Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Análise Exegética de Êxodo 40.34 38

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 21

FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA

ANDRÉ AUGUSTO HABECK

ANÁLISE EXEGÉTICA DE ÊXODO 40.34-38

SÃO BENTO DO SUL


2020
2

FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA

ANDRÉ AUGUSTO HABECK

ANÁLISE EXEGÉTICA DE ÊXODO 40.34-38

Análise exegética do texto de Êxodo 40.34-38


apresentado à Faculdade Luterana de Teologia –
FLT, como requisito parcial para banca
intermediária na área Bíblica.

Orientador: Prof. Dr. Roger Marcel Wanke

SÃO BENTO DO SUL


2020
3

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar um estudo exegético do texto de Êxodo 40.34-
38. Será analisada a tradução do texto, partindo do original hebraico. Será definida a estrutura do
texto, bem como do contexto que este está inserido. O assunto principal da perícope é a glória do
Senhor, assunto que será explorado e expandido. Por fim será analisada a implicação do texto e
especificamente da glória do Senhor no Novo Testamento e dessa forma para a vida dos cristãos
da atualidade.
Palavras-chave: Antigo Testamento, Exegese, Êxodo, Glória do Senhor.

ABSTRACT

The present work aims to present an exegetical study of the text of Exodus 40.34 -38. The
translation of the text, starting from the Hebrew original, will be analyzed. The structure of the t ext
will be defined, as well as the context in which it is inserted. The main subject of the pericope is
the glory of the Lord, a subject that will be explored and expanded. Finally, the implication of the
text and specifically of the Lord's glory in the New Testament and thus for the life of Christians
today will be analyzed.
Keywords: Old Testament, Exegesis, Exodus, Glory of the Lord.
4

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 5
1 ANÁLISE TEXTUAL 6
2 ANÁLISE DO CONTEXTO 10
3 INTERTEXTUALIDADE 14
4 CONTEXTUALIZAÇÃO 17
REFERÊNCIAS 20
5

INTRODUÇÃO

A Bíblia, em sua grande maioria, consiste num conjunto de relatos da


experiência de pessoas com Deus. Existem pessoas que recebem mais
enfoque e outras menos. Entretanto se estes relatos estão presentes na Bíblia
é porque são importantes e tem mensagens especiais para os dias de hoje.
No presente estudo estaremos acompanhando um pequeno pedaço da
vivência do povo escolhido de Deus, o povo de Israel, que no momento da
nossa perícope é liderado por Moisés, figura muito importante para o povo.
Sabe-se que hoje em dia o povo de Deus continua existindo, inclusive
de maneira mais ampla, através do sacrifício de Cristo, portanto é muito
especial poder estudar a vivência dos primórdios desse povo, bem como as
lições que eles deixam para nós hoje.
O estudo será dividido em quatro partes principais. Num primeiro
momento a atenção será voltada ao texto em si e alguns aspectos importantes
na sua tradução do hebraico para o português. Logo após será analisado o
contexto que esse texto está inserido e quais suas implicações para o texto.
Seguindo para o terceiro momento a atenção será voltada para o estudo
teológico do texto, bem como na sua interpretação. Para finalizar será feita
uma atualização do texto, explorando suas implicações para o Novo
Testamento bem como os ensinamentos que ele deixa para os cristãos nos
dias atuais.
6

1 ANÁLISE TEXTUAL

A perícope analisada faz parte de um conjunto de textos que acontecem


na vida de Moisés, em sua trajetória rumo à Terra Prometida. Essa narrativa
trata especificamente da conclusão de uma obra muito importante nessa
jornada, a construção do Tabernáculo. Também é o fechamento do livro de
Êxodo.

Texto:

‫הוה ָמלֵ֖א ֶאת־‬


ָָ֔ ְ‫ּוכ ֹ֣בֹוד י‬
ְ ‫ת־א ֶהל מֹועֵ֑ד‬
ֹ֣ ‫וַ יְ ַ ַ֥כס ֶה ָע ָ ֵ֖נָ֖ן ֶא‬ 34

‫ַה ִּמ ְש ָ ָּֽכן׃‬


Então a nuvem cobriu 1 a tenda da reunião 2 e a glória do Senhor encheu o
tabernáculo 3.

‫י־ש ַ ַ֥כן ָע ָלֵ֖יו‬


ָ ‫מֹועד ִּ ָּֽכ‬
ָ֔ ‫ל־א ֶהל‬
ֹ֣ ‫בֹוא ֶא‬
֙ ‫וְ לא־יָ ֹ֣כל מ ֶֶׁ֗שה ָל‬ 35

‫ת־ה ִּמ ְש ָ ָּֽכן׃‬


ַ ‫הוה ָמלֵ֖א ֶא‬
ָָ֔ ְ‫ּוכ ֹ֣בֹוד י‬
ְ ‫ֶה ָע ָ ֵ֑נָ֖ן‬
Mas não pôde Moisés entrar na tenda de reunião porque permanecia 4 sobre
ela a nuvem, e a glória do Senhor encheu o tabernáculo.

1 Preferiu-se inverter a ordem, como nas versões de língua portuguesa, para facilitar a
compreensão.
2 Preferiu-se utilizar o vocábulo reunião, assim como a Bíblia de Jerusalém, por trazer um

pouco mais o sentido de ser um compromisso que o termo ‫ מֹוע ד‬tem, em comparação com a
opção de tradução por encontro.
3 Preferiu-se utilizar o vocábulo tabernáculo, assim como a Bíblia de Jerusalém. A pesar de

o termo ‫ ִּמ ְש כָ ן‬estar relacionado a habitação, que seria outra possibilidade de tradução, em
muitos outros textos ele é utilizado referente ao tabernáculo. Outros textos que utilizam esse
termo para tabernáculo: Êxodo 26 (é citado frequentemente durante todo o capítu lo); Êxodo
27.9,19; 35.11,15,18; 36.8,13,14.
4 Tem o sentido de estabelecer e até mesmo de habitar.
7

‫ּובה ָע ֤לֹות ֶ ָּֽה ָענָ ֙ן מ ַעֹ֣ל ַה ִּמ ְש ָָ֔כן יִּ ְס ֵ֖עּו ְבנֹ֣י יִּ ְש ָר ֵ֑אל ְב ֵ֖כל‬
ְ 36

‫יהם׃‬
ָּֽ ֶ ‫ַמ ְסע‬
Quando a nuvem era levantada de cima da tenda, seguiam em frente os
filhos de Israel em todas as suas jornadas 5.

‫ֹלתֹו׃‬
ָּֽ ‫ם־לא י ָע ֶלֵ֖ה ֶה ָע ָ ֵ֑נָ֖ן וְ ֹ֣לא יִּ ְס ָ֔עּו ַעד־יֵ֖ ֹום ה ָע‬
ַ֥ ‫וְ ִּא‬ 37

Mas se 6 a nuvem 7 não for levantada então 8 eles 9 não prosseguiam até o dia
que for levantada a nuvem.

‫יֹומם וְ ֵ֕אש ִּת ְה ֶיַ֥ה ַלֵ֖יְ ָלה ֵ֑בֹו‬


ָָ֔ ‫ל־ה ִּמ ְש ָ ֙כן‬
ַ ‫הו֤ה ַ ָּֽע‬
ָ ְ‫ִּכי֩ ֲענַ֙ ן י‬ 38

‫יהם׃‬
ָּֽ ֶ ‫ל־מ ְסע‬
ַ ‫ל־בית־יִּ ְש ָר ֵ֖אל ְב ָכ‬
ָּֽ ‫ְלעינַ֥י ָכ‬
Pois a nuvem do Senhor estava sobre o tabernáculo de dia e um fogo havia à
noite nele à vista 10 de toda a casa de Israel em todas as suas jornadas.

Essa perícope precisa ser entendida dentro do seu contexto menor. No


contexto menor é possível perceber que a perícope faz o fechamento do
assunto da construção do tabernáculo, visto que o assunto seguinte, em
Levítico 1 é a questão dos holocaustos.

5 Essas jornadas tem o sentido de realmente desmontar o acampamento e seguir em frente.


Tanto que a NTLH explica nesse versículo que o povo levava o acampamento de um lugar
para outro e a NVI utiliza nesse versículo o termo marchar.
6 Partícula que indica condição
7 Novamente optou-se por mudar a ordem para facilitar a compreensão na língua portuguesa.
8 Conecta com a partícula “se” e apresenta a consequência da condição imposta.
9 Ordem alterada para facilitar a compreensão.

10 O termo ‫ עַ ִּי ן‬também pode ser traduzido por olho, isso quer dizer que estava extremamente
visível para todos.
8

É interessante observar que quando o povo faz tudo o que Deus havia
ordenado anteriormente, então a glória encheu o tabernáculo. O fato de a
nuvem estar sempre lá dá a entender que essa era a casa de Deus na terra.
O que traz unidade a essa perícope é a nuvem da glória de Deus. Tudo
o que acontece na perícope é baseado na nuvem. A nuvem sempre é uma
condição para determinada ação: se a nuvem permanecia sobre a tenda
Moisés não podia entrar; se a nuvem se levantasse o povo levantava
acampamento e caminhava adiante; se a nuvem descer o povo para
novamente. A única exceção é o último versículo que fala que a nuvem ficava
visível a todas as casas de Israel, o que é fundamental para que todos
soubessem da presença de Deus, mas seguindo a lógica de que ela
determinava as ações do povo, ela precisava ser assim visível para que todos
soubessem o que fazer.
Caso essa perícope não existisse não seria possível saber se o Senhor
havia, de certa forma, aprovado ou não a construção do tabernáculo, visto que
ela apresentar a reação de Deus ao término da construção.
Quando Deus desce com a sua kabod ele está confirmado a promessa,
mas também está confirmando sua presença no culto israelita. Conforme as
instruções de Levítico, o culto somente acontece na presença do Senhor,
portanto somente pelo fato de o Senhor ter descido com a sua kabod.
A delimitação da perícope não é aleatória, mas existe uma explicação.
A proposta de delimitação do texto é dos versículos 34 -38. Baseando se nas
análises exegéticas feitas até o presente momento, baseando-se no conteúdo
e na forma, pode-se apoiar essa delimitação.
Essa delimitação percebe-se pelo sujeito que está atuando em cada
momento do capítulo. Inicialmente (1-15) Deus está falando, passando as
instruções de construção para Moisés, logo em seguida (13-33) o texto
descreve o que Moisés faz, que é exatamente o que Deus havia ordenado,
sendo assim praticamente uma repetição. Assim que essa repetição termina o
sujeito volta a ser Deus, que então vai habitar o tabernáculo.
Outro aspecto que apoia essa delimitação é o conteúdo. Visto que até
o versículo 33 o assunto é a construção do tabernáculo, que inclusive termina
dizendo que Moisés acabou a obra. Então entra o versículo 34, como uma
9

consequência de ter acabado a obra, de certa maneira a reação de Deus


depois de terminada a obra.
Os versículos seguintes (Levítico 1) passam a ter outra característica.
Novamente vem uma fala de Deus para Moisés, com uma mudança de assunto,
passando a falar sobre holocaustos.
10

2 ANÁLISE DO CONTEXTO

A perícope do presente trabalho está localizada num grande e


importante bloco literário do Pentateuco, o período em que o povo de Israel
estava no deserto, logo depois de terem fugido do Egito. Esse bloco inicia em
Êxodo 19 e vai até Números 10.10. Pelo fato de o povo estar caminhando no
deserto é muito prático estruturar o livro seguindo os limites geográficos, essa
é a estrutura mais comum na maioria dos comentários bíblicos e introduções
ao Antigo Testamento. Abaixo vê-se a estrutura proposta por Macchi: 11
• Primeiro período: Israel no Egito (1.1-15.21);
• Segundo período: os deslocamentos no deserto (15.22-18.27);
• Terceiro período: o Sinai (19-40).
Baseando-se nessa estrutura, a perícope se encontra no final do
terceiro período e assim também no final do livro. Nesse período acontece o
Anúncio da Aliança, com a entrega do decálogo e código da Aliança, o projeto
de edificação do Tabernáculo, a ruptura e restauração da Aliança e por fim a
edificação do Tabernáculo (35-40) 12. O texto em análise pressupões, portanto,
o Tabernáculo pronto.
Outra forma de estruturar o livro de Êxodo é tomando como base o seu
conteúdo teológico, segue a proposta dos autores DILLARD e LONGMAN: 13
I. Deus salva Israel da escravidão egípcia (1.1-18.27);
II. Deus dá a Israel a sua lei (19.1-24.18);
III. Deus ordena a Israel que construa o tabernáculo (25.1 -40.38).
Conforme esses autores “a partir dessa segunda estrutura, nós
podemos claramente apreciar a preocupação do livro com a salvação, a lei e a
adoração.”. 14 De fato é possível ter essa visão dos panoramas teológicos,
porém utilizando o primeiro modelo é possível observar outras características
importantes.

11 MACCHI, Jean-Daniel. Êxodo. In: Thomas Römer et.al. (Orgs.) Antigo Testamento:
História, Escritura e Teologia. São Paulo: Loyola, 2010, p. 217.
12 Cf. MACCHI, 2012, p. 217.
13 DILLARD, Raymond B.; LONGMAN III, Tremper. Introdução ao Antigo Testamento. São

Paulo: Vida Nova, 2006. p. 63.


14 DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 63.
11

Prefere-se manter o primeiro modelo pelo fato de que ao valorizar a


posição geográfica do povo é possível perceber a ênfase no contexto do
deserto, um local que é vazio, mas é o local que Deus fala com seu povo. Além
de ficar mais claro dentro do contexto histórico de seu bloco maior. 15
É interessante que a glória do Senhor bastante destacada na presente
perícope já é mencionada anteriormente no livro de Êxodo:
• “Enquanto Arão falava a toda a congregação dos filhos de Israel,
olharam para o deserto, e eis que a glória do Senhor apareceu
na nuvem.” 16
• E a glória do Senhor pousou sobre o monte Sinai, e a nuvem o
cobriu durante seis dias. No sétimo dia, do meio da nuvem o
Senhor chamou Moisés.” 17
• Na ocasião em que Moisés pede para ver a face do Senhor, e o
Senhor responde: “Você não poderá ver a minha face, porque
ninguém verá a minha face e viverá.” 18
Nos dois primeiros textos citados a glória do Senhor é manifestada
através de uma nuvem, assim como em nossa perícope. Nesses textos, porém,
essa manifestação é isolada e ocasional. Caso nossa perícope não estivesse
no livro não se poderia ter a noção de continuidade que o texto traz. Nesse
sentido a glória do Senhor não está presente ocasionalmente, mas ela sempre
está com o povo.
É interessante também analisar essa perícope dentro do contexto do
Pentateuco. O Pentateuco é composto pelos cinco primeiros livros da Bíblia 19
tendo seu centro no livro de Levítico, ou especificamente no bloco que contem
a revelação da Lei no Sinai. Dessa forma os livros de Gênesis e Deuteronômio
formam uma moldura externa e os livros de Êxodo e Números forma uma
moldura interna. Essas molduras são palpáveis pela estrutura dos livros e pelo
conteúdo abordado por estes. 20 A perícope aqui analisada está dentro desse

15 Êxodo 19 até Números 10.10.


16 Êxodo 16.10
17 Êxodo 24.16
18 Êxodo 33.17-23
19 Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
20 Cf. RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe (Orgs.) Antigo

Testamento: História, Escritura e Teologia. São Paulo: Loyola, 2010. p. 81-82.


12

centro do Pentateuco, trazendo também um conteúdo importante, a presença


de Deus praticamente de maneira física por meio do tabernácul o.
Outra característica importante que se percebe no Pentateuco é que
ele está organizado geograficamente, porém a perícope do Sinai recebe
grande destaque também sob essa ótica, visto que ocupa 59 capítulos. Em
comparação “com a parte que antecede o Sinai, vemos que 68 capítulos estão
dedicados a quatro cenários diversos, e se tornamos ao que segue,
constatamos que 60 capítulos são dedicados às duas etapas finais ” 21, portanto
é possível concluir que esse texto tem fundamental importância para o
Pentateuco e para a Bíblia como um todo. A partir dessa ótica também mudam
os critérios de interpretação do que antecede a perícope do Sinai e o que
sucede esta perícope. 22
A temática da glória do Senhor aparece em vários momentos no
Pentateuco, abaixo segue uma lista que alguns momentos marcantes:
• Êxodo 16.1-10: O Senhor manifesta a sua glória quando manda
o Maná no deserto.
• Êxodo 24.12-18: A glória do Senhor, em forma de nuvem, cobre
o monte quando Moisés sobe. Fica assim durante 6 dias, quando
no sétimo Deus chama Moisés do meio da nuvem.
• Levítico 9: Quando Moisés instrui Arão sobre os sacrifícios. Arão
oferece sacrifícios por si e pelo povo, exatamente da forma como
o Senhor havia ordenado, então a glória do Senhor apare para
todo o povo.
• Números 14: O povo está se rebelando com seus líderes, está
murmurando contra o Senhor e quer voltar para o Egito. Mesmo
diante das falas dos espias, Josué e Calebe, eles querem voltar
ao Egito, então o Senhor mostra a sua glória diante de Moisés,
falando que pretende deserdar o povo. Entretanto quando Moisés
clama pelo povo, Deus os perdoa, mas aplica o castigo de que
não entrará na terra prometida a geração que viu a glória do
Senhor (e também seus feitos).

21 ANDIÑACH, Pablo R. Introdução hermenêutica ao Antigo Testamento. São Leopoldo,


RS: Sinodal, 2015. p. 65.
22 Cf. ANDIÑACH, 2015, p. 65.
13

• Números 20: Novamente o povo está reclamando, então Moisés


e Arão vão para a tenda do encontro e ali a glória do Senhor
aparece para eles.
• Deuteronômio 5: Relato sobre os 10 mandamentos, a glória do
Senhor é mencionada relacionando-se com a questão de que
quem vê a glória do Senhor não vive, mas que o povo teve a
chance de viver.
14

3 INTERTEXTUALIDADE

A perícope em análise se trata do acontecimento imediatamente após


o término da construção do tabernáculo. O tabernáculo é essa tenda construída
rigorosamente conforme o recomendado pelo próprio Deus. A tenda do
encontro era o “santuário” dentro do tabernáculo, provavelmente tem esse
nome por se tratar do lugar que o próprio Deus se encontrava com o seu povo,
ou seu representante. É interessante observar que na raiz do vocábulo
traduzido por tenda existe o sentido de moradia de um nômade, portant o é
possível entender alguns aspectos importantes para o texto. Primeiramente o
sentido de moradia mostra que o próprio Deus estava ali morando em meio ao
povo, dessa maneira o povo não estava abandonado, mas tinha a presença do
próprio Deus. Quanto ao sentido de ser nômade, ou seja que não tem moradia
fixa, percebe-se que o próprio Deus se dispõe a caminhar com o seu povo,
visto que essa tenda acompanha o povo em suas jornadas.
O que define as jornadas do povo é justamente algo relacionado ao
tabernáculo, a glória de Deus que enche o tabernáculo através de uma nuvem,
esse é o ponto central dessa perícope. A glória de Deus manifestada dessa
forma já aconteceu anteriormente enquanto Deus guiava o seu povo para a
travessia do Mar Vermelho1 , também aparece em Êxodo 16.10: “Enquanto
Arão falava a toda a congregação dos filhos de Israel, olharam para o deserto,
e eis que a glória do Senhor apareceu na nuvem.” e Êxodo 24.16 “E a glória
do Senhor pousou sobre o monte Sinai, e a nuvem o cobriu durante seis dias.
No sétimo dia, do meio da nuvem o Senhor chamou Moisés.”.
O fato de o livro de Êxodo terminar com o cumprimento da promessa
mostra um otimismo, diferente do início do livro, por isso também mostra como
o povo poderia ter esperança para a jornada adiante. 23
Falando especificamente da glória do Senhor, o termo hebraico kabod
tem a ver com peso, ser pesado, ou seja, pode ser interpretado como algo
honroso e glorioso. Quando se refere a glória humana , normalmente tem

23COLE, R. Alan. Êxodo: introdução e comentário. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1981. 231
p; HARRIS, R. Laird; ARCHER, Gleason L.; WALTKE, Br uce K. Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998. 1789 p ; VANGEMEREN,
Willem A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento.
Cultura Cristã: São Paulo, 2011,1168 p .
15

relação com poder, riqueza ou sucesso, mas é claro que para Deus o sentido
é muito mais profundo. Teologicamente falando, a glória de Deus tem um
sentido muito especial, pois quando Deus criou todas as coisas, as criou para
que glorificassem o seu nome. Também o ser humano, em última análise foi
criado para a glória do Senhor, todas as suas ações deveria ser para glorificar
o nome de Deus. Mas o ponto principal que está relacionado ao nosso texto é
que o ser humano foi criado de modo que tenha o prazer supremo na sua vida
quando entende e pratica o dever da Doxologia. 24
Em todo o Antigo Testamente existem vários relatos que falam da glória
do Senhor. Um relato muito importante é o chamado do Isaías, em Isaías 6. A
citação acontece no versículo 3: “E clamavam uns para os outros, dizendo:
‘Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua
glória.’”. Esse texto dá a dimensão de que a terra só é mantida em virtude da
glória de Deus que a encheu. A glória de Deus muitas vezes tem um aspecto
de “iluminação”, o que tem muita relação também com nossa perícope, visto
que ela de fato iluminava, com o fogo a noite, mas também iluminava no sentido
de mostrar o caminho para o povo, seja por onde passar, mas também quando
partir e quando parar. 25
O uso desse termo geralmente tem relação com o templo de Jerusalém,
como nos textos de Isaías 6. Ezequiel 1-3; 8-11; Salmos 24; 29. 26 Nossa
perícope também tem relação com o templo, visto que o Tabernáculo que é
concluído na perícope pode ser considerado o antecessor ao tempo de
Jerusalém, pelo fato de ambos os locais cumprirem a função de ser o local de
culto do povo. Assim como Deus encheu o Tabernáculo com sua glória quando
a construção estava pronta, Deus também promete a Salomão, na construção
do Templo que habitaria no meio do povo, isso está relatado em 2 Reis 6.
Destaque para os versículos 11-13: “Então a palavra do Senhor veio a
Salomão, dizendo: — Quanto a este templo que você está edificando, se você
andar nos meus estatutos, e executar os meus juízos, e guardar todos os meus
mandamentos, andando neles, cumprirei para com você a minha palavra, a

24 PACKER, J. I. Glória de Deus. In: FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F. Novo
Dicionário de Teologia. São Paulo: Hagnos, 2009. p. 455-457.
25 JANOWSKI, Bernd. Glória. In: Dicionário de termos teológicos fundamentais do

Antigo e do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 2011. p. 231-232.


26 JANOWSKI. 2011, p. 231.
16

qual falei a Davi, seu pai. Então a palavra do Senhor veio a Salomão, dizendo:
E habitarei no meio dos filhos de Israel e não abandonarei o meu povo. ”
17

4 CONTEXTUALIZAÇÃO

A perícope de Êxodo 40.34-38 é muito importante, visto que fala da


glória do Senhor. É interessante observar como isso se reflete no Novo
Testamento:
Iniciando pelos evangelhos, há uma referência clara no evangelho de
João, já no primeiro capítulo: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio
de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.”.
É interessante observar que o evangelista usa exatamente o verbo habitar, que
é utilizado também para o contexto de montar as tendas, ou seja pode ser feita
a alusão com a nuvem que habitou no tabernáculo e também nesse contexto
de João a glória do Senhor é revelada, inclusive é revelada em carne, trazendo
esse novo significado.
A temática também aparece em 1 João, já no primeiro capítulo, quando
fala que Deus é luz. Pode-se fazer essa relação visto que quando a nuvem
cobriu o tabernáculo também havia fogo, que representa a glória de Deus.
Interessante observar como a temática aparece na carta aos
Colossenses. No terceiro capítulo o autor está dando instruções para um viver
santo e no versículo 16 novamente aparece o verbo habitar: “'Que a palavra
de Cristo habite ricamente em vocês. Instruam e aconselhem -se mutuamente
em toda a sabedoria, louvando a Deus com salmos, hinos e cânticos
espirituais, com gratidão no coração.” Colossenses 3:16. Interessante que
quando a palavra de Deus habita no cristão, esse também faz aparecer a glória
de Deus, tanto que seguindo no texto da carta o autor recomenda que tudo o
que se faça seja em nome do Senhor, dessa forma sendo testemunho da glória
de Deus.
Também no livro de Apocalipse há referências à preícope de Êxodo. No
contexto dos anjos com os últimos flagelos novamente a glória de Deus é
manifestada em forma de fumaça, que enche o santuário, de modo que
ninguém poderia entrar até se cumprirem os sete flagelos. “O santuário se
encheu da fumaça da glória de Deus e do seu poder, e ninguém podia entrar
no santuário, enquanto não se cumprissem os sete flagelos dos sete anjos.”
Apocalipse 15.8.
18

Percebe-se que a partir de Jesus a glória de Deus, que antes ficava no


tabernáculo e ninguém podia entrar onde ela estava, se torna acessível aos
seres humanos, criaturas de Deus. Então, a partir de Jesus Cristo, os cristãos
podem ter participação na glória de Deus, através de uma vivência digna diante
de Deus, conforme 1 Tessalonicenses 2.12: “exortando, consolando e
admoestando vocês a viverem de uma maneira digna de Deus, que os chama
para o seu Reino e a sua glória.”. Também pensando na Vida Eterna há
participação na glória, conforme escrito na carta as Filipenses: “exortando,
consolando e admoestando vocês a viverem de uma maneira digna de Deus,
que os chama para o seu Reino e a sua glória.” 1Tessalonicenses 2:12. 27
Também Paulo, na carta aos Romanos fala da participação na glória de
Deus: “pelo qual obtivemos também acesso, pela fé, a esta graç a na qual
estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus. ” Romanos
5:2. Essa oportunidade de participar da glória de Deus é somente por graça,
pois o ser humano havia sido destituído desse direito é precisava da graça de
Deus, isso fica explicito anteriormente na mesma carta de Paulo aos Romanos:
“pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” Romanos 3:23. 28
Em 2 Coríntios 4 novamente a glória do Senhor aparece re lacionada
com a luz. Na face de Cristo que vemos a iluminação da glória de Deus. Isto
porque Jesus é a Imagem de Deus. Destacamos o versículo 4: “nos quais o
deus deste mundo cegou o entendimento dos descrentes, para que não lhes
resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qu al é a imagem de
Deus.”
É interessante a relação que o comentarista Mackintosh faz desse texto
com a nossa vida. O Tabernáculo foi construído rigorosamente igual a
instrução que Deus havia passado, somente por isso que a glória do Senhor
habitou o tabernáculo. Dessa forma também hoje é necessário que a instrução
de Deus seja seguida fielmente, muitas vezes vem pensamentos e id eias que
dão a entender que a Palavra de Deus é incompleta, ou que não atinge todas
as áreas da vida humana, ou todas as situações que se colocam a nossa frente,
entretanto a Palavra de Deus é perfeita e completa para nós também hoje. Em

27 SCHOLTIESSEK, Klaus. Glória. In: Dicionário de termos teológicos fundamentais do


Antigo e do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 2011. p. 231-232.
28 SCHOLTIESSEK, 2011, p. 231-232.
19

2 Timóteo encontramos uma passagem preciosa que pode atualizar esse


ensinamento de maneira atemporal: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e
útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na
justiça, a fim de que o servo de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado
para toda boa obra.” 2Timóteo 3:16-17. Vale destacar a parte final, que diz
toda boa obra, isso quer dizer a todo tempo. 29
Outro aspecto interessante a destacar é a questão da esperança. Esse
relato termina com o cumprimento de uma promessa, Deus está vivendo no
meio do seu povo. Também traz um ar de otimismo em relação ao futuro, visto
que o Deus que mora com o povo também é o Deus que os conduzirá até a
terra prometida. Neste momento outro comentarista faz uma ligação importante
com o Novo Testamento, bem como para os dias de hoje. O povo seguirá uma
jornada até a terra prometida, isso implica um ponto de partida e também um
ponto de chegada, ou seja, uma conclusão. Dessa forma o Deus que iniciou
essa jornada com o povo irá concluir, assim como Paulo também tem certeza
que o Deus que iniciou a obra nos filipenses também terminará a obra neles e
de igual modo, o mesmo Deus que inicia a obra em nós hoje, também é o Deus
que termina essa obra até o dia de Jesus Cristo. 30

29 MACKINTOSH, Charles Henry. Estudos sobre o livro de Êxodo. 2. ed. Lisboa:


Depósitos de Literatura Cristã, 1978 . p. 279-280.
30 COLE, 1981. p. 231.
20

REFERÊNCIAS

ANDIÑACH, Pablo R. Introdução hermenêutica ao Antigo Testamento. São


Leopoldo, RS: Sinodal, 2015.

COLE, R. Alan. Êxodo: introdução e comentário. 2. ed. São Paulo: Vida


Nova, 1981.

DILLARD, Raymond B.; LONGMAN III, Tremper. Introdução ao Antigo


Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2006.

HARRIS, R. Laird; ARCHER, Gleason L.; WALTKE, Bruce K. Dicionário


Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova,
1998.

JANOWSKI, Bernd. Glória. In: Dicionário de termos teológicos


fundamentais do Antigo e do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 2011.

MACCHI, Jean-Daniel. Êxodo. In: Thomas Römer et.al. (Orgs.) Antigo


Testamento: História, Escritura e Teologia. São Paulo: Loyola, 2010.

MACKINTOSH, Charles Henry. Estudos sobre o livro de Êxodo. 2. ed.


Lisboa: Depósitos de Literatura Cristã, 1978

PACKER, J. I. Glória de Deus. In: FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David


F. Novo Dicionário de Teologia. São Paulo: Hagnos, 2009.

RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe (Orgs.) Antigo


Testamento: História, Escritura e Teologia. São Paulo: Loyola, 2010.

SCHOLTIESSEK, Klaus. Glória. In: Dicionário de termos teológicos


fundamentais do Antigo e do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 2011.
21

VANGEMEREN, Willem A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e


Exegese do Antigo Testamento. Cultura Cristã: São Paulo, 2011.

Você também pode gostar