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Artigo. Acesso À Justiça. Cappelleti

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CONFERENCIAS* MAURO CAPPELLETTI** ACESSO A JUSTICA Antes de tudo, antes de entrar no tema desta palestra, desejo fazer duas répi- das observag6es preliminares. A primeira, para expressar meu profundo agradeci- mento ao senhor Procurador-Geral, pela sua apresentag4o generosa de minha pessoa e de minha obra, e A Escola Superior do Ministério Publico, por haver promovido minha visita ao Rio Grande do Sul e a esta cidade. Uma experiéncia inesquec{vel, profissionalmente e também do ponto de vista pessoal. A segunda, para lamentar ¢ para me desculpar por nfo poder falar em seu magnifico idioma nacional, tao formoso, generoso e gentil. Disseram-me que seria preferfvel falar no meu “itanhol’’, meu fraco espanhol, pois seria uma forma de de- monstrar meu interesse em ser entendido, Estou aqui para falar de algo que tomou anos de minha vida profissional: o es- tudo e a investigaggo de um problema que acredito fundamental para todas as so- ciedades contemporaneas, Observo que entre os problemas mais importantes, que exigem solug4o, em todos os pafses, estd o problema da efetividade, da igualdade de todos perante o di- reito e a justica. Trata-se do problema da pobreza legal, A dificuldade de acesso de muitos indivfduos e grupos aos beneficios que derivam da lei e das instituig6es jur{- dicas, em particular as instituig6es de protecfo legal, sobretudo os tribunais. Problema de todas as épocas, todavia mais acentuado, mais evidente, mais 6bvio em nosso tempo, porque como se pode ler em uma deliberagao recente, de 1983, do Comité dos Ministros dos 21 Estados da Europa Ocidental, membros do *Proferidas no Plendrio da Assembiéia Legislativa, em 26 € 27 de novembro de 1984, vertidas para o portugués por Tupinambé Pinto de Azevedo, Promotor de Justiga do Estado do Rio Grande do Sul, nfo revistas pelo Conferencista, “* Titular do Instituto Universitario Europeu, de Firenze, Itilia, e do Center For Advanced Stu dy in The Behaviral Sciences, de Stanford (EUA) R Minist. Pibl.nova Fase | Porto Alegre vl 18. P.8-26 1985 Conselho da Europa: “O direito de acesso é um. fator essencial de todas as socieda- des democrdticas”, B partindo dessa premissa, o Conselho da Europa, em sua deli- beraggo afirma “o dever de cada Estado, de patrocinar sistemas efetivos de patroct- nio legal, judicial ¢ extrajudicial, aos que se encontram em situagdo de inferioridade econdmica. ou social”. Também o dever de simplificagao dos procedimentos ¢ de acelerag8o, nos casos em que complexidade e demora constituem preju{zo sobretu- do as partes mais fracas. E, ainda, o dever de criagiio de medidas adequadas de infor- maggo jurfdica para os pobres, Permitam-me dizer que essa delibera#o do Conselho da Europa ¢ 0 resultado prético de um grande projeto internacional de investigagao juridica, com base em Florenga, a cidade de Calamandrei. Uma investigagfo jur(dica da qual participaram juristas de inumeros paises, inclusive da América Latina, e que foi dedicada ao estu- do comparativo © cientffico de um grandioso movimento, ou mail, ou tendéncia evolutiva, sinteticamente chamada “Acesso a Justiga”’. O que significa acesso a justiga? Qual o significado dessa formula? Acredito que, singelamente, pode-se dizer que 0 acesso ao direito ¢ a Justica ¢ um aspecto fundamental do Estado social de direito, do que os alemfes chamam Sozialer Rechstaat, também denominado Welfare State, tipico das sociedades mo- demas, E um fendmeno de grande importdncia histérica. O sociélogo Ralph Dahrendorf disse recentemente que o Welfare State, se realizado — 6 uma tendéncia, nfo ¢ uma realidade no mundo —, constituirse-4 no maior progresso da Histéria humana. Mas afinal qual seré a t{pica forma do Estado de Welfare, do Estado social de Direito? E a criagao de novos direitos, os direitos sociais dos pobres, os direitos sociais dos trabalhadores, 08 direitos sociais das criancas e dos velhos, das mulheres, dos consumidores, do meio ambiente, etc. Sao direitos muito diferentes dos direitos tra- dicionais, pois exigem uma intervengdoo ativa, nfo somente uma negagfo, um impe- dimento de violag#o, mas exigem uma atividade para se realizarem. Esta é a dificul- dade dos direitos sociais: necessitam de uma atividade. O que o grande fildsofo ita- liano do direito contemporaneo, Norberto Bobbio, chama “‘o Estado Promocional”’. Exigem uma atividade, uma promogao do Estado, para serem realizados, £ muito facil declarar direitos sociais, que so t{picos e caracterizam o Estado Social. B fdcil declaréios, mas ¢ extremamente diffcil faz#4os atuar, incrementé- los, realizdos, todos efetivos. Freqiientemente, a declaragao dos direitos sociais nfo tem sido feita com seriedade. © movimento para scesso A Justica 6 um movimento para a efetividade dos direitos sociais, ou seja, para a efetividade da igualdade. Nesta andlise comparativa do movimento de acesso a Justica, a investigaggo nos mostra trés formas principais, trés ramos principais que invadem numero cres- cente de Estados contemporineos. Chamei a essas formas, trés ondas, trés waves, no grande movimento para acesso A Justica. R. Minist. Pabl, nova Fase, 1(18) 9 Primeira onda: garantia de adequada representacso legal dos pobres. Q tema da pobreza, o tema da representaggo legal dos pobres, coloca os seguintes proble- mas: antes do Jutzo, informaggo, astisténcia extra-judicial; e dentro do Juizo, assis- téncla judicidria, B preciso enfatizar que nfo basta a assistencia, através de advoga- dos, em Jufzo, Pode ocorrer que a assisténcia extra e pré-judicial seja mais necess4- ria, porque pobreza significa, normalmente, nfo apenas pobreza econdmica, mas, também, pobreza jur{dica. Isto ¢, pobreza de informagfo. Os pobres nfo conhecem seus direitos e assim ngo dispdem de informagdo suficiente para saber 0 que podem fazer para se protegerem, para obterem os beneficios que 0 direito substancial po- deria lhes garantir. Esta primeira onda ¢, fundamentalmente, uma tentativa de assegurar a08 po- bres a assistencia de experts, de juristas, antes ¢ dentro do Jufzo. E um tema muito antigo. Nos tempos de Roma antiga, e depois no Medievo, falavase de representan- tes dos pobres. Todo esse fendmeno tomou-se diferente, mais significativo em nosso século, J4, no século passado, tivemos as grandes codificagbes processuais, por exemplo, 0 Cédigo alemfo de 1876/77, que fala de Armenrecht, de direito do po- bre. Mas, essencialmente, 2 solugo do século passado foi ao estilo de “obrigagto honorffica” dos advogados, de representar, de defender em Ju{zo os que no tém recursos. Dever honorifico: é um dever, mas ngo um dever que dé campensaggo eco- némica, sendo apenas honra, A investigacgo histérico-comparativa demonstra que ha excegoes, hd casos herdicos, casos de grande generosidade. Normalmente, as ordens de advogados tém orgulho de defender aos que nfo pagam. Mas em um siste- ma de mercado, como 0 nosso, nffo se pode pretender o mesmo fervor e atengfo se 0 advogado nffo é remunerado. A Corte Constitucional da Austria, em decisfo de 1973, declarou que “pretender que os advogados representem os pobres, sem com- pensacao, significa uma forma de trabalho forcado”. O tribunal declarou a lei aus- trfaca inconstitucional, dizendo que “é tarefa do Estado social compensar 08 advo- gados que trabalham para os pobres”. A assisténcia judicidria ¢é uma questéo piibli- ca, a exemplo da funggo legislativa ou administrativa, e se trata de uma das tarefas fundamentais do Estado, todos tendo direito de acesso a Justica. Quando inexistem recursos préprios da parte, o Estado social tem que remunerar os advogados, sem transferir essa obrigacfo a terceiros, pessoas f(sicas, que sf0, no caso, o8 proprios advogados. O Grande movimento, em nosso século, tem objetivado transformar o dever honorffico em dever pdblico. Esse movimento jé inicia na Repdblica de Weimar, na Alemanha, 1919, ¢ depois outras etapas importantes sobrevém, como na Inglaterra, em 1949, com o governo trabalhista. E depois, o interessante desenvolvimento ocor- rido nos Estados Unidos, com a que foi chamada War on Poverty, isto 6, a luta con- tra a pobreza, do Presidente Johnson, em 1965. Também na Franca, em 1972, temos novos progressos. Substancialmente, o corac4o dessas reformas estd no reco- nhecimento estatal de seu dever de compensagsio dos advogados. Isso se pode dar de duas formas fundamentais. Representar4o pelos advoga- dos tradicionais, profissionais liberais, Ea solugHo preferencial na Europa (Inglater- ra, Alemanha, Franga, etc.). A segunda forma consiste na criagfo de uma nova cate- 10 R. Minist, Pabl. nova Fase, 1(18) goria de advogados, assalariados, advogados oficiais. E a solugo preferida, a partir de 1965, nos Estados Unidos e alguns outros paises, Nossa investigag4o demonstra que mais eficaz ¢ uma solugo mista, aquela em que as partes necessitadas de informagao e representagao em Juizo, podem escolher entre os advogados particulares ou os advogados oficiais. Mas a condig4o para bom éxito dessa segunda solugfo ¢ que os advogados oficiais no se burocratizem, nfo sejam simplesmente novos funciondrios. Inclusive, nfo devem ser nomeados para sempre, como jufzes ou procuradores, Deve haver rotatividade como a alacangada nos Estados Unidos, em 1960/70. Claro estd que o grande risco ¢ 0 da burocratiza- ¢40, na solugdo de tipo norte-americano, Por outro lado, a solugdo européia — a compensag4o pub)'ca dos advogados tradicionais — tem seus méritos, mas, igualmente, suas desvantage:1s. O risco est4 em que, normalmente, o profissional liberal tem seu escrit6rio no centro, nunca nos bairros mais pobres. Est4, portanto, distante daquelas que precisam de atendimento ¢ informag4o. Isso ndo ocorre com advogados de novo tipo, criado especialmente para atendimentos dos pobres ¢, em raz0 disso, instalado geograficamente, em lo- cais onde se faz necessdria sua presenca. Além disso, os escritérios devem ser abertos em hordrios e dias que permitam fécil acesso aos trabalhadores, como 4 noite, por exemplo, Essencialmente, porém, hd esta caracter{stica; tem o Estado social uma obri- gacdo, nesta matéria, um dever puiblico. Os movimentos de que falamos, no que concerne a Europa, tém sido apoiados ¢ incentivados, como vimos em relag4o ao Conselho da Europa. Cabe mencionar, em particular, a Corte Evropéia para os Direitos do homem, Seus érggos judicis- rios, ou quase judicidrios, como a Comissdo e a Corte dos Direitos do Homem, re- centemente adotaram duas decisces muito importantes. A primeira foi proferida no caso Eire x Inlanda, 1979; a segunda, no caso Arti- co x Itdlia, Em ambos 08 casos ~ Irlanda, 1979, Itélia, 1980 —, foram declaradas culpadas de violaggo a Convengdo Européia dos Direitos do Homem, porque seu sis- tema de assisténcia para os pobres nfo garantia correto patroc{nio judicial e porque a compensagdo ao advogado nao estava suficientemente assegurada pelo Estado. Essa, em répidas palavras, aquela que chamei de “primeira onda” gerada no movimento para acesso a Justiga. A segunda onda nfo exige muitas palavras, hoje, porque ¢ tema especifico da palestra de amanha. Poucas palavras, para indicar o tema em geral: pobreza jur{dica nfo é somente a pobreza de um individuo, que nJo tem recursos financeiros, que ndo tem cultura bastante, que no tem posicfo social adequada, ou seja, pobreza econdmica, social, jurfdica, cultural, etc. Pobreza pode ser um fendmeno mais vasto. Fenomeno de grupos, de categorias. Tipicamente 0 caso do consumidor. Todos somos consumido- res, sem que Sejamos necessariamente pobres economicamente ou culturalmente. Mas na sociedade contemporanea, a industria é tal que produtos sao fabrica- dos de forma massiva, milhares, milhdes de produtos do mesmo tipo, em série. No é a produgfo artesanal de outras épocas: é uma produg#o em massa, O consumidor, R. Minist. Pabl, nova Fase, 1(18) i que compra um produto com pequeno defeito de um délar, nfo pode se defender individualmente. Af se trata de um interesse fragmentado, demasiado pequeno para que o cidadao, individualmente, defenda seu direito, Mas se todos os consumidores, em conjunto, decidirem atuar, serao milhOes de ddlares, e ndo apenas um, pois mi- Ihares, centenas de milhares ou milhOes de consumidores estarfo comprometidos. Bem, esse € © fendmeno que se denomina dos interesses fragmentados ov difusos. Tema de amanhz. Outra forma de pobreza jurfdica, de dificuldade de aces- $0 a0 direito e a Justig¢a. Veremos, amanha, como os sistemas jurfdicos contempora- nos tém enfrentado esse grande problema, que nfo é somente do consumidor, mas de muitas outras categorias, cuja pobreza consiste na dificuldade de organiza¢a0. Vamos & terceira onda desse grande movimento do acesso a Justiga. Aqui o fenémeno é mais complexo, Nfo se trata somente ou simplesmente de obter uma adequada defesa diante dos érggos judicidrios normais ou uma satisfato- tia remunerag#o 20 advogado, Tratase de ir além dos tribunais tradicionais, além dos procedimentos tradicionais, £ 0 caso de construir um sistema jur{dico e proce- dimental mais humano. Que significa tudo isso? Temos que considerar o gigantismo legislativo, aspecto t{pico de nossa socie- dade. Gigantismo administrativo também. As tarefas do Estado contemporineo nfo se limitam as tarefas préprias do Estado liberal, do laissez faire do século passado. E inevitdvel nos Estados contempordneos, especialmente quando tratam de re- solver o problema social, transformando-se em Estados sociais. Gigantismo legislati- Yo — gigantismo administrativo. Ha, também, uma terceira forma de gigantismo: é o gigantismo judicial. As tarefas dos juizes, dos tribunais, tomam-se mais vastas. Por que raz4o? Ora, porque é inevitdvel, frente as invasdes administrativas, o individuo, mais freqientemente que em outras épocas, tem que demandar a protegdo judicial, B a funcao maisim- portante, mais sagrada do judicidrio, proteger o individuo, n&o apenas frente a ou- tros individuos, mas também frente ao poder puiblico, seja administrativo, executi- vo, seja — havendo uma Constitui¢%o como lei superior — frente ao legistativo quando este v4 além do que the permite a Constituicg0. Esta é uma primeira razfo do gigantismo judicial. Contudo, hé uma segunda razfo. O movimento mesmo do acesso a Justiga implica novas ¢ maiores tarefas de protegdo. Implica na tarefa de protegso judicid- ria dos pobres que antes inexistia pois no havia acesso dos pobres aos tribunais, Se © movimento de acesso @ Justica estd implementado, as fung6es judicidrias se tor- nam mais amplas. Parece uma contradi¢fo. Temos o problema do gigantismo do Estado, e senti- mos, diariamente, que esse ¢ um grave fendmeno, o gigantismo da burocracia, proli- feracfo de leis. O gigantismo judicidrio é, certamente, um mal, uma nova forma de burocracia, Mal que é nova causa de atraso na prestagfo jurisdicional. Mas o remé- dio para isso nfo pode ser a denegagao da Justica. O remédio é a transformacgo da Justica. 12 R. Minist, Pubi, nova Fase, 1(18) Eis 0 que se chamou a terceira onda: preocupada com formulas para simplifi- cago dos procedimentos, simplificagg0 do direito processual ¢ direito material; por exemplo, as pequenas causas, Nommalmente, sfo impossibilitadas, porque demasia- do caras, Seu custo é maior do que 0 valor pretendido pelo autor. Nesses casos, hé muitas tentativas ¢ varias formas de simplificagfo de procedimentos, nas pequenas causas. Também existem tentativas de simplificar 0 direito substancial. Por exemplo, quando dos acidentes de trinsito, Muitos pafses, como Austrdlia e Nova Zelandia, Estados americanos, ¢ de alguma maneira Franga e outros pafses, simplificaram o tema da responsabilidade civil, em matéria de acidentes de transito. A prova da culpa é drdua, demanda mui- to tempo e dificuldades, A solugdo tem sido, ent4o, a responsabilidade objetiva. Igualmente, em outros campos, como divércio ou separago dos cOnjuges. Multos pafses, cerca de quinze, talvez mais, da Inglaterra A Suécia, Japfo, etc., eli- minaram totalmente 0 requisito da culpa. Além da simplificagtio processual e substancial, temos, também, recurso a for- mas quase judicidrias ou nao judicidrias, Exemplo: controvérsias entre vizinhos, entre familiares. A utilizagfo de for- mas de concilisgfo e de mediacto tem sido muito importante como instrumento para simplificac§o € resolugo dos lit fgios. Essencialmente, a idéia basica ¢ a tentativa de desburocratizac#o, desformali- zag&o, Alguns falam até em deslegalizago , como tentativa de resolver essa tendén- cia & burocracia, lentidao judicidria, Trés ondas: primeira, pobreza, patroc{nio legal, interven¢fo, obriga¢fo do Estado, intervengdo do Estado para superar essas barreiras no acesso A Justiga. Se- gunda, o tema dos interesses difusos, outro obstéculo ao acesso 4 Justica, isto é, a dificuldade de organizacao dos interesses difusos. Terceira, o risco da burocrati- zag, emperramento da Justiga, Remédios varios, como oralidade, imediagfo, sim- plificagao dos procedimentos e do direito substancial. Sfo os grandes temas do di- reito processual, em relagfo ao acesso a Justica. Quais as conclus6es? Quais os resultados desse grande movimento, semelhante substancialmente em muitos pafses? Crelo que existem conclusses de cardter politicojurfdico, em primeiro lugar. Esse movimento, esse fendmeno é um elemento central da propria filosofia do Estado social contemporineo, das sociedades atuais quando nfo podem prosse- guir como sociedade de laissez faire, de tipo oitocentista. Esse é um desafio porque a realidade polftico-jur{dica de nossa época diz que ngo hi altemativas. Melhor dito, a alternativa estd em uma nova forma de opress%o. Os que nfo tinham acesso a Justi- ga, no direito, no sistema jur{dico, se proclamam como nova classe superior, ¢ resul- ta a abolic#o dos direitos do indivfduo, aboligdo das liberdades tradicionais e afir- magfio de outros direitos. A solugfio que #6 propde nos Estados mais avancados do mundo ocidental é uma solugo de compromisso: nfo aboligao das liberdades individuais, mas assegu- R. Minist, Publ. nova Fase, 1(18) 13 ramento a todos, nfo-tomente a alguns, do acesso ao direito, E a unigo de liberda- de individual e de Justiga social. Segunda conclusio, de carter processual, procedimental. Aqui hé uma metamorfose muito importante do direito processual. Transfor- mag4o, como direi novamente amanhd, que significa mudangas institucionais, nor- mativas e dos princfpios fundamentais do direito processual. Toda a temdtica, por exemplo, da legitimagaio a ago, se transforma, quando se trata de interesses difusos. Nilo é somente o proprietdrio que aparece como titular de um direito, que pode atuar em Jufzo, Hi uma forma social, coletivizada, de legitimacao. © mesmo se passa com a questo da “res judicata”, da coisa julgada, quando se trata de acSes de protecao de interesses difusos, atingindo no apenas as partes em Jufzo, Princfpios fundamentais dizem que a coisa julgada s6 pode atuar inter partes — mas no se podem aplicar nesta matéria. Em reuniao da Societé de Legislation Comparée, hd alguns anos, faldvamos so- bre a passagem de uma forma individualfstica de processo, de partes individuais, a um processo de partes coletivas. Ainda, o tema dos danos. A lig tradicional diz que a indenizagao é limitada a parte que atua em Jutzo. Em matéria de interesses difusos, fragmentados, isso nZo basta. Se um consumidor obtém uma vit6ria individual, o produtor continuard a fa- zet © mesmo, porque ndo existe como impedir a continuaggo do negécio, ¢ a con- denagfo estd limitada ao interesse de um individuo, Outra e ultima conclusfo desse grande movimento: poderfamos chamd4ta con- dlusfo de canter diddtico-educativo, E uma espécie de revohigiio copémica, porque, em nossas escolas de direito, nos estudos jur{dicos, tratase sempre dos “produtores do direito”. E a lei e os legisladores, 0 direito administrativo do ponto de vista dos administradores, € 0 direito judicidrio da ética dos Jufzes e dos que produzem o direito, Mas aqui se trata de transformar ease ponto de vista. Criar outro enfoque, o dos consumidores do direito e da Justiga. A Enfase se dé no consumidor, ¢ nfo no produtor. E uma transformagSo radical. O tema do acesso 4 Justiga é nova maneira de ver os fendmenos do direito, o direito em a¢fo, em desenvolvimento, em progresso. ‘Vé-o, no apenas como tradicionalmente acontece, mas do Angulo dos que conso- mem 0 direito. Significa, diante do problema do direito, do sistema legal, dos seus benef{- cios, védos a partir dos obstdculos que os consumidores do direito enfrentam para obter 0 acesso a Justica, Recentemente, dois juristas e socidlogos falaram de um direito mais eqiitati- vo. Sabemos perfeitamente que em nossa sociedade, na Itdlia e em outros pafses, hd uma enorme necessidade nao satisfeita de acesso ao direito ¢ a Justica. Pois bem, no aspecto diddtico-educativo, a temdtica do acesso a Justica se tra- duz em uma tentativa de criat um direito mais acess(vel, mais humano, mais demo- critico. 14 R. Minist. Pabl, nova Fase, 1(18) TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS Permitam-me que, hoje, thes fale em italiano. E 0 fago com alegria e emogao, nesta terra que acolheu tantos italinos, de todas as partes de meu pats. Esta terra que se orgulha do nome do herdi de Dois Mundos, esta terra gaiicha na qual tantos dos senhores se envaidecem da prépria origem italiana, Ontem, vimos como uma filosofia pol{ticojurfdica modema, libertdria, aber- ta socialmente ¢ realista ¢ levada a concentrare sobre a temAtica do acesso, sobre a aniilise clent {fica dos obstaculos que se opGem a realizaggo do ideal que estd na base do pensamento ético, jurfdico e polftico do mundo modemo. Ideal da igual dignida- de de todas as pessoas e, por conseguinte, da igualdade de todos perante a lei, ‘Astim, a temdtica do acesso ¢, em nosso tempo, uma nova empostag%o do pensa- mento jur(dico, baseado no que chamei “a perspectiva do consumidor”, Mas, também, necessariamente, um programa de reforma, ou seja, busca de modos mais eficazes para superar 08 obstdculos que se opSem so acesso ao direito € 4 Justica. B enquanto programa de reforma, o método comparatistico ¢ obviamente essencial, pois funciona como um laboratério, fonte de experimenta¢o, de inspira- ¢f0, de prova e reprova, como diria Galileu Galilei. Vimos, ontem, como a grande temdtica do acesso se concentra em vdrios tipos de obstdculos, e 0 modo de superétos. O obstdculo causado pela pobreza, sobretu- do. Pobreza econdmica do individuo e ainda do grupo, e da populagio, com todas as trdgicas conseqiiéncias da pobreza econdmica, a qual termina por ser, também, pobreza cultural, social ¢ juridica. Obstdculos, igualmente, resultantes da complexi- dade do sistema jurfdico, da distancia do governante em relagfo 20 governado, dos abusos que exigem remédio jurisdicional, abusos individuais mas sempre mais abu- sos dos centros de poder econdmico e palftico, no confronto de sujeitos que, amiti- de, nfo disp6em de instrumentos vdlidos de prote¢ao. Daf, o fendmeno central dos estudos de sociologia ¢ psicologia social, o fenémeno do sentimento de alienagio do cidadao frente aos obstéculos institticionais ¢ legais. Resulta a busca imperativa e ingente de métodos idoneos para tornar o direi- to ¢ a Justica mais humanos, mais préximos, mais simples e acesstvels. O tema de meu discurso de hoje se insere nesse grande quadro, nesse movi- mento que chamamos do acesso @ Justiga: 0 problema da prote¢ao dos interesses ditos difiusos, os embaragos que se opdem a tal protegiio ¢ o modo de superd-los. que sao os chamados interesses difusos? Para entender-se perfeitamente o tema, ¢ preciso, antes de tudo, abandonar os esquemas dogmiticos e puristas. E necessdrio entender a questo social, primeiro. Pois a questo social estd na base dos interesses difusos. S6 a partir dat se podem compreender os aspectos propriamente jurfdicos. Acima de tudo compreendendo o problema social e a sua nova, mas jf enorme e crescente importancia na sociedade contemporanea. Entfo, compreenderemos porque este tema tem sido negligenciado ¢ obscurecido pelos juristas, R. Minist. PGbl. nova Fase, 1(18) 1s Examinemos, antes de tudo, o problema social dos interesses difusos, Qual é a primeira caracterfstica da sociedade modema, contempordnea? Acredito que a essa pergunta se pode responder que a sociedade contempordnea se caracteriza pelo fendmeno, muito espectfico, de massa — fendmeno de massa Do ponto de vista econdmico — olhemos a economia da sociedade industrial —, tipicamente a produgo é uma produgao de massa, nfo mais uma produgdo arte- sanal. Comércio de massa: consumo, tipicamente, de massa. Vivemos, marcadamen- te, em uma economia cuja preocupacfo, trabalho, comércio, consumo se caracteri- zam por esse aspecto massivo. A empresa, industrial ou comercial, ¢ toda e qualquer empresa econdmica, ¢, cada vez mais, vasta, a tal ponto que, hoje, um t{pico aspec- to de nosso mundo ¢ o das empresas multinacionais. O problema social reflete o mesmo fendmeno, Intervenggo global do Estado na economia, em direg4o a0 Estado de welfare, o Estado promocional, que impée, inquire, consulta — intervengSes de topo tipo. Seja o Estado de welfare, seja o Esta- do do assim chamado socialismo real, Isso significa que o ato de uma pessoa ou de uma empresa, de um grupo, envolve efeitos, produz efeitos que atingem uma quan- tidade enorme de pessoas ¢ de categorias. As conseqiiéncias dessa caracter{stica da sociedade contemporinea so ébvias, todo o dia as testemunhamos. O problema, por exemplo, da poluicao. E suficiente uma emissfo de fumaga, ou dejetos indus- triais, de parte de uma ffbrica, para que um rio, um lago, um trecho de mar, ou de ar, softa conseqiiéncias negativas. A poluiggo é uma t{pica conseqiéncia, negativa, da espécie de producdo que caracteriza nossa sociedade industrial, pés-industrial, contemporinea. © consumo: basta que um produto apresente um defeito m{nimo, e j4 milha- res ou milh6es de consumidores sofrerdo um dano. O produtor, causante de tal pre- jufzo, nfo é somente violador de um direito individual, nfo est4 em confronto com uma outra pessoa, ou no méximo duas, trés, cinco outras pessoas, mas é tipicamen- te produtor de um dano de massa. Basta pensar na fraude publicitéria, Ah, a publicidade! Tipica, outra t{pica manifestag#o da nossa sociedade contampordnea. O fendmeno da publicidade, ainda uma vez de massa, que atinge massas, multid6es, de todo um pafs, um grande pats como © vosso, um continente, como a América, todo o mundo, Se temos uma frau- de publicitéria, uma publicidade de m4-f€, induzindo so engano, o dano serd de massa, ¢ se expandird sobre milhOes de pessoas. ‘Adulterago de alimentos. O mesmo problema tfpico. A poluiggo da dgua, do ar. Sempre um ato ou uma cadeia de atos que produz efeito ou conseqiiéncias que se difundem e atingem incalculivel quantidade de pes- sons. Outro fendmeno tfpico da nossa sociedade é a explosiio das cidades, das me- trépoles, com todas espécies de abusos ¢ vicios, deturpamento de belezas naturais, que so a conseqiéncia negativa dessa sociedade na qual, hoje, vivemos, Nfo pretendo expender um jufzo social, ou sociolégico, negativo, em relagfo a economia de massa, A sociedade de massa. 16 R Minist. Pabl. nova Fase, 1(18) O que desejo destacar ¢ que, ao lado de indmeros aspectos positivos, somam- se, também, aspectos negativos. E esses aspectos negativos so difusos, ndo atingem tanto um indiv{duo como massas de pessoas, Qual a razfo sociolégica da emergéncia desse novo tema, totalmente desco- nhecido hd trinta, quarenta ou cingienta anos? tema da prote¢ao contra esses efeitos difusos radica no surgimento de inte- resses que ndo sdo individuais, privados, mas envolvem grupos, categorias, massas, classes da sociedade, Como jé disse, tipicamente o interesse dos consumidores. Trata-se de interes- se fragmentado, Por que fragmentado? Porque qualquer um de nés tem um fragmento do inte- resse difuso dos consumidores. Outro exemplo de interesse dessa natureza nao precisa necessariamente ligar- se a problemas econdmicos, como o dos consumidores, ¢ nesse sentido refiro o pro- blema social da estética, das belezas naturais. Mas podemos apontar outro proble- ma social, como o de certas minorias, minorias raciais, por exemplo, no qual a possi- bilidade de intervengao legislativa ou de tipos diversos envolve vastas categorias de pessoas. E os efeitos dessa interven¢fo podem gerar beneficios ou maleficios, que se difundirdo por toda a categoria interessada, Dei o exemplo da minoria racial. Po- detia falar de outras minorias, como os ancidies, os jovens, etc. Tipicamente, em que © Estado deve intervir para resguardar os direitos de vastas categorias sociais. A intervencfo estatal, todavia, pode trazer igualmente aspectos negativos. E 0 caso de um imposto, uma taxa, inconstitucional, lesiva do interesse ngo apenas de uma, duas ou algumas categorias de pessoas. Por conseguinte, do problema social nasce a exigencia de uma resposta jurfdica. Quando surge o problema social o direito logo deve intervir, deve tratar de resolvéto, ov de colaborar na resoluga0 do mesmo. Esse € 0 direito realista, nao um direito abstrato, dogmdtico, direito das nu- vens. Qual ¢ o problema jurfdico que corresponde ao problema social caractertsti- co da sociedade contemporanea? No posso dizer que em outras épocas nfo existissem exigéncias de interven- ¢40 do mesmo tipo, intervengGes difusas, Mas o que desejo enfatizar ¢ que hoje esse problema emerge com uma impor- tancia extraordindria, sem precedentes na Histéria do homem. O problema jurfdico € muito simples, Como proteger essa categoria, essa massa, esses interesses difusos (do consumidor, do meio ambiente, etc., etc.)? Certo, uma primeira resposta ¢ Sbvia: 0 legistador pode aprovar leis de direito substancial que protejam 0 consumidor, o ambiente, as minorias raciais, civil rights, direitos civis, etc. Af estd apenas um primeiro passo, no mais, Porque especificamente o interesse difuso necessita de uma protegao judicid- ria, processual, sempre que violado, Nao basta que exista uma lei de direito material que exija lealdade, por exemplo, em matéria publicitdria. Nao basta isso. E preciso antes uma protecfo adequada no caso de fraude publicitdria, R. Minist. Publ. nova Fase, 1(18) 7 Agora, pois, eis nosso problema jurfdico, jur{dico judicidrio, jurfdico proces- sual. A questo do acesso A Justiga, neste campo. Temos aqui um problema, porque 0 direito processual tradicional trabalha em cima de dois conceitos, que remontam a “‘summa divisio" encontravel em Justinia- No, € antes ainda em Ulpiano, a “summa divisio” entre direito privado e direito pu- blico, Essa divisao mdxima se reflete, nos dois tipos tradicionais de solugao dos pro- blemas da protegao legal. Primeiro tipo: a solugdo privat fstica. Podemos chamé4la a solugdo proprietd- ria, proprietary. Qual o seu significado? Significa a soluc4o tradicional, individual (s- tica, privatistica, a qual afirma que aquele que possui 0 direito pode — 0 titular do diteito, o proprietério, 0 credor —, agir pela tutela do direito violado. Esta a concep- ¢4o tradicional, sobretudo do processo civil. Ou seja, a legitimagao para agir é de quem se afirma titular do direito que faz valer em Juizo, direito em relag0 a0 qual ele solicita a tutela in iudicio. O outro modelo, outro tipo, ¢ a concep¢Ao publicistica, estatal. Isto é, a que diz: quando um direito nfo é de cardter privado, mas de cardter publico, pertencen- do ao Estado a parte publica, estd legitirado a agir, a requerer tutela in iudicio, tem acesso A Justiga, a parte publica. Caso da Franga e dos pafses de influéncia francesa, ¢ legitimado estard 0 Ministére public; da Alemanha e dos pa(ses que adotaram 0 sis- tema do Staatanwalt, literalmente 0 advogado do Estado; dos pafses da Europa Oriental, legitimdada a Prokurarura; em outros ¢ legitimag%o é de algo similar ao Mi- nistério Publico. Devo dizer, todavia, um Ministério Puiblico sem o cardter de independéncia de separacdio da magistratura peculiar a0 Ministério Puiblico brasileiro, Pois bem. As solug6es tradicionais so duas: direito privado (0 titular do di- reito pede a tutela); direito piblico (normalmente o Ministério Piiblico), Nos pafses de commom law, seré 0 Attorney General ou District Attorney, a parte publica, 0 representante do Estado, advogado do Estado, como apropriadamente dizem os tedescos, Sfo os dois modelos tradicionais. Exemplifiquemos, tomando o Direito Penal. Historicamente, o Direito Penal nfo se revestia de cardter publico. Era a viti- ma do delito que, 4 feigo do direito privado, podia agir em Jufzo, Houve, contudo, uma constante publicizagfo do Direito Penal. O crime ¢ considerado hoje em qua- se todos os pafses nfo mais uma violago de direito individual, mas a violagao de um direito que interessa diretamente ao Estado. Daf a cria¢fo, em muitos pafses, do que se denominou monopélio do exercicio da ag%0 penal, através do Ministério Puiblico. O interesse difuso, na medida em que a lei substantiva o transforma em direi- to, nifo é privado, nem publico Nem completamente privado, nem completamente pudlico. Pensemos no ar que respiramos. O ar que respiramos nao é meu, nem seu, é de todos e de ninguém, ao mesmo tempo. Nilo é de um indiv{duo, nem do Estado. E algo distinto, sui generis, coletivo. 18 R, Minist. Publ. nova Fase, 1(18) Pensemos, ainda uma vez, no fendmeno do consumidor. Quando uma lestfo é produzida em forma massiva, de massa, nfo apenas eu sendo consumidor, mas muitos, muitos outros sendo consumidores também, o mev direito, minha lesfo, no passa de um fragmento do dano total. Eis o ponto, jurfdico, de partida. Interesses difusos, interesses fragmentdrios, ngo so totalmente privados, nem inteiramente piblicos. Aquilo que denominei, parafraseando Pirandello, interesses em busca de autor (interessi in cerca di autore), porque nfo tém um proprietdrio, um titular, 10 difusos. Em busca de autor, por que? Ora, porque se no encontrar autor, no terd tutela legal. Mesmo se 0 legislador mais aberto a esse fendmeno, mesmo o mais progressis- ta, mais avangado, se limitar a estabelecer que tais interesses sao direitos substan- ciais, sem alterar também o campo da tutela, ou seja, sem investir desse direito um “autor” que possa legitimarse a pedir a protecgo legal — seré um legislador frustra- do, limitado a operar no campo do direito material, sem eficdcia. Tratase de uma “new property”, um novo tipo de propriedade, um novo tipo de direito, “new property” que pede nao #5 uma nova legislacao substancial mas uma nova modalidade de proteg#o. Por qual razdo os dois tipos tradicionais de prote¢go mostram-e inadequa- dos? E claro que o modelo individualista, privat{stico ¢ inadequado porque, verbi gratia, se e1 sou um consumidor, de acordo com esse modelo posso demandar esclusivamente o meu dano, meu prejutzo individual, pessoal, que é um fragmento irrisério do dano total. Primeiro, normalmente no tenho motivag%o suficiente para demandar em Jufzo, porque meu prejutzo individual serd de regra pequeno, muito limitado. Segundo, o efeito de uma decisto que condena o produtor a ressarcir 0 meu prejuizo ¢, igualmente, irrisério, pois o dano sofrido por mim é mimisculo, um dto- mo do dano total. O fabricante seguiné trangiiilamente produzindo, em cadeia, em massa, 0 mesmo artefato. Ainda que me deva indenizar, com dois, dez ou cem déla- tes, isso serd um fragmento m{nimo do imenso lucto obtido com a produgao que prosseguird do mesmo modo. Hé também um problema de informagao. O indivfduo, como tal, nfo tem acesso de fato 4 Justiga, porque estando isolado nfo serd suficientemente informado para agir eficazmente in iudicio, contra o produtor de massa. Sffo aspectos relativos so consumidor. No que diz respeito, por exemplo, a agressdes ao ambiente, As belezas natu- mais, o fendmeno é ainda mais evidente. Suponhamos a emissfo ilegal de furnaga, ou # poluigso das dguas de um rio, Ingo, onde vamos passar as férias. Se somente o individuo pode agir, o que poderd obter? Lembre-se que a solucflo tradicional diz caber ago ao vizinho, ao proprieté- do, e nfo a quem se vé perturbado, por exemplo, no gozo de férias. R. Minist. Publ, nova Fase, 1(18) 19 No caso em tela, € Iégico que apenas um herdi terd coragem, resisténcia, € mesmo fundos para intentar uma agSo contra um grande potuidor. Sem falar que este terd normalmente uma forga econdmica muito superior 4 do indivfduo singular prejudicado, Assim, a inadequag4o da soluggo privat{stica, individual{stica, ¢ clara. Se ape- nas estiver legitimado proprietdrio a demandar em Jutzo, a tutela, a protegfo, 0 remédio seré normalmente inadequado, insuficiente. A outra solugo tradicional, como dissemos, 6 a publicfstica, estatal. Aqui a investiga¢¥o comparada demonstra que igualmente hé inadequagfo, porque de regra a parte piblica, Ministére public, Staatanwalt, Attorney General, etc., é represen- tante de interesses do Estado. E por isso menos iddnea a protegfo desses novos di- reitos econdmicos, sociais, etc. Menos id6nea por uma infinidade de raz6es. Em pri- meiro lugar, porque essa espécie de interesses exige especializaco que o Ministério Publico normalmente ngo possui. Em matéria alimentar, matéria de quimica, maté- ria de ambiente, de mercado, de consumo, e assim por diante. A parte publica,em geral, nfo tem ese tipo de informagdo. Tratase de jurists, como nds. Pessoas que cursaram uma Faculdade de Direito, estudaram quostGes juridicas, obtiveram |4u- rea ou licenciatura em Direito, e so capazes de interpretar a lei, pelo menos. Mas no possuem esse outro tipo de informaggo especializada, indispensavel para uma eficaz tutela de parte de quem representa interesses difusos, Além disso, o Minis- tédo Publico, a parte publica — ngo vou falar deste pafs, porque verdadeiramente uma das coisas mais surpreendentes constatadas nesta minha visita 6 a caracterfsti- ca tinica do Ministério Publico brasileiro — normalmente, em todos os demais pafses que conheco, Franca, Alemanha, Itdlia. etc., 0 Ministério Publico (repito) tende a ser um organismo burocratizado, e portanto muito lento, sem motivagso bastante para assumir outra ¢ grave atribuicfo, sobretudo no campo penal, como é essa dos novos conflitos mencionados, no campo econdmico e social. Sobretudo, porém, a falta de especializacdo toma insuficiente a soluggo publi- cfstica. Observe bem: nfo digo que seria mau so a lei legitimasse, autorizasse, tam- bém, 0 Ministério Publico, para agir em Jutzo na tutela dos interesses difusos. Acre- dito que seria bom se, também, ele pudesse agir nesse campo. Mas nfo creio boa, acho uma péssima solugao, a atribuic#o a0 Ministério Pablico do monopédlio da titu- laridade para agit em Jutzo, em defesa dos interesses difusos, como ocorre em alguns pafees, E agora, chegamos a um impasse. Tanto a soluggo privada, como a publica, S80 inadequadas. Daf, a novidade emergente em numero crescente de pafses. A consciéncia da inadequago das duas solugGes tradicionais leva a busca de novas solug6es, Mencionarei apenas trés ou quatro, Primeira soluggo, Uma solugao consistente aa criagfio de organismos publicos, estatals, mas especializados, altamente especializados. Chamemo-los Ministérios Pt- blicos especializados, F um fendmeno que se desenrola & volta do préprio ambito do Ministério Piblico. Criag&o de certos departamentos no seio do Ministério Pu- 20 R. Minist. PabL nova Fase, 1(18) blico, como exemplificativamente, um departamento dedicado a protego dos con- sumidores, outro 4 protegdo do ambiente. Ou pura e simples criagfo de Srgfos espe- cializados, publicos, inteiramente novos e auténomos. Exemplo t{pico os paises escandinavos, que sfo a vanguarda neste campo. O Ombudsman dos consumidores. Tratase ngo apenas de um jurista, como ocorre com o Ministério Publico. O Ombudsman, na Suécia, € composto de cerca de vinte e cinco pessoas, entre juristas, economistas, peritos de mercado, etc. Sim, um organismo piblico, porque ¢é um 6rgfo administrativo, porém especializado, neste caso, na tutela dos consumidores, A Suécia criou esse Ombudsman dos consumidores em 1970. Logo depois, a insti- tuigdo era introduzida na Dinamarca, Noruega, etc. 1979 — ainda na Suécia: criag#o de outro Ombudsman, sempre um 6rgfo pu- blico, administrative, agora para garantia de igual tratamento entre homens e mulheres, em matéria trabalhista, Novamente um 6rga0 publico, administrativo, es- tatal, mas especializado em matéria tfpica desses novos interesses emergentes, nZ0 ligados a um individuo somente mas a categorias, massas. No presente caso, 0 pro- problema novo da igualdade de tratamento da mulher. Inglaterra: 0 British Director General of Fair Trading, ou seja, Diretor Geral encarregado de fiscalizar a lealdade na produgdo, a Faimess. Outro organismo pu- blico, voltado a tutela do consumidor, contra a fraude e abusos. Tal criag%o data de 1973, Mais um exemplo: Estados Unidos — The Environmental Protection Agency (EP.A., como dizem). Essa agéncia para proteco do ambiente foi criada no wltimo decénio, cerca de 1970. Quais as vantagens da nova solug#o? Consistem, sobretudo, na especializagao, na informagiio. Os érgios publicos tem competéncia especffica, no campo do mercado, do comércio, alimentos, frau- des alimentares, prote¢#0 do meio ambiente, etc. A tantas e importantes vantagens, todavia, se juntam algumas desvantagens. Tratase de fato jf demonstrado, de que 0s 6rgdos puiblicos tendem a se buro- cratizar, 4 overregulation, & excessiva produg%o de nommas. Vivemos, hoje, em um mundo, como dissemos ontem, necesitado de limitar o fendmeno da burocratiza- ¢40, o dirigismo estatal sem falar em outro aspecto: Os funciondrios do érggo publi- co estfo sempre em contato tanto como as vitimas dos abusos quanto com os cau- sadores, os agentes dos abusos. Ora, 0 produtor tem, com freqiiéncia, a capacidade de captar, psicologicamente, os integrantes desse organismo especializado, Estudio- sos, sobretudo norte-americanos, constataram que hd grande risco de que 08 organis- mos publicos sejam cooptados, e nfo apenas psicologicamente, perdendo sua efi- cdcia, sua motivagao. De qualquer modo, finalmente, verificase que esses Srgios no s4o suficiente- mente independentes, diante do poder executivo. Segundo modelo, E 0 prevalente na Europa continental. Tratase do que os tedescos denominam Verbansklage, os franceses chamam de action collective. Qual o seu significado? R. Minist. Publ. nova Fase, 1(18) 2 Certas associagOes, certos agrupamentos, a exemplo das associages de prote- 4 ambiental, ou das associacSes de protecsio dos consumidores, obtém — por lei — a legitimaggo para agir em Jutzo, Ndo apenas para a protegiio de direitos dos seus membros, mas para a protect em geral, coletiva, de todos os consumidores, ou de todos os que esto interessados na protegtio do meio ambiente. Ou seja, aquilo que 8 franceses entendem por action collective. Afirmei que 0 modelo prevalece na Europa. Devo acrescentar que ¢ também a solugo adotada no Japao. Tratase, em outras palavras, de associag6es oficialmente autorizadas, legal- mente autorizadas, a agirem em Ju{zo, para tutela de interesses difusos, Tipico exemplo, na Franga, a loi Royer, de 1973, Note-se que sempre retor- namos a esse ano. E a loi Royer célebre exemplo de protecao aos consumidores: certas associagSes, na Franga, esto oficialmente autorizadas a agir em Jufzo, para tutela dos interesses difusos. 1976, na Alemanha. A iei sobre cldusulas standards de contratos que podem funcionar no sentido da viola¢fo de certos interosses difusos. Outros exemplos? Poderia mencionar a Suécia, neste campo, 1983 — recentis- simo!; Dinamarca; uma associa¢ao chamada Associagfo para Conservacdo da Natu- reza, Oficialmente reconhecida e legitimada para agir em Jufzo. B um fendmeno crescente, sobretudo se considerarmos a Franga. A{, agora, temos dezenas de Jeis que autorizam associagSes para 0 exerc{cio da a¢8o judicial. Ligas anti-alcodlicas, associagSes de mulheres, associagdes de luta contra o racismo, etc., etc. As vantagens dessa solugdo so expressivas, A associagfo concentra as forgas de um grupo de pessoas. E 0 caso da associa- g80 para a protecfo da natureza, intitulada, em meu pats, /talia nostra. Parece-me que sfio 50 mil sécios, Uma poténcia. Entdo, supera a fraqueza do indivfduo isolado. £ uma uniffo, que multipli- ca as forgas; toma a lide economicamente possfvel, considerando-se que, as vezes, para o indiv{duo a demanda ¢ economicamente imposs{vel; possibilita a apreciag4o do interesse de todos, de uma 86 vez, sem que todos precisem recorrer A Justiga. Por outro lado, # possibilidade de maior motivagSo psicolégica, porque as associa- ges sa0 resultado do interesse pela protes4o, seja do consumidor, do ambiente ou de minorias raciais, etc. © fato de que sejam oficialmente reconhecidas significa, nomalmente, que sfo iddneas, para seriamente defenderem os interesses da sua categoria, da sua clas- se, Naturalmente, algumas desvantagens existem nessa solugdo, Em particular, tratase, sempre, de associagSes oficialmente reconhecidas. Oficialmente legitimadas e, unicamente, através de lei. Nao hd espaco para um asso- ciar-se espontaneo, ad hoc, quando sobrevém uma lesao nao prevista anteriormente. Af, existe certa parcela de dificuldade no acesso a Justica. Entretanto, é uma soluggo muito mais avangada que aquelas tradicionais. 2 R. Minist. Pabl. nova Fase, 1(18) Um outro modelo novo é 0 que se afirma, sobretudo, nos Estados Unidos e, também, no Canad4, Austrélia e alguns paises mais. A class action, a agfo de classe. Vejam que o préprio nome — classe —, reflete o alargar-se do Jufzo, que nao ¢ um Juszo de parte individual, mas um Jufzo no qual se discute um problema que envolve uma classe, uma categoria de pessoas, O class actor, ou class suitor, o autor das class actions, nao necessita de uma autorizagao precedente, através de lei especffica. E uma associaggo esponténea, que voluntariamente se apresenta em Jufzo, dizendose, autodenominando-se represen- tante de uma classe, self actorited, como dizem nos Estados Unidos, ou seja, real party in interest. Além disso, com base em uma reforma da lei processual federal, art. 93, 0 ressarcimento do dano nfo se limita ao indiv{duo prejudicado, mas alcanga todo o dano produzido pelo violador, o responsdvel pelo dano de massa. Os riscos da presente solugo sdo grandes, embora tantas vantagens de uma forma t#o espontanea ¢ flex{vel para cobertura, potencialmente, de todos os danos. O perigo estd nos abusos. Vai o indiv{duo a Jutzo e pode, abusivamente, auto- denominarse campefio de toda uma categoria. Eis um papel novo do juiz. Abordamos um aspecto muito importante: um novo papel do juiz, nas agSes de classe, O juiz é responsivel pelo controle da admissibilidade da representagao, i. é, incumbe ao juiz controlar para que 0 autodenominado “‘campedo de toda a ca- tegoria” seja, efetivamente, representante legftimo adequated representaty. Encargo novo € muito delicado, diffcil, para o juiz. Diz a lei norte-americana que 0 juiz deverd cuidar que o class suitor nao entre em conluio com a outra parte, pois as conseqiléncias desse compromisso, dessa aproximagdo, poderdo se refletir sobre todas as partes interessadas, ausentes do Juf- 20. Hé uma quarta e ultima solugto. Conhecida em alguns patses, inclusive o Brasil: a ago popular. Quisquis de populo, Qualquer um pode ir a Juizo para defesa de interesses de certo tipo. Encontra-se um exemplo ainda nos Estados Unidos: 0 Clean Ai Act, de 1970, admite a agao popular quando se trata de poluigao do ar. Admite-a, evidentemente, porque todos tém direito ao ar puro. A muptura com 0s esquemas tradicionais, aqui, é completa. Vejam! Com as class actions, o autor é um integrante da categoria; nao é qual- quer um, quisquis de populo. Deve ser, como no caso da Itdlia, alguém lesado pelo fabricante. O dass suitor é um membro da categoria. Na apo popular, propriamente dita quisquis de populo, qualquer um, pode acorrer a Jufzo, prescindindo na exigéncia de ser titular de um fragmento do direi- to, cuja tutela ¢ demandada. Aboli¢do absoluta da idéia mesma de legitimagdo para agit. Todos esto legitimados, O conceito de legitimago desaparece. R. Minist. Publ, nova Fase, 1(18) 2B Estd consignado em varios autores, todos insignes, que esta serd a soluggo do futuro. Tenho iniimeras duvidas nesse particular, pois as possibilidades de abuso sfo gigantestas. Na class action, o juiz jorte-americano pode controlar, e deve fazélo continuamente, a titularidade do class suitor. H4 de ser um representante sério, ca- paz, idOneo, de toda a classe. Se entramos no terreno da a¢do popular, todavia, ninguém exercerd tal con- trole, porque sequer se cogita do prdprio conceito de legitimagao para agir. Logo, a possibilidade de abusos ¢ grave, no meu modo de ver. Em suma, entendo que serd preferfvel um numero limitado de pessoas, moti- vadas e iddneas — pessoas ou associagdes —, ao invés de um exército de pessoas cuja motivag0 nffo se possa controlar, Chego as conclusses, Todas as novas solug6es — existem algumas que omito por preméncia de tem- po ~ esto surgindo, emergindo, para satisfag40 ao problema social que sabemos caracter{stico do nosso mundo contemporaneo. Vivemos o fendmeno do pluralismo, no sentido de que no ¢ suficiente a di- visto simplista entre publico e privado, Estado ¢ individuo, Surgem formag&es inter- medidrias, de extrema importancia, capazes de representar 0 indiv{duo e de prote- gélo contra os efeitos potencialmente desastrosos da economia de massa, da socie- dade de massa. Porque se esperarmos tudo do Estado, se dissermos — “bem, nao ¢ 0 meu interesse, nem meu direito, mas um interesse coletivo, logo cabe ao Estado” —, caros amigos, se aguardarmos tudo do Estado, nada conseguiremos. Devemos, antes, organizarmo-nos, considerando inclusive que 0 Estado nao € algo distante. O Esta- do somos nds, nasceu da nossa iniciativa. Aqui radica a necessidade de criagao des- sas formas intermedidrias, a necessidade de uma visto plural{stica da sociedade, que ngo se divida A base de “eu sou o individuo, além est4 o Estado, no meio encontra- se 0 outro”, E um fato fundamental pela sobrevivéncia da nossa liberdade. E, igualmente, um fendmeno de desprivatizagdo do direito, no sentido de que muitos interesses normalmente considerados como privados, sejam desprivatizados, tomnandose sociais. Interesses difusos tipicamente so interesses sociais, e nfo mera- mente individuais, Ao mesmo tempo, é um fendmeno de despublicizagdo, desburocratizacio, pois o que se busca evitar ¢ que esses novos interesses coletivos se transformem em monopdlio da a¢%0 publica; portanto, um fendmeno convergente, ao mesmo tempo de desprivatizacao e de despublicizacao; uma tentativa de inserir a iniciativa privada ao servigo da sociedade; nfo confiat apenas ao Estado a defesa da sociedade. E outro aspecto do acesso a justi¢a, da posigio do consumidor, de que faldvamos on- tem, E, por fim, € um fendmeno de transformaggo profunda do direito judicidrio. O tema da legitimag4o de agir, tipicamente baseado na summa divisio, sofre profunda modificagao. A legitimaggo para agir é atribufda a associagGes, a sujeitos que no agem por si sds (per se) apenas, mas pela coletividade. O conceito rigido, tradicio- un R. Minist. Publ. nova Fase, 1(18) nal, de legitimaggo para agir dé lugar a um conceito social. A partie individualle toma-e partie collective. Do mesmo modo, o tema das garantias fundamentais, do devido proceso. ‘Due process, como dizem os americanos, significava originalmente que todas as par- tes deveriam ser notificadas. Mas se condicionarmos as ag6es de classe, se condicio- nammos as ag6es do consumidor como classe, & notificago de todos, teremos o cha- mamento de milhGes de indiv{duos. Amide significard a notificagio de pessoas que se encontram em lugar nfo sabido, E um grupo difuso, que nfo tem contomos bem estabelecidos, precisos, Hé que renunciar a essa idéia r{gida, tradicional, individualistica, de notificagao a todas as partes, e admitir que a notificagao se possa fazer as partes que sfo repre- sentantes legftimos dos interessados ausentes. O tema da coisa julgada, igualmente, estd se modificando. Nomnalmente, a coisa julgada ¢ definida como: “res iudicata tertiis nec pro- dest, nec nocet” (a coisa julgada nfo aproveita nem prejudica a terceiros), No ¢ mais verdade que a coisa julgada, em matéria de protecg0 dos interesses difusos, necessariamente, deva se expandir as partes ausentes apenas se notificadas. Caso contririo, os efeitos da protecfio nfo sera suficientes, adequados, Emerge, ainda, um conceito novo: o de adequada representatividade, legiti- magflo, como jé dissemos, O problema do ressarcimento do dano sofre uma metamorfose, uma revolu- g80 que conceme nfo sé ao direito judicidrio, propriamente, mas a toda a problemé- tica do ressarcimento de danos. Hé uma passagem da concepgfio clissica — o dano ressarcfvel ¢ aquele sofrido pela parte que vai a Jufzo —, a uma concepgio global de ressarcimento, N#o interessa tanto o prejufzo causado @ parte mas, sobretudo, o dano criado por alguém, que deve ser ressarcido, e o serd, nfo apenas & parte que acorre a Jufzo, como a todos 08 ausentes, enquanto passfveis de individuagao. E, a seguir, se pode utilizar o conceito norte-americano do fluid recovery (ressarcimento fluido), Nasce para o autor uma nova responsabilidade coletiva. E, também, por con- seqiéncia, para o advogado e para o proprio Juiz, encarregado de controlar a legiti- magfo do representante. E, agora, concluo, porque se trata de uma grandiosa transformagfo, em curso. f verdade que hd lentidio, resistencia, oposi¢#o, Entendo, porém, que se trata de uma transformagdo inevitdvel. Se desejamos que o direito nfo se afaste de sua fun- ¢S0 primordial, de proteger o individuo e a sociedade contra abusos, permitam que encerre com breves palavras; da tradue%o portuguesa de um texto meu, de algum tempo atrds; “Naturalmente, toda profunda transformagfoo, toda revoluggo, mesmo no pla- no meramente intelectual, comporta altos custos. Dizia Bertrand Russell que o advogado da transformaggo tem uma tarefa bem mais diffcil que o advogado da conservaciio e da ordem. Mas, quando aquilo que se quer conservar ngo responde mais as novas ¢ inderrogiveis necessidades sociais, entso a conservagiio nfo ¢ mais ordem. E a ligfo de direito comparado estd a mostrar que as transformagOes, nesta R. Minist. Pébl, nova Fase, 1(18) 25 exposicso sumsriamente delineadas, longe de serem o fruto de uma visdo pessoal, ‘ou local, respondem aquilo que sfo as grandes ¢ gerais tendéncias evolutivas do mundo contemporineo,”” Muito obrigado. 6 R. Minist. PGbL. nova Fase, 1(18)

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