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Memória e Identidade. Joel Candau

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Protomemórias, Memórias e Metamemó-

rias na construção de identidades.

RESENHA

1. CANDAU, Joel. Memória e Identidade. Tradução: Maria Letícia Ferreira. São


Paulo: Contexto, 2012.

Por Antônio Agenor Barbosa1


Autor do livro Memória e Identidade, Joel Candau é professor de Antropologia na Universidade de Nice-
Sophia, na França, e coordenador do LASMIC (Laboratório de Antropologia e Sociologia Memória,
Identidade e Cognição Social), onde desenvolve estudos sobre antropologia sensorial e cognitiva.

Em termos gerais suas pesquisas enfocam as diversas formas e possibi-


lidades (ou impossibilidades) de compartilhamento de memórias (memória
coletiva), distinguindo notadamente no seu aspecto conceitual acerca da me-
mória algumas modalidades desta faculdade que o autor nomeia de protome-
moriais, memoriais e metamemoriais.
A obra está inserida no campo da antropologia da memória e segue uma
tendência de compartimentar este tema como já foi tratado em outras obras
anteriores do mesmo autor tais como Anthropologie de la mémoire de 1996
e Mémoire et experiences olfactives: Anthropologie d’um savoir-faire senso-
rial publicada em 2000.
A proposta de aprofundar a compreensão do conceito de memória co-
letiva, conforme elaborado por Maurice Halbawchs (1990) problematizando
a ideia de um (suposto) compartilhamento de memórias individuais é, certa-
mente, um dos pontos fortes do livro.
Memória e Identidade são conceitos fundamentais tanto nas teorias clás-
sicas quanto nas teorias mais recentes no campo das ciências humanas e so-
ciais. Tais conceitos estão presentes em reflexões teóricas das mais diversas
1
Arquiteto e Urbanista, Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF.

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como nas análises da memória e/ou da identidade elaboradas por Henri Bér-
gson, Pierre Nora, Jacques Le Goff, Maurice Halbwachs, Phillipe Áries, Nor-
bert Elias, Paul Ricoeur, Andreas Huyssen e Michael Pollak.
No livro em questão, Joel Candau traz à luz algumas dessas contribui-
ções e propõe reavaliações e redimensionamentos dos conceitos de memória e
identidade, postas em debate com outras áreas do conhecimento mas, de cer-
ta maneira, atento ao legado que as obras de Maurice Halbwachs (A Memória
Coletiva) e Pierre Nora (Les Lieux de mémoire) deixaram pra os que se aven-
turam a estudar estes temas.
Para Candau, a antropologia, que a partir da sua trincheira, tenta inter-
pretar as relações entre indivíduo e grupo, tem uma importante contribuição
para o entendimento dos conceitos de memória e identidade pois no fundo, a
grande questão, a partir de dados empíricos, é saber como os indivíduos com-
partilham práticas, representações, narrativas, lembranças que produzem as
quais, em última instância, é o que chamamos de cultura.
A principal chave de leitura para analisar o livro em questão, e que cons-
titui o seu principal argumento, é a de buscar compreender como passamos
de formas individuais para formas coletivas de memória e identidade. Para
Candau, ao nos interrogarmos sobre esta passagem, partimos da premissa de
que ela, de fato, existe e que, portanto, deve ser considerada e demonstrada.
A partir desta chave, reforça-se o fato de que os conceitos de memória
e identidade são indissociáveis das noções contemporâneas que temos sobre
as ideias de conservação, restauração e, em suma, da ideia de patrimônio tal
como o termo vem sendo redefinido mais recentemente. Joel Candau chega
mesmo a afirmar que “o patrimônio é uma dimensão da memória” (p. 16) e
que “o patrimônio é menos um conteúdo que uma prática da memória obe-
decendo a um projeto de afirmação de si mesma” (p. 163)
Candau nos provoca, indagando-nos se não há uma tendência que nos
leva ao exagero de conferir a estes fenômenos (memória e identidade) uma
centralidade que, exceto em períodos de crise, seriam de fato mais relevantes.
Argumenta que manter a ferro e fogo a afirmação de que “a questão das
identidades está no coração do debate político” (p.200) e que o patrimônio es-

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tá no centro deste problema seria uma forma que o Estado, as organizações,


os partidos e algumas correntes religiosas encontraram de conferir importân-
cia a este debate que, cotidianamente, pode não ser assim tão relevante para as
principais preocupações de indivíduos que estão empenhados em trabalhar,
amar, manter sua família e, com muita dificuldade, usufruir um pouco do seu
escasso tempo livre. (p.199)
De maneira inteligente Candau critica as grandes narrativas, chamadas
por ele de “retóricas holistas” e elabora uma proposta de classificar as memó-
rias individuais em três níveis, a saber:
• Memória de baixo nível ou protomemória, que vem a ser aquela mais
próxima do que podemos chamar de hábito.
• A memória de alto nível ou memória de evocação e/ou de lembranças
que incorpora crenças, sentimentos, emoções e outras experiências
vividas no passado.
• A metamemória que é, na verdade, a representação que cada indivíduo
faz de sua própria memória, ou algo como uma memória reivindicada.

Neste sentido enquanto as duas primeiras seriam o campo das memó-


rias individuais ou as faculdades de memorização propriamente ditas, a últi-
ma seria a dimensão em que (supostamente) seria possível compartilhar co-
letivamente as memórias individuais. Seria, portanto, a representação que se
faz da faculdade da memória. É nesta dimensão da representação que se an-
cora o conceito de identidade.
Estruturado em seis capítulos, o livro aborda no capítulo I os conceitos
preliminares sem os quais é impossível qualquer aproximação teórica com
problemas ontológicos relativos à memória e à identidade. Faz uma crítica ao
que chama de fórmulas consagradas (Searle apud Candau, p.12) de memória
e identidade coletivas.
No capítulo II trabalha ao nível do indivíduo e sobre as construções e va-
riações da memória e da identidade.

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No capitulo III propõe que a memorialização do mundo está intrinseca-


mente relacionada a um certo ordenamento temporal sem o qual, sobretudo
sem as noções de origem e acontecimento, nenhuma identidade seria possível.
Nos três últimos capítulos o autor parte para a observação de algumas
modalidades de passagem de formas individuais de memória e identidade pa-
ra as suas formas coletivas.
Nas suas conclusões o autor traz para o debate antropológico as comple-
xas relações entre memória e identidade e propõe três observações, ditas por
ele, provisoriamente conclusivas, a saber:
• Chamar a atenção para o grande risco de subvalorizar ou subinter-
pretar o jogo memorial e identitário
• Perceber a ambiguidade intrínseca a esse jogo entre memória e
identidade
• Buscar uma interrogação entre o que seria uma memória e uma
identidade “justas”

Conclui ainda perguntando qual o lugar ocupado pelo jogo memorial e


identitário nas sociedades modernas e como pode o antropólogo, totalmente
imerso e absorvido pelas reflexões sobre estes conceitos não se tornar refém dos
mesmos e dando a eles, sempre, um papel proeminente em suas observações.
Trata-se de um excelente ensaio antropológico que procura elucidar com
rigor as diferentes modalidades de acesso e de representação do homem ao seu
estatuto ontológico de ser social e cultural.

Revista Antropolítica, n. 37, Niterói,2. sem. 2014

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