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1862-Texto Artigo-7091-1-10-20180705

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>>Atas CIAIQ2018 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2

Pesquisa Participante na preparação ao parto: Abordagem Centrada na


Pessoa e a humanização do parto

Daiane Correia Sales1 e Fernanda Cândido Magalhães1


1 Pós-Graduação em Psicologia Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil. daiane.corsales@gmail.com;
fernanda.candido2010@gmail.com.

Resumo. O aumento de cesarianas no Brasil tem despertado o interesse de várias áreas do conhecimento.
Índices brasileiros de cirurgias cesáreas registram percentuais muito distantes do que preconiza a Organização
Mundial de Saúde (OMS), principalmente na saúde suplementar. A presente investigação buscou inserir a
Psicologia no contexto da humanização do parto, lançando-se mão da Pesquisa Participante, estratégia de
reflexão e intervenção sobre o tema estudado. Para a leitura dos dados, o referencial teórico adotado foi a
Abordagem Centrada na Pessoa, proposta por Carl Rogers. Foram realizados atendimentos a gestantes
atendidas em Unidade Básica de Saúde, oferecendo o Plantão Psicológico, escuta ativa e centrada na pessoa,
concretizando a experienciação de sentimentos e participando ativamente do direito e poder de produzirem
saberes a respeito delas mesmas. Os resultados mostraram que a proposta metodológica, além de coletar
dados, ofereceu acolhimento às gestantes e possibilitou reflexões sobre potenciais, favorecendo a autonomia
para escolhas autênticas
Palavras-chave: Pesquisa participante; Psicologia humanista; Humanização do Parto; Abordagem Centrada
na Pessoa; Preparação para o parto.

Participant research in the preparation of childbirth: Person-centered approach and the humanization of
childbirth
Abstract. The increase in cesarean sections in Brazil has stimulated the interest of several areas of knowledge.
Brazilian rates of cesarean surgeries records far removed percentages than advocates the World Health
Organization (WHO), mainly in the supplementary health. The present research sought to insert the
Psychology in the context of the childbirth humanization, using Participant Research, strategy of reflection
and intervention about the studied subject. For data analysis, the chosen theoretical reference was the
Person-Centered Approach which was proposed by Carl Rogers. Were done psychological support for
pregnant women that were attended at the Basic Health Unit by offering emergence psychological services,
active and person-centered listening, realizing the experienciation of theier feelings and actively participating
in the right and the power to produce knowledge about themselves. The results showed that the
methodological proposal, besides collecting data, offered psychological hosting to pregnant women and
turned possible reflections about potentials, favoring autonomy for authentic choices.
Keywords: participant research; Humanistic psychology; humanization of childbirth; Person-centered
approach; preparation for childbirth.

1 Introdução

A assistência humanizada ao parto, centrada na mulher e na família, promovem muitos benefícios


tanto relacionados aos indicadores de morbidade e mortalidade, quanto aos aspectos emocionais,
sociais e culturais. Entretanto ainda é um desafio a transformação das práticas nesse tipo de cuidado,
uma vez que requer uma postura crítica diante do modelo tecnocrático, como denominado por Davis-
Floyd (2014) ao se referir às sociedades ocidentais que se baseiam nos processos industrializados que
valoriza a ciência de alta tecnologia. Neste sentido, a supervalorização das tecnologias duras pode
estar disseminando a diminuição da importância das tecnologias leves, baseadas na relação

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interpessoal do atendimento, com isso, corre-se o risco de desprivilegiar os desejos e necessidades da


mulher.
O governo brasileiro elaborou normativas com a intenção de assegurar direitos e estabelecer condutas
que garantam cuidados de saúde humanizados, a partir dos quais os envolvidos podem se balizar. O
Ministério da Saúde (MS) instituiu, por meio da Portaria 569/2000, o Programa de Humanização no
Pré-natal e Nascimento (PHPN), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2000); em 2003,
foi criada a Política Nacional de Humanização (PNH) – HumanizaSUS que perpassa por todas as políticas
e programas do SUS e, portanto, fortalece o PHPN e demais programas ligados ao tema (Brasil, 2015).
Sabatino, Cordeiro, & Souza (2014) descrevem que abordagens psicológicas têm adquirido cada vez
mais espaço na atenção do cuidado ao casal grávido, privilegiando o acolhimento das vivências
psicológicas a partir de atendimentos psicológicos individuais e grupais, destacando a importância
destes à grávida, pois os laços afetivos entre a família e o bebê são construídos durante a gravidez.
O momento do parto é muito significativo na vida da mulher e de seu bebê, sendo permeado de
sentidos biológicos e psicológicos que, conforme aponta Maldonado (2017), constitui-se em momento
crítico por ser visto como passagem permeada de sentimento de irreversibilidade, geradora de
ansiedade, insegurança e de falta de controle. A autora ressalta que a preparação para o parto é etapa
importante para a redução do tempo do trabalho de parto, para menores índices de complicações de
parto, menos intervenções cirúrgicas e, no que se refere aos aspectos psicológicos, para a promoção
da participação ativa da mulher, permitindo experienciar as emoções do parto e, por conseguinte,
diminuir as consequências psicológicas comumente vividas após este processo, tal como sentimentos
de depressão e angústia. Para possibilitar que tais condições sejam alcançadas, é necessário que a
mulher saiba definir suas vontades de maneira autônoma, para tanto, a mulher precisa estar
esclarecida quanto aos aspectos que envolvem a gestação e o parto, mas a informação por ela mesma
não garante uma formação de opinião que leve a escolhas autênticas, sendo necessário também que
a mulher possa se escutar em suas necessidades íntimas.
Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa foi de compreender, a partir de atendimentos psicológicos,
os sentimentos e as motivações das gestantes para as escolhas durante a preparação para o parto.

1.1 Referencial Teórico-Experiencial: Abordagem Centrada na Pessoa (ACP)

As prerrogativas para o atendimento humanizado, conforme previstas pelas políticas do Sistema Único
de Saúde (SUS), em muitos aspectos coadunam com a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP),
referencial teórico desenvolvido pelo psicólogo norte americano Carl Rogers. A ideia central desta
teoria consiste na consideração que os seres humanos possuem uma tendência para um
desenvolvimento mais integral e complexo denominada tendência realizadora. Assim, os indivíduos
são dotados de recursos para autoconhecimento que podem gerar mudanças de autoconceitos,
atitudes e comportamentos. Para acessar tais recursos, um clima de favorecimento, sem ameaças é
necessário, o qual pode ser alcançado com a adoção de atitudes facilitadoras (Rogers, 1983).
A primeira atitude é a da congruência, que estabelece a necessidade do terapeuta adotar posturas
autênticas, transparentes, reconhecendo e respeitando seus próprios sentimentos, com isso, maior
será a probabilidade da outra pessoa caminhar para um crescimento construtivo, pois ela verifica essa
verdade do terapeuta na relação, sem barreiras ou resistências, demonstrando que o cliente, neste
caso a gestante, também pode tornar consciente suas vivências. A segunda atitude é a consideração
positiva incondicional, perante a qual se verifica, por parte do terapeuta, um acolhimento integral de
todas as coisas que o cliente vivencia naquele momento da relação. Espera-se que o cliente expresse
seus sentimentos positivos ou negativos, sem impor juízo de valor. Por sua vez, a compreensão
empática é terceiro componente facilitador da relação, a partir do qual se consegue captar os

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sentimentos da pessoa, na forma como ela os expressa, “como se” fosse o próprio cliente, frisando
que não se perde essa qualidade do “como se”. Nesse processo, Rogers (1983) fala da necessidade da
escuta ativa, pois além do colocar-se no lugar do outro e considerá-lo positiva e incondicionalmente é
preciso comunicar ao cliente que tais atitudes estão presentes na relação.
Dessa forma, a partir da relação pautada no clima facilitador de crescimento, as pessoas se tornam
capazes de se ouvirem melhor, se compreenderem e serem mais congruentes com suas próprias
experiências, como reflexo da profundidade dessa relação com o terapeuta (Rogers, 1983). Por confiar
no potencial de crescimento humano, a proposta de Rogers não se limita à relação terapeuta-cliente,
sendo aplicável em quaisquer relações humanas.

2 Metodologia

Ao considerar a temática estudada, bem como o referencial teórico adotado para a leitura dos dados,
o caminho metodológico qualitativo que melhor atendeu às indagações desta investigação foi o
formato da Pesquisa Participante, pois consiste na interação entre pesquisadores e pesquisados com
objetivo de buscar informações mais aprofundadas do grupo de pessoas, registando-se fatos e
observações com a anuência dos envolvidos (Farias Filho, 2015).
Brandão (1999), antropólogo estudioso desta proposta metodológica, considera a pesquisa
participante como forma que possibilita a recriação efetiva “dessas gentes, grupos e classes
participarem do direito e do poder de pensarem, produzirem e dirigirem os usos de seu saber a
respeito de si próprias” (p. 9), construindo junto ao grupo recursos que ampliam o poder do povo.
Neste sentido, deixam de ser objetos de pesquisa que remete a noção de categorias abstratas, para
serem sujeitos, tanto do conhecer como do transformar, compondo com os pesquisadores os sujeitos
do mesmo trabalho, mesmo que possuindo atribuições diferentes. Participar, neste tipo de pesquisa,
não é uma mera estratégia para aprofundar o conhecimento, mas um compromisso no qual o projeto
de pesquisa está a serviço do projeto político e social dos sujeitos pesquisados. Então, o autor pontua
que o pesquisador possui um compromisso maior do que o de conhecer para explicar, sendo ele o de
compreender para servir (Brandão, 2001).
O mesmo autor também refere que, considerando que a lógica da cultura investigada deve provir dos
seus sujeitos e não do pesquisador e de sua ciência, quando a relação entre pesquisador e pesquisado
é envolvida por compromisso, a partilha de sua história pelo sujeito da pesquisa é dotada de vida e,
por isso, técnicas e roteiros previamente preparados podem se tornar arbitrário e impessoais, não
cabendo nesta relação, ao contrário, quando é possibilitado agir com espontaneidade, o entrevistado
tende a compartilhar qualquer assunto.
Dessa forma, a presente pesquisa ultrapassa os limites da investigação puramente, uma vez que a
pesquisadora se propôs não só a atuar no processo de oferta de serviço às participantes da pesquisa,
como também reconhecer a posição de protagonista delas neste processo, bem como, possibilitar
trocas de experiências que possam levar a humanização aos relacionamentos.

2.1 Caracterização do Local da Pesquisa

A Atenção Básica foi o local escolhido para a realização desta pesquisa por compreender que a
preparação para parto é uma etapa importante para um nascimento saudável e que coloca a gestante,
desde o início, no seu local de agente deste processo.
Na cidade onde a pesquisa se desenvolveu existem 87 Unidades da rede de Atenção Básica de Saúde
e escolheu-se duas Unidades de Saúde da Família (USF) integradas para a realização desta pesquisa.

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Tais Unidades são cadastradas no Ministério da Saúde e habilitadas a prestar serviços, dentre outros,
de pré-natal/parto e nascimento (2018). Cada unidade é composta por uma equipe multiprofissional,
sendo enfermeiro/a, técnico/a de enfermagem, auxiliar de escritório, médico/a e agente comunitário
de saúde. A escolha desta USF decorreu considerando o número de gestantes cadastradas nas USFs
(aproximadamente 100 gestantes, de acordo com estimativa indicada pelos profissionais das
unidades).
A partir da permanência em campo, foi verificado que o serviço de pré-natal prestado nesta unidade
consistia em atendimentos ambulatoriais (consulta com profissionais da enfermagem e da medicina -
em dias separados), vacinas, coleta de amostras para exames, educação em saúde durante os
atendimentos e na modalidade de sala de espera em parceria com profissionais de outros serviços,
como universidades e hospitais.
Foram realizadas visitas prévias nas unidades entre os meses de junho e agosto, a fim de realizar
levantamento do universo nacional dos sujeitos e reconhecimento do local da pesquisa, apresentando
a proposta do estudo, sendo a coleta dos dados ocorrida no mês de setembro de 2017.

2.2 Coleta dos dados

O Plantão Psicológico: A proposta de plantão psicológico, de acordo com Tassinari (2010), surgiu no
Brasil, desde 1969, com a intenção de atender às demandas sociais de saúde, ofertando atendimentos
psicológicos às pessoas cuja necessidade surge em momentos pontuais. A primeira sistematização
pública da oferta deste serviço se deu na década de 1980, provocando diversas reestruturações na
instituição.
[...] pode-se definir plantão psicológico como um tipo de atendimento psicológico que se
completa em si mesmo, realizando em uma ou mais consultas sem duração pré-determinada,
objetivando receber qualquer pessoa no momento exato de sua necessidade para ajudá-la a
compreender melhor sua emergência e, se necessário, encaminhá-la a outros serviços
(Tassinari, 2010, p. 100).
As atitudes facilitadoras da Abordagem Centrada na Pessoa são potentes condições para estarem
presentes nesta relação de ajuda e favorecer a auto percepção, mesmo em um único atendimento,
principalmente pela consideração da Tendência Realizadora como presente na pessoa, tornando-a
capaz de uma regulação interior que tende a um crescimento mais organizado.
Este método de trabalho pode contribuir com a promoção da saúde e com uma proposta de
atendimento humanizado nas instituições de maneira acolhedora e prestativa no que se refere às
necessidades psicológicas mais emergenciais das pessoas. Considerado, portanto, potente
instrumento para esta Pesquisa Participante. Para iniciar a coleta dos dados foi realizada a divulgação
do serviço de plantão psicológico no local da pesquisa, as informações eram prestadas pessoalmente
com as gestantes a fim de evitar que se despertasse interesse de atendimento por próprios usuários e
usuárias diferentes dos sujeitos da pesquisa. Assim, quando a pesquisadora-psicóloga chegava à
unidade, permanecia na recepção para aguardar as mulheres que estavam com o pré-natal agendados
para aquele dia e, após elas realizarem a ficha com as recepcionistas, eram convidadas para uma sala
reservada aos atendimentos. O serviço de plantão psicológico era disponibilizado e também o convite
para a participação da pesquisa. A oferta era feita para todas as gestantes que quisessem se beneficiar
do acolhimento naquele momento ou em outro, podendo retornar outras vezes ao serviço, sem
necessidade de agendamento. No plantão psicológico foram ouvidas 25 gestantes, sendo que cinco
não consentiram a participação na pesquisa e, as que consentiram, tiverem os atendimentos gravados
em áudio, sendo este, posteriormente, transcrito para processamento e análise dos dados.

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2.3 Sujeitos

Participaram da pesquisa 20 gestantes em acompanhamento de pré-natal nas duas Unidade Básica de


Saúde, durante o mês de setembro de 2017, sendo ouvidas na modalidade de Plantão Psicológico.
Todavia, entendendo que as primeiras entrevistas atenderam mais ao estudo piloto da pesquisa,
optamos por descartar os quatro primeiros atendimentos, pois não atendeu o método experiencial
que baliza a proposta teórico-metodológica da investigação.
As dezesseis gestantes da pesquisa possuíam de 18 a 39 anos, com tempo de gestação variados, sendo
o menor com 12 semanas e o maior contando 38 semanas; quatro gestantes eram primigestas e,
dentre as multíparas, oito experimentaram parto normal, três passaram por cesáreas e uma gestante
experimentou os dois tipos de parto.

2.4 Critérios Éticos

Riscos: Foram riscos mínimos aos aspectos psicológicos das participantes da pesquisa e, caso
ocorressem, a pessoa poderia ser encaminhada para acompanhamento psicológico gratuito no Serviço
de Psicologia Aplicada (SPA) de uma Universidade pública, instituição a qual a pesquisadora e a
pesquisa estão vinculadas. Há disponível o serviço de Plantão Psicológico, no qual a pessoa que chega
no SPA pode ser atendida no momento que precisa de ajuda. Caso fosse necessário, seria solicitado à
equipe de saúde do local o apoio necessário à participante, em caso de desconforto físico. Essa
possibilidade de encaminhamento teve como consideração a consciência ética do pesquisador,
buscando não ser intrusiva, mas pautando na responsabilidade profissional e na solidariedade,
enquanto exigência da prática da pesquisa.
Benefícios: Oportunizar às participantes da pesquisa espaço para construção de escolhas autênticas no
que se refere ao tipo de parto. Contribuir com a equipe de saúde no cuidado à gestante. Inserir a
psicologia no campo da humanização do parto. Os benefícios atingirão as participantes da pesquisa e
as futuras gestantes, pois tanto a execução quanto os resultados dessa pesquisa permitirão o
desenvolvimento de propostas de atitudes, pelos profissionais de saúde que participam do cuidado do
processo gravídico, que valorizem o experienciar da gestante em seus aspectos emocionais.
Devolutiva: Considerando o método de pesquisa adotado, pretende-se tornar a investigação
participante também com a devolutiva dos resultados, realizando apresentação destes dados aos
sujeitos envolvidos neste projeto, por meio de uma roda de conversa, com as mães, equipe e gestantes
da Unidade de Saúde, buscando não somente mostrar, mas ampliar as reflexões contidas no estudo.
Aprovação do CEP: Este estudo foi submetido ao comitê de ética e pesquisa do Hospital Universitário
Júlio Muller com o parecer de número 2.252.419 e CAAE: 70617517.1.0000.5541. Para realização deste
estudo foram seguidas as orientações da Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012 (Brasil, 2012).
Os participantes da pesquisa foram informados acerca dos objetivos do estudo, e após assentir em
participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE assegurando-os acerca
do sigilo e de seu anonimato.

2.5 Processamento e Análise dos dados

Após a coleta dos dados foi realizada a transcrição das sessões de atendimento para construção do
corpus para análise. Posteriormente, recorreu-se ao processamento dos conteúdos com auxílio do
software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de
Questionnaires). Este é um software gratuito que possibilita a categorização dos discursos e análises
estatísticas sobre corpus textuais, realizando cálculos de frequência de palavras, bem como

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classificação hierárquica descendente. Este software organiza a distribuição do vocabulário pautando-


se nas análises lexicográficas (Camargo & Justo, 2013).
A partir das junções realizadas pelo software, realizou-se Análise Temática, com leitura dos dados
contextualizada a partir dos estudos já realizados sobre o tema, agregando às análises o viés
compreensivo do referencial teórico apresentado, a Abordagem Centrada na Pessoa.

3 Resultados

A partir dos dados processados pelo software IRAMUTEQ, elaborou-se o dendograma a seguir, com a
Classificação Hierárquica Descendente (CHD) dos resultados.

Fig. 1. Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) resultante do processamento do corpus das falas das
gestantes pelo software IRAMUTEQ.

O processamento dos dados mostrou conexão entre as três primeiras classes, congregando
praticamente a metade dos discursos das gestantes: Classe 1 - Insegurança/medo do parto diante da
falta de ambiente facilitador; Classe 2 - Autonomia da gestante, tentar ou preferir um parto normal?;
Classe 3 - Angústia e medo de morrer no hospital. Por sua vez, outro bloco que mostrou conectividade
foram as duas últimas classes, com um pouco mais da metade das falas analisadas: Classe 4 - As
relações no processo gravídico: a importância do apoio; Classe 5 - Expectativas e desafios frente ao
novo: os conflitos do cotidiano familiar.
Em Insegurança/medo do parto diante da falta de ambiente facilitador (Classe 1) fica evidente que o
momento do parto é permeado de muita expectativa e de sentimento de medo, dentre outros,
conforme expressado na fala de uma das gestantes: “...o que me angustia sempre que, inclusive hoje
eu estou com 29 anos ..., meu primeiro filho, sempre foi meu medo justamente por causa do parto”
(Primigesta, 29 anos). As gestantes também compartilham seus medos das possíveis reações por parte
dos profissionais durante o processo de trabalho de parto: “No atendimento mesmo, às vezes a gente
é bem atendida, mas tem hora que não é bem atendido... Meu medo é ter alguma complicação na
hora” (Multípara, 26 anos). São referidos por elas o medo da desassistência, descaso, incompreensão,
principalmente diante dos gritos de dor, conforme exemplificado na seguinte fala: “... eu queria muito
humanizado, eu acho tão maravilhoso né, você ter um filho do jeito que você quer, porque o que mais
falam para mim é que no lugar deixa você lá gritando...” (Primigesta, 18 anos).
Em Autonomia da gestante, tentar ou preferir um parto normal? (Classe 2) as falas demonstram
dilemas das gestantes entre o desejo por um tipo de parto e a incerteza quanto ao controle desta
escolha, depositando assim a decisão nas mãos divina ou na do médico/a, como exemplificado nesta
fala: “...pelo auxílio da médica que está no pré-natal, ela disse que eu tenho todo o, assim, o favor do
meu lado para ter o parto normal ... eu pretendo, se Deus quiser vai dar tudo certo” (Multípara, 39
anos). Com relação ao desejo pelo parto normal é expresso como vontade da maioria das gestantes,

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sendo processo natural, com rápida recuperação, fortalecendo o vínculo entre mãe e filho, conforme
relatos: “eu prefiro parto normal, até para mãe e para o bebê ter aquele vínculo, ..., eu acho, que foi a
natureza” (Multípara, 33 anos). Quando a preferência é pela cesariana, está relacionada à vontade de
realizar a laqueadura de trompas ou por medo de perder o bebê “Ah, eu escolheria a cesárea. Éh, eu
tenho muito medo... Eu já perdi um bebê recente.” (Multípara, 20 anos); “...é porque eu já tive 3 partos
normais e eu queria fazer uma cesariana junto com a laqueadura” (Multípara, 28 anos).
Em Angústia e medo de morrer no hospital (Classe 3) as gestantes relatam as próprias experiências ou
as de pessoas conhecidas que suscitam nelas o medo do sofrimento, da negligência e até mesmo da
morte no hospital. Os relatos revelam desejo pela tranquilidade no ambiente e que sentirem confiança
nos profissionais. Disseram: “Você chega com uma pessoa desconhecida, que está cansada, debilitada,
atendendo uma renca, uma fila... a cabeça da gestante, principalmente de primeira viagem, sempre
passa o medo de morrer ou o filho ficar com uma deficiência, devido ao parto” (Primigesta, 29 anos).
Em As relações no processo gravídico: a importância do apoio (Classe 4), os compartilhamentos se
referem aos sentimentos e percepções de mudanças relacionadas à gestação e à chegada do bebê,
tais como cuidados pessoais, relação conjugal, relação com outros filhos, relação com a mãe, questões
financeiras, sendo que o ponto em comum nos discursos esteve ligado ao desejo de maior apoio dos
familiares, conforme relato: “ela [sogra] me acompanha em tudo, nas ultrassons, ela que quis ir no
pré-natal, ..., já minha mãe ela não tem tanto assim” (Primigesta, 18 anos).
Em Expectativas e desafios frente ao novo: os conflitos do cotidiano familiar (Classe 5) os relatos estão
relacionados aos conflitos familiares que se apresentam como preocupantes pela possibilidade de
afetar o processo gravídico e/ou pós-parto. Nesse sentido, uma gestante compartilha a relação
conflituosa com sua filha de 11 anos, demonstrando preocupação com o futuro desta relação e desejo
de que os conflitos cessem: “Falo que não é bem assim, você tem que entender que não é só você...não
respeita ... Difícil, mas eu ainda tenho esperança que isso vai acabar...” (Multípara, 29 anos).

4 Discussões: Contextualização e Compreensão da Psicologia Humanista

Evidenciou-se nesta pesquisa que o parto é um momento de grandes expectativas e medos


relacionados tanto ao momento em si, principalmente pelas primigestas, quanto pela previsão que
estas têm de que o tratamento que receberão dos profissionais de saúde do hospital público serão
desrespeitosos e incompreensivos. O parto foi previsto como assustador também pelas mulheres de
uma pesquisa norte-americana, sendo que o medo foi revelado como proporcional às informações que
tinham sobre o parto e a confiança nos seus conhecimentos sobre a gravidez e nascimento (Stoll,
Edmonds, & Hall, 2015). Na Argentina, o estudo com mulheres de hospitais públicos e privados obteve
como resultado o sentimento de falta de confiança nos profissionais de saúde dos hospitais públicos,
demonstrando uma noção generalizada de que estes profissionais oferecem uma má qualidade nos
cuidados de saúde e, muitas vezes, subestimam a dor ou o sofrimento das mulheres primigestas (Liu
et al., 2013).
Com relação à preferência de um tipo de parto, o normal foi o mais desejado pelas gestantes que
consideram, dentre outros fatores, a rápida recuperação, o vínculo mãe-bebê e a experiência deste
momento como positiva para o processo. Este resultado corrobora com outras pesquisas no Brasil,
tendo como motivos apontados o tempo prolongado da dor após a cesariana, principalmente por
mulheres que já experimentaram os dois tipos de parto. Todavia, médicos entrevistados em uma
destas pesquisas possuíam a percepção de que a maioria das mulheres preferem o parto cesáreo e
temem o parto vaginal, o que pode ser resultado de uma comunicação desencontrada entre médicos
e mulheres grávidas (Faúndesa, Pádua, Osisa, Cecattib, & Sousa, 2004). Ferrari (2010) na sua pesquisa
com mulheres que deram à luz em um hospital público da cidade de Porto Velho, Brasil, apontou que

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a preferência pelo parto vaginal é predominante entre as mulheres independentemente do tipo de


parto que já tenham realizado. Estudo realizado na Argentina com mulheres de hospitais públicos e
privados revelou a preferência pelo parto vaginal, elas referiram o desejo de querer experienciar o
parto, pois compreendem tal sensação como parte única e intrínseca de ser mãe (Liu et al., 2013).
Nesta pesquisa a cesariana somente apareceu como preferência das gestantes que desejam realizar
laqueadura e por quem já vivenciou sofrimento no parto normal, passado a considerar a cesariana
mais segura. Fenwick, Staff, Gamble, Creedy, & Bayes (2010) apresentam em seus resultados de
pesquisas com mulheres australianas que o medo de ferimentos físicos, nelas ou no bebê, eram motivo
para a preferência da cesariana e consideram este tipo de parto mais seguro. No estudo estadunidense
a preferência pelo parto cesáreo também está associada ao medo do parto, preocupações como
mudanças físicas após o parto, percepção de risco elevado e histórico familiar de cesariana (Stoll,
Edmonds, & Hall, 2015). Já no estudo brasileiro, tais preocupações físicas foram encontradas apenas
na percepção dos médicos e não esteve presente nos relatos das gestantes (Faúndesa et al., 2004).
A morte é um dos medos compartilhados pelas gestantes e pode estar relacionado, entre outros
motivos, à falta de confiança nos profissionais e no hospital, isso se deve também pela ausência do
desenvolvimento do vínculo e, portanto medo do desconhecido, conforme apontado também nos
estudos de Ferrari (2010) que alerta para o fato de que as gestantes de baixa renda fazem o pré-natal
na rede atenção primária de Saúde, onde estabelecem um vínculo com o profissional de referências,
mas no momento do nascimento, a gestante é atendida no hospital ou maternidade por plantonistas
desconhecidos, com os quais não tem vínculo. Neste mesmo sentido, Liu et al. (2013) apresentaram
que as mulheres argentinas da pesquisa destacaram a importância de poder escolher o médico com
que terá o parto, pois este seria um fator gerador de confiança e respeito, porém esta realidade
também é mais comum de ser encontrada nos hospitais não públicos da Argentina, corroborando com
a realidade da maioria das cidades brasileiras. Os relatos também referiram histórias de mulheres cujas
queixas e pedidos foram ignorados e isso acabou levando a complicações ao bebê ou à mãe.
A relação familiar é destacada em duas classes (Classe 4 e 5), demonstrando a importância deste
suporte tanto para o período gestacional, quanto para o pós-parto, pois são momentos durante os
quais as emoções estão mais afloradas, como afirma Maldonado (2017). Ademais as reações biológicas
percebidas com mais intensidade durante o período que se aproxima do parto contribuem também
para o aumento dos sentimentos de ansiedade e de medo, pois está diante de algo desconhecido,
principalmente para as primigestas.
Tomando como referência os conceitos centrais da Abordagem Centrada na Pessoa, percebemos nesse
contexto a relevância da atitude de Consideração Positiva Incondicional (Rogers, 1965, 1983), por parte
dos profissionais envolvidos, tanto no processo de abertura destes para considerar as gestantes no
momento do parto, seja qual comportamento elas apresentem (dor, gritos, pedidos diversos), quanto
na acolhida para minimizar os temores e sofrimentos frente ao desconhecido.
A Compreensão Empática (Rogers, 1965, 1983), também componente facilitador das relações
humanas, auxiliaria no que se refere à melhoria da comunicação entre gestantes e profissionais, pois
quando estes se colocam no lugar daquelas, certamente expressam pouco interesse pelo que estão
vivenciando na gestação, não permitindo que a própria mulher se escute e se posicione nas suas
escolhas de maneira mais inteira e autêntica. Rogers (1965), alerta para o fato de que normalmente
oferecemos e recebemos um tipo de compreensão avaliadora, que coloca uma pessoa como
entendedora do que há de errado com a outra, mas quando alguém busca entender o que realmente
se sente, sem a intenção de analisar ou julgar, então o clima de confiança e crescimento se apresenta.
Para que estas atitudes sejam praticadas, as relações precisam estar pautadas na Congruência (Rogers,
1965, 1983) dos profissionais, possibilitando ampliação da autoconsciência que, de acordo com Rogers
(1983) favorece que escolhas melhor fundamentadas ocorram. Sendo assim, destacamos a
importância da relação autêntica da equipe com as gestantes, relação entre pessoas, quebrando as

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barreiras hierarquizadas entre profissional e paciente, pois diferente da postura passiva do doente,
deve-se considerar o potencial ativo e protagonista da mulher grávida.

5 Conclusões

Esta pesquisa obteve como resultados primários confirmações que outras pesquisas realizadas no
Brasil e fora dele já evidenciaram, como a necessidade da oferta de tratamento mais humanizado para
as gestantes e parturientes, a fim de que este momento possa ser vivenciado de modo não traumático,
como é apresentado em vários compartilhamentos das gestantes ouvidas. Assim, como proposta
secundária, mas não menos importante, a apresentação de atitudes já consagradas na Psicologia
(Congruência, Consideração Positiva Incondicional e Compreensão Empática), tem a intenção de serem
indicadas como potentes para que a humanização do atendimento em saúde possa ser alcançado,
conforme indicado nas políticas do SUS, no Brasil.
Para tanto, o traçado da proposta metodológica não poderia ser apenas de coletar informações para
posterior análises, mas atuar no campo da pesquisa, oferecendo atendimentos psicológicos para as
gestantes na modalidade de Plantão Psicológico. Os encontros possibilitaram às gestantes e
parturientes vivenciarem um clima facilitador, espaço potencial de maior consciência dos sentimentos,
emoções e reações fisiológica, podendo levar à mulher compreender melhor o processo gestacional e
desenvolver maior autoconfiança e melhor capacidade de escolha e no que se refere às informações
que recebem do processo gravídico, pois tornou-se aprendizado significativo.
Diante disso, concluímos que experienciar a Pesquisa Participante possibilitou importantes
aproximações teórico-metodológicas da Abordagem Centrada na Pessoa oferecendo instrumentais
para coleta, intervenção e, especialmente, compreensão deste campo da saúde da mulher tão
distanciada das práticas da Psicologia, a humanização do parto.

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