40anos Luta Contra o Tabaco PDF Final 221021 - 1
40anos Luta Contra o Tabaco PDF Final 221021 - 1
40anos Luta Contra o Tabaco PDF Final 221021 - 1
o tabaco
no Brasil
40 anos de história
Luta contra
o tabaco
no Brasil
40 anos de história
Copyrights @ 2022 Luiz Alves Araújo Neto, Luiz Antonio Teixeira, Silvana Rubano Barretto Turci e Valeska Carvalho Figueiredo
CONSELHO EDITORIAL
Ana Maria Jacó-Vilela | UERJ
Andréa Borges Souza Cruz | UFRJ
Julia Vilela Caminha | PUC-Rio
Luiz Antonio Teixeira | USP
Maria Alice Rezende | UERJ
Vicente Loureiro | ULisboa
ISBN 978-65-89794-04-2
CDD 362.29670981
Este livro foi produzido com auxílio financeiro gerenciado pela União Internacional contra
a Tuberculose e Doenças Pulmonares (The Union) e financiado pela Filantropia Bloomberg.
O conteúdo desta publicação é da exclusiva responsabilidade dos autores e, em nenhuma
circunstância, pode ser considerado como a posição da The Union e da Filantropia Bloomberg.
APOIO realização
Sumário
8 Prefácio
10 Introdução
22 Apresentação do seminário e dos participantes
38 Das primeiras mobilizações das sociedades médicas
ao Programa Nacional de Combate ao Fumo
A elaboração deste livro foi possível a partir da parceria entre o Centro de Estudos
sobre Tabaco e Saúde (CETAB) da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca,
e a Casa de Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz. Aqui, são reunidos relatos
de vivências, lembranças, discussões e opiniões de atores que participaram de uma
história muito importante para a saúde pública brasileira. Entre os méritos do livro,
podemos citar o método adotado para a coleta desses relatos que, por envolver um
grande encontro desses atores, vindos de várias partes do Brasil, participantes de dis-
tintos momentos, aproxima e revela trechos dessa história, muitas vezes desconhe-
cida até mesmo para os que dela participaram.
As medidas para o controle do tabagismo, iniciadas em nível nacional na década
de 1980, encontraram inúmeros desafios, que envolveram desde a falta de dados e
financiamento para a realização de pesquisas sobre prevalência de tabagismo até a
escassez de recursos humanos para a elaboração de materiais e campanhas, além
dos indefensáveis ataques da indústria fumageira, um dos maiores inimigos da saúde
pública brasileira.
Para essa empreitada foi necessário mais do que coragem e determinação. Foram
necessários o apoio do governo e a criação de uma grande rede articulada da socie-
dade civil. Foi necessário que o SUS fosse criado, abraçando a promoção da saúde
como um dos seus eixos principais, dando lugar à municipalização das ações de con-
trole do tabagismo. Também foi necessário que o Brasil se associasse à negociação de
6 Prefácio
Cartaz do
seminário:
2018
8 Prefácio
A eles e a todos que participaram de toda essa história, os que foram contem-
plados no seminário e os que não puderam estar, os que foram citados e aqueles
que, como “formiguinhas”, vêm construindo o futuro desse caminho a ser trilhado.
A vida é uma viagem cheia de altos e baixos e o que ela quer de nós é apenas
coragem.
1 Silvana Rubano Barretto Turci é pesquisadora e responsável pelo Observatório de Monitoramento das Estratégias da Indústria do
Tabaco do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca / Fiocruz.
2 Valeska Carvalho Figueiredo é pesquisadora do departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde e coordena-
dora do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca / Fiocruz.
10 Introdução
Gestado durante o período da ditadura militar e atravessando o processo de
redemocratização do país, o movimento pelo controle do tabagismo configurou-se
como um dos movimentos mais exitosos da saúde pública brasileira, com amplo reco-
nhecimento internacional (Colditz & Beers, 2010). Em grande parte, o êxito das ações
antitabagistas no país se relaciona à atuação de grupos sociais distintos, em uma rede
bem articulada, com a participação de atores que compartilharam objetivos, visões
de mundo e emoções. Esses grupos envolveram médicos especialistas, sanitaristas,
epidemiologistas, atores do Terceiro Setor, movimentos sociais do campo, políticos
profissionais, diplomatas, técnicos da saúde pública, grupos religiosos, entre tantos
outros. Dessa forma, uma história do controle do tabagismo no Brasil envolve, neces-
sariamente, lidar com a multiplicidade de atuações e de perspectivas que embasa-
ram a construção de políticas, práticas e discursos quanto aos produtos derivados do
tabaco, movimento que privilegiamos e exploramos neste livro.
O livro tem como base uma série de depoimentos coletados durante o Seminário
de Testemunhas – Quatro décadas de história do controle do tabaco no Brasil, rea-
lizado em novembro de 2018, pelo Centro de Estudos em Tabaco e Saúde (CETAB/
ENSP/Fiocruz), em parceria com a Coordenação de Vigilância em Saúde e Laboratórios
de Referência da Fiocruz e a Casa de Oswaldo Cruz. Os depoimentos foram coletados
através da metodologia conhecida como “seminário testemunho”, que consiste, em
resumo, na reunião de atores participantes da constituição de um campo ou processo
para realização de debate moderado com questões elaboradas por historiadores
(Reynolds & Tansey, 2012). Embora a moderação do debate organize tematicamente
os temas discutidos, o processo de depoimento ganha tons, em diversos momen-
tos, de uma conversa entre pessoas que compartilharam experiências no movimento
Na década de 1960, a campanha nacional contra o câncer – iniciada nos anos 1940
com a criação do Instituto Nacional do Câncer (INCA) – acrescentou a seus materiais
educativos o alerta de que o tabagismo aumenta o risco de câncer de pulmão e outros
tipos de cânceres (Revista Brasileira de Cancerologia, 1964:182). No final daquela
década, um concurso para escolher o melhor desenho dos malefícios do tabagismo
feito por estudantes do ensino médio sugeriu que o assunto era de interesse do INCA
em algum nível (Revista Brasileira de Cancerologia, 1965:89), mas poucas ações além
dessas foram tomadas no sentido do controle do tabagismo. Em 1964 e 1965, alguns
parlamentares dos estados da Guanabara (atual Rio de Janeiro), São Paulo e Paraná
apresentaram projetos de lei para imprimir mensagens de advertência em rótulos de
cigarros e proibir a venda para menores de idade, mas os projetos não foram aprova-
dos pelas legislaturas estaduais (Teixeira & Jaques, 2011).
12 Introdução
Um aspecto importante para a aprovação dessas leis é o papel econômico da cul-
tura do fumo nos estados do sul do Brasil, como o Rio Grande do Sul, um dos maio-
res produtores de fumo do mundo. A cultura do fumo está relacionada à tradição dos
imigrantes europeus – principalmente da Alemanha – e foi aprimorada com a funda-
ção da Souza Cruz no início do século XX (Brasil, 2000), tornando-se uma das ativi-
dades econômicas mais importantes naquela região do país. A perda financeira para
a agricultura foi o principal ponto dos políticos para a desaprovação das leis de con-
trole do tabaco.
Na década de 1970, um grupo de médicos cujas especialidades eram relacio-
nadas ao aparelho respiratório (tisiologistas, pneumologistas e cirurgiões torácicos)
começou a defender uma frente científica contra o tabagismo. Alguns atores muito
importantes no cenário do controle do tabagismo, como Antonio Pedro Mirra, José
Rosemberg e Edmundo Blundi, escreveram um documento a partir de um seminá-
rio de controle do tabagismo, a Carta de Salvador, em 1979 (Teixeira & Jaques, 2011).
A carta afirmava a urgência em estruturar um programa antitabagismo, embora reco-
nhecesse o desafio imposto pelo apelo econômico e cultural do cigarro.
Em seguida, a Sociedade Brasileira de Cancerologia reuniu diversas sociedades
científicas e de saúde em São Paulo para criar um Programa Nacional de Combate
ao Tabagismo. A iniciativa teve como base as deliberações do XVIII Congresso
Internacional do Câncer realizado em Buenos Aires, quando Mirra, Rosemberg e
Blundi foram assessorados por Richard Doll para criar um programa no Brasil (Mirra et
al., 2009). No ano seguinte, a revista Veja – de grande circulação no Brasil – publicou
uma matéria demonstrando como a relevância econômica da cultura do fumo era um
entrave aos esforços antitabagismo (Gaspari, 1980).
14 Introdução
Outros grupos apoiaram o início do controle do tabagismo no Brasil. Por exemplo,
as Testemunhas de Jeová eram fortemente contra o fumo e orientavam seus seguido-
res a não fumarem. Porém, a partir da década de 1950, a cultura consumista atingiu
níveis elevados na classe média urbana brasileira, com muita propaganda em revis-
tas, TV e jornais, e com a chegada de grandes tabaqueiras dos Estados Unidos (Sá,
2013). No final da década de 1980, estavam em jogo programas locais e o início de um
programa nacional para o movimento antitabagismo, mas seria difícil atingir públi-
cos maiores e mobilizar o sistema político sem a participação direta do Ministério da
Saúde. No ocaso de uma ditadura brutal, um novo sistema de saúde estava em cons-
trução e o papel da saúde pública em geral – e do INCA em específico – estava sendo
discutido por especialistas e políticos.
Após mais de duas décadas de ditadura, quando a saúde pública brasileira sofria de
baixo financiamento e desarticulação de diversos programas e instituições, um novo
sistema nacional começou a ser construído, no final da década de 1980 (Escorel &
Teixeira, 2008). Esse novo sistema tem como base a atenção integral à saúde, a ges-
tão descentralizada e a coordenação das ações e uma maior participação dos seto-
res leigos nas decisões políticas. O grande princípio do Sistema Único de Saúde (SUS)
é o “direito universal à saúde”, em oposição à atenção seletiva à saúde prevalente no
Brasil, desde as fundações das políticas públicas de saúde. Esse novo cenário refor-
çou o papel do Ministério da Saúde nos programas de prevenção primária.
16 Introdução
tabagismo publicaram artigos e livros direcionados ao público leigo com o objetivo de
divulgar a mensagem antitabagismo. O INCA – hoje responsável pelas políticas e pro-
gramas de controle do tabagismo – decidiu iniciar um programa específico de pre-
venção à iniciação ao tabagismo, comum entre crianças e adolescentes. Em 1997, ini-
ciou um projeto piloto com quatro escolas primárias da cidade do Rio de Janeiro para
capacitar professores e distribuir materiais para incorporar a prevenção primária –
com ênfase no controle do tabagismo – ao currículo escolar (Goldfarb, 2000). O pro-
grama “Saber Saúde” foi ampliado para âmbito nacional em 1998, contando também
com o trabalho de Ziraldo ilustrando os materiais distribuídos às secretarias estaduais
e municipais de Saúde e Educação (INCA, 2013).
Embora as campanhas de educação em saúde tivessem grande reconhecimento
em nível nacional e internacional, estava claro para os especialistas em saúde pública
que a prevenção primária do tabagismo precisava ser expandida para outros campos,
tendo em vista os problemas que a redução das vendas de cigarros traria para a eco-
nomia brasileira. Por exemplo, uma lei de 2000 limitou severamente a propaganda de
cigarro, banindo-a da TV, rádio, cinema, jornais, revistas, outdoors, roupas esportivas
e internet (Teixeira & Jaques, 2011). A mesma lei previa que, a partir de 2003, seria proi-
bido às empresas de tabaco patrocinar eventos culturais ou esportivos. Essa determi-
nação específica gerou reações da indústria que, por meio da Confederação Nacional
da Indústria (CNI), ajuizou ação contra o governo, alegando que a proibição era con-
trária à Constituição Federal. Além dos protestos da indústria, havia a preocupação de
como a fumicultura reagiria à queda da demanda e consequentemente da produção
(Boeira, 2002). A substituição da produção de tabaco, no entanto, não era um tema
central no planejamento da saúde pública.
18 Introdução
papel importante na assinatura da CQCT, a aprovação final do documento no Congresso
Nacional envolveu muitas tensões e disputas envolvendo as empresas de tabaco, fazen-
deiros; políticos; ONGs e especialistas em saúde pública (Teixeira; Paiva & Ferreira, 2017).
Para a elaboração do documento da CQCT foi criado um órgão de negociação
intergovernamental, cujo diretor foi o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso
Amorim. Em suma, o acordo objetivou implementação de políticas tributárias para
reduzir o tabagismo; regulamentação de etiquetas e anúncios; proteção contra fumaça
de cigarro; proibição de publicidade; criação de programas de educação em saúde; e
incentivo a programas de cessação (Brasil, 2011). No Brasil, muitos grupos se posicio-
naram e se mobilizaram para a aprovação ou negação da CQCT, de acordo com dife-
rentes interesses: os especialistas do INCA tiveram um grande reconhecimento inter-
nacional (Vera da Costa e Silva – coordenadora dos Programas de Controle do Tabaco
do INCA – tornou-se diretora da Iniciativa Livre do Tabaco da OMS) e foram muito atu-
antes na defesa da Convenção; entre os políticos, as posições eram relacionadas à
agenda dos agricultores e da indústria ou de apoio à agenda política do governo – o
senador paulista Eduardo Suplicy foi um dos defensores da CQCT, enquanto o sena-
dor gaúcho Sergio Zambiasi apoiou os interesses dos fazendeiros e empresas locais;
as ONGs relacionadas à saúde apoiaram a aprovação, como a “No Tobacco Network”;
produtores e empresas defenderam sua posição por meio de agências representa-
tivas, como a Associação Brasileira da Indústria de Fumo (Afubra) e a Associação
Brasileira da Indústria Fumadora (Abifumo); e a imprensa adotou posições heterogê-
neas sobre o assunto (Scheibler, 2006).
Um raciocínio comum usado por aqueles contra a Convenção-Quadro foi de que
outros países altamente classificados como produtores de tabaco não concordaram
20 Introdução
algumas áreas como o Rio Grande do Sul. Feiras passaram a ser montadas por asso-
ciações de agricultores, ONGs, INCA e outros órgãos, em busca de alternativas aos
produtores, principalmente os pequenos. Fumar agora é visto como um hábito sujo
para muitas pessoas no Brasil, embora seja frequente entre a classe média urbana e
as camadas mais pobres da sociedade. Outro problema presente é o comércio ile-
gal, muito comum nas ruas, como recurso para o sustento de pessoas de baixa renda.
Apesar do caminho de sucesso trilhado pela saúde pública brasileira no controle
do tabagismo, o cenário contemporâneo é de muito temor. Projeto neoliberal para a
economia brasileira busca desmontar o Sistema Único de Saúde com forte redução
do financiamento e descrédito das instituições junto à opinião pública. Por exemplo,
a substituição da lavoura de fumo vem sofrendo com cortes de orçamento e a pres-
são do grande agronegócio. Em 2017, o governo federal aprovou uma emenda cons-
titucional que congela o financiamento público à saúde, educação, seguridade social
e outras áreas vitais por vinte anos. O enfraquecimento das instituições de saúde
pública abre uma porta perigosa para um forte retorno de velhos problemas como o
sarampo, e um novo aumento do tabagismo.
Luiz Teixeira: Bom dia. Sou Luiz Antonio Teixeira e esse é meu colega de trabalho, Luiz
Alves Araújo Neto. Antes de mais nada, eu gostaria de fazer uma pequena introdução
sobre nosso evento e explicar sobre a dinâmica que iremos utilizar.
Entre 1989 e 2013, a prevalência do tabagismo na população adulta no Brasil
diminuiu de 34,8% para 14,7% (20,1%). Embora esse fenômeno esteja relacionado à
intensificação dos esforços internacionais de saúde pública para controle do tabaco,
a trajetória das políticas e iniciativas nacionais nesse campo são cruciais para a com-
preensão da redução do tabagismo entre a população brasileira. Desde 1970, socie-
dades médicas, especialistas em saúde pública, grupos religiosos e políticos se dedi-
cam à criação e implementação de medidas de controle do tabagismo, em uma luta
incessante contra a indústria do tabaco e os interesses mercantis a ela associados.
A partir da década de 1990, o estado brasileiro assumiu um papel protagonista
nesse processo, mediando os diferentes matizes do movimento antifumo e articulando
medidas para conter a epidemia. Nos últimos anos, as pesquisas históricas relevantes
apontam para uma translação do maior consumo de tabaco do Norte para o Sul, o que
se relaciona à severas restrições ao mercado do tabaco em países mais desenvolvidos.
Análises de reputados historiadores, como Allan Brandt e Robert Proctor, mostram que
a indústria do tabaco depende da globalização para manter seus negócios vivos, e isso
Luiz Alves: A dinâmica é simples: a gente vai fazer perguntas, que são muito mais pro-
vocações do que propriamente uma “pergunta-resposta”. A ideia não é que vocês
lidem com essas perguntas como um roteiro para a discussão, para a conversa entre
vocês. Algumas perguntas serão orientadas para pessoas específicas, outras serão
1 A Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) é o primeiro tratado internacional de saúde pública da história da Orga-
nização Mundial da Saúde (OMS). é o primeiro tratado internacional de saúde pública da história da Organização Mundial da Saúde.
Representa um instrumento de resposta dos 192 países membros da Assembleia Mundial da Saúde à crescente epidemia do tabagismo
em todo mundo.
2 O Wellcome Trust é uma instituição de caridade de pesquisa biomédica sediada em Londres, Reino Unido. Foi estabelecido em 1936
com legados do magnata farmacêutico Sir Henry Wellcome para financiar pesquisas para melhorar a saúde humana e animal.
Luiz Alves: Um último ponto para organizarmos nossa conversa: apesar da notória
experiência pessoal de todos vocês, a gente precisa caracterizar sempre cada fala em
um contexto mais conjuntural. A ideia é que a gente entenda a participação de vocês,
mas também o que estava acontecendo na época, a partir do contexto de cada perí-
odo. Então, a fala é pessoal, claro, é a experiência de vocês, mas tendo sempre em
mente também a conjuntura do período.
de um curso ministrado pela Vera Luiza da Costa e Silva para formar coordenado-
res estaduais. A partir do ano seguinte, implantei o programa na secretaria de Saúde
do estado. Em 1994, me casei com o Rosemberg3 e aí ele deu uma contribuição
muito grande à iniciativa. Durante dez anos, coordenei o programa de Combate ao
Tabagismo do Ceará.
3 José Rosemberg é pneumologista e tisiologista, considerado um dos pioneiros nos movimentos pelo controle do tabagismo no
Brasil. Autor de diversos livros sobre o tema.
Irmã Lourdes Dill: Faço parte da Congregação das Irmãs Filhas do Amor Divino, sou
coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança da Arquidiocese Santa Maria, RS
e vice-presidente da Charitas Brasileira. Atuo nessa área há mais de 30 anos, na parte
da organização dos produtores, como educadora popular nas alternativas à cultura
do fumo. Nos programas em nível nacional, atuo há quase 20 anos também, partici-
pando da articulação da Convenção-Quadro e das políticas públicas voltadas para a
4 Para a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo (SAF), o principal objetivo dos serviços de Assistência Técnica e Extensão
Rural (ATER) é melhorar a renda e a qualidade de vida das famílias rurais, por meio do aperfeiçoamento dos sistemas de produção, de
mecanismo de acesso a recursos, serviços e renda, de forma sustentável.
5 Paula Johns não pôde participar integralmente do seminário. A sua história foi contada através de uma entrevista feita por Luiz Alves
e Luiz Antonio Teixera que pode ser encontrada no final do capítulo 7.
6 ONG que atua na promoção e defesa de políticas de saúde pública, especialmente nas áreas de controle do tabagismo, alimentação
saudável, controle do álcool e atividade física. O trabalho é realizado por meio de ações de advocacy, que incluem incidência política,
comunicação, mobilização, formação de redes e pesquisa, entre outras.
Andrea Reis: Trabalho na divisão de Controle do Tabagismo desde 1999, atuando dire-
tamente no programa Saber Saúde, e, há cerca de um ano, estou na vice-chefia da
divisão. Estou representando a Valéria Cunha, chefe da divisão.
Vera Luiza da Costa e Silva: Trabalho nessa área há quase 35 anos, e acho que sou uma
das poucas pessoas aqui que é quase uma testemunha viva dos quase 40 anos de con-
trole do tabaco no Brasil. Para mim, é um privilégio e uma honra poder estar aqui inteira,
participando e revendo essa longa história. Trabalho atualmente como chefe do secre-
tariado da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, em nível internacional, e
moro na Suíça. Muito do que eu sou e tenho devo ao Brasil e ao que o Brasil me ensinou.
Marco Antonio de Moraes: Atuo no controle do tabagismo desde 1985 e, desde 1988,
faço parte do programa nacional, portanto, em seu início, e pude vivenciar isso em
todos os níveis, em todas as esferas: na municipal, em Campinas onde eu morava,
depois em uma região que era conhecida como o Circuito das Águas7, onde a gente
pôde implantar esse programa em sua fase regional e, depois, fui convidado para
gerenciar o Programa Estadual de Controle do Tabagismo, onde elaboramos todas as
atividades da municipalização das ações de controle do tabagismo. Minha linha de
pesquisa, em mestrado e doutorado, foi na área de tabagismo. Hoje, meu principal
local de trabalho é na secretaria de estado da Saúde de São Paulo
7 O Circuito das Águas Paulista está localizado a cerca de 150 quilômetros da capital e é composto por nove cidades: Águas de Lin-
dóia, Amparo, Holambra, Jaguariúna, Lindóia, Monte Alegre do Sul, Pedreira, Serra Negra e Socorro.
8 Em 1986, o Programa de Oncologia (Pro-Onco), do Instituto Nacional de Câncer/Ministério da Saúde, foi criado como estrutura
técnico-administrativa da extinta Campanha Nacional de Combate ao Câncer. Em 1990, o programa tornou-se Coordenação de Pro-
gramas de Controle de Câncer e suas linhas básicas de trabalho eram a informação e a educação sobre os cânceres mais incidentes.
Nos Estados Unidos chefia da divisão de Controle de Tabagismo que coordenava o controle
do tabagismo, o Programa Nacional de Controle do Tabagismo e, com
e no Reino Unido, são
isso, também assumi a secretaria executiva da CONICQ. Tanto minha dis-
publicados estudos sertação do mestrado como a minha recente tese de doutorado enfo-
que confirmam cam essa questão sob o ângulo do cigarro eletrônico, que é um tema
a conexão entre extremamente novo nesse processo histórico do controle do tabaco.
tabagismo e câncer
Cristiane Vianna: Sou advogada, tive a oportunidade de trabalhar no
de pulmão.
Instituto Nacional do Câncer desde 1998, quando participei da nego-
ciação do tratado [Convenção-Quadro] desde o seu início. Minha tra-
jetória no INCA se estendeu até 2013, quando fui trabalhar na União
Internacional contra a Tuberculose e Doenças Respiratórias, uma insti-
tuição associada à Iniciativa Bloomberg9 que financia projetos de con-
trole do tabaco no Brasil. Participei do processo de negociação inter-
nacional, e na internalização do tratado no Brasil, com as advertências
sanitárias, com a promulgação da Lei no 12.546 que proibiu fumar nos
ambientes fechados, tema da minha tese. Agradeço a oportunidade de
estar aqui colaborando para a memória desse processo.
9 A Iniciativa Bloomberg recebe o nome do filantropo Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York. Ela financia diversos projetos
voltados ao campo da saúde, da segurança viária e da educação. O controle do tabagismo é uma bandeira relevante à Bloomberg.
Erica Cavalcante Rangel: Muito obrigada pelo convite, acho que eu conheço todos aqui.
Minha inserção no tabagismo ocorre quando o INCA começar a formar o PIL – Programa
INCA Livre de Cigarro. Originalmente, eu era da assistência. Sou assistente social por for-
mação. Naquela época, eu tinha feito administração hospitalar pelo Instituto de Medicina
Social da Uerj e, quando o INCA começou a estruturar esses programas de... tabagismo
(não era de tabagismo, era Programa INCA Livre do Cigarro ainda), fui designada pelo
Hospital de Câncer de Mama, onde eu trabalhava, para implantar esse programa no hos-
pital. Em 2000, chego à divisão de Tabagismo (atual CONICQ) e começo a trabalhar com
mobilização social, articulação política de construção de rede. Tenho acompanhado
essa parte no Brasil para construir redes a fim de conseguir ratificar um tratado inter-
nacional. Então, fiz interface com a sociedade civil, com o Congresso Nacional, e traba-
lhei muito com as organizações de base e as organizações rurais no âmbito das ações
definidas pelos artigos 17 e 18 da Convenção-Quadro. Também faço mestrado na ENSP
10 Coordenação Nacional de Controle do Tabagismo e Prevenção Primária do Câncer, responsável pelas ações de prevenção do câncer
no INCA na década de 1990, antes da criação da Coordenação de Prevenção e Vigilância (CONPREV).
Silvana Rubano Turci: Sou servidora aqui da Fiocruz há 30 anos e passei de 1996 a 2010
no INCA, colaborando com vários projetos. Comecei com a questão da área rural que
me encantou desde o início, quando eu conheci o projeto lá do Sul, da Irmã Lourdes,
e depois colaborei também com o projeto de montar o laboratório no INCA, e depois
outros tantos envolvimentos nessa área do controle do tabaco. Em 2010, para finali-
zar meu doutorado, voltei para a Fiocruz e, por coincidência, a Vera também estava
voltando, com desejo e com uma energia muito boa para a gente formar um centro
de estudos sobre tabaco e saúde. Assim nasceu o CETAB, onde hoje eu coordeno o
Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco, que eu acho que é um outro
upgrade que o Brasil deu nessa questão de conhecer, organizar e monitorar todas as
estratégias que a indústria do tabaco utiliza. Não sei se todas, mas a gente procura obter
Luiz Alves: Obrigado a todo mundo, só um pedido que fizeram aqui: ao falarmos,
não devemos deixar o microfone próximo ao celular para não causar nenhum ruído,
para não ter algum problema na gravação. Então, agora, a gente vai começar a rodada
de perguntas. Só lembrando: eu vou fazer a pergunta direcionada para uma pessoa,
também posso indicar alguém para comentar a resposta da pessoa e aí, caso alguém
queira fazer também comentários, é só levantar a mão que eu vou anotar aqui na
ordem e passar o microfone. Para responder, eu vou pedir para que vocês usem os
microfones que estão à mesa.
11 http://observatoriotabaco.ensp.fiocruz.br/index.php/P%C3%A1gina_principal
Luiz Alves: Sob uma perspectiva cronológica, vamos falar um pouco sobre os pri-
mórdios do controle do tabagismo. Ontem, assistimos, no início do evento, um vídeo
homenageando os doutores Aluisio Aschutti, José Rosemberg e Antonio Pedro Mirra1.
Infelizmente, nenhum deles está aqui hoje, mas poderíamos começar a falar um pouco
sobre esse período inicial.
Eu gostaria de perguntar à Vera e, também, pedir à Ana Margarida para comen-
tar um pouco exatamente sobre esse início da luta contra o tabagismo do Brasil, do
controle do tabagismo no país, como aconteceu esse movimento de reunião de vários
grupos diferentes, quais eram as associações envolvidas, os personagens, e como
isso ocorreu nos anos 1970 e 1980, tendo em mente também, nessa questão, como a
sociedade reagiu. Então, Vera responde e, depois, Ana Margarida comenta.
1 Uma entrevista com Antonio Pedro Mirra, feita por Luiz Alves, encontra-se no final deste capítulo deste capítulo.
38 Das primeiras mobilizações das sociedades médicas ao Programa Nacional de Combate ao Fumo
que começam a surgir em alguns países desenvolvidos, em especial nos Estados
Unidos. Na linha do tempo, fica muito claro: na década de 1950 surgem os primei-
ros estudos, como o de (Richard) Doll e (Bradford) Hill2, do Reino Unido, e o estudo
do Winter, nos Estados Unidos, estabelecendo as relações causais entre o tabagismo
e as doenças. Os estudos de Doll e Hill são considerados pioneiros, se bem que há
uma disputa entre Doll e Hill; e foi Winter quem começou a trazer esse tema efetiva-
mente sob um critério epidemiológico mais amarrado, o que aconteceu e se desen-
volveu durante o século XX. Na época, o fato gerou uma série de críticas. Os estudos
de Doll e Hill eram de médicos britânicos, uma coorte3 de médicos. Essa coorte foi
sendo acompanhada e, com o tempo, reforçou e legitimou a relação causal entre o
tabagismo e as doenças relacionadas ao tabaco. Então, o consumo era muito alto no
mundo todo, a indústria do tabaco era considerada uma doença como qualquer outra
e, no Brasil, isso não era muito diferente. O Brasil é tido como um dos pivôs da his-
tória do tabagismo, porque o tabaco é uma planta nativa das Américas. Então, existe
uma série de marcos históricos, como a cultura do tabaco no Brasil, que faz parte de
um processo de escambo com trabalho escravo da África. A cultura do tabaco entra
nas cortes europeias e isso também mostra como o marco da plantação de tabaco
no Brasil antecede e muito qualquer tipo de legitimação epidemiológica da relação
2 Richard Doll e Austin Bradford Hill foram epidemiologistas ingleses com treinamento em pesquisas sobre prevenção na Alemanha
Nazista. Nos anos 1940 e 1950, desenvolveram importantes pesquisas relacionando o uso de tabaco ao adoecimento por câncer de
pulmão, testando a chamada “teoria da poluição atmosférica”. Seus trabalhos viraram referência na epidemiologia contemporânea.
3 Estudo de coorte é um tipo de estudo em que o investigador se limita a observar e analisar a relação existente entre a presença
de fatores de riscos ou características e o desenvolvimento de enfermidades, em grupos da população. Este delineamento é também
conhecido como prospectivo, longitudinal, de incidência, ou de seguimento.
40 Das primeiras mobilizações das sociedades médicas ao Programa Nacional de Combate ao Fumo
trabalho-saúde. Quer dizer, a cultura do tabaco faz parte da história do brasão do
Brasil, e tem um marco histórico que caminha em paralelo com o consumo de tabaco
no mundo.
Acho importante contextualizar dentro desse universo. O Brasil, grande produ-
tor, e já grande consumidor de tabaco; os médicos brasileiros, especialmente na área
de pneumologia e de cardiologia, que acompanham a literatura mundial pelas revis-
tas importadas, que acompanham o marco dos estudos internacionais, e passam a
conhecer os malefícios do tabaco para a saúde. Durante as décadas de 1950/1960,
os estudos epidemiológicos se disseminam e aumenta o número de indícios, corro-
borando as evidências anteriores. Na década de 1960, já surge o primeiro Report of
the Surgeon General4 sobre a relação do tabaco com a saúde, e esse relatório tem
impacto nos Estados Unidos e gera uma política pública ainda muito tímida: as adver-
tências nos maços de cigarro americanos. E elas têm impacto no Brasil.
Com o envolvimento e influência da Sociedade Americana de Câncer5, foi criada
uma comissão para discutir o controle do tabagismo nos países latino-americanos.
Alguns médicos brasileiros participaram dessa comissão. Em paralelo, esses mesmos
médicos, em seus respectivos estados, quando têm acesso ao governo, às entidades
de governo dos seus estados, obtêm avanços, e as primeiras medidas de controle do
tabagismo no Brasil acontecem em níveis municipal e estadual, e não em nível federal;
4 Os relatórios do escritório do Report of the Surgeon General possuíam caráter de recomendação clínica no país, sendo considera-
dos documentos com elevada credibilidade na comunidade científica e referência para diversas ações no campo da saúde. Na lógica
da medicina liberal norte-americana, esse escritório possuía forte função representativa.
5 American Cancer Society, uma organização voluntária de saúde a nível nacional dedicada a combater o cancro. Fundada em 1913, com-
põe-se de onze capítulos geográficos de médicos e voluntários operando em mais de 900 escritórios ao longo e largo dos Estados Unidos.
42 Das primeiras mobilizações das sociedades médicas ao Programa Nacional de Combate ao Fumo
brasileiro de controle tabagismo. Então, de 1980 até 1985, esse grupo assessora o
Ministro da Saúde internamente para que a coisa caminhe e, só em 1985, é criado ofi-
cialmente o Grupo Assessor para o Controle do Tabagismo no Brasil. Já como parte
do trabalho desse grupo, extraoficialmente, é sancionada, pelo então presidente José
Sarney, a Lei do Dia Nacional de Combate ao Fumo, a primeira lei brasileira de com-
bate ao tabagismo6. Então, são marcos históricos: em 1980, começam os primeiros
Luiz Teixeira: Vera, o primeiro congresso médico e a Carta de Salvador são dois aspec-
tos importantes da história do controle do tabaco, você, Ana Margarida, pode falar
sobre isso?
Ana Margarida: Então, até a década de 1970, as ações eram incipientes e circuns-
critas a alguns médicos, porque essas ações, como a Vera colocou, foram iniciadas
pelos pneumologistas e, na minha visão, porque o tabagismo tem uma ligação muito
grande com câncer de pulmão. Existem também os médicos cancerologistas, cardio-
logistas mas, por minha pesquisa, os pneumologistas iniciaram essas ações. Então,
no Rio Grande do Sul, há o Mario Rigatto, que era cardiologista mas depois passou
a ser pneumologista. O José Rosemberg, de São Paulo, e o Jayme Zlotnik, no Paraná.
44 Das primeiras mobilizações das sociedades médicas ao Programa Nacional de Combate ao Fumo
Esses foram, realmente, os pioneiros, cada um em seu estado. Vocês já me pergunta-
ram como eles conseguiram se articular. Os médicos sempre frequentaram e organi-
zaram muitos congressos, eram os profissionais que mais se reuniam, então, durante
os congressos eles se articulavam e recebiam essas informações através de revistas.
Rosemberg exibia tudo sobre essas pesquisas sobre os malefícios do cigarro, que
começaram na década de 1950/60 e, naturalmente, os outros a ele se articularam.
Rosemberg sempre foi muito amigo do Mario Rigatto e do Dr. Jayme. Em cada estado,
tinha um médico interessado em fazer a luta contra o tabagismo. Então, o marco ini-
cial do Rosemberg em São Paulo foi em 1976, quando ele publicou o livro Tabagismo,
sério problema de saúde pública, mas o primeiro, porque depois, o que foi nossa
bíblia foi ampliado. Esse primeiro livro, ele publicou em São Paulo. Ele era profes-
sor da faculdade de Medicina da PUC e, no ano seguinte, 1977, organizou a primeira
semana antitabagismo na universidade.
Como consequência dessa semana, foi incluído o tema tabagismo no currículo
médico da faculdade, tornando-se a primeira faculdade de medicina do Brasil a incluir
o tabagismo no currículo. No ano anterior, 1976, Mario Rigatto criou um programa de
controle do tabagismo vinculado à Associação Médica do Rio Grande do Sul, primeira
iniciativa em âmbito estadual, em uma época em que não havia nenhuma ação em
nível nacional, pelo governo ou pela classe médica. Eram ações locais, cada estado
através de associações médicas, ou de pneumologia ou cancerologia, ou outras asso-
ciações que iniciaram essa luta. O Jayme Zlotnik também lançou no Paraná. Ele tam-
bém foi um dos pioneiros porque criou também o programa considerado como o pri-
meiro.... Acredito que tenham sido criados mais ou menos ao mesmo tempo porque,
depois, eles se disseminaram por todo o Brasil, a cargo das sociedades médicas. No
46 Das primeiras mobilizações das sociedades médicas ao Programa Nacional de Combate ao Fumo
Regina Céli Nogueira, Roberto Azambuja, Thomas Szego, Vera Luiza da Costa e Silva e
Vitor Manoel Martinez. Essa pesquisa eu tirei do livro do Rosemberg, então, acho que...
Como a Vera falou, durante a década de 1980, o Ministério da Saúde terminou
assumindo a iniciativa e, em 1988, foi criado o Programa Nacional de Combate ao
Fumo. A partir de 1991, essas ações passam a ser do INCA.
Eu gostaria de acrescentar algo ao que a Vera falou, o tabaco era plantado somente
nas Américas, não existia na Europa, e, quando Colombo chega a Cuba, ele encon-
tra os nativos fumando... Os índios, que eram os nativos daqui, fumavam em rituais
religiosos, e só os pajés fumavam, então, era muito diferente do que se fuma hoje,
a cultura era bem diferente, eles acreditavam que a fumaça do cigarro tinha pode-
res curativos. Em 1530, Jean Nicot, arquivista do rei da França, leva semente de tabaco
para Europa, e Catarina de Médici, que era a rainha da França, usava o tabaco para
as enxaquecas porque eles assimilaram a ideia de que o tabaco tinha poderes curati-
vos. Então, a ideia disseminou-se, e houve as modas. Primeiro, o cachimbo, porque os
índios fumavam cachimbo; depois, o charuto e, no século XX, o cigarro, mas isso é um
pouco da história. Teve a moda do rapé também, as tabacarias que faziam tabaquei-
ras até de ouro, de prata... teve essa moda, mas isso é só um parêntese.
Além dos médicos que abraçaram essa campanha, houve a Igreja Adventista do
Sétimo Dia, a partir de 1979; a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, a Igreja
Católica, o Centro Espírita, o Rotary, o Lions Clube7, a Associação Cristã de Moços.
Então, acho que houve uma aceitação muito grande por parte da sociedade civil, e
foi criado o comitê coordenador do controle do tabagismo no Brasil. Mario Rigatto
7 Lions Clubs International é uma organização internacional de clubes de serviço cujo objetivo é promover o entendimento entre as
pessoas em uma escala internacional, atender a causas humanitárias, e promover trabalhos voltados a comunidades locais.
48 Das primeiras mobilizações das sociedades médicas ao Programa Nacional de Combate ao Fumo
congresso, uma declaração dos participantes que vem a ser a Carta de Salvador, esta-
belecendo que aquele grupo de médicos se comprometia a implementar as medidas
e já começa a chamar o governo brasileiro a implementar medidas de controle. Ana
Margarida deve ter a cópia dessa Carta de Salvador, 1979, nela há os signatários. Todos
esses movimentos, até 1985, são vinculados à classe médica; mesmo esses comitês
coordenadores com capítulos estaduais, eles se espelham no comitê latino-ameri-
cano. No Brasil, os médicos pegam essa fórmula do comitê latino-americano, criam o
comitê brasileiro e esses capítulos estaduais que também são referenciados e refleti-
dos pelos médicos e pela classe médica.
Os movimentos religiosos são também, de certa forma, associados aos movimen-
tos médicos porque eles passam a existir para o tratamento do fumante através de
uma linha religiosa. Entretanto, eles não são movimentos que poderíamos considerar
como um movimento de base da sociedade civil, onde você estrutura um advocacy8,
estrutura um trabalho politizado, digamos assim, de articulação dos diversos parcei-
ros. Então, o início do controle do tabagismo no Brasil não tem uma representação
ampla da sociedade civil, ele é um movimento médico, de lideranças médicas, onde
os outros grupos, que entram nessa lógica médica, na lógica de tratamento, têm uma
lógica assistencialista, digamos assim, de assistência ao fumante que é “Pare de fumar
em 7 dias”. Quando o grupo assessor se estabelece, você já tem um congresso, uma
Carta de Salvador, movimentos estaduais enfim, algumas leis que já começam apa-
recer. A maior parte dos estados brasileiros só tem aquelas leis que proíbem fumar
8 Advocacy é uma prática política levada a cabo por indivíduo, organização ou grupo de pressão, no interior das instituições do siste-
ma político, com a finalidade influenciar a formulação de políticas e a alocação de recursos públicos.
50 Das primeiras mobilizações das sociedades médicas ao Programa Nacional de Combate ao Fumo
já tem muitos seguidores”. E o médico retrucou: “Pois então, eu vou
lhe dar alguns trabalhos sobre os malefícios do cigarro”. E o Rosemberg 1976
relata que o professor deu um risinho e disse: “Não, não dá para o A Associação Médica
senhor levar, não. Vou mandar pelos Correios”. Na hora, o Rosemberg
do Rio Grande do Sul
não entendeu, mas, quando chegou em São Paulo, tinha uma caixa
enorme esperando por ele. Era tanto material! Ele começou a ler, a ler,
institui o primeiro
a ler desesperadamente. Ele tinha essa capacidade de ler e de escre- Programa Estadual
ver como ninguém. Disso resultou o livro, cuja bibliografia é uma coisa de Combate ao Fumo
imensa, baseado em todos essas pesquisas das décadas de 1950 e 60.
52
Luta contra o tabaco no Brasil – 40 anos de história 53
54
Luta contra o tabaco no Brasil – 40 anos de história 55
Campanha antitabagismo com o
tema: “Arte sem cigarro é um show”.
1999
56
Implementação do Programa
Nacional de Controle do Tabagismo:
os desafios da saúde pública
Luiz Teixeira: Bom, até o momento, nós falamos sobre a ideia de controle do tabaco
nos anos 1960, sobre os anos 1970 e 80, até os anos 1990, quando, principalmente no
Congresso, começam a surgir várias tentativas de projetos para restringir o consumo
do tabaco. Grande parte deles não tem sucesso. Ao mesmo tempo, é um momento
que a sociedade brasileira está se modificando bastante, ocorre o início da abertura
política que vai acarretar mudanças em relação à saúde, principalmente nas primeiras
iniciativas para a reforma sanitária acontecerá no final da década de 1980. Esse pro-
cesso todo tem uma grande influência em relação às ideias de controle do tabaco. Eu
gostaria que Teresa e Tania comentassem um pouco sobre esse processo de surgi-
mento, de desenvolvimento das primeiras medidas, das primeiras normatizações em
relação ao consumo de tabaco, a partir da década de 1990.
O tema tabagismo é dade, no final dos anos 1980, comecinho dos 90, de fazer essa transfor-
mação de um movimento essencialmente local, centrado nas organiza-
tratado em seminário
ções médicas, em um programa de saúde pública, uma política pública?
organizado em
Salvador pelo Teresa: Na verdade, a minha entrada na participação das ações de con-
Instituto Brasileiro de trole do tabagismo com a Vera foi da seguinte maneira: eu era médica
do trabalho da Campanha Nacional contra Tuberculose, no Hospital
Investigação Torácica.
Raphael de Paula Souza (Jacarepaguá), e a campanha realizava o curso
Desse encontro, de controle da tuberculose para todos os coordenadores estaduais (já
resulta a Carta de existia essa coordenação em cada estado). Para o curso nacional de
Salvador, documento vigilância sanitária, os coordenadores estaduais vinham para a cidade
histórico que expressa do Rio de Janeiro e ficavam no Centro de Referência Professor Hélio
Fraga (também em Jacarepaguá). Eu participei do curso e Vera minis-
a preocupação de
trou uma palestra. Então, a campanha contra a tuberculose e a cam-
médicos brasileiros panha de combate ao câncer já existiam, nesse momento, em razão de
com os malefícios uma ideia surgida durante a Conferência Nacional de Saúde de 1963,
produzidos antes do golpe militar, que não foi publicada; ela só foi publicada em
1992, com a questão de estruturação da palavra e controle do câncer e
pelo tabaco.
doença cardiovascular, todos os fatores que o uso do tabaco provoca.
Então, naquele momento, com Vera, ouvindo a palestra, nós come-
çamos (como médica do trabalho, eu tinha uma situação de trabalho
dentro do próprio hospital), a Vera me puxou, me abduziu [risos]. Mas
9 O Programa de Oncologia (Pro-Onco) foi criado pelo Ministério da Saúde em 1987, como substituto da Campanha Nacional de
Combate ao Câncer. O novo programa tinha a missão de implantar um novo modelo de atenção oncológica no Brasil, inspirado nos
programas de controle do Canadá e da Inglaterra; entretanto, tinha de lidar com a realidade dos problemas estruturais vigentes no país,
como a falta de hospitais especializados em diversas regiões do país. O Pro-Onco foi dividido em quatro subprogramas: informação
em câncer; expansão da prevenção e controle do câncer; educação em câncer; e promoção e proteção à saúde. Programa Nacional de
Combate ao Fumo foi localizado na seção de promoção da saúde, tendo como objetivo geral “promover a saúde e contribuir para a
proteção das doenças tabaco-relacionadas”.
10 Brasil. Lei no 9.294 de 15 julho de 1996. Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas,
medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal.
11 As Conferências Nacionais de Saúde foram criadas com a função de atuar como mecanismo de controle das instâncias estaduais e,
no transcorrer do tempo, foram se transformando em espaços democráticos de mobilização social. Ao longo dos anos, elas desempe-
nharam papel relevante nas conquistas no campo da saúde pública brasileira.
Teresa: Isso, e aí quando teve o convênio, com o poder do financiamento, foi quando
os coordenadores estaduais e municipais podiam fazer as suas mobilizações den-
tro de regras do programa. Mas, em resumo, a estrutura se inspirava na campanha de
combate à tuberculose.
Marco Antonio: Bem, eu queria só reforçar essa questão que a Vera acabou de colocar,
porque desde 1985 eu já trabalhava com o tabagismo dentro do programa de tuber-
culose. Isso acabou me levando um pouco para essa área do tabagismo. Já vínhamos
nessa questão programática, discutindo alguns temas muito sérios, antes da criação do
SUS. Nós discutíamos a questão da SAS e depois que levou ao SUS etc. e tal. E a gente
Marco Antonio: No início, um grande problema era a alta rotatividade desses coorde-
nadores dentro do programa. Valorizávamos muito alguns atores sociais que estavam
ali e que se preservavam e gostavam daquilo. Porque a gente ia para um novo encon-
tro, era um coordenador, era uma nova pessoa que tinha de começar da estaca zero!
Já naquela época, uma coisa que ainda persiste, que Deborah [Malta] vivenciou muito,
é a não priorização das doenças crônicas não transmissíveis, para quem trabalhava
na área da vigilância. Primeiro, eram as doenças crônicas que eram um “estranho no
ninho”, porque ali era uma área da vigilância, que priorizava a imunização e os progra-
mas ligados à atenção das doenças transmissíveis, embora essa questão da transição
epidemiológica já estava evidente, mais uma vez no discurso, ainda que na prática os
recursos fossem alocados para as doenças transmissíveis. E essa questão do recurso
já remete a um outro problema muito sério. Acho que o Ministério da Saúde teve
Ana Margarida: Ouvi agora o Marco Antonio e estava aqui pensando: no Ceará, eu
12 A Carta de Ottawa é um documento apresentado na Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizado em
Ottawa, Canadá, em novembro de 1986. Trata-se de uma Carta de Intenções que busca contribuir com as políticas de saúde em todos
os países, de forma equânime e universal.
13 “Tabagismo entre os médicos do Brasil”. Jornal de Pneumologia, 18 (1): 1 – 9, 1992, de Hisbello Campos.
14 O termo se refere a ações verticais no campo da saúde e remetem à tradição da saúde pública brasileira em organizar estratégias
denominadas “campanhas” para lidar com doenças específicas. Na lógica de um modelo vertical, a abordagem “campanhista” consiste
em traçar ações delimitadas temporalmente e especialmente para reduzir a morbimortalidade por doenças específicas.
15 Tania refere-se a uma política de convênios estabelecida entre o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais de Saúde, em que
o ministério destinava recursos para a execução de programas específicos, como o Programa Nacional de Controle do Tabagismo. O
uso dos recursos pelas secretarias é condicionado ao acompanhamento pelo Ministério e ao cumprimento de critérios específicos de
acordo com cada convênio. No caso das políticas de câncer, o acompanhamento dos convênios ficava a cargo do INCA, como instituição
coordenadora, em nível nacional. Essa dinâmica foi central no estabelecimento de um setor específico no instituto para gerenciamento
das políticas nacionais, atualmente denominado de Coordenação de Prevenção e Vigilância (CONPREV).”
16 Anna Monteiro é jornalista pela UFRJ, fellow no Global Tobacco Control Leadership Program/Johns Hopkins University of Public Health.
Criação do Programa como a indústria mentia para seus consumidores. A partir daí, a indús-
tria começa a perder credibilidade na mídia e a mídia começa a mudar o
Nacional de Combate
seu foco. O INCA se torna referência para essa questão de controle taba-
ao Fumo, ação conjunta gismo e essa referência passa a ser compartilhada com os estados. Isso
das Divisões Nacionais também foi para mim foi um grande divisor de águas, só para registrar
de Pneumologia a importância desse trabalho estruturado com a mídia nesse processo,
nessa nova fase de convênio, capacitações etc.
Sanitária e de Doenças
Crônico-Degenerativas
Paula Johns: Vou ser muito breve, porque acho que na cronologia ainda
do Ministério da Saúde. nem chegamos lá. Mas, eu queria fazer uma reflexão sobre essa ques-
tão do papel dos médicos, principalmente a do doutor Rosemberg,
como uma figura histórica, emblemática, também o conhecia. Convivi
com ele por alguns anos, mas pra mim isso é um reflexo também de
algumas outras questões que a gente também discute aqui que é a
questão de gênero. Nada como um homem, médico e branco para abrir
as portas de tantos temas que são difíceis, e a diferença que isso faz. Eu
acho que esse caso específico do controle do tabagismo, ele reforça um
pouco análises de estruturas de gênero e relações de poder na socie-
dade, de uma forma muito emblemática. Se você olhar assim, também,
historicamente, quem estava carregando o piano e quem de fato con-
segue abrir as portas, sem demérito algum, muito pelo contrário, uma
admiração profunda, mas talvez se ele fosse uma mulher, não médica, e
Marco Antonio: Eu prometo ser bem rápido mas acho que isso é essencial, porque senão
fica uma visão, talvez, equivocada. A Tania colocou de forma muito correta essa ques-
tão. Era uma grande dificuldade, sentida por todos os coordenadores, em vários encon-
tros. Lembro-me de que o convênio foi discutido e construído em diversos momen-
tos, mas o importante é que a forma de construção foi muito bem conduzida. Não é
jogar confete, não. Apesar de o convênio estabelecer a estrutura e contar a questão
dos materiais, equipamentos etc., ele discutia o processo de condução, até chegar ao
Silvana: Os comentários vão ficando longos e quando a gente vai comentar já passou
tanto tempo que parece que não tem mais sentido! Mas eu queria levantar três pon-
tos que foram comentados aqui: primeiro é o relatório da Fundação Getúlio Vargas.
Foram feitos três relatórios. O primeiro foi baseado na metodologia sobre a ques-
tão dos custos. Pela primeira vez, tínhamos informações relevantes, uma metodo-
logia que havia sido usada pela FGV que fez um estudo sobre o custo do cigarro. O
problema foi que o terceiro relatório dizia que o que se gastava com o tratamento de
fumantes era menos do que o se gastava com a arrecadação. Acabamos não usando
Luiz Teixeira: Obrigado, Silvana. Vera pediu a palavra; depois, a professora Tania.
18 Criada em 1991, tinha como objetivo colaborar na execução das ações do INCA. Atualmente, é denominada de Fundação do Câncer.
Luiz Teixeira: Sugiro que o Agenor comente um pouco a fala da Vera. Mas, antes, eu
queria fazer um pequeno comentário. Olhando esse processo de uma forma mais
distante, acho que sem o mesmo estilo de pensamento que gera o Sistema Único de
Saúde, sem a ideia de prevenção, de proteção à saúde mais ampla, não existe pos-
sibilidade de sucesso na prevenção ao tabagismo. Embora no dia a dia os caminhos
sejam diferentes, exista dificuldades de unir pessoas, objetivos institucionais momen-
tâneos, profissionais, sem esse núcleo comum que pensa um novo sistema de saúde
através da prevenção, da promoção, da possibilidade de uma coisa que exceda, que
ultrapasse a ideia somente de medicalização, não teríamos conseguido chegar até
hoje e muito menos ter tido tanto sucesso em relação à prevenção do tabagismo.
Agenor: O que a reforma sanitária pretendeu foram duas ou três coisas simples, mas
bastante objetivas. Primeiro, ser um projeto de inclusão, e quando ela falava de ser
um projeto de inclusão, não tinha que detalhar nenhum tipo de ação individuali-
zada. Não tem que ser o programa de câncer, não tem que ser o programa de fumo,
não tem que ser o programa de vacinação, não tem que ser o programa de vigilân-
cia sanitária. A inclusão significava que ia mudar o contexto da saúde e aquilo que
o Luiz falou de prevenção, promoção e recuperação era o mote, foi a maior polí-
tica de inclusão social que nós tivemos no último século! Se nós tivemos alguns
erros estratégicos internos, de algumas pessoas, mesmo aquelas que sejam refe-
rências para nós, de não entender determinadas situações, nós temos que corrigir
19 Luiz Antonio Santini Rodrigues da Silva é mestre em cirurgia torácica, foi subsecretário de estado de Saúde do Rio de Janeiro e
participou de várias publicações sobre cirurgia geral, torácica e planejamento em gestão da Saúde. Durante dez anos (2005 a 2015) foi
diretor do Inca, inclusive durante o período de negociação e ratificação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco.
Dr. Mirra, o senhor poderia falar sobre sua da universidade e, logo depois de for-
formação e sua atuação profissional? mado, fui voluntário no hospital também.
Eu sou cirurgião torácico, formado Em seguida, fiz residência no Hospital do
na Medicina-Pinheiros, a Faculdade de Câncer A.C. Camargo durante três anos,
Medicina da USP. Durante a graduação, terminando em 1955. No ano seguinte,
em 1952, frequentei o Hospital das Clínicas recebi uma bolsa para estagiar na França,
Morre de câncer no demiologia de câncer, a tabagismo por causa do meu pai. Meu pai
preocupação em saber era um fumante [emoção] e veio a morrer
pulmão David McLean,
os fatores de risco que por causa disso [emoção]. Nunca conec-
o “Homem Malboro”. influenciam em cada popu- tei, mas acho que, inconscientemente, fui
lação. Tabagismo também, direcionado por causa disso, porque ele
nós trabalhávamos com era fumante inveterado, então ele fumava
um grupo relativamente daqueles fumos sem filtro, aqueles cigar-
pequeno, então a gente foi ros mais potentes.
um dos primeiros grupos a
trabalhar nacionalmente. Mas que bom que deu certo. Digo “bom”
Como eu fazia cirurgia porque acho que, ao olhar para trás,
de tórax, fazia cirurgia de vemos muitas coisas que deram certo.
pulmão, então estava muito É, eu acho que hoje praticamente
mais ligado, tinha uma liga- o Programa Nacional de Controle do
ção. Eu fumei durante onze Tabagismo está estável e permanente.
anos como estudante. Ele vai sozinho agora. Agora mesmo
Depois parei de fumar, eu recebi uma notícia de que a Souza Cruz
não vim a ser dependente está deixando de produzir cigarro para
químico; eu estava com produzir os eletrônicos; as ações caíram.
uma tosse, então, assim, Então você vê que começa a haver uma
eu devo parar porque não mudança inclusive na estrutura das pró-
tinha cabimento eu, sendo prias indústrias.
100 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
acabamos comemorando. A Lei nº 12.5461 foi uma grande vitória nos estados, com a
proibição do fumo em locais parcialmente fechados. Nos estados, isso teve um reflexo
muito positivo. No presente, finalmente, como nós trabalhamos? A coordenação é
relativamente pequena, no nível estadual, e só com uma dama de aço ativa, nessa
jornada. Não tão presente no Programa Nacional, mas dando um apoio muito impor-
tante: a Tania Cavalcante. E, claro, a Vera da Costa e Silva.
Promovemos os encontros estaduais, mantendo uma relação muito positiva
com os coordenadores. Procuramos nos encontrar com eles pelo menos duas vezes
por ano, no Rio de Janeiro, para avaliação e planejamento. Também fazemos uma
visita técnica. Nos últimos dois anos (2017-2018), realizamos cerca de 18 visitas. Com
elas, tentamos fortalecer os estados, e nos reunirmos com os secretários estaduais.
Quando não é possível, contatamos os assessores para buscar esse fortalecimento.
Está em construção o protocolo clínico de diretrizes terapêuticas, de dependên-
cia à nicotina. A gente sabe que, apesar de o programa nacional ter os três grandes
pilares – prevenção da iniciação, a promoção da cessação e o ambiente livre – a pro-
moção da cessação sempre teve um destaque muito grande. Então, existe o trata-
mento do fumante estabelecido no SUS, com a rede, com o medicamento, com a tera-
pia cognitiva comportamental muito bem estabelecida. Claro, temos problemas com
o medicamento. Muitas vezes, o DAF – Departamento de Assistência Farmacêutica e
Insumos Estratégicos2 tem essas restrições, mas os coordenadores estaduais estão
1 Lei Antifumo, de 2011, além da proibição de fumar nos locais totalmente fechados, em todo o país, também impede o fumo nos
locais parcialmente fechados em qualquer um de seus lados por uma parede, divisória, teto ou toldo. A lei vale também para áreas
comuns de condomínios e clubes.
2 O DAF é o vinculado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. O departamento é respon-
sável pela aquisição de medicamentos pelo Ministério da Saúde, pela elaboração e atualização da Relação Nacional de Medicamentos
Essenciais do Formulário Terapêutico Nacional, assim como pela participação no processo de elaboração e atualização dos Protocolos
Clínicos e Diretrizes Terapêuticas.
3 O programa Saber Saúde de Prevenção do Tabagismo e de Outros Fatores de Risco de Doenças Crônicas, implantado no Brasil
desde 1998 e gerenciado pelo Inca, por meio da Coordenação de Prevenção e Vigilância, em sua Divisão de Controle do Tabagismo
e Outros Fatores de Risco, tem como objetivo geral formar cidadãos críticos, capazes de decidir sobre a adoção de comportamentos
saudáveis, dentro de uma concepção mais ampla de saúde e que contribuam para a saúde coletiva e a do meio ambiente, na busca de
melhor qualidade de vida.
102 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
exposição dos 20 anos do Saber Saúde. Então, estamos sempre ten-
tando criar materiais que possam realmente subsidiar os coordenado- 1996
res estaduais. Comerciais de produtos
Temos nos esforçado para colaborar com eles nos estados, na
derivados do tabaco só
capacitação desses profissionais porque há uma gama de profissio-
nais capacitados para implementar essas ações articuladas na ponta.
podem ser veiculados
Aquele nível 1, 2a, 2b, 2c não existe mais, mas ainda trabalhamos nas entre 21h e 6h.
escolas, nas unidades de saúde. Então, existem esses profissionais
capacitados e, geralmente, apoiamos os coordenadores estaduais
nesses cursos de capacitação.
104 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
Luiz Teixeira: Andrea, Deborah e Valeska.
106 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
ministro, e o que vai estar na disputa central é o secretário da SAS, da SVS... quem vai
ser o diretor-presidente do INCA não importa muito. E vocês vão continuar fazendo o
trabalho de vocês. Isso de alguma forma protege a pauta, mas também desempodera.
Deborah: Porque vocês não têm orçamento, vocês não estão no desenho central do
ministério. Então assim, em alguns momentos, é tático, é interessante, especialmente
nos momentos de tormenta. Mas nos momentos que é para dar a virada, incorpo-
rar... O desenho está errado. Na verdade, o que o INCA faz em termos de controle do
tabaco tinha que estar na SVS ou na SAS. O INCA é um hospital fundamental, mas no
controle do câncer. É um instituto, mas não é o melhor desenho institucional. Enfim,
sei que eu vou apanhar por isso...
Luiz Teixeira: A Vera já estava rindo de mim, quando ela começou... (risos). Olha, olha
só gente, um minuto. A Valeska vai ser a primeira a falar porque ela já tinha pedido.
Todos, todos falarão, sem problema, só que pela ordem (risos).
Valeska: Eu só não vou falar dessa questão polêmica para deixar outras pessoas fala-
rem. Sou professora de saúde pública de uma faculdade privada que tem um mes-
trado de saúde da família e oferece um curso de prevenção... a primeira coisa que eu
pensei foi: “A gente está planejando um futuro, que a gente não sabe nem se tem”.
108 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
são extremamente propensos às intempéries políticas. Então, se a gente partir do prin-
cípio: você quer fazer para dar resultado ou tem razão pelo modelo, que é o ideal, é
uma coisa. Então, o modelo ideal, infelizmente, no nosso país, não funciona a partir do
momento que a gente tem ministérios que são cadeiras negociadas no legislativo. Onde
quem se senta nas cadeiras são pessoas que veem suas ideologias partidárias e fazem
suas prestações de contas a quem financiou a campanha.
Nós vemos isso muito claramente em alguns ministérios. Não estou falando do
Ministério da Saúde. Então, o que acontece: alguns programas, do ponto de vista
de memória administrativa [é importante ter memória administrativa], se perdem, se
diluem nesse processo instável dos ministérios.
Então, se você partir do princípio, o modelo ideal é esse... Sim! Deveria estar no
Ministério da Saúde. Mas, se você quer partir do modelo que funcione, no cenário polí-
tico que é esse país ainda dentro dos ministérios, eu defendo o INCA. Ainda. Pode ser que,
algum dia, tenhamos um Ministério da Saúde que seja técnico, eminentemente técnico. E
outros ministérios também, porque nós vemos isso na CONICQ – Comissão Nacional para
a Implementação da Convenção-Quadro quando a gente dialoga, por exemplo, com o
Ministério da Agricultura, onde o ministro sempre é ligado ao agronegócio, e está ali para
usar o Ministério da Agricultura como trincheira para bater na Anvisa.
Então, estar no INCA hoje, para mim, ainda é o modelo ideal. Pode ser que em
algum futuro, ele mude. Então, só quero pontuar isso porque não é uma resistência no
INCA. A partir do momento que... eu sou a primeira pessoa a defender. Eu já defendi
contra... É ter o capital humano que o INCA investiu, e não foi feito isso. Então, conti-
nuou no INCA porque, na época, a direção defendeu isso e conseguiu manter lá. Mas
assim, do ponto de vista de modelo ideal, sim; mas do ponto de vista prático, não.
derivados do tabaco só
Vinícius: Eu queria concordar com a proposta provocativa da Deborah e
podem ser veiculados a defesa da Tania. Porque uma coisa é a gente falar de fora, outra coisa é
entre 21h e 6h. a gente que está dentro do ambiente político que a gente está vivendo.
Há algum tempo, recebemos uma demanda da secretaria de Saúde do
Rio de Janeiro. Eles queriam o quê? A direção de todos os hospitais
do Rio, principalmente daqueles que se empenhavam. Nós responde-
mos assim: “Três hospitais que são inegociáveis: INCA, Into e Instituto
Nacional de Cardiologia. Esses três são inegociáveis”. Porque já estáva-
mos num acordo para fazer aquela coordenação de hospitais aqui.
Tem uma questão que é aquilo que é emblemático. As coisas que
são emblemáticas, a gente respeita. Talvez vocês não saibam, mas tem
uma portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária de 1998 que ninguém
muda e ela é referência para vários projetos de lei. É a portaria 3444, da
Secretaria de Vigilância Sanitária, antes da Anvisa. A gente pensa assim:
“O que era a Secretaria de Vigilância Sanitária naquela época?” Uma das
razões da criação da Anvisa era exatamente a desorganização da secre-
taria. E nós nunca mexemos. Por que? Porque aquilo era emblemático.
4 Brasil. Portaria no 344, de 12 de maio de 1998. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle
especial.
110 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
Tem determinados ministros que estão sendo colocados, que o programa nosso, aqui
do INCA, pode simplesmente falar: “Olha, não. Vocês não vão mexer com isso mais
não”. A gente sabe disso.
Então, o que estou querendo dizer, Vera, é o seguinte: se nós tivéssemos uma estru-
tura administrativa de confiança, uma estrutura política de confiança que fortalecesse os
quadros técnicos dos órgãos e as políticas, não tenho dúvida nenhuma que a proposta
da Deborah é a mais correta. Ele era mais empoderado. Mas ficou emblemática essa his-
tória do INCA defender essa posição, de defender essa política e tem uma equipe estável.
Tá certo? É, assim, mesmo que eles mexam, eles falam assim: “Ah, daqui para baixo eu
não vou mexer por enquanto, deixa isso lá do jeito que tá”. Mas a proposta está correta
Vera: É rapidinho também. Eu acho que as duas linhas têm seus lados... tem seu
lado bom e seu lado ruim. Eu acho que o INCA tem história, o INCA tem equipe, o
INCA tem compromisso.
A impressão que dá de fora, eu posso estar totalmente enganada, é que houve uma
divisão também. Quer dizer, você no INCA tem a secretaria da CONICQ, e você no INCA tem
o programa que fala com país. E essa divisão também fica em dois lugares separados.
Então, a ideia que fica para quem olha de fora, e, de novo, posso estar completamente
enganada, é que, na verdade, aquela unidade de trabalho, que tinha uma lógica interna,
uma lógica externa, de certa forma, ela se reorganizou de uma outra maneira. E eu não
sei exatamente por conta de que forças, quer dizer, do ponto de vista teórico, certamente
estar em Brasília seria o marco do INCA, até a sala que o INCA tinha em Brasília – ela vai e
volta. Quer dizer, as pessoas ganham e perdem espaço lá em Brasília, para poder ter um
acento lá para negociar.
112 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
da forma como você coloca aqui, quando, na verdade, a gente pode não ter um poder
formal porque a gente não está formalmente ligado ao gabinete do Ministro, mas a gente
tem o canal de comunicação com o gabinete do ministro. Então, o poder simbólico no
organograma não significa não ter o poder de fato.
Vera: Não tive a menor intenção de descredenciar o trabalho da CONICQ nem do INCA.
Simplesmente acho que, do ponto de vista do modelo teórico, o modelo de maior
proximidade do poder seria, na verdade, o modelo mais lógico, digamos assim, o que
não quer dizer absolutamente que você não está fazendo um ótimo trabalho, que
a CONICQ não está fazendo um super trabalho. Agora, acho que as mudanças que
aconteceram no programa, a divisão interna e esses modelos seguidos, não neces-
sariamente passam uma imagem de que foi um planejamento para melhoria. A ima-
gem que passa é de uma divisão que pode até não estar acontecendo. Sem necessa-
riamente resultar no enfraquecimento da CONICQ. Se eu falei nisso, não me expressei
corretamente, não acho que a CONICQ esteja enfraquecida, mas eu acho que existe
uma imagem de divisão dentro do INCA e, para quem está de fora, isso não necessa-
riamente reflete um fortalecimento, mas uma divisão. É só isso.
Luiz Teixeira: Eu vou pedir ao Luiz Santini começar fazendo um balanço mais geral,
sobre como ele vê o processo, a atuação do INCA no controle de tabaco no Brasil, e
pedir ao Agenor que faça um comentário sobre isso.
Luiz Santini: Primeiro, queria falar um pouco da minha relação com tabagismo: fui
tabagista dos 12 aos não sei quantos anos. Todo mundo da minha família fumava e,
Luiz Santini: Com força! Então, era uma relação íntima e sofrida também porque, prin-
cipalmente, a partir do momento em que, lá pelos anos 1970, quando a correlação
câncer e cigarro foi ficando cada vez mais evidente, é claro que o sofrimento pessoal
por fumar e, ao mesmo tempo, tratar de pacientes com câncer de pulmão, por exem-
plo, vocês podem imaginar que era uma coisa bastante difícil. Mas, naquela época,
não querendo polemizar nada com o que eu ouvi, o discurso da prevenção dentro
da área de saúde, de uma maneira geral, era um discurso muito frouxo, havia muita
pouca ênfase no discurso da prevenção e até muita pouca credibilidade nessa pos-
sibilidade. A estruturação da medicina científica, que foi se fortalecendo dentro da
evolução da educação médica e da organização dos serviços de saúde e da assistên-
cia médica no Brasil, e no mundo de uma maneira geral, limitava muito. A questão da
prevenção era muito mais um discurso, digamos, proforma, do que uma ação orgâ-
nica do setor saúde, então... a não ser aquilo que dizia respeito às doenças infeccio-
sas, aí sim, aí existia uma clareza da importância da prevenção; mas, em relação às
114 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
doenças crônico-degenerativas, o câncer em particular, essa questão
da prevenção era absolutamente irrelevante do ponto de vista da orga- 1999
nização da medicina chamada científica nesse período, nesse grande Criação da Comissão
período que vai dos anos 1960 até quase final dos anos 1990. Eu diria
Nacional para Controle
até que talvez essa periodização ainda não esteja muito bem clara, eu
acho que isso é um objeto, talvez, até dessa discussão: quando é que de Tabaco (CNCT).
esse tema da prevenção veio a ganhar espaço, a ganhar força dentro da
saúde pública no Brasil e no mundo afora? Eu acho, por exemplo, que o
movimento da Reforma Sanitária, não incorporou isso, mas não porque
fosse uma omissão voluntária do movimento da Reforma Sanitária, foi
por uma questão do paradigma dominante; simplesmente isso não fazia
parte orgânica do modelo de atenção à saúde, a prevenção primária de
doenças não transmissíveis não fazia parte do paradigma de atenção à
saúde. Então, isso foi sendo incorporado e o programa de tabagismo foi
certamente um elemento fundamental para que isso fosse assimilado
como conhecimento. Na verdade, não havia suficiente evidência cientí-
fica para que isso fosse incorporado. Eu acho que é tão simples quanto
isso, não é que houvesse uma resistência ideológica, era uma falta de
evidência científica e isso foi sendo feito aos poucos, como, na verdade,
na ciência frequentemente acontece. Eu me lembro que, no campo
científico, por exemplo, o professor Rosemberg talvez fosse quase uma
voz isolada, junto com o Mario Rigatto, vozes isoladas nessa discussão.
Eu me lembro de participar de um congresso de cirurgia torácica, em
que o Mario Rigatto falava de prevenção e as pessoas estavam fumando
A Agência Nacional de necessário na história. No meu ponto de vista, não existia isso. Existia
simplesmente uma falta de evidência naquele momento histórico, uma
Vigilância Sanitária
falta de incorporação desse conhecimento, dessa evidência na estraté-
(Anvisa) passa gia do serviço de saúde.
a regulamentar, Bom, um pulo aqui para frente, quando eu vou trabalhar no INCA, e
controlar e fiscalizar fiquei na direção do Instituto de 2005 a 2015. Mas, comecei a trabalhar
no INCA em 2003, e eu estou fazendo esse registro para dizer o seguinte:
produtos fumíferos
nesse período em que eu fiquei no INCA, desde a área de planejamento
derivados do tabaco. estratégico até a direção geral, foram 13 anos, tive a oportunidade de tra-
balhar com cinco ministros da saúde, entre eles o nosso querido amigo
Agenor, que está aqui. Depois, a gente pode comentar o que isso pode
ter impacto com relação à governança de uma política de saúde e que
isso, certamente, tem impacto de pensar a própria estrutura, modelo
de gestão do Sistema Único de Saúde, mas isso é uma outra questão.
Nesse período, os ganhos que antecederam a nossa presença no INCA,
na direção, já estavam bastante evidentes, especialmente nesse campo
do Programa Nacional de Controle do Tabaco, já havia uma incorpora-
ção, no INCA pelo menos, dentro da área de prevenção de conhecimento
acumulado, aí sim, já tinham evidências acumuladas e, mais do que isso,
já tinha uma articulação não só para dentro do sistema.
Eu ouvi aqui sobre a capacitação dos coordenadores estaduais, efe-
tividade da implementação do programa através de um instrumento que
116 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
era muito questionado, que era o instrumento do convênio, algumas pessoas o ques-
tionavam como um instrumento vertical, mas, de fato, foi o que possibilitou que os esta-
dos e, eventualmente, alguns municípios, pudessem incorporar ações efetivas, o que
não fazia parte da estrutura orgânica das secretarias e esse tipo de organização/estru-
turação. Demos prioridade à essa área de prevenção de uma maneira geral, fortalece-
mos a Coordenação de Prevenção e Vigilância (CONPREV), consolidando-a como parte
do mecanismo de gestão do Instituto. Além disso, criamos uma estrutura de gestão
participativa compartilhada com todas as áreas da instituição, compondo um conselho
diretivo que permitiu a incorporação da prevenção ao planejamento de forma orgânica.
Assim, garantimos a alocação de recursos específicos do próprio orçamento do INCA
nos programas de prevenção. Criamos diversas maneiras até consolidarmos um pro-
cesso, através do convênio em termos de cooperação técnica com a Opas – Organização
Pan-americana de Saúde, que permitia que os recursos orçamentários do INCA fossem
repassados para fortalecimento dos programas de prevenção, tanto de câncer de colo
de útero, quanto o câncer de mama e o programa de tabagismo. Essa decisão, aliás isso
é um parêntese interessante fazer, muitas pessoas do próprio INCA achavam que nos
termos de cooperação técnica do INCA com a Opas, era a Opas que repassava dinheiro
para o INCA, mas era justamente o contrário: nós que repassávamos dinheiro para, atra-
vés da Opas, utilizar mecanismos de fortalecimento das ações do INCA.
Uma outra coisa importante foi a articulação por dentro do próprio ministério e aí,
quer dizer, com o apoio político e liderança de alguns ministros, se fortaleceu muito a
articulação da implementação do programa. Primeiro, explicitamente, colocando no
discurso do ministério e nas palavras dos ministros esse apoio e, depois, pela assi-
natura e o trabalho de levar essa discussão para a incorporação e a aprovação pelo
118 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
os itens da Convenção-Quadro, mas tendo a capacidade de pautar aquilo que pudesse
significar uma construção de sucesso em cada momento, quer dizer, buscando encon-
trar, nessa pauta, aquilo que pudesse estabelecer o maior consenso possível no sen-
tido de fortalecer a pauta seguinte. Havia muita pressão por diversos grupos específi-
cos, e tínhamos que articular as forças para poder viabilizar um passo adiante, o que
nem sempre é muito fácil de compreender para quem está olhando.
A outra coisa importante, todos nós tínhamos absolutamente claro, era o desejo
de contar com a participação dos movimentos sociais, por exemplo, na CONICQ. Mas
esse era um problema político e se a gente, digamos, cedesse, inclusive aquilo que era
a nossa vontade, isso podia resultar em um enfraquecimento naquele momento histó-
rico. Então, preferíamos levar essa discussão através do Conselho Nacional de Saúde,
fortalecendo, via a própria estrutura do ministério, a discussão interna da CONICQ,
mantê-la no âmbito quase que burocrático, mas que, naquele momento, era uma
coisa importante. Eu acho que a CONICQ foi um instrumento de avanço fundamen-
tal. Outro instrumento foi a articulação parlamentar: nós efetuávamos na articulação
parlamentar as discussões na comissão de saúde, as discussões entre as equipes... –
como é que se chamava aquela comissão? – na frente parlamentar! A discussão, às
vezes, era terrivelmente agressiva, o representante da área da agricultura, ruralistas,
produtores... Eram de uma agressividade enorme, não era uma questão simples.
Então é isso que eu queria ressaltar: primeiro, o comprometimento dos ministros,
da liderança. Acho que nesse contexto da implementação da Convenção-Quadro,
eu destacaria três características que me parecem muito importantes: a primeira foi a
incorporação de evidência científica e de conhecimento que fortaleceram muito essa
luta, foi um processo muito importante; a segunda coisa foi a liderança, não só pelos
120 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
e formar melhor a sociedade para alterar o pensamento em relação à doença, inclusive
para as atividades de promoção e prevenção. Nós demos muita ênfase na comunica-
ção, não só no ponto de vista geral da questão do câncer, criando inclusive ferramentas
de comunicação, inovando com rádio, com televisão, com mecanismos, com revistas...
Enfim, uma série de instrumentos que desenvolvemos e criamos com um forte apoio da
CONICQ no processo de construção e identificação das imagens que seriam colocadas
nos cigarros, enfim, toda uma série de coisas que o pessoal da área técnica pode falar
muito melhor do que eu, que eu queria dar um pouco esse panorama
Agenor: Você traz algumas questões que eu acho que vale a pena comentar. Eu acho
que o mais importante, Santini, que você disse, foram três coisas: a atuação da CONICQ,
a pressão que o controle do tabagismo sofre, e a dimensão política. Quem quisesse tirar
aquela perspectiva de governança, o apoio que a política de controle tinha, teria bastante
trabalho. Então, eu queria ressaltar essas três coisas. Para mim, você trouxe uma novi-
dade, que o câncer não é uma doença crônica, o que ele tem em comum com as doenças
crônicas são os fatores de risco, e eu acho que uma das principais coisas que nós temos
que discutir nessa política são as questões dos fatores de risco e o papel da promoção
da saúde. Precisamos ter claro que o Estado não pode renunciar ao seu papel na promo-
ção, seja no campo da educação e comunicação da população, seja na intervenção nas
indústrias indutoras de fatores de risco. Hoje, por exemplo, a atuação do Estado nesse
campo é limitada, seja quanto à alimentação, aos agrotóxicos e aos produtos derivados
de tabaco. Esse é um papel que nós, atores da saúde pública, devemos assumir.
122 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
Luiz Teixeira: Obrigado, Agenor. Vera e Andrea pediram a palavra. Só peço para vocês
serem breves e se aterem à questão que a gente está falando da contribuição do INCA
no processo de controle do tabaco.
Vera: Eu queria só colocar que, certamente, o papel do INCA foi central não só no esta-
belecimento de um programa nacional como na ampliação desse programa, e eu acho
que vários fatores contribuíram, como eu falei. Acho que a criação da FAF – Fundação
Ari Frauzino; a criação da Campanha Nacional de Combate ao Câncer; o fato de o
INCA estar protegido, de uma certa forma, das flutuações políticas em Brasília, e assim,
acho que o INCA, já no governo anterior à era PT, passou a ser chamado a partici-
par das assembleias mundiais de saúde; houve uma liderança também nos gover-
nos anteriores, especialmente do (José) Serra, com o suporte do Fernando Henrique,
como houve também, por exemplo, o papel do Waldyr Arcoverde, que foi da época
do Sarney. Acho que o programa permeou vários partidos políticos, ele não é obra
de um partido, e eu acho que o INCA se legitimou aí, principalmente na lógica de que
as pessoas não queriam muito trabalhar com isso, que foi a coisa que o Santini falou,
não existia muito respaldo de que isso era uma coisa que valesse a pena fazer. Isso
na fase que eu peguei como funcionária da campanha nacional do combate ao cân-
cer, depois o INCA e eu comecei, digamos assim, o trabalho que a Tania depois levou,
de uma forma maravilhosa, e acho que aí a liderança não é só institucional, acho que
existem lideranças pessoais também, de quem na verdade está ali, e transforma isso
em um mote de vida e acho que isso é algo que deve ser reconhecido, acho que existe
o conceito de liderança como um conceito de grupo, de cabeças, de objetivos e de
vontade, digamos assim, de pessoas comprometidas em alcançar um determinado
124 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
lembro do Marcos Moraes, diretor do INCA, dizendo que a indústria ofe-
receu dinheiro para o instituto trabalhar na área da assistência, para o 2000
INCA sair dessa campanha. Quer dizer, a comissão de implementação
Criação da Gerência
não surge do nada, ela surge de um processo nacional dentro de uma
de Produtos Derivados
dinâmica internacional e eu acho que as lideranças também se baseiam
muito na capilaridade da rede, no fato de que você já tinha estados, de Tabaco na Anvisa.
municípios, pessoas... Uma formação de massa crítica para mover esse O Brasil é o primeiro
processo e para fortalecer essas lideranças que, em um nível central, país do mundo a
estavam negociando e discutindo e tentando colocar isso para frente.
ter uma agência
Convenção-Quadro uma fase em que o programa foi tirado do INCA e foi jogado para Brasília e
fez aquela campanha da fitinha. E depois, na gestão do Jacob Kligerman,
para o Controle do
volta para o INCA para resgatar todo o processo anterior. Então, é um pro-
Tabaco (CQCT) no cesso que faz parte da história do INCA, e em uma das crises do INCA, eu
âmbito da OMS. tive a oportunidade de fazer um resgate histórico desse processo que
vem lá desde o início, eu nem sabia disso. Acho que é algo importante
de ser ressaltado, faz parte da história esse “vai e volta, vai e volta”. E aí,
pegando um gancho no que o Santini falou aqui, ainda na gestão dele
no INCA, a parte da política de controle do câncer dentro de um departa-
mento ou de uma coordenação no Ministério da Saúde, especificamente
na Secretaria de Atenção à Saúde (só para resgatar um pouco o debate
de ontem sobre o modelo ideal). Qual é o modelo ideal? É o Ministério da
Saúde dar respaldo para todas as políticas e fazer a coisa central. Mas o
modelo ideal nem sempre funciona. E foi assim que o INCA cresceu, nesse
vácuo, vamos dizer assim. A função de responsabilidade do Ministério da
Saúde e a minha frase, quando eu comecei a falar sobre isso é “Você quer
126 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
fazer ou ter razão?” Porque, se você quer ter razão, o modelo é esse, lá do Ministério da
Saúde; se você quer fazer, o modelo é o que está dando certo e que sempre deu certo. E
foi isso que eu defendi essa questão do INCA ser mantido nesse processo de liderança.
Só para fechar, o Santini disse que “Houve a mudança e eu não sei o que aconte-
ceu”. Aconteceu o que estava previsto, muda a gestão, há uma revoada, e aquilo fica
perdido e foi o que aconteceu. Foi o que aconteceu com a questão do tratamento
para deixar de fumar. O Ministério da Saúde passou um trator sobre o modelo que
vinha sendo liderado pelo INCA, medicalizou o tratamento para deixar de fumar por-
que, tipo assim “Vamos comprar remédio para todo mundo e ponto”. Então, todo o
processo de tratamento acoplado à capacitação foi simplesmente rasgado do mapa e
foi colocado nessa gestão que agora não está mais. Agora, o INCA está correndo atrás
do prejuízo como correu atrás do prejuízo na questão do câncer de colo de útero, a
campanha da fitinha, que fez a coisa campanhista, fez Papanicolau em várias mulhe-
res e depois não foi buscar as mulheres com as doenças. E o INCA teve que correr
atrás disso. Agora, está acontecendo a mesma coisa com essa chamada, essa situ-
ação, onde a política de câncer foi para o Ministério da Saúde, ficou nesse departa-
mento e agora não tem mais ninguém, e o INCA está tendo que correr novamente atrás
do prejuízo da descontinuidade do processo. Eu só queria ilustrar. Se você quer ter
razão, coloca lá, mas se você quer fazer, mantém a roda que está funcionando, não
vamos inventar rodas porque a roda já está lá, já está funcionando.
Luiz Santini: Comentário rapidíssimo. Primeiro, o seguinte, começar pela última fala:
128 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
eu acho que o modelo está errado mesmo, eu acho que o papel do Ministério da
Saúde é coordenar todo o processo político, mas a implementação de políticas espe-
cíficas transversais, nós temos este conhecimento e o INCA é um ativo que o Brasil
tem e que outros países não têm. Então, se alguma coisa tem que ficar central no
Ministério porque ele não tem uma estrutura do Instituto Nacional do Câncer? Nós
temos, nós não podemos é desperdiçar isso, jogar isso fora porque alguém imagina
que tem que ter um modelo centralizado, para mim é essa a questão.
Outro ponto que eu queria comentar é o seguinte: eu concordo com o Agenor, o
modelo da estrutura da CONICQ e de qualquer estrutura desse tipo, sofre realmente
um certo problema de eficiência, mas aumenta a eficácia. Quer dizer: se você real-
mente consegue decidir e construir uma decisão, a eficácia aumenta, porque o resul-
tado vai estar compartilhado por todos. Perde às vezes a eficiência, porque você leva
mais tempo para construir o resultado, então isso é uma característica desse tipo de
modelo, e eu concordo. E outra coisa só para... Vera, eu acho que você está com uma
ideia um pouco antiga do que é que os médicos já entenderam sobre prevenção e
não foi porque eles entenderam as evidências, é porque constataram no “fazer pre-
venção”, se você pegar os jornais das últimas semanas no Brasil, todos... Congressos
e reuniões de médicos e planos de saúde, todos estão falando em prevenção, e eu
insisto, não é porque eles incorporaram evidência de conhecimento, é porque o tra-
tamento está custando muito caro e eles perceberam que se continuar nessa linha
eles vão falir. Então, estou falando isso aqui nesse ambiente, vamos dizer assim, crí-
tico, mas eu acho que é ao contrário, a nossa posição com relação a isso deve ser
de apoiar, eles estão fazendo um movimento na direção certa, pode ser até que por
motivo errado, mas não importa.
130 Ampliação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: dos anos 1990 aos dias atuais
Luta contra o tabaco no Brasil – 40 anos de história 131
Diversificação de culturas para
o controle do tabaco
Luiz Alves: Dando seguimento à nossa discussão acalorada, vamos agora deslocar um
pouco o tema. Temos falado muito na dimensão da política pública, gostaria de ir para
a dimensão dos movimentos sociais e dos programas mais localizados. Um ponto
relevante de toda essa discussão da história do controle do tabagismo diz respeito ao
tema do campo, da produção agrícola, principalmente do diálogo que se tem com os
agricultores, o tema “diversificação de cultura”.
Então, a pergunta é direcionada à Irmã Lourdes, ao Amadeu Bonato, ao Albino
Gewehr e à Adriana Gregolin. Como se deu, desde os anos 1990 até os dias atuais,
como se deu e como se dá, o diálogo com o setor produtivo e a implantação de medi-
das que diminuam o consumo de cigarro no país e a produção de tabaco e o desenvol-
vimento de programas de diversificação. Na ordem, então, em primeiro, a irmã Lourdes.
Ir. Lourdes: Boa tarde, de fato esse é um tema bastante importante, nesse contexto dos
40 anos. Por um lado, começou toda a questão da medicina, associação dos médicos
e grupos também das igrejas, analisar a ideia de trabalhar o anticonsumo do tabaco.
Esse era um tema e, logo no começo, não houve a preocupação de pensar: “Como é
que vou trabalhar com o agricultor familiar, aquele que está lá na ponta, doente, difícil,
A Anvisa regulamenta ras, mas, mesmo assim começamos o trabalho. E foi então, em 1991, que
começaram os seminários de alternativas à cultura do fumo e começou
a impressão de
esse diálogo mais direto, com os produtores. Por um lado, a organização
imagens que ilustram do produtor, da agricultura familiar, da produção... da produção orgânica;
as advertências nas e, por outro lado, já também pensando na comercialização direta.
embalagens dos Então, desde o começo, nós temos um centro de referência e de
comercialização direta, onde o produtor se organiza em grupo e comer-
cigarros, que também
cializa. Eles vêm de todos os municípios da região, se encontram nas fei-
passam a estampar
ras, a cada sábado. Uma vez por ano, nós temos uma feira nacional que
o número do “Disque reúne esses grupos todos, e onde o pessoal de fato motiva a sua resis-
pare de Fumar”. tência, a sua luta, a sua organização através de uma grande feira inter-
Determina teores nacional. Esse ano contamos com a presença de mais de 300 mil pes-
soas e tivemos alegria de ter uma atividade muito significativa ligada à
máximos para
Convenção-Quadro. Vieram muitas lideranças do Brasil ao evento. Então,
alcatrão, nicotina e na região, nosso diálogo começou dessa forma, sem política pública no
monóxido de carbono começo, claro, nós sempre sonhávamos que um dia nós teríamos políti-
nos cigarros. cas públicas para o campo, isso era um sonho muito grande. E foi então
– depois o pessoal vai relatar melhor –, que nós, desde o começo, dis-
cutíamos a questão do MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Tania vinha, e dizia “Nós temos que fazer o diálogo com o Ministério do
Desenvolvimento Agrário”. No começo, a gente não conhecia muito. Até
que começou a deslanchar.
Passa a ser obrigatório de Santa Cruz, da regional da CUT, dos remanescentes do Sintrafumo.
O pessoal já tinha organizado o Movimento dos Pequenos Agricultores,
o uso das frases
a FETRAF – Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar estava
“Venda proibida a organizada, e fomos nós que entregamos o pedido para o ministro de
menores de 18 anos” criação da câmara setorial. Na câmara setorial, organizamos, debate-
e “Este produto mos e ocupamos o espaço tanto com a CUT como com a FETRAF – em
alguns momentos, e decidimos estabelecer como um espaço de con-
contém mais de
fronto de contraposição. Sempre tivemos como aliados nas nossas
4.700 substâncias
posições o Movimento dos Pequenos Agricultores, mas nunca conse-
tóxicas e nicotina que guimos construir no MPA posições que pudessem nos ajudar a dar pas-
causa dependência sos para frente. Eles faziam posicionamentos que nós, necessariamente
física ou psíquica. apoiávamos mas, quero dizer, que não houve um diálogo de construção
entre as entidades de representação dos agricultores para que a gente
Não existem níveis
pudesse ter mais eficácia logo à frente. Registro como avanço o fato da
seguros para consumo criação da câmara setorial, contra avanço, um termo que não existe; o
destas substâncias”. fato de entregarem a coordenação para um representante do meio, mas
que tem a posição para a área da indústria.
Acho que os debates na câmara setorial também propiciaram nosso
encontro, que nós nos identificássemos a partir das informações. E eu
queria registrar que uma das grandes vitórias que alcançamos nesse perí-
odo recente, e que não é uma vitória pessoal, é uma vitória dos agricul-
tores, foi a insistência que tivemos e o abraço que o Ministério da Saúde
Amadeu: Acho que primeiro, tenho que agradecer a oportunidade. Para nós, desse
setor, é muito importante estar permanentemente nesse debate. Sempre me falaram
que é algo meio inédito no mundo, eu não sei como comprovar isso, mas essa jun-
ção entre saúde e agricultura que, aparentemente, é contraditória em termos de inte-
resses, sempre me chamou atenção aqui no Brasil. A gente conseguiu de uma forma...
Não sei dizer como é que isso começou, mas acho que Tania e Paula tiveram papéis
fundamentais nisso. Não sei de nossa parte, mas acho que Albino teve um papel fun-
damental. Isso funcionou e o diálogo continua até hoje. Claro que, de vez em quando,
tem uns entreveros, mas acho que isso nos possibilitou mais força porque eu estou
numa entidade como o DESER. Porque nós tínhamos, na época, cinco eixos de traba-
lho com uns 15 a 20 programas. Um deles era a cadeia do tabaco. Com oito, dez pes-
soas trabalhando – se virando – para atender crédito, comercialização, análise de
conjuntura de mercado, previdência social, busca de recursos e tal, e, também, esse
debate em torno da produção, da cadeia do tabaco. Se olharmos junto com a cadeia
do leite, que também sofreu uma perda enorme de gente na atividade; na cadeia de
carnes... essa é a primeira consideração que queria fazer. Uma segunda, um esclareci-
mento, acho que a propaganda de cigarro no Brasil está proibida, mas a propaganda
das indústrias não está. Porque, pelo menos eu, de vez em quando, passo na região
Ampliado o acesso a Irmã Lourdes falou nessa questão da propaganda, ou alguém falou.
Não sei se vou conseguir nem sei falar do jeito que eu escrevi aqui, mas
à abordagem e
eu queria trazer um pouco a história, trazer um pouco as conquistas, os
ao tratamento de avanços que a gente teve, mas eu não tenho como não misturar angús-
tabagismo para a tias e desafios que nós vivemos nessa batalha. E eu vou falar mais do
rede de atenção ponto de vista do DESER. Que é um ponto de vista muito específico, já
que o DESER, durante muito tempo, nunca atuou diretamente com agri-
básica e de média
cultor. Atuava com as entidades de agricultores. Sindicatos, cooperati-
complexidade do SUS.
vas, como órgão de assessoria de elaboração de pesquisa, de acom-
panhamento. Mais recentemente, começamos a fazer uma atuação
direta com agricultores e colocando mais foco exatamente nessa área
da diversificação.
Eu dividiria a história do DESER, nessa questão, em duas grandes
fases. Trabalhamos com a questão do tabaco na cadeia produtiva do
fumo desde a criação, em 1988. Albino estava na direção já nessa época,
1988/89, e até hoje trabalha com essa área. Mas ele trabalhou de um jeito
até 2002/2003, que era sempre do ponto de vista de apoio aos agricul-
tores, já que a grande maioria, e eu acho que é o único produto, ou aliás,
o produto que tem a maioria de agricultores familiares produzindo. Não
é o leite, não é feijão. O fumo é ainda o produto que tem a maior parte
de agricultura familiar produtora. Acho que patronal não sei se chega a
5%, embora esteja crescendo. Então, a gente, sempre teve uma lógica de
Entra em vigor, no blema do agricultor, mesmo que ele ganhe muito dinheiro, e tem agri-
cultor que ganha muito dinheiro; tem muito agricultor que é lascadís-
dia 27 de fevereiro,
simo. O grande problema é a dependência dessa indústria.
a CQCT que Para nós, o programa de diversificação foi uma grande conquista, mas
alcança a marca uma conquista bastante limitada. A gente estava com expectativa e aí,
de 40 ratificações quando Adriana entrou, ela fez um esforço tremendo, no sentido de que
não fossem só ações de “matéria” de pesquisa, como as primeiras foram.
(incluindo o Brasil).
Mas que se articulasse com comercialização, se articulasse com crédito.
Num primeiro momento, houve vários projetos. Depois, em 2011, a
primeira chamada pública para o Sul e Nordeste, dez mil famílias. Em
2013, a segunda chamada pública, que terminou faz um ano e pouco,
a última entidade que terminou acho que foi a nossa, em novembro
de 2017, e nós estamos até agora em um vazio. Seja com 10 mil e pou-
cas famílias que foram atendidas. Eu vou falar logo do DESER: nós fize-
mos um esforço danado, tirando o recurso de onde ele tinha de sobra, e
continuamos com 47 grupos funcionando, mas houve atrasos no paga-
mento. Então, nós terminamos o trabalho em outubro do ano passado
e ainda não recebemos a última parcela.
Até a assistência técnica, se não for continuada, se não for articulada
com outras políticas, com crédito, com comercialização, com um apoio à
agroindustrialização, com moradia, com saúde, com educação, ela tem
efeito? Claro que tem, mas é efeito sempre, sempre, reduzido. Então,
Deborah: Primeiro, eu pedi um aparte no tema da agricultura; acho que vou falar pri-
meiro disso, depois eu retorno ao tema das pesquisas. É, enfim, o trabalho “A doença
da folha verde do tabaco”. Ele começou, então, lembrando da história, numa visita
técnica que nós fizemos em Arapiraca. Então é a minha equipe da SVS, mais a Tania e
a Vera. E nós fomos discutir com os colegas de Arapiraca temas relativos à vigilância,
às doenças crônicas, e eles tinham uma queixa muito aguda que era a intoxicação por
agrotóxicos no período da colheita.
Já tinham, inclusive, desenvolvido um protocolo, como fazer essa abordagem.
E aí, conversando, a gente levantou a suspeita de que não era intoxicação por agro-
tóxico. Porque a intoxicação por agrotóxico teria uma série de outros sinais e sinto-
mas, mas especialmente pela época que eles faziam esse relato, que era época da
colheita, e na época da colheita, tipo um mês antes, não se joga o agrotóxico na folha
porque tira o valor comercial. Então, levantaram outras hipóteses, inclusive a hipótese
Albino: Local certo e oportunidades, nós comentamos isso, e a Vera Luiza comentou.
Lembra quando nós tratamos sobre Arapiraca e nós estávamos organizando desloca-
mentos dos agricultores do sul do país para Brasília, para ter audiências com o minis-
tro? Eu nem conhecia a Deborah. Conversamos um pouco, e ela falou assim: “Olha,
nós estamos loucos para fazer a pesquisa no sul, mas é necessário que o ministro
autorize”. Em menos de 72 horas, entregamos a reivindicação da FETRAF. Nós já tínha-
mos um contato informal, mas é, também, aquilo que a gente comentou ontem: hora
certa, o encaminhamento, e resultou nesse belo trabalho de identificação da doença
do tabaco verde, também na produção no sul do país. Fechando, uma informação
que considero importante: eles negam a existência da doença antes da identificação.
Então, em vários debates que eu participei, já cruzei em debate com Sinditabaco uso
a seguinte linha de argumentação: quando o representante de uma indústria multina-
cional, que já atua há 100 anos no Brasil, que domina a produção no mundo todo, fala
mandarim, inglês, francês, espanhol e tem executivos de ponta... Quando um execu-
tivo de ponta de uma indústria dessas disse que foi identificada a doença do tabaco
verde há pouco tempo no Brasil, e que antes ela não existia, eu digo: “Vocês estão
rasgando o diploma de vocês porque a existência da doença do tabaco verde tem
Deborah: Exatamente. Então, quando a gente foi fazer a revisão, isso já estava muito
documentado. Na nossa revisão para publicação tudo isso foi levantado, mas a gente
só foi identificar em 2007. Depois, no ano seguinte, foi em Candelária. A primeira
publicação foi a de Arapiraca, em 2010, e, depois, o INCA também fez uma nova pes-
quisa. Então... é porque realmente nunca foi pesquisado, nunca tinha sido pesqui-
sado. Mas eu acho que isso é muito importante do ponto de vista de você somar evi-
dências nesse processo de disputa. E eu acho que a gente falhou nessa discussão dos
agrotóxicos. Sobre os malefícios dos agrotóxicos, acho que isso ainda é um capítulo
em aberto; que a gente precisa avançar.
Adriana: Vou falar agora da ação concreta, no caso da implementação dos artigos 17 e
18, que foi esse acordo, momento histórico no tempo, que a Tania mencionou, sobre o
compromisso assumido por vários ministérios e que, no final, recaiu para o Ministério
do Desenvolvimento Agrário. Quando ratificaram a convenção, ficou claro que deve-
ria ser implementado um programa de apoio aos agricultores para alternativas à cul-
tura do tabaco. Isso foi assumido muito fortemente pelos dois ministérios que traba-
lhavam diretamente no campo, que eram o Ministério da Agricultura e o Ministério do
Desenvolvimento Agrário. Mas, na prática, o que aconteceu, isso foi em fevereiro de
2005, quando chegou no fim do ano de 2005, começaram a cobrar onde estavam os
projetos de apoio aos agricultores. Então, me indicaram para assumir esse trabalho,
quando eu estava no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Foi assim que eu entrei
5 Grupos de trabalho dedicados à discussão sobre as ações referentes aos artigos 17 e 18 da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco.
Luiz Teixeira: Podemos fechar a discussão sobre a Anvisa? A Anvisa foi criada em 1999,
teve um papel fundamental no controle do tabaco desde o início, com atividades bas-
tante fortes e bastante duras. A gente gostaria que a Ana Cláudia Bastos de Andrade,
Gerência de Produtos Fumígenos Derivados ou Não do Tabaco da Anvisa, falasse um
pouco sobre o processo de criação e atuação da Anvisa.
1 A Resolução de Diretoria Colegiada nº 90, ou RDC 90, foi aprovada pela Anvisa em 2016, regulando materiais, embalagens e equi-
pamentos celulósicos destinados a entrar em contato com alimentos.
2 Resolução de Decisão Colegiada nº 46 da Anvisa, de 28 de agosto de 2009, que proíbe a comercialização, a importação e a propa-
ganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarro eletrônico.
Deborah: Bom, então... É eu acho que essa história de construção do tema do tabaco
nos estados e municípios foi fundamental, e um dos pilares, para que depois, a partir
dos anos 2000, mais especificamente em 2003, iniciássemos com foco numa vigilância
integrada de doenças crônicas. Então, isso tem um marco muito importante na OMS. Foi
o primeiro documento em relação às doenças crônicas não-transmissíveis e essa visão
mostra a importância da vigilância integrada, dos fatores de risco. Então, é fundamental
para o manejo das doenças crônicas que tabaco, álcool, inatividade física e alimenta-
ção inadequada sejam abordadas de forma integral e com a organização da Vigilância.
Acho até que a própria OMS, por ordem de prioridade e também do ponto de vista
do que já tinha maturidade nessa organização, o primeiro documento da Convenção-
Quadro é exatamente o do tabaco. Em 2004, vem a estratégia global de atividade
física e alimentação saudável. Só em 2010 é que vem toda a discussão sobre álcool.
O Brasil, de alguma forma, também reflete esse nível de organização global, porque já
havia todo um trabalho de estados e municípios em relação ao tabaco, que eu acho
que aqui já foi relatado pelo Marco e pela Ana.
Vera: Eu acho que se a gente fizer uma contextualização disso, lembra a Valeska
falando? “Nós não tínhamos dados!”. Passamos por um momento que não tínhamos
dados, não tínhamos planejamento, não tínhamos nada; até que hoje, temos um sis-
tema de vigilância de crianças – onde a gente coleta dados de tabaco; temos um sis-
tema de vigilância do adulto; um sistema de pesquisa de inquérito telefônico para
fazer uma avaliação de tendências... Ou seja, isso tudo inserido dentro de um sistema
macro, quer dizer, não é uma pesquisazinha vertical que nunca mais vai ter continui-
dade. Então, acho que isso legitima, na verdade, o papel do programa de controle do
tabaco dentro de uma dinâmica mais ampla, e como o GATS, como a pesquisa inicial
que o INCA abraçou, que foi o projeto da vida da Valeska, como esses projetos institu-
cionais, essas parcerias institucionais elas são absolutamente fantásticas porque elas
3 Aqui, Tania Cavalcante se refere a dois artigos da Convenção-Quadro que determinam o seguinte: artigo 5.3: “Ao estabelecer e im-
plementar suas políticas de saúde pública relativas ao controle do tabaco, as Partes agirão para proteger essas políticas dos interesses
comerciais ou outros interesses garantidos para a indústria do tabaco, em conformidade com a legislação nacional”; e o artigo 19, que
trata da responsabilidade penal e civil.
4 Malta, Deborah et al. Medidas de austeridade fiscal comprometem metas de controle de doenças crônicas não transmissíveis no
Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 23 (10), 2018:3115-3122.
Agenor: Essa rodada foi o bastante interessante porque ela trouxe algumas infor-
mações importantes para nós, muito dentro daquilo que tínhamos conversado
sobre os alertas, mas também trouxe algumas informações que temos que resga-
tar, até para que a gente não cometa erros com o histórico que vai ser levantado
desse encontro.
E tem questões aqui que são políticas, institucionais, que eu queria colocar, e tem
questões que eu vou colocar como se fossem do ponto de vista pessoal, opinião minha.
Primeira coisa: eu não creio – isso é uma opinião pessoal minha, Agenor, que foi
o Ministro da Saúde – eu não creio em nenhuma ação deliberada do Ministério da
Fazenda, nem da Receita Federal para aumentar imposto de cigarro para impactar no
consumo de cigarro pela população.
Não sei qual foi a última vez que isso aconteceu, mas a Lei no 12.541 originada pela
medida provisória 540 – quem estava lá em Brasília e presente nas discussões sabe
Tania: Acho que o que o Agenor falou é importante. Acho que essa questão do bloco
monolítico é importantíssima que seja registrada, porque nem todos que ocupam
cargo de ministro tal, tal, tal, têm um comportamento... vamos dizer alinhado, igual. E
assim, posso dizer que testemunhei diferentes comportamentos, porque estou nessa
função desde 2001, e a gente vê comportamentos que não mudam. Independente da
questão partidária, não estou falando aqui de questão partidária.
Infelizmente, posso testemunhar que essa questão da medida provisória (a 540)
me surpreendeu assustadoramente. Quando eu soube que o INCA não foi consultado,
Luiz Teixeira: Bom, terminada essa fase, vamos passar agora para a nossa última – ou
penúltima – discussão, relacionada à Convenção-Quadro. Eu gostaria de começar de
uma forma meio cronológica, com uma discussão sobre a negociação da convenção.
Darei a palavra à Vera para falar sobre esse processo.
Cristiane: Também não quero ser repetitiva. Todas as considerações, por exemplo, que
a Vera colocou com relação ao surgimento da negociação, acho que ela já demonstrou
claramente como foi, qual o papel do Itamaraty, a importância do Itamaraty em lide-
rar, em apoiar, não só o setor da saúde, mas os trabalhos da CONICQ daquela época.
No primeiro dia, mencionamos que essa comissão foi criada em 1999 para subsidiar
Luiz Teixeira: Obrigado, Cristiane. A professora Tania pediu a palavra, mas, antes,
vou fazer um pequeno comentário. Infelizmente nós não conseguimos ter nesses
dias algum representante da diplomacia, mas os estudos que já existem sobre essa
época reforçam a importância também da diplomacia brasileira nesse período. Sem a
existência de um processo de transformação da diplomacia, que começa no final do
governo Fernando Henrique e tem continuidade nos governos Lula, principalmente a
partir do Celso Amorim, não conseguiríamos ter um apoio para conseguir uma nego-
ciação desse processo com tanta eficácia assim. A ideia de uma diplomacia soft, vol-
tada principalmente para a colaboração, para questões de educação e para ques-
tões de saúde, que hoje em dia se modificou completamente, favoreceu muito esse
processo. Juntando a questão da diplomacia com a questão desse conhecimento
Tania: É, mas isso está imbricado em todo esse processo. Vou contar um pouco como
é que o presidente Lula assinou a intenção de ratificar a convenção e, na sequência, o
executivo encaminhou para o legislativo em uma cerimônia, inclusive na Câmara dos
Deputados, e deu-se início ao processo de ratificação, ao longo processo de ratifica-
ção da convenção, que começou na Câmara dos Deputados. A coisa aconteceu rápido
na Câmara porque pegou até a indústria de surpresa, a Cristiane falou rapidamente
sobre isso, o deputado era João Paulo Cunha, liderança do PT na época do governo
Lula. Passou rapidamente no voto por liderança e aí a indústria correu atrás do preju-
ízo e começou um trabalho intensivo no Senado Federal para, exatamente, embarrei-
rar esse processo.
Então, os anos de 2003, 2004 e até outubro de 2005, a nossa função foi enfren-
tamento da indústria do tabaco, Santini [risos] comentava muito; “Eu não entendia
nada, de repente a gente estava lá em não sei aonde e depois estava lá em não sei
aonde...” [risos] “...Estava lá em Santa Cruz, depois estava lá em Brasília, estava lá...” foi
um momento bastante turbulento, o Santini começou a acompanhar esse processo
meio “que isso?” e aí a gente começou a fazer as interfaces, e a Érica, provavelmente,
vai contar com mais detalhes, como é essa interface dentro do Congresso Nacional,
Tania: Não, foi antes... É porque você (Paula) não estava ainda. A REDEH – Rede de
Desenvolvimento Humano estava indo para Genebra. Nós fizemos um convênio com
ela e começamos a fazer alguns movimentos, colhemos assinaturas, umas duas mil
assinaturas, não me lembro exatamente. Nós conhecíamos a rede em função do cân-
cer de colo de útero. Então, fizemos um aditivo no convênio que tínhamos com a
REDEH para elas começarem a trabalhar com tabaco. Mas isso foi antes de você entrar.
Só funcionou quando você entrou [risos]. Antes, as pessoas entravam e saíam da área
de tabaco. Fizemos um movimento (temos até fotos) em frente ao Senado Federal.
Colocamos cruzes, caveira e o ministro Humberto Costa foi bem simbólico, pegou as
assinaturas, foi na presidência do Senado (durante as audiências) e entregou para o
senador... Pouco tempo depois, a AFUBRA colheu quase 200 mil assinaturas, assim
sei lá, cem vezes mais que a gente tinha colhido, contra a ratificação da convenção, e
entregou também ao Senado. Era um duelo de forças e isso foi bem significativo. O
assunto só se resolveu quando o executivo pega “o touro à unha” e vai negociar na
Casa Civil. Foi então assinado um compromisso pelos ministros da Fazenda, da Saúde
e das Relações Exteriores para a implementação do programa de diversificação.
O MDA não participava da CONICQ mas, depois, começou a participar. Foi então
que conheci o Adoniram Sanches. E outra coisa que acho importante registrar é que
houve também uma declaração interpretativa. Essa pressão foi tão forte que no depó-
sito da ratificação na ONU houve uma declaração interpretativa de que o governo
assume que nada na convenção poderia ser usado para discriminar a produção de
tabaco. Então, isso ficou como a marca da luta – o dedo da indústria nesse processo.
Luiz Teixeira: Obrigado, Albino. Bom, primeiro eu vou pedir desculpas à Érica porque
ela acabou não falando, e agradecer a todos e a todas. Foi um processo bastante inte-
ressante. Para encerrar, eu gostaria de dar a palavra à Vera e à Valeska que foram as
principais mentoras desse seminário testemunho.
Valeska: Eu gostaria de agradecer muito a vinda de todos, acho que a gente conseguiu
cumprir nosso objetivo. Esse encontro foi muito produtivo, estamos super entusias-
madas em produzir esse material. Com tudo o que foi feito aqui, com tudo o que foi
falado, acredito que temos um material muito bonito, um registro consistente desta
bela história de luta, um exemplo de sucesso na saúde pública brasileira. Entendo
que não temos o material completo, programamos entrevistar pessoas que não pude-
ram vir. Lamento também não ter podido convidar todos que gostaríamos. Quando
o livro ficar pronto, vamos fazer um evento com a participação mais ampliada possí-
vel para celebrar todas as pessoas que participaram dessa luta, e para divulgar todo
esse trabalho.
Queria agradecer muito, fico muito feliz, porque a Fiocruz é um lugar assim, estou
muito feliz de estar aqui, tenho o pensamento da Fiocruz, sou da saúde pública,
penso como a saúde pública, sou da reforma sanitária, então, estou muito feliz. E aqui
tem uma grande coisa também que é essa possibilidade de fazer parcerias com várias
áreas, como a Casa de Oswaldo Cruz, com quem nós trabalhamos muito bem juntos
Vera da Costa e Silva: Gente olha, só para terminar, eu queria muito agradecer aos
dois “Luizes”, eu acho que eles fizeram um trabalho de psicanalista de ficar ali organi-
zando o pensamento do grupo, sem interferir, mas ao mesmo tempo, dando um ali-
nhamento para o grupo. E dizer que eu acho que a coisa mais importante aqui é que
o Brasil dá certo sim, que essa coisa de que o Brasil não dá certo, de que o Brasil é o
país do futuro que nunca chega, eu acho que essa história mostra que hoje a gente
tem resultados e a gente salvou muitas vidas de brasileiros por conta do trabalho que
a gente fez, então eu acho que isso é um trabalho coletivo, um marco histórico e que
todo mundo tem que ficar muito orgulhoso, aprender com as lições, aprender com
as dificuldades. Nós somos um marco dentro e fora do Brasil, de como é possível,
perante uma grande diversidade, em um país em desenvolvimento, grande produtor,
grande exportador, com inúmeros programas paralelos, competindo pela prioridade,
conseguir chegar lá.
Obrigada a vocês.
Luiz Alves: Paula, você poderia falar sobre desenvolvimento, cheguei a fazer algu-
a sua formação? Você fez graduação e mas pesquisas na África, mas ficou muito
mestrado fora do Brasil, como foi isso? claro que não era isso o que eu queria.
Eu fui para Dinamarca – tenho direito à Eu pensei “Tem tanta coisa para fazer no
cidadania –, cursei graduação em Ciências Brasil, então, eu vou voltar para casa”. O
Humanas e mestrado em Desenvolvimento tema da minha tese foi a questão racial,
Internacional. Fiquei lá durante dez anos na verdade, e eu estou até feliz que agora
e, quando voltei ao Brasil, tive um pouco está ganhando um peso no Brasil que eu
de dificuldade para encontrar um espaço nunca vi antes.
de trabalho. Primeiro, porque eu não criei Numa festa de aniversário infan-
um network no país; segundo, porque eu til, descobri que existia um universo de
não tinha uma clareza sobre como era o Terceiro Setor que não era visível nem
nicho do Terceiro Setor por aqui. Como nos mecanismos de busca de trabalho
meu mestrado era voltado para coopera- habituais. Então, fiz uma entrevista numa
ção internacional através de agências de organização e disseram: “Nossa, tem uma
1 Impossibilitada de participar integralmente do seminário “Quatro décadas de história do Controle do Tabaco no Brasil”, realizado entre
05 e 07 de novembro de 2018 na Fundação Oswaldo Cruz, Paula Johns concedeu uma entrevista sobre sua participação nesse processo.
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230
Dia mundial
sem tabaco:
2007
232
Campanha
antitabagismo:
2008
234
Luta contra o tabaco no Brasil – 40 anos de história 235
Campanha
antitabagismo:
2009
236
Campanha
antitabagismo:
2010
240
Campanha
antitabagismo:
2010
242
Campanha
antitabagismo:
2010
244
Campanha
antitabagismo:
2011
246
Campanha
antitabagismo no INCA:
2011