros
Ferreira, Ensaio histórico... p. 143; António José Telo, op cit, p. 84; Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp.
305, 344.345 (descrição de Costa Gomes pelo tenente-coronel António Ramos); António de Spínola, País
26
Derradeira tentativa de Spínola se opor ao caminho projetado pela CCPMFA

Imitando Charles de Gaulle, desde 29 maio Spínola visitava cidades para falar às unidades

militares aí estacionadas, alertando-as para a ação subversiva da CCPMFA, cujos

métodos de infiltração nas FA não eram muito diferentes dos do PCP nas diversas

estruturas do país60. A ideia de Spínola era clarificar a dimensão da sua base de apoio

entre os portugueses. Em discursos Spínola convoca a “maioria silenciosa” a “acordar” e

“tomar a defesa da sua liberdade61.” Excessivamente confiante, Spínola “não se assegura

previamente junto dos respetivos comandos de que o acompanhariam numa confrontação

que se poderia verificar62.”

Tanto os dados fornecidos por Costa Gomes da potencial intenção de Spínola de

implementar medidas de exceção, medidas que já tinham sido sugeridas por Sá Carneiro

aos militares em plenário em junho63, como a informação sobre a realização de uma

manifestação de apoio da maioria silenciosa não-comunista ao PR em 28 setembro, são

vistos pelo PCP como ameaças à sua sobrevivência64.

sem rumo... pp. 199-201). Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 239-241. O filho de Costa Gomes, namorado
da filha de Vasco Gonçalves, era membro do PCP, e não raro, por influência do partido, chantageava o pai
com ameaças de greves de fome se não assumisse posições favoráveis ao partido (cf. Luís Nuno Rodrigues,
Marechal Costa Gomes… pp. 284-285).
60
António de Spínola, País sem rumo... p. 146.
61 António Maria Pereira, op cit, pp. 109-110. O termo “maioria silenciosa” já fora usado por Palma Carlos,
e antes deste pelo bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes (cf. Maria João da Câmara, op cit, p. 142
nota de rodapé 64).
62
António Maria Pereira, op cit, pp. 142, 167, 175.
63
António José Telo, op cit, pp. 77-78; José Medeiros Ferreira, Ensaio histórico... pp. 75-79; Marcelo
Rebelo de Sousa, op cit, pp. 90-91.
64
Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 239. O PCP talvez não estivesse enganado, se considerarmos que
Spínola confidenciara ao embaixador americano Stuart Nash Scott em 20 maio 1974 que “no prazo de um
ano” não haveria “nem comunistas nem socialistas” no Governo (cf. Nuno Simas, Portugal classificado:
documentos secretos norte-americanos, 1974-1975, Aletheia, 2008, p. 29). De acordo com Galvão de Melo,
27
Os partidos com reduzida implantação e assumidamente antimarxistas à direita do

CDS65 que cedo se mostram desejosos de apoiar Spínola na manifestação são o primeiro

alvo a abater. Em 18 setembro o Partido Nacionalista Português (PNP) é banido em

Conselho de Ministros presidido por Vasco Gonçalves com a justificação de que se tinha

encontrado material bélico na sua sede66.

Agindo contra o GP, que não proibira a realização da manifestação, e contra a

lei67, o PCP, através da rádio, durante a noite de 27 setembro, exorta as “massas

populares” a irem à rua concentrar-se em locais indicados, para reuniões de convívio e

piqueniques. Apoiadas pelo MDP/CDE, restante extrema-esquerda, e PS, as pessoas

depois montam barricadas, impedindo os principais acessos a Lisboa. O COPCON envia

tropas aos locais “instruídas para não entrarem em confrontação” com os civis, que

acabam confraternizando, e a manifestação é “liquidada à nascença68.”

O PCP, através do MDP/CDE, aproveita o facto de haver prisões planeadas pela

Comissão de Extinção da PIDE/DGS de Ex legionários para 27 setembro para fornecer

ao COPCON uma lista de nomes adicional. A CCPMFA prepara outra lista. Civis do PCP

um dos organizadores da manifestação, esta tencionava “reunir quinhentos militares pró-Spínola” em


Lisboa, e os seus propósitos eram principalmente um “«regresso à fórmula original da descolonização de
Spínola»,” sobretudo para “«garantir a via referendária em Angola»” (Bernardino Gomes et al, op cit, p.
77). Já Luís Rodrigues defende que se tratava de “dissolver a CCPMFA, promover a demissão do PM e
remodelar de forma significativa o Executivo” (cf. Luís Nuno Rodrigues, op cit, p. 171).
65
Sobre a posição política destes partidos ver Riccardo Marchi, op cit, pp. 77-79, 81-82.
66
Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 234-235, 244. O PNP advogava um “retorno ao passado anterior ao
25 de abril” perfilando uma doutrina autoritária de extrema-direita (cf. António Maria Pereira, op cit, pp.
240, 245-246). Não existem quaisquer provas de que o partido estivesse preparando um golpe.
67
Havia sido publicado o “diploma regulador do exercício do direito de reunião e manifestação” em 29
agosto, que determinava que “quaisquer eventuais contramanifestações não podiam perturbar o livre
exercício dos direitos de reunião e manifestação, devendo as autoridades tomar as necessárias providências
para que isso não acontecesse” (cf. Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 236-237).
68
António Maria Pereira, op cit, pp. 122-123; Max Wery, op cit, pp. 143-146. Ver ainda, sobre as
barricadas: Maria João da Câmara, op cit, pp. 169, 175-176.
28
armados, ativados através da sua presença maciça na Comissão, juntam-se ao COPCON

para efetuar as prisões. Assim mais de duzentas pessoas acabam por ser presas 27

setembro – 1 outubro, muitas sem mandado de captura69.

Para completar o golpe preventivo, criando um ambiente propício ao

cancelamento dos restantes partidos antimarxistas, o PCP põe a circular através da

comunicação social uma série de acusações comprometedoras. A primeira é de que fora

“apreendida grande quantidade de armas aos manifestantes” silenciosos. A presença de

manifestantes armados é provável uma vez que muitos deles temiam que a manifestação

pudesse acabar em confrontos físicos com os comunistas. Era uma hipótese real,

considerando os boicotes aos comícios do PPD em Castro Verde e do CDS no Algarve.

Havia ainda uma parte menor da extrema-direita não-spinolista que rodeava o general

Kaúlza de Arriaga e o Movimento Ação Portuguesa (MAP) que desejava que a

manifestação acabasse em confronto armado por forma a poder justificar uma intervenção

musculada da direita militar e impor o estado de sítio70.

A segunda é a de que fora feita uma encomenda de material de guerra pelos

organizadores da manifestação. Imputando a suposta encomenda ao Partido Liberal (PL)

e ao Partido do Progresso (MFP/PP), cujas sedes são em consequência pilhadas, as suas

atividades sendo proibidas71. Mais tarde Otelo admite que as armas atribuídas aos

69
António Maria Pereira, op cit, pp. 125-127, 219. “Muitos dos presos” foram “libertados sem nunca terem
sido interrogados” e aos que “foram...inquiridos foram-lhes...perguntados fatos relativos...às suas ideias
políticas, às suas ligações partidárias” e não relativos à sua alegada participação na “conspiração” (cf.
Ibidem, pp. 229-237). Ver ainda Maria João da Câmara, op cit, p. 179; António José Telo, op cit, p. 87.
70
António Maria Pereira, op cit, pp. 192-196, 251-253. Otelo refere que o armamento encontrado “não tem
grande importância” (cf. Otelo Saraiva de Carvalho, op cit, p. 14). Ver o Relatório do 28 de setembro de
1974 do MFA elaborado pela Comissão ad hoc para o 28 de setembro in ANTT, Ernesto Melo Antunes,
caixa 109 pasta 2, pp. 18, 24. Ver ainda Riccardo Marchi, À direita da Revolução, 2019, Pinguin.
71
António Maria Pereira, op cit, pp. 238-245; Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 211. Saliente-se que foram
encontrados capacetes, barras de ferro, e material para cocktails molotov na sede do MFP/PP, arsenal
29
“conspiradores” seriam “as existentes nos quartéis que poderiam aderir ao 28 de

setembro72.” A terceira e a quarta são de que haveria um plano para assassinar Vasco

Gonçalves e António de Spínola, permitindo o desmantelamento do MAP e a prisão de

Kaúlza de Arriaga, respetivamente73.

Como a manifestação silenciosa se torna irrealizável, Costa Gomes afirmando que

não dispõe de forças suficientes para se fazer impor às barricadas populares, Spínola, após

considerar chamar a NATO, resigna-se, proclamando a demissão em 30 setembro74.

Debate sobre participação do MFA na Constituinte

Num primeiro debate público nesta altura discute-se se se deveriam ou não realizar as

eleições no prazo limite estipulado no PMFA. Comunistas e alguns socialistas radicais

como Jorge Sampaio são unânimes em defender o adiamento do ato eleitoral. A

Coordenadora acaba por tomar posição em abono do cumprimento desta medida do

PMFA75.

O cumprimento do prazo para as eleições estipulado no PMFA não impedirá

Cunhal de tentar desvalorizá-las enquanto aposta na continuação da sua relação

normal aos partidos radicais naquela altura receando-se assaltos dos adversários e confrontos de rua (cf.
Riccardo Marchi, À direita da revolução...). A sede do PDC também foi alvo de buscas pelo COPCON (cf.
Maria João da Câmara, op cit, p. 179).
72
Otelo Saraiva de Carvalho, op cit, p. 14.
73
António Maria Pereira, op cit, pp. 196-210; Max Wery, op cit, p. 149. Sobre a suposta encomenda de
armamento pesado e o suposto atentado contra o general Spínola ver Maria João da Câmara, op cit, p. 179.
Segundo Álvaro Guerra, quanto à verdade dos factos sobre 28 setembro, o povo português foi “manipulado”
(cf. Álvaro Guerra, Em defesa da liberdade... pp. 6-7).
74
António José Telo, op cit, pp. 83-91. Ver, sobre a atuação de Costa Gomes: António Maria Pereira, op
cit, pp. 177-186.
75
Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução... pp. 57-59.
30
privilegiada com o setor gonçalvista do MFA para além do período pré-constitucional por

forma a ver realizadas as reformas de fundo da economia portuguesa que vinha

reclamando serem fundamentais à democratização do país76. Reformas de fundo que de

acordo com o PMFA só deveriam ser realizadas depois das eleições (B-5)77.

A entrada do MFA na Constituinte seria também uma forma de impedir que pela

via eleitoral o PCP não conseguisse a consagração da sua implantação no aparelho de

Estado. Semelhante à recusa do MDP/CDE de se anteciparem as eleições autárquicas,

algo que o PS já vinha pedindo desde 21 maio 197478. Dentro do MFA também se temiam

os resultados das eleições, pois a legitimidade dos militares iria ser posta em xeque, e

com ela o seu acesso ao poder político, cimentado no III GP que toma posse em 30

setembro no seguimento da demissão de Spínola79.

Em 13 outubro 1974 o Conselho Diretivo do PS aprovou um documento onde se

propunha que o MFA deveria garantir uma série de reformas muito semelhantes em teor

76
Cunhal já vinha aludindo ao que via como a injustiça da concentração de riqueza na economia e da
precariedade do campesinato, as bases justificadoras das nacionalizações e da reforma agrária, em discursos
políticos nos comícios do PCP desde pelo menos agosto 1974 (cf. Álvaro Cunhal, ‘Discurso no Comício
do PCP em Peniche,’ 30 agosto 1974, in Discursos Políticos – II, Edições Avante, 1975, pp. 12-13). Sobre
o setor gonçalvista do MFA ver Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 55-56. Recorde-se que em 1973 estas
reformas já eram defendidas nos princípios programáticos do PS (cf. David Castaño, Mário Soares… pp.
85-87).
77
Ver FMS, pasta 04791.006, título «Programa do MFA,» assunto «Cópia da primeira edição a stencil do
Programa do MFA divulgado no dia 25 de abril de 1974,» documento n.º 2
(http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04791.006 2018.10.8); Diogo Freitas do Amaral, O
Antigo Regime e a Revolução, pp. 353-354. A proposta de alteração constitucional Palma Carlos também
visava o problema crescente da necessidade de efetuar reformas de fundo e a falta de legitimidade do
Governo civil para as fazer (cf. Manuel Braga da Cruz, ‘O Presidente da República na Génese…’ p. 225).
78
Marcelo Rebelo de Sousa, A Revolução e o Nascimento do PPD... pp. 108-109, 115.
79
António José Telo, op cit, p. 103; Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 311. No III GP as pastas da Defesa
e da Comunicação Social passam a ser ‘geridas’ pelo PM Vasco Gonçalves (cf. Maria Inácia Rezola, op
cit, p. 47). Ver relato da cerimónia caricata de tomada de posse do III GP em Maria João da Câmara,
Sanches Osório, p. 180.
31
às defendidas pelo PCP na área da economia. Apelava à “aliança entre o MFA e os

partidos80.”

No primeiro Congresso do PCP depois do 25 abril, em 20 outubro 1974, Álvaro

Cunhal altera alguns dos preceitos do programa do partido, removendo termos mais

inconvenientes como “ditadura do proletariado81.” Neste Congresso o líder do PCP apela

à proibição dos partidos da direita, “organizações fascistas e reacionárias82,” tal como à

prossecução de nacionalizações e reforma agrária, usando o espectro do “regresso ao

fascismo” se o poder económico não se submeter ao novo poder político 83. Entre outras

medidas, também se defende uma única central sindical84. Quando fala sobre as eleições

para a Constituinte, o líder comunista afirma que é necessário estabelecer algum

“processo que permita ao MFA ter, se o desejar, eleitos seus85.”

Um dia antes Sá Carneiro recordava “publicamente ao MFA o seu compromisso

de devolver o «poder ao povo» e «recolher aos quartéis», substituindo a «legitimidade

revolucionária do poder por uma legitimação democrática», através das eleições 86.” E

80
David Castaño, Mário Soares… pp. 201-202.
81
José Medeiros Ferreira, Ensaio histórico... pp. 96-98.
82
Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, p. 208.
83
Ibidem, pp. 207-208. Saliente-se que Freitas do Amaral afirmara “se não se controla a estrutura
económica, há perigo de regresso ao fascismo” na reunião com a CCPMFA para discutir a política
económica do I GP de 4 maio 1974 (cf. Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... p. 193).
84
Ibidem, p. 209. Cunhal falava na unidade sindical desde pelo menos o seu discurso de 20 setembro (cf.
Álvaro Cunhal, ‘Discurso no Comício do PCP na Amadora,’ 20 setembro 1974, in op cit, p. 28). Em quatro
dos cinco discursos em comícios seguintes, volta a mencionar o assunto (cf. Ibidem, pp. 41-2 (5 outubro),
pp. 55-56 (26 outubro), pp. 64-65 (11 novembro), p. 102 (30 novembro, Aveiro)).
85
Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 208-209.
86
Maria Inácia Rezola, 25 de abril: Mitos... p. 118.
32
uma semana depois Medeiros Ferreira (PS) falava na “urgência de institucionalizar o

MFA «ao nível político, ...assegurar a sua dignidade constitucional, logo na AC87.»”

Em 31 outubro 1974 o CE aprova em especialidade a primeira parte da Lei

Eleitoral. De acordo com a lei, candidaturas independentes e de associações políticas não

seriam válidas88. Consequentemente o MDP/CDE, que o PCP tinha pretendido utilizar

como “movimento «unitário» suprapartidário,” uma “espécie de MFA civil,” é

transformado em partido político em novembro89. Parte do PS, do PPD e do MES saem

e, para além do PCP, outros partidos de extrema-esquerda entram: LCI, MRPP, FEC,

AOC e UDP90.

O MDP/CDE em 1-3 novembro sugere “a candidatura de listas de oficiais do MFA

às eleições para a AC91.” Em 7 novembro, o capitão Vítor Alves, ministro sem pasta do

III GP, “assevera que o MFA «não se constituirá em partido político nem pensa entrar na

vida política92.»” No dia seguinte, Octávio Pato (PCP), apoia a “presença dos militares

na Constituinte93.” Sottomayor Cardia (PS), considera “vantajosa a participação do MFA

na Constituinte94.” Freitas do Amaral (CDS), Jorge Miranda (PPD) e Magalhães Mota

(PPD) sugerem que o III GP apresente um projeto de Constituição à Assembleia, podendo

87
Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução... p. 60. Apesar desta tomada de posição curiosa do
socialista, em dezembro irá rejeitar a hipótese da participação do MFA nas eleições ou na Constituinte (cf.
Ibidem, p. 64).
88
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 59. Sobre esta Lei ver Jorge Miranda, A Constituição… pp. 80-83; Manuel
Braga da Cruz, O sistema político... pp. 20-23.
89
José Pacheco Pereira, ‘O Partido Comunista Português e a esquerda revolucionária,’ p. 82. Soares já
havia apelado à ilegitimidade do MDP enquanto movimento unitário em maio 1974 (cf. Amadeu Garcia
dos Santos et al, Apontamentos políticos... p. 17).
90
Maria José Fernández Stock, ‘O centrismo político e os partidos do poder em Portugal,’ p. 149.
91
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 62.
92
Ibidem, pp. 61-62.
93
Ibidem, p. 63.
94
Ibidem, Ibid.
33
o MFA exprimir na tribuna as suas ideias sobre o assunto. Alternativamente propõe-se

que o Movimento possa vetar o projeto de Constituição saído da Constituinte95.

Ideia de Álvaro Cunhal do Pacto MFA-Partidos

Em 11 novembro, por ocasião de um Comício de Amizade entre o Partido Comunista

Francês e o PCP, realizado em Lisboa, Cunhal critica as eleições. Refere que, como há

regiões do país em que “reacionários continuam a dominar as populações

predominantemente camponesas” essas populações “enganadas ou coagidas, podem ser

arrastadas a votar pela reação, ficando...falseadas as eleições96.” Dá assim indiretamente

apoio ao projeto de dinamização cultural da 5ª DIV/EMGFA. Depois da sua derrota no

ato eleitoral Cunhal retomará esta retórica97. Ainda quanto às eleições para a AC, Cunhal

proclama:

95
Ibidem, Ibid. Melo Antunes defendia uma influência “por fora” do MFA na Constituinte sem a
institucionalizar: tutela por forma a evitar a hipótese que considerava improvável da “recuperação do grande
capital deslocando para a direita a Constituição” (cf. Documento s.d./a. Melo Antunes, Memorando,
novembro? 1974 – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 18, doc. 1). O GP e o CE teriam o poder
de aprovar o “projeto de Regulamento da AC” elaborado por um “grupo de trabalho constituído por
delegados dos partidos políticos” abrindo canal de comunicação podendo o CE prever os assuntos antes de
serem discutidos na Constituinte. Constituiria uma “comissão de juristas, constituída pelo Presidente do
STJ, catedrático de Direito Constitucional das Faculdades de Direito e representantes dos partidos” para
elaborar um “projeto de Constituição” que serviria “como base de trabalho da futura Constituinte.”
Nomearia ainda um “grupo de trabalho do MFA” para “acompanh[ar] de perto os trabalhos da Constituinte,
montando canais de ligação com o CE, GP e Constituinte” (cf. Documento s.d./a. Melo Antunes, Montagem
dos Mecanismos de Intervenção, novembro? 1974 – Ibidem, doc. 2).
96
Álvaro Cunhal, ‘Discurso no Comício de Amizade PCF-PCP em Lisboa,’ 11 novembro 1974, in op cit,
p. 65.
97
Procurando retirar às eleições todo o seu significado (cf. Mário Soares, Portugal: que Revolução?… pp.
112-115).
34
“Dificilmente pode ser aceite que o movimento que fez o 25 abril e que tem tido o

papel que todos sabemos na marcha para a democracia não tenha voz na elaboração

da futura Constituição98.”

Admite que a unidade entre os partidos políticos e a sua aliança com as FA são necessárias

“para assegurar uma vitória eleitoral das forças progressistas99.”

Num discurso político no Comício do PCP em Braga em 30 novembro Álvaro

Cunhal explicita a ideia de um acordo pré-constitucional entre os partidos políticos e o

MFA. Afirma que se não se fizerem reformas de fundo até às eleições as “forças

democráticas” [progressistas] não as ganharão100. A concorrência pelos votos dos

cidadãos, que rotula de “separação, divisão e digladiação” ou “combate” entre os

“partidos da coligação,” assim como qualquer crítica ao MFA, pode “conduzir à

diminuição dos votos das forças democráticas e ao aumento dos votos das forças

conservadoras e reacionárias.” Preocupa-lhe “a propaganda anticomunista de alguns101.”

Cunhal já sabia que PS e PPD iriam ter melhores resultados eleitorais que o PCP,

e, portanto, temia que pusessem em causa os seus propósitos para o desenho da

Constituição102. Desde outubro que o PS defendia que se avançasse rapidamente com o

98
Álvaro Cunhal, op cit, pp. 68-69. Nesta altura não havia uma ala moderada dentro do MFA coesa (cf.
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 56) portanto a influência do MFA no desenho da Constituição seria benéfica
para Cunhal.
99
Álvaro Cunhal, op cit, p. 70.
100
Ibidem, p. 123.
101
Ibidem, Ibid
102
Sondagens disponíveis em outubro 1974 apontavam para uma vitória do PS, e para um PPD em segundo
lugar (cf. Carlos Gaspar, ‘O processo constitucional e a estabilidade do regime,’ p. 12). Ver também David
Castaño, Mário Soares… p. 283. Dentro do MFA havia quem defendesse internamente um “compromisso
histórico” entre as “forças progressistas” e as “forças que possam representar grandes massas populacionais
(mesmo que haja dúvidas quanto ao seu progressismo)” agarrando-as a “certos compromissos
irreversivelmente progressistas” (cf. Documento s.d./a. Papel do MFA no futuro – ANTT, Ernesto Melo
Antunes, caixa 133 pasta 8, doc. 7).
35
“controlo da banca,” a “reforma agrária,” e “uma política fortemente intervencionista do

setor público na realização de investimentos produtivos e de alcance social103.” Se as

nacionalizações e a reforma agrária não ocorressem até às eleições, o PCP poderia pôr

em causa parte a sua base de apoio104. Para evitar que as eleições anulem um programa

que englobe estas reformas, o líder comunista sugere o instrumento de um acordo entre

os partidos e os militares:

“em relação à elaboração da nova Constituição não é concebível que o MFA não

tenha uma palavra a dizer...temos duas soluções...ou o MFA fica, por direito próprio,

com assento na Assembleia, ou terá que decidir-se previamente um acordo entre os

partidos democráticos e o MFA [“ação comum,” “entendimento unitário”] acerca das

linhas gerais da Constituição e da política do futuro [“para além das eleições,

qualquer que seja o resultado destas,” “política a médio prazo a seguir depois da

Constituição,” “garantia de...assegurar a continuidade do processo revolucionário

para além das eleições105”].

Reações de PS, PPD e CDS

No I Congresso do PS 13-15 dezembro a posição oficial do partido segue a linha que

vinha sendo propagada pelo seu líder106. Deixando a porta aberta a algum tipo de

103
O PS também queria uma “reestruturação dos circuitos comerciais,” entre outras reformas, garantidas
pelo MFA. “Quando muito, as reformas seriam votadas a posteriori, como factos consumados” (cf. David
Castaño, Mário Soares… pp. 202-203).
104
Sobre as bases de apoio do PCP ver José Pacheco Pereira, op cit, pp. 84-85, 93-99 e António Barreto,
‘Reforma Agrária e revolução em Portugal (1974-76),’ in Mário Baptista Coelho (coord), op cit, pp. 453-
468.
105
Álvaro Cunhal, ‘Discurso no Comício do PCP em Braga,’ 30 novembro 1974, in op cit, pp. 124-125.
106
Mário Soares defendera que as eleições se deviam realizar no prazo estipulado no PMFA no debate
sobre o assunto em outubro, e que o MFA ‘poderia ser necessário’ para além das eleições, mas realçava o
36
influência do MFA no processo, quer que “a AC resulte «da expressão da vontade do

povo português em plena liberdade sem subterfúgios nem limitações, tal como determina

o PMFA107»” e “o PS não aceita elementos do MFA, não eleitos, na AC108.” Uma semana

antes dava-se a primeira reunião da Assembleia do MFA (“AMFA”), que “assume a

aparência de um congresso nacional do MFA” ou “um parlamento de todo o MFA, de

todas as unidades109.”

Durante o mês de dezembro, PS, CDS e PPD anuem à ideia do Pacto 110. Desde a

queda do I GP em 18 julho com a entrada em força do MFA para o Governo que o poder

civil se tinha vindo a subalternizar ao poder militar. E dentro do poder militar após a

queda de Spínola o órgão Presidente da República fora “significativamente esvaziado”

em favor do C20. Os partidos políticos não-comunistas apercebem-se que se não se

colarem ao MFA não sobreviverão111.

Até ao final de 1974 o MFA não dá uma resposta concreta quanto à sua aceitação

ou não da ideia do líder comunista de firmar um pacto com os partidos políticos, embora

caráter ‘excecional’ da intervenção política do Movimento (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 57, 60-61).
Ver também David Castaño, Mário Soares… pp. 242-243.
107
Ibidem, p. 64.
108
Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 356. Para David Castaño, “a institucionalização do MFA e a
celebração” do I Pacto é então uma “moeda de troca” para impedir a “participação direta do MFA na AC”
sem pôr em causa a “realização de eleições e a aplicação do PMFA” (Amadeu Garcia dos Santos et al, op
cit, p. 18).
109
Maria Inácia Rezola, 25 de abril: Mitos... p. 117; Maria Inácia Rezola, Os militares na Revolução... pp.
52, 67-68.
110
Maria Inácia Rezola, 25 de abril: Mitos... pp. 149-150; Maria Inácia Rezola, Os militares na Revolução...
pp. 65-67.
111
Maria Inácia Rezola, Os militares na Revolução... pp. 52, 54. Sá Carneiro passa a estar aberto à
institucionalização do MFA depois do I Congresso do PPD em novembro 1974. Mário Soares não parece
nunca ter estado contra tal processo, embora sempre contra um MFA partido político. Em janeiro 1975
segundo este último “o Governo dependia da vontade do MFA” (cf. Maria João Avillez, Do Fundo da
Revolução, Edições Público, 1994, p. 272). Melo Antunes afirma que já em julho 1974 aquando da
formação do II GP “o essencial do poder político estava no MFA” (cf. Ibidem, p. 17).
37
numa conferência de imprensa promovida pela Coordenadora em 31 dezembro afirme

que tenciona perdurar para além da Constituinte112.

Conclusão

Nos primeiros cinco meses após o golpe de 25 abril o PS e o PCP são os partidos que

aumentam mais em número de militantes. Ambos reforçam a sua participação no II GP113,

o contexto da queda do I GP sendo danoso à imagem do PPD114. Embora o PCP tenha

nesta altura um discurso mais contido que o PS115, a sua rede de vigilantes nas empresas,

na banca, na comunicação social, e nos sindicatos é a fonte do seu verdadeiro poder,

legitimada pela doutrina “antimonopolista” do PMFA116.

Um corolário deste capital de influência do PCP é a sua manipulação brilhante das

massas populares em 28 setembro. A implantação do PCP também é muito superior à do

PS, tanto nas autarquias como na Administração117. A legitimidade doutrinária do partido,

112
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 69-70.
113
PCP e MDP/CDE reduzem a participação direta, pois estão ocupados a ‘protagonizar a revolução’ por
fora, mas aumenta a sua influência indireta através dos elementos do MFA que entram (cf. Marcelo Rebelo
de Sousa, op cit, p. 128). Ver também Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 254; José Medeiros Ferreira,
Ensaio histórico... p. 72.
114
O seu secretário-geral, Francisco Sá Carneiro, tal como Magalhães Mota, apoiavam a linha spinolista
do PM Palma Carlos, e são alvos do ataque desencadeado pela extrema-esquerda na imprensa pelo seu
envolvimento (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 109, 111-115).
115
O discurso radical inicial do PS corporizava uma tentativa que se revelou abortiva de captação de posição
maioritária nos meios sindicais. Até 1978, o PS não obteria qualquer hegemonia nem nos sindicatos, nem
em organizações de agricultores, empresários ou comerciantes (cf. Maria José Fernández Stock, op cit, p.
174).
116
Como exemplos, o já referido dos delegados sindicais na banca, mas também os trabalhadores da
Marconi envolvidos na denúncia ao COPCON dos telexes de Salles Lane que originaram o dossier da
“Conspiração do Grémio Literário” que prendeu o advogado António Maria Pereira em 1 outubro 1974 (cf.
António Maria Pereira, op cit, p. 73). Ver ainda Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, pp. 116, 118.
117
O PS só irá começar a confrontar a implantação do PCP após a sua vitória nas eleições de 25 abril 1975.
Mesmo nessa altura a sua implantação em termos de estruturas não era superior à da UDP, que obtivera 4%
38
garantindo a confiança da CCPMFA, aliada à sua posição intermitentemente dominante

dentro da Comissão de Extinção da PIDE/DGS118, dá-lhe ainda acesso ao uso da força

que mais nenhum partido detém nesta altura119, possibilitando-lhe as prisões de pessoas

contrárias à sua ideologia120, e o fim de cinco partidos da direita121.

A Coordenadora reforça a sua credibilidade dentro do MFA com a derrota de

Spínola, ganhando experiência de governação primeiro através da participação de

efetivos seus no CE, e depois com a entrada de elementos dentro do II GP. Estes cargos

irão dar-lhe a confiança necessária à criação de todo um aparato de governo militar

paralelo, que começa no final deste período com o C20, e que se alastrará brevemente à

AMFA122.

dos votos (cf. Sara Ribeiro, O Caso República no contexto político-militar de 1975, Tese de Mestrado,
ISCTE-IUL, 2013, pp. 51-2).
118
Em 12 fevereiro 1975 oficiais da PJM em serviço na Seção de Justiça da Comissão de Extinção da
PIDE/DGS apresentam queixa da substituição do Presidente Executivo do Serviço pelo major Nápoles
Guerra, não lhe reconhecendo “competência nem idoneidade apartidária,” do despedimento “por razões
políticas” de dois civis, e exigindo a “saída da «Comissão ad hoc para o 28 setembro», fisicamente, de
qualquer instalação da Comissão de Extinção” da PIDE/DGS (cf. Documento s.d./a./t. – ANTT, Conselho
da Revolução, n.º84, pasta «Institucionalização do MFA», doc. 2). “A seguir ao 25 de abril, o PCP nunca
largou da sua mão os arquivos da PIDE” (cf. Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 526).
119
Anterior à aliança dos grupos de extrema-esquerda ao COPCON em 1975 (ver José Medeiros Ferreira,
Ensaio histórico... p. 134).
120
Incluindo jornalistas (cf. António Maria Pereira, op cit, pp. 248-250). Cunhal já vinha afirmando que “a
desenfreada propaganda anticomunista...não mais pode ser admitida” e que os seus autores deviam ser
“castigados” desde pelo menos agosto (cf. Álvaro Cunhal, ‘Discurso no Comício do PCP em Peniche,’ 30
agosto 1974, in Discursos Políticos, II, Edições Avante, 1975, p. 13).
121
Álvaro Cunhal já apela à proibição dos “agrupamentos fascistas e fascizantes/agrupamentos políticos
reacionários” em 20 setembro (cf. Álvaro Cunhal, ‘Discurso no Comício do PCP na Amadora,’ 20 setembro
1974, in op cit, p. 27) e admite que foi o PCP, em 26 setembro, a propor ao II GP a proibição das atividades
do PL e do PP (cf. Álvaro Cunhal, ‘Discurso no Comício do PCP em Sacavém,’ 5 Outubro 1974, in op cit,
p. 40). Os cinco partidos foram: PNP, MFP/PP, Movimento Popular Português (MPP), MAP e PL. Note-
se que o assalto às sedes do PL e do MFP-PP foi executado pela extrema-esquerda revolucionária, o que
não invalida a possibilidade de ter sido gizado ou avalizado pelo PCP (cf. Diego Palacios Cerezales, op cit,
p. 123).
122
Órgão conjunto das Assembleias dos três ramos das FA, também conhecido como Assembleia dos
Delegados, ou Assembleia dos Duzentos, terá sido montado poucos dias depois da demissão de Spínola;
porque enquanto PR não o permitira; embora só se reuniria pela primeira vez mais tarde (cf. Manuel Amaro
Bernardo, op cit, pp. 303-304). Sobre a AMFA, ver: Maria Manuela Cruzeiro, Costa Gomes…, pp. 327,
342; Guilherme Alpoim Calvão, De Conakry ao MDLP – dossier secreto, Editorial Intervenção, 1976, pp.
39
A ideia de se firmar um acordo pré-constitucional entre o MFA e os partidos

políticos surge no contexto da crescente intervenção dos militares no poder político.

Debate-se a institucionalização do MFA e o seu futuro vis-à-vis as eleições à AC. O

aprofundamento da intervenção política do MFA gonçalvista convém ao PCP para

contrabalançar o seu fraco resultado eleitoral projetado, podendo – com a execução de

reformas económicas antes das eleições também defendidas pelo PS – ainda assim deter

uma influência ideológica importante no teor da futura Constituição. Os restantes partidos

aceitam para não serem afastados do poder.

147-148. Segundo António José Telo a AMFA tal como o C20 são institucionalizados em 22 setembro (cf.
Maria João da Câmara, op cit, p. 163).
40
Institucionalização do MFA e sistema de governo transitório: os «catorze

pontos» do Conselho dos Vinte

Concessão pelo MFA de poderes legislativos à JSN

Cerca de janeiro 1975, Pinho Freire sugere em memorando que o MFA detém, através da

JSN – órgão cujas competências após a criação do CE se haviam tornado algo incertas –

um “órgão revolucionário institucionalizado123.” Justifica esta afirmação através duma

combinação do disposto no (B-3.a) do PMFA, onde vinha estipulado que a JSN manter-

se-ia “durante o período de exceção do GP...para salvaguarda dos objetivos aqui

proclamados124,” e do n.º1 do art. 10º da Lei n.º3/74, onde se afirmava que competia à

JSN “vigiar pelo cumprimento do PMFA e das leis constitucionais125.”

A forma através da qual o MFA irá exigir que sejam explicitamente concedidos

poderes legislativos à JSN será a da suposta premência da implementação de “legislação

revolucionária126.” Considerando esta legislação supérflua e mesmo nociva, os elementos

civis do CE na reunião deste órgão de 8 fevereiro 1975 rejeitam por unanimidade todas

123
Pinho Freire, Memorando... pp. 1-2, 5. Segundo Jorge Miranda o MFA ficara “indiretamente
institucionalizado” com a criação do CE pela Lei n.º3/74 (cf. Jorge Miranda, A Constituição... p. 20).
124
FMS, Documentos Ana Coucello, pasta «04791.006», Cópia da primeira edição a stencil do PMFA
divulgado no dia 25 de abril de 1974, p. 2 (http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04791.006#!2
13.11.2018)
125
Pinho Freire, Memorando... p. 1. A JSN partilhava estes poderes de vigilância pelo cumprimento de
normas constitucionais com o PR, que era seu presidente, segundo o art. 7.º 1.º da Lei n.º3/74.
126
Em 31 dezembro 1974 o almirante Rosa Coutinho anunciara ao país que estava para breve a introdução
desta legislação (cf. Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução... p. 88).
41
as versões apresentadas da proposta127. Como estes elementos do CE se encontravam em

minoria, o diploma final é publicado como Lei n.º3/75 de 19 fevereiro128.

Gonçalvistas vs. moderados: debate interno do MFA sobre a sua institucionalização

Paralelamente, o MFA debatia internamente os moldes da sua institucionalização

futura129. A sugestão comunista de um acordo com os partidos políticos prévio às

Constituintes permitia ao MFA prolongar a sua existência através da sua

institucionalização no próprio texto constitucional. Debatia-se então como o MFA se

devia organizar internamente, mas também qual a “estrutura orgânica da Constituição130,”

que pretensamente caberia aos deputados eleitos pelos portugueses elaborar em sede de

AC131.

127
O único elemento civil a apoiar a proposta terá sido o professor Teixeira Ribeiro (cf. Maria Inácia Rezola,
Melo Antunes... p. 265). Ver relato desta sessão do CE em Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 315-326.
As propostas da CCPMFA, tais como a inicial da JSN, e a final, remendada por Freitas do Amaral, podem
ser consultadas em Ibidem, docs. 3, 4 e 18 respetivamente.
128
Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução... p. 92. O CE era composto por uma maioria de
elementos militares desde 5 julho 1974 (cf. Max Wery, E assim murcharam os cravos… pp. 134, 138).
Quanto aos “«poderes de intervenção direta», incluindo competência legislativa, em largos domínios”
dados à JSN com as Leis n.ºs3/75 e 4/75 de 19 fevereiro e 13 março 1975 ver Jorge Miranda, A
Constituição… pp. 64-65.
129
Documento manuscrito s.d./a. Folha Inquérito Institucionalização do MFA – Ibidem, doc. 15. A
discussão interna do MFA sobre a sua institucionalização já começara em 1974. Vejam-se Documento
manuscrito s.d./a. Memorando, dezembro 1974 – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 18, doc.
6; Documento em papel do EMGFA/CCPMFA s.d./a. Possíveis funções futuras do Conselho Superior do
MFA – Ibidem, doc. 7 e Documento em papel do EMGFA/CCPMFA s.a. Constituição e funções do
Conselho Superior do MFA, 31 dezembro 1974 – Ibidem, doc. 8.
130
Documento secreto s.a. I – Quadro Institucional, 21 janeiro 1975 – ANTT, Conselho da Revolução,
n.º84, pasta «Pacto MFA-Partidos parte 1», doc. 17, p. 3. Consultar este documento no Anexo 4.
131
Curiosamente os mesmos militares do MFA que se arreigavam este direito/poder, julgavam “não
competir ao GP a definição do sistema político, económico e social em que a Nação passaria a viver”
referindo-se à malograda proposta Palma Carlos (cf. Jorge Miranda, Fontes e trabalhos… p. 1170 –
encontra-se aqui transcrito o texto lido por Franco Charais na conferência de imprensa concedida pela
CCPMFA em 31 dezembro 1974). Ver também Jorge Miranda, A Constituição… p. 159.
42
Quanto ao primeiro ponto, da institucionalização ou organização interna do MFA,

as duas principais teses, que terão sido discutidas em AMFA em 6 fevereiro132, são a dos

gonçalvistas e uma moderada. A tese gonçalvista133, contrária ao Plano de Política

Económica e Social (PPES) de Melo Antunes134, pugna pela destruição do capitalismo

português, subjugando tudo – até o PMFA – ao processo revolucionário assente na aliança

entre o povo e o MFA. É contrária à democracia representativa, e pretende a socialização

dos meios de produção, permitindo a iniciativa privada a pequenos e médios grupos

económicos devidamente delimitada e subsidiada, portanto dependente. Também não

descura o uso de propaganda/“dinamização.”

No que se refere à organização interna do MFA esta tese deixá-la-ia como já

estava na prática135, substituindo, todavia, os militares nos lugares-chave por outros mais

amenos às suas ideias. O Conselho Superior (“CS”) do MFA, na cúpula, teria a

“capacidade de veto ou sancionamento de toda a legislação dimanada pelo Governo” e as

suas decisões fundar-se-iam na AMFA, que deteria “capacidade deliberativa.”

132
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 99-102.
133
Documento s.d/a. Proposta para a Institucionalização do MFA – ANTT, Conselho da Revolução, n.º84,
pasta «Institucionalização do MFA», doc. 5. Consultar este documento no Anexo 2. As citações dos
próximos dois parágrafos são todas deste documento.
134
O PPES, que redundou no Programa de Política Económica e Social, foi elaborado começando em
outubro 1974 sob a supervisão do na altura ministro sem pasta Ernesto Melo Antunes como resposta à crise
económica que já se começava a sentir. O PMFA havia relegado as grandes reformas de fundo para o
primeiro Governo constitucional, contudo a incerteza e indecisão que então reinavam no Superministério
das Finanças e Coordenação Económica tornavam a tomada de opções inadiável (isso já Palma Carlos
deixara claro nas suas considerações vindas a público após a sua demissão em julho: Jorge Miranda, Fontes
e trabalhos… pp. 1158-1159). Com o PPES Antunes pretendia socorrer-se do controlo da atividade dos
grandes grupos económicos portugueses para conseguir “convencê-los” a “investir, criar empregos.”
Aceitava que a Segurança Social permanecesse privada. O PPES continha políticas razoáveis, moderadas,
que não visavam uma destruição imediata do capitalismo português, e por isso nunca foi propriamente
aceite pela extrema-esquerda gonçalvista (cf. Maria Inácia Rezola, Melo Antunes… pp. 212-256; Governo
Provisório da República Portuguesa, Programa de Política Económica e Social, Lisboa, 1975).
135
Com um Conselho Superior na cúpula (o C20), seguido da Assembleia dos Delegados (a AMFA), do
Conselho do Exército, das Assembleias Regionais e das Assembleias das Unidades.
43
Pelo contrário a tese moderada136 destruiria o sistema de governo diretorial-

convencional militar vigente no país desde 6 dezembro 1974, quando se deu a primeira

reunião da AMFA137. Isto porque sofre de “falta de controlo democrático e

responsabilidade perante as bases” e por conseguinte “um pequeno grupo de pessoas” –

os gonçalvistas presentes no órgão de cúpula C20 – dominam uma estrutura “autocrática

e ditatorial138.”

Esta tese sugere que o MFA permaneça institucionalizado durante período

delimitado no texto constitucional de “entre seis meses e três anos” após as eleições

parlamentares definindo claramente suas “atribuições e...competência,” com vista à sua

eventual “diluição...na estrutura das FA,” alvo a atingir “através de um preceito

constitucional de autodestruição,” desaparecendo assim da “cena política.” A forma de

intervenção institucionalizada do MFA seria através de um CS, onde sugere que o MFA

se faça representar “em posição...minoritária.”

136
Documento s.d/a. Institucionalização do MFA – ANTT, Conselho da Revolução, n.º84, pasta
«Institucionalização do MFA», doc. 17. Consultar este documento no Anexo 3. As citações dos próximos
quatro parágrafos são todas deste documento.
137
Note-se que esta reunião é anterior à primeira da mesma Assembleia já oficialmente institucionalizada,
que se dará em 7 abril 1975 (cf. Maria Inácia Rezola, 25 de abril: Mitos… p. 117; ANTT, Conselho da
Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 3 abril 1975, p. 6). Poder-se-ia argumentar que os primeiros
plenários, espécie de proto-AMFA’s, anteriores ao próprio C20, foram aquelas convocadas por Spínola em
8 e 13 junho 1974, a segunda incluindo a JSN e mais de trezentos oficiais de todas as unidades, tendo o
general sido acompanhado por Vasco Vieira de Almeida e Francisco de Sá Carneiro (cf. António José Telo,
op cit, pp. 77-78; José Medeiros Ferreira, Ensaio histórico... pp. 75-79; Marcelo Rebelo de Sousa, op cit,
pp. 90-91).
138
Sobre a rigidez da cúpula (do C20, posteriormente CR): “A legislação vigente não permite a admissão
de novos elementos no Conselho. (…) O poder de que estão investidos os seus membros e a sua legitimidade
não resultam do exterior...Daí que, deliberadamente, o legislador não tenha estabelecido os mecanismos
conducentes à entrada de novos elementos, mesmo que a título de substituição” (cf. Documento s.d./a.
Sobre alterações à composição do CR – ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 8
setembro 1975, anexo A, pp. 1-2 e Maria Inácia Rezola, op cit, p. 394).
44
O CS seria “presidido pelo PR,” que “escolheria os restantes membros de entre

personalidades civis.” As suas sessões seriam públicas139, e teria poderes de veto

legislativo sobre as leis da AL relacionadas com os direitos, liberdades e garantias dos

cidadãos tal como a execução ou alteração do PPES. Desaconselha a possibilidade de

deter poderes de “iniciativa legislativa,” ou de interferência em matérias de “política

externa” e de “defesa.”

Relativamente à organização interna do MFA, abandonaria “processos de caráter

secreto,” e definiria com precisão os órgãos do MFA. Eliminaria a CCPMFA após a

absorção do PMFA “pela Constituição.” Daria mais poder à AMFA sobre o CS, e

autonomia, responsabilizando o “órgão de cúpula perante a Assembleia” e “em relação

às bases,” possibilitando a “eleição [por “sufrágio secreto”] pelas bases dos delegados à

AMFA,” e pelos delegados “dos titulares do órgão de cúpula,” cujos mandatos teriam

“prazos claramente determinados.” Acabaria com os saneamentos dentro das FA e não

imporia uma Constituição, mantendo-se fiel ao PMFA.

Que sistema de governo transitório? Duas propostas gonçalvistas e uma spinolista

Quanto ao segundo ponto, da estrutura orgânica da futura Constituição, há três propostas

muito reveladoras da lógica subjacente à adoção do sistema de governo sui generis da

Constituição de 1976.

139
Facto que choca as sensibilidades do tenente-coronel Franco Charais, elemento da CCPMFA, que
escreve à mão no documento um ponto de exclamação junto deste pormenor.
45
A primeira proposta140, provavelmente gonçalvista, repete o mote da aliança entre

as massas populares, “suas organizações representativas,” e o MFA. Descreve a

Constituição como um texto transitório, válido apenas até à próxima fase da revolução141,

mas a conjugação MFA-Partidos como irreversível. A auscultação do povo pelo “poder

apartidário” do MFA parece ser mais um continuado esforço propagandístico junto

daquele.

Cabe ao MFA apresentar aos partidos um projeto constituinte vinculativo dizendo

respeito à “estrutura orgânica da Constituição:” por outras palavras, ao sistema de

governo transitório. Aos partidos cabe “respeitá-lo e fazê-lo seu,” não apresentando

“projetos próprios,” aceitando aqueles “a construção de um estado democrático e

antimonopolista” [anticapitalista]. Este acordo permitirá evitar que as eleições “se

transformem numa guerra partidária,” algo que “só beneficiaria a reação142.” Os partidos

que assinem o acordo terão o apoio do MFA durante a campanha eleitoral, na qual aquele

participará ativamente.

De seguida a proposta debate duas hipóteses de sistemas de governo bicamerais –

parlamentos com uma câmara legislativa e outra do MFA – a apresentar aos partidos, uma

com eleição direta e outra indireta do PR, pronunciando-se em favor desta última, para

evitar “atitudes presidencialistas autoritárias” e porque um PR eleito diretamente seria

140
I – Quadro Institucional… Consultar este documento no Anexo 4. As citações dos próximos quatro
parágrafos são todas deste documento.
141
Note-se que esta era a visão do PCP (cf. Jorge Miranda, A Constituição… p. 33).
142
Veja-se como esta linguagem é semelhante à empregue por Álvaro Cunhal por exemplo no Comício do
PCP em Braga em 30 novembro 1974: “Mau será se a campanha eleitoral se transforme num combate entre
os partidos da coligação em que cada um, atacando os outros, procure tirar-lhes alguns votos em seu
benefício” (cf. Álvaro Cunhal, Discursos Políticos – II... p. 123).
46
mais difícil de controlar. Em vez de um CS, seria a AMFA a deter poderes de CE143 e os

poderes legislativos do CCEMFA. A AMFA teria ainda o poder de votar a confiança ao

Governo, e rever a Constituição, em sessão conjunta com a AL. Ambas as câmaras

poderiam efetuar reuniões secretas.

Sugere o sistema eleitoral misto alemão. Como o primeiro PR a eleger seria

proposto pelo MFA, comprometendo-se os partidos a apoiá-lo, este deteria poderes

presidencialistas como sejam poder “presidir ao Conselho de Ministros.” Este teria

também o poder de dissolver, após consultar o PM e o Presidente da AL, a mesma

Assembleia, e de nomear o PM, tal como, “por proposta deste, os ministros, secretários e

subsecretários de Estado.” Marcaria ainda a data das eleições para a AL, dirigiria a

política externa, ratificaria tratados, chefiaria as FA, declararia o estado de sítio,

promulgaria e faria publicar as leis, e indultaria e comutaria penas. O PR seria obrigado

a demitir o Governo “se a A[L] e a A[MFA] aprovarem por...maioria qualificada de dois

terços dos membros...uma moção de desconfiança.” O Governo teria a “confiança da

A[L] e da A[MFA].”

A segunda proposta144, também aparentemente gonçalvista, sugere um sistema

unicameral145 sem forma de eleição do PR definida; ressalvando-se que este seria

143
Poderes de sanção legislativa sobre diplomas respeitantes à definição das linhas gerais da política
económica, social e financeira, ao exercício das liberdades, à organização da defesa nacional, à definição
da política de descolonização e à declaração do estado de sítio. Ainda, o poder de pronunciar-se sobre a
impossibilidade física do PR (Estes poderes são grosso modo aqueles que constam do art. 13.º 2.º b), c), d),
e), 4.º, 5.º e 6.º da Lei n.º3/74. Consultar esta Lei aqui: https://dre.tretas.org/dre/37626/lei-3-74-de-14-de-
maio 9.10.2018)
Documento secreto manuscrito s.d./a. Projeto de Institucionalização do MFA, Cad. I – Ibidem, doc. 29.
144

Consultar este documento no Anexo 5. As citações dos próximos dois parágrafos são retiradas deste
documento.
145
Sugere um mandato de quatro anos para os deputados, como viria a ficar inscrito na Constituição de 2
abril 1976. A AL reuniria em duas sessões por ano, a primeira durando três meses. A AL poderia realizar
reuniões secretas. Um deputado por cada 25,000 habitantes ou por fração superior a 12,500.
47
“escolhido pelo MFA;” mantendo a organização interna do MFA igual à existente,

chamando ao órgão de cúpula Conselho Revolucionário, de composição exclusivamente

militar. De novo, o modelo constitucional; definido pelo MFA autonomamente,

posteriormente apresentado aos partidos; quer-se transitório, um “instrumento dinâmico,

que dê continuidade às conquistas da revolução.” A adesão dos partidos àquela proposta

do MFA implicaria a sua anuência a que não se alterasse a composição do Governo

provisório até à eleição da primeira AL. A nova Constituição entraria em vigor quando o

MFA achasse “politicamente conveniente.”

O CR deteria poderes de CE146, JSN147 e PR148. Decretaria ou pronunciar-se-ia

sobre a dissolução da AL, votaria a “confiança ao Governo,” elaboraria ou proporia à AL

“leis revolucionárias necessárias à garantia da Revolução, e à organização da defesa

nacional.” Vigiaria pelo “cumprimento dos planos gerais de política económica, social e

financeira,” conjuntamente com a AL.

A terceira proposta149, possivelmente spinolista, define como tarefas do MFA

garantir o “cumprimento da Constituição, do PMFA e do PPES,” bem como o “eficaz

146
Vigiar pelo cumprimento das leis ordinárias e normas constitucionais, tal como apreciar os atos do
Governo ou da Administração, podendo “declarar com força obrigatória geral...a inconstitucionalidade de
quaisquer normas.” Sancionaria leis respeitantes à “definição das linhas gerais da política económica, social
e financeira,” ao exercício das liberdades, e à definição da “política de descolonização, cooperação com os
novos países de expressão portuguesa e política externa.” Autorizaria o PR a “fazer a guerra” e “a paz,” e
pronunciar-se-ia sobre todas as emergências graves para a vida da Nação.” Pronunciar-se-ia sobre a
impossibilidade física do PR. Os diplomas sancionados pelo CR não poderiam “ser promulgados pelo PR
sem que a sanção” fosse “concedida” (Estes poderes são, grosso modo, aqueles constantes do art. 13.º 1.
2.º b), c), d), e), 3.º, 5.º, 6.º e 2. da Lei n.º3/74). A novidade é o veto sobre diplomas respeitantes às “leis do
trabalho.”
147
Selecionaria de entre os seus membros quem desempenharia interinamente as funções de chefe de Estado
“em caso de impedimento do PR” (cf. Lei n.º3/74 art. 10.º 3.º).
148
Declararia o estado de sítio (cf. Lei n.º3/74 art. 7.º 12.º).
149
Documento s.d./a. Tópicos para futura Constituição quanto à organização política, fevereiro? 1975 –
ANTT, Conselho da Revolução, n.º84, pasta «Institucionalização do MFA», doc. 8. Consultar este
documento no Anexo 6. As citações dos próximos seis parágrafos são retiradas deste documento. Na
medida em que propõe um sistema presidencialista, relembra o projeto Sá Carneiro/Spínola/Palma Carlos,
48
funcionamento do sistema político.” Prolongaria o período de transição por cinco anos,

propondo que a intervenção do MFA se processe através do adiamento das eleições

legislativas para “princípios de 1977,” convertendo-se a “Constituinte em AL provisória,”

e das presidenciais para “meados de 1979,” sendo que na “primeira eleição presidencial”

uma “disposição constitucional provisória” limitaria o “direito de candidatura,” o

candidato tendo de ser aprovado pelo CE.

A proposta é favorável a um presidencialismo mitigado, pela necessidade de “um

executivo dotado de incontestada autoridade e poder de iniciativa.” Suavizar-se-ia assim

a “passagem do regime transitório atual” para o definitivo, através da “extensão no tempo

da inerência entre a presidência da JSN e a presidência da República,” facilitando a

“intervenção do MFA no Governo, em virtude de este não ficar submetido à confiança

política da Assembleia.”

Para combater o risco da “excessiva personalização do poder” o PR presidiria a

um CE, “cujos fortes poderes o limitariam significativamente,” constituído “exclusiva ou

predominantemente por representantes do MFA,” preferindo aquela última opção. Até

1979 o PR “continuaria a ser o PR da JSN,” portanto “até à eleição, competiria a esta

escolhê-lo de entre os seus membros.” O PR seria “exclusivamente responsável perante

a Nação” e a duração do seu mandato seria “de cinco a sete anos.” Nomearia e exoneraria

o Governo, sob consulta obrigatória do CE, representaria “a Nação,” promulgaria os

diplomas do Governo, após sanção do CE, e seria o chefe supremo das FA.

com algumas diferenças, no entanto. O projeto Palma Carlos pode ser consultado em: Jorge Miranda,
Fontes e trabalhos… pp. 1153-1168.
49
A AL não deteria o exclusivo da função legislativa, o seu “domínio reservado”

sendo as “matérias relativas à definição e regulamentação dos direitos e garantias

individuais do cidadão” e “tudo quanto respeite à comunicação social e seus órgãos.” A

AL só poderia revogar matéria legislativa “emanada do Governo ou publicada depois de

25 abril até à entrada em vigor da Constituição com a sanção do CE” ou através de

“maioria qualificada.”

O Governo seria da “confiança política do PR,” não sendo “responsável perante a

A[L].” As suas faculdades legislativas concorreriam com as da AL, “estando sujeito,

nalgumas matérias e em caso de revogação de diplomas da A[L], à sanção do CE.” Se a

AL aprovasse “por maioria qualificada de dois terços,” uma “moção de censura ao

Governo,” esta seria enviada ao PR, o qual teria entre “três e seis meses” para remodelar

o Gabinete ou dissolver a AL e convocar novas eleições legislativas. O PR teria de

remodelar o Gabinete, mudando o PM e “pelo menos um terço dos titulares das pastas

ministeriais,” após confirmação “por maioria qualificada de dois terços” da moção de

censura ao Governo, dissolução da AL e realização de eleições.

O CE vigiaria pelo cumprimento da Constituição e do PMFA, seria órgão de

consulta do PR, e sancionaria a dissolução da AL, a “declaração de estados de exceção,”

tal como legislação emanada da AL ou do Governo relativamente às matérias “que hoje

integram a faculdade legislativa da JSN,” não sendo assim possível revogar “a

legislação...publicada por iniciativa da JSN.” Deteria ainda “função legislativa no

domínio da estrutura das FA,” caso se dissolvesse a JSN. A estrutura das FA “manter-se-

ia totalmente independente da estrutura do Governo.” O MFA seria institucionalizado

mediante “estatuto emanado da JSN” o qual seria anexado à Constituição.

50
Os «catorze pontos» dos representantes do C20: a proposta do MFA aos partidos

Entre 21-27 fevereiro representantes do C20 reúnem-se pela primeira vez com

representantes dos cinco partidos políticos até então legalizados150. O MFA avança com

os seguintes pontos151:

1. Separação entre os poderes militar e civil durante período a determinar,

sujeição do poder militar ao PR e legislação militar

2. Intervenção controladora do MFA sobre a atividade legislativa do Parlamento

e do Governo em relação a certas leis

3. Harmonização entre a nova Constituição e o PMFA em moldes ainda a discutir

– forma da sua ratificação, garantias, etc.

4. Interpretação progressista do Programa Económico por forma a definir um

caminho socializante

5. Futuro PR terá de ser da confiança do MFA

6. Participação de ministros militares da confiança do MFA em futuros governos

7. Governo dependente do PR e não da Assembleia152

150
A saber: PCP, MDP/CDE, PS, PPD e CDS.
151
Marcelo Rebelo de Sousa, A Revolução e o Nascimento do PPD... pp. 362-363. Estes pontos são
semelhantes aos que foram discutidos em reunião da CCPMFA (cf. Folhas soltas manuscritas em papel do
EMGFA/CCPMFA s.d./a./t. Reunião da CCPMFA, 21 fevereiro 1975 – ANTT, Conselho da Revolução,
n.º84, pasta «Pacto MFA-Partidos parte 1», doc. 15, folhas 5-7 (pp. 4-6)). Consultar os «catorze pontos»
no Anexo 7.
152
Este ponto mostra a influência que uma ala moderada possivelmente spinolista ainda deteria no MFA
antes de 11 março 1975, considerando que como vimos acima as propostas gonçalvistas não eram
presidencialistas. Note-se que de acordo com o disposto no art. 15.º da Lei n.º3/74 o GP já era
exclusivamente responsável politicamente perante o PR. Jorge Miranda chamou ao sistema de governo
revolucionário da Lei n.º3/74 “presidencialismo imperfeito,” considerando que a “relativa preponderância
51
8. Período de transição de, em princípio, três a cinco anos

9. Definição da data em que entrará em vigor a nova Constituição

10. Composição do GP, em princípio, inalterada após as eleições

11. Definição da futura missão das FA na Constituição

12. Serviço militar obrigatório ou equivalente

13. Definição da dependência das forças militarizadas

14. Forma como deverá ser institucionalizada a intervenção do MFA na vida

pública nacional

Respostas dos partidos políticos enviadas ao C20 nos primeiros dias de março

Relativamente à proposta de separação entre os poderes militar e civil o PS teme e

acautela para uma possível concorrência entre os dois, na forma de governos e políticas

paralelas153. O PPD não descura o controlo parlamentar de ambos e uma separação

transitória154. O PS limitaria a legislação militar à estrutura interna das FA, e propõe que

se crie um Provedor de Justiça militar, garantindo que o Governo possui a força necessária

para o exercício de autoridade própria155. O MDP/CDE concorda com os poderes

separados, ficando o militar “dependente do PR e sujeito a legislação e jurisdição

do PR” nunca foi verificada na prática, sobretudo após 28 setembro 1974 (cf. Jorge Miranda, A
Constituição… pp. 65-66). Também é possível que o Governo provisório fosse apenas responsável perante
o PR provisório devido a não existir ainda qualquer Assembleia.
153
Documento s.d./a./t. Resposta do PS aos «catorze pontos» do MFA – Ibidem, doc. 13, p. 1.
154
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 119.
155
Resposta do PS... p. 1.
52
próprias156,” cabendo ao Conselho Superior da Revolução (“CSR”) elaborar a legislação.

A relação entre os dois poderes efetuar-se-ia “quer através do PR, membro nato do CSR,

quer através do PM,” que seria “convocado para as sessões do CSR” quando este o

entendesse.

Para o PPD o Governo poderia interferir na defesa e as FA estariam subordinadas

ao PR157. PS, PPD e CDS querem um período de transição de três anos, enquanto

MDP/CDE defende que sejam cinco158. O PS quer um sistema de governo

semipresidencial159, o CDS um semipresidencial de pendor presidencialista160, o PPD

quer “parlamentarismo mitigado161” e o MDP/CDE aceita o sistema presidencialista da

proposta do MFA162.

Quanto à interferência do MFA na ação legislativa do Parlamento, o PS sugere

que o MFA integre um “Conselho de Defesa das Liberdades Públicas,” que para além de

vigiar pelo cumprimento da Constituição e pela defesa das liberdades públicas, poderia

aconselhar o PR sobre o PM a designar, ordenar inquéritos, e marcar a data das eleições

156
Documento em papel do MDP/CDE s.d./a. Parecer do MDP/CDE sobre a Institucionalização do MFA
– ANTT, Conselho da Revolução, n.º84, pasta «Institucionalização do MFA», doc. 28, p. 3.
157 Maria Inácia Rezola, op cit, p. 119.
158
Ibidem, p. 121.
159
“...deverá haver uma dupla dependência do Governo em relação ao PR e à AL.” O PR designaria o PM
e a AL daria confiança ao Governo por maioria simples (cf. Resposta do PS... pp. 2-3, 5). Estas disposições
do PS acabariam na versão final da Constituição de 1976.
160 “Governo nomeado pelo PR sem necessidade de investidura pela Assembleia,” esta tendo o “direito de
retirar a sua confiança ao Governo.” Se tal ocorresse o PR optaria por “nomear um Governo diferente, mais
ajustado à realidade parlamentar, ou dissolver a Assembleia, convocando novas eleições gerais” (cf.
Documento s.d./a./t. Resposta do CDS aos «catorze pontos» do MFA – Ibidem, doc. 31, p. 7).
161
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 121. Ponto de vista díspar do defendido por Francisco Sá Carneiro ao
tempo do I GP e da proposta de alteração constitucional Palma Carlos, onde o líder social-democrata
compaginou fazer do PPD o partido do PR, apoiando implicitamente um sistema presidencialista (cf.
Marcelo Rebelo de Sousa, op cit, p. 109).
“...pelo menos no período de transição, o Governo deve depender do PR, e não da AL” (cf. Parecer do
162

MDP/CDE... p. 3).
53
legislativas após dissolução da AL163. Não ficam definidas as competências do Conselho

do PPD, sublinhando-se que é meramente consultivo e funciona junto do PR164. O CDS

propõe um Senado “de dimensão semelhante à da AL165” composto por militares eleitos

entre os membros das FA. Este deteria poderes de CE166.

O MDP/CDE remete a intervenção controladora do MFA para o CSR, “emanação

da AMFA167”. Este definiria conquistas revolucionárias em matéria de direitos

económicos e sociais a inscrever na Constituição de forma irreversível, aprovaria ou não

as candidaturas a PR antes da AL, indicaria ao PR nomes de PM e outros ministros da

confiança do MFA que farão parte do Governo, tal como dos CEMGFA e CEM, e

exerceria competência legislativa em matéria militar168. Teria o poder de “apreciar e

ratificar os diplomas legislativos emanados do Parlamento ou do Governo,” quando

tratassem das linhas gerais da política económica, social e financeira, o exercício das

liberdades, a organização da defesa nacional, e descolonização. Poderia iniciar legislação

sobre estas matérias e apresentá-la ao Parlamento169.

163
Resposta do PS... pp. 1, 5.
164
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 119.
165
Resposta do CDS... p. 4.
166
Sancionaria os diplomas que respeitassem à definição das linhas gerais de política económica, social e
financeira, ao exercício das liberdades, à organização da defesa nacional, e ao regime geral do Governo das
províncias ultramarinas. Vigiaria pelo cumprimento das normas constitucionais e das leis ordinárias, e
apreciaria os atos do Governo ou da Administração, podendo declarar com força obrigatória geral a
inconstitucionalidade de quaisquer normas. Autorizaria o PR a fazer a guerra e a paz, e pronunciar-se-ia
sobre a impossibilidade física do PR. Pronunciar-se-ia nas emergências graves e outros assuntos de
interesse nacional sempre que o PR o julgasse conveniente (Estes são os poderes constantes do art. 13.º 1.
e 2. da Lei n.º3/74).
167
Parecer do MDP/CDE... p. 1.
168
Ibidem, pp 1-2.
169
Ibidem,

54
O CSR teria o poder constituinte de decidir de revisões extraordinárias da

Constituição, “fiscalizar a constitucionalidade das leis,” e auxiliar do PR “em matéria de

política externa.” Velaria pelo cumprimento do PPES interpretado “de acordo com as

exigências da construção de uma democracia socialista,” e asseguraria o “cumprimento

da legislação destinada a desmantelar o estado fascista e a impedir o seu ressurgimento

sob qualquer forma.” Seria responsável perante a AMFA a qual também se pronunciaria

em circunstâncias graves da vida nacional170.

O PPD defende que os partidos façam um acordo prévio com o MFA quanto ao

conteúdo da Constituição, para que esta seja fiel aos princípios do PMFA171. O MDP/CDE

defende que a sua feitura seja fiscalizada pelo CSR para aferir da sua conformidade com

uma interpretação “progressiva” do PMFA172. O único partido a lutar para que a

composição do GP se altere com o resultado das eleições à AC é o CDS173. Para o PPD o

PR não deve ser da confiança do MFA na medida em que isso constitua um entrave à

livre escolha do chefe de Estado174. O CDS também se mostra contra175. PS e MDP/CDE

apoiam176.

170
Ibidem,
171
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 120.
172
Parecer do MDP/CDE... p. 1.
173
Resposta do CDS... pp. 7-8.
174
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 121.
175
O CDS não concorda que o MFA designe o PR, mas aceita que o MFA tenha um “direito de veto quanto
aos candidatos...que hão de ser admitidos a disputar a eleição” (cf. Resposta do CDS... p. 6).
176
Resposta do PS... p. 2; Parecer do MDP/CDE... p. 3.
55
O PPD quer apenas a Defesa nas mãos de ministro da confiança do MFA e do

PM177, o CDS a Defesa, a Segurança e o Plano178, o PS aceita o que o MFA sugerir179, e

o MDP/CDE quer metade dos ministros militares ou civis da confiança do MFA incluindo

o PM180. Para o PPD a data de entrada em vigor da Constituição deve ser estabelecida

pela AC, sugerindo um mês após a sua publicação181, para o PS logo após a sua

aprovação182, para o CDS apenas após audiência do CE e promulgação pelo PR183. Para

o MDP/CDE a Constituição não deve ser ratificada através de referendo e a última palavra

pertence ao CSR que verifica da sua conformidade com o PMFA, sendo ratificada dois

meses depois184.

O CDS concorda que as FA controlem a vida política portuguesa, e apoiem as

forças policiais de forma supletiva185. Para o MDP/CDE todas as forças militarizadas

devem depender do MFA, e a futura missão das FA consagrada na Constituição deve

incluir a conclusão do processo de descolonização e missões cívicas para dinamizar o

processo de democratização do país186. O PPD defende que a institucionalização do MFA

seja temporária e que venham escritas na Constituição a transitoriedade das disposições

acordadas com os partidos e sua automática caducidade findos os três anos187. Ao CDS

177
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 120.
178
Resposta do CDS... p. 6.
179
Resposta do PS... p. 2.
180
Parecer do MDP/CDE... p. 3.
181
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 121.
182
Resposta do PS... p. 3.
183
Resposta do CDS... p. 7.
184
Parecer do MDP/CDE... pp. 3-4.
185
Resposta do CDS... p. 8.
186
Parecer do MDP/CDE... p. 4.
187
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 122.
56
agrada que os artigos da Constituição sejam “conforme ao PMFA,” sugerindo que seja

criada uma Comissão MFA-Partidos para acompanhar a respetiva execução188.

Conclusão

Os gonçalvistas são desfavoráveis aos métodos formais da democracia parlamentar e

visam institucionalizar o sistema diretorial-convencional militar. Para esta fação do MFA

interessa menos cumprir o PMFA ou elaborar uma Constituição definitiva, do que

cimentar a sua aliança direta com o povo em preparação para a próxima fase da

revolução189. Através do Pacto pretendem impor a futura forma de organização política

aos partidos.

A fação moderada dentro do MFA vê a institucionalização do Movimento como

algo necessário para conter o poder militar, a operar durante período limitado findo o qual

se autodestruiria, diluindo-se dentro das FA, que é o que o PPD sugere também. Quer

democratizar o MFA, tornando-o mais transparente, responsabilizando a chefia e

possibilitando a sua substituição. Institucionalizaria o MFA em posição minoritária num

CS/CE com poderes limitados para vigiar pelo cumprimento do PMFA e do PPES durante

entre seis meses e três anos, e não pretende impor uma Constituição aos partidos.

188
Resposta do CDS... pp. 4-5.
189
Note-se que no tocante à socialização dos meios de produção, após o “Verão Quente” a ideia deixa de
ser exclusiva ao setor gonçalvista. Parte do programa do VI GP afirmava: “criando-se condições para o
planeamento da economia...” (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 12 n.º98, doc. 19, folha 19).
Já depois do afastamento de Vasco Gonçalves o CR aprova decreto-lei do GP reconhecendo o “direito ao
controle organizado da produção pelos trabalhadores, em todos os ramos da atividade da economia
nacional” (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 31 outubro 1975, p. 2; anexo
A, pp. 1-8). Ver ainda as afirmações de Melo Antunes: “há que programar como fazer a transição da
economia de mercado, como fazer a transição do capitalismo para as formas coletivas de produção” (cf.
ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião de 11 dezembro 1975, pp. 3-4).
57
Em termos de sistema de governo os gonçalvistas consideram três versões, uma

em que o MFA se institucionalizaria numa Câmara Alta com poderes de CE, de

CCEMFA, e de iniciativa legislativa. Neste esquema o PR seria eleito pelo Parlamento –

tendo, todavia, a eleição direta também sido considerada –, poderia presidir ao Conselho

de Ministros, dissolver a AL, nomear os membros do Governo, marcar a data para as

eleições legislativas, e teria o domínio reservado da política externa e de defesa. Isto

porque o primeiro PR eleito seria proposto pelo MFA. Contudo o Governo dependeria do

Parlamento.

A segunda versão cristalizaria o MFA durante período indeterminado num CS

composto exclusivamente por militares que teria o poder de sancionar toda a legislação

dimanada pelo Governo. Na terceira versão o Conselho Revolucionário deteria poderes

de CE, PR, JSN e CCEMFA. O PR seria da confiança do MFA, independentemente de

como fosse eleito, e o Parlamento unicameral190. Na quarta versão, spinolista, o PR seria

eleito diretamente, o Governo dependeria apenas do PR, que o nomearia e exoneraria, sob

consulta do CE. Na primeira eleição presidencial o candidato teria de ser aprovado pelo

MFA. O PR presidiria a um CE misto militar-civil. O PR seria unicamente responsável

perante a Nação e o seu mandato poderia durar sete anos. O Parlamento seria unicameral.

Em termos de poder dado nas suas respostas ao MFA, em ordem crescente, os

partidos alinhar-se-iam da seguinte forma: PPD, PS, CDS, MDP/CDE. O PPD dá ao MFA

um Conselho que funcionaria junto do PR com poderes indefinidos. O PS dá ao MFA

poderes de vigiar pelo cumprimento da Constituição através da participação num

190
Note-se que nestas duas versões, que constam dos Anexos 2 e 5, também se faz referência à AMFA,
embora não como câmara parlamentar a partilhar com a AL.
58
Conselho de Defesa das Liberdades misto, tal como o primeiro PR eleito. O CDS dá ao

MFA uma Câmara Alta com poderes de CE. O MDP/CDE dá ao MFA um CSR com

poderes de CE, JSN, e CCEMFA, tal como o primeiro PR eleito.

59
11 março 1975, institucionalização do MFA, fim das negociações e conteúdo

definitivo do I Pacto

A caminho de 11 março 1975

A demissão de Spínola em 30 setembro 1974 não significou o fim da fação spinolista

dentro das FA. As vagas de prisões extrajudiciais ocorridas 27 setembro–3 outubro, 12

outubro, e 12–13 dezembro, associadas ao protagonismo crescente das alas mais

vanguardistas da Esquerda Militar, preocupavam os oficiais e políticos não-

comunistas191. Como a ala moderada ainda não se consolidara, os oficiais moderados

começam a aproximar-se dos spinolistas192.

Os diferentes meios militares e políticos estavam conspirando, “contando

espingardas,” analisando a situação para “acautelar qualquer confronto” vendo “se era

possível forçar o avanço do processo” evitando dar um passo em falso193. Spínola

suspeitava estar sendo vigiado pelo PCP e extrema-esquerda, passando a beneficiar de

rondas noturnas. Havia vigilância popular partidária sobre oficiais e Unidades fortes,

controlo sobre os movimentos de entrada e saída dos quartéis, e suprimiam-se reuniões

191
Manuel Amaro Bernardo, Memórias da Revolução... pp. 349, 371, 373, 381-382, 405. O DL n.º660/74
de 25 novembro 1974 previa a nomeação de comissões administrativas como condição para a intervenção
estatal em todas as empresas abarcadas pela ‘sabotagem económica,’ levando à prisão dos primeiros
gestores ‘sabotadores’ da Torralta, Metalúrgica Duarte Ferreira, Propam, entre outros em dezembro 1974
(cf. António José Telo, História Contemporânea... pp. 101-102). Ver também Leonor Xavier, Portugal:
tempo de paixão. O Verão Quente de 1975 em 100 testemunhos, Círculo de Leitores, 2015, pp. 41-42, 214.
Em 13 dezembro 1974, simultaneamente com o I Congresso do PS, foram presos “quatro capitalistas e oito
tecnocratas, acusados de más contas.” Duas semanas depois “apenas quatro” ainda se encontravam na
prisão (cf. Álvaro Guerra, Em defesa da liberdade... pp. 8-9).
192
Josep Sánchez Cervelló, A revolução portuguesa... p. 218; Maria Inácia Rezola, Os Militares na
Revolução... p. 56; Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... p. 270.
193
Avelino Rodrigues et al, Portugal depois de abril… p. 126; Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 315,
335.
60
de oficiais “reacionários194.” O general ia mantendo contactos em sua casa com atores

políticos, incluindo os líderes dos três principais partidos não-comunistas, e militares195.

Antes do natal de 1974 Spínola estaria convencido de que o PCP planeava um

atentado contra a sua pessoa196. O general chama Alpoim Calvão e preparam uma

intervenção militar. O golpe incorporava uma componente palaciana, com a prisão dos

elementos do C20 afetos ao PCP no sótão do Paço de Belém. Incluiria também a ocupação

dos meios de comunicação social pelos comandos, do RAL1 e dos meios de acesso à

capital pelos paraquedistas, com apoio da EPC197.

Em janeiro 1975 a oposição do PS ao PCP materializa-se em torno da questão da

liberdade de filiação sindical, que os comunistas rejeitam, apoiando a sua Intersindical

como central sindical única198. Oficiais spinolistas apresentam uma moção de censura à

CCPMFA como resposta à sua aprovação em 7 janeiro da posição comunista199. Em 4

194
Segundo Francisco van Uden, o PCP possuía uma estrutura de informação muito bem organizada. Ver
Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 351, 399, 453, 456; Eduardo Dinis de Almeida, Ascensão, apogeu e
queda do MFA, vol. I, Edições Sociais, 1978, p. 268; Maria João da Câmara, Sanches Osório... pp. 213-
214.
195
Ricardo Noronha, ‘Anatomia de um golpe de Estado fracassado: 11 de março de 1975,’ in Ler História,
nº 69, 30 dezembro 2016, p. 73. Os repetidos boicotes do PCP e da extrema-esquerda a comícios do PPD
tinham-no atirado para as mãos do PS e os dois partidos procuravam uma estratégia conjunta de contenção
dos comunistas (cf. Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 213).
196
Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 445. Spínola poderá tê-lo afirmado como pretexto para se poder
reunir com oficiais da Armada e conspirar (cf. Ricardo Noronha, op cit, p. 75 nota de rodapé 18). O general
possuía uma escolta (ver Guilherme Alpoim Calvão, De Conakry ao MDLP... pp. 137-138).
197
É possível que estes sejam esboços de dois golpes diferentes (cf. Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp.
343-344, 352). Ver também Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 218, 222; Manuel Amaro Bernardo, op cit,
pp. 316, 332, 342-343, 352, 366; António José Telo, op cit, pp. 122-123; Ricardo Noronha, op cit, p. 74.
198
Já em inícios de outubro 1974 “se estava a tornar cada vez mais claro que a Intersindical portuguesa era
dominada pelos comunistas e que existiam poucas alternativas capazes de conter a crescente influência
comunista no mundo sindical em Portugal” devido às “substanciais ajudas canalizadas pela URSS e RDA
destinadas às organizações comunistas portuguesas” (cf. David Castaño, Mário Soares… p. 198).
199
Também se queria passar uma moção de censura à unicidade sindical na Escola Prática de Artilharia,
mas tal ação foi evitada. A cavalaria e os paraquedistas procuravam opor tenaz resistência em votos à
aprovação da unicidade. Na segunda semana de fevereiro ocorre divisão na Assembleia das Unidades em
torno da questão da unicidade (cf. Eduardo Dinis de Almeida, op cit, pp. 268-269, 279-280). Ver ainda
Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 129-130; Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 322, 434.
61
janeiro a AMFA acabara por dar apoio ao PPES de Melo Antunes com as alterações

introduzidas pela CCPMFA, nomeadamente a tutela estatal sobre a banca, participação

de 51% nas indústrias de base, e algumas ocupações de terras200.

Quando Costa Gomes confirma em 10 fevereiro 1975 que as eleições se realizarão

como previsto, Spínola poderá ter suspendido os planos para o golpe201. Entretanto surgira

em Espanha o Exército de Libertação de Portugal (“ELP”), organização anticomunista de

feição salazarista202. Em 17 fevereiro chega à AMFA informação sobre o ELP, e em

reunião entre os responsáveis dos serviços de informação do MFA divulga-se que o ELP

teria sido contactado por um oficial de Lisboa que pretendia o seu apoio para executar um

golpe militar. A “rebelião” seria encabeçada por Spínola, Kaúlza de Arriaga e Galvão de

Melo203.

Um dos serviços de informação do MFA era a Comissão de Extinção da

PIDE/DGS, dirigida na altura por Rosa Coutinho204. A 5ª DIV/EMGFA estava ao corrente

dos contornos do golpe. Corvacho sabia, afirmando-o em reunião do C20 em 28 fevereiro,

200
Consultar o PPES: ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 133 pastas 1 e 3. Maria Inácia Rezola, Os
Militares na Revolução... pp. 75-76. Embora aprovado em Conselho de Ministros em 8 fevereiro 1975, o
PPES acabará por nunca ser aplicado (Ibidem, pp. 72, 76). Para o conteúdo da discussão em torno do PPES
na AMFA de 4 janeiro ver Eduardo Dinis de Almeida, op cit, pp. 242-260.
201
Há testemunhas de que Spínola tergiversava (cf. Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 317-319, 331, 334-
335, 341-342). O PS poderá ter abandonado a conjura nesta altura ou não (cf. Ibidem, pp. 307, 344, 354,
434). Ver também Avelino Rodrigues et al, op cit, p. 136; Ricardo Noronha, op cit, pp. 77, 86.
202
As primeiras células do ELP foram detetadas em janeiro 1975 (cf. María José Tíscar, A Contra-
Revolução no 25 de abril: os “Relatórios António Graça” sobre o ELP e AGINTER PRESSE, Edições
Colibri, 2014, pp. 167-168, 172-174). Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 398-400; Kenneth Maxwell, A
Construção... p. 175. Para Calvão, o ELP era uma “organização fascista anti-spinolista anti-comunista” (cf.
Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 504).
203
Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 140, 148; Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 400 nota de rodapé
4, 415, 418, 425-426; Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 223; Eduardo Dinis de Almeida, op cit, pp. 287-
290.
204
Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 342, 422-423. De acordo com Ricardo Noronha, Coutinho
desvendara em reunião do C20 em 17 fevereiro o aparecimento do ELP (cf. Ricardo Noronha, op cit, pp.
75-76). Sobre Rosa Coutinho ver Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 303.
62
que “consistiria num ataque aéreo ao RAL1205.” Nessa reunião Sousa e Castro entrega a

Nápoles Guerra uma lista de oficiais “considerados perigosos, a afastar dos centros de

decisão político-militar,” a “vigiar,” ou a “prender206.”

A lista terá chegado às mãos de Santos e Castro, que em reunião em Madrid em 9

março a exibe a exilados, afirmando que lhe fora dito que seriam alvos a abater por

“brigadas comunistas” numa operação designada Matança da páscoa207. Nesse dia na

sede da Comissão de Extinção da PIDE/DGS “vários oficiais ligados ao RAL1, à 5ª

DIV/EMGFA e à Armada” planeavam como “desencadear a ação” e “aproveitar-se dela.”

Esta reunião terá sido dirigida por Nápoles Guerra “e nela se informou que se faria correr

o boato de que dentro da Unidade havia guerrilheiros tupamaros e membros da LUAR208,

com a finalidade de desencadear a Matança209.” Nessa noite, num restaurante em Cascais,

um elemento da Comissão Coordenadora da Marinha pedia a Francisco Soares, César de

Oliveira e João Cravinho a elaboração de uma lista de nacionalizações a realizar que

deveria estar pronta a 12 março e o boato era credibilizado por agente espanhol junto de

Spínola210.

205
Dinis de Almeida afirma que Vasco Lourenço falava num ataque dos paraquedistas ao RAL1 numa
reunião em 20 fevereiro (Eduardo Dinis de Almeida, op cit, pp. 291-292). Ver também Josep Sánchez
Cervelló, op cit, p. 223; Avelino et al, op cit, pp. 149-150; Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 427.
206
Avelino et al, op cit, pp. 149-150; Eduardo Dinis de Almeida, op cit, p. 293; Manuel Amaro Bernardo,
op cit, pp. 302, 339, 427; Ricardo Noronha, op cit, p. 78.
207
Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 359-361, 402 nota de rodapé 5. Terá havido uma reunião preliminar
em Lisboa no dia anterior (cf. Ricardo Noronha, op cit, p. 77).
208
Segundo o PRP-BR, a Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR) era “um conjunto de núcleos
com bases ideológicas diversas e não uma organização que funcione como um todo coerente” (cf. SACR,
Situação político-militar do ponto de vista da leitura da imprensa, 19 dezembro 1975, pp. 6-7 – ANTT,
Ernesto Melo Antunes, caixa 20 pasta 4).
209
Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 225; Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 435.
210
Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 320, 345-346, 360 nota de rodapé 2, 409, 418, 435; Diogo Freitas
do Amaral, op cit, p. 339. Segundo outra versão Spínola foi informado sobre a Matança por um capitão do
gabinete de Costa Gomes, a informação sendo confirmada pelas secretas espanholas (cf. Manuel Amaro
Bernardo, op cit, p. 376).
63
Spínola só pode ter acreditado no boato, pois parte de sua casa de samarra amarela

com as golas levantadas disfarçado com barba postiça, eludindo até quem lhe fazia

segurança à casa na noite de 10 março e os homens da sua confiança são apanhados de

surpresa211. Na madrugada de 11 março em Tancos ter-se-á “cozinhado” um plano de

operações “em cima do joelho212.”

O golpe, cujos contornos eram do conhecimento dos seus adversários melhor

preparados, começa atrasado, pelas 11h00, e descoordenado213. As instalações da

Emissora Nacional são ocupadas pela equipa de radiodifusão da 5ª DIV/EMGFA, dando

“conta do ataque ao RAL1 e apelando à mobilização popular214.” Assim, elementos

envolvidos no golpe, ouvindo a emissão noticiando que outras Unidades não tinham

saído, recusam-se a participar ou a continuar215. O golpe é neutralizado pelo contragolpe

a cargo de uma “tripla ação RAL1, 5ª DIV/EMGFA,” civis armados e “Armada,” as “três

entidades presentes na reunião de 9 março.” Pelas 17h00 Spínola foge do país de

211
Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 319, 331, 336, 376; Maria João da Câmara, op cit, pp. 207-208.
212
Ibidem, pp. 341, 354.
213
Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 226. Em 11 março os contornos do golpe já tinham sido noticiados
pela comunicação social nacional e estrangeira, por via diplomática, etc. (cf. Manuel Amaro Bernardo, op
cit, pp. 320, 357 nota de rodapé 9, 417, 419, 427-428, 446; Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 153-154,
157; Eduardo Dinis de Almeida, op cit, p. 302).
214
Ricardo Noronha, op cit, p. 85.
215
Também não saíram quando verificaram que a ação não tinha a concordância do PR ou do C20 (cf.
Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 442-443, 455, 467; Ricardo Noronha, op cit, pp. 82-86). A RTP teria
mostrado que os paraquedistas estavam bombardeando o RALIS, mas pelas 13h00 apareceu um sacerdote
falando “sobre um tema dedicado às crianças” (cf. José Pinheiro de Azevedo, 25 de novembro... pp. 46-
48).
64
helicóptero, com passaporte que Costa Gomes lhe dera uma semana antes216. Nesse dia

são assaltadas as sedes do CDS, PDC, PPD, e da CIP217.

Institucionalização do MFA

Na noite de 11 março 1975 Varela Gomes e a 5ª DIV/EMGFA convocam uma AMFA à

qual acorrem os vitoriosos do contragolpe e não os elementos eleitos habituais 218. A

maioria dos presentes defende a não-realização de eleições, e a eleição indireta do PR219.

O sistema bicameral já fora traçado em 21 janeiro220. A ideia de formar colégio eleitoral

composto por elementos de ambas as câmaras para a eleição presidencial já estaria, por

conseguinte, desenhada, evitando assim que pudesse concorrer o general Spínola, “que o

PS podia lançar como substituto de Costa Gomes221.”

Durante esta Assembleia é aprovada a institucionalização do MFA com a criação

do CR, um assunto que ocupa “um espaço de tempo muito reduzido” dando a sensação

de “já vir preparado.” Excluem-se do novo órgão oficiais não alinhados com os

gonçalvistas222. Metamorfose do C20, o CR é concebido como nova base do sistema de

216
No mesmo encontro em que Spínola lhe informara estar considerando candidatar-se à presidência da
República (cf. Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 317, 342, 376; Avelino Rodrigues et al, op cit, p. 128;
Ricardo Noronha, op cit, p. 82).
217
Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 236; Maria João da Câmara, op cit, p. 215.
218
Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 383; Josep Sánchez Cervelló, pp. 228-229; Luís Nuno Rodrigues,
Marechal Costa Gomes… p. 227.
219
Maria Manuela Cruzeiro, Costa Gomes... pp. 341-342; Amadeu Garcia dos Santos et al, Apontamentos
políticos... p. 19; Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… p. 230.
220
Constava de documento secreto. Ver I – Quadro Institucional... Consultar o Anexo 4.
221
Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 220. Mário Soares já via como provável uma candidatura presidencial
por parte de Spínola em 30 setembro 1974 (cf. David Castaño, Mário Soares… p. 195).
222
Quando se conhecem os membros deste órgão pelo D.-L. n.º137-A/75 de 17 março nota-se a
preponderância de elementos da 5ª DIV/EMGFA e a exclusão de Vítor Crespo, Vítor Alves e Melo
Antunes. O primeiro é forçado a regressar de Moçambique para exigir em ultimato ser incluído, tal como
65
governo diretorial-convencional militar223. Também é aprovada a institucionalização da

AMFA224. Outras moções passadas referem-se a um amplo leque de nacionalizações e a

ocupações de terra massivas225. Costa Gomes consegue passar moção no fim

comprometendo o MFA a realizar as eleições dentro do prazo estipulado no PMFA226.

Em 12 março, em reuniões separadas, o C20 e a 5ª DIV/EMGFA discutem os

“estatutos, funções e composição” do CR e que militares o integrarão, respetivamente227.

Em 13 março os conselheiros de Estado civis são exonerados em bloco. Em 14 março os

os outros dois. A composição é então ajustada em conformidade (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 132-
140; Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 348-349).
223
Que já vinha sendo praticado na modalidade diretorial desde a primeira reunião do C20 em 26 outubro
1974, na modalidade convencional a partir da primeira AMFA em 6 dezembro 1974. Cerezales afirma que
o CR foi criado para “concorrer com as competências da AC,” o que, no sentido da luta entre a legitimidade
revolucionária e a demo-representativa-eleitoral, traduzida por exemplo nos poderes constituintes
simultâneos do CR e da AC, também é verdade. Contudo, o CR acabou por competir diretamente com o
GP. Segundo Jorge Miranda, o CR converteu-se “em principal centro de decisões políticas do país.”
Segundo Luís Nuno Rodrigues, o CR permaneceu verdadeiro “centro do poder político.” O I Pacto
completou esta conquista do poder pelo MFA através do CR (cf. Diego Palacios Cerezales, O poder Caiu
na Rua... p. 97; Jorge Miranda, A Constituição… pp. 22, 73, 89-91; Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa
Gomes… p. 235; Maria Inácia Rezola, 25 de abril: Mitos… p. 117). Veja-se ainda o organigrama em D.-1
proposto aos partidos políticos na versão do I Pacto de 27 março (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas,
vol. 2 n.º2, Reunião de 27 março 1975, anexo C). Esta primeira versão do I Pacto pode ser consultada no
Anexo 8.
224
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 132. A composição da AMFA também é alterada para ser principalmente
gonçalvista (cf. Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 228-229).
225
António José Telo, op cit, pp. 126, 266-280; Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 345; Josep Sánchez
Cervelló, op cit, p. 227. A nacionalização da banca é anunciada em 14 março, e nos dias seguintes
nacionalizam-se as seguradoras, a Sacor, a Sonap, a TAP, e a Siderurgia Nacional, entre outras empresas
(cf. Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… pp. 228-229). “Todas as Comissões [Administrativas,
que assumiam o controle das empresas nacionalizadas] eram dominadas por uma maioria de pessoas do
PC” (cf. Leonor Xavier, op cit, pp. 46-47). No Boletim Semanal de Informações do SDCI de 24 junho 1975
faz-se referência à “tentativa de controle da Caixa de Previdência pelo MDP/CDE e PCP com o objetivo
de supervisionar PMEs através da seletividade dos subsídios a conceder” (cf. ANTT, Conselho da
Revolução, Atas, vol. 12 n.º98, doc. 18 folha 21). Ver também José Pinheiro de Azevedo, op cit, p. 37 e o
testemunho de Mário Soares na audiência com o CR em 23 maio 1975, em que afirma que os socialistas
haviam apresentado lista de personagens para os bancos nacionalizados, e que “nenhuma foi considerada.
Todos MDP/CDE e PCP” (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Audiência ao PS e
PCP/Reunião Extraordinária de 23 maio 1975, p. 4).
226
José Medeiros Ferreira, Ensaio Histórico... pp. 163-164. O mesmo Costa Gomes que em 20 março 1975
justifica a institucionalização do MFA naqueles moldes por o povo português não estar “suficientemente
esclarecido politicamente para rejeitar os partidos elitistas ou pseudodemocratas” (cf. Kenneth Maxwell, A
Construção... p. 131).
227
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 133.
66
conselheiros militares promulgam a LC n.º5/75, instituindo o CR228 e a AMFA, esta

última de forma algo vaga (art.º3º)229. O CE, a JSN, e o CCEMFA são extintos e os seus

poderes transferidos para o CR230. Do CE o CR obtém os poderes constantes do art. 13,

n.ºs1-2, da Lei n.º3/74 que o CDS sugerira para um Senado militar231.

Da JSN o CR ganha o poder de “vigiar pelo cumprimento do PMFA e das leis

constitucionais, escolher de entre os seus membros o PR, o CEMGFA, o CEMA, o

CEME, e o CEMFA,” tal como de “designar, em caso de impedimento do PR,” o PR

interino. Do CCEMFA o CR passa a exercer funções legislativas sobre matérias

militares232. O MFA chamava assim “a si, diretamente, a totalidade dos poderes de

228
Max Wery, E assim murcharam os cravos… p. 138; Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 346-347. A
LC n.º5/75 institui também a AMFA (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 147-149). Com esta Lei os
militares do MFA passam a “invocar a legitimidade revolucionária para se arrogarem a plenitude da
capacidade de decisão em quaisquer domínios da vida política, económica e social” (cf. Jorge Miranda, A
Constituição… p. 61).
229
A definição da estruturação interna da AMFA, cuja composição já vinha sendo discutida desde pelo
menos a reunião do CR de 27 março (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2. n.º2, Reunião 27
março 1975, p. 6), dá-se em reunião do CR de 3 Abril, onde se define que compete à mesma “elaborar,
discutir e aprovar propostas e moções a apresentar ao CR, sobre as matérias de competência deste, analisar
a evolução política da vida nacional e sobre a mesma emitir pareceres, e apreciar os atos do CR praticados
no exercício das suas atribuições.” Constitui-se por “um total de 240 representantes dos três ramos das FA,
sendo 120 do Exército, 60 da Armada e 60 da Força Aérea.” Reúne “ordinariamente de dois em dois meses,
mediante convocação do CR e, extraordinariamente, sempre que for convocada pelo PR, pelo CR ou a
pedido de qualquer dos ramos das FA, através do respetivo Chefe do Estado-Maior” (cf. ANTT, Conselho
da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 3 abril 1975, anexo E, pp. 1-3). A primeira reunião da AMFA
enquanto tal dá-se em 7 abril 1975 às 10h00 no IAEDN (cf. Ibidem, Reunião de 3 abril 1975, p. 6). Na
reunião do CR de 24 abril 1975 decide-se que a AMFA reuniria “ordinariamente todos os meses,” o resto
do articulado sendo idêntico ao da reunião de 3 abril (cf. Ibidem, Reunião de 24 Abril 1975, anexo B, p. 3).
230
José Medeiros Ferreira, op cit, p. 157. Segundo Jorge Miranda, esta concentração de poderes no CR era
contrária ao PMFA (cf. Jorge Miranda, A Constituição… pp. 45, 48-49, 62). Note-se que a transferência
dos poderes da JSN para o CE/CR – e a referência ao facto daquele último Conselho não possuir elementos
civis afastar-se do PMFA – já fora compaginada na proposta de sistema de governo presidencial mitigado
modelado na V República francesa a que chamámos “spinolista” que pode ser consultada no Anexo 6.
231
Resposta do CDS… p. 4; Maria Inácia Rezola, op cit, p. 119.
232
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 140-141. Cf. Art. 10.º 1.º, 2.º e 3.º da Lei n.º3/74 e art. 1.º 1. da Lei
n.º4/74.
67
relevância política, constituintes, legislativos e governativos,” ficando o Governo, na

prática, com a Lei n.º6/75 de 26 março, “subordinado ao CR233.”

As negociações finais, 21 março – 9 abril 1975

Como a AMFA de 11 março ratificara a sua confiança política no PM Vasco Gonçalves,

conferindo-lhe mandato para proceder a nova remodelação ministerial, este estreia logo

os novos poderes de ingerência do CR na área de atuação do GP aquando das discussões

relativas à remodelação ministerial anterior à formação do IV GP que assume funções a

26 março e cujo “reforço de militares e independentes” é “favorável às posições do

PCP234.”

Vasco Gonçalves estaria em discussões com os partidos políticos relativamente

ao Pacto em 21 março. Internamente o CR discute um primeiro rascunho do projeto em

reuniões em 27235 e 31 março236. Em 2 abril nova versão, da autoria da Comissão Política

233
Jorge Miranda, A Constituição… p. 65.
234
Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução... pp. 133-134, 140-141, 153; Josep Sánchez Cervelló,
op cit, pp. 228-229; Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... pp. 280-281; Luís Nuno Rodrigues, Marechal
Costa Gomes… p. 229. Já nesta altura Soares considera não participarem representantes do PS no Governo
e passar à clandestinidade, ensaiando mesmo uma “estratégia comum com o PPD” de abandono do
Governo, mas “dúvidas quanto à capacidade” do PPD honrar tal compromisso levaram os socialistas a
permanecer no Governo (cf. Amadeu Garcia dos Santos et al, Apontamentos políticos... pp. 19-20).
235
Nesta reunião foi nomeada uma comissão para ajustar alguns dos parágrafos do texto do pacto composta
pelo almirante Rosa Coutinho, majores Pereira Pinto e Pezarat Correia. A versão do I Pacto que consta do
anexo C à ata desta reunião é um embrião da seguinte. Apresenta um organigrama relativo à “Estrutura
futura dos órgãos do poder e suas atribuições” muito relevadora do pensamento subjacente ao sistema de
governo que o MFA impõe aos partidos (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião de
27 março 1975, p. 6 e anexo C). Consultar o Anexo 8.
236
Na versão do I Pacto discutida na reunião do CR de 31 março 1975 em A.-2 não se afirma que o CR tem
os poderes do CCEMGFA, apenas os do CE e JSN. Em B.-1 afirma-se que o pluralismo político tem que
ser “compatível com a via socializante.” Em C.-2 a comissão para vigiar os trabalhos da Constituinte é
mista, MFA-Partidos. Em C.-5 põe-se a hipótese de alteração da constituição do GP resultante das eleições
constituintes. Em D.-1 na ordem de apresentação dos órgãos de soberania o Governo aparece antes da
AMFA. Em D-2.2-a) afirma-se que o PR pode convocar o CR quando necessário. Em D.-2.4 assume as
suas funções, em caso de morte ou impedimento permanente do PR, “o CEMGFA, ou quem se siga na
escola hierárquica militar” até à eleição do PR seguinte. Em D.-3.2-b) o poder de decisão do CR sobre a
68
do CR, é discutida com os partidos políticos. Segundo Vasco Lourenço, embora admita

dialogar, “e mesmo pequenas alterações,” o MFA não está disposto “a ceder nos pontos

essenciais237.” Na reunião de 2 abril Rosa Coutinho explica a Amaro da Costa do CDS

que o MFA não poderá garantir a segurança “das sedes, dos dirigentes e das reuniões”

dos partidos que não assinem o Pacto238. São dados aos partidos apenas dois dias para

enviar respostas escritas ao CR239.

Na sua resposta de 4 abril240 o PS tenta reduzir ao máximo os bloqueios à livre

ação dos deputados constituintes na altura da “votação da Constituição,” emendando o

“constitucionalidade das leis e outros diplomas legislativos” não tem “força obrigatória geral,” como terá
na versão final do I Pacto. Em D.-3.2-d) o CR não tem o poder de “exercer competência legislativa sobre
matérias de interesse nacional de resolução urgente, quando a AL ou o Governo não o puderem fazer.” O
poder do CR de propor emendas à Constituição (D.-3.2-e)), que na versão final do I Pacto passa a D.-3.2-
f) tem que ser aprovado por “maioria de dois terços do número total de deputados” (ver também D.-5.4). O
CR não tem o poder, que aparece em nova alínea na versão final (D.-3.2-m)) de “designar em caso de morte
ou impedimento do PR quem desempenhará interinamente as suas funções.” Em D.-4.1 o PR não tem que
ouvir “forças políticas ou partidos que entender por convenientes” aquando da sua escolha do PM ouvido
o CR. A AL não tem o poder de ratificar o estado de sítio declarado pelo PR após 30 dias (D.-5.3). Os
diplomas legislativos emanados da AL são obrigatoriamente aprovados após segunda votação se aprovados
por maioria de três quartos e não, como na versão final, dois terços dos deputados (D.-5.5, que passa a D.-
5.6 na versão final do I Pacto). Há uma cláusula que desaparece na versão final: “D.-4.5 A AL pode retirar
a confiança ao Governo, globalmente, ou a um ou mais dos seus membros, não o podendo porém fazer
separadamente aos ministros nomeados com a confiança do MFA” (cf. ANTT, Conselho da Revolução,
Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 31 março 1975, anexo C, pp. 1-9).
237
Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução… pp. 161-162.
238
Diogo Freitas do Amaral, O Antigo Regime e a Revolução... pp. 358-359.
239
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 163.
240
Na versão do I Pacto discutida da reunião do CR de 3 abril 1975 em A.-2 afirma-se que o CR tem os
poderes, para além de CE e JSN, de CCEMGFA. Em B.-1 continua a afirmar-se que o pluralismo político
necessita ser “compatível com a via socializante.” A comissão para acompanhamento dos trabalhos da
Constituinte permanece mista (C.-2). Em C.-5 continua a pôr-se a hipótese de alteração da composição do
GP fruto das eleições Constituintes. Em D.-1 o Governo continua a aparecer antes da AMFA. Não afirma
em D.-3.2 que a definição das “linhas gerais de política interna e externa” e sua vigilância a cabo do CR
necessita de estar “dentro do espírito da Constituição,” como afirmará na versão final. Em D.-3.2-b) o poder
de decisão sobre a “constitucionalidade das leis e outros diplomas legislativos” do CR continua a não ter
“força obrigatória geral.” Em D.-3.2-d) surge o antecedente desta alínea na versão final, embora com
articulado diferente: “exercer a competência legislativa sobre as matérias constantes da alínea anterior
quando o considere necessário e indispensável.” Surge a alínea D.-3.2-m) afirmando, diferentemente da
versão final, que o CR tem o poder de “designar em caso de morte ou impedimento do PR, qual dos seus
membros [do CR] desempenhará interinamente as suas funções.” Em D.-4.1 o PR não tem que ouvir “forças
políticas ou partidos que entender por convenientes” aquando da sua escolha do PM ouvido o CR. Em D.-
4.2 o Governo é “nomeado” pelo PR enquanto na versão final passa a ser “empossado” pelo PR. A AL não
tem o poder de ratificar o estado de sítio declarado pelo PR após 30 dias (D.-5.2 na versão final). Os
69
texto para que aluda apenas a que esta “se não afaste do espírito do PMFA, e do que fica

expresso” no I Pacto. Adverte para a inoperância de uma Comissão Mista MFA-Partidos

para acompanhamento dos trabalhos da Constituinte, que “poderia fazer arrastar os

trabalhos.” Não considera a AMFA um órgão de soberania, nem “uma Assembleia

paralela à Legislativa241.”

O PS daria ao Presidente da AL e não a um CR o lugar de PR interino. Discorda

de que “a definição das linhas gerais de política interna e externa” sejam tarefa do CR,

afirmando serem prerrogativa do Governo. Remeteria “a matéria de liberdades e

legislação eleitoral” para a AL. O PR deve decidir da dissolução da AL, ouvindo o CR e

os representantes dos partidos políticos com assento na mesma. A declaração de estado

de sítio da AL e não do CR242.

Os socialistas sugerem ainda que se remova a ingerência do CR na escolha do PM,

que passe a ser do PR “ouvidos os representantes dos partidos políticos representados na

AL.” Consideram que as prerrogativas de “propor e votar emendas à Constituição”

pertencem à AL representada em dois terços dos deputados em funções e não ao CR.

Aconselham que se retire a alusão à obrigatoriedade da compatibilidade do “pluralismo

diplomas legislativos emanados da AL são obrigatoriamente aprovados após segunda votação se aprovados
por maioria de três quartos e não, como na versão final, dois terços dos deputados (D.-5.5, que passa a D.-
5.6 na versão final do I Pacto). Em E.-2 vem estipulado que “a Constituição deverá consagrar os princípios
essenciais do PMFA,” que “aberta e irreversivelmente empenhou o país na via que o conduzirá ao
socialismo português,” enquanto na versão final: “a Constituição deverá consagrar os princípios do MFA,”
que “aberta e irreversivelmente, empenhou o país na via original para um socialismo português” (cf. Ibidem,
Reunião de 3 abril 1975, anexo G, pp. 1-13).
241
Maria Inácia Rezola, 25 de abril: Mitos... pp. 155-156. Não dispomos de fontes relativas às respostas
dos outros partidos para esta última fase das negociações.
242
Ibidem, p. 156.
70
político” com “a via socializante,” e que se estipule que a Constituinte é “plenamente

soberana em tudo o que disser respeito às liberdades públicas e suas garantias243.”

Na última ronda de negociações, após o CR apresentar versão atualizada do Pacto

em 9 abril à noite, são dadas aos partidos escassas horas para responder, “até às 17h00 de

10 abril244.”

Sobre o conteúdo do I Pacto MFA/Partidos assinado em 11 abril 1975

O I Pacto MFA-Partidos representa a materialização dos «catorze pontos» que a

CCPMFA discutira internamente em 21 fevereiro antes de se fazer representar em reunião

com os partidos políticos. Escasseiam os pontos que não obtiveram resposta ou que

acabaram metamorfoseados no produto final. Exemplos seriam a exigência de que o

Governo dependesse do PR e não da AL (ponto 7), acabando por ficar politicamente

responsável perante ambos (D.-4.4) ou que se definisse logo a data de entrada em vigor

da nova Constituição (ponto 9), o que não se verificou245.

Desta forma o I Pacto configurou o sistema de governo que permitiu aos

gonçalvistas assegurar que poderiam avançar com as reformas que possibilitassem a

transição de Portugal para uma economia planificada com os meios de produção

socializados e que o império fosse entregue aos grupos marxistas-leninistas, caindo na

243
Ibidem, pp. 156-157. Na sua resposta o CDS rejeita a “revolução socialista,” reunindo-se então com o
CR em 7 abril emendando o articulado para que aluda à construção de um “socialismo português” (cf.
Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 360-362). Entre outras, esta alteração do articulado não foi despicienda,
mitigando o “elemento doutrinário” do I Pacto (cf. Jorge Miranda, A Constituição… p. 21).
244
Maria Inácia Rezola, Os militares na Revolução... p. 167.
245
Consultar os «catorze pontos» do C20 no Anexo 7.
71
órbita soviética246. Dentro desta linha de raciocínio também foi visto como benéfico

enfraquecer o Parlamento, baluarte da legitimidade demo-representativa, que se poderia

opor ao caminho económico projetado247.

Para alcançar tais objetivos era imperioso que o MFA pudesse ter uma intervenção

controladora sobre a atividade legislativa da AL e do Governo (ponto 2) que respeitasse

à política económica, às liberdades e direitos, à defesa nacional e às relações externas.

Esta intervenção controladora foi obtida através dos poderes de sanção legislativa de

diplomas emanados daqueles órgãos de soberania do CR (D.-3.2-a.-1), 2), 3), 4)) e da

necessidade de autorização do CR para o PR fazer a guerra ou a paz e declarar estados de

emergência (D.-3.2-H, K). Embora não viesse nos «catorze pontos», o enfraquecimento

da AL estava subjacente ao propósito de “desdramatizar as eleições248” e foi alcançado

através da institucionalização da AMFA como órgão de soberania.

O MFA ficava assim com dois órgãos constitucionais, o CR e a sua Assembleia.

Apenas duas propostas – a segunda gonçalvista sobre o sistema de governo do debate

interno do MFA e a do MDP/CDE na negociação com os partidos – haviam mencionado

um CS e uma AMFA. Em ambos se definiam os poderes daquele Conselho sem contudo

se deterem sobre os daquela Assembleia, não sendo considerada segunda câmara da

246
Note-se que o PS queria tudo isto também, embora não fosse favorável a dar uma posição tão forte ao
MFA como o PCP.
247
Veja-se a reação ao resultado fraco do PCP nas eleições constituintes de 25 abril 1975 da parte de Álvaro
Cunhal em audiência com o CR um mês depois do sufrágio: “Se não se retificarem os resultados do sufrágio
de 25 abril 1975 “nas zonas onde as populações deveriam ser esclarecidas...os futuros órgãos (incluindo a
Assembleia Constituinte (depois rabiscado e “Legislativa” escrito a caneta preta por cima)) podem ser
contra o processo revolucionário” (cf. ANTT, Atas, vol. 1 n.º1, Audiência aos PS e PCP/Reunião
Extraordinária de 23 maio 1975, p. 24).
248
I – Quadro Institucional... Consultar o Anexo 4.
72
AL249. A institucionalização do MFA exclusivamente numa Assembleia surgia na

resposta do CDS e no documento secreto de 21 janeiro250. Com exceção deste documento,

todas as outras propostas internas estudadas para o presente trabalho institucionalizavam

o MFA num órgão colegial251.

No sistema bicameral parlamentar do I Pacto o MFA participa no Colégio

Eleitoral que elege o PR, não podendo simplesmente propor o seu candidato252.

Consequentemente os poderes presidencialistas deste são esvaziados em favor do CR253.

O CR pronunciar-se-ia sobre a escolha do PM junto do PR (D.-3.2-I)), tendo o PM que

propor os membros do Governo ao PR que os empossaria (D.-4.2). O PM decidiria sobre

os membros do Governo a exonerar (D.-2.2-d)). O PR dissolveria a AL sob deliberação

do CR (D.-2.2-e, 3.2.-J)). O PR interino seria designado pelo CR (D.-2.4) que também se

pronunciaria sobre a impossibilidade física do PR (D.-3.2.-L)). Para fazer a guerra, a paz,

249
Na segunda proposta gonçalvista, no estudo da forma de eleição do PR, que não fica definida, a segunda
alternativa é o PR ser “eleito pela AL e pela AMFA, constituídas em órgão colegial”. Mais adiante nesse
documento vem referido que o CR “responde perante a AMFA.” Na proposta do MDP/CDE vem escrito
que o CSR seria “emanação da AMFA” (cf. Parecer do MDP/CDE... p. 1; Consultar o Anexo 5 do presente
trabalho para a segunda proposta gonçalvista).
250
Ver o Senado do MFA proposto pelo CDS em Resposta do CDS... pp. 4-5 e a AMFA a institucionalizar
no documento secreto de 21 janeiro em I – Quadro Institucional... (Consultar Anexo 4).
251
Devido a limitações de espaço e tempo, e por considerarmos que o alargamento do debate no meio
militar não influenciou decisivamente o produto final, sendo que a chefia do MFA se encontrava no C20,
não considerámos as dez outras propostas (pasta «Institucionalização do MFA», docs. 7, 12, 14, 16, 19, 20,
21, 22, 30, 37).
252
Que constava do documento secreto de 21 janeiro: o Pacto “deverá incluir uma cláusula no sentido de
que o primeiro PR a eleger seja proposto pelo MFA,” comprometendo-se os partidos a apoiá-lo (cf. I –
Quadro Institucional... (Consultar Anexo 4 – veja-se no segundo organigrama deste anexo, que estuda a
eleição direta, como o MFA queria controlar o PR). Solução que também tinha sido aceite pelo MDP/CDE
e pelo PS quanto ao ponto 5 do PR ser “da confiança” do MFA (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, p. 120).
253
Deixando assim o PR de ser um polo importante do poder do MFA, talvez seja esta a razão de o MFA
ter deixado cair a exigência que constava dos «catorze pontos» de que o Governo fosse responsável
exclusivamente perante o chefe do Estado.

73
ou declarar estados de emergência o PR necessitaria da autorização do CR (D.-3.2.-H),

K)).

Com o intuito de garantir que a nova Constituição estivesse em harmonia com o

PMFA (ponto 3) no I Pacto foi estabelecida a criação de uma Comissão do MFA para

supervisão dos trabalhos constituintes (C.-2). Advinda da sugestão do CDS da criação de

uma Comissão Mista MFA-Partidos254 e alterada de acordo com a observação do PS de

que essa sua composição mista tenderia a torná-la inoperante255. Ficou estipulado que a

Constituição seria promulgada pelo PR tendo o CR no entanto a última palavra (C.-3). O

CDS sugerira que fosse promulgada pelo PR256, e o MDP/CDE dera a ideia de o CSR dar

o parecer final257. Ainda neste âmbito foram dados ao CR poderes de juízo da

constitucionalidade das leis (D.-3.2-b)) e de propor à AL alterações à Constituição (D.-

3.2-F)).

A inclusão de ministros “da confiança do MFA” no Governo (D.-3.2-I)) ia de

encontro ao ponto 6/14258. Estes seriam os da Defesa, Administração Interna e

Planeamento Económico (D.-4.7). A oferta de “competência ministerial” ao CEMGFA,

vice-CEMGFA, e aos CEM dos três ramos inflacionava o número de ministros do MFA

254
Resposta do CDS... pp. 4-5.
255
Maria Inácia Rezola, 25 de Abril: Mitos... pp. 155-156. O MDP/CDE queria que o CSR tivesse esse
poder, e que a interpretação do PMFA à qual a Constituição deveria obedecer fosse de acordo com o seu
“espírito progressivo” (cf. Parecer do MDP/CDE... p. 1). Note-se que em apontamentos internos de Melo
Antunes datando de cerca novembro 1974 a ideia de um “grupo de trabalho” do MFA para acompanhar os
trabalhos constituintes já era considerada (cf. Documento s.d./a. Melo Antunes, Montagem dos mecanismos
de intervenção, novembro? 1974 – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 18, doc. 2). Esta ideia
também figura como uma das três opções compaginadas em artigo datando de 9 novembro 1974 do
Expresso (cf. David Castaño, Mário Soares… p. 241).
256
Resposta do CDS... p. 7.
257
Parecer do MDP/CDE... pp. 3-4.
258
Reunião da CCPMFA... p. 4.
74
para nove, e como o PM também necessitaria do aval do CR o total seria dez, ou seja 50%

do Gabinete, se considerarmos o IV GP como exemplo259. Este número elevado de

ministros do MFA e a influência do CSR na nomeação do PM tinham constado da

resposta do MDP/CDE260.

A manutenção da autonomia do poder militar do civil (ponto 1) durante o período

de transição ficou consumada (D.-6.5-3.), não se definindo a duração deste (ponto 8), que

se remeteu para a “nova Constituição,” estipulando-se apenas que seria de “entre três a

cinco anos” (B.-3.). A missão das FA (ponto 11) ficou definida, salientando-se que estas

seriam o “garante e motor do processo revolucionário261” (D.-6.5-3.6) e que participariam

no “desenvolvimento económico, social, cultural e político” do país (D.-6.5-3.7). O

MDP/CDE fora o único partido a defender que ao MFA também competiam “missões

cívicas...que dinamizem o processo de democratização do país262.” Os gonçalvistas

também queriam “conquistar para os ideais democráticos as largas camadas da população

mais atrasadas, principalmente no campo,” combatendo assim a “«cacicagem»

reacionária que facilmente as domina e conduz263.”

259
O IV GP tinha 21 ministros (cf. António José Telo, História Contemporânea... p. 128). Note-se que no
art. 20.º da Lei n.º3/74 ao CEMGFA era atribuída “categoria idêntica à do PM, sucedendo-lhe
imediatamente na hierarquia da função pública.” Quanto aos CEM dos três ramos “desempenharão todas
as funções que correspondiam, até 25 abril 1974, às dos ministros das pastas militares” (art. 21.º).
O MFA “deve ter no Governo ministros da sua confiança, competindo ao CSR indicar ao PR o nome do
260

PM e dos outros ministros referidos...O número desses ministros não deve ser inferior a 50% do total” (cf.
Parecer do MDP/CDE... p. 3).
261
A frase “MFA motor” já vinha escrita no documento original dos «catorze pontos» apontamento da
reunião interna de 21 fevereiro da CCPMFA (cf. Reunião da CCPMFA… folha 2 (p. 1)).
262
Parecer do MDP/CDE... p. 4.
263
Documento manuscrito s.d./a./t. – ANTT, Conselho da Revolução, n.º84, pasta «Pacto MFA-Partidos
parte 1», doc. 14, pp. 1, 5.
75
O I Pacto foi no entanto para além do necessário para cumprir os «catorze pontos.»

Foram dados mais poderes de controlo legislativo ao MFA. O CR ficou capacitado de

definir “orientações programáticas de política interna e externa” dentro do espírito da

Constituição e “velar pelo seu cumprimento” (D.-3.2-a)), regulamentar a atividade

política, sobretudo a “relativa a atos eleitorais” (D.-3.2-c)-5)), exercer a competência

legislativa sobre “matérias de interesse nacional de resolução urgente” quando a AL ou o

Governo não o pudessem fazer (D.-3.2-D)), vigiar “pelo cumprimento das leis ordinárias

e apreciar os atos do Governo ou da Administração” (D.-3.2-E)), e exercer o exclusivo da

competência legislativa em matéria militar (D.-3.2-G)).

Igualmente não foram dados ao MFA outros poderes que haviam constado das

propostas mais radicais no seu debate interno. O MFA não ficou com o poder de votar a

confiança ao Governo, destituir o PR, ou da sua Assembleia, fazendo parte do Parlamento,

poder realizar reuniões secretas264. O PR não ficou com o poder presidencialista de

presidir ao Conselho de Ministros quando entendesse265. Ao MFA não foi dado o poder

de ser consultado obrigatoriamente para a exoneração do Governo pelo PR266. Também

não foi dado ao MFA o poder de vetar ou sancionar toda a legislação dimanada pelo

Governo267.

264
Os poderes de votar a confiança ao Governo e de realizar reuniões secretas haviam sido sugeridos nas
propostas constantes dos dois documentos secretos (cf. I – Quadro Institucional...; Projeto de
Institucionalização do MFA, Cad. I… O poder de destituir o PR consta da segunda. Consultar Anexos 4 e
5.
265
O poder do PR de presidir ao Conselho de Ministros também consta do último documento citado.
Consultar o Anexo 6. Mediante referenda ministerial o PR já possuíra este poder de acordo com os arts. 7.º
5.º e 8.º da Lei n.º 3/74.
266
Tópicos para futura Constituição... p. 6. Consultar o Anexo 6.
267
Proposta para a Institucionalização... p. 4. Consultar o Anexo 2.
76
Por último mencione-se que na versão final do I Pacto ficou estipulado que as

eleições que se aproximavam visavam eleger exclusivamente a AC e não alterar a

composição do GP. Este foi ponto pelo qual como referimos em capítulo anterior apenas

o CDS lutou na negociação com o MFA, embora na prática será o PS a liderar o esforço

no sentido de se fazer repercutir no Governo o resultado eleitoral268. O CR pretendia-se

ainda, de acordo com este Pacto, “fiscal da constitucionalidade material das normas

jurídicas (em vez dos tribunais, como sucedia desde 1911)269.”

Conclusão

Se as coincidências, como terem sido vistas camionetas às 8h00 a carregar panfletos à

porta da sede nacional do PCP para distribuir à população na sequência do golpe, ou de

às 9h30 já se encontrar no EMFA o ministro do Trabalho ligado ao PCP, não fossem

suficientes, abundam os motivos porque beneficiou à extrema-esquerda o 11 março270.

Os gonçalvistas tinham-se queixado de ser “demasiado grande o número de pessoas

erradas” nas estruturas do MFA271. Queriam a institucionalização num CSR chefiado por

oficiais da sua ala radical que dominasse o sistema político272. Foi o que sucedeu273.

268
O que não deixa de ser irónico, considerando que Mário Soares afirmara, em outubro 1974, ao Expresso,
que “a coligação que compunha o Governo deveria ser mantida até às eleições e que, mesmo depois, não
via razões para alterar a coligação, «se a conjuntura política de então permitir que nós continuemos nela»”
(cf. David Castaño, Mário Soares… pp. 199, 240).
269
Jorge Miranda, A Constituição… pp. 22-23.
270
Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 299 rodapé 3, 353.
271
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 99.
272
Carlos Gaspar, ‘O processo constitucional e a estabilidade do regime,’ in Análise Social, Vol. XXV
(105-106), 1990, pp. 11-12.
273
Quanto ao poder do CR veja-se o facto de à sua reunião de 10 abril 1975 terem acorrido os ministros do
Planeamento e Coordenação Económica, Trabalho, Indústria, Transportes e Comunicações, Agricultura, e
Comércio Externo do recém-empossado IV GP para apresentarem os respetivos projetos e propostas para
77
O CSR que vinha sendo defendido pelos gonçalvistas é muito semelhante àquele

proposto pelo MDP/CDE nos primeiros dias de março, e ao que consta da Lei n.º 5/75274.

O PPES de Melo Antunes ainda dividia o MFA em Assembleia uma semana antes do

golpe, por não ir longe o suficiente em matéria de nacionalizações e ocupações de

terras275. Comandado pela ala radical o MFA permite que a descolonização de Angola

favoreça o MPLA. Resolve-se a cisão entre os moderados e os gonçalvistas, que se unem

de novo sob a direção dos últimos “perante o inimigo comum276.”

Tanto pelo tempo que foi dado aos partidos para sugerirem alterações como pela

afirmação de Vasco Lourenço de que o MFA aceitaria apenas “pequenas alterações” e

não aos “pontos essenciais” e a ameaça velada de Rosa Coutinho ao CDS fica claro que

depois de 11 março os partidos não tiveram influência praticamente nenhuma no

documento final277. Este acabou por ser da autoria do MFA (e dentro deste da Esquerda

a sua legislatura (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 10 abril 1975, p. 2). Ou
de na sua reunião de 17 abril o PR ter afirmado que “havia concedido audiência a representantes de 100
empresas que lhe pediram...contactos com o CR a fim de expor os seus problemas e sugestões” (cf. Ibidem,
Reunião de 17 abril 1975, p. 2). Veja-se como nesta reunião de 17 abril o CR promulgou, através do PR,
leis relativas à constituição e formação do GP, à responsabilidade política do GP, às competências do GP,
do Conselho de Ministros, à execução da política do GP, e à regulamentação e funcionamento do Conselho
de Ministros (cf. Ibidem, anexo F, pp. 1-7). O CR decide na sua reunião de 7 maio 1975 formar grupo de
trabalho que também inclui Rosa Coutinho, Pinto Soares e Vasco Lourenço para dialogar com os
“dirigentes dos partidos da coligação” por forma a ir mantendo o CR “permanentemente informado sobre
a situação política do País” (cf. Ibidem, Reunião de 7 maio 1975, pp. 5-6). Na mesma reunião é promulgado
diploma em que se estipula que na eventualidade de “impedimento temporário” de um “CEM de qualquer
dos ramos das FA...será aquele substituído” por um membro do CR (cf. Ibidem, Reunião de 7 maio 1975,
anexo B). Saliente-se que a partir pelo menos de março 1976 o CR passa a ter, na dependência dos seus
Serviços de Apoio, um Serviço de “Vigilância Económica e Social” que muda de nome em julho 1976 para
“Gabinete Económico-Social” (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Correspondência, vol. 23 n.º 109).
274
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 123 nota de rodapé 282, 134-135, 140-141.
275
Eduardo Dinis de Almeida, op cit, p. 303; António José Telo, op cit, pp. 105-106.
276
Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 227.
277
Veja-se como, com exceção de o pluralismo político ter deixado de ser obrigatoriamente compatível
com a via socializante e de se ter removido a participação de políticos civis na comissão do MFA para
acompanhamento dos trabalhos constituintes, todas as sugestões do PS constantes da sua resposta de 4 abril
foram ignoradas (cf. Maria Inácia Rezola, 25 de abril: Mitos... pp. 155-157). Quanto ao CDS, conseguiu
que se alterasse “dinâmica revolucionária que aberta e irreversivelmente empenhou o país numa via
78
Militar comunista278), e imposto aos partidos279. Uma comparação das respostas dos

partidos na primeira ronda negocial com os preceitos inscritos no I Pacto mostra que as

sugestões do MDP/CDE foram as principais a ser tidas em conta, seguidas das do PS e

do CDS. O PPD teve um impacto irrisório no processo.

O MFA institucionalizado no CR e na AMFA saía deste I Pacto como formidável

adversário dos partidos políticos no sistema de governo transitório. Através do CR o MFA

podia dissolver a AL, detinha o “exclusivo do conhecimento da inconstitucionalidade,”

“definia as orientações programáticas da política,” “possuía competência legislativa

concorrente com a da AL e do Governo,” para além de poder sancionar uma vasta gama

de diplomas, detendo ainda o exclusivo da competência legislativa em matéria militar280.

Esvaziando o PR dos seus poderes presidencialistas281, e controlando 50% dos ministros,

socializante” para “via original para um socialismo português” (cf. Anexo 8 e Diogo Freitas do Amaral, op
cit, pp. 360-362). Ver ainda Jorge Miranda, A Constituição… p. 21.
278
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I, p. 188. O I Pacto representou “um compromisso
possível, entre a linha político-militar que defendia a realização de eleições livres para a AC e a linha mais
«revolucionária» que reclamava para os órgãos do MFA uma interferência direta na condução dos destinos
políticos do país” (cf. Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… p. 235).
279
O “projeto constituinte” elaborado pelo MFA “será apresentado aos partidos políticos...da
coligação...que” aceitem a “construção de um estado democrático e antimonopolista (MDP-CDE),”
comprometendo-se “a respeitá-lo e a fazê-lo seu não apresentando esses partidos projetos próprios.” E
ainda, o “«acordo constitucional» vinculativo dos partidos” diz respeito à “estrutura orgânica da
Constituição (órgãos de soberania),” os partidos podendo apresentar propostas autónomas “quanto à parte
ideológico-programática da lei fundamental” (cf. I – Quadro Institucional… Consultar o Anexo 4).
280
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I... pp. 191-192.
281
Como sejam poder presidir ao Conselho de Ministros, mesmo que mediante referenda ministerial, ou de
o Governo ser-lhe politicamente dependente, poderes de que usufruía desde 14 maio 1974 e a Lei n.º3/74
(arts. 7.º 5.º e 8.º, tal como o 15.º).
79
o CR/MFA acabava detendo poder executivo282. Assumia poderes de CE283, JSN, e

CCEMFA. As propostas internas moderadas eram assim ignoradas284.

282
Na medida em que entre os conselheiros da revolução se encontrava o chefe – se militar – do Governo,
cujos poderes haviam sido aumentados aquando da crise Palma Carlos (ver art. 2.º 3. da Lei n.º5/75. Para
o aumento dos poderes do PM ver Lei n.º5/74 de 12 julho 1974).
283
Note-se que desde 14 maio 1974 e a Lei n.º3/74 que os poderes de CE incluíam em si poderes de Tribunal
Constitucional (ver por exemplo o art. 13.º 3.º), embora com I Pacto aqueles poderes, para o CR, foram
robustecidos, como explica Jorge Miranda (cf. Jorge Miranda, A Constituição… pp. 22-23).
284
Ver as propostas moderadas Institucionalização do MFA... e Tópicos para futura Constituição...
(Consultar Anexos 3 e 6). Embora não tenha sido dissecada para este trabalho, a proposta de Hugo dos
Santos, que rejeita um CS ou um Senado do MFA, e propõe em vez disso um CE de composição mista,
apesar de aconselhar uma vigilância antidemocrática da AC, possui um espírito moderado (cf. Hugo dos
Santos, Institucionalização do MFA, s.d. – ANTT, Conselho da Revolução, n.º84, pasta
«Institucionalização do MFA», doc. 20).
80
Projeto de Ação Política do Conselho da Revolução, Documento-Guia da
Aliança Povo-MFA, e Diretório: “Verão Quente” e ultrapassagem gonçalvista do
I Pacto

Campanha eleitoral à Constituinte

Cerca de uma semana antes da assinatura do I Pacto MFA-Partidos o MFA anunciara o

início do período de campanha eleitoral. Durante este período, 2–25 abril 1975, nem todos

os partidos políticos usufruíram das mesmas facilidades. Depois de 11 março ocorrera

nova vaga de prisões extrajudiciais de uma série de personalidades detentoras de capital

ou conotadas com a direita285. Assim lotavam-se as celas do forte de Caxias enquanto se

mantinham proibidas as atividades do PNP, MFP-PP, PL, MAP, MPP, e, devido à suposta

implicação do seu secretário-geral Sanches Osório no 11 março, o PDC286.

Os militares levaram ainda a cabo uma série de manobras em benefício do PCP

durante a campanha eleitoral, e em detrimento de partidos como PPM e CDS287.

285
José Manuel Espírito Santo, Rui Moreira e Jorge de Mello, entre outros, foram presos. Gonçalo Ribeiro
Telles foi incomodado vendo a sua herdade ocupada, seu filho sendo quase enforcado pela multidão
invasora. Fernando Mascarenhas, marquês da Fronteira, viu a sua herdade ocupada e casa fechada e selada
pela GNR. Outros, como o banqueiro Artur Santos Silva, foram impedidos de viajar sem licença (cf. Leonor
Xavier, Portugal: Tempo de Paixão... pp. 83, 106-107, 135-136, 147-149, 160-162). Ver ainda Diogo
Freitas do Amaral, O Antigo Regime e a Revolução… pp. 386-388, 399. Segundo Paradela de Abreu haveria
cerca de 4,000 cidadãos presos por motivos espúrios no verão de 1975, tendo ao todo fugido, sido
reprimidos, ou sido presos 40,000 (cf. Manuel Amaro Bernardo, Memórias da Revolução... p. 480;
Waldemar Paradela de Abreu, Do 25 de Abril... p. 111). Ver ainda sobre as prisões após o 11 de março, que
envolveram torturas e quase chegaram a fuzilamentos: Maria João da Câmara, Sanches Osório... pp. 209-
210 e nota de rodapé 26, 236.
286
Sanches Osório nada sabia sobre o golpe de 11 março (Maria João da Câmara, op cit, pp. 213-215).
Sobre o Partido de Democracia Cristã antes de Sanches Osório, ver p. 186 nota de rodapé 10. Sobre a
doutrina do partido ver pp. 187-200. O PDC afirmava-se antimarxista, anticapitalista, contra o direito
ilimitado à propriedade privada e a luta de classes. O fecho daqueles partidos foi a corporização de uma
estratégia de “delimitação do centro político” no sistema partidário (cf. Documento manuscrito – Costa
Correia, MFA: Movimento de Transição, julho/agosto 1975 – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134
pasta 26, doc. 1, folha 8 (p. 3)).
287
Josep Sánchez Cervelló, A revolução portuguesa... pp. 230-231. O MFA já planeara em documento
secreto interno datado de 21 janeiro 1975 ter uma participação ativa na campanha eleitoral em defesa do
seu programa e indiretamente em apoio dos partidos firmantes do acordo. Não beneficiou todos igualmente
81
Posteriormente, conhecendo sondagens que davam aos seus partidos prediletos resultados

pouco abonatórios, decidiram “nos dias anteriores ao escrutínio...minimizá-lo, e...fazer

campanha pelo voto em branco,” que a Igreja condenou288. Paralelamente, os sociais-

democratas suecos “apoiaram o PS com formação sobre organização de grandes

manifestações, mobilização do eleitorado,” e “orquestração de campanhas de imprensa.”

De forma semelhante, o partido social-democrata alemão apoiou o PS e o PPD, e outros

partidos ajudaram o CDS289.

Eleições de 25 abril 1975

As eleições de 25 abril 1975 cifram-se pela vitória dos partidos defensores da democracia

representativa pluralista de tipo ocidental. O PS obtém cerca de 38% dos votos, o PPD

26%, e o CDS 7.6%. Em contrapartida, os partidos que pugnam por projetos de

democracia direta/“popular,” que na prática redundam em ditaduras totalitárias,

(cf. I – Quadro Institucional… Consultar o Anexo 4). Sobre as interferências do CR no período de


campanha eleitoral: ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 11 abril 1975, p. 5, tal
como anexos A, E, F, G, e H. Ver o Decreto n.º137-E/75 de 17 março: “Considerando que de entre eles se
salientaram, pela sua ação perturbadora e antidemocrática, o PDC, o MRPP e a AOC. Nos termos do
disposto na LC n.º5/75 de 14 março, o CR decreta…: art. 1.º – 1. É suspensa a atividade política do PDC,
até à data das próximas eleições para a AC, às quais não poderá concorrer” (cf. ANTT, Conselho da
Revolução, Atas, vol. 3 n.º 3, Reunião de 8 março 1976, folha 14. Ver ainda as folhas 5-13, 15-26). Ver
também ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 5 n.º91, docs. 4, 5, 8 folhas 2-8, 9, 20 folhas 3-5 e 7-
12, 21, 22, 23, 24, 25, 26.
288
A maioria dos partidos de extrema-esquerda pôs em causa a “legitimidade e oportunidade das eleições”
ou tirou ao seu desfecho importância antes do dia do sufrágio (cf. Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 230-
231). O MFA internamente também já mostrara reservas às eleições se realizarem logo em Abril: “A
realidade atual...faz-nos crer que não estão reunidas todas as condições para a realização de eleições
indiscutivelmente livres: grandes massas populacionais encontram-se num lastimoso grau de
consciencialização política e por múltiplas formas (económicas, religiosas, culturais) dependentes de uma
«cacicagem» reacionária que facilmente as domina e conduz” (cf. Documento manuscrito s.d./a./t. – ANTT,
Conselho da Revolução, n.º84, pasta «Pacto MFA-Partidos parte 1», doc. 14, p. 1). Ver também Maria
Inácia Rezola, Os militares na Revolução... pp. 174-184. A 5ª DIV/EMGFA e “intelectuais ex-MES”
apoiaram o voto em branco (cf. Comunicado do Secretariado Nacional do PPD, 27 novembro 1975 –
ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 5, pp. 2-3).
289
Bernardino Gomes & Tiago Moreira de Sá, Carlucci vs. Kissinger... pp. 294-296.
82
conseguem um total de 20.6% dos votos: PCP 12%, MDP 4%, FSP 1%, MES 1%, UDP

0.8%, FEC 0.6%, PUP 0.2%, LCI290 0.2%. Salientem-se ainda os 7% de votos em branco,

denotando o fracasso da tentativa de sabotar o processo eleitoral de certos setores do MFA

e da própria Comissão Nacional de Eleições291.

O MFA não compreendeu que os eleitores rejeitavam assim a sua intervenção de

“tutores” na vida política do país292. Os partidos que defenderam o sufrágio – PS, PPD e

CDS –, nos quais mais de 70% dos cidadãos haviam votado, já se haviam sujeitado,

através do Pacto, a um sistema de governo que dava ao MFA, através dos seus dois

“órgãos constitucionais,” poderes que rivalizavam os do GP e da AC que se iria formar.

As Constituintes tinham sido assim para os militares nada mais que a “ratificação da

revolução,” carimbando a sua ação interventiva293.

A vitória eleitoral dos partidos demo-parlamentares não foi suficiente para que a

estes fosse dado acesso proporcional à comunicação social, administração central e local.

Foi necessário concorrer na “capacidade de mobilização popular,” contestando o domínio

do PCP nas concentrações de rua294. Soares queria forçar a recomposição do Governo

290
Segundo o PRP-BR a Liga Comunista Internacionalista (LCI) é “muito ideológica, quase inexistente na
prática, e fundamentalmente formada por estudantes” (cf. SACR, A situação político-militar… p. 6).
291
Ver a este respeito o comportamento de Rosa Coutinho, Ramiro Correia, Correia Jesuíno, a Comissão
Dinamizadora Central do MFA, Otelo e a 5ª DIV/EMGFA, através do Boletim, em Maria Inácia Rezola,
op cit, pp. 181-184. Ver, quanto à CNE, David Castaño, Mário Soares... p. 285.
292 Mário Soares, Portugal: que Revolução?... p. 114.
293
I – Quadro Institucional... Consultar o Anexo 4. Ver também sobre o segundo relatório da Comissão
Política do CR “Perspetivas de evolução política” onde se afirma que o povo português, votando,
“ratificara...o pacto [MFA-Partidos],” dizendo que “sim ao MFA como motor e fiscal do processo
revolucionário,” in Maria Inácia Rezola, op cit, p. 209. Na reunião do CR de 10 Maio Costa Gomes
considera que o resultado eleitoral foi “um sucesso para o MFA” (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas,
vol. 1 n.º1, Reunião de 10 maio 1975, p. 5).
294
Diego Palacios Cerezales, op cit, p. 127. Segundo o PM Vasco Gonçalves “o resultado eleitoral” não
fora “favorável ao processo revolucionário” (cf. Ibidem, Reunião de 7 maio 1975, p. 3).
83
logo após as eleições, mas conteve-se por temer ser afastado pelo MFA do poder295. Em

30 abril o CR reconhece a Intersindical como confederação geral dos sindicatos

portugueses, legislando em abono da minoria contra a maioria do eleitorado296.

Afirmação da legitimidade eleitoral: 1 maio 1975

Em 1 maio 1974 Soares relata que decidira convocar uma manifestação separada para as

celebrações do Dia do Trabalhador por a Intersindical ser principalmente comunista.

Acabou por aceitar juntar-se aos comunistas, mas isso levou a que o seu discurso fosse

abafado pela entrada triunfal, encenada, de Cunhal na tribuna ladeado de um “marinheiro

e um soldado297.” Um ano depois o líder socialista esforça-se por manter o PS separado

do PCP nas celebrações no estádio para as quais o PPD e o CDS não tinham sido

convocados, mas sim partidos, como o MES e a FSP, que tinham obtido resultados muito

pouco expressivos nas eleições. Isto leva a que integre o final do cortejo e lhe seja vedado

acesso à tribuna e recurso à palavra298.

295
Maria João Avillez, Soares: Ditadura e Revolução, Círculo de Leitores, 1996, p. 425. Ver também, a
respeito da prudência de Soares, Maria João Avillez, Do Fundo... pp. 275-276.
296
Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 384. Ainda quanto à matéria da legitimidade da legislação refira-se
que foi a AMFA que em 11 e 12 março “impôs a nacionalização da banca e das companhias de seguros,” e
o CR que nessa altura anunciou expropriações de terras com mais de quinhentos hectares (cf. Kenneth
Maxwell, A Construção... pp. 131-132). Para uma boa descrição da distribuição geográfica do voto nos
principais partidos em 25 abril 1975 ver Kenneth Maxwell, op cit, pp. 134-135. Ver a lei que formalizou a
unicidade sindical em ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 24 abril 1975, anexo
H, e Reunião de 30 abril 1975, anexos A e B.
297
Maria João Avillez, Do Fundo... pp. 266-267; Maria João Avillez, Soares: Ditadura... pp. 275-276.
298
Ver o relatório do CR aos acontecimentos de 1 maio em Orlando Neves, A Revolução em Rutura: Textos
Históricos da Revolução, vol. II, Diabril, 1975, pp. 26-29. Ver ainda Marcelo Rebelo de Sousa, A Revolução
e o Nascimento do PPD, p. 424; Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 193-201. Soares havia ainda requerido ao
IV GP que fossem realizadas eleições autárquicas, sem sucesso (cf. Maria Manuela Cruzeiro, Vasco
Gonçalves: um general na revolução, Editorial Notícias, 3ª Ed., 2002, p. 188).
84
Em 2 maio Soares lidera uma manifestação de contestação à unicidade sindical e

aos incidentes do dia anterior e onde pela primeira vez aponta o inimigo como sendo o

PCP299. O PS já tentara organizar uma manifestação contra a unicidade sindical em finais

de janeiro, inícios de fevereiro 1975, mas “as ameaças de contramanifestação e boicote

por parte da Intersindical...levaram à sua suspensão...por parte das autoridades

militares300.” Ainda assim, os socialistas haviam realizado um comício em 16 janeiro

contra a unicidade sindical, perante uma “assistência de mais de dez mil pessoas301.”

Soares pretendia intrometer-se na “aliança direta” entre os militares mais radicais

e os trabalhadores, até então monopolizada em termos ideológicos pelo PCP e partidos

satélites. Não deixando de se dizer a favor da prossecução da revolução – das ocupações

de terras, “gestão” das empresas pelos trabalhadores302 –, e da proximidade ao MFA.

Afirma concordar que a via eleitoral não é omnipotente, e que o PS é “um partido de

massas…capaz de descer à rua,” e “das classes trabalhadoras.” As manobras de 1 e 2

maio resultam: o PCP em 5 maio e depois o CR em 7 maio mostram-se abertos ao diálogo.

Em debate televisivo em 11 maio Soares adota similar tom conciliador303. O líder

299
Maria João Avillez, Do Fundo... pp. 280-281. Este foi o primeiro momento em que se quebrou a
“muralha de aço” de medo conseguida pelas prisões sumárias e governo paralelo, “oculto” (cf. Leonor
Xavier, op cit, pp. 60, 75, 91, 94, 117, 136, 147-148, 152, 161, 172, 184, 219, 223, 229, 234-235; Diogo
Freitas do Amaral, op cit, p. 392). Ver ainda David Castaño, op cit, pp. 292-297.
300
Diego Palacios Cerezales, op cit, p. 124. Terá sido Salgado Zenha a incitar o PS a agir contra o PCP
nesta altura (cf. Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 557). Janeiro 1975 e a questão da unicidade também
foi a primeira vez em que a Igreja Católica se pronunciou abertamente contra o rumo dos acontecimentos
(cf. Kenneth Maxwell, op cit, p. 129). Note-se que o Expresso noticiara em 11 janeiro que havia “a
possibilidade de saída do Governo dos ministros socialistas e do PPD, caso vingasse a tese da unicidade
imposta por lei” (cf. Álvaro Guerra, Em defesa da liberdade de expressão... p. 9). Embora fossem
“contrários ao projeto lei apresentado...[o PS] não estav[a] a considerar, como parecia ser o caso do PPD,
abandonar o Governo” (cf. David Castaño, Mário Soares… pp. 247, 251).
301
David Castaño, Mário Soares… p. 252.
302
Que, recorde-se, eram estipulações que faziam parte do programa do PS (cf. David Castaño, Mário
Soares… pp. 85-87, 202).
303
Manuel Alegre afirma que o PS é a favor do prosseguimento da revolução e da proximidade ao MFA
em 3 maio, e Soares diz-se a favor da reforma agrária em declarações ao Diário de Notícias em 8 maio, e
85
socialista tornava assim mais fácil aos setores do MFA menos vanguardistas

desvincularem-se da linha gonçalvista304.

Caso República

Com a nacionalização da banca em março 1975 a maioria da indústria privada portuguesa

passara para a alçada do Estado. Ao tomar controlo da banca, este assumiu o controlo

financeiro de muitos dos meios de comunicação social305. Deram-se mudanças nas

direções dos jornais, “acentuando-se a influência do PCP na imprensa estatizada, que se

passa a caracterizar por um tom propagandístico e monolítico306.”

que o PS é das classes trabalhadoras em 9 maio (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 194, 203-204, 206-
207).
304
Como disse Martins Guerreiro, em maio 1975 todos os conselheiros da revolução eram gonçalvistas,
mesmo que não apoiassem todos o PM: “até maio, até ao PAP, entre nós não há divisões” (cf. Sara Ribeiro,
O caso República... pp. 54-55 (XII-XIII)). Segundo Costa Gomes em junho a corrente principal no MFA
seria a que pugnava por uma democracia pluralista de tipo ocidental europeu e as outras estariam
“francamente divididas” (Maria Manuela Cruzeiro, Costa Gomes... pp. 369-371), semelhante ao
testemunho de Vasco Lourenço, que afirma que “como se verificou depois, [Melo Antunes] era talvez o
único de nós que tinha uma conceção estratégica política” (Maria Manuela Cruzeiro, Vasco Lourenço - do
interior da revolução, Âncora Editora, 2009, p. 221), no entanto Rosa Coutinho afirma que em 29 abril só
existiam duas correntes, “uma mais próxima do socialismo dos países da Europa de Leste, a outra atraída
por uma via neutralista, autogestionária.” A afirmação de Melo Antunes de que nessa mesma altura já
existiam três correntes, uma soviética, outra por uma “terceira via” indefinida e a sua, “ocidental,” confirma
o que dissera Martins Guerreiro, que a corrente ocidental estaria ainda “na cabeça do Melo Antunes” (cf.
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 236; Sara Ribeiro, op cit, p. 56 (XIV)). Terá sido Soares, associando os
gonçalvistas ao PCP, e poluindo a imagem do CR/MFA internacionalmente, a abrir o caminho para Melo
Antunes se demarcar claramente daquelas outras duas correntes, a burocrática e a autogestionária.
305
Kenneth Maxwell, op cit, p. 132. Passaram para o setor público o Diário de Notícias, Jornal do
Comércio, Comércio do Porto, A Capital, O Século, e o Estado passou também a controlar o Diário de
Lisboa. Ficavam no privado o Expresso, República, Primeiro de Janeiro e Jornal Novo (cf. Sara Ribeiro,
op cit, pp. 13, 60). Ver ainda sobre os jornais detidos pelo Estado: ANTT, Conselho da Revolução, Atas,
vol. 2 n.º2, Reunião de 27 novembro 1975, anexo B, p. 1.
306
Vasco Lourenço: “O República era, na altura, quase o único jornal de uma área menos de esquerda. Era
da área do PS e para a direita não havia...”; Sousa e Castro: “O PC controlava boa parte da comunicação
social” (cf. Sara Ribeiro, op cit, pp. 4, 13, 45, 57). O PCP teria operado uma “viragem tática” no seu VII
Congresso em 20 outubro 1974, o controlo de uma “vasta gama” de órgãos de comunicação social sendo
um dos seus objetivos a partir dessa altura (cf. José Medeiros Ferreira, ‘A luta institucional num Portugal
em transe,’op cit, p. 256). Ver ainda Bernardino Gomes et al, op cit, p. 214. Temiam-se as comissões de
trabalhadores (na imprensa, usualmente tipógrafos) e a vigilância revolucionária, praticando-se na prática
uma espécie de censura prévia do politicamente correto (cf. Maria João da Câmara, op cit, p. 218).
86
O República tinha sido um dos poucos jornais de oposição ao Estado Novo, com

uma linha de orientação próxima do PS desde 1968. Em 1972, sob a chefia de Raúl Rêgo,

os jornalistas eram socialistas e comunistas e a tipografia principalmente afeta à extrema-

esquerda. Depois de 11 março 1975 aumenta a contestação pelos tipógrafos da orientação

socialista do jornal. Organizam-se numa Comissão de Trabalhadores (“CT”), e procuram

sem sucesso apoio do PCP para uma “ação de luta.” Queriam conduzir os destinos da

empresa, participar na sua gestão, e influenciar a orientação editorial do jornal. Avistam-

se então na sede do PRP-BR, que lhes providencia armas e orientação. Em 19 maio o

pessoal da redação é sequestrado no primeiro andar pela Comissão, com os tipógrafos

barricados no rés-do-chão. Esta exige a demissão da chefia, selecionando um diretor

interino e imprimindo uma “edição pirata” do jornal307.

Mário Soares protesta aquele sequestro junto de Vasco Gonçalves, Costa Gomes,

e Otelo, sendo ignorado. Convoca então uma manifestação para a Rua da Misericórdia

onde, sem saber exatamente quem estava por detrás da ação, se gritam palavras de ordem

anti-PCP. Acorre ao local o ministro da Comunicação Social, comandante Correia

Jesuíno, e embora afirme que o jornal é para devolver à administração, e que se os

tipógrafos estavam descontentes deviam procurar trabalho noutro lugar, nada faz. Já de

noite, evacuam-se os tipógrafos e jornalistas e são seladas as instalações, o jornal sendo

encerrado308.

307
Como Isabel do Carmo não especificou, tal como para o caso Rádio Renascença, não se sabe o momento
exato em que os trabalhadores revoltosos foram armados pelo seu partido (cf. Sara Ribeiro, op cit, pp. 5-7,
21-22, 25, 44, 57-65). Raúl Rêgo foi um dos fundadores do PS em 1973. A CT era composta por membros
da LUAR, UDP, PCP e PRP-BR. Ver também Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 212-219 e Maria Manuela
Cruzeiro, Vasco Gonçalves... pp. 168-172.
308
Sara Ribeiro, op cit, pp. 7-9, 17, 43, 59, 65; Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… p. 242.
87
Os ministros socialistas no IV GP recusam-se a comparecer ao Conselho de

Ministros enquanto não for resolvido o contencioso no República. O PCP aproveita para

afirmar que se o “sistema de coligação” está em causa, também deixa de fazer sentido a

AC, “eleita na base do” I Pacto. Soares convoca outra manifestação para 22 maio.

Chegado o dia convoca conferência de imprensa onde ameaça o CR com o abandono do

executivo, dizendo os seus ministros serem alvo de “perseguições e discriminações.” No

dia seguinte, a seu pedido, é convocado, às 15h30, para audiência junto do CR309.

Nesta audiência Soares denuncia a influência excessiva do PCP no MFA, e

clarifica os pontos em que o seu partido – que não tinha vocação de “partido único” – se

destaca do comunista relativamente à revolução. Relata as dificuldades do acesso dos

socialistas à comunicação social, dominada pelos comunistas – tal como os sindicatos,

autarquias e aparelhos do Estado. Queixa-se ainda de ter pouca influência no IV GP e do

controlo opaco exercido pelo CR sobre o executivo. Critica as Comissões de Moradores

(“CM”) gerindo as ocupações irregulares de casas e “milícias armadas a proliferar310.”

Soares desenvolvera amizade próxima com o embaixador americano Frank

Carlucci que chegara a Lisboa em janeiro 1975. A ideia de o PS sair do IV GP como

forma de exibir a sua falta de representatividade – seguia uma linha de orientação

309
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 215-221. Ver ainda ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1,
Reunião de 21 maio 1975, p. 6 e Audiência aos PS e PCP/Reunião Extraordinária de 23 maio 1975, p. 1.
Note-se que antes desta audiência o PS já vinha fazendo esforços no sentido de denunciar práticas
antidemocráticas do PCP, p. ex. relativamente à atuação da direção sindical do Sindicato dos Metalúrgicos
de Aveiro, em meados de maio 1975, entre outros: ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 5 n.º91, doc.
1, folhas 44-47. Quanto ao aproveitamento do PCP da ausência dos ministros do PS das reuniões do
Conselho de Ministros: David Castaño, Mário Soares… p. 302.
310
ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Audiência aos PS e PCP/Reunião Extraordinária de
23 maio 1975, pp. 1-20; Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 221-223. Ver testemunho de conselheiro da
revolução Martins Guerreiro quanto a esta audiência in Sara Ribeiro, op cit, pp. 23-24, 51-56.
88
comunista311 – levando à sua recomposição em conformidade com os resultados

eleitorais, desinflando a perceção do poder do PCP, diminuindo o seu acesso à maquinaria

do Governo, teria sido de Herbert Okun, o deputy chief of mission da Embaixada dirigida

por Carlucci, “muito próximo de Vernon Walters [CIA]312.”

O caso tem considerável repercussão no estrangeiro, Soares conseguindo tornar o

PS indispensável para a aceitação internacional do MFA, passando a sua presença no GP

a ser vista pelos militares como fundamental. Então, o PS encontra-se com o CR em 30

maio, chegando-se a consenso313. Soares condiciona o regresso dos ministros socialistas

à entrega do jornal aos administradores, e ao afastamento dos trabalhadores

insatisfeitos314.

Embora querendo solucionar o diferendo, o CR nunca aceita o despedimento dos

trabalhadores queixosos, dificultando futuras rondas negociais. Acresce que Otelo,

influenciado por Isabel do Carmo, defende as reivindicações dos trabalhadores. Depois

de duas tentativas abortivas de entrega por parte do CR do jornal à administração em 12

e 16 junho, em 18 junho o COPCON entrega-o à CT. O CR ainda exige uma última ronda

311
Segundo Correia Jesuíno (cf. Sara Ribeiro, op cit, p. 49).
312
Bernardino Gomes et al, op cit, pp. 59 nota de rodapé 67, 122, 142-143, 258. Carlucci providenciava
preciosas informações vindas das secretas americanas a Soares. Note-se que no seu Relatório Semanal de
Informações referente ao período 7-14 julho o SDCI afirma: “Mantem-se um fluxo de bagagem com destino
à embaixada dos EUA (rotulada de artigos domésticos e outros) que se considera despropositado e suspeito
atendendo a que esta já se encontra instalada” (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 12 n.º98, doc.
6 folha 5 (p. 4)).
313
Ver ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião Extraordinária de 30 maio 1975, pp. 1-
20.
314
Como diz Costa Gomes, Soares tinha ligações com Mitterrand, o PSF e a comunicação social francesa
que ajudaram à divulgação do caso (cf. Maria Manuela Cruzeiro, Costa Gomes..., pp. 358-359). Maria
Inácia Rezola, op cit, pp. 228-230; Sara Ribeiro, op cit, pp. 19, 25. Vasco Gonçalves em reunião da NATO
em 27 maio em Bruxelas é acossado por diversos políticos estrangeiros sobre o caso (Maria Manuela
Cruzeiro, Vasco Gonçalves…, pp. 171-172). Soares tinha conseguido pôr em causa a legitimidade do MFA
enquanto defensor das “liberdades democráticas” (ver comunicado do CR de 22 maio 1975 em Orlando
Neves, op cit, p. 37).
89
de negociações, mas, protegida pelo COPCON, a Comissão prevalece, tomando em mãos

a publicação do jornal em 8 julho315.

Contraofensiva da legitimidade revolucionária: o Documento-Guia

Os conselheiros da revolução da linha gonçalvista estavam mais amenos à sugestão dada

por Álvaro Cunhal na audiência que lhe foi concedida na noite de 23 para 24 maio depois

de Soares da constituição de um governo militar, dispensando-se os partidos, sendo que

estes, devido ao processo eleitoral, se encontravam agora em conflito com o processo

revolucionário. O líder comunista pedia armas para os seus militantes, afirmando que as

liberdades não são para todos e a AC, resultado de eleições ilegítimas em certas regiões

devido à ignorância das massas influenciadas, podia “aprovar moções relativas à política

interna” que ultrapassassem o I Pacto316.

A proposta de Cunhal da constituição de um governo militar é discutida nas

AMFA de 19 e 26 maio. Nestas assembleias discute-se a possibilidade de armar milícias

civis e, “em alternativa, a formação dos Conselhos Revolucionários de Trabalhadores,

Soldados e Marinheiros (“CRTSM”) ou Conselhos de Defesa da Revolução (“CDR”).”

A função dos CDR seria a de “enquadrar parapolicialmente a população de cada aldeia,

315
Sara Ribeiro, op cit, pp. 10-11, 35, 57, 63, 66. Vejam-se os comunicados emitidos pelo COPCON em
16 e 18 junho relativos às tentativas abortivas de reabertura do jornal em Orlando Neves, op cit, pp. 56-59.
316
ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Audiência aos PS e PCP/Reunião Extraordinária de
23 maio 1975, pp. 21-29; Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 225-227. Um regime de “amplas liberdades” era
incompatível com o “domínio de grupos monopolistas e latifundiários;” “liberdades para aqueles que as
respeitem, não para quem conspira” (cf. David Castaño, Mário Soares… pp. 307-308). Veja-se como as
afirmações de um deputado comunista de outro partido eram semelhantes: a Constituição era para garantir
“toda a liberdade para o povo se organizar e lutar,” mas também para retirar “todas as liberdades aos
fascistas” (cf. Américo Duarte (UDP) na 1ª Sessão, 3 junho 1975 – Diários... p. 164 e na 6ª Sessão, 17
junho: “queremos uma Constituição que garanta toda a liberdade para o povo se organizar e lutar, e que
retire todas as liberdades aos fascistas, impedindo-os de se reorganizarem em partidos” p. 252).
90
bairro ou empresa.” São também apresentados os primeiros esboços do que viria a ser o

Poder Popular – Documento-Guia da Aliança Povo-MFA317.

Influenciado por Proudhon e inspirado na URSS, o Documento-Guia suprimia o

papel dos partidos políticos, sobrepondo-se ao sistema de governo acordado com estes no

Pacto. Visava organizar a sociedade em cooperativas, comissões de aldeia, moradores,

trabalhadores, ligas de pequenos e médios agricultores, e outras organizações populares:

“sovietes” ou “comunas.” Estas participariam em Assembleias Populares Locais por

freguesia ou área a definir, enquadradas por sua vez por Assembleias Municipais,

Distritais, Regionais e enfim na Assembleia Nacional Popular. No topo da pirâmide

estava o CR318.

Estas organizações “unitárias de base” de caráter apartidário, fazendo uso de

procedimentos de votação por braço no ar, permitiriam, julgavam os autores da proposta,

uma prática de democracia direta, por contraposição à representativa. Estariam no entanto

sujeitas “a ser infiltradas por partidos minoritários, que assim” ganhariam “uma influência

política que por via eleitoral o povo mostrava não desejar319.”

317
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 241-246, 262, 275; Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 232-233; José
Freire Antunes, O Segredo do 25 de novembro... p. 78. Os CRTSM seriam do PRP-BR e os CDR do
PCP/MDP. O Documento-Guia foi acompanhado do “anúncio da criação de uma «organização unitária»
com o objetivo de «congregar militares de várias filiações partidárias e cidadãos não alinhados numa frente
apoiante e colaboradora da linha orientadora do MFA». Esta transformação não significaria
necessariamente o «fim dos partidos» mas implicaria uma remodelação do Governo, que passaria a ser
formado por «militares e tecnocratas»” (cf. Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… pp. 257-258).
318
Orlando Neves, op cit, pp. 48-54; Maria Inácia Rezola, op cit, p. 274; José Freire Antunes, op cit, p. 79.
O Documento-Guia representou compromisso entre a Esquerda Militar comunista e os militares do
COPCON da extrema-esquerda revolucionária (cf. Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… p. 192,
nota de rodapé 9). Dentro do CR “havia quem defendesse pura e simplesmente o afastamento dos «partidos
políticos de qualquer papel importante na vida pública portuguesa, com o argumento de que estariam a
interferir com a revolução social agora em curso»” (cf. Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… p.
258).
319
Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 393. Os autores da proposta seriam desconhecedores do célebre
artigo de Benjamin Constant que comprova a impossibilidade da realização da democracia direta nas
sociedades mercantis modernas para as quais a democracia representativa foi concebida (cf. Benjamin
91
Tentativa de conciliação das legitimidades revolucionária e eleitoral: o PAP-CR

Por enquanto a sugestão de Cunhal do governo militar mantém-se secreta. No final da

AMFA de 26 maio o MFA emite comunicado de uma recomendação ao CR criticando a

atuação do PS vista como contrária ao correto desenrolar do processo revolucionário. Esta

resolução sugeria, para suplantar o modelo de governo por coligação descrito como

“esgotado,” a formação de um governo “unitário-independente” integrando “militares do

MFA, civis sem filiação partidária e elementos filiados em partidos que colaborem sem

vinculação partidária320.”

Em 28 maio o PCP convoca uma manifestação de apoio ao CR com o MDP, FSP,

UIC e UEC de cerca de 100,000 pessoas. Nesse dia uma delegação do COPCON entrega

ao CR moção onde sugeria que lhe fosse dado o poder de dirigir “o processo de ligação

às estruturas populares e da revolução cultural,” diluindo-se o MFA nas massas populares.

Nesta proposta de criação de uma democracia “popular” os “membros da Assembleia”

seriam “eleitos diretamente pelas populações321.”

O esboço do Documento-Guia e a moção do COPCON são discutidos em retiro

da Comissão Política do CR no Alfeite em 13-21 junho. Debate-se se se deve seguir o

Constant, A liberdade dos antigos comparada à dos modernos, Edições Tenacitas, 2001). Um bom exemplo
de como, na prática, os trabalhadores não acabariam por deter o poder foi o que sucedeu com as ocupações
de terras no sul de Portugal (cf. Kenneth Maxwell, op cit, p. 139). Na reunião geral de trabalhadores da
RTP de 8 novembro 1974, à qual acorreram cerca de 110 trabalhadores, representando os 1,600
funcionários da Televisão, moção de censura, ignorando o discurso de Álvaro Guerra, seu Diretor Interino,
ao Departamento de Informação, passou com cerca de 65 votos (cf. Álvaro Guerra, Em defesa da
liberdade... pp. 15-20).
320
ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 5 n.º91, doc. 3, folha 5.
321
Esta moção do COPCON, cujo objetivo era tentar dar força a Otelo, representava apenas as unidades da
Região Militar de Lisboa (cf. Maria Manuela Cruzeiro, Vasco Lourenço..., p. 420). Maria Inácia Rezola,
op cit, pp. 249-252.
92
modelo soviético ou uma via original para o socialismo português. Durante este retiro,

em Lisboa o PRP-BR convoca manifestação com os seus CRTSM exigindo a imediata

dissolução da AC e a instauração de uma ditadura do proletariado322.

No retiro o modelo soviético é rejeitado, saindo dele nova proposta, uma

“refundação do PMFA:” o Projeto de Ação Política do CR323. O PAP-CR tentava uma

simbiose entre um projeto de democracia representativa pluralista em que se permitiam

partidos não-socialistas, embora a oposição não pudesse ser contra a construção da

sociedade socialista, e uma visão de democracia direta, em que os trabalhadores teriam o

poder de gerir as empresas e participar na administração pública, com os meios de

produção coletivizados e a comunicação social controlada pelo MFA. Tomava ainda uma

posição ambígua quanto às milícias armadas324. O PAP-CR obterá o consenso da maioria

das forças políticas portuguesas325.

Assembleia Constituinte

Em 28 maio Rosa Coutinho transmitia a vontade de Vasco Gonçalves que se adiasse a

abertura da AC até à resolução da crise política. Contudo, esta inicia os seus trabalhos em

322
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 253-256; José Freire Antunes, op cit, p. 56.
323
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 257. O PAP-CR foi da autoria de Rosa Coutinho, Vasco Lourenço, Melo
Antunes e Graça e Cunha (cf. Ibidem, p. 256).
324
“Não serão admitidas...organizações civis armadas...podendo...as organizações populares, por iniciativa
do...MFA e sob o seu controlo e enquadramento, virem a desempenhar, em caso de emergência nacional,
tarefas de autodefesa de objetivos vitais” (cf. Orlando Neves, op cit, pp. 17-26). Por isso o PCP se sente na
necessidade de afirmar a legitimidade dos seus CDR como cruciais para a defesa da revolução cimentando
a aliança entre o povo e o MFA em 27 junho (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, p. 260).
325
Ibidem, pp. 255-261. Note-se no entanto que em julho Vasco Lourenço irá defender o “fim da coligação
governamental” e a atribuição das pastas a “militares da cúpula do MFA” ou civis independentes (Ibidem,
pp. 296-297) e que em Maio já afirmara que era possível o “desaparecimento do papel fundamental dos
partidos” suplantado pelo “aparecimento de fortes ligações diretas entre o MFA e o povo” (Ibidem, p. 250).
93
2 junho. Tinha já sido acordado que estes seriam acompanhados por uma Comissão do

MFA, que, composta por quatro oficiais do Exército, dois da Marinha e dois da Força

Aérea, apresentaria sumários diários ao CR. Acresce que os militares queriam remunerar

os deputados “com meras senhas de presença,” portanto sem direito a subsídio, e que à

Constituinte não foram atribuídas as “competências legislativas e de fiscalização política

inerentes a um verdadeiro parlamento326.”

Rotura da legitimidade eleitoral com a legitimidade revolucionária

O CR revelava-se inoperante, não se conseguindo fazer obedecer pelo COPCON de

Otelo, levando à sua incapacidade de solucionar situações graves como as do jornal

República e da Rádio Renascença327. Passara maio e junho sonhando com esquemas para

a instauração de práticas de democracia direta/“popular” enquanto se perpetuava a crise

326
Manuel Braga da Cruz, O sistema político... pp. 59-60; Maria Inácia Rezola, op cit, p. 279.
Adicionalmente, o hemiciclo não estava “suficientemente dotado...de microfones,” dificultando o uso da
palavra pelos deputados “sem dificuldade...do seu lugar,” nem de “contínuos” ou funcionários auxiliares
(cf. Henrique Queirós de Barros na 1ª Sessão, 3 junho 1975 – Diários... p. 161). Note-se que as
competências restritas da AC haviam sido definidas na Lei n.º3/74, arts. 1.º e 2.º (cf. Jorge Miranda, A
Constituição… pp. 76-77, 89-91, e sobre o subsídio 222 nota de rodapé 14). Luís Catarino (MDP) achava
que a “definição dos direitos, regalias e honras dos deputados e do presidente” no Regimento tinha uma
“amplitude excessiva” legalmente inoportuna, pois que transformariam “a Assembleia num palco de
exibição parlamentar.” Américo Duarte (UDP) queria que o ordenado de um deputado fosse “equivalente
ao salário médio de um operário da indústria” (cf. Diários… pp. 219, 222).
327
A independência da Rádio Renascença, Emissora Católica entre as maiores estações de rádio
portuguesas, foi sendo crescentemente posta em causa em 1975, levando no “Verão Quente” o Episcopado
a avisar que se as instalações da estação se mantivessem ocupadas ilegalmente por grupos de extrema-
esquerda, com o apoio do COPCON, ocorreria uma rutura entre a Igreja e o Estado no país. Após confronto
violento em manifestação entre estes elementos e católicos em junho, multiplicam-se ações contra sedes da
extrema-esquerda no Norte. Ver, sobre este caso: Nelson Costa Ribeiro, ‘A Rádio Renascença na transição
do regime: do 25 de abril ao 25 de novembro,’ in Lusitania Sacra, 2ª série, 12, 2000.
94
de Estado com a apropriação do vazio do poder por milícias armadas e outros órgãos

pretensamente apartidários como as CM e CT, ocupando casas e empresas328.

Na AMFA de 8 julho são aprovados o PAP-CR e o Documento-Guia, o segundo

representando uma rejeição do sistema de governo acordado com os partidos políticos

signatários do I Pacto. Então Mário Soares avança com a saída do PS do IV GP, em 10

julho, tornando pública a sua rutura com o MFA gonçalvista329. O PCP apoia o

Documento-Guia330, iniciando-se no mesmo dia uma vaga de manifestações nesse sentido

e contra a AC. Em 17 julho Emídio Guerreiro, que assumira a liderança do PPD em maio

após o adoecimento de Sá Carneiro em fevereiro, aceita retirar os seus ministros do

executivo331.

328
A tese do vazio do poder preenchido pelos órgãos representativos de democracia direta/“popular” é de
Cerezales: Diego Palacios Cerezales, op cit, pp. 51-77. A prática de armar civis iniciara-se em 28 setembro
1974 (cf. António Maria Pereira, A burla do 28 de setembro... pp. 125-127, 219). Repetir-se-ia em 11 março
1975, e segundo Paradela de Abreu em fevereiro 1975 havia em Lisboa grupos anticomunistas armados (cf.
Ricardo Noronha, ‘Anatomia de um golpe...’ pp. 82, 85; Waldemar Paradela de Abreu, op cit, p. 80). “Não
houve partido durante o ‘Verão Quente’ que não armasse as suas milícias privadas à custa do Exército” (cf.
José Freire Antunes, op cit, pp. 178-179; Maria João da Câmara, op cit, p. 227). Ver ainda Richard A. H.
Robinson, ‘Do CDS ao CDS-PP: o Partido do Centro Democrático Social e o seu papel na política
portuguesa,’ in Análise Social, vol. xxxi (138), 1996 (4º), p. 959. Sobre a inoperância do CR ver Maria
Inácia Rezola, Os Militares na Revolução... pp. 321, 323 e Melo Antunes... p. 291.
329
O PS divulgou um longo comunicado criticando a aprovação do Documento-Guia por ser oposto ao
PMFA e ao Pacto MFA-Partidos, e que levaria à ditadura (cf. Amadeu Garcia dos Santos et al,
Apontamentos políticos… pp. 25-26). Veja-se ainda a análise feita pelo SDCI no seu Relatório Semanal
referente ao período 7-14 julho 1975, na rúbrica Atividades Políticas/Religiosas/Educação: “A decisão de
saída do PS do Governo foi tomada...imediatamente” a “seguir à divulgação do projeto saído da AMFA”
(cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 12 n.º98, doc. 6 folha 3 (p. 2)). O mesmo Relatório
acrescenta: “...eles [direção do PS] estavam convencidos de que o PR tinha compreendido a luta deles e
que não os poderia trair. Daí que...tenham apoiado, na manifestação de fins de junho, o PR.” E ainda: “Os
Partidos (PS+PPD+CDS), depois da aprovação do Documento-Guia da AMFA, deixaram de centrar as suas
baterias sobre o modelo de socialismo a adotar para passarem a pôr em causa a existência do próprio MFA”
(folhas 3-4 (pp. 2-3)).
330
Ver o que Cunhal diz em entrevista a Oriana Falacci e ao jornal cubano Granma sobre esta matéria em
Amadeu Garcia dos Santos et al, op cit, p. 26.
331
José Freire Antunes, op cit, pp. 56, 79-80. Emídio Guerreiro terá inicialmente tergiversado, influenciado
por Jorge Sá Borges (ver Marcelo Rebelo de Sousa, A Revolução e o Nascimento do PPD... pp. 609, 673-
674; Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 235-237). Sobre Emídio Guerreiro ver Diogo Freitas do Amaral,
op cit, p. 387 e Waldemar Paradela de Abreu, op cit, p. 60. A manifestação de 10 julho é convocada pela
Intersindical, controlada pelo PCP (cf. Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução... p. 278). Vejam-
se os discursos proferidos por Vasco Gonçalves e Costa Gomes nesta manifestação em Orlando Neves, op
95
A consumação da rutura com o MFA dá-se em duas estrondosas manifestações

convocadas pelo PS. Ao estilo de 28 setembro o PCP tenta bloquear a primeira a realizar-

se no Estádio das Antas, no Porto, em 18 julho. Contudo militantes socialistas desfazem

as barricadas comunistas à entrada da cidade. Defronte de 50,000 pessoas Soares desafia

abertamente o “enorme PCP,” a “enorme Intersindical,” que “não passam de tigres de

papel,” e “não metem medo aos nossos filhos.” No dia seguinte, na Fonte Luminosa,

Soares acusa o PM de ser comunista, e 200,000 pessoas clamam: “Vasco [Gonçalves]

para a rua!” De novo o PCP falhara – alertando o COPCON para uma “marcha sobre

Lisboa” – tentando que barricadas impedissem a sua realização332.

Ataques às sedes do PCP

A multiplicação de assaltos às sedes do PCP principalmente no Norte e Centro de Portugal

durante o “Verão Quente” coube a uma coligação entre Waldemar Paradela de Abreu, o

engenheiro Jorge Jardim, e Sanches Osório – autores do Plano Maria da Fonte –, a Igreja

Católica, com destaque para o arcebispo de Braga, D. Francisco Maria da Silva, e,

pontualmente, o MDLP333. Ao todo, mais de sessenta sedes do PCP, sindicatos e extrema-

cit, pp. 60-62. Nas manifestações também participam CT, tal como militantes do MDP, MES, LCI, UDP,
LUAR, PRP e PRT (cf. Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 235).
A primeira vez que se gritara “O povo não está com o MFA!” fora na manifestação socialista de 15 julho
332

em Alcântara (cf. José Freire Antunes, op cit, pp. 81-83). Soares tivera que voar para o Porto com Vítor
Cunha Rego pois o sindicato dos ferroviários, para “cortar o passo à reação,” como Cunhal pedira,
ameaçava fazer greve (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 296, 299-300). Ver ainda Diogo Freitas do
Amaral, op cit, pp. 406-409; Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 236.
333
Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 479-500; Maria João da Câmara, op cit, pp. 238-239, 242-248.
Sobre a forma rocambolesca como D. Francisco foi alistado para a causa pp. 240-241. A primeira ação “a
sério” terá sido em 11 agosto contra a sede do PCP de Braga. Em finais de outubro 1975 o MDLP ter-se-á
aliado ao Grupo dos Nove para neutralizar o Movimento Maria da Fonte (cf. Waldemar Paradela de Abreu,
op cit, pp. 160-161; Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 481). Sobre as ações do ELP, que já teria núcleos
atuando aquando da chegada de Paradela e dos populares, ver José Freire Antunes, op cit, pp. 131-139;
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 413, 447-448; Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 237-238; Manuel Amaro
96
esquerda – FSP, MDP, UDP, MES, PRP, LUAR, LCI – foram cercadas e assaltadas por

grupos que chegaram a juntar mais de 3,000 pessoas. Outras cinquenta sedes foram objeto

de ataques bombistas, saques noturnos e fogo-posto. Os assaltos vitoriosos implicavam a

tomada da sede e a defenestração dos documentos, propaganda e mobiliário. Estas ações,

que foram apoiadas por “todas as forças políticas desde os socialistas até à direita,

maioritários nos distritos do Centro e Norte,” foram importantes para abrir fissuras no

poder político-militar gonçalvista, contribuindo para “reforçar a esquerda moderada334.”

Diretório

Na prática o CR já se desviara do sistema de governo do I Pacto quando, como parte de

reestruturação interna, em 20 junho colocara o GP sob sua direta dependência335. Vasco

Gonçalves e Rosa Coutinho haviam proposto sistemas de governo do CR por Diretório

na cúpula em discussão interna em 23 junho, que haviam sido rejeitados336. Em 17 julho

Marques Júnior apresenta uma proposta segundo a qual o CR delegaria os seus poderes

num triunvirato constituído por Otelo, Costa Gomes e Vasco Gonçalves que se reuniria e

Bernardo, op cit, p. 482. O Movimento de Libertação de Portugal (MDLP) foi um grupo armado
anticomunista montado em Madrid em torno do general Spínola. Ver, sobre o MDLP: Maria José Tíscar, A
Contrarrevolução no 25 de abril... pp. 179-189; Guilherme Alpoim Calvão, De Conakry ao MDLP... pp.
146-153; Riccardo Marchi, ‘MDLP,’ in António Reis, Maria Inácia Rezola & Paula Borges Santos,
Dicionário de História de Portugal: o 25 de Abril, I Volume, Figueirinhas, 2016).
334
Diego Palacios Cerezales, op cit, p. 141; Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 238, 244-245.
335
Ver ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 20 junho 1975, anexo A, pp. 1-7
(folhas 1-3, 1-4).
336
Ver Ibidem, Reunião de 21 junho 1975, anexos A, B, C, D e E.
97
formularia uma linha de ação comum, e os conselheiros que não concordassem com ela

teriam de demitir-se337.

À AMFA de 25 julho não compareceram Melo Antunes, Vítor Alves, Vítor

Crespo, Costa Neves e Sousa e Castro. Os cinco encontravam-se reunidos no MNE

simultaneamente ao decorrer dos trabalhos da AMFA. O Diretório tem o seu primeiro

encontro em 31 julho338.

V GP e a desagregação política do MFA

Em 31 julho o PR encontrava-se em Helsínquia, tendo faltado à primeira reunião do

Diretório. Aí Costa Gomes é pressionado pelo chefe do governo britânico, Harold Wilson,

e pelo chanceler da RFA, Helmut Schmidt339, no sentido de recompor o Governo

Provisório e afastar Vasco Gonçalves. Brejnev, que vinha sendo acossado por líderes

ingleses, alemães, e agora o secretário de Estado americano, também se avista com Costa

Gomes para lhe avisar que não apoia um regime comunista em Portugal. O PR regressa

determinado a formar novo executivo com a máxima celeridade340.

337
Segundo Freire Antunes a decisão do CR de delegar poderes num triunvirato teria sido tomada em 16
julho (cf. José Freire Antunes, op cit, p. 112). Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 265-267, 298, 310-311.
338
A moção para a detenção dos cinco teria vindo de Varela Gomes, do PCP (cf. José Freire Antunes, op
cit, p. 113). Segundo Otelo a partir de 31 julho o resto do CR ter-se-á tornado num Estado-maior
apresentando reportes à troika, que passou a tomar as decisões (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 315,
318-319, 328). Ver também Maria Manuela Cruzeiro, Vasco Gonçalves…, p. 193; Josep Sánchez Cervelló,
op cit, p. 238. Segundo Álvaro Cunhal, ao constituir o Diretório o MFA estava a “decapitar-se,” desprovido
de “direção homogénea” (cf. Raquel Varela, ‘O PCP e a Esquerda Militar,’ in Revista Ler História, n.º63,
2012, pp. 49-73). Os elementos que compunham o Diretório nunca foram capazes de constituir uma equipa
(cf. Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… p. 265).
339
Na sua conversa mantida com Helmut Schmidt, Costa Gomes referiu-se ao PS e ao PCP como sendo os
dois partidos mais representativos em Portugal (cf. Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… p.
270).
340
Bernardino Gomes et al, op cit, pp. 262-264, 272-274; Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 335, 345. A
questão da influência das negociações conducentes à détente na postura de Moscovo é mencionada em
98
Os cinco que haviam faltado à Assembleia de 25 julho e Vasco Lourenço estavam

unidos de forma circunstancial em oposição a Vasco Gonçalves, embora tivessem pouca

coesão ideológica entre si. Teria de ser o Diretório a compor o novo elenco governativo.

Influenciado por Lourenço, Otelo faz saber a Gonçalves que perdeu a confiança do

COPCON, que não o quer como PM341. Em 4 agosto Costa Gomes decide organizar

reunião para discutir quem deveria ser PM do V GP “com a presença de mais de duzentos

oficiais,” sondando assim a popularidade de Gonçalves. A “esmagadora maioria dos

presentes” apoia-o. Os gonçalvistas ainda dominavam partes importantes do aparelho

político-militar. Vasco Lourenço e Mário Soares, em 6 e 7 agosto, respetivamente,

exortam Costa Gomes a não empossar o novo executivo, sem sucesso342.

O V Governo toma posse em 8 agosto 1975, um dia depois da divulgação do

Documento dos Nove. Este manifesto do grupo que se começava a formar em torno de

Melo Antunes – grupo que é consequentemente suspenso do CR – era um ataque ao

gonçalvismo. A “ditadura burocrática...totalitária,” é incompatível com o melo-

antunismo, que aceita partidos políticos desde que apoiem a transformação da sociedade

portuguesa abolindo classes sociais. Rejeita ainda o anarco-populismo do COPCON que

leva à “dissolução do Estado.” Na prática, então, considerando que o V GP era chefiado

Boletim Semanal de Informações de 1 julho 1975 do SDCI (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol.
12 n.º98, doc. 17 folha 3) e no BSI de 8 julho 1975 do SDCI (cf. Ibidem, doc. 16 folha 4).
341
Refira-se que já na reunião do CR de 21 julho Costa Gomes detivera-se sobre a vontade do PS de que o
governo seguinte ao IV fosse de “salvação nacional,” ou seja com o consenso da maioria do país, que
desejava “socialismo democrático” e não “totalitário.” Por estes motivos o PS considerava essencial a
substituição de Vasco Gonçalves como PM, sendo que este se identificava com o “socialismo totalitário,”
que provavelmente levaria “a grande maioria da população para a oposição,” impondo os socialistas como
condição para sua participação do executivo seguinte a substituição do PM (cf. ANTT, Conselho da
Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 21 julho, p. 4). Sobre o apelo de Otelo a Vasco Gonçalves, ver:
Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… pp. 284-285).
342
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 308-309, 322-326, 343-345; Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa
Gomes… pp. 274-277.
99
por Gonçalves, a este era retirada a confiança de quase metade do CR logo à partida. No

discurso de tomada de posse Costa Gomes refere que o V GP é para ser “transitório343.”

Uma semana depois, em 13 agosto, Otelo toma posição com a Autocrítica

Revolucionária do COPCON. Afirma-se contra o processo eleitoral e a favor do

Documento-Guia no sentido em que elogia as comissões ad hoc e as múltiplas

assembleias culminando na Assembleia Nacional Popular. Também é favorável à

“democratização das FA” para os militares poderem “debater livremente os seus

problemas de classe.” Lamenta que as campanhas de dinamização tenham sido um

desastre e critica a conquista das autarquias como parte dos desígnios hegemónicos do

PCP/MDP344.

Com base de apoio restrita, o V Governo era composto quase exclusivamente por

comunistas, configurando o governo de “independentes” e militares progressistas por que

Cunhal vinha clamando desde maio345. Soares aproveita o Documento dos Nove para

formar aliança tática com Melo Antunes. Os Nove tentam, visto Otelo ser crítico do

gonçalvismo, unir forças com o comandante do COPCON. Antunes redige documento de

posições políticas conjunto, depois apresentado a Costa Gomes em 19 agosto346. A 5ª

343
Orlando Neves, op cit, pp. 98-103, 106; Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 345, 349.
344
Orlando Neves, op cit, pp. 109-117; Isabel do Carmo terá influenciado a redação deste documento (cf.
José Freire Antunes, op cit, p. 159). Sobre o projeto político do COPCON ver ainda Diego Palacios
Cerezales, op cit, p. 99.
345
O único senão quanto ao projeto de Cunhal relativamente ao V Governo era o facto de não ter o apoio
de Otelo e do COPCON (cf. Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 424-425). Veja-se a composição do V GP
em António José Telo, História Contemporânea... pp. 150 e ss.
346
Trata-se do Plano Político do MFA. Repete o ataque à fação gonçalvista de vanguarda burocrática, o
apelo à formação de um bloco social (desde que não inclua os detentores dos “grandes meios de produção”)
para a transição para o socialismo, a subalternização da iniciativa privada, a rejeição do capitalismo social-
democrata, a necessidade de coexistência das formas de organização de base do movimento popular
(havendo o perigo destas serem manipuladas por vanguardas dirigistas) com as instituições de democracia
representativa. A novidade é na proposta de um conjunto de medidas concretas que em boa parte são um
guião para o que o Grupo dos Nove, em sintonia com o Grupo Militar, irá fazer: dissolução da
5ªDIV/EMGFA, remodelação proporcional aos três ramos da AMFA, reorganização do CR, dissolução do
100
DIV/EMGFA, aliada dos gonçalvistas, apoiando o Documento do COPCON também

tenta trazer Otelo para o seu lado na RML, onde o Documento dos Nove não obtivera

aceitação. Soares prepara manifestações contra o V GP, dirigindo-se ao Paço de Belém

clamando pela demissão de Vasco Gonçalves e vários oficiais da RMN rebelam-se contra

o seu comandante, Eurico Corvacho, contestando o PM347.

A extrema-esquerda – UDP, MES, LUAR, PRP-BR, LCI, CMPL, OCMLP, PRT,

FSP, MDP e PCP – inicia uma campanha de pressão junto de Otelo para que “tome a

liderança das forças revolucionárias” organizando em 20 agosto manifestação de apoio

ao Documento do COPCON. No dia seguinte colapsam as negociações Nove-COPCON,

tendo a extrema-esquerda conseguido virar Otelo contra os Nove e os comunistas

convencido Costa Gomes de que as suas milícias armadas se lhe oporiam 348. Então os

Nove avançam para a formação do VI Governo sozinhos. Com vista à materialização do

COPCON. Difere na medida em que se mantém fiel ao I Pacto, e em que define o Governo a formar como
militar e apartidário, demonstrando também preocupação com a criação de um novo ordenamento jurídico
socialista tutelado pelo MFA, que será uma das atribuições do II Pacto. Saliente-se ainda a vontade de
reestruturação do SDCI, substituição das comissões administrativas das autarquias locais enquanto não
representativas, e a reorganização das forças militarizadas, que embora ponha o enfoque na GNR e PSP,
antevê de certa forma a criação do AMI (cf. Documento s.d/a. Plano Político do MFA – ANTT, Ernesto
Melo Antunes, caixa 18 pastas 1 ou 2. A versão original manuscrita deste documento pode ser consultada
na caixa 134 pasta 19, doc. 2, do mesmo Fundo)). Refira-se que a ideia de uma síntese documental Nove-
COPCON fora sugerida por Jean-Luc Masquelier em carta endereçada a Otelo em 14 agosto 1975 (cf.
Ibidem, caixa 134 pasta 13).
347
José Freire Antunes, op cit, pp. 159-160; Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 363-364, 367-369; Manuel
Amaro Bernardo, op cit, p. 541. Os Nove passaram a estar em frequente contacto com o corpo diplomático
dos EUA em Lisboa (cf. Bernardino Gomes et al, op cit, p. 282).
348
Ver composição do Governo “Carlos Fabião” que Melo Antunes preparava em: Documento manuscrito
s.d./a./t. – Melo Antunes, Organigrama do VI GP, agosto 1975 – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134
pasta 21 e nas folhas soltas manuscritas no final da caixa 134 pasta 26 do mesmo Fundo. Este GP nunca é
formado devido a ameaças de Álvaro Cunhal junto de Costa Gomes relativamente à “existência de grupos
armados” e a “facilidade que o [PCP] tem de acesso a armas”, apontando ao invés a vontade do PCP apoiar
o “binómio Pinheiro de Azevedo – Vasco Gonçalves” (cf. Documento manuscrito s.d./a./t. – Ibidem, caixa
134 pasta 26, doc. 4, p. 1). Na sua conversa com Carlucci mantida em 22 agosto Costa Gomes deu pistas
da chantagem de que vinha sendo vítima pelo PCP quando afirmou que era necessário manter os comunistas
no Governo em formação (VI GP) pois o “seu afastamento do Governo seria sinónimo de «violência, greves
e outras táticas disruptivas»” (cf. Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… pp. 285-286)
101
disposto no Documento-Guia em 24 agosto o PCP forma uma frente unida – FUR – com

MDP349, FSP, MES, LCI, LUAR, PRP e 1º de Maio. O facto desta se haver formado nas

instalações da 5ª DIV/EMGFA leva ao seu encerramento em 26 agosto. No dia seguinte

a FUR promove uma manifestação de apoio ao V GP e ao Documento do COPCON que

conta com a participação de mais de 100,000 pessoas350.

VI GP e a primeira tentativa de reposição da ordem democrática

Antes da tomada de posse do VI GP em 19 setembro Vasco Gonçalves é afastado sendo-

lhe proposto o cargo de CEMGFA que não aceita na última AMFA, boicotada por várias

unidades, que se realiza em 5 setembro em Tancos. Nessa Assembleia Costa Gomes

reconhece que o “povo já não aceita a condução do MFA.” O PCP, incapaz de controlar

a extrema-esquerda, sai da FUR em 4 setembro. Soares havia enviado cartas a Costa

Gomes impondo condições para a participação do PS no futuro Governo. Os Nove são

reintegrados no CR, acabando o Diretório351.

349
Segundo o MES, o MDP/CDE, dentro da FUR, “foi sempre um travão a qualquer desenvolvimento
revolucionário...defendendo posições bastante próximas das defendidas pelo PCP” (cf. SACR, A situação
político-militar... p. 7 – Ibidem, caixa 20 pasta 4).
350
As origens da ideia de uma frente unitária remontam a finais de julho (cf. Maria Inácia Rezola, op cit,
pp. 308-309, 372-373, 375-377; Maria Manuela Cruzeiro, Costa Gomes…, pp. 398-403). A 5ª
DIV/EMGFA também emitira comunicado em 25 agosto ameaçando prender os Nove, dizendo ter o apoio,
que não tinha, de Costa Gomes (cf. José Freire Antunes, op cit, pp. 161-163, 165). A FUR teria sido criada
para “atrair a força que emanava de Otelo” (cf. Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 242-243). Ver também
Avelino Rodrigues et al, Portugal depois de abril... pp. 238-239.
351
Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 240-241; Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 382-392; José Freire
Antunes, op cit, pp. 164-166, 169-173. Com o afastamento de Vasco Gonçalves em Tancos Costa Gomes
podia rejeitar a lista de elementos maioritariamente gonçalvistas escolhidos pelo CR para compor o futuro
GP. As condições tanto do PS como do PPD para participar no VI GP incluíam o “desalojamento das casas
ilegalmente ocupadas, desmantelamento das estruturas de «poder popular» que punham em causa a
governabilidade, assim como a substituição das comissões administrativas e dos governadores civis do
MDP que eram quem mais tinha colaborado” com as comissões de moradores (cf. Diego Palacios
Cerezales, op cit, p. 101; Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 399-400).
102
Para que o almirante Pinheiro de Azevedo aceite chefiar o novo executivo exige

que lhe seja dado o comando de uma força de intervenção independente do COPCON.

Concebido à volta do Regimento de Comandos da Amadora (“RCA”), cujo comandante,

Jaime Neves, Cunhal havia tentado sanear em finais de julho, é criado em 25 setembro o

Agrupamento Militar de Intervenção (“AMI”). No dia seguinte o COPCON não impede

que seja assaltada a Embaixada de Espanha352.

Em 18 setembro a extrema-esquerda – FUR, MES, MDP, PCP, PRT – e SUV’s353

manifestam-se pelo regresso de Vasco Gonçalves. São reestruturadas as assembleias dos

ramos das FA que, com exceção da Armada, beneficiam a linha dos Nove em detrimento

da gonçalvista. Substituem-se governadores civis, comissões administrativas das

câmaras, e responsáveis administrativos conotados com PCP/MDP. As iniciativas de

dinamização popular são suprimidas. Os gonçalvistas passam a estar em minoria no CR.

O SDCI continuará a ser dirigido por elementos gonçalvistas até 25 novembro354.

352
José Pinheiro de Azevedo, 25 de novembro... pp. 92-93; José Freire Antunes, op cit, pp. 117-126, 181;
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 330-332; Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 238-239; Manuel Amaro
Bernardo, op cit, pp. 369, 520.
353
Formados em 7 setembro 1975, os Soldados Unidos Vencerão (“SUV”) eram uma organização unitária
e clandestina de tipo sindical: “trabalhadores fardados,” que se apresenta como alternativa de esquerda ao
MFA dos Nove. Criados pelo PRP-BR, o PCP, após o logro da sua própria célula armada, a ARPE, apoia-
os discretamente, permitindo a sua rápida disseminação no Alentejo e em Setúbal. Os SUV impedem que
se desalojem pessoas que haviam ocupado habitações ilegalmente, e bloqueiam intervenções policiais. Em
termos de organizações partidárias armadas haveria ainda o RPAC do MRPP, e as Organizações de
Soldados e Marinheiros da UDP (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 414-415; Maria João Avillez, Soares...
p. 482; Diego Palacios Cerezales, op cit, p. 101; Josep Sánchez Cervelló, A revolução portuguesa... pp.
244, 247-248; José Freire Antunes, op cit, p. 189). Melo Antunes afirma na sua entrevista ao Nouvel
Observateur pouco antes de 25 novembro que “no interior do Exército há um plano...comunista – de
desorganização sistemática das estruturas. Ao mesmo tempo, pequenos grupos instalam-se nos postos-
chaves, nos lugares operacionais. São militares esquerdistas, e não os comunistas, que espalham a
propaganda contra o Exército “burguês,” e que formam os futuros grupos de ação pontual. Mas é o PCP
que estruturou o plano de conjunto e que tem mais interesse em que ele resulte – para lhe recolher mais
tarde os frutos” (cf. Comunicado do Secretariado Nacional do PPD... p. 5).
354
Muitas destas medidas faziam parte das condições impostas pelo PPD para participar no executivo.
Note-se que aquando do regresso de Sá Carneiro do hospital o PPD adota postura mais acutilante, apelando
à dissolução do MFA (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 396-402; Diego Palacios Cerezales, op cit, p.
183). Sobre os sistemas de informações em Portugal após o 25 abril ver María José Tíscar, op cit, pp. 143-
103
O domínio dos “centros de decisão” não foi suficiente para que os Nove

conseguissem controlar “as unidades militares e a «rua», campos privilegiados da ação

da «esquerda revolucionária», militar e civil355.”

Conclusão

O sistema de governo inscrito no I Pacto assinado em 11 abril 1975 começa a ser posto

em causa com a circulação nas AMFA de 19 e 26 maio dos primeiros esboços do

Documento-Guia, que cancela o papel dos partidos políticos. Seguem-se as

reestruturações do CR de 20 junho em que o GP passa a depender daquele órgão, e enfim

a constituição do Diretório em 30 julho. A aprovação na AMFA de 8 julho do Documento-

Guia representa a rejeição do acordado com os partidos, mostrando que a conceção de

Vasco Gonçalves de democracia era incompatível com a de PS, PPD e CDS356.

Como disse Mário Soares, em inícios de 1975 aqueles dois últimos partidos

tinham já sido “expelidos do processo,” o PPD pela proximidade de Sá Carneiro com

Spínola e a crise Palma Carlos, e o CDS por se afirmar abertamente não-socialista357.

Ciente de ser o derradeiro partido com potencial capital de influência junto dos militares,

149. O SDCI dispunha de um serviço de escutas telefónicas (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, p. 455). Ver,
quanto à criação do SDCI: ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 14 maio 1975,
anexo C.
355
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 407.
356
Vasco Gonçalves chamou ao Documento-Guia um “último esforço...para evitar a divisão dos
trabalhadores e da esquerda” (cf. Maria Manuela Cruzeiro, Vasco Gonçalves… p. 190).
357
Maria João Avillez, Do Fundo... pp. 275-276. O CDS não participou nos governos provisórios, e depois
da dissolução do Conselho de Estado após 11 março e a pilhagem das suas sedes a sua sobrevivência tornou-
se mais precária (cf. Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 236-237).
104
após a vitória eleitoral em 25 abril Soares tenta aproximar-se do MFA358 mas também

criar fissuras no gonçalvismo.

Ao afirmar ser o PS um partido das “classes trabalhadoras” e exibir a sua

capacidade de mobilização popular junto do MFA, mostrava haver outra força política

disposta a colaborar com os militares359. Mantinha também contactos com o Cardeal

Patriarca, para que aquele soubesse que o PS era igualmente a favor da liberdade de

expressão, e contra a rutura Igreja-Estado360. Desta forma, sob a capa das suas enormes

manifestações de meados de julho, se exprimiram pela primeira vez abertamente contra

o MFA uma pluralidade de forças à sua direita.

Os assaltos às sedes do PCP e satélites deram sinal adicional aos militares de que

o povo estava contra as utopias soviética e anarquista de Gonçalves e de Otelo. Então em

agosto Melo Antunes arrisca confrontar Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho361.

Contudo a formação do VI GP e conquista dos restantes centros de decisão como o CR

não são suficientes para aplacar a ameaça comunista.

358
David Castaño, Mário Soares… p. 303.
359
Daí que apareçam regularmente nas atas das reuniões do CR exemplos da vontade por parte de Costa
Gomes de se fazer uma aproximação entre PS e PCP, tendo Soares conseguido convencer o PR de que os
socialistas estavam “do lado da revolução” (cf., p. ex.: ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º 1,
Reunião de 21 julho 1975, p. 4; Reunião de 16 outubro 1975, p. 2).
360
Logo em 20 maio 1974 Soares havia quebrado o protocolo deslocando-se pessoalmente à nunciatura em
vez de receber o núncio apostólico nas Necessidades, para mostrar simbolicamente a sua vontade de obter
o apoio da Igreja para a consolidação democrática (cf. David Castaño, op cit, pp. 106, 314). Ver, sobre os
contactos que Soares manteve com D. António Ribeiro: Maria João da Câmara, op cit, pp- 237-238. Em
Relatório Semanal de Informações referente ao período 7-14 julho 1975 o SDCI, repescando linguagem
utilizada em comunicado do Conselho Permanente do Episcopado e comparando com a empregue no
comunicado do PS de condenação à resolução do CR do Caso República, descobre ser idêntica, detetando
assim coordenação entre Soares e o eng. Magalhães Crespo (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol.
12 n.º98, doc. 6 folha 4 (p. 3)).
361
Orlando Neves, op cit, pp. 99-100, 102.
105
25 novembro 1975, travagem do gonçalvismo e apelos à revisão do I Pacto

Formas de oposição da extrema-esquerda ao VI Governo

Perante a tentativa de repor a ordem na estrutura militar dos Nove, que consegue apoio

sobretudo entre a oficialidade, os gonçalvistas procuram aliciar os soldados. Apoiada pelo

PCP, restante extrema-esquerda e os SUV, entre 20-28 setembro a Associação de

Deficientes das Forças Armadas (“ADFA”) organiza manifestações que paralisam

Lisboa. Em 28 setembro deficientes com a colaboração de civis e de várias unidades

militares cercam com autocarros o paço de Belém onde se encontra reunido o Conselho

de Ministros, sendo necessário entrarem os Comandos com blindados para os resgatar362.

É durante o cerco da ADFA que o CR dissolve o RPM e cria o AMI, um segundo

COPCON, face à inoperância deste último363. Os operacionais desta unidade especial –

comandos, paras, fuzileiros e outros – dependem diretamente do PR e do CEMGFA.

Desempenham reforço da autoridade até à reintegração da PSP e GNR. O PCP afirma ser

o AMI um “organismo «suspeito.»” Pinheiro de Azevedo ordena a ocupação das

emissoras de rádio e TV, tentando pôr termo ao histerismo esquerdista. Em 29 setembro

nova manifestação da extrema-esquerda junto ao Ministério de Comunicação Social exige

que Otelo vá a Belém reclamar o poder. No dia seguinte manifestação convocada pelo PS

e PPD de apoio à “plataforma revolucionária” do VI Governo ao Rossio. O PS afirma que

362
Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 246; Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 408, 415-417; José Freire
Antunes, op cit, p. 182.
363
Ver, quanto à dissolução do Regimento de Polícia Militar e à criação do AMI: ANTT, Conselho da
Revolução, Atas, vol. 1 n.º1, Reunião de 25 setembro 1975, pp. 2-3; anexo B.
106
só assim se pode “salvar a revolução,” usando a linguagem da extrema-esquerda contra

ela364.

Em 30 setembro no RAL1 reunido com delegados das ADU e representantes de

CT de várias empresas Dinis de Almeida “conta espingardas” e já só com os militares

decide pela manutenção de um estado de alerta entre as Unidades progressistas do MFA.

Em 1 outubro tanto Rosa Coutinho como o PS fazem saber da existência de “golpes” em

preparação365. O Grupo Militar, encabeçado por Ramalho Eanes, testava cenários e

preparava resposta a uma eventual golpada da extrema-esquerda: “um plano defensivo de

operações militares366.” Nessa noite, temendo golpe, “a quase totalidade dos membros do

Governo e muitos oficiais superiores pernoitam fora das suas residências367.”

A caminho de 25 novembro 1975

Em finais de outubro, inícios e meados de novembro circulam novos rumores de um golpe

de Estado em gestação368. O permanente clima de desconfiança entre militares diminui a

364
O AMI destinava-se a intervir “apenas em situações críticas, extremas, e após terem sido esgotadas as
possibilidades de solucionar os problemas através do COPCON” (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 418-
419, 421-435). Avelino Rodrigues, op cit, pp. 244-246.
365
José Freire Antunes, op cit, pp. 239-240; Avelino Rodrigues, op cit, pp. 246-247, 258; Maria Inácia
Rezola, op cit, pp. 424-426.
366
Ver o plano de operações do Grupo Militar em José Freire Antunes, op cit, pp. 209-234.
367
O Grupo Militar, contra o MFA como órgão político-militar, havia sido formado em janeiro 1975,
relançado em maio e levado novo impulso em finais de junho. “Oficiais brilhantes e competentes do
Exército português, ...não tinham um único soldado por trás deles.” Incluía Ramalho Eanes, Hugo dos
Santos, Aurélio Trindade, Tomé Pinto, Rocha Vieira, Monteiro Pereira, Loureiro dos Santos, José Pimentel,
Andrade Moura, José Barroco, Garcia dos Santos e Alberto Ferreira (cf. Manuel Amaro Bernardo, op cit,
pp. 473, 506, 555). Maria Inácia Rezola, op cit, p. 428; Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 250; José Freire
Antunes, op cit, pp. 26, 87-103.
368
Sobre a “psicose golpista” de outubro-novembro ver José Freire Antunes, op cit, pp. 237-240 e Maria
Inácia Rezola, op cit, pp. 444-445, 454-455, 460-462; Marcelo Rebelo de Sousa, A Revolução e o
Nascimento do PPD, vol. II, Bertrand, 2000, p. 985; Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 260, 267-270.
107
capacidade de atuação das FA e limita o alcance da ação do Governo, impedindo a sua

consolidação do poder369.

Em 7 novembro o Governo e o CR decidem-se pela destruição dos emissores da

Rádio Renascença, que se encontravam ocupados pela extrema-esquerda370. Por forma a

não desgastar os Comandos, a operação é executada pela Companhia de Caçadores

Paraquedistas 121371. Resultante da operação, sargentos e praças paraquedistas deixam

de obedecer ao chefe da Força Aérea, o general Morais e Silva. Os sargentos e praças

revoltosos – cerca de 2,000 – colocam-se sob as ordens do COPCON, Otelo fornecendo-

lhes armas pesadas372.

Entretanto, com o beneplácito do PCP, agravam-se as contestações ao VI

Governo373. A 12 novembro durante greve de sindicatos dos trabalhadores da construção

369
Surge a Frente Militar Única (“FMU”), SUV da direita, “tida como próxima do Grupo dos Nove,” para
se opor às manobras do PCP dentro das casernas (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 447-448). Foram ainda
criados mais dois grupos fantasmas lançados à comunicação social por Aventino Teixeira, amigo de
Arnaldo Matos, dirigente do MRPP: a Frente Militar Antifascista e a Frente Militar Anti-Social-Fascista
(cf. José Freire Antunes, op cit, p. 204). Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 249; Avelino Rodrigues et al, op
cit, pp. 258, 268.
370
As organizações políticas de extrema-esquerda, com o controle das emissoras, incentivavam as massas
(cf. Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 507). A Rádio Renascença passara de novo para os radicais em 21
outubro, tendo dado “o seu contributo” ao saque da Embaixada de Espanha e incentivado os Deficientes
das FA na sua semana reivindicativa (cf. José Freire Antunes, op cit, p. 243). Ver ainda, sobre o
silenciamento da RR: ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º 2, Reunião de 6 novembro 1975, p.
2 e o comunicado do Conselho da Gerência da RR ao CR: ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 20 pasta 5.
371
Segundo Maria Rezola, a Operação Renascença coube a sessenta paraquedistas pertencentes ao AMI da
BETPT (cf. Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 452-453). Ver ainda Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 253-
254.
372
José Freire Antunes, op cit, pp. 204, 244-250, 269-270; Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 254; Manuel
Amaro Bernardo, op cit, pp. 518, 545, 596; Bernardino Gomes & Tiago Moreira de Sá, Carlucci vs.
Kissinger... p. 336; José Pinheiro de Azevedo, 25 de novembro... pp. 100-101; Maria Inácia Rezola, op cit,
pp. 453, 456-457; Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 261, 266-268; Luís Nuno Rodrigues, Francisco da
Costa Gomes, Museu da presidência da República, 2006, p. 93; Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 254.
373
Elementos da extrema-esquerda ocupam o gabinete do ministro do Trabalho na sua ausência, e piquetes
são montados no sentido de impedir a entrada no Ministério da Comunicação Social do Secretário de Estado
da Informação (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Comunicado da Reunião de 6
novembro 1975, p. 2; Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 450).
108
civil os 20,000 manifestantes cercam a AC, sequestrando deputados e chefe do Governo

durante 36 horas. Para que o cerco à Assembleia fosse levantado, Pinheiro de Azevedo é

obrigado a satisfazer várias das reivindicações sindicais. A recusa de proteção à

Constituinte pelo COPCON leva à definitiva rutura entre o PM e Otelo. Então, aventa-se

a hipótese da promoção de Otelo a vice-CEMGFA e sua substituição no comando da

RML por Vasco Lourenço374.

Após o cerco, temia-se a implantação da «comuna de Lisboa» mediante golpe

após manifestação que elementos do PCP em concerto com a FUR estariam planeando

em 13 para 16 novembro. Então 14-17 novembro direções partidárias e grupos

parlamentares do PS, PPD e CDS mudam-se para o Porto, onde convocam manifestação

de apoio ao VI Governo. Discute-se a possibilidade de transferência da AC para o Paço

da Bolsa. Em 15 novembro trinta oficiais afetos aos Nove encontram-se no Paço das

Laranjeiras onde se decide que o VI GP necessita tomar posição de força para obrigar à

clarificação da situação. Em 16 novembro manifestação da FUR organizada pelas CT da

cintura industrial de Lisboa congrega 200,000 pessoas no Terreiro do Paço exigindo

demissão VI GP e pedindo regresso de Vasco Gonçalves375.

374
Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 458-459, 467; Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 260, 265; Bernardino
Gomes et al, op cit, p. 337; Diogo Freitas do Amaral, O Antigo Regime e a Revolução... p. 456; Kenneth
Maxwell, A Construção... p. 177; Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 246; Manuel Amaro Bernardo, op cit,
p. 510; José Freire Antunes, op cit, p. 267. Ver ainda, quanto às reivindicações dos grevistas, Amadeu
Garcia dos Santos et al, Apontamentos políticos... p. 27.
375
A postura da direção do PCP era mais conservadora que a das bases. Enquanto os primeiros limitavam-
se a querer substituir o PPD pelo PCP no Governo, reintegrando gonçalvistas nos centros de decisão do
aparato militar, os segundos, aliados à extrema-esquerda, lutavam pelo derrube de Pinheiro de Azevedo e
a instauração do disposto no Documento-Guia e no Documento do COPCON (cf. Bernardino Gomes et al,
op cit, pp. 338-339). Maria Inácia Rezola, op cit, pp. 460, 467; José Freire Antunes, op cit, pp. 267-268;
Avelino Rodrigues et al, op cit, p. 260.
109
Em 17 novembro o general Morais e Silva em mensagem enviada à Base-Escola

de Tropas Paraquedistas de Tancos (“BETPT”) manda passar à disponibilidade 1,200

paras. Em 19 novembro ordena-os que passem à situação de licença registada. Em 20

novembro determina que os sargentos paraquedistas entrariam de licença em 23

novembro, as Finanças deixando de pagar os salários dos praças a partir de 22 novembro.

O objetivo destas medidas, que levavam, na prática, à extinção dos paraquedistas,

lançando milhares de soldados no desemprego, era precipitar a decisão dos sargentos e

praças paraquedistas de avançar para um golpe militar376.

Em 18 novembro Pinheiro de Azevedo anuncia a suspensão do exercício da

atividade governativa do VI Governo até que o PR “possa efetivamente garantir as

condições indispensáveis ao exercício das suas funções e autoridade.” O executivo entra

assim em greve, pressionando Costa Gomes a tomar uma decisão por forma a clarificar a

situação, intentando acabar com as manifestações de massas como instrumento de pressão

política377. Em 20 novembro, em Belém, em manifestação organizada pelo PCP e

extrema-esquerda contra o VI Governo, é lido o Manifesto dos Dezoito, assinado por

dezoito oficiais profissionais. O manifesto pede a

376
José Freire Antunes, op cit, p. 250; Bernardino Gomes et al, op cit, p. 336; Maria Inácia Rezola, op cit,
p. 469; Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 262-263. Segundo Sanches Osório os paras saltaram porque
manipulados pelo PCP (cf. Maria João da Câmara, op cit, p. 252).
377
Ver o comunicado de 19 novembro emitido pelo VI Governo aquando da sua suspensão de funções em
Orlando Neves, E agora, que fazer? Textos históricos da Revolução III, Diabril, 1976, pp. 42-44.
Bernardino Gomes et al, op cit, p. 340; José Freire Antunes, op cit, pp. 260, 272; Maria Inácia Rezola, op
cit, p. 464. Avelino Rodrigues chama “golpe constitucional” ou “férias” à autossuspensão do VI Governo,
uma “grande jogada para fazer saltar a esquerda” e afirma que a nomeação de Vasco Lourenço para o
comando da RML se deu já em 21 novembro (cf. Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 260-261, 270-271).
O CR aprovou a nomeação de Vasco Lourenço para comandante da RML em 20 novembro e reprovou em
comunicado a “atitude de suspensão de atividades” do VI GP (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas,
vol. 2 n.º2, Reunião de 20 novembro 1975, p. 2; anexo A, pp. 1-2).
110
“rápida substituição da AC pela Assembleia Nacional Popular, exigindo o «poder

popular armado», dizendo: «Só os trabalhadores armados, organizados com os

soldados, formando um exército revolucionário, podem impedir a organização da

burguesia e o perigo de invasão estrangeira378.»”

No mesmo dia Jaime Neves avista-se com Costa Gomes exigindo que dê o seu aval à

demissão de Otelo e Carlos Fabião, ao desmantelamento das Unidades militares

revolucionárias, à ocupação das estações de rádio e de TV e ao apoio militar ao VI

Governo379.

Em vésperas de 25 novembro dá-se reunião secreta entre Álvaro Cunhal e Melo

Antunes380. Costa Gomes recebe Álvaro Cunhal em Belém e pede-lhe para ajudá-lo a

evitar a guerra civil. Nessa noite na sede da CODICE381 e do SDCI a extrema-esquerda

aciona o golpe. Às 4h00 de 25 novembro o PCP mobiliza militantes e milícias armadas382.

Tendo sido confirmada a decisão da nomeação de Vasco Lourenço para o comando da

378
O projeto destes oficiais tem por base o Documento do COPCON. Josep Sánchez Cervelló, op cit, p.
244. Ver também Manuel Amaro Bernardo, op cit, p. 584; Diego Palacios Cerezales, op cit, p. 102; José
Freire Antunes, op cit, pp. 258-259, 273. O Manifesto dos Dezoito também era conhecido como Manifesto
das Intercomissões de Soldados e Marinheiros ou Manifesto dos Oficiais Progressistas (cf. Avelino
Rodrigues et al, op cit, pp. 264-265).
379
Maria Inácia Rezola, op cit, p. 469; Avelino Rodrigues et al, op cit, p. 266. Jaime Neves e Melo Egídio
levaram ainda uma moção ao CR: ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião de 20
novembro 1975, p. 2.
380
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... pp. 450, 502. O líder comunista terá garantido que o seu partido
não sairia para a rua, e Antunes ter-lhe-á prometido em troca que o PCP não seria ilegalizado ou perseguido.
Contudo, como veremos, Cunhal só desmobilizará à última hora quando vê que o golpe tem poucas
hipóteses de ser vitorioso. Cunhal nunca confirmou que esta reunião se realizou.
381
A Comissão Dinamizadora Central (“CODICE”) foi um órgão criado no seio da 5ªDIV/EMGFA
fortemente afeta à linha gonçalvista (cf. Luís Nuno Rodrigues, Marechal Costa Gomes… p. 257).
382
Ver comunicado da Comissão Concelhia de Mafra do PCP “À Classe Operária, aos Militares
Progressistas, e ao Povo Trabalhador” de 25 novembro 1975 in Conselho da Revolução, Comissão de
Inquérito ao “25 de novembro de 1975,” 6º Anexo ao Relatório Preliminar do 25 de novembro de 1975,
Relatório sobre o Envolvimento de Organizações Sindicais e outras Associações de Trabalhadores (ANTT,
Ernesto Melo Antunes, caixa 20 pasta 1, p. 21). Ver também a p. 20 desta pasta: Comunicado da Direção
da Organização Regional Alentejo e Algarve do PCP, 25 novembro.
111
RML, afastando Otelo, e da dissolução da BETPT, às 5h00 sargentos e praças

paraquedistas ocupam as bases e o comando da Região Aérea de Lisboa. No COPCON,

Otelo deu “luz verde” à “aventura,” retirando depois para casa, seguindo conselho de

Melo Antunes para se manter “quietinho383.”

Entre as 5h00 e as 7h00 o RAL1 e o RPM sublevam-se. Ramalho Eanes desloca-

se a Belém com Jaime Neves e urge Costa Gomes a deixar que contenham a sublevação.

Entre as 8h00 e as 16h00 Costa Gomes chama Otelo a Belém, chegando este às 15h00384.

O PR liga ainda ao PCP e à Intersindical, reforçando os apelos da véspera e pedindo a

esta última “que ajude a mandar evacuar os trabalhadores que rodeiam os quartéis” e à

desobstrução pelas betoneiras da J. Pimenta das vias de acesso ao RCA. Para se assegurar

de que os Fuzileiros, afetos ao PCP, não mobilizam, pede a Rosa Coutinho e Martins

Guerreiro que se dirijam ao Alfeite. A EPAM ocupa a RTP e a PM ocupa a EN. Às 13h35

o EMGFA emite comunicado em que apela aos revoltosos para desmobilizarem. Chama

a Belém os comandantes do RAL1, RPM, e EPAM, e envia Costa Martins para tentar

convencer os paras a abandonarem Monsanto. Até às 16h00 só consegue a rendição do

RAL1, chegando Dinis de Almeida a Belém385.

383
Avelino Rodrigues et al, op cit, pp. 272-277, 282-284; José Freire Antunes, op cit, pp. 31, 253-254;
António José Telo, História Contemporânea... p. 96. Sobre a presença de Jaime Serra, do PCP, nas reuniões
conspirativas do COPCON imediatamente anteriores a 25 novembro ver José Freire Antunes, op cit, pp.
257-264, 273, 282-283, 293-294. Ver ainda Josep Sánchez Cervelló, op cit, p. 256; Diogo Freitas do
Amaral, op cit, pp. 473, 498, 502, 512. Sobre o envolvimento do PCP no golpe ver ainda Comunicado do
Secretariado Nacional do PPD... pp. 4-5.
384
Conselho da Revolução, Comissão de Inquérito ao “25 de novembro de 1975,” 5º Anexo ao Relatório
Preliminar do 25 nov 75: Relatório sobre o COPCON, p. 20 (ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 20 pasta
1, doc. 2, p. 20).
385
Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 478, 488-489, 495-496, 498-499, 502-503, 512. As betoneiras da
J. Pimenta e da Camionagem Esteves dispunham de um sistema de radiotransmissão montado pelo PCP da
cooperativa de taxistas (cf. Josep Sánchez Cervelló, op cit, pp. 252-253; Manuel Amaro Bernardo, op cit,
p. 507). Ver ainda José Freire Antunes, op cit, pp. 281-283, 296-297, 309, 311, 313; Avelino Rodrigues et
al, op cit, p. 283.
112
Às 16h30 Costa Gomes declara estado de emergência em Lisboa assumindo o

comando direto de todas as unidades militares, enviando telegramas aos respetivos

comandantes, exigindo resposta clarificando se se colocam ou não sob as suas ordens.

EPAM, RPM e Monsanto, ocupada pelos paraquedistas, não obedecem 386. Às 17h00 o

PR autoriza Ramalho Eanes a pôr em marcha os planos do Grupo Militar387. Jaime Neves

obtém a rendição do GDACI e Salgueiro Maia do Depósito de Material de Guerra de

Beirolas. A RTP é retirada à EPAM às 21h10. Às 22h00 o PCP desmobiliza seus grupos

de ação armada. Às 8h00 de 26 novembro civis armados com metralhadoras disparam

contra Comandos que vêm tomar o RPM, cuja rendição é conseguida ao preço de três

mortos. A EPAM rende-se. O último reduto revolucionário, Tancos, rende-se dois dias

depois388.

Melo Antunes, PS, PPD e CDS quanto à revisão do I Pacto

Em 1 agosto o PPM já afirmava que a AMFA era inconstitucional389. O primeiro partido

a sugerir que se revisse o I Pacto MFA-Partidos terá sido o CDS, quando em 7 agosto

1975, em conferência de imprensa, Freitas do Amaral sugere que “entre outras condições

necessárias para encontrar uma solução para a crise político-militar” se reabram

386
Diogo Freitas do Amaral, op cit, p. 504.
387
Segundo Jaime Neves, foi preciso obrigar Costa Gomes a assumir-se como PR e Comandante-Chefe das
FA (cf. Manuel Amaro Bernardo, op cit, pp. 492-495).
388
José Freire Antunes, op cit, pp. 28, 294-295, 306, 312-315, 321-322; Diogo Freitas do Amaral, op cit,
pp. 477, 479, 481, 483, 499-500, 505-506.
389
Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução… p. 315.
113
“conversações entre o MFA e os partidos, tendo nomeadamente em vista a revisão do

Pacto390.”

Melo Antunes, por volta de 17 agosto, escreve:

“Revisão, no prazo máximo de dois meses (rabiscado: um mês), do Pacto MFA-

Partidos, por forma a adaptá-lo às novas necessidades do processo revolucionário.

Atualizá-lo tendo em conta a necessidade de introdução de aquisições

revolucionárias importantes e a caducidade de certas normas que a experiência

revelou poderem vir a pôr em causa os equilíbrios políticos futuros391.”

Saliente-se que Antunes queria que o novo Pacto consagrasse “o caráter

profundamente democrático” das organizações de base, “desde que assegurados

mecanismos que garantam o seu funcionamento apartidário392.”

390
Victor Sá Machado, CDS – Proposta de Revisão da Plataforma de Acordo Constitucional com os
Partidos Políticos – Introdução, 30 dezembro 1975 – ANTT, Conselho da Revolução, n.º84, pasta «Pacto
MFA-Partidos parte 2», doc. 8, p. 1. Sobre aquela intervenção de Freitas do Amaral ver ainda: Jorge
Miranda, Da Revolução à Constituição: Memórias da Assembleia Constituinte, Princípia, 2015, pp. 182-
184.
391
Documento manuscrito s.d./a./t. Melo Antunes, Documento-base do Governo Carlos Fabião, 17? agosto
1975 – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 19, doc. 1, folha 3. Note-se que contribuíram ainda
Vasco Lourenço, Vítor Alves e Vítor Crespo (cf. Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... p. 340 nota de rodapé
57). Ver também: Ibidem, pp. 336-340.
392
Melo Antunes, Documento-base... – Ibidem, doc. 1, folha 4. Este documento também interessa do ponto
de vista do futuro sistema de governo na medida em que Antunes não compaginava a extinção da AMFA,
apenas a sua reestruturação, tal como do CR, propondo-lhe uma composição própria. Acresce que no
Governo Militar técnico/apartidário a formar o PR indigitaria o PM. O PR teria ainda o poder de destituir
o PM e dissolver o Governo. A dissolução da 5ªDIV era na realidade apenas uma sua reconfiguração para
novo Departamento, prevendo a continuação da dinamização cultural e psicológica dentro das FA. O
mesmo se aplicava aos Gabinetes de Dinamização e ao SDCI. Antunes já está preocupado com a criação
de um “novo ordenamento jurídico refletindo as transformações revolucionárias (políticas, económicas e
sociais) operadas no país” que será um dos pontos centrais do II Pacto. Curiosamente, Antunes queria a
destruição dos arquivos da ex-PIDE/DGS, tal como a sua remodelação. Competiria ao MFA “o essencial
do exercício do poder enquanto motor da Revolução” partilhando/delegando este poder com o Governo, ao
qual caberia o poder executivo. Na prática, sendo o Governo Militar e tendo um PM do MFA indigitado
por um PR do MFA aconselhado pelo CR (MFA), o grosso do poder residiria efetivamente no MFA.
Antunes queria ainda a despartidarização da comunicação social, não ficando claro se deixaria que
existissem órgãos independentes. Queria que se dissolvessem as milícias armadas e que se realizassem
eleições livres no interior dos sindicatos, tal como a substituição dos governadores civis e comissões
administrativas menos representativas das autarquias.
114
Em 26 agosto em entrevista publicada pelo Jornal Novo Sá Carneiro afirma ser

altura de rejeitar o Pacto MFA-Partidos e dos militares regressarem aos quartéis por forma

a que os civis possam recuperar “o muito que...estragaram393.” Em outubro o MFA alude

à necessidade de se “erigir um novo conjunto de regras capaz de assegurar a coexistência

e funcionamento harmónico do MFA e dos partidos dentro do novo regime394.” Na

Assembleia, os partidos “disporiam, como domínio reservado, do exercício das liberdades

no interior do processo revolucionário,” sendo-lhes vedada a hipótese, no entanto, de

“instalar...as fórmulas parlamentares das sociais-democracias europeias395.”

Na sessão da Constituinte de 7 novembro o deputado socialista Sottomayor Cardia

questiona a viabilidade da consagração constitucional do Pacto MFA-Partidos. Resulta

claro que o PS já não concorda com a ideia de um MFA «motor da revolução» e que o

Pacto já não serve “«o MFA nem a autoridade do Estado»” não servindo ainda “«a

democracia ou o socialismo396.»” Em 15 novembro Jorge Miranda (PPD) foi incumbido

com a preparação de um projeto de lei a instituir nova ordem constitucional para a

eventualidade da formação da «comuna de Lisboa» e de se transferir a Constituinte para

o Porto e de aí assumir a plenitude do poder político em Portugal, libertando-se do jugo

do I Pacto, e procedendo à investidura de novo executivo397.

393
Sendo que quando as negociações para a Governo Fabião fracassam em 22 agosto já Melo Antunes
contactara com PS, PPD, ex-MES e PCP, e o documento referia a revisão do Pacto, é possível que PS e
PPD tenham sido por Antunes influenciados a pedir revisões/anulações do Pacto (ver Maria Inácia Rezola,
Melo Antunes... p. 340). António José Telo, op cit, p. 157. Sá Carneiro volta a pedir a anulação do I Pacto
e o fim do CR em 18 novembro (cf. Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução... p. 465).
394
Portugal e a transição para o socialismo... p. 52.
395
Ibidem.
396
Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução... p. 449.
397
Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 462-463.
115
Na noite de 26 novembro Melo Antunes, na televisão, presumivelmente segundo

o que acordara com Álvaro Cunhal, defende que o PCP é necessário para a democracia

em Portugal, e “propõe o estabelecimento de uma plataforma de «avanço democrático

para o socialismo»,” sendo criadas “«condições para o MFA recuperar o seu prestígio e

a sua capacidade de direção».” Considerando a vizinhança do seu pensamento político,

subjacente à manutenção do PCP na legalidade estavam o CR e, claro, Antunes ele

mesmo, na “direção política nacional398.”

O PPD é o primeiro a reagir, em comunicado. Chama à atenção para o facto de o

PCP ter estado envolvido na tentativa de golpe revolucionário de 25 novembro,

questionando, por conseguinte, a necessidade daquele partido ser legal para a

institucionalização da democracia em Portugal. Afirma ainda, quanto ao Pacto:

“A opção democrática socialista feita pelo povo português foi...amputada do que

tinha de essencial: a liberdade...O desejo renovado de tornar o MFA movimento

suprapartidário, pedindo depois a colaboração dos partidos, é uma adaptação dos

modelos terceiro-mundistas399.”

Nos dias seguintes o CDS e o PS também reagem de forma negativa à vontade de Melo

Antunes de que o MFA continue a assumir a direção política do país. Sottomayor Cardia

(PS), mostra-se, no entanto, mais conciliador, afirmando que o seu partido não objeta à

participação “de militares na coligação governamental,” mas sim à manutenção do MFA

398
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... pp. 501, 503-506. Mário Soares afirmara, em 24 outubro 1974, em
comício socialista em Almada, que “sem os comunistas não havia democracia” (cf. David Castaño, Mário
Soares… p. 200). Esta alocução de Antunes fora combinada com Ramalho Eanes (cf.
http://malomil.blogspot.com/2015/04/o-2-pacto-mfapartidos-entrevista-miguel.html (7.8.2019)).
399
Comunicado do Secretariado Nacional do PPD... p. 3. O PPD será o único partido, na sua primeira
proposta de revisão do Pacto, a sugerir que este seja “pura e simplesmente declarado caduco” (cf. Francisco
Sá Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma de Acordo Constitucional, 30 dezembro 1975 – ANTT,
Conselho da Revolução, n.º84, pasta «Pacto MFA-Partidos Parte II» doc. 13, p. 6).
116
como “motor da Revolução.” Torna-se consensual a ideia do “regresso aos quartéis” e a

proposta de Antunes “de um «projeto viável de esquerda» com a participação ativa dos

militares” é rejeitada400.

Conclusão

Após a divulgação do seu manifesto em agosto, Melo Antunes intenta coordenar a

formação de novo executivo chefiado por Carlos Fabião, projeto que fracassa devido a

ameaças comunistas a Costa Gomes. Vasco Gonçalves cai em 5 setembro devido à ação

concertada dos Nove. Encurralado após a dissolução do V GP, o PCP desenvolve uma

estratégia de incentivar, na sombra, a inoperância das cadeias de comando militares,

semeando a anarquia a partir das bases, impossibilitando que o VI GP se consiga fazer

obedecer. Paralelamente, apoia, também de forma camuflada, a multiplicação de ações

reivindicativas laborais, num crescendo de desafio à autoridade que chega ao cume de

cercar a AC.

Perante estes factos, a concertação Nove-Grupo Militar age no sentido de crispar

a extrema-esquerda revolucionária, entre outras medidas despedindo paraquedistas com

vista a que se juntem aos revoltosos e avancem para a tentativa de instauração de uma

“situação revolucionária.” Jaime Neves e os Comandos, estando preparados, acionam

então o plano de operações que havia sido preparado com Ramalho Eanes e o Grupo

Militar. Álvaro Cunhal mantém sempre um pé dentro e outro fora, providenciando uma

400
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... pp. 506-507. Ver também David Castaño, Mário Soares… pp.
409-412.
117
rede de comunicações aos golpistas e mobilizando suas milícias armadas como moeda de

troca para obter concessões de Costa Gomes.

Se em agosto PPM, CDS, PPD e Melo Antunes já falavam em rever ou revogar o

Pacto ou a AMFA, em novembro os socialistas levantam o assunto em sede de

Constituinte. Melo Antunes avança com vista a salvar para o MFA uma posição charneira

dentro da nova ordem, sobrevivendo à reestruturação das FA que Costa Gomes entretanto

mandara encetar401 e que culminou na Lei n.º 17/75 de 26 dezembro 1975. Mas as reações

negativas dos deputados do PPD, PS e CDS fazem-no recuar, iniciando-se assim as

negociações para a revisão do I Pacto.

401
Fez-se um esforço por restaurar a disciplina militar avançando com um projeto de decreto-lei requerido
por Costa Gomes em 17 outubro 1975, misto de “Código Disciplinar” e “Ordem às FA,” visando a
reorganização das FA: ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião de 11 dezembro 1975,
Anexos H, I, J, K, e L. Este projeto é discutido na Reunião de 15 dezembro (ANTT, Conselho da Revolução,
Atas, vol. 2 n.º2, Reunião de 15 dezembro 1975, pp. 1-2) e na de 12 janeiro 1976 (ANTT, Conselho da
Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião de 12 janeiro 1976, p. 5).
118
Constitucionalização do legado económico gonçalvista: o II Pacto MFA-Partidos,
negociação e conteúdo402

Reunião do CR de 3 dezembro 1975

No rescaldo do 25 de novembro, o CR discute a situação político-militar. Pinheiro de

Azevedo “considera necessária a revisão” do Pacto, e que o “único órgão permanente do

MFA seja o CR.” Franco Charais acredita que o MFA tem “direito de tutela sobre os

partidos políticos.” Adicionalmente, suspeita que as “massas trabalhadoras” não irão

aceitar perder as “conquistas da revolução.” Queixa-se da ascensão da direita, incluindo

nas esferas militares. Esta preocupação é partilhada por Sousa e Castro e Martins

Guerreiro. Para Ramalho Eanes, o corte das Unidades com os partidos políticos ajudá-

las-á a “defender a Revolução de esquerda403.”

Vasco Lourenço “não aceita que se abandone a condução do processo à

democracia formal. Pretende que o Pacto...seja revisto, ...não aceita que os partidos o

denunciem.” Está convencido de que o PCP esteve implicado na tentativa de golpe

revolucionário de 25 novembro, mas “interroga-se até que ponto é possível levar o PCP”

a reconhecê-lo “sem o destruir” o que poria “em perigo a revolução.” Pezarat Correia

402
É impossível recriar de forma completamente fiel as negociações para a revisão do Pacto. O principal
assessor jurídico de Melo Antunes, Miguel Galvão Teles, perdeu parte dos documentos que a compuseram
(cf. http://app.parlamento.pt/LivrosOnLine/Vozes_Constituinte/med01470446j.html#conteudo) – link
visitado em 22.4.2019. Todas as propostas e contrapropostas que sobrevivem estão disponíveis online:
http://app.parlamento.pt/LivrosOnLine/Vozes_Constituinte/media/docs/20010604a1.pdf – consultado em
22.4.2019.
403
ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião de 3 dezembro 1975, pp. 2, 4, 6-7.
119
quer que o CR se reconstrua “por forma a manter a direção política do processo

revolucionário.” Martins Guerreiro também defende um MFA “agente político404.”

Para Melo Antunes a “situação post-25 novembro” exige um “novo Programa do

MFA” que seja “autónomo e congregue todas as camadas do povo português no caminho

para a sociedade democrática e socialista” para que a nova fase “não seja recuperada pelas

forças de direita.” Para disciplinar o PCP, empenhando este partido “na aceitação de um

caminho democrático” elaboraria uma “Carta de Garantia das Liberdades” vinculando os

partidos “a regras de jogo democrático.” Estes dois itens paralelamente à “revisão do

Pacto com os partidos” e à “reestruturação das FA e revisão da instituição dos órgãos do

MFA405.”

Costa Gomes defende para o MFA um papel “moderador e aglutinador dos

partidos,” e que se defina “a filosofia política e a doutrina do MFA, para evitar desvios à

esquerda e à direita.” Para o PR o MFA quer o “socialismo democrático, pluralista, com

respeito pelas liberdades” e que se “deve caminhar para o objetivo limite de se

confundirem MFA e FA.” Os partidos “não podem arredar-se para longe” da “política

definida pelo MFA406.”

Primeira análise do MFA e anúncio público de Melo Antunes sobre revisão do Pacto

404
Ibidem, pp. 5-6.
405
Ibidem, Ibid.
406
Ibidem, p. 7. Costa Gomes considera ainda que “deve haver dois elementos do CR em permanente
contacto com os partidos políticos, sindicatos, CT, CM e delegados de sindicatos fora da Intersindical” (cf.
Ibidem, p. 10). O princípio do MFA se absorver dentro das FA era defendido pela ala moderada, uma parte
da qual queria um sistema presidencialista, do MFA: ver Anexos 3 e 6 ao presente trabalho.
120
Em inícios de dezembro 1975 o MFA nota a alteração da correlação de forças partidárias

e sua divisão interna consequente da crise do PCP e dos “militares esquerdistas.” O 25 de

novembro exacerbou esta mudança de forma favorável aos defensores da alteração do

Pacto407. Só se poderá solucionar as “crises que se acumulam408” com a exigência de

“medidas impopulares, senão mesmo o recurso a formas repressivas geradoras de grande

insegurança e instabilidade social409.” A implementação da austeridade poderá resultar na

aceitação de “mecanismos políticos autoritários,” no contexto de uma “brusca inflexão

para a direita,” com o uso de militares “exteriores ao processo político” para “ações

golpistas410.”

A conclusão é que é necessário substituir o termo “MFA motor da revolução” por

outro mais digerível, mantendo o Movimento contudo uma “função de controle em

segundo nível, de vigilância crítica e ativa (até porque detém o poder das armas),

deixando” aos políticos e às suas “bases de apoio” a tarefa de lidar com a situação

económica e social em rápida deterioração. Caso contrário, estando o MFA sem coesão

interna, indo perdendo a sua base de apoio popular, manipulado agora sobretudo por

partidos à direita do PCP, o disposto no I Pacto poderia levar ao estabelecimento de uma

ditadura militar conservadora411.

407
Documento em papel da presidência do conselho de ministros, gabinete do PM, carimbado de
confidencial s.d./a. Informação – Assunto: Pacto MFA/Partidos – Objeto: sua possível revisão, posições
dos partidos, análise política – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 133 pasta 8, doc. 1, pp. 1-2.
408
“Crise económica, crise política, crise das instituições, crise ideológica, crise das relações
internacionais” (cf. Ibidem, p. 2).
409
Ibidem, p. 13.
410
Ibidem.
411
Ibidem, pp. 2, 10-11, 14.
121
São listados poderes que Jorge Miranda (PPD) defende para o CR,

nomeadamente: conselho consultivo do PR; sanção de legislação económico-social para

a construção do socialismo (sujeito a referenda governamental), organização das FA e

política de defesa nacional; acionar o mecanismo de declaração de inconstitucionalidade

das leis412. A estes adicionam-se os defendidos pela SEDES: Tribunal Constitucional

(“TC”), decisão sobre todas as matérias de elegibilidade para os candidatos a PR,

declaração de guerra, feitura da paz e declaração de estado de sítio413.

Se o MFA conseguir renegociar rapidamente o Pacto MFA-Partidos poderá reter

aqueles poderes e ainda possivelmente influenciar a escolha do PM, tal como manter a

AMFA414. É discutível que o voto por si mesmo legitime a “ação dos representantes

populares,” podendo a soberania popular ser “objeto de controle e mistificação.”

Reconhece-se apenas a validade “teórica” dos princípios do liberalismo democrático415.

Em conferência de imprensa a 9 dezembro 1975 Melo Antunes pronuncia-se

publicamente sobre a necessidade de revisão do Pacto para que se altere, entre outros

aspetos, a expressão “motor da revolução” relativa ao MFA, mas que este continue a

participar na vida política até à conclusão do processo revolucionário416.

412
Ibidem, p. 7.
413
O PCP (Vital Moreira, em 4 dezembro na AC) e o Grupo de Intervenção Socialista (ex-MES) preferiam
que o MFA retivesse todos os poderes que tinha no I Pacto, e o CDS (Freitas do Amaral, em 4 dezembro
na AC) queria que o MFA não interviesse no governo e na administração do país, apenas assegurando o
respeito pela democracia, garantindo-a (cf. Ibidem, pp. 8-9).
414
Ibidem, pp. 11, 14-15.
415
Ibidem, pp. 5, 12.
416
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes… pp. 508, 512.
122
Moção aprovada na AC e reação do CR

Com o voto contra do PCP e do MDP António Reis, Aquilino Ribeiro, José Niza e três

outros deputados socialistas aprovam moção em 10 dezembro onde afirmam estarem

desadaptadas as “disposições” do Pacto MFA-Partidos “ao curso democrático da

revolução entretanto readquirido,” sendo portanto necessário encetar “diligências junto

do CR para tomar conhecimento da sua posição oficial sobre a eventual revisão” do Pacto.

No caso do Conselho ser favorável a esta revisão propunha-se o início imediato de

negociações com os partidos417.

No dia seguinte, em reunião, o CR discute a moção do Grupo Parlamentar do PS.

O PM almirante Pinheiro de Azevedo afirma ser urgente rever o “Pacto com os partidos”

por forma a evitar que se crie “instabilidade política grave.” Para Vasco Lourenço o MFA

não se deve deixar intimidar, e “tomar a iniciativa.” Azevedo considera que “PS e PPM

passariam para a oposição” caso o Pacto não fosse revisto. O major Melo Antunes trata

“em seguida...exaustivamente o assunto418.”

Na sua intervenção, Melo Antunes focou a importância de “programar como fazer

a transição da economia de mercado, ...do capitalismo para as formas coletivas de

produção, sem perda das liberdades democráticas e sem cair no caos” ou “perder as

conquistas já feitas.” Para este conselheiro, impunha-se “dispor de um estudo forte capaz

de impor as medidas” que permitissem “a acumulação necessária ao aumento da

produção.” Havia ainda que explicar ao “povo” o “programa que o MFA” iria “executar,

417
ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião de 11 dezembro 1975, anexo F.
418
Ibidem, pp. 2-3.
123
que ele não” se destinava a “alimentar a burguesia.” Foi então aprovada por maioria a

revisão do Pacto419.

Notas sobre a revisão do Pacto e reações do CR

Encarregue pelo Conselho de preparar documento de trabalho sobre a matéria, Melo

Antunes debruça-se sobre o assunto, produzindo um rascunho manuscrito e

posteriormente, com o apoio de Luís Castro Mendes, uma versão dactilografada de notas

sobre a revisão do Pacto420.

Sublinha como característica fundamental para o período transicional [de “três

anos”] a “independência das FA relativamente ao Poder civil,” materializada no CR.

Afirma que durante este período, “as FA obedecem, através do CEMGFA, ao PR” e que

o PR “ouvirá obrigatoriamente o CR sempre que haja...decisões relativamente às FA421.”

Após listar os elementos exclusivamente militares que compõem o CR, comete-

lhe os seguintes poderes: vigia pelo cumprimento da Constituição, TC para as leis da AL

e do Governo, sancionando diplomas legislativos relativos à Defesa Nacional, matérias

militares, autorização ao PR para fazer a guerra e a paz, tal como declarar o estado de

sítio, pronunciar-se junto do mesmo sobre a escolha do PM e do ministro da Defesa, e

sobre a incapacidade física do PR, designando o seu substituto interino422.

419
Ibidem.
420
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... p. 512.
421
Documento manuscrito s.d./a./t. – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 133 pasta 8, doc. 3, p. 1.
422
Ibidem, pp. 2-3.
124
O CR teria ainda o poder de se pronunciar sobre os candidatos à presidência da

República, e o CEMGFA competência de PM, tendo os vice-CEM competência

ministerial423. Note-se como, com exceção da ingerência na escolha do PM e as

competências ministeriais, os poderes que Antunes lista para o CR são apenas os que o

MFA observara anteriormente como sendo aceites por Jorge Miranda (PPD) e a SEDES.

Na segunda versão, depois de afirmar que o objetivo da revisão do Pacto é

“garantir, na maior medida possível, a intervenção do MFA...na vida política,” trata a

questão “fulcral:” a “forma de eleição do PR.” Dela depende “a possibilidade de o CR

assumir uma condução indireta do processo político...ou apenas a possibilidade de um

certo condicionamento...por via negativa.” Se eleito diretamente, mesmo que “mitigado

por uma certa dependência do Governo em relação à Assembleia,

...acarretaria...uma...redução de poderes ao CR,” que pode ser combatida através da

eleição indireta, ou na impossibilidade desta mediante a exigência de mais amplos

poderes, embora a “base de legitimação [do CR]” saísse então “muito enfraquecida424.”

Segue-se uma análise de formas de intervenção do MFA numa eleição indireta –

que prefere – do PR. Rejeita que seja através de uma AMFA, preferindo a participação

na eleição através do CR: equivalendo os votos dos conselheiros aos dos deputados,

considerando o CR como Segunda Câmara, homologando candidaturas, efetuando uma

votação prévia, ou detendo o exclusivo da proposta de candidaturas à presidência da

República. A aceitar-se a eleição direta, seria necessário nela fazer intervir o Conselho425.

423
Ibidem, p. 3.
Documento s.d/a. Notas sobre a Revisão do Pacto Constitucional – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa
424

133 pasta 8, doc. 4, pp. 1-2.


425
Ibidem, pp. 2-5. Mais adiante, há um aditamento, em folha separada, intitulado “Eleição do PR –
Variante possível da hipótese 5,” onde considera método em que o PR é da confiança da AL e do CR, sendo
125
Como no primeiro rascunho, o segundo tema a ser abordado é o das funções do

CR, e estas são aquelas que já se sabe, ainda antes do início das negociações, serem

defendidas pelas principais correntes políticas. De acordo com Medeiros Ferreira (PS) o

CR deveria ter poderes de CE e de TC. Jorge Miranda (PPD) defende a “revisão das

funções...quanto à eleição do PR, definição das linhas programáticas do Governo, de

legislar e sancionar leis, de designar ministros da confiança do MFA.” Passaria a chamar-

se Conselho da República, e poderia ser misto, com “funções de arbitragem de conflitos,

...ligadas à Defesa e organização das FA,” e quanto às “leis mais ligadas à revolução426.”

Melo Antunes quer que o poder do CR de autorizar o PR a fazer a guerra e declarar

o estado de sítio segundo o I Pacto passe a ser de uso exclusivo em caso de urgência ou

até à Assembleia se pronunciar, respetivamente. Adicionaria ao poder de designar o PR

interino o do CR poder marcar novas eleições. Retiraria ao CR o poder de dissolver a AL,

transferindo-o para o PR, ouvido o CR427. Daria ao CR o poder de avaliar sobre a

conformidade do programa do Governo com os “objetivos da revolução

constitucionalmente consignados” antes de poder “ser apreciado pela AL428.”

Quanto aos ministros da confiança do MFA, salienta que o MFA deve ser pelo

menos “ouvido sobre a designação do PM,” e que tenha a “faculdade de vetar

eleito pela AL mediante voto secreto dentre três nomes propostos pelo CR, submetidos a admissão prévia
da Câmara antes de os propor, a admissão prévia das candidaturas processando-se por votação secreta, só
podendo ser propostos candidatos que tenham sido admitidos cada um pelo voto de um sexto do número
total de deputados e em conjunto pelo voto de dois terços daquele número ou maioria absoluta, cada
deputado podendo votar pela admissão de mais de um candidato embora os votos do mesmo deputado não
se somarem para o efeito do voto conjunto, considerando-se eleito o candidato que obtiver a maioria
absoluta dos votos dos deputados, ou o que obtiver a maioria absoluta dos votos expressos e válidos se num
segundo escrutínio, enfim no que houver alcançado a maioria relativa dos votos se num terceiro escrutínio.
426
Ibidem, pp. 11-12 (2-3).
427
Ou nunca sem o acordo do CR, ou sendo o CR a vincular por maioria qualificada o PR à dissolução da
AL, ou sob deliberação do CR (cf. Notas sobre a Revisão... pp. 14-16 (5-7)).
428
Ibidem, p. 16 (7).
126
determinados ministros,” no mínimo “Defesa e Administração Interna,” evitando assim

para o MFA “situações politicamente embaraçosas, caso o Governo não” seja “da sua

confiança.” O poder de definir as orientações programáticas da política interna e externa

do CR no I Pacto passa para o “controle da constitucionalidade, através de um controle

positivo das omissões do legislador.” Mantém a “competência exclusiva em matéria

militar,” acabando com a “competência sobre matérias de interesse nacional de resolução

urgente, ...quando a Assembleia ou o Governo o não puderem fazer429.”

Substitui a função de “apreciar e sancionar...diplomas legislativos emanados da

AL respeitantes a certas matérias,” por um “veto absoluto,” ou “suspensivo, que obrigue

a AL a uma maioria muito qualificada,” eliminando desta função os diplomas relativos

ao “exercício das liberdades e direitos fundamentais,” ficando da “competência exclusiva

da Assembleia.” Para além de o CR ter o poder de garantir o cumprimento de uma

“plataforma de Governo,” dá-se-lhe a função de “garante da constitucionalidade430.”

Para desempenho da função de TC dotar-se-ia o CR de uma “comissão consultiva

integrada por juristas da sua confiança.” ficando com a competência de “vetar absoluta

ou suspensivamente, ...por inconstitucionalidade, antes da sua promulgação, as leis,” por

“sua iniciativa própria” ou “por requerimento.” Com esta comissão o CR poderia ainda

“fiscalizar das omissões do legislador” recomendando “medidas legislativas,

administrativas ou técnicas” para “cumprimento da Constituição,” ou substituindo-se

“ao Governo ou Assembleia, caso...não cumpram, num prazo definido, injunções

precisas daquele órgão no sentido da elaboração e cumprimento de tais medidas.

429
Ibidem, pp. 17-18 (8-9).
430
Ibidem, pp. 18-19 (9-10).
127
Nesse caso, o CR viria a tomar, ele próprio, as medidas julgadas necessárias, de tipo

legislativo, administrativo ou outro431.”

As “funções excecionais, em caso de grave crise política ou impasse do sistema” seriam

“definidas pelo PR432.”

Na reunião do CR de 15 dezembro 1975 Melo Antunes apresenta o resultado dos

seus trabalhos. Cinco dos onze militares que intervêm na discussão que se segue apoiam

que não haja eleições para a presidência da República durante o período de vigência do

Pacto433. Pezarat Correia levanta a hipótese do Pacto ser denunciado e qual a atitude que

o CR deve tomar perante partido(s) que não o queira(m) assinar. Se obteve resposta, não

foi transcrita. Três militares apoiam a eleição do PR por sufrágio direto434. Ramalho Eanes

e Pires Veloso são contra a ressurreição da AMFA, Costa Gomes apoiando-a com

reuniões menos frequentes435.

Para Costa Gomes, o PR teria de ser “sempre da confiança do MFA,” sendo a sua

função “essencial enquanto os partidos não tiverem hábitos democráticos,” altura durante

a qual o chefe de Estado e o chefe de Governo “serão os árbitros das questões entre os

431
Ibidem, pp. 19-21 (10-12).
432
Ibidem, p. 22 (13).
433
Sendo estes os brigadeiros Franco Charais e Pezarat Correia, o comandante Martins Guerreiro, o general
Pinho Freire e o almirante Pinheiro de Azevedo – este último “caso não se possam fazer as duas” em
simultâneo (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião 15 dezembro 1975, pp. 3-5).
434
São estes o vice-almirante Souto da Cruz, o PM almirante Pinheiro de Azevedo e o PR general Costa
Gomes (cf. Ibidem, pp. 3-6). Segundo os apontamentos de Melo Antunes, Pinheiro de Azevedo apoia o
sufrágio direto simultâneo com eleições para a AL, e uma “forma de homologação dos candidatos pelo
CR.” Curiosamente, estes apontamentos também revelam, contrariamente à Ata oficial do CR, que Costa
Gomes “inclina-se para a eleição indireta, sobretudo por causa dos emigrantes” (cf. Anotações manuscritas
de Melo Antunes à reunião do Conselho da Revolução de 15 dezembro 1975 – ANTT, Ernesto Melo
Antunes, caixa 133 pasta 8, doc. 2, folha 1).
435
ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião 15 dezembro 1975, p. 6.
128
partidos436.” Defende para o CR “funções de TC” tal como funções legislativas “no plano

militar,” caso estes poderes permaneçam separados. Cinco outros militares concordam

que o CR tenha funções constitucionais437.

Ramalho Eanes sugere que Melo Antunes “faça uma proposta sobre os pontos que

considera fundamentais e que seja nomeada uma comissão para o estudo de pormenor.”

Antunes conclui que o CR aceita “a forma de eleição do PR que das negociações com os

Partidos” se conclua “como mais conveniente,” com a condição de que “o PR tem de ser

da confiança” do MFA438.

Propostas dos partidos políticos

A comissão dos cinco, dirigida por Melo Antunes, reúne pela primeira vez para a revisão

do I Pacto com os partidos que o haviam assinado em 11 abril – PS, PPD, PCP, CDS,

MDP – em 17 dezembro439. Nesta reunião os cinco explicam que se pretende rever o

Pacto “em termos mais brandos e cordatos,” por exemplo eliminando a AMFA do

conjunto dos órgãos de soberania440, mantendo-se no entanto intransigentes quanto à

separação entre o poder militar e o civil: “durante o período de vigência do Pacto, a AL

Anotações manuscritas de Melo Antunes à reunião do Conselho da Revolução de 15 dezembro 1975 –


436

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 133 pasta 8, doc. 2, folha 1.


437
Souto da Cruz, Sousa e Castro, Ramalho Eanes, Pinho Freire e Pinheiro de Azevedo (cf. ANTT,
Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião 15 dezembro 1975, pp. 4-6).
438
Ibidem, pp. 4, 6-7. A comissão para a negociação com os partidos é composta por Ramalho Eanes, Vasco
Lourenço, Martins Guerreiro, Canto e Castro e Melo Antunes.
439
Sá Carneiro refere, na I Proposta do PPD, que a reunião se deu em 17 dezembro (cf. Francisco Sá
Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma… p. 10). O PCP também indica que a reunião se deu em 17
dezembro (cf. Parecer e Propostas do PCP sobre a Plataforma de Acordo Constitucional do MFA com os
partidos políticos, 29 dezembro 1975 – Ibidem, doc. 11, p. 2).
440
Francisco Sá Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma... p. 10.
129
não teria nunca poderes para legislar sobre assuntos de caráter militar.” Desafiam os

partidos a apresentar as suas propostas até ao final do ano441.

Quanto à forma de eleição do PR, com exceção do MDP442 todos os partidos são

favoráveis ao sufrágio direto. Relativamente à composição e poderes do CR, PS, PCP e

MDP mantêm a sua composição exclusivamente militar. No entanto, o PS retiraria a

iniciativa legislativa em matéria militar443 ao CR, transferindo-a para um Conselho

Superior de Defesa Nacional (“CSDN”)444, onde os elementos militares seriam o

CEMGFA e os CEM dos três ramos. Os restantes membros seriam o PM e quatro

ministros445. Este CSDN dirigiria as FA e remeteria, através do PM, propostas de lei à

AL, ouvido o CR.

Para o PS membros do CR poderiam participar num Supremo TC, cujos elementos

civis seriam “representantes da AL e do STJ446.” O Tribunal velaria pela “conformidade

formal e material das leis à Constituição.” O PS daria competência ministerial aos

441
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... pp. 515-516.
442
Para o MDP, O PR deve ser eleito por sufrágio indireto por deputados da AL e “corpo de delegados do
MFA em número idêntico ao dos deputados, que traduza, de preferência, as estruturas intermédias do MFA
ou que seja constituído para o efeito” (cf. Parecer do MDP/CDE sobre a Revisão da Plataforma de Acordo
Constitucional MFA-Partidos – Ibidem, doc. 10, pp. 3-5, 7).
443
Diplomas “legislativos referentes à organização da defesa nacional e aos deveres dela decorrentes” e
“toda a legislação referente a matéria militar e de segurança” (cf. Mário Sottomayor Cardia & António
Reis, Linhas Gerais da Revisão da Plataforma de Acordo Constitucional, 30 dezembro 1975 – Ibidem, doc.
9, p. 2).
444
Outro CSDN havia sido instituído com o art. 22.º da Lei n.º 3/74. Suas funções eram “concertar a política
e a ação de defesa nacional,” e sua composição, para além de ser presidido pelo PR, incluía o PM, o
CEMGFA, os ministros da Defesa, Estrangeiros, Coordenação Económica e Coordenação Interterritorial,
tais como os CEM dos três ramos das FA, podendo o PR convocar outros ministros ou entidades que, pelas
suas funções, tivessem “direta interferência nos assuntos relativos à defesa nacional.”
445
Ministro dos Estrangeiros, ministro da Administração Interna, ministro da Defesa, e ministro das
Finanças (cf. Ibidem, p. 3).
446
“Na proporção de um terço do número total dos seus membros para cada uma das partes componentes”
(cf. Ibidem).
130
conselheiros da revolução. Para além disso, apetrecharia o CR com poderes de CE447, e

ainda o poder de ser ouvido: na designação pelo PR do PM, na dissolução da AL, na

declaração do estado de sítio, e na aprovação de tratados de cooperação militar e de

defesa448.

Os dois partidos comunistas desejam que, para além do CR, o MFA se muna de

outro órgão constitucional449. Para o PCP, a eleição por sufrágio direto do PR não impede

a interferência do MFA no processo: “poderiam apresentar candidatos à presidência da

República o MFA, os...partidos representados na AL, ou uma coligação do MFA com

partidos políticos450.” Evitar-se-ia desta forma que se pudesse candidatar um PR de

direita, que poria o conteúdo programático da Constituição em questão451. De acordo com

o que já vinha disposto no I Pacto (D.-4.1), o PCP obrigaria que aquando da sua nomeação

do PM o PR consultasse, para além do CR, os partidos representados na AL. Possibilitaria

447
Ser ouvido aquando da declaração pelo PR de guerra ou paz e reunir por direito próprio para se
pronunciar sobre a incapacidade física do PR (poderes constantes do art. 13.º 4.º e 5.º da Lei n.º3/74).
448
Ibidem, pp. 2-3.
449
“O PCP entende que se deve procurar simultaneamente a intervenção do MFA e do CR como garantes
das liberdades, da democracia e do rumo socialista...” (cf. Parecer e Propostas do PCP... p. 3) [sublinhado
nosso]. Veja-se ainda o parecer do MDP sobre esta matéria: “julga o MDP que o facto de ter sido decidida
a extinção da AMFA como órgão de soberania, não deveria obstar a que se encontrem outras estruturas que
aperfeiçoem e valorizem a legitimidade da intervenção do CR” (cf. Parecer do MDP/CDE sobre a
Revisão... p. 3).
450
Parecer e Propostas do PCP... p. 3.
451
A Constituição consagraria “as nacionalizações, ...reforma agrária e o controle operário, assim como a
via para o socialismo (cf. Ibidem, p. 6). O MDP é mais incisivo sobre este assunto: “Todas as medidas que
os poderes legislativo e constitucional, incluindo as de caráter administrativo, estabeleçam contra” a
unidade sindical, as nacionalizações, e a reforma agrária “devem poder ser...caçadas pelos órgãos
competentes do MFA.” Neste sentido, o MFA deve ter um papel de policiamento partidário: “avaliação da
coincidência das organizações políticas, no seu programa e na sua prática, com o projeto antifascista do 25
de abril.” Caso a situação partidária, legislativa e constitucional divirja deste projeto, seria exigida ao MFA
uma “nova atitude,” presumivelmente o uso da força das armas para a repor (Parecer do MDP/CDE sobre
a Revisão... p. 4). Esta perspetiva do MDP encontra eco nos conselheiros da Revolução. Em 17 fevereiro
1976, respondendo ao comandante Vítor Carvalho, que lhe havia perguntado “Se houver forças políticas
que ganhem as eleições e contestem a Constituição, qual o papel das FA?” o comandante Vítor Crespo
responde: “Se essa modificação constituir um retrocesso nas liberdades conquistadas, compete às FA fazer
outra revolução” (cf. 5ª Divisão, Estágio político-militar realizado no Instituto de Altos Estudos Militares
de 16 a 20 fevereiro 1976 – ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 19 pasta 23, Capítulo I p. 6).
131
a sobrevivência daqueles governos impossibilitando a sua dissolução caso a AL não desse

o seu voto de confiança aquando da sua formação, sendo ao invés designado novo PM452.

Ainda de acordo com o I Pacto (D.-4.3), após recomposição ministerial que

abrangesse um terço dos ministros o novo Governo seria submetido a voto de confiança

da AL. A AL poderia votar moções de desconfiança ao Governo, a aprovação de duas

com um mês de intervalo obrigando à formação de novo Governo453. A ratificação pela

AL do prolongamento do estado de sítio seria em quinze e não trinta dias. A AL poderia

declarar nulo um decreto-lei do Governo por considerar ser matéria da sua própria

competência. O Governo seria responsável perante o PR e a AL454.

Embora retirasse ao CR o poder de definir a orientação programática da política,

passando-o para o Governo, e a regulamentação da atividade política relativa a atos

eleitorais, deixaria o CR deliberar sobre a dissolução da AL, mesmo que só em casos de

instabilidade política455. Dar-lhe-ia poderes de TC456, JSN457, e CCEMFA458, tal como o

452
Parecer e Propostas do PCP... pp. 4-5.
453
Em todos os projetos de Constituição dos partidos apresentados em sede de Constituinte em Julho 1975
havia este articulado (cf. Art. 75.º, PS – Projeto de Constituição, 7 julho 1975 – Diários… p. 520; art. 123.º
1., PPD – Projeto de Constituição, 9 julho 1975 – Diários… p. 560; art. 91.º 7., PCP – Projeto de
Constituição, 7 julho 1975 – Diários… p. 507 (mas não durante os primeiros seis meses de vigênia do
Governo: art. 91.º 6.); art. 11.º 3., CDS – Projeto de Constituição, 7 julho 1975 – Diários… p. 476; art. 90.º,
MDP – Projeto de Constituição, 7 julho 1975 – Diários… p. 490).
454
Parecer e Propostas do PCP... pp. 5-6.
455
“Na impossibilidade de formação de uma maioria de apoio ao Governo; frequência de novos governos
ou arrastamento de crise governamental por decisões da Assembleia” (cf. Ibidem, pp. 4-5).
456
Decidir sobre a constitucionalidade das leis, ratificação de leis sobre determinadas matérias (cf. Ibidem,
p. 4).
457
Designar o PR interino, se bem que neste caso não de entre os seus membros (veja-se o disposto no art.
10.º 3.º da Lei n.º3/74 aquela competência da JSN). Seria eleito sessenta dias depois (cf. Parecer e
Propostas do PCP… p. 4).
458
Exercer competência legislativa em matéria militar (ver o disposto no art. 1.º da Lei n.º4/74). Refira-se
que, embora tivesse sido exigida pelo MFA na reunião que marcou o início do processo negocial em 17
dezembro 1975, esta competência não foi dada ao CR pelo PPD, CDS e mesmo o PS transferiu-a para o
CSDN de composição mista militar-civil nas suas propostas.
132
poder de ratificar leis da AL e do Governo sobre o exercício das liberdades e direitos

fundamentais459 e relações externas460. O CR continuaria ainda a ter um ministro da

Defesa e da Administração Interna “da sua confiança461.” O PCP defende a intromissão

do Pacto na escritura da Constituição462, e quer que seja o PR, ouvido o CR, a promulgá-

la463.

PPD e CDS transformariam o CR num órgão de composição mista. O primeiro

não entra em pormenor sobre este aspeto464, mas o segundo dar-lhe-ia, como elementos

obrigatoriamente militares, apenas o CEMGFA e os CEM dos três ramos465. O CDS não

discorda que este novo órgão possa ter algumas das competências que o I Pacto dava ao

CR466. Contudo, o CR/CE não teria poderes de iniciativa legislativa, nem tampouco

459
“No entender do PCP, deveria ser explicitado na Constituição que a função capital do CR é assegurar a
vigência da Constituição e particularmente o exercício pelos cidadãos das liberdades e direitos consagrados
na Constituição” (cf. Ibidem, p. 4).
460
Ibidem, p. 4.
461 O MDP manteria o ministro do Planeamento Económico que o PCP retira deste leque, adicionando
ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros (cf. Parecer do MDP/CDE sobre a Revisão... p. 7).
462
“A assinatura da Plataforma retificada implicará...que os partidos se comprometem a defender ou não
contrariar na AC a integração dos princípios consignados na Plataforma respeitantes a matéria a inserir na
nova Constituição” (Parecer e Propostas do PCP… p. 2).
463
Mantendo-se o seu direito de veto ou “necessidade de homologação” de acordo com Jorge Miranda (cf.
Jorge Miranda, A Constituição… pp. 22, 95). Ver também Parecer e Propostas do PCP… p. 2. As provas
de que era essa a intenção do articulado do I Pacto referente a esta matéria estão patentes no Documento
secreto em papel do EMGFA/CCPMFA sem data nem autor – ANTT, Conselho da Revolução, n.º84, pasta
«Institucionalização do MFA», doc. 23: “A Constituição...a elaborar pela Assembleia...Constituinte...será
referendada pelo PR, como primeiro representante do MFA.”
464
O CR passaria a designar-se Conselho da República, e o PPD fixaria de “forma clara e unívoca” os
“critérios através dos quais os militares e os civis” viriam a adquirir a “qualidade de membros do CR” (cf.
Francisco Sá Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma... pp. 10, 14). A composição do CR seria, como se
vê, sujeita a negociação com o MFA. Para a proposta do PPD Sá Carneiro foi assessorado por Barbosa de
Melo (cf. Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... p. 517).
465
O CR passaria a designar-se Conselho de Estado, e seria composto pelo PR, CEMGFA, CEM dos três
ramos, Presidente da AL e um delegado de cada um dos partidos nela representados, PM, ministros dos
Estrangeiros, Justiça, e Administração Interna, entre três e sete cidadãos civis ou militares de reconhecido
mérito, e Procurador-Geral da República, para assessoria jurídica, somente com voto consultivo (cf. Victor
Sá Machado, CDS – Proposta de Revisão da Plataforma de Acordo Constitucional com os Partidos
Políticos, 30 dezembro 1975 – Ibidem, doc. 8, pp. 4, 6).
466
O CR/CE apreciaria projetos de decretos-lei dos CEM sobre matérias de organização militar e projetos
de proposta de lei do Governo sobre deveres dos cidadãos quanto à defesa nacional. Apreciaria os projetos
133
haveria ministros “da confiança do MFA.” Em vez do CR/CE, seria o PR a sancionar os

diplomas legislativos emanados da AL, que poderiam ser promulgados na sua forma

original se em segunda votação obtivessem aprovação por maioria de dois terços dos

deputados467. As FA dependeriam diretamente do PR, sua coordenação com o Governo

processando-se por este através do CR/CE. Preservar-se-ia a autonomia do poder militar

em relação ao civil. A Constituição seria promulgada pelo PR que, tal como o CR/CE,

não teria direito de veto sobre a mesma. Caberia aos deputados constituintes decidir do

esquema de revisão da Constituição468.

O PPD retiraria ao CR o poder de interferir na escolha pelo PR do PM, que teria

de ter em conta os resultados das eleições gerais469. Os poderes do PR manter-se-iam

relativamente similares aos que vinham estipulados no I Pacto470. Seria difícil ao Governo

obter a aprovação do seu programa – que teria de ser apresentado trinta dias após a tomada

de proposta de lei ou de decreto-lei do Governo respeitantes às linhas gerais da política económica, social
e financeira, às relações externas, ao exercício dos direitos, liberdades e garantias individuais, à atividade
política relativa a atos eleitorais, alterações à Constituição. Autorizaria o PR a fazer a guerra e a paz e a
declarar o estado de sítio, pronunciar-se-ia junto do PR sobre a escolha do PM, deliberaria sobre a
dissolução da AL, pronunciar-se-ia sobre a impossibilidade física do PR, designaria o PR interino (cf.
Ibidem, pp. 3, 7).
467
Competiria à AL legislar sobre os deveres dos cidadãos referentes à defesa nacional, embora esta não
legislaria sobre matérias de organização militar. Seria necessário um mínimo de 5% de votos para um
partido colocar deputados à AL (cf. Ibidem, pp. 8-9).
468
Ibidem, pp. 4, 8-9.
469
O CR vigiaria pelo cumprimento da Constituição e das leis apreciando os atos do Governo e da
Administração, podendo iniciar procedimentos judiciais. Proporia à AL, quando esta tivesse poderes
constitucionais, alterações à Constituição em vigor e daria o seu parecer quanto à sua dissolução. Definiria
as linhas gerais da política de defesa nacional, pronunciar-se-ia sobre a impossibilidade física do PR,
designaria de entre os seus membros o PR interino. Autorizaria o PR a fazer a guerra e a paz, e a declarar
o estado de sítio, que caberia à AL se se prolongasse por mais de um mês, exercendo ainda competência
legislativa em matéria militar, referendada pelo PM (cf. Francisco Sá Carneiro, PPD – Revisão da
Plataforma... p. 11).
470
Presidiria ao CR, seria o comandante supremo das FA, nomearia e exoneraria os membros do Governo,
de acordo com as propostas do PM. Dissolveria a AL, mediante parecer favorável do CR, marcando data
para novas eleições a realizar noventa dias depois. Promulgaria e faria publicar as leis e resoluções da AL
e os decretos-leis do Governo e do CR e marcaria, ouvido o CR, a data das eleições gerais e locais (cf.
Ibidem, pp. 8-10). Ver no I Pacto: D.-2.1, 2.2 a), b), d), e), e f).
134
de posse do PM – sendo necessária maioria absoluta dos deputados. Caso não fosse

aprovado ter-se-ia de formar novo Governo. A AL poderia votar moções de desconfiança

ao Governo, a aprovação de duas com trinta dias de intervalo obrigando à formação de

novo Governo471. O PM responderia politicamente perante a AL472. O Governo teria o

poder de legislar por decreto-lei sobre matérias não reservadas à AL, bem como no uso

de autorizações legislativas. Poderia apresentar por sua iniciativa propostas de lei à AL473.

A Constituição seria submetida “a referendo popular” quinze dias depois da sua

aprovação na AC474.

Primeira contraproposta do CR

A equipe de Melo Antunes475 decide aceitar o princípio da eleição por sufrágio direto do

PR. Estipula, na sua primeira contraproposta que o período transicional durará quatro

anos, e o mandato presidencial cinco476. De acordo com o disposto no I Pacto e a maioria

471
Ibidem, p. 11.
472
O PPD foi o único partido a não endossar a dupla legitimidade do Governo perante o PR e a AL da
versão final do I Pacto. PCP e CDS subscreveram-na. PS e MDP não especificaram, aceitando-a
implicitamente. Ver nota de rodapé 464, cinco abaixo desta.
473
Ibidem, p. 12.
474
O mesmo aconteceria sempre que o Parlamento fosse dotado de poderes constituintes (deliberação
aprovada por dois terços dos deputados) e se efetuassem revisões à Constituição (Ibidem, pp. 12-13).
475
Melo Antunes armou-se de assessoria jurídica na forma de Miguel Galvão Teles, que foi assistido por
Luís Nunes de Almeida, Luís Castro Mendes e César Oliveira (cf. Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... p.
516; Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… pp. 190-191).
476
Documento s.d./a./t. I Contraproposta do CR aos partidos políticos sobre a revisão do Pacto MFA-
Partidos, 11 janeiro 1975 – ANTT, Conselho da Revolução, n.º84, pasta «Pacto MFA-Partidos, parte 2»,
doc. 1, p. 12 (folha 14). O PCP ficara-se por dois, o PPD quatro, e PS, CDS e MDP não especificaram,
aceitando assim implicitamente o que o MFA sugerisse (cf. Parecer e Propostas do PCP… p. 2; Francisco
Sá Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma… p. 8). A I Contraproposta também pode ser consultada em
Jorge Miranda, Fontes e trabalhos… pp. 1210-1217.
135
das propostas partidárias, o Governo é responsável perante o PR e a AL477. Mantém a

composição do CR inalterada478. São dadas três formas de fiscalização da

constitucionalidade ao CR, agindo este através de uma Comissão Constitucional (“CC”)

mista militar-civil: preventiva, sucessiva – concreta e não difusa – e de

inconstitucionalidade por omissão479. Migra para esta área a capacidade do CR de definir

as orientações programáticas da política480.

O CR deteria poderes de CE481 e JSN482. Autorizaria o PR a dissolver órgãos das

regiões autónomas e a ausentar-se do território nacional483. Mantém-se o direito de veto

previamente projetado pela equipe de Melo Antunes do CR sobre leis do Governo e da

AL relativas a matérias que o CE sancionava do GP484. E ainda direito de veto sobre leis

477
D.-4.4 do I Pacto. PCP e CDS mencionaram o seu apoio a que esta disposição se mantivesse. O PPD
deu responsabilidade política do Governo exclusivamente à AL. PS e MDP não trataram este ponto (cf.
Parecer e Propostas do PCP… p. 5; Víctor Sá Machado, CDS – Proposta… p. 8; Francisco Sá Carneiro,
PPD – Revisão da Plataforma… p. 12).
478
Galvão Teles refere que por forma a manter a legitimidade do MFA que operara o 25 de novembro não
se alterou a composição do CR, sob pena de ficar desprovido desta (cf. Miguel Galvão Teles, Escritos
Jurídicos, vol. I… p. 197).
479
Ibidem, pp. 198-201. Relativamente à fiscalização sucessiva, “suscitada a questão de
inconstitucionalidade num tribunal...o processo era suspenso para apreciação da questão de
inconstitucionalidade pela CC.” Quanto à fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, o CR poderia
não só “verificar o incumprimento da Constituição por omissão, como formular recomendações aos órgãos
legislativos e, no caso de persistência do incumprimento, substituir-se a eles.”
480
D.-3.2-a) no I Pacto. Esta migração já havia sido planeada por Melo Antunes nas suas Notas sobre a
Revisão… pp. 17-18 (8-9).
481
Autorizaria o PR a fazer a guerra e a paz e a declarar o estado de sítio. Declararia a sua impossibilidade
física (estes poderes constavam do art. 13.º 4.º e 5.º, relativo às competências do Conselho de Estado então
instituído, da Lei n.º3/74). Note-se, contudo, que no art. 13.º 5.º era dado ao CE o poder de se “pronunciar”
sobre a impossibilidade física do PR, não de a “declarar.” Galvão Teles explica que a ideia era “limitar o
PR, embora sem criar propriamente uma presidência colegial” (cf. Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos,
vol. I… p. 198).
482
Designaria o PR interino (note-se que no art. 10.º 3.º, relativo às competências da JSN, da Lei n.º3/74 o
poder da JSN era de designar de entre os seus membros o PR interino, sendo esta uma versão matizada
daquele poder, não ficando definido que o CR pode designar o PR interino “de entre os seus membros”).
483
I Contraproposta do CR... pp. 3-4 (folhas 5-6).
484
Linhas gerais da política económica, social e financeira e organização da defesa nacional (ver o disposto
no art. 13.º 1. 2.º b) e d) da Lei n.º3/74).
136
do Governo e da AL relativas a relações externas e aos limites entre os setores da

propriedade estatal, coletiva e privada485. Embora deixe de poder marcar eleições, pode

regular o seu exercício, conforme o disposto na Constituição, tal como a liberdade de

associação para fins políticos486.

De acordo com a sugestão do PCP487, o PR ouve, para além do CR, os partidos

representados na AL para nomear – e passa a poder exonerar – o PM. O PR nomearia e

exoneraria ainda os membros do Governo, sob proposta do PM. O PR presidiria ao CR e

seria o comandante supremo das FA. Dissolveria a AL, a requerimento488 ou sob

deliberação do CR, marcando data para novas eleições a realizar trinta dias depois.

Promulgaria e faria publicar os diplomas legislativos e diplomas do CR, leis da AL bem

como decretos-lei do Governo489.

Para possibilitar governos minoritários, a comissão Melo Antunes acaba propondo

o sistema mais presidencialista de todos490. O programa do Governo não teria de ser

votado pela AL, sendo necessária maioria absoluta dos deputados para aprovação da sua

rejeição ou de uma moção de censura. Se esta última não fosse aprovada, os seus

485
Ibidem, pp. 7-8 (folhas 9-10).
486
Ibidem, Ibid.
487
Parecer e Propostas do PCP... p. 5.
488
O CR requereria a dissolução da AL quando esta rejeitasse programas de Governo, recusasse votos de
confiança ou votasse moções de censura que obrigassem à terceira substituição do Governo durante a
mesma legislatura (cf. I Contraproposta do CR... p. 3 (folha 5)). Ideia que também adveio da proposta do
PCP de limitar o poder de dissolução da AL do CR (cf. Parecer e Propostas do PCP… pp. 4-5).
489
Os diplomas legislativos do CR teriam “valor idêntico ao das leis e decretos-leis” e os diplomas do CR
“valor idêntico ao dos decretos regulamentares ou...atos da AL ou do Governo de aprovação de tratados ou
acordos internacionais.” Os restantes atos do CR revestiriam a forma de “resoluções ou...acórdãos,”
publicados “independentemente da promulgação do PR” (cf. I Contraproposta do CR... pp. 8-9 (folhas 10-
11)).
490
Galvão Teles explica que se inspirou na V República francesa, devido à natureza do nosso sistema
partidário que via como quadripartido “coxo,” pela falta de entendimento entre PS e PPD, para facilitar o
que já vislumbrava iriam ser uma sucessão de governos minoritários (cf. Miguel Galvão Teles, Escritos
Jurídicos, vol. I… pp. 198-199).
137
signatários não poderiam subscrever outra durante a mesma sessão legislativa, exceto se

se tivesse procedido a recomposição de um terço dos ministros ou do PM. O Governo

poderia ainda pôr à AL a questão de confiança “a propósito de uma declaração de política

geral” ou de “proposta ou...projeto que considere fundamental491.”

Se o seu programa fosse rejeitado, a confiança que solicitara fosse recusada, ou

uma moção de censura fosse aprovada, o Governo seria demitido pelo PR – exceto se

decretasse a dissolução da AL – que nomearia outro do qual não poderiam fazer parte

mais de dois terços dos ministros que formavam o anterior. Os membros do Governo

cessante permaneceriam em funções até à tomada de posse do novo Governo, salvo se o

PR preferisse nomear, a título transitório, novos titulares dos cargos492. Na sua reunião de

12 janeiro 1976 o CR aprova esta primeira contraproposta, decidindo que seja “entregue

a cada um dos partidos para apreciação493.” É tornada pública em 16 janeiro 1976494.

Sugestões de alteração do PPD e do CDS

Melo Antunes defende-se das reações negativas dos partidos à sua primeira

contraproposta afirmando que pela “«experiência dos últimos dois anos...a vida política

não podia funcionar imediatamente, de maneira livre, em Portugal, ao abrigo das regras

491
I Contraproposta do CR... pp. 10-11 (folhas 12-13).
492
Ibidem. Refira-se que este sistema se assemelha ao defendido na proposta presidencialista que havia sido
discutida pelo MFA internamente aquando do primeiro debate sobre a institucionalização do MFA (cf.
Tópicos para futura Constituição… Consultar o Anexo 6).
493
Nesta reunião o CR decide ainda “manter a Comissão do MFA junto da AC, prevista na Plataforma de
Acordo Constitucional com os Partidos Políticos, mas alterando a sua constituição para somente 1 Oficial
por cada Ramo das FA” (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º 2, Reunião de 12 janeiro 1976,
p. 3).
494
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… p. 196.
138
democráticas.»” O CR “pretendia impedir «o regresso ao fascismo»” e garantir “«uma

transição pacífica para um modelo de socialismo adaptado à realidade portuguesa.»” A

segunda fase das negociações, agora de encontros bilaterais, inicia-se em 20 janeiro

1976495.

Na reunião com o PPD, realizada em 29 janeiro, os representantes do CR deixam

claro que aceitam modificações, “admitindo a transformação do veto absoluto em veto

suspensivo, a exercer pelo PR ouvido o CR.” A AL ou o Governo teriam então de

reapreciar o diploma, “não podendo o PR, depois da segunda leitura, recusar a

promulgação496.” Em 31 janeiro o CR reúne com o PCP, em 2 fevereiro com o CDS, e

em 3 fevereiro com o MDP. Após estes encontros, os partidos enviam ao CR por escrito

as suas sugestões de revisão497.

A do PPD centra-se no facto de Galvão Teles e seus ajudantes terem dado ao CR

o poder de fiscalizar preventivamente por inconstitucionalidade todos os diplomas

“emanados de órgãos democraticamente designados,” podendo opor um “boicote

legislativo” à condução da política legislativa do Parlamento e do Governo. Sugere que a

iniciativa de declaração de inconstitucionalidade venha de outro órgão de soberania,

como o PR, o PM, ou o Presidente da AL, tornando o CR mais parecido com um TC498.

495
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... p. 518.
496
António Barbosa de Melo, As negociações do PPD com o CR, s.d. – Miguel Galvão Teles, Escritos
Jurídicos, vol. I, p. 264.
497
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes... p. 519. Maria Rezola afirma que o documento 3 – a segunda
contraproposta do CR – serviu de base à segunda ronda negocial (20 janeiro – 3 fevereiro), embora esta
tenha levado em consideração alterações enviadas pelo CDS por escrito em 4 fevereiro, só podendo ter
ficado pronta depois.
498
A outra opção que dá ao CR é a de ser necessária uma maioria qualificada dos seus membros e de parecer
favorável de uma CC predominantemente composta por jurisconsultos para emitir a decisão declarativa de
inconstitucionalidade (cf. António Barbosa de Melo, As negociações... pp. 262-263).
139
O PPD exige que só fiquem sujeitas a veto do CR as matérias relativas às relações

externas e organização da defesa nacional. Caso contrário “constitucionaliza-se uma

profunda desconfiança relativamente aos representantes eleitos, colocando a sua ação

num amplíssimo domínio na dependência do PR e do CR.” Propõe ainda que em vez de

ser necessária uma maioria qualificada dos deputados à AL para a manutenção de um seu

diploma recusado pelo PR se tenha simplesmente que “examinar o diploma em questão à

luz das objeções...postas pelo PR499.”

Por fim, o PPD critica o sistema que o CR apresentara para julgamento das

inconstitucionalidades. Daria o “monopólio da interpretação oficial da Constituição” ao

CR, furtando-a aos tribunais em cujo exercício de função jurisdicional interferiria de

forma desmedida. O PPD propõe um sistema – transformando a fiscalização sucessiva

concreta em difusa –, envolvendo a criação de um tribunal no qual o CR participaria com

apenas um elemento500, que lhe retiraria muitas das prerrogativas que se havia arreigado

nesta área501.

Ao CDS causa celeuma uma das competências do CR ser “garante do espírito da

revolução democrática e socialista,” sugerindo que se mude para “revolução portuguesa.”

Todavia, não obsta aos poderes de “fiscalização prévia” do CR, nem a que emita

“recomendações em caso de omissão legislativa,” sugerindo ainda que o CR faça

499
António Barbosa de Melo, As negociações... p. 264. O máximo que o PPD aceita seria exigência de
“maioria qualificada constituída por metade mais um” dos “membros do colégio em efetividade de funções”
(cf. Ibidem, p. 265).
“Provedor de Justiça, cinco juízes do Supremo Tribunal de Justiça, cinco juízes do Supremo Tribunal
500

Administrativo, e um membro do CR, que será o Presidente e terá voto de qualidade” (cf. Ibidem, p. 266).
501
Para um relato mais pormenorizado do sistema proposto pelo PPD, ver: Ibidem, pp. 200-201, 265-266.
140
“declaração genérica de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, com força

obrigatória geral e vinculativa dos tribunais, produzida pelo CR após a entrada em

vigor da lei, quer por iniciativa do CR, quer mediante petição dum certo número de

cidadãos, quer por iniciativa do Ministério Público502.”

Restantes contrapropostas do CR e sugestões de alteração do PS e PPD

Com base nesta segunda ronda de encontros e de envio de propostas, o CR confeciona

uma segunda contraproposta. Matizam-se alguns dos pontos mais controversos, como

sejam o requerimento do CR ao PR para dissolução da AL, passando os casos de

“dissolução obrigatória” para o âmbito das competências presidenciais. Ainda assim, o

CR retém o poder de dar “parecer favorável” nos casos de dissolução não-obrigatória. O

direito de veto sobre diplomas da AL e do Governo passa do CR para o PR, ouvido o CR,

e não mais incide sobre a liberdade de associação para fins políticos503.

O CR deixa de se poder substituir aos órgãos legislativos normalmente

competentes no caso de não cumprirem as suas recomendações para o cumprimento das

normas constitucionais504. Passa a ser necessária a ratificação da AL para que o estado de

sítio decretado pelo PR, sob consulta do CR, se prolongue mais de trinta dias. Em caso

de vagatura do cargo o PR interino deixa de ser designado pelo CR, passando a sê-lo pelo

Presidente da AL. A AL não elege mais o novo PR se este renunciar ao cargo no prazo

502
Diogo Freitas do Amaral, Nota do CDS sobre a Revisão do Pacto, 4 fevereiro 1976 – Ibidem, doc. 2,
pp. 1-2.
503
Documento s.d/a./t. II Contraproposta do CR aos partidos políticos, Fevereiro 1976 – ANTT, Conselho
da Revolução, n.º84, Pasta «Pacto MFA-Partidos parte 2», doc. 3, p. 2.
504
Ibidem, pp. 2, 4-7. De acordo com sugestão do CDS, passa a poder “pronunciar-se, com força obrigatória
geral, sobre a constitucionalidade de quaisquer diplomas já promulgados” a solicitação de uma série de
órgãos de soberania (cf. Ibidem, p. 2).
141
de trinta e não sessenta dias após eleições legislativas efetuadas em consequência de

dissolução da AL, passando o PR a não poder candidatar-se nas eleições seguintes505.

À segunda contraproposta do CR pelo que nos chegou opôs-se o PS. Em carta

datada de 17 fevereiro este partido sugere que se suprima o artigo segundo o qual se o CR

se pronunciasse pela inconstitucionalidade de um diploma o PR não o poderia promulgar.

Exige que aquele poder de veto do CR possa ser ultrapassado por uma maioria de dois

terços da AL, passando de absoluto a suspensivo. Propõe ainda composição da CC

diversa506.

Então o CR prepara uma terceira contraproposta. Entre as alterações mais

importantes, destacam-se a necessidade de o PR, aquando da nomeação do PM, para além

de ouvir o CR e os partidos políticos representados na AL, ter em conta os resultados

eleitorais507. Aparece um mínimo e um máximo de cidadãos eleitores necessários para

candidaturas para a presidência da República. O direito de veto sobre diplomas da AL e

do Governo do PR, ouvido o CR, não mais incide sobre as linhas gerais da política

económica, social e financeira508. Levando em conta as sugestões do PS, o presidente da

505
Ibidem, pp. 2-3.
506
O PS sugere que a CC seja “presidida por um membro do CR com voto de desempate,” e composta por
“três juízes eleitos um por cada um dos três graus da Ordem Judiciária, uma individualidade de reconhecido
mérito designada pelo PR, uma individualidade eleita pela AL, e três individualidades de reconhecido
mérito escolhidas pelo CR” (cf. Carta em papel do PS dirigida ao Presidente do CR s.t. II Proposta do PS
ao CR, 17 fevereiro 1976 – Ibidem, pp. 201, 277).
Documento s.d./a./t. – III Contraproposta do CR aos partidos políticos, 24 fevereiro 1976 – Ibidem, pp.
507

268, 288.
508
Ibidem, p. 269. Note-se que, como já vinha estipulado na segunda contraproposta, continua a ser
necessária maioria qualificada de dois terços dos deputados em efetividade de funções para confirmar
decretos (que o PR, ouvido o CR, tenha, exercitando direito de veto, solicitado que se apreciasse
novamente) respeitantes às matérias: limites entre os setores da propriedade estatal, coletiva, e privada,
relações externas (o enfoque sobre as ex-colónias é suprimido da segunda para a terceira contraproposta),
organização da defesa nacional, e regulamentação de altos eleitorais previstos na Constituição (cf. II
Contraproposta do CR... p. 2).
142
CC, do CR, passa a ter voto de desempate, e a referida comissão deixa de poder bloquear

a promulgação de legislação. Suprime-se o artigo que deixava em aberto a possibilidade

de serem atribuídas competências adicionais ao CR509.

Aos partidos foram dadas apenas dezanove horas para alterações à terceira

contraproposta510. O PPD critica o projeto de preâmbulo da autoria de Melo Antunes do

qual o Pacto tinha, entretanto, sido dotado, e contesta a aprovação implícita do programa

do Governo defendida pelo PS porque possibilitaria que governos com programas sem

apoio da Assembleia ou mesmo “sem programa definido e claramente explicitado perante

a Câmara” tomassem posse511.

Na quarta versão do II Pacto, como os dois principais partidos tinham visões

opostas quanto à aprovação implícita – possibilitando governos minoritários ou

presidenciais – ou explícita do programa do Governo, este assunto ficou em aberto, sendo

remetido para determinação posterior em sede de AC512.

Sobre o conteúdo do II Pacto MFA-Partidos assinado em 26 fevereiro 1976

O II Pacto foi concebido para que o MFA dos Nove conseguisse que os representantes

eleitos pelos cidadãos portugueses não desmantelassem o sistema económico montado

509
III Contraproposta do CR... pp. 269, 273-274, 276. Note-se que o PPD havia sugerido que tivesse “voto
de qualidade” (cf. António Barbosa de Melo, As negociações… p. 266).
510
Documento em papel do PPD s.d./a./t. III Proposta do PPD ao CR, 25 fevereiro 1975 – Ibidem, p. 288.
511
Ibidem, pp. 288-289.
Nesta última contraproposta do CR entre o elenco de justificações para a “dissolução obrigatória” da
512

AL pelo PR deixa de constar a rejeição do programa do Governo (cf. Documento s.d./a./t. IV


Contraproposta do CR aos partidos políticos – Ibidem, pp. 286-287).
143
pelo MFA gonçalvista em aliança com a aristocracia proletária após 11 março 1975513.

Embora com o Documento dos Nove Melo Antunes tenha atacado as vanguardas

burocráticas dirigistas ao estilo marxista-leninista que Vasco Gonçalves advogava,

lamentava não ter ocorrido, com os “«avanços do processo revolucionário»,” que não

feriam o “pensamento de esquerda subjacente à elaboração do «Programa» [do MFA],”

a substituição das “estruturas políticas, económicas e sociais do antigo regime,” após a

sua destruição, por “novas estruturas operativas e atuantes, base de uma nova organização

político-social de raiz socialista514.”

Ainda que Melo Antunes discordasse dos meios que Vasco Gonçalves empregara,

concordava com os fins almejados: a “transformação profunda da sociedade portuguesa,”

com o MFA como “guia e condutor do processo515.” A transição constitucional que fica

imprimida no II Pacto é vista pelos conselheiros da revolução como a transição, por mais

uma fase, para o socialismo516. Havia pois que continuar sustendo uma “recuperação da

direita517,” e evitar também assim o “regresso aos quartéis” ou a definitiva despolitização

dos militares. A própria Lei de Reestruturação das FA de 11 dezembro 1975 era ambígua

513
Ver Documento-base do Governo Carlos Fabião… onde Melo Antunes explicita as motivações para já
em agosto querer que se reveja o Pacto. Melo Antunes transmite viva animosidade contra Mário Soares,
enquanto PM do I Governo Constitucional, e o PS, por não proteger a reforma agrária, tentando ao invés
apoderar-se dela, através de “medidas administrativas e repressivas contra ela,” acusando Soares de se ter
“constituído como vanguarda da sua revolução: o «anti-gonçalvismo»” (cf. Documento confidencial s.d.a.
Troca de impressões com o PR em 31 janeiro 1977 em torno da Reforma Agrária – ANTT, Ernesto Melo
Antunes, caixa 22 pasta 2, pp. 1-2).
514
Melo Antunes, Documento dos Nove, 7? agosto 1975 –
http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=poderpol26 (consultado em 4.5.2019).
515
Ibidem.
516
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes… p. 522. Ver ainda, sobre esta matéria: Jorge Miranda, A
Constituição… pp. 221-222. Melo Antunes alude quatro vezes à necessidade de “transformação” da
sociedade portuguesa, e duas às “conquistas” que precisam ser garantidas e consolidadas no seu projeto de
preâmbulo ao II Pacto (consultar este projeto em: Jorge Miranda, Fontes e trabalhos... pp. 1218-1219).
517
Afirmação de Melo Antunes (cf. ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º 2, Reunião de 3
dezembro 1975, pp. 5-6).
144
a este respeito, afirmando que as FA tinham uma missão “histórica de garantir as

condições que permitam a transição pacífica e pluralista da sociedade portuguesa para a

democracia e o socialismo518.”

No sistema de governo montado pelos gonçalvistas com o I Pacto o MFA

dispunha de mais recursos: a sua própria Assembleia, o chefe do Governo e o equivalente

a metade dos ministros da sua confiança. Aquela Assembleia foi, entretanto, suprimida.

O chefe do Governo deixou de ser um militar com a tomada de posse do I Governo

constitucional em 23 julho 1976, e os CEM dos três ramos deixaram de ter competência

ministerial com o II Pacto. No entanto, mesmo não constando do texto final, os ministros

da Defesa, da Administração Interna, e das Regiões Autónomas continuaram a ser

militares (ponto 6)519.

Para além do ponto 6 que não vinha explicitado mas foi observado pelos primeiros

cinco governos constitucionais, de esquerda520, dos «catorze pontos» que o MFA havia

exigido aos partidos em fevereiro 1975 o II Pacto consagrou quatro: a autonomia do poder

militar do civil (ponto 1), a duração da fase de transição (ponto 8) – quatro anos (5.1)521

–, garantia que a nova Constituição seria de acordo com o PMFA (ponto 3)522 e mais

518
Discurso do CEMGFA Costa Gomes proferido em 16? fevereiro 1976 – 5ª Divisão, Estágio político-
militar… folha 3 (p. 4). Ver, sobre este ponto: Jorge Miranda, A Constituição… p. 39.
519
Os primeiros ministros da Defesa e da Administração Interna civis tomaram posse com o VI Governo
Constitucional em 3 janeiro 1980, sendo Adelino Amaro da Costa (CDS) e Eurico de Melo (PPD),
respetivamente, no primeiro governo de direita em Portugal depois de 25 abril 1974 (cf. composição do VI
GC em António José Telo, História Contemporânea… pp. 217-218).
520
Veja-se a composição destes governos em Ibidem, pp. 198-216. Note-se que os ministros das Regiões
Autónomas continuaram sendo militares até 1999, quando estes ministérios foram suprimidos.
521
Note-se que esta proposta da equipe de Melo Antunes ia de encontro à baliza temporal sugerida pelo
PPD: I Contraproposta do CR… p. 12 (folha 14); Francisco Sá Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma…
p. 8. Ver o disposto no II Pacto em Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… p. 297.
522
Neste caso com uma leitura progressista daquele Programa, leitura que a CCPMFA anuncia em 31
dezembro 1974 em conferência de imprensa (cf. Jorge Miranda, A Constituição... p. 18, nota de rodapé 8).
Veja-se o conteúdo do texto lido por Franco Charais nesta conferência de imprensa em Jorge Miranda,
145
importante a intervenção controladora do MFA sobre a legislação do Parlamento e do

Governo em relação a certas leis (ponto 2) saiu reforçada, com a metamorfose do poder

de sanção do CR sobre leis do Governo e da AL para um poder de veto, que passa no

entanto, no caso da AL, de absoluto a suspensivo523.

O II Pacto MFA-Partidos consagra um sistema de governo daquilo a que Melo

Antunes chamou “presidencialismo mitigado524.” Para além do trânsito do poder de veto

do CR para o PR, ouvido o CR (2.5.1)525, a principal diferença entre a primeira e a última

versão apresentada pela comissão Melo Antunes do II Pacto é a eliminação do poder do

CR “requerer ao PR, que não poderá recusar-se a decretá-la, a dissolução da AL”

mediante alguns requisitos526, passando o PR a deter este poder de dissolução livre527. O

CR deixa de se poder substituir aos órgãos legislativos normalmente competentes no caso

Fontes e trabalhos… pp. 1169-1171: o PMFA não é “um documento preenchido com conceitos e
proposições rígidas que pretende traçar, a régua e esquadro, a orientação política, económica e social da
Nação. Como programa de um movimento, não poderá deixar de ser dinâmico.” Não se visa uma “leitura
formal” daquele Programa.
523
Notas sobre a Revisão… pp. 18-19 (9-10). O poder de veto legislativo acaba por ser dado ao PR, ouvido
o CR, sobre algumas matérias, e o CR retém-no relativamente a outras através do seu papel de garante da
Constituição, podendo pronunciar-se sobre a constitucionalidade de quaisquer diplomas antes da sua
promulgação. Após pronunciar-se pela inconstitucionalidade de qualquer diploma, antes do mesmo ser
promulgado é o PR a exercer o direito de veto. Só com uma maioria de dois terços dos deputados poderá
então a AL promulgar o diploma. Se se tratar de decreto do Governo, o veto do PR (acionado pela
declaração de inconstitucionalidade do CR) leva a que não possa ser promulgado, por ser absoluto (cf.
Versão final do II Pacto em Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… pp. 291, 293-294; Jorge
Miranda, A Constituição… p. 424). O CR pode ainda declarar, com força obrigatória geral, sobre a
constitucionalidade de qualquer diploma depois da sua promulgação (CDS).
524
Notas sobre a Revisão… p. 1.
525
O universo de matérias que este poder abrange também é reduzido. Nomeadamente, são suprimidos
diplomas sobre a liberdade de associação para fins políticos e linhas gerais da política económica, social e
financeira (cf. Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… p. 269; II Contraproposta do CR… p. 2).
526
Quando a AL haja rejeitado programas de Governo, recusado votos de confiança ou votado moções de
censura que obriguem à terceira substituição do Governo durante a mesma legislatura (cf. I Contraproposta
do CR – Jorge Miranda, Fontes e trabalhos… p. 1211).
527
Ver o disposto naquele artigo da versão final do II Pacto (2.3-h) em Miguel Galvão Teles, Escritos
Jurídicos, vol. I… pp. 290-291.
146
de estes não cumprirem as suas recomendações relativas ao incumprimento da

Constituição por omissão528.

Neste sistema, o PR tem os poderes – mesmo que limitados pela autorização do

CR – de declarar a guerra, fazer a paz, declarar o estado de sítio ou de emergência, nomear

e exonerar o PM529. Um mês depois de ser declarado o estado de sítio a AL precisa de o

ratificar. O PR nomeia os membros do Governo sob proposta do PM. Para além de

funções de promulgação legislativa, cabe ao PR dissolver a AL, marcando data para novas

eleições530. O PR tendo de ser do MFA, e o CR tendo de ser ouvido para a nomeação do

PM, o MFA continuaria de alguma forma a exercer poder político até ao termo do

primeiro mandato do chefe de Estado531.

A outra forma em que poderíamos argumentar continuar o CR a exercer poder

político com o II Pacto seria se tivéssemos em conta que as tarefas de “fiscalização por

incumprimento da Constituição por omissão” e de “fiscalização preventiva da

constitucionalidade” não se confinam a “aspetos técnico-jurídicos,” sendo tarefas

políticas “por excelência,” para as quais “nada prova estarem os magistrados ou juristas

528
I Contraproposta do CR… pp. 4-8 (folhas 6-10); II Contraproposta do CR… pp. 2, 4-7. Ainda assim, o
CR pode verificar o incumprimento da Constituição por omissão, mantendo-se recurso para o Ministério
Público para avaliação pela CC em certos casos, e formular recomendações aos órgãos legislativos. Desta
forma o poder de definir as orientações programáticas da política do CR no I Pacto passa para o controle
positivo das omissões do legislador (cf. Notas sobre a Revisão… pp. 17-18 (8-9)).
529
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I... p. 291. Para nomear e exonerar o PM o PR tem ainda
que ouvir os partidos representados na AL e “ter em conta” os resultados das eleições, restrições na verdade
pouco impeditivas.
530
Estes poderes da AL e do PR migram diretamente do I Pacto sem alterações: D.-5.3, D.-2.2-d), e) e f).
O que é novo relativamente ao I Pacto é que o PR é agora obrigado a dissolver a AL “quando esta haja
recusado votos de confiança ou aprovado moções de censura que determinem...a terceira substituição do
Governo perante a mesma legislatura” (cf. Ibidem, pp. 290-292, 297). De resto, exerce o poder de
dissolução livremente.
531
Como afirmou Galvão Teles, “com um PR hostil, as coisas teriam sido muito difíceis” (cf. Ibidem, p.
198). Quanto à necessidade do PR ouvir o CR para a nomeação do PM, consta do disposto no 3.13-a do II
Pacto (cf. Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… p. 296).
147
especialmente aptos532.” Contudo, exerce este poder político condicionando-o “por via

negativa533.”

Põe-se a hipótese de o PM ser um militar. Para além do aumento significativo do

âmbito e competências dos poderes de TC – que o CE do art. 13.º da Lei n.º3/74,

transferidos para o CR com a Lei n.º5/75, e alargados no I Pacto534, já detinha – o CR

ainda retém funções de JSN535. Pela sua composição, a CC dificilmente deliberaria em

sentido diverso do desejado pelo CR536. A forma como a dupla responsabilidade política

do Governo perante o PR e a AL (4.1) – disposição que migra sem alterações do I Pacto

(D.-4.4) – se processa permanece indefinida. Sublinha-se, contudo, que “em caso de

demissão, os membros do Governo cessante” permanecem em funções “até à posse do

novo Governo.” A dissolução da AL ou vagatura do cargo de PR não significam o fim

dos mandatos dos representantes previamente eleitos537.

Conclusão

532
Serviços de Apoio ao Conselho da Revolução, Auditoria Jurídica. Nota sobre a proposta de revisão do
“PACTO” apresentada pela Comissão do CR, 23 janeiro 1976 – ANTT, Conselho da Revolução, n.º84,
pasta «Pacto MFA-Partidos parte 2», doc. 5, pp. 1-2.
533
Notas sobre a Revisão… pp. 1-2.
534
Jorge Miranda, A Constituição… p. 73.
535
Como seja declarar a impossibilidade física do PR (veja-se o disposto no art. 13.º 1. 5.º da Lei n.º3/74).
536
Presidida por um elemento do CR com voto de desempate, que será Melo Antunes (MFA), e composta
por quatro juízes, um designado pelo Supremo Tribunal de Justiça, e os restantes designados pelo Conselho
Superior da Magistratura, um dos tribunais de relação e dois dos tribunais de primeira instância, uma
personalidade de reconhecido mérito designada pelo PR (MFA), outra designada pela AL, e duas outras
designadas pelo CR (MFA), tendo pelo menos uma destas de ser um jurista de conhecido mérito (cf. Ibidem,
p. 295).
537
Ibidem, p. 297.
148
A alteração do equilíbrio de forças após 25 novembro resultou principalmente na redução

da perceção pelo eleitorado da legitimidade dos partidos de apoio eleitoral minoritário

vanguardistas. Melo Antunes sente a necessidade de, logo em 26 novembro, vir à

televisão defender a importância para a construção do socialismo da manutenção do PCP

enquanto partido legalizado, embora tivesse estado envolvido na tentativa de golpe

revolucionário de 25 novembro. Internamente o MFA decide suprimir a sua Assembleia,

apresentando esta decisão como trunfo para as negociações perante os representantes

partidários, deixando-lhes apresentar suas propostas primeiro538.

As propostas enviadas pelos partidos dividem-se entre os que queriam que as FA

regressassem aos quartéis – CDS539 e PPD – os que tinham uma posição ambígua – o PS

– e os que queriam que o MFA retivesse um papel muito semelhante ao que vinha tendo

na prática desde a primeira AMFA realizada em 6 dezembro 1974 e legalmente desde 7

abril 1975540 – PCP e MDP. Como com exceção do MDP todos os partidos são favoráveis

à eleição direta do chefe de Estado – presumivelmente para reforçar o princípio

democrático – a redução concomitante de poder e legitimação do CR levam a que exija

amplos poderes541.

A primeira contraproposta do CR não teve aquelas propostas partidárias em

particular consideração. Limitou-se a corporizar a estratégia que Melo Antunes e seus

538
Maria Inácia Rezola, Melo Antunes… pp. 501-507; Francisco Sá Carneiro, PPD – Revisão da
Plataforma... p. 10.
539
Referimo-nos ao facto do CDS ter sugerido esquartejar o CR, transformando-o num órgão misto militar-
civil, mesmo que tenha afirmado na introdução à sua proposta que era contra o “regresso aos quartéis” (ver
Victor Sá Machado, CDS – Proposta de Revisão... p. 3 introdução, p. 6 composição CR/CE). Ver ainda
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… p. 194.
Maria Inácia Rezola, 25 de Abril: Mitos… p. 117; ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1,
540

Reunião de 3 abril 1975, p. 6


541
Jorge Miranda, A Constituição… p. 28; Notas sobre a revisão… pp. 1-2.
149
assessores jurídicos já haviam planeado de operar uma transferência do essencial dos

poderes que detinha no I Pacto para o âmbito do seu papel reforçado de TC na nova

ordem. Estratégia que vinha de encontro aos poderes que certos deputados constituintes

ainda defendiam para o CR após 25 novembro542.

Do processo negocial alteram-se as componentes mais chocantes exigidas

inicialmente pelos militares, como sejam os poderes de veto absoluto do CR sobre leis do

Governo e da AL (3.5-d)), de iniciativa da declaração de inconstitucionalidade (3.7-a)),

julgando as questões de inconstitucionalidade suscitadas nos tribunais (3.4-c)), e a

possibilidade do CR se substituir aos órgãos legislativos no caso de não acatarem as suas

recomendações relativas ao incumprimento da Constituição por omissão (3.4-b))543.

Jorge Miranda (PPD), Medeiros Ferreira (PS), a SEDES, etc. (cf. Informação – Assunto: Pacto
542

MFA/Partidos… pp. 7-9; Notas sobre a Revisão… pp. 11-12 (2-3), 16-21 (8-12)).
543
O PPD consegue limitar o objeto da fiscalização preventiva do CR, e o PS exige que o poder de veto do
CR às leis da AL seja suspensivo e não absoluto, podendo ser ultrapassado por maioria de dois terços da
AL, embora mantendo-se a possibilidade de fiscalização abstrata (o PPD nem tolerava que fosse necessária
maioria de mais de metade). O PPD consegue que a fiscalização sucessiva concreta passe a difusa, furtando
a iniciativa de declaração de inconstitucionalidade à CC, intervindo esta só depois de decisão do tribunal
comum, embora continue a haver acesso àquela Comissão quando o tribunal comum tivesse aplicado uma
norma anteriormente julgada inconstitucional, e por fim retira-se ao CR o poder de se substituir aos órgãos
legislativos (cf. Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… pp. 200-201, 265).
150
O sistema de governo dos projetos de Constituição dos partidos e o sistema de
governo da Constituição de 1976

Com exceção do PPD, que só a apresenta em 9 julho 1975, os restantes partidos – PS,

PCP, CDS e MDP – apresentam, na AC, os seus projetos de Constituição aos 7 julho.

Considerando que o grosso do sistema de governo já fora traçado pelo MFA no I Pacto,

a margem de manobra dos partidos é diminuta544. Ainda assim, há diferenças assinaláveis

nas propostas apresentadas.

O PR nos projetos de Constituição dos partidos

Começando por uma comparação dos poderes dados ao chefe de Estado, as principais

diferenças residem na necessidade de referenda ministerial ou de autorização do CR para

os atos do PR. PCP e MDP permitem que o candidato tenha um mínimo de trinta anos,

enquanto PS, PPD e CDS exigem que tenha 35 ou mais. PPD e MDP insistem que tenha

tido sempre cidadania portuguesa545.

É preocupação comum a todos os projetos apresentados evitar que o PR tenha

excessivos poderes. Assim, onde lhe são dados poderes presidencialistas, como sejam

544
Como referiu Sá Carneiro, os trabalhos constituintes haviam-se caracterizado pelo “inêxito do...esforço
da 5ª Comissão da AC para chegar a um texto constitucional que conciliasse” o Pacto MFA-Partidos “com
as elementares exigências do princípio de liberdade política,” tendo o MFA institucionalizado, aquele
instrumento, a sua “autocracia política” (cf. Francisco Sá Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma... p. 3).
Art. 65.º 1., PCP… p. 503; art. 59.º 1., MDP… p. 487; art. 62.º, PS… p. 519; art. 81.º 2., PPD… p.
545

555; art. 60.º, CDS… p. 469.


151
presidir ao Conselho de Ministros – CDS e MDP – corta-se noutros546. Veja-se como o

MDP exige proposta do CR para que o PR possa celebrar tratados internacionais ou

indultar e comutar penas, ou como o CDS introduz um Conselho de Estado civil para

assistir o PR na convocação extraordinária da AL, sua dissolução, nomeação ou

exoneração do PM e na indultação e comutação de penas547.

O PPD também dá ao PR o poder de presidir ao Conselho de Ministros e ratificar

tratados internacionais, embora aí carecendo de referenda ministerial 548. Acresce que o

seu mandato é reduzido, sendo de três – PPD – e não cinco – PS, PCP, MDP – anos549.

PPD, PCP e CDS dão-lhe o poder de “convocar extraordinariamente a AL” sob referenda

ministerial, PCP “quando assim o exigir o bem da República” e CDS “por motivo de

interesse nacional550.”

Todos os partidos dão aquele “domínio reservado” da política externa ao PR,

diferindo tão só na forma. Se PCP vê a direção da política externa pelo PR como tendo

que se efetuar em coordenação com o CR e o Governo, dá ao PR para ratificar tratados

internacionais e concluir acordos551. O CDS dá este último poder ao PR mediante

referenda552. Refira-se ainda a ligeira alteração introduzida pelo PPD na forma de eleição

Art.º 69.º 10.º, CDS… p. 470; art.º 55.º e), MDP… p. 487. Note-se que o CDS dá esta prerrogativa ao
546

PR embora afirme também que “do Conselho de Ministros participam, em regra, apenas o PM e os
Ministros” (cf. Art. 115.º 1.º, CDS… p. 477).
547
Art. 55.º i) e n), MDP… p. 487; art. 73,º 1., CDS… p. 471. O PCP dá ainda ao Governo ou ao CR o poder
de convocar a AL extraordinariamente (cf. Art. 83.º 2., PCP… p. 506).
548
Art. 89º 5.º e art. 90.º, PPD… p. 556.
549
Art. 88.º 1., PPD… p. 556; art. 63.º 1 –, PS… p. 519; art. 66.º 1., PCP… p. 503; art. 57.º, MDP… p. 487.
550
Art. 89.º 9.º e art. 90.º, PPD… p. 556; art. 70.º o) e art. 71.º, PCP… p. 504; art. 69.º 6.º e art. 71.º, CDS…
pp. 470-471.
551
Art. 70.º f) e h), PCP… p. 504.
552
Art. 69.º 3.º e art. 71.º, CDS… pp. 470-471.
152
do PR, adicionando-lhe uma terceira ronda eliminatória caso nenhum candidato obtenha

20% dos votos na segunda553.

O Governo nos projetos de Constituição dos partidos

Quanto ao Governo, todos os partidos afirmam que o PM é escolhido pelo PR ouvido o

CR e “forças políticas e partidos que entender por convenientes,” o Governo sendo

“escolhido pelo PM tendo em atenção a representatividade dos partidos na AL e possíveis

coligações, empossado pelo PR” de acordo com o I Pacto (D. 4.1 e 4.2). Todos concordam

ainda que o PM é politicamente responsável perante o PR e a AL554.

Para o PS o Governo tem vinte dias para apresentar à AL o seu “programa de

ação” sujeitando-se então ao voto de confiança daquela. Para PPD e PCP o Governo

submete-se a voto de confiança na primeira sessão da AL. Para o PCP durante os

primeiros seis meses de vigência do Governo a AL não poderá votar-lhe moções de

desconfiança. Para o CDS o Governo só é empossado pelo PR se o seu programa obtiver

voto de confiança da AL555.

O PCP sugere que possa haver “ministros sem pasta” para o desempenho de

“missões de natureza específica” e com “funções de coordenação entre ministros ou

outras delegadas pelo PM,” aquele último podendo “gerir negócios de um ou mais

553
Art. 82.º 4., PPD… p. 555.
554
Art. 74.º 2., 3., e art. 78.º, PS… pp. 520-521; art. 122.º 2., 3., e art. 124.º 1., PPD… pp. 560-561; art. 88.º
3. e art. 91.º 1., PCP… pp. 506-507; art. 107.º 1. e 2., e ainda art. 108.º 1., CDS… p. 476; art. 84.º e art. 85.º
1. e ainda art. 89.º, MDP… p. 490. A dupla responsabilidade política do Governo perante o PR e a AL
também vinha do I Pacto (D. 4.4).
555
Art. 77.º, PS… p. 521; art. 123.º 1., PPD… p. 560; art. 91.º 2. e 6., PCP… p. 507; art. 109º, CDS… p.
476.
153
ministérios556.” Com o ministro do Planeamento Económico “da confiança do MFA” de

acordo com o I Pacto o PCP é também o único partido a afirmar que compete ao Governo

“elaborar e executar o plano económico nacional,” que, com a rejeição do PPES de Melo

Antunes, pode seguir uma linha gonçalvista-comunista, até porque os ministros do MFA

estão excluídos da necessidade de obter confiança da AL. Da mesma forma quando o

Governo esteja executando diretivas do CR estas não podem ser alvo de moção de

desconfiança da AL e o Governo não pode referendar atos do PR emanados do CR557.

A AL nos projetos de Constituição dos partidos

O mandato da AL é para PS e MDP de quatro anos, para PPD e PCP de três anos. Quanto

à duração da legislatura, para PPD oito meses, PS “pelo menos” seis meses, PCP seis

meses, CDS cinco meses e meio, MDP quatro meses. Contrariamente a PS, PPD e CDS,

MDP e PCP não compaginam que os deputados beneficiem de livre trânsito, passaporte

especial em deslocações oficiais ao estrangeiro ou cartão especial de identificação e

subsídios a determinar por lei558.

Enquanto para PS, PPD, CDS e MDP a AL representa o “povo português,” para o

PCP é responsável perante as “massas populares” e os “órgãos democráticos

556
Estas estipulações dos comunistas mais não eram que a manutenção do disposto nos n.ºs 1. e 5. do art.
14.º da Lei n.º 3/74 relativos à constituição e formação do GP.
557
Art. 88.º 1. e 6., art. 89.º 1. b), art. 91.º 3. e 5., art. 71.º 2. b), PCP… pp. 504, 506-507.
558
Art. 81.º, art. 83.º f), g) e h), art. 85.º 1., PS… pp. 521-522; art. 99.º, art. 105.º 6., art. 115.º 1., PPD…
pp. 557-558, 560; art. 79.º 2., art. 83.º 1., PCP… pp. 505-506; art. 81.º, art. 85.º 1. e) e f), art. 96.º 1., CDS…
pp. 472, 474; art. 70.º, art. 77.º 1., MDP… p. 489. O CDS dá ao CR o poder de definir o subsídio dos
deputados, “cartão de livre trânsito e passaporte diplomático,” enquanto o PS refere o assunto de forma
semelhante ao PPD.
154
revolucionários559.” Embora, como os restantes partidos, também refiram que as reuniões

plenárias são públicas, PCP e CDS dão hipótese de estas terem “caráter reservado quando

nelas se tratar de matéria relativa à segurança nacional” ou “se houver segredo de Estado,”

respetivamente560. O PCP é o único partido a indicar que as votações em plenário pelos

deputados não podem ser secretas, e o MDP a referir que a AL pode prorrogar o seu

funcionamento quando julgar necessário até trinta dias561.

PS, PPD e CDS criam órgãos junto da AL. O PS cria uma Comissão Permanente

presidida pelo Presidente da AL e com 24 deputados representantes dos partidos com

assento na mesma em proporção da sua representatividade numérica para acompanhar a

atividade do Governo nos intervalos das sessões legislativas podendo convocar a AL

sempre que julgue necessário ou que o Governo o solicite562.

O PPD cria uma Comissão Parlamentar dos Interesses dos Cidadãos e um

Conselho da Comunicação Social. A primeira dura o mandato da AL e trata de queixas

dos cidadãos contra atos ilegais ou injustos da administração propondo à AL ou ao

Governo medidas retificativas. O segundo inclui deputados em correspondência com a

representatividade dos grupos parlamentares e trabalhadores da informação. Vela pela

objetividade da informação e pelo pluralismo dos meios de comunicação social,

superintendendo aqueles pertencentes ao Estado563.

559
Art. 80.º 3., PS… p. 521; art. 103.º, PPD… p. 558; art. 78.º 2., PCP… p. 505; art. 84.º 1., CDS… p. 472;
art. 72.º, MDP… p. 489.
560
O PS refere ainda que as “atas das respetivas sessões” devem “ser publicadas” (cf. Art. 87.º, PS… p.
522). Ver também art. 116.º 2., PPD… p. 560; art. 83.º 3., PCP… p. 506; art. 95.º 2., art. 97.º 1., CDS… p.
474.
561
Art. 84.º 3., PCP… p. 506; art. 77.º 2., MDP… p. 489.
562
Art. 86.º 1. e 2., PS… p. 522.
563
Art. 114.º 1., 2., e 3., PPD… pp. 559-560.
155
O CDS cria uma pluralidade de comissões, de Verificação de Poderes, da

Redação, da Ordem do Dia, dos Direitos e Imunidades, de Política Geral e do Defensor

do Cidadão. Aquela última funciona como elo de ligação com o Defensor do Cidadão,

órgão “independente e imparcial” que funciona de forma semelhante à Comissão

Parlamentar dos Interesses dos Cidadãos do PPD564.

O CDS é o único partido a criar exceção à imunidade dos deputados no exercício

das suas funções, passando estes a ter “responsabilidade civil e criminal por difamação,

calúnia e injúria, bem como por provocação pública ao crime.” Os deputados assim

indiciados seriam imediatamente suspensos do cargo. Os partidos são unânimes em

defender que membros do Governo possam participar das reuniões plenárias da AL565.

Órgãos do poder local/“popular” nos projetos de Constituição dos partidos

PS, PCP e MDP ainda referem órgãos do poder local/“popular”. O PS cria um Conselho

Municipal, órgão consultivo a funcionar junto da Assembleia e da Câmara Municipal,

junto do qual se podem fazer representar órgãos de democracia direta e o MFA. No

entanto, a competência daquele conselho limita-se a “dar parecer sobre o plano de

atividades da câmara municipal566.” Da mesma forma, os socialistas não descuram as

associações de moradores – compostas por plenário e CM – enquanto representantes de

564
Art. 99.º, art. 100.º, art. 102.º, art. 103.º, e art. 104.º, CDS… p. 475.
565
Art. 88.º 2., PS… p. 522; art. 118.º 1., PPD… p. 560; art. 85.º, art. 97.º 3., CDS… pp. 472-474, art. 91.º
10., PCP… p. 507; art. 80.º, MDP… p. 490. Note-se que para o PCP os membros do Governo só têm “direito
a intervir nas sessões” da AL “em que se discutam moções de desconfiança.”
566
“Uniões sindicais ou sindicatos; comissões de trabalhadores ou de seus organismos coordenadores;
cooperativas; unidades de produção e distribuição socializadas; associações de pequenos e médios
agricultores, industriais e comerciantes; estabelecimentos de ensino e saúde; e associações de caráter
cultural e desportivo” (cf. Art. 117.º 1. e 2., art. 118.º, PS… p. 524).
156
“setores significativos da população de cada freguesia,” para “colaborar na resolução de

problemas sociais” locais, podendo “prestar e receber colaboração dos órgãos executivos

e técnicos da freguesia e do concelho” para a “concretização dos seus objetivos,” contudo

“sem poderes administrativos567.”

O PCP afirma que a “aliança entre o movimento popular de massas e o MFA está

na base da organização do poder político,” determinando “a estrutura e o funcionamento

dos órgãos de soberania.” As “estruturas populares unitárias de base, em cooperação com

os partidos” socialistas e com o MFA, reforçam a “unidade popular” e o “controle”

popular na “atividade do aparelho de Estado.” Contudo, para além da referência ao

fomento da “ação autónoma” destas ligas, comissões, e assembleias populares, a sua

“intervenção ativa” no governo local é definida de forma pouco precisa568.

O TC nos projetos de Constituição dos partidos

Um último ponto a considerar é a forma como os partidos tratam a questão dos poderes

de TC do CR. O PS cria outro órgão de soberania junto do PR, intitulado Conselho de

Defesa das Liberdades e de Garantia Constitucional, de composição mista militar-civil,

para ajudar o PR na dissolução da AL e para “dar parecer, segundo lei a publicar, sobre a

constitucionalidade de qualquer projeto de lei ou decreto-lei a publicar.” De resto, caberia

567
Arts. 119.º, 120.º, 121.º e 122.º, PS… p. 524.
568
Arts. 61.º e 98.º, PCP… pp. 503, 508. O MDP vai mais longe concebendo uma assembleia anual “à
escala nacional,” representativa dos “órgãos locais do Estado” para aperfeiçoar a “administração local,”
discutir assuntos sociais e reforçar a “unidade popular.” Para este partido as “assembleias populares” são
“órgãos do poder e da Administração,” ou seja detêm os poderes administrativos que os socialistas lhes
sonegam (cf. Arts. 99.º, 100.º, 101.º, 102.º, 103.º, 104.º, 105.º, 106.º, 107.º, 108.º, MDP… pp. 491-492).
157
ao CR dar parecer sobre a “legitimidade constitucional” de diplomas legais causadores

de diferendo nos tribunais569.

O PPD dá mais poder ao Supremo Tribunal de Justiça, encarregando o seu

Presidente de presidir a um Conselho Superior Judiciário, cujo vice-Presidente seria

nomeado pelo PR, sob proposta do PM. Caso um tribunal entenda que “uma lei, decreto-

lei ou outro diploma legislativo...viola a Constituição ou os seus princípios...fará

subir...ao STJ a questão de inconstitucionalidade para efeito de apreciação.” O CR só se

envolve no processo quando o STJ “concluir pela existência de inconstitucionalidade570.”

Para o PCP, o CR decide “com força obrigatória geral, por sua iniciativa ou a

requerimento dos tribunais sobre a constitucionalidade das leis,” remetendo para lei a

elaborar “os trâmites” deste procedimento571. O CDS concebe uma “repartição de

competências.” Cria um TC à parte572, órgão ao qual compete “decidir sobre a

inconstitucionalidade formal [e orgânica] das leis,” remetendo para o CR o papel de fiscal

da sua constitucionalidade. Como com o STJ para o PPD, a questão de

inconstitucionalidade suscitada nos tribunais sobe ao TC, sendo este a remetê-la, caso

entenda ser da sua competência, ao CR573.

569
Arts. 69.º e 70.º, art. 97.º, PS… pp. 519, 522-523.
570
Arts. 140.º, 141.º, art. I, PPD… pp. 562-563.
571
Art. 106.º, PCP… p. 509.
O Presidente do TC é “nomeado pelo PR,” o órgão sendo composto por nove juízes, três dos quais
572

nomeados pelo Presidente da AL e outros três pelo Presidente do STJ (cf. Arts. 136.º, 137.º, 138.º, 139.º,
CDS… p. 479). Competiria à AL legislar sobre a organização e funcionamento do TC (cf. Art. 90.º q),
CDS… p. 474).
573
Arts. 133.º, 134.º, 135.º, 140.º, CDS… p. 479.
158
O PR na Constituição de 1976

Na versão final o candidato a chefe de Estado precisa de ser maior de 35 anos (art. 125.º),

segundo os projetos de PS, PPD e CDS, e português de origem (ibid.), de acordo com

PPD e MDP574. O número de cidadãos eleitores necessário para candidaturas àquele cargo

é de acordo com o II Pacto (2.1): mínimo 7,500 máximo 15,000 (art. 127.º 1.), sua forma

de eleição direta (art. 124.º) também obedecendo àquele artigo da II Plataforma,

ignorando o PPD, único a propor uma terceira volta575, processando-se a eleição em duas

voltas (art. 129.º) de acordo com o I Pacto (D.-2.3.2).

O mandato presidencial é de cinco anos (art. 131.º) de acordo com os projetos de

PS, PCP e MDP576. O PR necessita de autorização (art. 132.º 1.) do CR e assentimento da

AL – apenas se estiver em funcionamento – para se ausentar do território nacional577.

Cabe ao CR a iniciativa do processo, avançando mediante deliberação favorável da AL,

a apresentar por crimes praticados pelo PR no exercício das suas funções, respondendo

este perante o STJ (art. 133.º)578. Durante a ausência ou impedimento temporário do PR,

assume as suas funções o Presidente da AL ou, no caso de se encontrar dissolvida, o

membro do CR que este designar (art. 135.º 1.). A supressão do envolvimento do CR no

574
Art. 62.º, PS… p. 519; art. 81.º 2, PPD… p. 555; art. 60.º, CDS… p. 469; art. 59.º 1. a), MDP… p. 487.
575
Art. 82.º 4., PPD… p. 555.
576
O PPD propôs um mandato presidencial de três anos (cf. Art. 88.º 1, PPD… p. 556), e o CDS não
especificou (cf. Art. 63.º, CDS… p. 470). Ver os mandatos de cinco anos sugeridos pelos restantes partidos:
art. 63.º 1 –, PS… p. 519; art. 66.º 1., PCP… p. 503; art. 57.º, MDP… p. 487.
577
Na segunda parte deste artigo (art. 132.º 2.), a disposição que ficou na versão final retira a necessidade
do assentimento da AL nos casos de passagem, em trânsito, ou viagem não-oficial de até dez dias,
mantendo-se implicitamente a necessidade de autorização do CR. Esta disposição assemelha-se mais às
propostas nos projetos do PCP e do MDP (cf. Art. 68.º, PCP… p. 504; art. 61.º, MDP… p. 488).
578
Este artigo corresponde sobretudo ao constante do projeto do PPD (cf. Art. 85.º 1. e 2., PPD… p. 555).
O CDS blindara o PR de ter de responder pela “responsabilidade criminal...por atos praticados durante o
desempenho das suas funções” (ou seja, não apenas crimes estranhos ao exercício das suas funções) durante
o mandato (cf. Art. 66.º, CDS… p. 470).
159
caso de ser necessário um PR interino (2.7) tinha sido uma das conquistas dos partidos

nas negociações para rever o Pacto579.

Alguns dos poderes do PR mantêm-se semelhantes aos que já tinha de acordo com

o art. 7.º da Lei n.º3/74. Senão vejamos: o poder de marcar o dia das eleições dos

deputados (art. 136.º b) constava do art. 7.º 6.º, o poder de convocar a Assembleia (art.

136.º c) constava do art. 7.º 7.º580, o poder de nomear e exonerar os membros do Governo

(art. 136.º g) constava do art. 7.º 3.º581, e o poder de presidir ao Conselho de Ministros

(art. 136.º h) mediante referenda constava do art. 7.º 5.º. PPD, CDS e MDP haviam dado

este poder ao PR nos seus projetos582. O poder do PR de nomear e exonerar o PM, ouvido

579
Progresso relativamente aos projetos apresentados em sede de Constituinte pelos partidos, onde todos
os partidos, obedecendo ao disposto no I Pacto (D.-2.4) davam este poder de designar o PR interino ao CR
(embora não afirmassem poder o CR escolhê-lo “de entre os seus membros” (cf. Art. 64.º, PS… p. 519 (no
caso de impedimento permanente); art. 87.º 3., PPD… p. 556 (no caso de impedimento temporário); art.
66.º 4., PCP… p. 504 (impedimento não especificado); art. 68.º 1. e 2., CDS… p. 470 (impedimento
temporário e permanente); art. 65.º, MDP… p. 488 (impedimento temporário e permanente)). Embora o CR
não mais possa designar o PR interino na versão final do II Pacto, continua a poder pronunciar-se sobre a
sua impossibilidade física e “verificar impedimentos temporários do exercício das suas funções” (cf. Miguel
Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… p. 293). Na Constituição de 1976 também se cerceiam os poderes
do PR interino, quando for o Presidente da AL, mediante o disposto no art. 140.º, impossibilitando-o de
praticar alguns atos sem deliberação favorável do CR.
580
A diferença sendo que no art. 7.º 7.º da Lei n.º3/74 o PR podia convocar a AC e abrir a sua sessão, não
sendo feita referência ao poder de convocação extraordinária, que lhe é concedido com os arts. 136.º c) e
177.º 3. da Constituição de 1976, tendo-lhe sido retirado o poder de abrir a sessão da Assembleia, sendo
transferido para o poder de dirigir mensagens à mesma, poder proposto nos projetos do PPD (abrir a sessão
necessitava de referenda) e do CDS ainda acoplado ao poder de abertura da primeira sessão (cf. Art. 89.º
8.º, PPD… p. 556; art. 69.º 5.º, CDS… p. 470). O PCP dava-lhe o poder livre de convocar
extraordinariamente a AL (cf. Art. 70.º o), PCP… p. 504).
581
A diferença sendo que no art. 7.º 3.º da Lei n.º3/74 os ministros nomeados pelo PR tinham de dar
garantias de se identificarem com o Programa do MFA, e o PR podia exercer este poder sem necessitar de
refenda ministerial (cf. Art. 8.º 2. a) da Lei n.º3/74). O controlo desta garantia passou para a necessidade
de o CR ser ouvido para a nomeação e exoneração do PM (art. 136.º f), propondo depois o PM os membros
do Governo ao PR (art. 136.º g). Controlo que vinha já do I Pacto (D.-2.2-c) e d).
582
Arts. 89.º 5.º, 90.º, PPD… p. 556; arts.º 69.º 10.º, 71.º 1., e 115.º 1.º, CDS… pp. 470-471, 477; art.º 55.º
e), MDP… p. 487. A diferença reside no facto do poder de presidir ao Conselho de Ministros proposto pelo
PPD necessitar de referenda ministerial, o do CDS e do MDP estando livres dessa obrigação: “sempre que
o entender conveniente ou quando o PM lho solicitar.”
160
o CR (arts. 136.º f), 147.º a), e 190.º 1.º) constava do I Pacto (D.-2.2-c))583. O poder de

dissolver a AL “precedendo parecer favorável” do CR (art. 136.º e) é uma adaptação do

mesmo poder “sob deliberação” do CR do I Pacto (D.-2.2-e))584. Na versão final do II

Pacto o poder de dissolução da AL do PR (2.3-h) era exercido livremente, sem

intromissão do CR.

Na prática de atos próprios os poderes do PR mantêm-se cerceados mediante a

necessidade de referenda ministerial, para além da autorização do CR, para declarar o

estado de sítio (arts. 137.º c), 145.º c)585 e a guerra e a paz (arts. 138.º c), 145.º b)586. O

poder que o CR detinha de acordo com o I Pacto (D.-3.2-K)) de se pronunciar sobre “todas

as emergências graves para a vida da Nação” passa para o PR, ouvido o CR (art. 137.º d)

na Constituição de 1976. De acordo com os projetos de PPD, PCP, e CDS também

carecem de referenda os poderes do PR de indultar e comutar penas 587 e segundo PPD,

PCP e CDS nomear embaixadores tal como ratificar tratados internacionais588.

583
Estas disposições haviam sido unânimes da parte dos partidos em seus projetos de Constituição (cf. Art.
74.º 2. e 3., PS… p. 520; art. 122.º 2., 3., PPD… p. 560; art. 88.º 2., PCP… p. 506; art. 107.º 1. e 2., CDS…
p. 476; arts. 84.º e 85.º 1., MDP… p. 490) em obediência ao I Pacto (D.-4.1 e 4.2).
Foi o PCP que sugeriu esta terminologia do ato: “deliberação,” durante as negociações do II Pacto (cf.
584

Parecer e Propostas do PCP… pp. 4-5).


585
No art. 7.º 12.º da Lei n.º3/74 o PR já tinha que ouvir o CE para declarar o estado de sítio, este poder já
carecendo de referenda ministerial (art. 8.º da mesma Lei).
586
A informação sobre a necessidade de referenda ministerial consta do art. 141.º 1.
587
Arts. 89.º 12.º e 90.º, PPD… p. 556; arts. 70.º j) e 71.º 1. e 2., PCP… p. 504; arts. 69.º 11.º e 71.º 1.,
CDS… pp. 470-471. O PS dera este poder ao PR sem carecer de referenda: art. 66.º j), PS… p. 519 e o MDP
dera-o acoplado à concessão de amnistias “ouvidos o PGR e o CR” (cf. Art. 55.º n), MDP… p. 487).
588
Arts. 89.º 11.º e 90.º, PPD… p. 556 (menção apenas da ratificação de tratados e que “dirige” a política
externa); arts. 70.º g), h), i) e 71.º 1. e 2., PCP… p. 504; arts. 69.º 3.º e 71.º 1., CDS… pp. 470-471. O MDP
exigia que, para representar a Nação e celebrar tratados internacionais, o PR recebesse proposta do CR ou
do Governo, ouvido o CR. De resto dava-lhe o poder de acreditar representantes diplomáticos estrangeiros
e nomear, sob proposta do ministro dos Estrangeiros, os embaixadores e enviados extraordinários (cf. Art.
55.º i), l), m), MDP… p. 487). Note-se que o MDP queria que o ministro dos Estrangeiros fosse “da
confiança do MFA” (cf. Parecer do MDP/CDE sobre a Revisão... p. 7). O poder do PR de representar a
Nação, dirigir a política externa do Estado, concluir acordos e ajustar tratados internacionais, ratificando
tratados depois de devidamente aprovados, mediante referenda ministerial, já constava do art. 7.º 9.º da Lei
n.º3/74 (ver ainda o art. 8.º da mesma Lei).
161
O Governo na Constituição de 1976

A “ideia primacial do semipresidencialismo,” segundo Jorge Miranda, a dupla

responsabilidade do Governo perante o PR e a AL, mantém-se (art. 193.º), vinda do I

Pacto (D.-4.4)589. O cargo de vice-PM, criado pela Lei n.º10/75 de 7 agosto 1975 aquando

da formação do V GP590, mantém-se (art. 186.º 2.)591. De acordo com os projetos de PCP

e MDP, o Governo “define e executa a sua política com respeito pela Constituição por

forma a corresponder aos objetivos da democracia e da construção do socialismo” (art.

185.º 2.)592. De acordo com o PCP, o CR necessita ser ouvido para a substituição do PM

pelo PR (art. 188.º 1.)593.

O programa do Governo é apresentado à apreciação da AL no prazo máximo de

dez dias a seguir à nomeação do PM (art. 195.º 1.)594. Após debate de não mais de cinco

dias (art. 195.º 3.), aquele programa só pode ser rejeitado por maioria absoluta dos

589
Jorge Miranda, A Constituição… p. 421. Recorde-se que na primeira negociação, dos «catorze pontos»,
entre finais de fevereiro e inícios de março 1975, dos representantes do MFA com os representantes dos
partidos políticos recentemente legalizados, os militares haviam proposto um Governo dependente
politicamente exclusivamente do PR, e que o PS propusera em contraposição a dupla dependência do
Governo perante o PR e a AL, tendo apenas o MDP aceite aquele ponto do MFA. Sabemos também que o
PPD propôs, em 30 dezembro 1975, aquando da negociação do II Pacto, um Governo dependente
exclusivamente da AL (cf. Consultar os «catorze pontos» do C20 no Anexo 7; Resposta do PS... pp. 2-3,
5; Parecer do MDP/CDE... p. 3; Francisco Sá Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma… p. 12).
590
Jorge Miranda, A Constituição… pp. 51, 67 (nota de rodapé 34).
591
Saliente-se que nenhum projeto de Constituição dos partidos referia a possibilidade de haver vice-PM
(s). A posição de vice-PM constava também da proposta Palma Carlos (cf. arts. 14.º 1. e 15.º 2. em Jorge
Miranda, Fontes e trabalhos… pp. 1167-1168).
592
Esta alínea é uma metamorfose do disposto no PMFA, que serviu de Constituição com a Lei n.º 3/74 ,
que estipulava que os GP governariam por decreto que obedecesse obrigatoriamente ao espírito do PMFA
(cf. Jorge Mirana, A Constituição… pp. 42-43). Ver ainda os projetos de PCP e MDP: art. 87.º, PCP… p.
506; art. 87.º a), MDP… p. 490.
593
Caso não exista vice-PM e o PM cessante não indique um seu sucessor ao PR. Ver articulado do projeto
do PCP: art. 88.º 8., PCP… p. 507. O MDP dera esta atribuição ao PR: art. 91.º, MDP… p. 490.
594
Aproximando-se do disposto no projeto de Constituição do PS: Art. 77.º, PS… p. 521, onde o Governo
tinha vinte dias para o fazer.
162
deputados (art. 195.º 4.). A AL pode votar moções de censura ao Governo sobre a

execução do seu programa por iniciativa de um quarto dos deputados (art. 197.º 1.),

durando a sua apreciação e debate um total de cinco dias (art. 197.º 2.). Se não for

aprovada, os seus signatários não podem apresentar outra durante a mesma sessão

legislativa (art. 197.º 3.)595. Significa isto que são aceites implicitamente governos que

obtenham menos que a maioria absoluta de apoio da parte da Assembleia, eventualmente

minoritários, de acordo com o desígnio de Miguel Galvão Teles, chefe da equipe de Melo

Antunes na negociação do II Pacto596.

A AL na Constituição de 1976

Fixou-se a duração da legislatura em oito meses por ano (art. 177.º 1.) durante quatro anos

(art. 174.º 1.) tal como haviam proposto nos seus projetos de Constituição PPD – oito

meses por ano – PS e MDP – quatro anos597. Aos deputados acabaram por ser concedidos

os benefícios condizentes com a dignidade do cargo – livre trânsito, passaporte especial,

cartão especial de identificação, subsídios (art. 161.º b), c), d) – defendidos por PS, PPD

e CDS que lhes eram sonegados pelos comunistas598.

595
Duas moções de censura ao Governo com pelo menos trinta dias de intervalo aprovadas por maioria
absoluta dos deputados levam à demissão do Governo (art. 198.º c) mas a sua aprovação é dificultada se
considerarmos que os signatários da primeira não podem participar duma segunda, como vimos acima. De
novo, o propósito é dificultar a rejeição do programa do Governo, que fica assim livre de avançar mesmo
sem apoio sólido parlamentar.
596
I Contraproposta do CR… pp. 10-11 (folhas 12-13); Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I…
pp. 198-199. Contrastem-se estas disposições com a constante da proposta do PPD aquando das mesmas
negociações de que se o programa do Governo não fosse aprovado por maioria absoluta dos deputados seria
necessária formação de novo executivo (cf. Francisco Sá Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma… p. 11).
597
Art. 115.º 1., PPD… p. 560; art. 81.º, PS… p. 521; art. 70.º, MDP… p. 479.
598
Art. 81.º, art. 83.º f), g) e h), art. 85.º 1., PS… pp. 521-522; art. 99.º, art. 105.º 6., art. 115.º 1., PPD…
pp. 557-558, 560; art. 79.º 2., art. 83.º 1., PCP… pp. 505-506; art. 81.º, art. 85.º 1. e) e f), art. 96.º 1., CDS…
pp. 472, 474; art. 70.º, art. 77.º 1., MDP… p. 489.
163
A AL fica com a competência de aprovar as leis do Plano e do OGE (arts. 164.º g

e 165.º d), e) segundo PS, PPD e CDS599. O poder de vigiar pelo cumprimento da

Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração passa para a AL

(art. 165.º a)600. O poder de apreciar o programa do Governo, que Melo Antunes queria

que passasse pelo crivo do CR aquando da negociação do II Pacto, é agora exclusivamente

da AL (art. 166.º a)601.

A AL passa a legislar sobre os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (art.

167.º c), poder que PS, PPD e CDS lhe haviam concedido nos seus projetos, mas que PCP

e MDP não lhe haviam outorgado602. Ganha também o poder de legislar sobre regimes de

estado de sítio e de emergência (art. 167.º d) e a remuneração do PR e dos membros do

Governo (art. 167.º u). Grande parte do art. 167.º referente à reserva de competência

legislativa da AL segue as propostas de PPD e CDS603.

A ideia da Comissão Permanente para a Assembleia do PS repercute-se na

Constituição (art. 182.º), sendo a AL dotada de um “corpo permanente de funcionários

técnicos e administrativos e...especialistas...temporariamente contratados” para

coadjuvá-la nos seus trabalhos e nos das suas comissões (art. 184.º)604. A AL fica com o

599
Art. 91.º a) e b), PS… p. 522; art. 108.º 9.º e 10.º, PPD… p. 558; art. 88.º 14.º, CDS… p. 473.
600
Este poder era exercido pelo PR e pela JSN de acordo com os arts. 7.º 1.º e 10.º 1.º da Lei n.º 3/74 de 14
maio 1974.
601
Melo Antunes queria que o CR tivesse o poder de avaliar sobre a conformidade do programa do Governo
com os “objetivos da revolução constitucionalmente consignados” antes da apreciação da Assembleia (cf.
Notas sobre a Revisão… p. 16 (7)).
602
Art. 90.º f), PS… p. 522; art. 109.º b), PPD… p. 559; art. 90.º d), CDS… p. 473.
603
Estes partidos foram os que entregaram projetos de Constituição mais completos, com extensos
articulados, nestas matérias. Vejam-se, como exemplos, as semelhanças entre o art. 167.º a), b) h), l), o),
p), q), r), s) da Constituição de 1976 e o art. 109.º a), e), f), h), i), j), l), n), do PPD (cf. PPD… p. 559) ou
entre o art. 167.º a), e), h), o), q), s) e o art. 90.º a), b), e), m), h), q) do CDS (cf. CDS… pp. 473-474.
604
Art. 86.º, PS… p. 522. As competências da Comissão do PS são aumentadas: agora, para além dos
poderes de acompanhar a atividade do Governo e convocar a Assembleia quando necessário (o Governo
deixa de ter o poder de solicitar que o faça), pode acompanhar a atividade da Administração (art. 186.º a),
164
poder de iniciativa legislativa, que partilha com o Governo (art. 169.º 1.) e de ratificar

decretos-leis publicados pelo Governo (art. 172.º). De acordo com o pedido por todos os

partidos os membros do Governo podem comparecer às reuniões plenárias da AL (art.

180.º 1.)605.

O poder local/“popular” na Constituição de 1976

As organizações populares de base são disciplinadas na Constituição final pela sua

submissão à assembleia de freguesia, que demarca as suas áreas territoriais (art. 164.º 1.,

2.). Do mesmo modo, a assembleia de freguesia pode delegar nas organizações de base

territorial tarefas administrativas que não envolvam o exercício de poderes de autoridade

(art. 248.º). A estrutura daquelas organizações incluindo assembleias e comissões de

moradores é definida em lei confecionada pela AL (arts. 118.º, 167.º i) e 265.º 1.). As

CM, compostas também por residentes inscritos no recenseamento da freguesia (art. 265.º

2.), podendo esta assim manter-se a par da sua ação, são eleitas por escrutínio secreto pela

assembleia de moradores (art. 265.º 4.) e não mediante procedimentos de votação por

braço no ar.

O TC na Constituição de 1976

exercer os poderes da Assembleia relativamente ao mandato dos deputados (art. 182.º b), “preparar a
abertura da sessão legislativa” (art. 182.º d), e recomendar o exame de decretos-leis publicados pelo
Governo fora do funcionamento efetivo da Assembleia (art. 182.º e), exercendo assim um papel de
vigilância legislativa sobre o Governo.
605
Art. 88.º 2., PS… p. 522; art. 118.º 1., PPD… p. 560; art. 85.º, art. 97.º 3., CDS… pp. 472-474, art. 91.º
10., PCP… p. 507; art. 80.º, MDP… p. 490.
165
A parte da Constituição que mais ficou de acordo com a última versão do II Pacto foi a

relativa à fiscalização da constitucionalidade de que o CR se apetrechara (arts. 277.º,

279.º, 280.º, 281.º e 282.º)606.

De acordo com a Constituição de 1976 o CR fica com o poder de receber para, no

máximo em cinco dias, analisar “todos os decretos remetidos ao PR para serem

promulgados como lei ou decreto-lei ou que consistam na aprovação de tratados ou

acordos internacionais” (art. 277.º 1.). Mantém-se o direito de veto, exercido pelo PR, se

o CR então se pronunciar pela inconstitucionalidade de qualquer daqueles diplomas (art.

279.º 1.), contudo suspensivo para os da AL (art. 279.º 2.) como havia exigido o PS para

o II Pacto607, e apenas absoluto para os do Governo (art. 279.º 3.).

Como defendeu o PPD para o II Pacto608, ao CR é furtado o poder de deter a

incondicionalmente iniciativa da declaração de inconstitucionalidade, passando esta para

solicitação do PR, do “Presidente da AL,” do “PM,” do “Provedor de Justiça,” do “PGR”

ou das “assembleias das regiões autónomas” (art. 281.º 1.) ou para o CR, com força

obrigatória geral, se a CC tiver declarado aquela norma inconstitucional “em três casos

concretos, ou num só, se se tratar de inconstitucionalidade orgânica ou formal, sem ofensa

dos casos julgados” (art. 281.º 2.).

Por fim quando “os tribunais se recusem a aplicar uma norma constante de lei”

com “fundamento em inconstitucionalidade,” o recurso é ordinário, e só depois deste

606
Ver como o disposto naquela parte da Constituição de 1976 é igual ao disposto no (3.7 – 3.13) do II
Pacto (cf. Versão final do II Pacto – Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… pp. 293-296).
607
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… pp. 200-201, 264-265. Veja-se 3.5-d) da primeira
contraproposta do CR, ou seja, da primeira versão do II Pacto (cf. Jorge Miranda, Fontes e trabalhos… p.
1213). Recorde-se que o PPD nem maioria de mais de metade aceitava.
608
António Barbosa de Melo, As negociações... pp. 262-263.
166
recurso sobe o assunto “para julgamento do caso concreto” pela CC (art. 282.º 1.). Se a

Comissão tiver declarado uma norma inconstitucional e for essa a norma em questão

também obterá recurso (art. 282.º 2.). Excluída a situação (1.) o julgamento definitivo de

inconstitucionalidade cabe aos tribunais e não à Comissão (art. 282.º 3.)609.

Conclusão

Na AC os partidos dividem-se claramente entre os que queriam limitar o poder de

interferência do MFA no sistema de governo e os que o queriam aumentar610. Estes

últimos também tendiam a minorar a importância da AL enquanto órgão de soberania nas

suas propostas611. Os projetos de Constituição dos partidos mostram esta diferença de

perspetivas, embora no que se refere ao sistema de governo sejam muito semelhantes,

devido à necessidade de obedecer ao disposto no Pacto. Os deputados que mais apelaram

à autoridade daquele instrumento ao qual há quem não dê valor jurídico foram justamente

os que o conceberam e que mais influenciaram o seu aspeto final612.

609
Também uma redução do poder do CR ao qual pertencia com a primeira versão do II Pacto o exclusivo
do conhecimento da “inconstitucionalidade de quaisquer atos suscitados nos tribunais” (3.7-a) do II Pacto)
devido ao desacordo do PPD (cf. Jorge Miranda, Fontes e trabalhos… p. 1213; Miguel Galvão Teles,
Escritos Jurídicos, vol. I… pp. 265-266). Note-se que os mecanismos em que ao CR cabia apenas o segundo
recurso no julgamento das inconstitucionalidades constavam dos projetos de Constituição do PPD e do
CDS (cf. Art. I, PPD… pp. 563-564; Arts. 133.º, 134.º, 135.º, 140.º, CDS… p. 479).
610
Exemplo dos primeiros seria a criação pelo CDS de um CE paralelo ao CR, um Defensor do Cidadão, e
um TC, todos civis (cf. Arts. 72.º e 73.º (CE), arts. 102.º, 103.º e 104.º (Defensor do Cidadão), e arts. 136.º,
137.º, 138.º, 139,º e 140.º (TC), CDS… pp. 471, 475, 479-480). Exemplo dos segundos seria o remeter dos
poderes relativos à política externa do PR à concertação com o CR por PCP e MDP (cf. Art. 70.º f), PCP…
p. 504; art. 55.º i), MDP… p. 487).
611
Vejam-se por exemplo a não concessão de passaporte diplomático, cartão de identidade especial,
subsídios e outras benesses concomitantes com o cargo de deputado pelo PCP e MDP nos seus projetos de
Constituição, a AL não legislar sobre os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, ou ainda a sugestão
do MDP de que a AL reúna apenas por uma sessão de quatro meses por ano, e que possa prorrogar o seu
funcionamento por trinta dias quando entender (cf. Art. 77.º 1. e 2., MDP… p. 489).
612
Vejam-se as intervenções de Octávio Pato (PCP), Lopes de Almeida (PCP), Luís Catarino (MDP), José
Tengarrinha (MDP) e Álvaro Monteiro (PCP) em sede de Constituinte: Diários… pp. 215-216, 218-219,
167
Entre as principais alterações ao sistema de governo operadas do I para o II Pacto

temos a forma de eleição do PR, embora mesmo passando esta a ser direta continua a ser

executada mediante duas voltas como vinha estipulado no I Pacto (D.-2.3.2). A dupla

responsabilidade política do Governo perante o PR e a AL permanece intacta (D.-4.4).

Temos de concordar com Jorge Miranda quando afirma que o sistema dos pactos

constituiu “predeterminação da Lei Fundamental à margem da AC613.”

247, 310, 312. Jorge Miranda acredita que o I Pacto estava desprovido de valor jurídico: Jorge Miranda, A
Constituição… pp. 95 e ss.
613
Jorge Miranda, A Constituição… p. 29.
168
Conclusão

Poder-se-á argumentar, como Braga da Cruz, que o sistema de governo inscrito na

Constituição surgiu do acordado entre o MFA e os partidos614. O passo seguinte seria

averiguar qual o peso do MFA vis-à-vis os partidos neste processo. Sabemos que em

março 1975 pelo menos o PS sugeriu, em resposta aos «catorze pontos», ao invés da

responsabilidade exclusiva do Governo perante o chefe de Estado proposta pelo C20, uma

dupla responsabilidade perante este e a AL615. Sendo embora este um princípio

importante, por si só não pode representar a definição de todo um sistema.

O órgão colegial revolucionário CR, funcionando na prática desde 26 outubro

1974, poucos meses depois dos militares já deterem o poder político com a queda do I

Governo provisório em julho, é da autoria dos militares. A AMFA, também concebida

por eles, reúne pela primeira vez em 6 dezembro 1974. Embora o CDS sugira que o MFA

se institucionalize numa Câmara Alta em março 1975, o MFA já tinha estudado essa

hipótese, e concomitante eleição indireta do chefe de Estado, em 21 janeiro616. O MFA

não está disposto a “ceder nos pontos essenciais,” diz Vasco Lourenço aos representantes

614
Manuel Braga da Cruz, O sistema político… p. 71.
615
Para além deste princípio semipresidencial, o PR designaria o PM e a AL daria confiança ao Governo
por maioria simples (cf. Resposta do PS... pp. 2-3, 5). Todas estas disposições socialistas acabaram na
Constituição de 1976. Note-se que a responsabilidade do Governo exclusivamente perante o chefe de
Estado já constava do art. 15.º da Lei n.º3/74. Naquela altura não existia ainda nenhuma Assembleia...
616
Resposta do CDS… p. 4; Consultar o Anexo 4 do presente trabalho do qual consta o documento secreto
de 21 janeiro com a eleição indireta do PR e o MFA institucionalizado em Câmara Alta.
169
partidários em 2 abril617. Como se poderiam os representantes partidários ter imposto ao

MFA: não detinha aquele a força das armas?

A semelhança entre o sistema inscrito no I Pacto e a proposta do MDP/CDE

apenas comprova que foi a ala militar afeta aos comunistas que mais o influenciou

naquele momento618. Os propósitos da fação gonçalvista do MFA a eles afeta são

conhecidos: destruição do capitalismo português e entrega do império à URSS619. A

influência dos representantes partidários na versão final do I Pacto acabou cifrando-se

essencialmente sobre o seu elemento doutrinário620. Quando os partidos apresentam seus

projetos de Constituição em sede de Constituinte em julho 1975, os sistemas de governo

constantes daquelas, no essencial, são todos iguais.

É certo que a forma de eleição direta do PR inscrita na Constituição de 1976

resultou do que PS, PPD, PCP e CDS propuseram ao MFA em 30 dezembro 1975. Pelo

menos no que concerne PS, PPD e CDS, não terá sido aquela escolha o resultado da

vontade de reforçar o princípio democrático, retirando poder ao MFA621? Se não tivesse

sido necessário fazê-lo, teriam todos optado pelo mesmo esquema? É o MFA que diz aos

partidos que não reunirá mais a sua Assembleia em 17 dezembro622. Nesta altura os

617
Maria Inácia Rezola, Os militares na Revolução… pp. 155-157, 161-162. Todas as sugestões do PS
contidas na sua carta enviada aos 4 Abril são ignoradas pelo CR.
618
Na proposta do MDP/CDE vem escrito que o poderoso CSR seria “emanação da AMFA” (cf. Parecer
do MDP/CDE... p. 1). Em debate interno o MFA também já se dera dois órgãos de soberania: o Conselho
Revolucionário “responde perante a AMFA.” Consultar o Anexo 5.
619
Propósitos partilhados ainda com o PS (cf. David Castaño, Mário Soares… pp. 85-87).
620
Sobretudo pela mão do CDS (cf. Diogo Freitas do Amaral, op cit, pp. 360-362; Jorge Miranda, A
Constituição… p. 21). Como se pode ver pelo Anexo 4 já em 21 janeiro o MFA gonçalvista planeava
explicitamente impor a forma de organização política aos partidos, sob risco de perderem o seu apoio para
a campanha eleitoral à AC.
621
Jorge Miranda, A Constituição… p. 28.
622
Francisco Sá Carneiro, PPD – Revisão da Plataforma... p. 10.
170
comunistas já tinham menos influência, como se vê pelo apelo inconsequente do MDP à

eleição indireta, e à vontade deste partido e do PCP de que o MFA se institucionalize

noutro órgão de soberania que substitua a sua Assembleia defunta623.

Propomos que se não o autor, o gerador do sistema de governo de 1976 foi o MFA.

O MFA era oposto à concentração de poderes, tendo-se batido o quanto pôde pela sua

dispersão624. Daí a extrema colegialidade do GP inscrita na Lei n.º3/74 e o robusto CE

com ela criado625. Como vimos da análise feita no último capítulo deste trabalho, muitos

dos poderes do chefe de Estado inscritos na Constituição de 1976 mantiveram-se iguais

ao que já eram desde a promulgação daquela Lei em 14 maio 1974626.

O presidencialismo implícito no esquema proposto por Palma Carlos em julho

1974, tal como constante de proposta interna do MFA de inícios de 1975, não foi aceite627.

Mesmo sendo Vasco Gonçalves mais próximo da família política dos restantes líderes do

623
Parecer do MDP/CDE sobre a Revisão… pp. 3-5, 7; Parecer e Propostas do PCP... p. 3. Ainda assim
Costa Gomes tendia para a eleição indireta, Melo Antunes também a queria, e os motivos porque logo em
agosto os Nove queriam que o Pacto fosse revisto eram justamente os mesmos motivos económicos que
tinham despoletado a sua primeira iteração, neste caso para salvaguarda das “conquistas revolucionárias” e
para evitar uma recuperação da direita, condicionando o regime à esquerda (cf. ANTT, Conselho da
Revolução, Atas, vol. 2 n.º2, Reunião de 3 dezembro 1975, pp. 5-6 e Reunião de 11 dezembro 1975, anexo
F; Documento-base do Governo Carlos Fabião…; Anotações manuscritas de Melo Antunes à reunião do
Conselho da Revolução de 15 dezembro 1975; Documento manuscrito s.d./a./t. – ANTT, Ernesto Melo
Antunes, caixa 133 pasta 8, doc. 3; Notas sobre a Revisão…).
624
Como proclamou Vasco Gonçalves em 25 julho 1975: “após o 25 de abril...no sentido de combater o
fascismo ainda ativo, atacou-se toda a forma de Poder ou autoridade não baseada na aceitação, no
esclarecimento e no consenso coletivo, quer a nível militar, quer a nível civil” (cf. Jorge Miranda, Fontes e
trabalhos… pp. 1189-1195).
625
Ver os arts. 14.º, 15.º, 16.º e 17.º da Lei n.º3/74 relativos à colegialidade do GP. Quanto aos poderes do
PR e do CE, ver arts. 7.º, 12.º e 13.º. Não teremos já aqui a origem do binómio PR – CR da Constituição de
1976?
626
Ver O PR na Constituição de 1976.
627
Consultar Anexo 6. A proposta Palma Carlos pode ser consultada em Jorge Miranda, Fontes e
trabalhos… pp. 1153-1168.
171
MFA que Spínola, a sua vontade de concentração de poderes num triunvirato que servisse

de vanguarda torna-o impopular entre os militares, levando ao seu afastamento628.

E quanto ao II Pacto? Que dizer do facto de ter sido Miguel Galvão Teles o autor

do sistema que possibilitou governos minoritários de iniciativa presidencial que ficou

consagrado na Constituição? O mesmo advogado afirmou ter pedido para o CR “por

motivos negociais” uma quantidade excessiva de poderes629. Sendo assim, os partidos não

retiraram poderes ao CR dos quais este não se quisesse separar. Poderíamos argumentar

sem risco de estar errados que o CR acabou o processo negocial do II Pacto com todos os

poderes que queria reter630. À Constituinte foi apenas deixado espaço para decidir como

se processaria a dupla responsabilidade política do Governo perante o PR e a AL, e

mesmo aqui só porque durante a negociação do II Pacto o CR não tinha chegado a acordo

com os partidos sobre este ponto devido às posições diferentes de PS e PPD631.

A nova correlação de forças no pós-25 novembro corta com a via que caminhava

para uma “situação revolucionária,” mas não acabou inteiramente com o anarco-

populismo, nem tampouco retirou às FA, com a Lei n.º17/75 de 26 dezembro 1975, o

papel de acompanhar o país na “transição para o socialismo632.” Daí, como para o efeito

628
A ideia de uma transição “pluralista” para o socialismo, e da colegialidade do CR em sintonia com as
formas de organização populares de base, permitindo uma melhor auscultação dos anseios do povo, era
mais popular entre os militares (cf. Portugal e a transição para o socialismo…).
629
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… pp. 196, 198-199.
630
O MFA camuflou a sua influência no sistema político, tendo reparado que já não podia exercê-la
abertamente. Os seus poderes de controle positivo das omissões do legislador, e de direito de veto
suspensivo e absoluto exercidos através do PR, davam-lhe, no entanto, um lugar central no sistema. Veja-
se como Mário Soares afirma o PS apreciar a “discrição do CR” (cf. Folhas soltas em papel impresso da
presidência da República s.a., Exposição do Primeiro-Ministro perante o CR, 9 fevereiro 1977 – ANTT,
Ernesto Melo Antunes, caixa 133, pasta 2). Ver também como Melo Antunes planeou esta transição: Notas
sobre a Revisão… pp. 1-2 e ss.
631
Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol. I… p. 199.
Poder que Melo Antunes ainda queria em 26 novembro 1975 que fosse de “motor da revolução” (cf.
632

Maria Inácia Rezola, Melo Antunes… pp. 501, 503-506. Consultar aquela Lei:
172
ao tempo alertou o PPD, a constitucionalização de forte desconfiança da AL por parte dos

militares633 e do caráter preferencialmente suprapartidário, o candidato sendo um

“cidadão eleitor” (art. 125.º) e não identificado como membro de um partido, do PR634.

https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-
/search/310804/details/maximized?sort=whenSearchable&sortOrder=ASC&q=Constitui%C3%A7%C3%
A3o+da+Rep%C3%BAblica+Portuguesa&print_preview=print-preview&perPage=100 (31.5.2019).
633
O poder que hoje pertence ao PR de garantir o regular funcionamento das instituições democráticas e o
cumprimento da Constituição na versão de 1976 pertencia às FA (art. 273.º 3.). Estas “identificadas com o
espírito do PMFA, asseguram o prosseguimento da Revolução de 25 abril 1974” (art. 273.º 2.). Ver a
contraproposta do PPD da autoria de Barbosa de Melo em Miguel Galvão Teles, Escritos Jurídicos, vol.
I… p. 264.
634
Quem melhor descreveu as competências “unitárias” acima das “disputas partidárias” do chefe de Estado
foi o MDP: Parecer do MDP/CDE sobre a Revisão… p. 5.
173
Anexos

1. Elementos da “Ata” da primeira reunião do Conselho dos Vinte de 26 outubro

1974

2. Proposta gonçalvista de institucionalização do MFA referindo Conselho Superior

e Assembleia do MFA

3. Proposta moderada de institucionalização do MFA referindo Conselho de Estado

e Assembleia do MFA

4. Proposta gonçalvista de institucionalização do MFA de 21 janeiro 1975 com

discussão de sistema de governo transitório referindo Assembleia do MFA

5. Proposta gonçalvista de institucionalização do MFA com discussão de sistema de

governo transitório referindo Conselho Revolucionário e Assembleia do MFA

6. Proposta presidencialista de institucionalização do MFA com discussão de

sistema de governo transitório referindo Conselho de Estado

7. «Catorze pontos» apresentados pelo Conselho dos Vinte aos representantes

partidários em 21-27 fevereiro 1975

8. Primeira versão do I Pacto discutida na reunião do Conselho da Revolução de 27

março 1975 ilustrando como MFA via sistema de governo transitório

174
1. Elementos da “Ata” da primeira reunião do Conselho dos Vinte de 26 outubro 1974

175
176
177
178
Fonte: Ernesto Melo Antunes, caixa 134, pasta 18

Imagens cedidas pelo ANTT

179
2. Proposta gonçalvista de institucionalização do MFA referindo Conselho Superior e

Assembleia do MFA

180
181
182
Fonte: Conselho da Revolção, n.º 84. Imagens cedidas pelo ANTT

183
3. Proposta moderada de institucionalização do MFA referindo Conselho de Estado e

Assembleia do MFA

184
185
186
187
188
189
Fonte: Conselho da Revolução, n.º 84

Imagens cedidas pelo ANTT

190
4. Proposta gonçalvista de institucionalização do MFA de 21 janeiro 1975 com

discussão de sistema de governo transitório referindo Assembleia do MFA

191
192
193
194
195
196
197
198
199
200
201
202
203
204
205
Fonte: Conselho da Revolução, n.º 84

Imagens cedidas pelo ANTT

206
5. Proposta gonçalvista de institucionalização do MFA com discussão de sistema de

governo transitório referindo Conselho Revolucionário e Assembleia do MFA

207
208
209
210
211
212
213
214
215
216
Fonte: Conselho da Revolução, n.º 84

Imagens cedidas pelo ANTT

217
6. Proposta presidencialista de institucionalização do MFA com discussão de sistema

de governo referindo Conselho de Estado

218
219
220
221
222
223
Fonte: Conselho da Revolução, n.º 84

Imagens cedidas pelo ANTT

224
7. «Catorze pontos» apresentados pelo Conselho dos Vinte aos representantes

partidários em 21-27 fevereiro 1975

225
226
Fonte: Conselho da Revolução, n.º 84

Imagens cedidas pelo ANTT

227
8. Primeira versão do I Pacto discutida na reunião do Conselho da Revolução de 27

março 1975 ilustrando como MFA via sistema de governo transitório

228
229
230
231
232
Fonte: Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º 2

Imagens cedidas pelo ANTT

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Documentação
242
ANTT, Conselho da Revolução, n.º84, pastas «Pacto MFA-Partidos parte 1», «Pacto

MFA-Partidos parte 2» e «Institucionalização do MFA»

ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 5 n.º91

ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 1 n.º1

ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 12 n.º98

ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 2 n.º2

ANTT, Conselho da Revolução, Atas, vol. 3 n.º 3

ANTT, Conselho da Revolução, Correspondência, vol. 23 n.º 109

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 109 pasta 4

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 19 pasta 23

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 203 pasta 4

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 29 pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 18

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 5

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 20 pasta 4

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 22, pasta 5

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 143, pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 21, pasta 6

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 32, pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 20, pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 20, pasta 5

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 33, pasta 21


243
ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 109, pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134, pasta 5

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 33, pasta 25

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 142, pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 18, pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 18, pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 18, pasta 3

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 18, pasta 13

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134, pasta 12

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134, pasta 3

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134, pasta 13

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134, pasta 19

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 29, pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 79, pasta 8

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 79, pasta 4

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 79, pasta 7

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 80, pasta 6

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 81, pasta 6

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 133, pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 133, pasta 3

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134, pasta 16

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 177, pasta 31

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 177, pasta 34

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 177, pasta 35

244
ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 243, pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 79, pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 82, pasta 7

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 79, pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 79, pasta 3

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 81, pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 203, pasta 3

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 234

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 22, pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 33, pasta 24

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 100, pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 133, pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 146, pasta 3

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 109, pasta 4

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 26, pasta 4

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 203, pasta 4

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 78, pasta 5

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 78, pasta 6

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 129, pasta 19

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 131, pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 20 pasta 4

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 19 pasta 23

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 133 pasta 8

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 18

245
ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 33 pasta 2

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 1

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 6

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 21

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 32 pasta 5

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 26

ANTT, Ernesto Melo Antunes, caixa 134 pasta 18

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