A Verdade e Mentira Na Revolucao de Abril Alvaro Cunhal
A Verdade e Mentira Na Revolucao de Abril Alvaro Cunhal
A Verdade e Mentira Na Revolucao de Abril Alvaro Cunhal
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
1. Explicação ................................................................... 13
2. A história escrita e a verdade histórica .................... 14
3. Verdade e mentira ..................................................... 15
4. Assunção das responsabilidades ............................... 16
5. Democracia: conceito, sistema e prática .................. 18
6. O poder e o seu exercício ........................................ 19
7. Revolução e contra-revolução ................................... 20
8. A contra-revolução confessa-se ................................. 21
III — A CONTRA-REVOLUÇÃO
11
12
INTRODUÇÃO
1. EXPLICAÇÃO
3. VERDADE E MENTIRA
17
7. REVOLUÇÃO E CONTRA-REVOLUÇÃO
Uma das grandes verdades na Revolução de Abril foi a de os
revolucionários se afirmarem revolucionários e os contra-revolu-
cionários, durante muitos anos, não se afirmarem como tal.
20
8. A CONTRA-REVOLUÇÃO CONFESSA-SE
23
24
I
A CRISE FINAL DA DITADURA E A REVOLUÇÃO
25
26
1
O GOVERNO DE MARCELO CAETANO
(*) Dado o imenso número de citações, seria fastidioso para o leitor a indi-
cação sistemática da autoria dos sublinhados. Regista-se, contudo, que na sua es-
magadora maioria são do autor do presente ensaio. (N. do Ed.)
28
2. DEPOIMENTO E CONFISSÃO
3. A DITADURA FASCISTA
E O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO
4. O «BRANQUEAMENTO»
A ditadura militar de 1926 a 1933 e a ditadura fascista de 1933
a 1974 representam quase meio século de liquidação de liberda-
des e direitos fundamentais, de intolerância e ódio, de opressão,
repressão e terror.
Derrubada a ditadura pelo 25 de Abril, conquistada a liber-
dade, desde então, tanto os fascistas, como outras forças contra-
-revolucionárias, passaram a desenvolver constante propaganda a
fim de apagar, sobretudo aos olhos das novas gerações, os aspec-
tos mais odiosos da ditadura.
Tem-se de há muito chamado a esta propaganda o «branquea-
mento» da ditadura (isto é, a lavagem dos seus crimes), assim cha-
mado por analogia com os gangs no tempo da «lei seca» nos Estados
Unidos, que, para pôr a salvo os ganhos fabulosos do fabrico e venda
de bebidas alcoólicas, os investiam em empresas de lavandaria por
eles criadas, empresas onde, por função, é branqueada a roupa suja.
O objectivo da operação de «branqueamento» da ditadura é
ambicioso. Não apenas «branquear», criar uma «boa» e «limpa»
imagem do que foi a ditadura, mas condenar a Revolução de Abril,
nomeadamente falsear e condenar a actividade e a intervenção do
PCP na conquista da liberdade e na instauração e institucionaliza-
ção do novo regime democrático.
38
pessoal nem preso sem culpa formada» (n.o 8), «a liberdade de reu-
nião e associação» (n.o 14).
Mas, além dos «salvo se», e «segundo a lei» do texto da Cons-
tituição, nenhum destes direitos era respeitado e aqueles que
ousavam exercê-los ou querer exercê-los eram, conforme as
circunstâncias, presos pela PIDE, ou reprimidos pela polícia ou
GNR.
Quanto à lei relativa aos «crimes contra a segurança do Esta-
do», durante muitos anos fixara penas máximas de 23-24 meses,
o que alguns propagandistas do «branqueamento» apresentam
como «prova» da generosidade de Salazar. «Ele nem sequer gos-
tava de longas penas de prisão [diz um deles], preferia que tudo
se resolvesse com dois ou três anos» (Manuel Lucena, entrevista
ao Público, 20-2-1994). «A PIDE [garantia um outro propagandis-
ta] preferia deter sem julgamento durante umas semanas ou mes-
mo uns meses [...] do que deixar avolumar o “crime” e condenar
a penas altas» (Paulo Mendo, Jornal de Notícias, 3-8-1995).
A verdade é que, além de «prisões preventivas» durante anos
inteiros sem culpa formada, sem julgamento, os Tribunais Milita-
res Especiais aplicavam 23 ou 24 meses de prisão e os condena-
dos ficavam longos anos presos após terminarem as penas.
Depois, agravaram as penas previstas no Código Penal,
criaram Tribunais Plenários com juízes do foro civil. Mas estes jul-
gavam, salvo casos raros, segundo as indicações da PIDE, conde-
navam a pesadas penas de prisão e, quando as penas terminavam,
aplicavam «as medidas de segurança» então criadas, que, segun-
do as indicações da PIDE, mantinham os presos encarcerados anos
sucessivos a pretexto da sua «periculosidade».
Tão gigantesca operação de «branqueamento» poderá enga-
nar jovens, que tiveram a sorte de não conhecer esses terríveis
anos. Dificilmente enganará pessoas advertidas. Está ainda viva a
Revolução de Abril e o que ela revelou do passado. Os que pre-
zam a verdade histórica batem-se por ela. E os participantes no
«branqueamento» vão por vezes tão longe que, pelo excesso, faci-
litam o esclarecimento.
41
6. UM COLÓQUIO SIGNIFICATIVO
48
2
OBJECTIVOS E PROGRAMAS
4. OS «PROGRAMAS» DA ASP E DO PS
5. O RADICALISMO ESQUERDISTA
Os anos 60 conheceram no mundo uma vaga de radicalismo
esquerdista. Causas internacionais e causas específicas em cada país
explicam o fenómeno.
60
6. O PROGRAMA DO PCP
67
3
A VIA INSURRECCIONAL E A SOLUÇÃO PACÍFICA
1. O REVIRALHO
4. COMPROMISSOS
82
4
A CRISE REVOLUCIONÁRIA
3. A GUERRA COLONIAL
100
5
O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO
E AS CONQUISTAS DA REVOLUÇÃO
1. O DIA 25 DE ABRIL
104
4. LEGITIMIDADE REVOLUCIONÁRIA
5. AS CONQUISTAS DA REVOLUÇÃO
Ao intervir nas profundas transformações democráticas, que
sucederam ao derrubamento do governo fascista, o PCP apelidou
tais transformações de conquistas da revolução.
Nenhuma das realizações e reformas, que caracterizaram as
transformações democráticas, foi oferecida ao povo português.
Nem por salvadores, nem pelo poder político ou militar. Foram
sempre conquistadas pela luta dos trabalhadores, das massas po-
pulares estreitamente ligadas ao PCP e movimento sindical, em
aliança com militares revolucionários do MFA, que dispunham de
forte posição nos órgãos provisórios do poder, em alguns dos quais
também participava o PCP.
Conquistadas as liberdades (de imprensa, de associação, de
reunião, de manifestação) não só reclamando-as, mas exercendo-
-as, antes que qualquer decisão do poder as reconhecesse, e resis-
tindo às mais diversas tentativas de impedir tal exercício.
107
122
II
BREVE HISTÓRIA DOS GOLPES
CONTRA-REVOLUCIONÁRIOS
123
124
1
SPÍNOLA
1. PAPEL E INTERVENÇÃO
2. APOIOS E CUMPLICIDADES
No plano militar, Spínola contou com forças, apoios, colabo-
rações e compromissos de natureza variada.
Com hierarquias e chefias vindas do fascismo e com um nú-
cleo, no fundamental homogéneo e organizado, constituindo uma
verdadeira fracção nas forças armadas e no MFA — os assumida-
mente «spinolistas».
Vasco Lourenço diz que «a corrente spinolista» no MFA «sempre
foi um grupo claramente minoritário» (Público, 4-5-1994). Claramen-
te e reconhecidamente minoritário, sim. Mas com uma característi-
ca, que lhe conferiu a possibilidade de uma intervenção continuada
e uma orientação segura: um destacado núcleo de oficiais, manten-
do-se e intervindo, ao longo do tempo, fiéis ao seu chefe.
126
128
3. GRATIDÃO E HOMENAGEM
Na homenagem ao chefe, quando da sua morte, a gratidão
do núcleo central dos spinolistas tem a marca sincera da fidelida-
de. Manuel Monge apelidou-o «um homem para a história e para
a lenda». Alpoim Calvão chamou-lhe «o primeiro entre os primei-
ros», o seu «querido Amigo e comandante-chefe» (Expresso, 17-8-
-1996).
Os elogios fúnebres de muitos outros foram mal disfarçadas
confissões de apoios e compromissos passados. Respeitosa consa-
gração de Spínola, pelas diversas forças da contra-revolução, como
seu chefe honorário... a título póstumo.
De Mário Soares que, ao longo dos anos, se soube desrespon-
sabilizar da cumplicidade nos golpes, que entretanto lhe abriram
o caminho do poder, de Soares, quando Presidente da República,
Spínola recebera, como preito de gratidão, ir para Belém com a
sua gente. Almeida Bruno como Chefe da Casa Militar, Manuel
Monge como Ajudante-de-Campo. Sendo o primeiro, no fim do se-
gundo mandato do Presidente, nomeado Presidente Supremo do
Tribunal Militar. Como chefe da Casa Militar a escolha de Soares
não foi menos significativa: o general Azeredo, que, não há muito
tempo (1997), como candidato a deputado do PSD na cidade do
Porto, viria a confirmar-se e a distinguir-se pelas suas retumban-
tes confissões pró-nazis, anti-semitas e anticomunistas, pondo em
causa a derrota de Hitler na Segunda Guerra Mundial e quase o
absolvendo do genocídio dos judeus… sem falar do genocídio de
comunistas.
A Spínola, agraciado com as estrelas de Marechal, Soares,
Presidente da República, deu como prémios a Presidência das Or-
dens Honoríficas e um lugar destacado marcado pelo Protocolo
de Estado nos banquetes oficiais.
Muito pouco como gratidão, reconheça-se.
129
2
O GOLPE PALMA CARLOS
1. ANTECEDENTES
132
2. O I GOVERNO PROVISÓRIO
A formação do I Governo Provisório tem uma história que está
ainda por contar em todos os seus pormenores.
O PCP defendia, antes do 25 de Abril, e defendeu logo no dia
25, «a constituição de um governo provisório com a representa-
ção de todas as forças e sectores políticos democráticos e liberais»
tendo como um dos objectivos fundamentais «assegurar a realiza-
ção de eleições verdadeiramente livres para a Assembleia Consti-
tuinte» (discurso de Álvaro Cunhal no aeroporto de Lisboa, à
chegada de regresso ao país, 30-5-1974, in Discursos Políticos (1),
Edições «Avante!», Lisboa, 1975, p. 12).
Mário Soares diz que tomou a posição de não participar no
governo se o PCP não participasse também.
A controversa participação de Sá Carneiro acabou por ser
aceite consensualmente.
Freitas do Amaral pretende que, convidado, não aceitou. É de
admitir a vontade de Spínola de o ter no governo. A ele e também
a Veiga Simão e a outros do «antigamente». Tais hipóteses não se
concretizaram, dada a força revolucionária civil e militar que se
desencadeara no dia 25 de Abril. A mesma força desencadeada
obrigou-o a aceitar a participação do PCP no Governo.
Palma Carlos foi admitido como Primeiro-Ministro e o I Go-
verno Provisório tomou posse em 16 de Maio de 1974. Não era o
governo que Spínola desejaria. O Governo só tinha a esperar dele
hostilidade e tentativas, ou de o comandar ou de o substituir. De
facto Spínola continuou a tentar impor-se como se tivesse «plenos
poderes».
Difícil é acreditar na forma como tratava o governo. Dava
ordens ao Primeiro-Ministro como se este fosse um seu soldado.
Tinha uma linha telefónica directa para o Primeiro-Ministro e, em
pleno Conselho de Ministros, chegavam ordens do Presidente da
JSN. E que ordens!
Vale a pena testemunhar com um exemplo.
O Primeiro-Ministro atende o telefone. Alarmado, informa o
Conselho de Ministros que o Presidente acaba de comunicar-lhe
que é necessário tomar imediatas medidas contra dois perigosos
agitadores, que estão a perturbar a ordem pública no Alentejo.
133
3. O CAMINHO DO GOLPE
Mal tinha dado posse ao Governo, logo Spínola começou a
conspirar para o atirar abaixo. Aliás, embora por meias palavras,
não ocultava esse objectivo.
A 6 de Junho, não tinha portanto decorrido um mês, depois
da posse do Governo, Spínola revelava, na linguagem anticomu-
nista habitual, as suas intenções. Numa visita à Câmara Municipal
de Évora alerta: «Derrubámos uma ditadura; não consentiremos
que se instalem em Portugal novos ditadores.» (António de Spí-
nola, Ao Serviço de Portugal, ed. cit., p. 77).
Em 10 de Junho (Dia de Portugal), na base aérea da Ota, aler-
tava para «esta hora confusa [...] em que a traição campeia ao lado
do autêntico patriotismo» (ob. cit., p. 82).
Em 12 de Junho, discursando no RI5 nas Caldas da Rainha, é
mais claro: «O Povo Português [...] começou a ser envenenado por
falsos Portugueses» (ob. cit., p. 97). E referindo a muitas vezes
repetida «teoria da terra queimada» acrescenta: «É necessário
denunciar ao País que determinados homens com responsabili-
dades na vida pública presente têm advogado essa teoria, preten-
134
135
4. O GOLPE
Vinte anos depois, Spínola conta assim os factos.
«Um dia [...] apareceu o Palma Carlos, acompanhado do Sá
Carneiro», dizendo que «estava a ser boicotado pela Comissão
Coordenadora do MFA» e «pedindo a demissão». «Chamei o Cos-
ta Gomes e disse-lhe: “Estes homens recolhem imediatamente a
quartéis, pois não foi para isso que fizemos o 25 de Abril”». «Afi-
nal instalou-os na Cova da Moura» (entrevista ao Diário de Notí-
cias, 21-4-1994). E diz ao jornalista que foram estes factos que o
levaram a aperceber-se de que Costa Gomes era um «traidor nato».
Conclusão: Ante tal «traição» Spínola tinha de intervir.
Mário Soares, nas suas «confissões», embora declare que «esteve
contra ele [Spínola] no chamado “Golpe Palma Carlos”» (Maria João
Avillez, Soares. Ditadura e Revolução, ed. cit., p. 360) acrescenta
algumas informações contraditórias e até então desconhecidas.
Diz que, acompanhado por Almeida Santos, foi chamado a
casa de Palma Carlos para uma reunião, em que este propôs um
plano para «realizar rapidamente [...] a eleição do Presidente da
República. Para que o general Spínola tenha uma legitimidade pró-
pria e, a partir daí, a legitimidade do Governo decorra da própria
legitimidade da eleição presidencial» (ob. cit., p. 335).
Acrescenta que discordou, embora isso «não pressupusesse
a sua vontade de que o general Spínola caísse ou saísse de cena».
«Queríamos aguentá-lo», confessa (ob. cit., p. 349).
Desde já é de sublinhar ser comprometedor que não tenha
comunicado ao Governo, de que fazia parte, o plano de Spínola
exposto por Palma Carlos nessa reunião em que participou.
Igualmente comprometedor é que tenha ocultado que, an-
tes da tentativa do golpe, ele próprio se encontrara com Spínola,
e também não tenha comunicado ao Governo.
Não é dele a informação. É o próprio Spínola que, vinte anos
depois, revela falando das suas relações com Soares:
«Nunca tive reservas em relação ao dr. Mário Soares. Foi um
homem que, durante o Governo Palma Carlos, sempre me expôs
[!], com a máxima lealdade, as suas opiniões e me alertou para
os perigos que o País estava a correr com base na actuação do PC»
(entrevista ao Expresso, 30-4-1994).
136
139
3
O 28 DE SETEMBRO
1. A «MAIORIA SILENCIOSA»
2. PLANO E DESENVOLVIMENTO
4. O ULTIMATO
158
9. SOARES NO 28 DE SETEMBRO
A data de 28 de Setembro para a manifestação da «maioria
silenciosa» estava há muito marcada e anunciada.
Precisamente em tal situação, Mário Soares, Ministro dos
Negócios Estrangeiros, fez uma visita aos Estados Unidos.
No dia 28 de Setembro de 1974, é o próprio Soares quem,
20 anos mais tarde, lembra que «estava no estrangeiro, em Nova
Iorque, na ONU» (entrevista ao Público, 24-4-1994) e que «tomou
conhecimento do 28 de Setembro em Estrasburgo», quando usa-
va da palavra na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa
«vindo na noite anterior de Nova Iorque» (Maria João Avillez, Soa-
res. Ditadura e Revolução, ed. cit., p. 359).
Esta ausência é mais do que estranha, quando no país se tra-
vava uma luta aguda relativamente à manifestação nacional da
«maioria silenciosa» e à previsível tomada de plenos poderes por
Spínola, no caso de a operação ser bem sucedida.
É difícil compreender que uma ausência nessa data nada ti-
vesse a ver com o golpe marcado para 28 de Setembro.
Se, no dia 28, como Soares conta, estava em Nova Iorque na
ONU, e durante a sua estadia se encontrou em Washington com
altos responsáveis do governo dos Estados Unidos, não era certa-
mente em passeio turístico, nem a passar férias.
Segundo Soares confessa e Hall Themido, embaixador de
Portugal, testemunha, Soares encontrou-se com Kissinger na em-
baixada portuguesa e foi na mesma «o convidado de honra» de «um
jantar de trabalho [...] com a presença dos mais altos funcioná-
rios do Departamento de Estado que tratavam de assuntos portu-
gueses» (Hall Themido, ob. cit., p. 176).
O que disse Soares aos americanos sobre a anunciada mani-
festação nacional da «maioria silenciosa» pedindo a Spínola para
salvar o país do caos e do comunismo, não diz Soares, nem infor-
ma Hall Themido.
É de assinalar como elemento de informação que, lembran-
do-lhe Maria João Avillez que ele e a delegação do PS se encon-
traram com Kissinger a quem informaram (precisamente nas
vésperas do golpe anunciado) «na possibilidade de um cenário
comunista para Portugal», Soares não desmentiu (Soares. Dita-
164
166
4
O 11 DE MARÇO
1. O PUTSCH
171
3. O PLANO
A ideia e a preparação do putsch desenvolveram-se a partir
do 28 de Setembro. Do plano fazia parte a atrás referida «rede de
oficiais» revelada por Alpoim Calvão.
Na preparação do golpe Spínola, em numerosos encontros
com chefes militares, deu um balanço das forças com que pode-
ria contar.
Os autos do processo em que autores do golpe foram julga-
dos dá pormenorizados elementos a esse respeito. «A BA 3, os
“Páras” e a Engenharia estavam OK», a cavalaria com ele, «a GNR
estava OK», os «contactos com a BA 3, pilotos da BA 6, Coronel
Proença e Brig. Lemos Ferreira mas com ressalva da hierarquia»
(in Guilherme Alpoim Calvão e Jaime Nogueira Pinto, O 11 de
Março — Peças de Um Processo, ed. cit., p. 24).
A notícia da preparação do golpe chegou ao estrangeiro.
Noticia-se na imprensa estrangeira que o vice-director da CIA,
general Vernon Walters, encarou em Madrid «um golpe para Por-
tugal, do tipo chileno» (artigo da revista Extra de Berlim Ociden-
tal, citado in Dossier Carlucci/Cia, Edições «Avante!», Lisboa, 1978,
p. 52).
No dia 3, A Capital cita, da revista Extra, a notícia de que a
«CIA planeia golpe em Portugal antes do fim de Março».
A 6 de Março, a revista francesa Témoignage Chrétien anun-
cia que «Spínola prepara um golpe de Estado» para o qual «rece-
bera luz verde do Embaixador dos Estados Unidos, Frank Carlucci,
para tentar subverter o processo revolucionário iniciado em Por-
tugal».
Precisamente nos primeiros dias de Março, nas eleições para
o Conselho das Armas e Serviços do Exército, Otelo, Melo Antunes,
Charais e Vasco Lourenço não são reeleitos e são eleitos oficiais
spinolistas «“oficialmente” caídos em desgraça», como Maria João
Avillez viria a lembrar a Soares. «Achei esses resultados encoraja-
dores», descai-se Soares (Maria João Avillez, Ditadura e Revolução,
ed. cit., p. 412), sem talvez medir a importância desta reveladora
confissão.
Entra-se logo depois no «segundo patamar», assim classifica-
do por José Manuel Barroso. Ou seja, no golpe. Primeiro, segun-
172
173
4. A «MATANÇA DA PÁSCOA»
A chamada «matança da Páscoa» foi uma das mais sinistras
provocações da contra-revolução. Não uma «intentona» do PCP,
«uma manobra do PC» contra os spinolistas, como estes proclama-
ram, quando derrotado o golpe (Alpoim Calvão, entrevista a O Dia-
bo, 25-11-1997), mas uma, embora falhada, provocação contra o
PCP, preparada ou secundada pelos spinolistas.
O essencial do desenvolvimento da provocação está prova-
do, documentado e confessado.
Vale a pena ler as «peças do processo», em que foram julga-
dos os participantes no golpe derrotado, publicadas no já citado
livro de Alpoim Calvão e Jaime Nogueira Pinto. Vale a pena analisar,
segundo as próprias declarações dos acusados, como espalharam
a «informação».
No dia 8 e 9 de Março, vindos de Madrid, voltam a Lisboa,
para darem o alarme, dois oficiais spinolistas: Nuno Barbieri e
Carlos Rolo. Dizem ter recebido a informação de que se prepa-
rava para os próximos dias, contra os spinolistas e seus amigos,
uma operação de terror com o nome de código de «Matança da
Páscoa». Tratar-se-ia de um plano, a ser realizado por «brigadas
comunistas», para prender ou matar Spínola, 500 militares e 1000
civis.
Os dois oficiais vindos de Madrid correm a comunicar a in-
formação a Spínola e em sucessivas reuniões com oficiais compro-
metidos para o golpe, previsto segundo uns para o dia 13,
segundo outros para o dia 17.
Ninguém pergunta sequer, ou não parece que tenha pergun-
tado, qual a fonte da «informação». Os dois oficiais não dizem
quem a deu. Dizem tê-la recebido oralmente, repetem não ter visto
qualquer lista nem qualquer documento com nomes das pessoas
a prender ou a matar. E, entretanto, citam nomes constantes da
«lista» e correm a prevenir uns e outros e a colocar a necessidade
de medidas imediatas.
O general Tavares Monteiro, segundo eles directamente amea-
çado, é aconselhando a fugir para Espanha (ob. cit., pp. 19 e 20).
Alpoim Calvão participa em numerosas reuniões com oficiais
e outros conspiradores (ob. cit., p. 15).
174
5. O GOLPE DERROTADO
180
5
PROVOCAÇÕES, RUPTURA, OFENSIVA
1. O PS TIRA A MÁSCARA
6
O TERRORISMO BOMBISTA
tes combatentes civis e aos meus irmãos de armas [...] para que
nos unamos em volta do “MOVIMENTO DEMOCRÁTICO DE LIBER-
TAÇÃO DE PORTUGAL”» (MDLP) (António de Spínola, Ao Serviço
de Portugal, ed. cit., p. 265). Desencadeado o terrorismo bombis-
ta, Spínola define o MDLP como «uma frente unitária de resistên-
cia e combate à ditadura marxista» (entrevista à Associated Press
no Rio de Janeiro, 23 Agosto, in ob. cit., p. 269).
Spínola é confessadamente o inspirador, o organizador, o
chefe militar e político do terrorismo bombista.
Manuel Monge, destacado oficial spinolista, dizendo «nada
saber do MDLP», confessa entretanto conhecer as «pessoas mais
“visíveis”» que compunham a organização terrorista: «o general
Spínola e os que o acompanharam a caminho do exílio.» (Entre-
vista ao Público, 17-4-1994.)
O balanço, feito na época, das acções terroristas dá uma
ideia do que representou, na ofensiva contra-revolucionária, essa
vaga de criminosa e tenebrosa violência.
Em Julho, seguindo-se ao assalto e destruição do Centro de
Trabalho do PCP em Rio Maior, são realizados 86 actos terroris-
tas, dos quais 33 assaltos e destruição de Centros de Trabalho do
PCP, além de mais de 20 repelidos. Regista-se um número inde-
terminado de lançamento de bombas, fogos-postos e agressões.
Em Agosto, acompanhando divisões no MFA e a violenta ofen-
siva do PS, PPD, CDS e fascistas e reaccionários de toda a espécie
contra o V Governo Provisório, são realizadas 153 acções terroris-
tas, das quais 82 assaltos com destruição de 55 Centros de Trabalho
do PCP e 25 do MDP-CDE, 39 fogos-postos, 15 bombas, dezenas
de agressões. Por vezes estas acções foram protegidas por milita-
res enviados das unidades e por forças militarizadas.
Nos meses seguintes o terrorismo continuou no mesmo rit-
mo a sua acção.
Extraordinário é que ainda haja quem insista em que se tra-
tou de espontâneas reacções populares.
Não é por isso demasiado citar o que têm confessado os pró-
prios operacionais.
Alpoim Calvão era há muito o operacional n.o 1 do general
Spínola. Conhecido pelas suas façanhas na guerra colonial, pela
invasão da Guiné-Conakry com a missão de assassinar Amílcar
190
contros com Vítor Alves, no Norte, para ver como é que se iria
parar isso» (entrevista ao Expresso, 24-6-1995).
Um e outro mentiram. Primeiro, porque a saída do 25 de
Novembro, do qual a extrema direita não foi vencedora, não cor-
respondia, nem de longe, aos objectivos do MDLP.
Segundo, a prova de que os objectivos do MDLP não estavam
atingidos é que, como a seguir se lembrará, Spínola continuou lan-
çado (impaciente, febril, sem medir os passos) em actividades vi-
sando um novo assalto armado ao poder.
Chega a ser delirante a apreciação que, do terrorismo bom-
bista e da vaga dos seus crimes, faz Spínola, seu chefe e inspirador.
Escrevendo sobre a História de Portugal e as grandes lutas
do povo português na defesa da independência nacional, afirma
que o povo português, na Revolução de 1385 derrotou Castela, em
1640 «quebrou as grilhetas castelhanas», em 1810 derrotou as tro-
pas napoleónicas no Buçaco, em 1820 «sacudiu a tutela inglesa»
e... «no Verão de 1975 [é ao MDLP e ao terrorismo bombista que
se refere] se levantou em luta determinante contra o domínio
soviético.» (País sem Rumo, ed. cit., p. 372).
É difícil alguém vangloriar-se mais e tão desajeitadamente dos
seus próprios crimes.
3. ARMADILHA
201
7
O PCP POR UMA SOLUÇÃO POLÍTICA
208
212
8
O 25 DE NOVEMBRO
diz é que uma tal decisão seria «uma solução pacífica», porque,
apesar do 25 de Novembro, «muitos queriam pegar em armas e
vir por aí abaixo matar comunistas» (entrevista a Eduardo Dâmaso,
publicada no seu livro A Invasão Spinolista, Círculo de Leitores,
1997, p. 98). É o que teriam feito, pelo que se vê, se tivessem sido
eles a impor o resultado.
No próprio dia 25, não estando ainda certo como o golpe iria
terminar política e militarmente, todos envolvidos num objectivo
geral comum anticomunista, cada qual pretendia que o resultado
correspondesse aos seus próprios objectivos.
Mário Soares e o PS tinham representado um papel impor-
tante na acção política preparatória do 25 de Novembro. Mas o
golpe do 25 de Novembro não foi o que projectaram. Nenhum
dos seus três objectivos centrais imediatos se concretizou. Nem
a liquidação da dinâmica revolucionária e das suas conquistas.
Nem o esmagamento militar do PCP, do movimento operário e
da esquerda militar, nem, como resultado do golpe, ser Soares
o vencedor, aquele que teria salvado a democracia de um golpe
e de uma ditadura comunista e que por isso assumiria natural-
mente de imediato, no poder do Estado, as responsabilidades daí
decorrentes. Tal operação foi tentada mas falhou. Não é por isso
exagero dizer-se que Soares ficou de fora do 25 de Novembro.
Os fascistas e neofascistas, participantes na preparação e no
golpe, não conseguiram tão-pouco o que pretendiam.
Quanto ao «Grupo dos Nove», Melo Antunes (tal como Eanes
e Costa Gomes) defendia uma solução política da crise. Indo no
dia 26 à televisão declarar que «a participação do PCP na constru-
ção do socialismo era indispensável», deu importante contribui-
ção para a defesa da democracia.
Como na altura considerámos, essa atitude expressava um
objectivo político e uma apreensão: o objectivo de assegurar um
regime democrático para o que considerava indispensável o con-
tributo do PCP e a apreensão de que, se a extrema direita desen-
cadeasse a repressão contra o PCP, ele e seus amigos acabariam
também por ser reprimidos.
Poucos dias depois, o chefe do EMGFA, general Costa Gomes,
enviou aos três ramos das Forças Armadas uma directiva na qual
se afirmava que «só os militares [...] estão em condições de servir
217
2. A TESE DO «CONTRA-GOLPE»
3. O «CERCO» DE S. BENTO
4. O «CONTRA-GOLPE» FALHADO
(*) Na verdade foi no mesmo dia e Manuel Alegre, e não Mário Soares,
quem fez a acusação que Álvaro Cunhal a seguir transcreve. (Nota do Editor.)
226
231
9
A CIA NA CONTRA-REVOLUÇÃO
1. CURRICULUM DO AGENTE
233
2. A «ESTRATÉGIA DA CIA»
Com tal carga no seu curriculum, Frank Carlucci chegou a
Portugal em 17 de Janeiro de 1975.
As manifestações de protesto foram por muitos condenadas
por fazerem falsas acusações ao novo embaixador.
Anos passados, posto o preto no branco, foi confirmada a sua
verdadeira missão mesmo por próximos colaboradores, que então
a negavam: a CIA e Carlucci tinham sido de facto verdadeiros
estrategos do processo contra-revolucionário, do combate à Revo-
lução de Abril e ao PCP.
Rui Mateus, que durante anos teve a responsabilidade das
relações internacionais do PS e que, como informa no seu livro já
citado Contos Proibidos. Memórias de Um PS Desconhecido, man-
teve frequentes contactos com a CIA, é explícito.
«A tese da CIA venceria a opinião do todo-poderoso secretá-
rio de Estado Henry Kissinger.» «Felizmente para nós [...] Carlucci
[...] não hesitou [...] optando pela defesa da tese da CIA e coorde-
nação da estratégia da CIA» (O Diabo, 19-11-1996).
Em que consistiu a «estratégia da CIA»? Em que consistiu a
acção de Carlucci como «coordenador» da sua aplicação?
Mário Soares responde a esta questão com extrema clareza.
Segundo Soares, Carlucci compreendeu que só o PS (com Mário
Soares) podia fazer frente ao PCP (entrevista à TVI em 25-4-1994)
e que Carlucci «teve um papel verdadeiramente fabuloso em Por-
tugal» por ter percebido que, em Portugal, era o PS (com Mário
Soares) que estava em condições de fazer frente ao comunismo
(entrevista à SIC em 26-4-1994).
A mesma ideia é referida por Hall Themido: «Por mérito
próprio, Frank Carlucci ganhou lugar à parte no processo revolu-
cionário português, como protector das forças democráticas, de-
signadamente do Partido Socialista e de Mário Soares.» (Ob. cit.
p. 188.)
Agora, à distância, Soares assume esse papel do PS e o seu
próprio papel ligado a Carlucci e à CIA. Por vezes apenas inver-
tendo a importância dos dois elementos: não se trataria da «estra-
tégia da CIA» e da acção do «coordenador» na sua execução, mas
da «estratégia do PS» e do seu secretário-geral Mário Soares.
234
235
3. DESENVOLVE-SE A ACÇÃO
A execução da «estratégia da CIA» pelo seu «coordenador» não
se limitou a apoiar o político e a força política que a CIA conside-
rava serem os únicos capazes de se opor com êxito à revolução e
ao PCP.
A CIA estabeleceu muitos outros contactos e recrutou agen-
tes e cúmplices nas forças armadas, noutras forças políticas, nos
vários sectores sociais.
Diz Carlucci: «Trabalhei com os três partidos» (CDS, PSD e
PS). Com Freitas do Amaral e Sá Carneiro. Mas «Mário Soares era
o líder mais vigoroso». E quando afirma que lhe deu «apoio mo-
ral» e o jornalista comenta que «também se diz que houve apoio
financeiro», Carlucci responde: «Julgo que não é apropriado en-
trarmos nessa matéria», «o apoio foi dado a todos os partidos
democráticos»… (Entrevista ao Expresso, 6-8-1994).
Carlucci não considerou «apropriado entrar nessa matéria».
Mas Rui Mateus entrou mesmo nela no seu já citado livro de
«memórias», no qual se podem encontrar inúmeras informações,
não só relativas a financiamentos recebidos pelo PS, como a rela-
ções do PS e de Soares com a CIA e com o MI6 (equivalente britâ-
nico da CIA).
Particularmente operativas foram as actividades da CIA nas
forças armadas nos golpes contra-revolucionários e na divisão e
tentativa de destruição do movimento sindical unitário, a Intersin-
dical, poderosa força dos trabalhadores na revolução portuguesa.
Na preparação do golpe de 28 de Setembro, a CIA teve parti-
cipação activa. Precisamente em 17 de Agosto o vice-director da
CIA Vernon Walters veio a Lisboa encontrar-se com o Partido Li-
beral, partido fascista e um dos participantes activos da «maioria
silenciosa». Também com Galvão de Melo, o farronca da moca e
da extrema direita. Com Bulhosa e Champalimaud. Com Franco
Nogueira, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros no governo de
Marcelo Caetano.
Também naturalmente com Mário Soares, que conta assim o
encontro com esse homem «extrovertido e muito simpático»: «pre-
tendia informar-se [...], falou muito aberta e francamente comigo.
[...] Falei-lhe da pressão dos comunistas [...]. Pedi-lhe sobretudo
236
240
5. TRÊS EPISÓDIOS
Nas relações da CIA com Portugal, três episódios significati-
vos são de referir.
Primeiro episódio.
Já se referiu como Mário Soares manteve em funções o em-
baixador nos Estados Unidos, Hall Themido, pedindo-lhe «que
informasse [os americanos] [...] que necessitávamos do seu apoio
e compreensão» (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução,
ed. cit., p. 355).
Também já vimos como o embaixador, no seu livro, conta
como desempenhou a incumbência.
O episódio significativo é que o livro foi editado em 1995 e
apresentado em Lisboa com estranho cenário: com a presença, a
convite do autor, nada menos que de Frank Carlucci, a quem Soa-
res, Presidente da República, ofereceu um jantar na ocasião.
Que opinião, vinte anos mais tarde, depois de sabidas e di-
vulgadas todas aquelas misérias, expressa Soares acerca do traba-
lho do embaixador de Portugal, agente confesso dos americanos,
estreitamente ligado a Carlucci? «Hall Themido [afirma Soares] foi
um embaixador no mais estrito sentido do termo e, comigo, pro-
cedeu sempre de forma leal, correcta, profissional [...], com total
lealdade e isenção» «Desde início foi uma relação sem falha nem
pontos de conflito» (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revo-
lução, pp. 355 e 356).
Para quê comentários?
Segundo episódio.
Mário Soares, em entrevista à TSF (26-4-1997), responde a um
jornalista que lhe perguntara se Álvaro Cunhal merece a Ordem
da Liberdade. Que não — respondeu —, porque os comunistas
«lutaram contra a ditadura, mas não pela liberdade». E, num ver-
dadeiro insulto a milhares de comunistas, que sacrificaram a pró-
pria liberdade e deram a vida para que o povo português alcançasse
a liberdade, acrescentou: «os comunistas lutaram pela liberdade
deles. Eram liberticidas». Pergunta o jornalista: «E o seu amigo
Frank Carlucci, que Ordem é que merece?». Responde Soares: «Cer-
241
Terceiro episódio.
O espectáculo televisivo da SIC para entrega dos «globos de
ouro 1996» a locutores e artistas. Também um «globo de ouro»
para Mário Soares, escolhido pela SIC na categoria «Carreira». Até
aqui tudo mais ou menos nos conformes.
Menos nos conformes, o que se seguiu. Balsemão, sim, Balse-
mão, apresenta Soares e descreve e elogia a sua «carreira». E quem
escolheram e convidaram para entregar a Soares o «Globo de Ou-
ro»? Por inacreditável que possa parecer, foi Carlucci. E não ape-
nas para entregar a prenda, o que já seria indesejável, mas para,
ao entregá-la com apertado e demorado abraço, fazer um longo
discurso político de encerramento. Desenvolvendo o elogio de
Balsemão à «carreira» de Soares, discorrendo paternalmente sobre
as suas relações com o homenageado e assumindo-se, pelas pala-
vras e pelo tom, como o autor da «estratégia da CIA» (sem citar o
nome da agência), e «coordenador» da sua aplicação para comba-
ter a revolução portuguesa e a influência do PCP.
Soares, que, pouco tempo antes, tinha cessado o mandato de
Presidente da República, ali, ante milhões de portugueses, que
viam a televisão, sujeitando-se a tão humilhante espectáculo.
Tanto Carlucci como Soares nunca se tinham gabado assim
de forma tão ostensiva e obscena da sua colaboração ao longo do
tempo. Fazem-no agora quando, vinte e cinco anos mais tarde, a con-
tra-revolução está prestes a concluir e a institucionalizar a restau-
ração do capitalismo monopolista, e quando são louvadas todas as
traições e infâmias, para que tal resultado tenha sido atingido.
À distância dos anos, revela-se como estas ligações tinham
adquirido extrema intimidade.
«Com a repetição de encontros [...] tornámo-nos amigos»,
confidencia Soares (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revo-
lução, ed. cit., p. 407). Carlucci confirma: Mário Soares «telefonava-
-me praticamente todos os dias» (entrevista ao Expresso, 6-8-1994).
Soares acrescenta: «Carlucci convidava-me com alguma frequência
242
243
10
NATO E INTERVENÇÃO MILITAR
1. PRESSÕES E AMEAÇAS
2. A BRIGADA NATO
[...] Não queríamos deixar passar este dia sem afirmar a nossa re-
provação» (Álvaro Cunhal, A Crise Político-Militar, ed. cit., p. 257).
A possibilidade de uma intervenção militar da Espanha em
Portugal não era apenas especulação. Com as revelações do em-
baixador Fernando Reino, coincide um testemunho segundo o qual
a intervenção militar em Portugal não só foi encarada pelo gover-
no de Franco, como esteve prestes a concretizar-se.
O testemunho é de Paradela de Abreu, chefe da rede terro-
rista Maria da Fonte, dado numa entrevista a Manuel A. Bernardo
em 6 de Dezembro de 1996 e publicada na sua obra já citada.
Paradela, que (segundo diz) «ia muitas vezes a Espanha [...]
contactar os serviços secretos espanhóis», refere três factos com-
provativos.
O primeiro, é a informação, que lhe deu «D. Pepe», na altura
coronel do Exército espanhol e n.o 2 da Securidad (serviços secre-
tos) acerca da preparação da intervenção militar.
O segundo facto respeita à «divisão Brunette, de blindados,
existente em Madrid, constituída por 300 carros de assalto pesa-
dos de 55 toneladas cada», que teria sido «deslocada para Badajoz»
e «esteve estacionada entre esta cidade e Cáceres» (Equívocos e
Realidades. Portugal 1974-1975, Vol. II, ed. cit., p. 141).
O terceiro, é uma frase de «D. Pepe». Ante a inquietação de
Paradela por uma eventual intervenção, «D. Pepe» ter-lhe-ia pos-
to a mão no ombro e dito em castelhano: «Paradela te queda tran-
quilo. Nosotros, en seis horas, ocuparemos Lisboa», ao que
Paradela teria respondido que, se «fizessem isso», «pôr-se-ia ao lado
dos comunistas» (ob. cit., pp. 141-142).
252
11
GOLPES, DITADURA, ELEIÇÕES
1. PROVAS
2. GOLPES
3. DITADURA
Os golpes contra-revolucionários, o terrorismo bombista, as
desencabrestadas campanhas contra o PCP, foram sempre «expli-
cadas» como resistência e luta contra uma «ditadura comunista»,
que o PCP estava prestes a impor, ou segundo alguns, já conse-
guira impor.
Vale a pena apontar com verdade a dimensão de tais mentiras.
O PCP, não pretendendo que o seu próprio programa seja
adequado a outros países, inscreveu as liberdades e direitos demo-
cráticos como elementos fundamentais, tanto no seu programa da
«revolução democrática e nacional» após o derrubamento do fas-
cismo, como no seu objectivo de construção de uma sociedade
socialista em Portugal. Nomeadamente: liberdade de expressão do
pensamento, liberdade de imprensa, liberdade de associação in-
cluindo de partidos políticos, liberdades de reunião e de manifes-
tação, liberdade de criação artística. E outras. Também eleições
livres com universalidade do direito de voto.
Derrubado o fascismo, a palavra «ditadura» estava identificada,
para os portugueses, com «fascismo», repressão, violência e terror.
256
Essa uma das razões que levaram o PCP, no seu primeiro Con-
gresso realizado após o 25 de Abril (VII Congresso Extraordinário,
Outubro de 1974) a suprimir no seu Programa a expressão «dita-
dura do proletariado». Para a grande massa da população tal expres-
são poderia significar que o PCP não reconheceria as liberdades e
direitos de um regime político democrático e teria como objectivo
a instauração em Portugal de um regime de violenta repressão.
O próprio VII Congresso esclareceu estes vários aspectos ao
excluir em 1974 do Programa do Partido a expressão «ditadura do
proletariado».
Isto não impede que, em 1999 (!), um dos dirigentes máximos
dos partidos bipolarizadores, por ignorância ou por má-fé, tenha
dito que o PCP não poderia inserir-se na vida democrática enquan-
to não riscasse do seu programa «a ditadura do proletariado».
Adiante-se ainda outra razão, que levou a excluir do Progra-
ma essa expressão: a errada compreensão do significado, na teo-
ria marxista, da expressão «ditadura do proletariado». Tal expressão
(como então se explicou) não significa um regime político dita-
torial, mas um efectivo poder político de classe. Em termos mar-
xistas, num país capitalista, o poder político da burguesia, mesmo
num regime de democracia burguesa, significa uma ditadura de
classe, uma ditadura da burguesia. Da mesma forma, numa revo-
lução socialista, «ditadura do proletariado» significa a política de
classe do proletariado no exercício do poder, que pode realizar-
-se com regimes políticos diversos, incluindo o reconhecimento
de partidos políticos e de liberdades e direitos democráticos, que
o PCP defende para uma futura sociedade socialista em Portugal.
Esses objectivos estão inscritos no Programa do PCP, foram
constantes nas suas posições assumidas na Revolução de Abril e
na luta concreta contra golpes contra-revolucionários, que, se vito-
riosos, teriam conduzido à supressão de liberdades e à instauração
de uma nova ditadura política. Inseridos também na luta constante
dos comunistas para que liberdades e direitos democráticos fossem
conquistados, defendidos e assegurados pelo processo revolucio-
nário e para que ficassem explicitados e desenvolvidos na Consti-
tuição da República aprovada pela Assembleia Constituinte.
257
4. ELEIÇÕES
Quanto à mentirosa acusação de que o PCP não queria e
procurava impedir a realização de eleições e que a luta contra os
comunistas tinha como objectivo fundamental assegurar a realiza-
ção de eleições, são de acrescentar mais alguns elementos infor-
mativos e mais algumas considerações.
Mário Soares tem até hoje repetido, vezes sem conto, que
«os comunistas não queriam eleições» (à TVI, 25-4-1994). Derro-
tado o 11 de Março (como atrás se cita) Soares explica que «aguen-
tou» «para que houvesse eleições pois o PCP não queria eleições»
(SIC, 26-4-1994). Mentira afirmada e repetida tendo quem mente
consciência de que está mentindo e caluniando perante milhões
de portugueses, que dificilmente terão acesso à verdade.
Os objectivos do PCP foram definidos muitos anos antes do
25 de Abril, quando ainda o PS não existia.
A verdade é que, ao longo dos anos de luta contra a ditadura
fascista, «a realização de eleições verdadeiramente livres», para que
«o povo escolha o seu destino», com a instauração das liberdades
e direitos democráticos fundamentais (de imprensa, de organiza-
ção, de manifestação, de reunião), foi sempre um dos objectivos
centrais afirmado, definido e defendido pelo PCP para a revolução
antifascista e para a instauração do novo Portugal democrático.
Este objectivo está constantemente indicado no seu progra-
ma, em milhares de documentos do PCP, na história da sua luta
política com os trabalhadores, as massas populares, outros demo-
cratas.
Logo após o dia 25 de Abril e o derrubamento da ditadura,
ao chegar no dia 30 ao aeroporto de Lisboa, o secretário-geral do
PCP, no discurso escrito e depois publicado, dirigido aos que o
esperavam, declarou, em nome do PCP, ser «essencial» «assegurar
a realização de eleições verdadeiramente livres para a Assembleia
Constituinte» (Discursos Políticos (1), Edições «Avante!», Lisboa,
1975, p. 12).
Isto foi escrito e dito e não, como afirmou Soares (que aliás
estava também ali e subiu também para a chaimite…), a procla-
mação por Álvaro Cunhal de uma revolução copiada a papel quí-
mico da revolução russa de 1917!
258
261
262
III
A CONTRA-REVOLUÇÃO
263
264
1
A VIRAGEM
1. O RESCALDO DO 25 DE NOVEMBRO
(*) A reclamação de «direitos de autor» pelo CDS não foi feita no seu
II Congresso, mas na sessão da Assembleia da República de 5 de Agosto de
1976 quando da discussão do Programa do Governo PS. Cf. Álvaro Cunhal,
A Revolução Portuguesa. O Passado e o Futuro, Edições «Avante!», Lisboa,
2.a edição, 1994, p. 250. (Nota do Editor.)
270
Por que razão não tomaram desde logo medidas para anu-
lar as grandes conquistas sociais e direitos sociais alcançados
pelos trabalhadores?
Por que razão, apesar das violentas ofensivas para liquidar
todas estas e outras realizações da Revolução de Abril, só pouco a
pouco, num processo que demorou mais de vinte anos, consegui-
ram tal objectivo?
As razões destas diferenças permitem compreender melhor
a evolução da situação.
Em primeiro lugar, a duração de vinte anos de processo con-
tra-revolucionário, até atingir os seus objectivos estratégicos fun-
damentais, é um atestado da luta firme e heróica da classe
operária, dos trabalhadores em geral, das massas populares, das
suas organizações unitárias — luta na qual o PCP, o movimento
sindical unitário e outras forças progressistas desempenharam
papel determinante.
Em segundo lugar, a própria diferença é um atestado de como
as grandes conquistas da revolução correspondiam a necessidades
objectivas do desenvolvimento do país, aos interesses do povo
português, além de constituírem um elemento de defesa das liber-
dades e da criação de um regime político democrático.
Em terceiro lugar esta diferença não se pode desligar do facto
de que, no período revolucionário, as principais forças contra-
-revolucionárias tinham inscrito nos seus programas, e procla-
mado repetidamente, serem seus objectivos a liquidação do
capitalismo monopolista, a reforma agrária, outras grandes con-
quistas democráticas, a edificação de um Portugal socialista.
A ofensiva contra as nacionalizações e pela reconstituição e res-
tauração dos monopólios desenvolveu-se, em escalada mas passo a
passo, a coberto da defesa do sector público em áreas estratégicas
da economia. A liquidação progressiva e violenta das UCPs/Coope-
rativas e a restauração dos latifúndios desenvolveram-se, em esca-
lada mas passo a passo, em nome da realização da reforma agrária.
A contra-revolução negou durante anos ser contra-revolucio-
nária. Demorou tempo a riscar o «socialismo» dos seus programas
e dos seus discursos. A viragem para a contra-revolução detento-
ra do poder não foi inicialmente declarada. Lembre-se que, no dia
2 de Abril de 1976, ao aprovar a Constituição na Assembleia Cons-
271
272
2
O PROCESSO CONTRA-REVOLUCIONÁRIO
1. OBJECTIVO ESTRATÉGICO
274
2. AS PRIVATIZAÇÕES
As referências, que se seguem, relativas ao processo das pri-
vatizações, não são inéditas. Trata-se de dados relativos à suces-
são de medidas, leis, decretos e decisões dos governos do PSD e
do PS e suas maiorias na Assembleia da República. Por iniciativa
de um e de outro, quando no Governo. Sempre com o acordo no
fundamental do outro na oposição. CDS-PP, dando, a um e a ou-
tro, uma ajudinha no Governo ou só nas votações.
A história das privatizações está marcada pelo abuso do po-
der e a actuação inconstitucional e ilegal dos governos. Anteceden-
do as revisões da Constituição, os partidos no poder, com suas
maiorias na Assembleia da República, começaram a ofensiva toman-
do medidas contra as empresas nacionalizadas, assim como con-
tra a reforma agrária e outras conquistas de Abril e aprovaram
depois leis e decretos inconstitucionais, «legalizando» medidas
anteriormente tomadas.
Tais os casos da Lei de Delimitação dos Sectores (Lei 46/77),
da chamada «Lei Barreto» (Lei 77/77), da Lei das Indemnizações
(Lei 80/77) e dos sucessivos Códigos de Investimentos Estrangeiros.
Por esta forma foram abrindo caminho à ulterior reprivatiza-
ção das empresas nacionalizadas e à restauração da agricultura
latifundiária.
As revisões da Constituição facilitaram a aceleração do pro-
cesso. Após a 1.a Revisão (1982) a contra-revolução não perdeu
tempo. O Decreto-Lei 406/83, alterando a «delimitação dos sec-
tores», avançou uma medida de fundo: abriu ao capital privado
sectores básicos estratégicos (banca, seguros, cimentos, indústria
de adubos).
Aprofundando a ofensiva, a Lei 84/88 permitiu ao Estado a
alienação (por venda directa, concurso ou Operações Públicas de
Venda (OPV)) de 49% do seu capital nas empresas nacionalizadas.
A agravar esta entrega efectiva de empresas nacionalizadas ao gran-
de capital, o desrespeito pelo limite de 25% de participação de
capital estrangeiro, foi escandalosamente permitido (casos do
Totta, da Unicer e da Centralcer).
Este processo conheceu nova aceleração pela transformação
de empresas do Estado em sociedades anónimas (TAP, Portucel,
275
278
5. AGRAVAMENTO DA EXPLORAÇÃO
Social, tenta criar condições para fazer aprovar novas leis, indo
ainda mais além das anteriores. A serem aprovadas, colocariam os
trabalhadores inteiramente à mercê do patronato.
São de referir, embora a proposta de algumas tenha já sofri-
do alterações: a lei do trabalho a tempo parcial, visando, tal como
a lei dos contratos a prazo, a generalização do trabalho precário
atingindo particularmente os jovens e as mulheres; uma propos-
ta de alteração da lei das férias e das baixas por doença ou por
acompanhamento familiar de forma a que o direito às férias e os
subsídios de férias baixem para níveis existentes antes da Revolu-
ção de Abril; uma proposta de alteração do regime de trabalho
nocturno, visando reduzir o período assim considerado e o res-
pectivo subsídio; outra relativa às pausas, para que não sejam
contadas na jornada de trabalho; uma proposta de alteração do
conceito de retribuição, que visa eliminar várias das componentes
do salário.
É necessário tomar consciência de que se não trata de medi-
das avulsas. Particularmente significativa foi a aprovação pelo go-
verno do PS, juntamente com o PSD e o CDS-PP, de uma lei de
participação das associações patronais na elaboração da legisla-
ção laboral, direito que a Constituição só reconhece às organiza-
ções de trabalhadores. Esta lei representa um passo claro da
evolução de uma política ao serviço do grande capital para a par-
ticipação directa dos grandes grupos económicos e financeiros nos
órgãos do poder político. Isto é, da evolução do capitalismo mo-
nopolista para o capitalismo monopolista de Estado.
287
3
A VERTENTE ANTINACIONAL
1. PORTUGAL E A CEE
290
291
5. NAÇÕES E NACIONALISMO
4
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CONTRA-REVOLUÇÃO
2. ESTABILIDADE E DESESTABILIZAÇÃO
3. A BIPOLARIZAÇÃO
306
4. UM FILME DA CONTRA-REVOLUÇÃO
A Constituição de 1976 foi um retrato da Revolução de Abril.
As quatro revisões da Constituição são um filme da contra-revo-
lução — do avanço, até agora em quatro episódios, do processo
contra-revolucionário.
Testemunhos das diferenças dos dois processos: o revolucio-
nário e o contra-revolucionário. O primeiro com suas realizações
e conquistas, aberta e explicitamente afirmadas antes e reconhe-
cidas depois num texto final da Constituição. O segundo um pro-
cesso avançando com dificuldades, de revisão para revisão, ao
longo de 20 anos.
Aqueles que, em 1976, só aprovaram a Constituição na As-
sembleia Constituinte, porque não conseguiram impedir a sua
aprovação, avançaram a partir de 1976 medidas inconstitucionais
aguardando impacientes a altura da revisão, para as converter em
princípios da lei fundamental.
O imediato cuidado das forças contra-revolucionárias na
1. revisão (1982), além da eliminação das instituições e medidas
a
5. O ESTADO-DE-DIREITO
313
6. A POLÍTICA E OS POLÍTICOS
Política é uma palavra digna. Significa uma orientação, uma
proposta e uma intervenção destinadas a resolver os problemas
que se colocam na vida de qualquer sociedade.
Essa orientação, essa proposta e essa intervenção podem ser
boas ou más. Podem não servir aos povos e merecer condenação.
Se uma política não serve, impõe-se uma outra que sirva. Mas se
é justo concluir que uma política é má, errado seria concluir que
qualquer política o é.
Um sistema bipolarizador de dois partidos, rivais no exercício
do poder, mas identificados no essencial da política que realizam,
revela-se, em si mesmo, gerador da permanente mentira por qual-
quer deles.
Porque, para justificar a luta pelo poder, inventam e expres-
sam divergências que não existem.
Porque, após violentos, encenados e espectaculares confron-
tos verbais sobre as mais variadas matérias, acabam por estar de
acordo e entendimento sobre elas.
Porque a análise e o exame rigoroso dos problemas e das
soluções necessárias cede o lugar a exibições teatrais e à artificial
criação de «factos políticos» para a comunicação social.
Porque a reflexão sobre as questões que urge resolver é aban-
donada em proveito da frase, da imagem, mesmo do insulto, que
dá título na imprensa ou na abertura de telejornais.
Porque, no calor da refrega, se acusam um ao outro de irre-
gularidades, de favoritismo político, de abuso do poder e de cor-
rupção e, chegada a hora de assumirem responsabilidades e serem
julgados, se ajudam um ao outro a abafar os casos e a assegurar a
impunidade.
E ainda porque, ouvindo-se a verdade nas vozes que a bipo-
larização procura silenciar, convergem na simultânea acusação de
que quem fala verdade está a mentir.
Esta forma de fazer política é um dos males de raiz da degra-
dação da democracia. E, pior ainda do que o mal em si, é a con-
clusão corrente de que quem melhor sabe mentir mais sabe
convencer, é a sua apresentação, não como um mal, mas como
uma virtude, um talento e uma arte — talento e arte que se valo-
314
318
1. PERSPECTIVA HISTÓRICA
320
321
323
6. UM PARTIDO INSUBSTITUÍVEL
Na actual situação internacional, são necessários partidos,
organizações e movimentos capazes de defender os interesses e
direitos dos povos e de apoiar, ajudar e promover as mais varia-
das formas da sua luta.
Não podem desempenhar tal papel partidos socialistas e so-
cial-democratas que, dizendo-se de «esquerda», defendem os in-
teresses do capital e formam governos com políticas iguais no
fundamental às dos partidos de direita. Não o podem tão-pouco
partidos, com um passado revolucionário, se abandonam e repelem
o valor do seu passado, se abandonam ideais e ideologia, se se
convertem em acusadores das realizações e conquistas do processo
revolucionário do século XX e do movimento comunista interna-
cional, se se social-democratizam, se se tornam colaboradores do
poder e da política de exploração e opressão do capitalismo.
Os povos necessitam de partidos firmes, convictos, corajosos
e confiantes. Só tais partidos estão em condições de fazer frente
ao capitalismo no mundo actual.
A história da luta contra o fascismo, da Revolução de Abril e
da contra-revolução testemunha o ímpar papel do PCP na socie-
dade portuguesa, ímpar por virtude das características que defi-
niram e definem a sua natureza e identidade. Partido dedicado,
corajoso, coerente e confiante. Partido da classe operária e de
todos os trabalhadores. Defensor dos interesses de todas as clas-
ses e estratos sociais que sofrem a exploração e opressão do capi-
talismo. Ligado estreitamente às massas populares e organizador,
promotor e dinamizador das suas lutas. Portador de uma teoria
revolucionária antidogmática e criativa, que não só permite expli-
car a vida social, como indica como transformá-la. Partido cuja
experiência o levou, na sua vida democrática interna, a conside-
rar, como um valor permanente, o trabalho colectivo e o princí-
pio de direcção colectiva, em que os dirigentes, assumindo as suas
responsabilidades e competências, têm como dever estimular a par-
ticipação, a reflexão, a opinião, os direitos, a crítica e a iniciativa
do grande colectivo partidário.
Partido, cuja criação, existência e luta, ao longo de 78 anos,
se insere na luta de gerações e gerações que, no mundo como em
324
325