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Texto Literário e Seu Uso Como Fonte Histórica (Aula 13)

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Aula 13

Texto literário
e seu uso como
fonte histórica
História e Documento

Metas da aula

Identificar o texto literário como documento da experiência social


de uma época e apresentar as possibilidades metodológicas
para o seu tratamento como fonte histórica.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

1. relacionar literatura, sociedade e história;


2. caracterizar o texto literário como documento histórico;
3. identificar os diferentes tipos de texto e suas práticas de leitura na análise histórica.

Pré-requisitos

Para que você encontre maior facilidade na compreensão desta aula,


é necessário que você tenha estudado, na Aula 2, o significado
de documento histórico como suporte de relações sociais,
nas Aulas 8 e 9, as diferentes atribuições dos textos literários
na Antigüidade e no Medievo, e, na Aula 13, a renovação
do método histórico na atualidade.

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

INTRODUÇÃO

A leitura de um bom romance proporciona distração, inspiração


e, dependendo da natureza da obra, também uma boa dose de
instrução moral, estética e até mesmo histórica.

Os estilos e formas literárias que compõem a matéria da história


da literatura correspondem a certas expectativas da sociedade que
produziu e consumiu a obra. Dessa maneira, todo romance, crônica,
relato de viagens, enfim, todo texto escrito com fins de registrar uma
experiência social, ou de elaborá-la pela imaginação social, guarda
em si aspectos do mundo que o produziu. Pode, portanto, ser tomado
como fonte histórica, ou seja,como suporte de uma certa experiência
social passada, nesse caso, a experiência social de imaginar e de
deixar essa imaginação registrada na forma de um texto literário.

Os textos literários são fontes históricas que evocam para a


sua análise elementos pertinentes à sua produção, às práticas de sua
publicação e de leitura. Cada tipo de texto tem uma forma de veicula-
ção condizente com as demandas da sociedade e de seu tempo histó-
rico específicos.

Antes de se tornarem obras únicas, os romances eram publi-


cados em fascículos em jornais, revistas ilustradas ou suplementos
literários. As transformações no circuito social da produção literária
são históricas e envolvem um conjunto de fenômenos dentre os quais
destacam-se o surgimento da imprensa, a fabricação do livro, a
consolidação das tecnologias de impressão, bem como o advento
de um público de leitores, a princípio associados à leitura coletiva de
textos, e, posteriormente, por meio da ampliação da alfabetização,
a um número cada vez mais diferenciado de leitores. Tudo isso foi
também acompanhado das diferentes modalidades de circulação do
objeto "livro" e da consolidação de um mercado editorial, quando o
livro se torna uma mercadoria a ser consumida no mercado de trocas
de bens culturais. Nesse ponto, a sociedade se tornou complexa

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História e Documento

de tal maneira que os papéis sociais ligados à esfera literária se


especializaram para muito além do gênio criativo que envolvia a
figura idealizada do escritor.

Portanto, estudaremos, nesta aula, as relações entre sociedade


e literatura por meio de uma perspectiva histórica. Isso quer dizer que
vamos tentar compreender a literatura como uma experiência social e
histórica, como uma atividade exercida dentro de um espaço social
por agentes históricos: escritores e leitores.

Também buscaremos identificar na materialidade do texto literário


aspectos próprios da sociedade que o produziu. Assim, sua análise
nos possibilita, por um lado, conhecer as formas de sensibilidade,
os recursos de imaginação e as estruturas de sentido utilizadas na
elaboração do texto literário, e, por outro, os elementos descritivos do
texto desvendam aspectos da cultura material e dos costumes da época
na qual a obra foi escrita.
Literatura
Por fim, buscaremos estabelecer os princípios metodológicos
O sentido moderno de
literatura incorpora ao para a análise de distintas modalidades de textos literários como
menos três significados fontes históricas. Tudo isso sem abrir mão do prazer que a leitura
básicos, a saber: a
pode nos proporcionar.
atividade de compor
e escrever trabalhos
artísticos em prosa ou
História, literatura e sociedade
verso; o conjunto de
obras produzido numa
época e lugar; Literatura é um conceito que possui uma historicidade, ou
o conjunto de membros seja, incorporou significados associados a atributos diferentes que a
que se volta para
experiência social de homens e mulheres, em diferentes épocas, a
o fazer artístico de
escrever obras em prosa concedeu. Já foi visto em aulas anteriores o papel desempenhado pelos
ou verso. textos literários – poesia épica, narrativa de fatos fabulosos, os relatos
dos peregrinos e a gesta dos reis – na elaboração de uma consciência
histórica e seus registros materiais.
Gesta
Entretanto, a noção de literatura, tal como hoje a entendemos
Narrativas, geralmente
rimadas, ou ainda foi sendo elaborada pela experiência social desde o Renascimento.
cantadas, que celebram A palavra literatura começou a ser utilizada, em vários países da
os grandes feitos de
Europa, no século XIV. Sua raiz etimológica latina, littera, associava tal
heróis passados.

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

termo à letra do alfabeto. A evolução do termo incorporou em distintos


idiomas as noções de leitura, a capacidade de ler e de ser lido.

Com o advento da imprensa, a noção de literatura assumiu


uma nova categorização, associada à leitura da palavra impressa
veiculada em livros. Incorporou à sua etimologia os atributos
materiais dos seus veículos, bem como da capacidade de ler e da
experiência da leitura. Entretanto, ainda no século XVIII, a noção de
literatura era muito ampla, incorporando tratados filosóficos, textos
históricos, ensaios e poemas.

Aos poucos, a noção de literatura foi perdendo sua vinculação


a esse sentido mais antigo e tornou-se uma categoria aparentemente
objetiva de obras impressas de certa qualidade. As figuras do "editor
literário", bem como a presença de "suplementos literários" como agentes
e veículos da atividade literária, passaram a circular amplamente no
século XIX, tanto na Europa e nos Estados Unidos quanto no Brasil.

O estudioso britânico Raymond Willians (1979, 2007) destaca


três tendências que fornecem uma dimensão histórica e processual à
noção contemporânea de literatura e suas relações com a sociedade
moderna:

Primeira, uma passagem do "conhecimento" para o "gosto" ou


"sensibilidade" como critério para a definição da atividade literária;
segunda, uma crescente especialização da literatura como obras
"criativas" ou "de imaginação"; terceira, um desenvolvimento do conceito
de "tradição", em termos nacionais, resultando na definição mais eficiente
de "uma literatura nacional". As fontes de cada uma dessas tendências,
podem ser percebidas a partir do Renascimento, mas foi nos séculos
XVIII e XIX que elas evidenciaram com maior vigor, até se tornarem no
século XX, fatos consumados (WILLIANS, 1979, p. 53).

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História e Documento

É importante destacar que os estudos de Willians sobre a


evolução da noção de literatura como parte integrante do
campo artístico estão associados a uma perspectiva histórica
marxista que compreende que os conceitos e seus usos são
expressões de dinâmicas sócio-históricas. Daí a necessidade de
associar a definição de literatura às práticas sociais que a caracterizam
em diferentes momentos históricos.
Entretanto, a análise da literatura e de textos literários na análise
histórica, como veremos adiante, vai incorporar, além do viés da
construção sócio-histórica da noção de literatura, as práticas e
representações associadas à experiência de ler e à leitura, também
nas sociedades mais tradicionais. Valorizam-se, assim, a oralidade
e a experiência popular de produzir representações literárias.

A primeira tendência revela o movimento das sociedades de fins


do século XVIII em deslocar, dos espaços das igrejas e universidades,
para os cafés, livrarias e salões, tanto as práticas de leitura quanto
o consumo de impressos. O monge recluso nas bibliotecas dos
mosteiros ou o profissional erudito devotado às letras cederiam lugar
ao "amador culto" e ao "escritor sensível". "Gosto" e "sensibilidade"
eram conceitos voltados à elaboração de uma identidade de classe,
e podiam ser aplicados a uma grande variedade de experiências
de comportamento público e privado, da vestimenta à alimentação,
regulando atitudes e sociabilidades. Ambas as categorias se referem
ao advento da sociedade burguesa européia.

A segunda tendência revela a autonomização dos campos


artísticos e a valorização da capacidade criativa dos seres humanos,
frente às formas de mercantilização e mecanização do fazer artístico
e intelectual, próprias de uma nova ordem social: a do capitalismo,
em especial o capitalismo industrial.

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

Ao longo do século XIX, o romantismo valorizou a capacidade Do ponto de


vista filosófico,
criativa como redentora e libertadora das artes, pregando o retorno
o romantismo
a um estado de "pura natureza" em oposição aos valores "fúteis" da preconizava a volta
civilização materialista. aos temas medievais,
à inspiração nas
Willians explica que vários conceitos ganhariam, no século XIX, religiões orientais, a
uma especificação associadas à noção de "gosto e sensibilidade". exaltação dos instintos,
"Arte" perdeu o sentido de capacidade humana geral; "estético" dos sentimentos,
da imaginação e
passou a associar-se aos atributos específicos do que era "artístico" e
da fantasia, e a
"belo". O conceito de literatura, apesar de guardar ainda uma relação valorização dos
com a experiência de ler e da leitura, também acompanhou esse transportes místicos; do
ponto de vista das artes
movimento de vinculação aos atributos de "estético" e "imaginativo".
plásticas e da literatura,
Assim, a literatura desloca-se do campo dos comportamentos que definia o fazer artístico
garantiam uma distinção social para o campo das "obras em si" e como a expressão dos
do fenômeno artístico. estados da alma, pura
sensibilidade e emoção
Esse deslocamento garantiu o surgimento de uma crítica espe- inscrita em telas
cializada, a única capaz de reconhecer e garantir o valor das grandes e textos.

obras. Surgia, então, a literatura com ‘L maiúsculo’, distinguindo as


"grandes obras do Espírito" dos escritos populares muitas vezes sem
autoria definida.

A valorização da excepcionalidade do gênio artístico em termos


da produção literária esteve associada a um marcante movimento
do século XIX, o da formação da noção moderna de nação. Nesse
momento, todos os movimentos de consolidação dos estados nacionais
investiram, tanto no plano simbólico como no material, na elaboração
da nação como "comunidade imaginada" (ANDERSON, 2005), pois
reunia num território comum, um mesmo povo "guardião" de tradições
lingüísticas, históricas, artísticas e literárias.

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História e Documento

A formulação da noção de povo nacional foi elaborada pelo


pensamento romântico que o concebia como uma entidade abs-
trata e homogênea. Juntamente às noções de identidade nacional,
cultural nacional e memória, integravam-se as ideologias nacionalistas
que, historicamente, desembocaram nos movimentos autoritários da
primeira metade do século XX.
No entanto, tal perspectiva rejeitava as expressões da cultura oral e da
experiência social grupos subalternos, valorizando as produções das
elites letradas. As expressões dos grupos dominados politicamente seriam
da ordem do folclore e da produção artesanal, que, dentro do campo
artístico, estariam alocadas num patamar de inferioridade.
No Brasil oitocentista, notadamente as elites do segundo império foram res-
ponsáveis tanto pela sobrevalorização dos modelos e sistemas culturais
estrangeiros, como pela elevação da figura romântica do índio, pensado
como a representação ideal do povo brasileiro. Nessa operação, os
negros, brancos pobres, enfim, todo um conjunto significativo da população
brasileira foi excluído do Brasil como "comunidade imaginada". Estes só
reintegrariam o quadro da cultura nacional pelo viés do folclore, nos anos
1930, com a ideologia do nacional-popular (ORTIZ, 1994).

Mudanças significativas nos quadros das relações entre


literatura e sociedade deveram-se à emergência de uma consciência
crítica por parte dos movimentos sociais desde fins do século XIX.
A literatura e as artes, ao longo do século XX, prolongando-se pelo
século XXI, passaram por um processo de internacionalização,
resultando na valorização de usos mais autônomos, por vezes mais
libertárias, outroras, ainda, mais comerciais. Tal processo desdobrou-se
na emergência da indústria cultural e da cultura da mídia.

A esses movimentos associou-se uma crítica cultural mais consis-


tente, bem como o interesse das Ciências Humanas pela possibilidade
de compreender a literatura como categoria social e histórica.

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

Atende ao Objetivo 1

1. Festa busca contextualizar Machado

Estudos sobre influências musicais e literárias, assim como sobre sua origem, devem
trazer retrato mais detalhado do autor.
Debate sobre o fato de o surgimento do autor ser ou não um "milagre" é um dos que
devem estar na pauta das discussões.

O título e a chamada da matéria foram publicados na Folha de S. Paulo, no dia oito de


março de 2008. Não é muito clara sobre o porquê dos festejos em torno do escritor carioca
Machado de Assis. O fato é que no calendário das datas memoráveis do ano de 2008 consta
a celebração dos 100 anos de morte do escritor (1839-1908). Leia a a seguir:

“Sylvia Colombo da reportagem local

[...] A partir do mês que vem, a efeméride dos cem anos da morte de Machado de
Assis (1839-1908) vai encher as prateleiras das livrarias de reedições, coletâneas,
novos — e não tão novos — estudos e documentos sobre a obra do mais importante
autor brasileiro.

A Academia Brasileira de Letras, instituição da qual Machado foi um dos fundadores,


prepara ampla programação de eventos gratuitos. A partir de segunda-feira, ela estará
disponível pelo site www.machadodeassis.org.br.

Duas das atrações chamam a atenção por se referirem nem tanto à sua produção, mas
ao modo como modelou seu estilo e criou seu universo. "O Que Machado Leu" e "O
Que Machado Ouviu" prometem oferecer ingredientes para que sejam investigadas
as raízes das influências do autor de Dom Casmurro.

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História e Documento

A primeira será um módulo dentro da exposição "Machado Vive", que será aberta no dia
20 de junho [2008]. Oferecerá um recorte crítico a partir da biblioteca de 800 volumes
do autor. Depois, vai virar livro, em co-edição com a Biblioteca Nacional. A segunda se
dará por meio de uma série de concertos eruditos que evocarão as preferências do escritor
e as reuniões do "Clube Beethoven", espaço criado por ele, no qual se ouvia música e se
jogava xadrez.

Leituras O poeta e crítico Ivan Junqueira, um dos coordenadores da homenagem, diz que
a preocupação é distinguir o que Machado leu do que realmente o influenciou. "Importantes
mesmo foram Laurence Sterne, Diderot, Schopenhauer, Xavier de Maistre, Shakespeare,
Cervantes e Dante." Machado lia, a princípio, em francês. Depois passou ao inglês.
No final da vida, aprendeu alemão e um pouco de grego, mas nunca chegou a ser
fluente nessas línguas. "Ele lia brasileiros e gostava de José de Alencar e Joaquim Manuel
de Macedo, mas não se pode dizer que foram leituras que o influenciaram", diz.

Fazendo eco ao lugar-comum celebrizado pelo crítico norte-americano Harold Bloom,


Junqueira chama Machado de “milagre”, pelo fato de ter surgido a partir de um contexto
social humilde. A mesma opinião é compartilhada pelo presidente da ABL, Cícero
Sandroni: "Era um brasileiro pobre, gago e epiléptico, que através do esforço pessoal
e da leitura, se transformou".

Releitura Mas para que servem as efemérides senão para abrir portas a releituras?
O pesquisador e ensaísta Ubiratan Machado, autor de A vida literária no Brasil durante
o Romantismo e que lança nos próximos meses um dicionário de mais de 2.000 verbetes
sobre Machado, acha que se deve deixar de pensar que o surgimento de sua literatura
tem algo de milagroso.

"Ele não era um pobrezinho. Primeiro porque ser mulato não era depreciativo, então.
Alguns dos homens mais importantes do Império eram mulatos. O fato de seu pai ser um
agregado, também não, pois isso era bastante comum. Ter nascido no morro tampouco
era um drama. Na época, rico também vivia em morro. E, depois, quando tornou-se
funcionário público, Machado passou a ganhar muito bem."

Ainda, para ele, o tão celebrado autodidatismo também não é algo único no caso de
Machado, pois muita gente formava-se assim naquela época. "Enfim, milhares de pessoas
enfrentam o que Machado enfrentou na vida. Não é isso que confere valor à sua literatura,
e sim suas qualidades próprias." O estudioso também ressalta que a imagem soturna de
Machado, que se solidificou com o tempo, foi a que predominou apenas nos últimos

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

anos de sua vida, principalmente após a morte da mulher, Carolina, em 1904. "Até
então, ele havia sido um homem muito alegre e muito espirituoso", conclui (Folha de
S. Paulo, "Seção Ilustrada" , p. 4, 8 mar. 2008).

Agora, avalie como hoje pode ser caracterizada a relação entre literatura e sociedade.
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Resposta Comentada
O objetivo desta atividade é desenvolver uma avaliação de como a nossa época se relaciona
com a literatura. No caso específico da matéria jornalística, alguns aspectos merecem ser
ressaltados. Do ponto de vista da memória nacional, a data da sua morte é motivo para
que se valorize, através da figura de Machado de Assis, as obras da literatura nacional e
seus destacados autores. Assim, as instituições de memória, como é o caso da Academia
Brasileira de Letras, se organizam num esforço comemorativo "multimídia". Quando a ABL presta
homenagem a um escritor brasileiro, também está homenageando a nação brasileira. Dentro
dessa perspectiva, a literatura fornece material para a construção da identidade nacional.

Por outro lado, a crítica especializada levanta o debate sobre a relação entre o autor, sua
obra e a própria sociedade na qual viveu e produziu suas obras – o Rio de Janeiro do século
XIX. O debate em torno da especialidade do gênio artístico revela tensões próprias às análises
literárias de cunho histórico e sociológico que se especializaram a partir do século XX, quando
a própria literatura tornou-se objeto de estudo das Ciências Humanas.

Dessa forma, a matéria jornalística aponta para a historicidade com a qual são tratadas hoje
a atividade literária e a literatura como campo de ação social.

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História e Documento

Os textos literários como documentos


históricos – princípios de análise

Na primeira parte do clássico livro Literatura e Sociedade


Antonio Candido (1980), o crítico e estudioso da literatura Antonio Candido
de Mello e Souza
examina a influência do meio social sobre a obra literária e a
Nascido no Rio de
Janeiro, em 1918,
influência desta sobre o meio. Paralelamente, indaga sobre o fato
viveu desde pequeno de os textos literários serem expressões da sociedade, e em que
em Minas Gerais, de medida incorporam suas demandas e problemas.
onde é a sua família.
Em 1942, formou-se em As respostas a essas indagações contribuíram para o tratamento
Ciências Sociais, mas das relações entre a obra, o autor e o público como práticas sociais.
em 1945 definiu o seu
Dessa forma, importam para sua análise três aspectos fundamentais:
caminho pela literatura,
ao ser aprovado num como a sociedade define a posição e o papel do autor; como a obra
concurso de livre- depende dos recursos técnicos para incorporar os valores socialmente
docência em Literatura
compartilhados; e, por fim, como se formam os públicos.
Brasileira. Desde então,
dedica-se à critica Herdeiro de uma tradição crítica materialista (GOLDMANN,
literária e à docência.
1976), Candido cria um programa para a análise crítica da experiência
artística que leva em conta o papel criativo dos sujeitos históricos
envolvidos na atividade artística. Não defende a determinação da
base econômica sobre as formas artísticas; mas propõe a existência
de uma relação estreita entre as condições de vida, a experiência
social e a expressão artística.

Assim, a própria expressão artística passa ser tratada como


uma experiência social:

Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar


nenhuma das visões dissociadas; e que só podemos entender
fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente
íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicava
pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela con-
vicção de que a estrutura é virtualmente independente,
se combinam como momentos necessários do processo
interpretativo. Sabemos, ainda que o externo (no caso, o
social) importa não como causa, nem como significado,

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

mas como elemento que desempenha um certo papel na


constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interna
(CANDIDO, 1980, p. 4).

Em seus trabalhos, Candido defende uma interpretação estética


que supere os aspectos da sociologia, ou da história sociologicamente
orientada, visto que incorpora a dimensão social como um fator de arte.
Na perspectiva desse tipo de crítica, o elemento social se torna um dos
muitos que interferem na economia do livro, compartilhando com os
fatores psicológicos, religiosos, lingüísticos e outros, para a diversidade
coesa do texto literário. Ao adotarmos essa posição, evitamos tanto
tratar as obras literárias como meros reflexos da atividade social, quanto
tomá-las simplesmente como fenômenos artísticos desvinculados da
dinâmica social concreta.

Vale destacar, para compreendermos melhor o posicionamento


defendido por Candido, a existência de distintas modalidades de
análise sociológica da literatura (CANDIDO, 1980, p. 9-11).

1º tipo – o método tradicional, esboçado no século XVIII,


propunha relacionar o conjunto de uma literatura,
um período, um gênero, com as condições sociais.
Nesse caso, compunham-se quadros contextuais
que pouco ou nada tinham a ver uns com os outros.
Assim, para cada obra em estudo, estabelecia-se
um quadro político e institucional da época na
qual havia sido escrita, sem relação alguma com
o conteúdo da obra.

2º tipo – incluem-se, nesta segunda categoria de análise, os


trabalhos de sociologia da literatura, que procuram
verificar em que medida as obras espelham ou
representam a sociedade, em seus vários aspectos.
Sua estratégia consistia basicamente em estabelecer
correlações entre os aspectos reais e os que aparecem

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História e Documento

no livro, correndo o risco de cair num determinismo


simplista, no qual a obra era vista como reflexo do
contexto histórico.

3º tipo – consiste no estudo entre a obra e o público. Considera-


se, nessa abordagem, os aspectos sociológicos da
produção literária, dentre os quais o seu destino, a sua
aceitação e a ação recíproca entre autor e público.

4º tipo – estuda a posição e a função social do escritor. Busca-se,


em trabalhos desse tipo, relacionar o escritor, (na sua
condição social), à natureza da sua obra, e ambas à
organização da sociedade. Assim, a condição social
do escritor se inscreveria de alguma forma, na sua
expressão literária, trazendo para dentro do campo
da literatura os jogos das posições sociais.

5º tipo – semelhante ao anterior, só que focado nas dimensões


políticas da obra literária. É investigada, nesse tipo de
trabalho, a função política das obras e dos autores, em
geral com o intuito de considerar a literatura e o texto
literário como formas de expressão ideológica.

6º tipo – voltado para o estudo da origem da literatura em geral


ou dos gêneros literários, pertencem a esse tipo os
escritos tradicionais de uma história literária, ou ainda,
das idéias literárias. Nesse âmbito, o fenômeno artístico
é autônomo em relação à dinâmica histórica.

Candido enfatiza que todos esses tipos de abordagem são


legítimos, se bem conduzidos, dentro do campo das Ciências
Humanas. Entretanto, em todas as modalidades de análise, "nota-se
um deslocamento de interesse da obra para os elementos sociais que
formam a sua matéria, para as circunstâncias do meio que influíram na
sua elaboração, ou para a função na sociedade". Entretanto, apesar
de a literatura como prática social depender do entrelaçamento de

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

diferentes fatores sociais, os textos literários resultantes dessa prática não


são absolutamente reflexos ou determinações de tais fatores sociais.

Todo trabalho artístico se sustenta na relação dialética entre


o real e o imaginário (FRANCASTEL,1993). Portanto, há que se
considerar o nível de arbitrariedade e deformação que o fazer
artístico estabelece com o meio social. Assim, mesmo quando pretende
observá-la com realismo e precisão, opera por mediações, traduzindo
em prosa ou verso seus modos de ver, sentir e imaginar.

Nesse sentido, todo o trabalho das Ciências Humanas com a


literatura confluiu-se para a afirmação de que toda arte é social. Isso
porque depende tanto da ação de fatores do meio, que se exprimem
na obra de formas variadas através de categorias próprias operadas
pelo fazer literário, quanto do efeito que produz sobre os sujeitos
sociais que a recebem, modificando sua visão de mundo ou, ainda,
reforçando sentimentos e valores sociais. De acordo com Candido,
"isto decorre da própria natureza da obra e independe do grau
de consciência que possam ter os artistas e os receptores de arte"
(CANDIDO, 1980, p. 21).

Do ponto de vista da análise sociológica, adverte Candido, "a


primeira tarefa é investigar as influências concretas exercidas pelos
fatores socioculturais" (p. 21), dentre as quais se destacam a estrutura
social, os valores, as ideologias e as técnicas de comunicação, cuja
influência no processo artístico varia de acordo com sua própria
dinâmica. Assim, a estrutura social se manifesta na definição
da posição social do artista, ou na configuração dos grupos de
receptores; já os valores e as ideologias se expressam na forma e no
conteúdo da obra; por fim, as técnicas de comunicação, na sua feitura
e forma de transmissão. Esses elementos definem os quatro momentos
da produção literária, a saber: "a. o artista, sob o impulso de uma
necessidade anterior, orienta-o segundo os padrões da sua época;
b. escolhe certos temas; c. usa certas formas e d. a síntese resultante
age sobre o meio" (CANDIDO, 1980, p. 21).

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História e Documento

Dessa forma, a análise da comunicação artística deverá


considerar os seus três elementos fundamentais: o autor, a obra e
o público. Tudo isso interessa para a análise social da literatura, à
medida que esclarece a produção artística no seu caminho de mão
dupla: arte e sociedade/sociedade e arte. Avaliando as questões sob
essa dupla perspectiva, dimensiona-se o "movimento dialético que
engloba arte e sociedade num vasto sistema solidário de influências
recíprocas" (CANDIDO, 1980, p. 24).

Importa esclarecer, devidamente, as relações entre autor, obra


e público, para se definir uma estratégia adequada para trabalhar
com os textos literários como documentos e fontes de pesquisa para as
Ciências Humanas. Para tanto, continuaremos com a obra fundamental
de Antonio Candido. O autor esclarece que o processo de comunicação
artístico é dinâmico,

complicando-se pela ação que a obra realizada exerce tanto


sobre o público, no momento da criação e na posteridade,
quanto sobre o autor, a cuja realidade se incorpora em
acréscimo, e cuja fisionomia espiritual se define através
dela [...]. A literatura é, pois um sistema vivo de obras,
agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; só vive na
medida em que estes a vivem decifrando-a, aceitando-a,
deformando-a. A obra não é um produto fixo, unívoco
ante qualquer público; nem este passivo é homogêneo,
registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos
que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor,
temo inicial deste processo de circulação literária, para
configurar a realidade da literatura configurando no tempo
(CANDIDO, 1980, p. 74).

A relação entre o escritor e o público é mediada pelos seus


escritos, e isso acaba por criar uma interdependência entre esses três
elementos que nunca podem vir isolados na perspectiva de análise
crítica. O escritor, numa determinada sociedade, não é simplesmente
um indivíduo criativo, mas alguém desempenhando um papel social,

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

que ocupa uma posição num grupo profissional e deve corresponder


a um conjunto de expectativas do público leitor. Este, por sua vez,
nunca é um grupo social específico, mas uma coleção de indivíduos,
cujo denominador comum é o interesse pelo fato. Entretanto, dentro
dessa coleção, podem diferenciar-se agrupamentos menores, mais
coesos, às vezes com tendência a associar-se, como são os círculos
e as associações de amadores, ou ainda as sociedades literárias.

É importante marcar que a formação dos públicos leitores


é histórica e depende de alguns fatores sociais, dentre os quais: a
existência e o grau de organização dos meios de comunicação; a for-
mação de uma opinião literária; e, por fim, a diferenciação de setores
mais restritos que tendem a orientar o gosto dos demais (CANDIDO,
1980, p. 77). Assim, deve-se considerar na análise crítica dos textos
literários, o grau de instrução do público, bem como o seu acesso aos
textos e publicações; os hábitos intelectuais, ou seja, a valorização da
leitura e o desenvolvimento de práticas ilustradas. Além disso, devemos
considerar os meios de acesso ao material literário: as condições de
existência de um mercado editorial, de espaços de sociabilidade
voltados para o consumo de literatura, tais como livrarias, cafés,
auditórios etc.

O tipo de abordagem crítica exposto até agora difere da


tradicional história literária, ou ainda, da história das idéias literárias,
voltada para o estudo dos gêneros da literatura ao longo do tempo, ou
ainda do valor histórico dos gênios artísticos e suas obras. A história
literária acompanhou os avanços da crítica literária contemporânea
ao incorporar as noções de práticas de leitura e valorizar o sucessivo
processo de apropriação das obras literárias por diferentes épocas
históricas, enfatizando a pluralidade de sentidos dessas obras.

Nesse sentido, a história literária hoje é também uma história


cultural das práticas de leitura, dos objetos de leitura e dos imaginários
literários. Nesses moldes, o conjunto de documentos adequados à
produção de uma história literária ampliou-se, significativamente,
incorporando tanto as escritas reconhecidas quanto as marginais, ou
seja, tanto as obras de grande difusão quanto as que se dirigiam a

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História e Documento

um público restrito. Essa história literária, renovada pela dimensão


cultural de suas práticas e representações, não pode negligenciar
o romance popular nem o romance policial ou as narrativas de
aventura. Ela se questiona sobre as práticas de leitura, sobre os
modelos narrativos, e, ainda, sobre os usos e funções do texto
literário em distintas épocas históricas (GOUMELOT, 1993, verbete
Literária (História), p. 497).

Atende ao Objetivo 2

2. Publicado em 1983, o livro do historiador paulista Nicolau Sevcenko, intitulado Literatura


como missão, tornou-se um marco nos estudos sobre História e Literatura. Nessa obra, o
autor analisa as tensões sociais e a produção literária no Brasil da Primeira República,
tomando como base o lugar social e a produção literária de dois renomados escritores
brasileiros: Euclides da Cunha e Lima Barreto.
Na introdução de sua obra, ele explica seus princípios teóricos e as estratégias utilizadas
na pesquisa:
O estudo da literatura conduzido no interior de uma pesquisa historiográfica, todavia,
preenche-se de significados muito peculiares. Se a literatura moderna é uma fronteira
extrema do discurso e o proscênio dos desajustados, mais do que o testemunho da
sociedade, a ela deve trazer em si a revelação dos seus focos mais do que o testemunho
da sociedade, ela deve trazer em si a revelação dos seus focos mais candentes de
tensão e mágoa dos conflitos. Deve traduzir no seu âmago mais um anseio de mudança
do que os mecanismos da permanência. Sendo um produto do desejo, seu compromisso
é maior com a fantasia do que com a realidade. Preocupa-se com aquilo que poderia
ou deveria ser a ordem das coisas, mas do que com o seu estado real.

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

Nesse sentido enquanto a historiografia procura o ser das estruturas sociais, a literatura
fornece uma expectativa do seu vir-a-ser. [...] Ocupa-se portanto o historiador da realidade,
enquanto o escritor é atraído pela possibilidade. Eis aí, uma diferença crucial, a ser
devidamente considerada pelo historiador que se serve do material literário. [...] A literatura
fala ao historiador sobre a história que não ocorreu, sobre as possibilidades que não
vingaram, sobre os planos que não se concretizaram. Ela é o testemunho triste, porém
sublime, dos homens que foram vencidos pelos fatos. Mas será que toda a realidade da
história se resume aos fatos e seu sucesso? [...]

O caso em estudo é típico. As duas primeiras décadas deste século [século XX]
experimentaram a vigência de nítidas intenções sociais. [...] O dilema entre o impulso
de colaborar para a composição de um acervo literário universal e o anseio de interferir
na ordenação da sua comunidade de origem assinalou a crise de consciência maior
desses intelectuais.

A leitura de seus textos literários nos levou a perscrutar o seu cotidiano, familiarizando-nos
com o meio social em que conviviam: a cidade do Rio de Janeiro no limiar do século
XX. As posturas, as ênfases, as críticas presentes nas obras nos serviram como guias
de referência para compreendermos e analisarmos as suas tendências mais marcantes,
seus níveis de enquadramentos sociais e sua escala de valores. O material compulsado:
imprensa periódica – jornais e magazines –, crônicas, biografia e opúsculos. Ato contínuo,
esse material vultuoso nos forneceu indicações preciosas, que urgiram a releitura e
reinterpretação das obras literárias. [...]

Uma pesquisa abrangente dos meios intelectuais, com uma amostragem geral da sua
produção no tocante aos temas, critérios, objetivos e disposições, permitiu-nos avaliar as
peculiaridades dessa pequena comunidade e a sua ânsia de enraizar-se no substrato social
mais amplo. Demonstrou-nos igualmente o quanto a sua produção se vincava conforme
o ritmo e sentido das transformações históricas, que agitaram a sociedade carioca nesse
período. Orientaram-nos nesse momento da pesquisa, não só a leitura de obras expressivas,
mas também uma sondagem mais completa das práticas de edição, das expectativas do
público, da atmosfera cultural criada na cidade, dos pontos de encontro, as associações
de interesse e rivalidades que distinguiam a comunidade de homens das letras.

Do interior desse panorama mais complexo que entrecruza os níveis social e cultural,
sobressaem-se com grande destaque as obras de Euclides da Cunha e Lima Barreto.
Nenhuma outra apresentava tantos e tão significativos elementos para a elucidação,
quer das tensões históricas cruciais do período, quer dos seus dilemas culturais. [...]

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História e Documento

O estudo mais detido de cada um desses conjuntos de textos deixaria entrever com
clareza que o seu antagonismo essencial repousava sobre as sólidas clivagens existentes
no universo social da Primeira República, com que suas obras se solidarizavam. Seus
livros distinguem-se ainda por isso, pela transparência com que resumem nas propostas
e respostas estéticas os conflitos mais agônicos que marcaram a sociedade brasileira
nessa fase (SEVCENKO, 1985, p. 20-23).

Identifique, nos procedimentos de pesquisa e princípios teóricos de Sevcenko, a forma


como ele relaciona texto literário e documento histórico.
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Resposta Comentada
A extensão do texto a ser analisado justifica-se por estarem citados nessa "Introdução" os
principais elementos para a análise dos materiais literários como documentos históricos.

Alguns aspectos merecem destaque no desenvolvimento da atividade. Em primeiro lugar, a


relação entre história e literatura como dois campos distintos, mas complementares, para a com-
preensão e estudo das sociedades passadas. Destaca-se o trecho no qual ele discorre sobre a
função do historiador e do escritor.

Outro elemento importante a ser identificado é a compreensão da produção literária como


prática social. Desta forma, o lugar social do escritor, as formas de divulgação e recepção
dos seus escritos são perfeitamente valorizadas na análise de Sevcenko.

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

Complementa as suas considerações o estudo do ambiente cultural e intelectual do Rio de


Janeiro, cenário onde transcorre o seu estudo, bem como a escolha de dois escritores: Euclides
da Cunha e Lima Barreto, para o aprofundamento de sua análise.

A interpretação de suas obras como textos literários foi realizada mediante a utilização de
um vasto material publicado, apontando para a impossibilidade de se realizar um estudo
histórico com base em um único tipo de fonte. Dessa forma, os livros foram lidos à luz de um
conjunto de outros textos cuja natureza literária era diversa da sua.

Portanto, estão claramente expostos nesses trechos compilados da Introdução da obra de


Sevcenko, os princípios fundamentais da análise histórica de materiais literários.

Textos e práticas de leituras: caminhos


da análise histórica

Os estudos sobre os textos e suas práticas de leitura integram


hoje parte importante das análises em história cultural. Entre os
historiadores que desenvolvem essa abordagem, destaca-se o
pesquisador e professor francês Roger Chartier (CHARTIER, 1988,
2002). Uma das principais preocupações de Chartier foi a de
desenvolver uma consistente reflexão sobre o papel dos livros, dos
leitores e da experiência de leitura na época moderna. O ponto
central de sua análise consiste na elaboração de uma concepção
ampliada de texto, que envolve diferentes tipos de escritos, discursos,
registros e também práticas de oralidade. Em tal concepção, rompe-se
com a visão de cultura segmentada em "alta" e "baixa", e opera-se
com a perspectiva de circularidade, segundo a qual os diferentes
níveis culturais se comunicam na experiência social concreta. Assim,
as práticas sociais e suas representações culturais, seus suportes
materiais, — tais como os livros de modalidades distintas, as imagens
de natureza variada, mas também as histórias contadas e passadas
pela memória social, enfim, um conjunto de pistas e indícios para
se compreender a experiência social passada — tomariam o centro
da análise da história cultural.

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História e Documento

Chartier, num trabalho intitulado Textos, Impressão, Leituras


(HUNT, 1992), nos fornece elementos para tratarmos os textos
literários como documentos históricos. Sua primeira advertência situa
a contribuição do campo de estudos históricos para o tratamento
da literatura:

A história oferece duas abordagens que são necessariamente


ligadas: reconstruir a diversidade de leituras mais antigas a
partir de seus vestígios múltiplos e esparsos, e identificar as
estratégias através das quais autoridades e editores tentaram
impor uma ortodoxia ou uma leitura autorizada dos textos
[...]. Assim torna-se necessário reunir duas perspectivas que
em geral não se articulam: por um lado, o estudo de como
os textos e as obras impressas que os comunicam organizam
a leitura autorizada; e, por outro lado, a compilação de
leituras concretas, costuradas e declarações individuais ou
reconstruídas no nível das comunidades de leitores – aquelas
"comunidades interpretativas"cujos membros compartilham
os mesmos estilos de leitura e as mesmas estratégias de
interpretação (CHARTIER, 1992, p. 215-216).

Essa advertência desdobra-se num programa de análise que


deve considerar a relação estreita entre os três pólos da atividade
literária, a saber: o próprio texto, o objeto que comunica o texto
e o ato que o apreende, ou seja, a leitura, ou as práticas leitoras.
A associação diferenciada desses três elementos cria modelos distintos
de significação. No primeiro modelo, incluem-se os casos de textos
estáveis, apresentados em diferentes tipos de impressão que acabam
interferindo na maneira pela qual é apreendido. Modificam-se o
tamanho do livro, o tipo de papel, a programação visual do texto etc.
Entretanto, o seu conteúdo permanece estável.

O segundo modelo relaciona-se à maneira pelas quais as


mudanças na forma impressa de um texto acabam por modificar o seu
significado. Nesse caso, o conteúdo da obra sofre modificações para se
adaptar a um perfil editorial. O exemplo citado por Chartier, para esse

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

modelo, são os livrinhos populares franceses, conhecidos pelo nome


de Bibliothèque Bleue, uma fórmula editorial desenvolvida entre 1700
e meados de 1800 com a finalidade de atrair um público leitor mais
numeroso e mais popular. A estratégia dos editores era a de adaptar
a um modelo padrão de edição impressa – capa azul acompanhada
de gravuras – obras consagradas pelo tempo, e reeditá-las, adaptando
o seu significado às condições históricas de sua publicação. Assim,
os livros não eram em si "populares", pois provinham de todos os
gêneros de literatura, como também eram adaptados às exigências da
religião e da moral da época, ou ainda, tinham o seu texto simplificado
para torná-los mais acessíveis aos leitores sem experiência de leitura
(CHARTIER, 1992, p. 224).

O terceiro modelo dessa relação entre texto, livro e compreensão


relacioná-los quando um texto de conteúdo estável e forma fixa é motivo
de leituras contraditórias. É o caso de um texto clássico apropriado
de distintas maneiras em tempos diversos. Segundo Chartier, essas
oposições surgem na forma como o livro é dado a ler, seus espaços
de leitura, bem como suas distintas modalidades – ler em voz alta, ler
para si próprio, ler para os outros, em silêncio, ou introspectivamente,
em particular ou em público (CHARTIER, 1992, p. 226).

Entretanto, o objetivo dessa tipologia é criar uma história


das práticas de leitura, pela qual o historiador consiga determinar
os paradigmas de leitura predominantes em uma comunidade de
leitores, num dado período e lugar. Assim, completa o autor,

O modo de ler, que é ditado pelo próprio livro e por seus


intérpretes, oferece o arquétipo de todas as formas de leitura,
não importa quais sejam. A caracterização desses modos de
leitura é, portanto, indispensável a qualquer abordagem que
pretenda reconstruir maneira como os textos puderam ser
apreendidos, compreendidos e manipulados (CHARTIER,
1992, p. 227).

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História e Documento

O desenvolvimento dessa estratégia de análise apóia-se no


uso do conceito de apropriação cultural. Tal noção torna
possível avaliar as diferenças culturais e a existência de uma
invenção criativa nos processos de recepção. Deslocam-se,
do texto para a sua recepção, as formas de compreender
o seu significado histórico, como explica o autor: "sem
abandonar as medições e as séries, a história dos textos e
dos livros deve ser, acima de tudo, uma reconstituição das
variações nas práticas – em outras palavras, uma história
da leitura" (CHARTIER, 1992, p. 233).

Entretanto, uma última advertência deve ser considerada:


da mesma forma que o ato de ler não pode limitar-se ao texto, as
suas significações não podem ser excluídas do processo de análise,
para se valorizar somente os significados impostos. Há que se
compreender que as mensagens e seus modelos de comunicação e
apropriação operam por ajustes, combinações e resistências.

Atende ao Objetivo 3

3. Esta ilustração é uma publicidade de sabonete, publicada na


revista O Cruzeiro, um semanário ilustrado que circulou por todo
o Brasil, entre os anos 1930 e 1970. Era uma revista dedicada a
variedades, fartamente ilustrada e um excelente veí-culo de uma
cultura popular de massa. No anúncio, o texto diz:

Elizabeth Taylor sabe, pois ela também usa o sabonete de


beleza das estrêlas. Uma maravilha ao seu alcance, o novo
Lever envolve você no seu romântico, inebriante perfume,
Revista O Cruzeiro, março de 1951

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

tornando-a mais adorável, mais cativante, esta noite mesmo! De alvíssima pureza e
em linda embalagem cor de rosa, vem sempre com sua espuma rápida e econômica.
Não hesite: não há sabonete mais fino, luxuoso e perfumado do que o novo Lever.
Agora em dois tamanhos.

[Na seqüência abaixo, à direita]


Você poderá cativá-lo com uma cútis suave e deliciosamente perfumada. Siga as estrelas:
use Lever e seja mais adorável esta noite.
Esse anúncio é um documento histórico textual e visual que envolve práticas de leitura
e gera representações sociais. Analise esse documento, seguindo as propostas de uma
história da leitura.
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Resposta Comentada
Os princípios de análise de uma história da leitura deve levar em conta os três pólos do processo
comunicativo: o próprio texto, o objeto que comunica o texto e o ato que o apreende. Busca-se
assim por meio das formas de apropriação do registro textual, a comunidade de leitores e seus
protocolos de leitura.

Nesse sentido, o exercício de análise proposto deve levar em consideração que o texto está
sendo veiculado numa revista de grande circulação, objeto de consumo de uma comunidade
de leitores que compram produtos industriais, associam limpeza a beleza e freqüentam cinema.
O leitor ideal para o qual a publicidade está endereçada é do gênero feminino, mas indiretamente
associa-se ao gênero masculino, pois esse se torna o objeto da ação feminina: usar sabonete,
ficar bonita e agradar ao parceiro.

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História e Documento

O texto escrito é autônomo em relação à imagem que indica o padrão de beleza a ser seguido.
O texto escrito é uma peça publicitária cujo objetivo primeiro é vender sabonete, mas de acordo
com a lógica da sociedade de consumo de massa, vende antes o desejo de ser bonita e se
assemelhar a estrela do filme que também consome nas telas; consumo derivado de outro
consumo, numa rede de conexão de significados textuais e intertextuais (filme e publicidade).

O percurso definido pela nossa aula nos levou da história


da literatura para a história da leitura, dos livros, dos textos e das
práticas de leitura. A diferença entre o ponto de partida e o ponto
de chegada revela as mudanças dentro do campo da produção
do conhecimento histórico. Ou seja, de uma tradicional história
das idéias e dos gêneros literários, nos deparamos hoje com a
valorização da experiência, e, vale lembrar, sempre mutável, dos
sujeitos históricos, seus meios sociais, suas formas de expressão,
comunicação e apropriação dos textos literários.

A abordagem crítica apresentada por Antonio Candido para se


lidar com a relação dialética entre público, obra e escritor, nos textos da
literatura, é complementada ao incorporarmos as práticas de impressão,
Protocolos de
leitura as comunidades interpretativas e os protocolos de leitura de
São os modos pelos Chartier. Essa abordagem deve ainda considerar a variedade de textos
quais os textos são
que compõem a textualidade de uma certa época. Assim, na sociedade
apropriados pelas
comunidades de da mídia, da internet, do meio digital, os desafios colocados à história
leitores, ou ainda, da leitura, atualizam a relação entre textos, suportes e leitores.
as comunidades
interpretativas.
Sugerem a existência
de regras que estão
inscritas nos textos e
que são operadas na
experiência social da
leitura. Assim, os textos
da literatura de cordel
têm como protocolos de
leitura a oralidade da
rima cantada.

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

Atividade Final

Vamos aproveitar a oportunidade que a Atividade Final da aula nos oferece para aprendermos
um pouco mais. Na seqüência, seguem algumas sugestões para a elaboração de uma
resenha crítica de um texto historiográfico de livre escolha. O objetivo desta atividade é
desenvolver sua capacidade de análise e compreensão textos para seus estudos futuros,
ou ainda futuras publicações. Caso você escolha um livro, o limite de páginas é de cinco,
espaço 1,5 e letra Arial 12. Caso você escolha um texto, o número de páginas pode ser
reduzido para duas. Bom trabalho!

Proposta para roteiro de resenha

A resenha é um comentário crítico sobre um artigo ou livro. Da mesma forma que o


fichamento, a resenha possui estilos diferentes dependendo do "lugar" de quem analisa
o trabalho, sua competência intelectual e a expectativa criada pelo texto lido.

Podemos propor um roteiro básico de resenha na seguinte forma:

• Cabeçalho: identificação do autor, obra, editora, ano, tradutor (em caso de livro
estrangeiro), ano de publicação e número de páginas.

• Título: recomenda-se que se coloque um título na resenha para dar um caráter autoral
ao trabalho, este pode vir mesmo antes do cabeçalho, com a identificação da obra
resenhada.

• Introdução: relaciona-se o tema do trabalho e expõe-se brevemente o seu conteúdo.


Tal operação pode ser feita relacionando o trabalho ao seu ineditismo, ou ainda, às
contribuições que possa fornecer em termos de compreensão de uma problemática
atual.

• Desenvolvimento: Dependerá da natureza do trabalho. Caso seja um livro de artigos,


estes deverão ser comentados criticamente, um por um. Numa outra proposta, com um
artigo, ou ainda, um livro temático, a crítica incidirá sobre a estrutura da narrativa –
como o autor constrói o seu objeto, qual a sua hipótese central, como a desenvolve em
termos de comprovação, que tipo de fontes utiliza, como as utiliza, enfim, como trata
o problema proposto. Tudo isso de forma crítica e o menos expositiva possível.

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História e Documento

• Conclusão: uma avaliação do trabalho como um todo, relacionando a proposta


central e o sucesso (ou não) do autor em desenvolvê-la. A crítica deve ser responsável
e bem embasada. Não basta falar mal!

Dicas gerais

• Em geral, as resenhas não são trabalhos volumosos; calcula-se o número de páginas


em função do veículo de publicação da resenha, ou ainda pelos limites impostos por
quem a pede.

• Quando se está resenhando uma coletânea organizada com trabalhos de vários


autores, é necessário que todos as contribuições sejam comentadas em seus aspectos
centrais (argumento e desenvolvimento). Além disso, faz-se necessário que os princípios
de organização da obra coletiva sejam também tema de comentários, para se avaliar
o equilíbrio da obra, nos termos das suas diversas contribuições.

• Outro aspecto importante: não se fazem citações extensas numa resenha; trabalha-se
muito mais por paráfrase. Quando a citação é inevitável, esta deve ser bem curta.

• Não há necessidade do texto vir dividido em partes. As que foram indicadas acima,
é um roteiro para facilitar a construção da resenha.

• Quando a resenha refere-se a uma obra de caráter historiográfico, há que se avaliar


o uso da documentação, as escolhas teóricas, a originalidade historiográfica e sua
contribuição para o campo específico de estudos a que se refere.

• Quando as obras resenhadas são consideradas clássicas (Raízes do Brasil, por


exemplo), é fundamental que o autor da resenha a relacione à historiografia do
período no qual foi publicada, historicizando o impacto e sua repercussão. Além
disso, é interessante apontar a forma como foi sendo reapropriada ao longo dos
anos. Enfim, cabe elaborar uma nota histórica sobre uma obra que é praticamente
uma fonte histórica.

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Aula 13 – Texto literário e seu uso como fonte histórica Módulo 1

Comentário
Esta é uma atividade voltada à complementação do seu aprendizado. Tem como
principal objetivo ajudá-lo a ler e a interpretar textos que são o seu material de trabalho,
ao mesmo tempo em que propõe um conjunto de estratégias para te orientá-lo na
produção de textos críticos que o auxiliem no estudo e incentive seus dotes literários.
Aproveite a oportunidade para avaliar o seu manejo de textos e sua capacidade de
aproveitamento das leituras.

RESUMO

O texto literário pode ser considerado um documento histórico.


Nesse sentido, para tratá-lo, parte-se da crítica a uma tradicional
história da literatura concebida como a sucessão de gêneros e de
idéias, sem relação com a experiência social concreta dos sujeitos
envolvidos na atividade literária.

O surgimento de uma análise crítica buscou relacionar literatura


e sociedade, por meio dos elementos fundamentais do processo literário,
a saber: o autor, sua obra e o seu público.

Desta forma, o debate atual dos estudos históricos deslocou o foco


de análise de uma história dos textos para uma história com os textos,
seus suportes, suas formas de impressão, seus leitores, suas práticas de
leitura, enfim, uma história das práticas sociais de leitura.

A noção de texto literário foi ampliada pela incorporação em sua


análise, das práticas sociais que suportam a sua produção entendida
como uma experiência situada historicamente num tempo e espaço.

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História e Documento

Informações para a próxima aula

Na próxima aula, estudaremos a problemática do documento


atual, associando-a aos debates sobre a história do tempo
presente. Será destacado, nessa aula, o uso
da imprensa como fonte histórica.

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