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Filosofia Da Educação - Coletânea de Textos

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Ética, direito, deveres e virtudes

Yves de La Taille
Doutor em Psicologia, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo, especialista em desenvolvimento moral da criança e do adolescente.

Recentemente, um pequeno vocábulo tem invadido praticamente todas as áreas da


atividade humana. Refiro-me à palavra "ética". Fala-se em ética na política, em ética
nas relações de trabalho, em ética profissional; designam-se certas pessoas como
"éticas" e outras como "não éticas", organizam-se mesas-redondas sobre ética,
proferem-se conferências sobre ética, escrevem-se artigos sobre ética e, como não
poderia deixar de acontecer, fala-se em ética na escola, em formação ética dos
alunos, associa-se ética à cidadania. Tornou-se necessário falar de ética e
politicamente correto mostrar-se seu defensor, pois quem fala nela e a defende situa-
se a priori, imagina-se, do "lado do bem": o referido vocábulo serve de refúgio
semântico que garante a seu "usuário" um caráter moral irreprochável. Ora, e este
outro pequeno vocábulo que acabei de empregar, "moral": que fim levou? Por que
anda tão silencioso? Isto acontece porque pode ser "mal interpretado" associar quem
o emprega a uma atitude autoritária, a uma postura conservadora ou até reacionária, a
juízos de valor "moralistas". No mundo da educação, quem propuser uma "educação
moral" corre o risco de ser visto não somente como saudosista de um período ainda
recente de nossa história, como favorável a uma imposição implacável de valores e
condutas, privando o aluno da liberdade de escolha. Agora, falar em "formação ética"

FILOSOFIA
parece garantir uma imunidade pedagógica contra toda e qualquer tentação de
autoritarismo (falar de moral) ou de laicismo (não falar de ensino de valores). Parece
mágica.
E é mágica! Na verdade, se temos duas palavras, moral e ética, é porque as

DA
herdamos de dois idiomas antigos que, cada qual com o seu termo (mores em latim e
ethos em grego), referiam-se as normatizações das condutas humanas, situando-as
seja do lado do bem, do desejável, do obrigatório ou do permitido, seja do lado do mal,
do indesejável, do proibido ou do desaconselhável. Ou seja, na sua raiz etimológica,
os conceitos de moral e de ética são sinônimos. É também verdade que, com o passar

EDUCAÇÃO
dos séculos, eles acabaram recebendo sentidos filosóficos diferenciados. Para alguns,
por exemplo, moral referir-se-ia aos valores e costumes de comunidades humanas,
enquanto a palavra ética significa "filosofia da moral", um estudo sistemático destes
valores e normas. E há outros exemplos. Ora, é de se duvidar que a atual preferência
pelo emprego do conceito de ética seja filosoficamente inspirada. A explicação parece
ser outra e concordo com Bernard Spitz quando escreve que "este termo (ética), que
tomou cada vez mais importância, veio aliviar o inextricável embaraço daqueles que
desejavam falar em moral sem ousar pronunciar a palavra" (Spitz, 1995). Portanto é
ilusionismo acreditar que empregando a palavra ética escapa-se aos dilemas e
problemas de valor que a palavra moral coloca. Vamos falar em ética, sim, mas
também vamos nos entender sobre seu sentido. E, no campo da educação, uma
pergunta impõe-se: se vamos trabalhar o desenvolvimento ético dos alunos, que
conteúdos vamos contemplar? Esta pergunta é decorrência de outra anterior: que
legitimidade tem a escola para ensinar e cobrar adesão dos alunos a determinados maioria das pessoas que propõem uma formação ética dos alunos. Mas, se for esta,
valores e atitudes? A questão é delicada, ela suscita polêmicas, e faz muita gente que se diga claramente que alguns valores e algumas regras são obrigatórios, e neste
preferir ficar prudentemente indefinida. Mas ela deve se enfrentada, do contrário fica- sentido, exigidos. Tal exigência pode ser feita de maneira inteligente, com discussão,
se no limbo e paralisam-se as empreitadas educacionais. Assim proponho à reflexão reflexão, etc., mas o fato é que o resultado já esta previsto. Por exemplo, se durante
do leitor uma forma de abordá-la. uma discussão um aluno apresentar idéias nazistas, a estratégia didática poderá até
ser a de passar tais idéias pelo crivo da crítica, porém, estará fora de cogitação que
idéias racistas possam ser aceitas como eticamente válidas e não se tolerará que o
1. Relativismo moral ou escolha de valores e regras
aluno faça discursos e tenha práticas anti-semitas. Em resumo, mesmo que não se
Uma das críticas mais freqüentes à disciplina Educação Moral e Cívica foi, como eu fale em "educação moral", mas sim em "formação ética", o problema da imposição de
disse, a denúncia de seu caráter autoritário. Como o regime político durante o qual ela certos valores ainda permanece. Ora, para dizer aos alunos que certas condutas são
foi imposta era uma ditadura, associá-la ao autoritarismo era conseqüência inevitável. indignas (como o estupro) e que certos julgamentos são moralmente errados (como
Todavia, a referida crítica não era apenas decorrência desta associação. Ela incidia, apoiar a competitividade egoísta e desonesta), é preciso ter legitimidade para tal, e
sobretudo sobre a legitimidade da escola de dar "lições de moral" a seus alunos, de esta legitimidade depende dos conteúdos éticos que serão trabalhados. E é aqui que
ensinar-lhes, sem maiores dramas de consciência, onde estava o bem (como o amor encontramos o tema dos direitos, dos deveres e das virtudes.
a Pátria) e onde estava o mal (como a apropriação da propriedade privada), e de
2. Direitos, deveres e virtudes
exigir por parte deles uma aceitação incondicional do sistema de valores apresentado.
Mesmo que, como se sabe, tais aulas surtissem na prático pouco efeito, a intenção Se formos ler o famoso texto de Aristóteles intitulado Ética a Nicômaco, verificaremos
era clara: impor um sistema moral e cobrar obediência. que o filósofo grego coloca na sua ética virtudes como temperança, coragem,
prudência, magnanimidade, etc. A razão da inclusão de tais virtudes é clara dentro da
A disciplina Educação Moral e Cívica foi banida do currículo, mas, nos dias de hoje,
filosofia aristotélica: uma vez que a ética é definida como uma "arte de viver", como
volta-se a falar em assimilação de valores por parte dos alunos, e os Parâmetros
uma busca da felicidade, faz sentido incluírem-se nela traços de caráter e condutas
Curriculares Nacionais propõem, como tema transversal, a Ética. Ora, a pergunta que
que são necessários ao alcance desta felicidade. Porém, se formos ler a obra de Kant
vem imediatamente à mente é a seguinte: que diferença há entre propostas de
( século XVIII ), teremos uma visão totalmente diferente do que seja ética: longe de
formação ética e a velha prática da Educação Moral e Cívica? Sabemos que mudou
ser concebida como busca de felicidade, ela é construída a partir da noção de dever: é
de nome, mas e o resto? Do ponto de vista didático, houve mudanças importantes.
ético (ou moral) aquilo que se faz com base no respeito dos direitos alheios, direitos
Por um lado, a maioria das propostas de formação ética abandonou a estratégia
estes que são derivados de um imperativo categórico preciso: as pessoas nunca
pedagógica de reservar uma disciplina específica para este fim, preferindo
devem ser tratadas como meios, mas sim como fins em si (não podem, portanto,
transversalizar o tema, ou seja, trabalhá-lo de forma articulada com as diversas
serem "usadas" para benefício alheio). Deste ponto de vista, que, grosso modo,
matérias e, sobretudo, dando especial atenção à qualidade do convívio social escolar.
corresponde à ética moderna, apenas uma das virtudes citadas por Aristóteles pode
Por outro, mesmo as propostas que mantêm uma disciplina especifica ( seja lá qual for
ser, sem maiores objeções, objeto da ética: a justiça. É um dever ser justo porque é
o nome dado a ela ) não preconizam que um professor eticamente iluminado venha
um direito de todos serem tratados de forma justa . Assim, o valor justiça corresponde
fazer belos discursos a respeito do Bem e do Mal, mas sim que ele, a partir de textos,
a uma exigibilidade de conduta: todos devem procurar agir de forma justa, e toda
de dilemas, de letras de música , de artigos de revistas, etc., faça seus alunos
injustiça deve ser implacavelmente condenada e abolida. Em compensação, não é um
refletirem, discutirem, julgarem, posicionarem-se sobre vários temas éticos. Assim, o
dever ético ser corajoso, ter humildade, ser prudente, etc. Ou, melhor dizendo, tais
caráter autoritário traduzido pela imposição pura e simples (ou seja, sem reflexão e
virtudes somente corresponderão a deveres se exercidas em nome da justiça: ser
sem crítica)foi abolido: dá-se a palavra aos alunos, leva-se em conta o que pensam,
corajoso para opor-se a arbitrariedade, ser humilde para reconhecer que não se foi
respeitam-se suas idéias. Porém, uma pergunta permanece na ordem do dia: a
justo, ser prudente para garantir que a justiça se faça, etc.
adesão aos valores e normas morais apresentadas e discutidas na sala de aula
depende do livre arbítrio dos alunos? Ou tal adesão é obrigatória? Perguntando de Voltando a formação ética dos alunos, penso que, do ponto de vista dos conteúdos
outra maneira: é apenas aconselhável ou desejável o aluno se comportarem seguindo que serão trabalhados com eles e cuja observância prática lhes será exigida, devemos
certos valores? Ou, pelo contrário, isto é exigido? Se a primeira alternativa for a ser kantianos. Vale dizer que a ética a ser apresentada, refletida e exigida deve
escolhida, estaremos em pleno relativismo moral, e ninguém terá direito de cobrar o inspirar-se nos Direitos Humanos e traduzir-se nos deveres decorrentes. Podemos
que quer que seja de ninguém. Porém, se escolhermos a segunda alternativa, exigir de todo e qualquer cidadão brasileiro que ele seja justo com toda e qualquer
teremos então alguns limites ao livre arbítrio: as pessoas são livres para fazer o que pessoa? Penso que sim. Este é, portanto, um conteúdo da formação ética dos alunos,
querem, contanto que respeitem determinados valores e regras que balizam e dão e que confere a legitimidade ao professor para escolhê-la como tema de suas
sentido ético a esta liberdade. Ora, penso que esta última alternativa é a que inspira a intervenções pedagógicas e para suas exigências de comportamentos; e este é
também, portanto, um conteúdo que confere legitimidade para que os próprios alunos podemos trabalhar, e de forma muito rica, as virtudes com os alunos. Como? Seria
exijam ser tratado de forma coerente com ele. É claro que deverá haver toda uma preciso todo um artigo a mais para discorrer sobre isto, mas podemos dizer, à guisa
discussão sobre as melhores formas de ser justo, mas a busca da concretização do de sugestão, que: 1) o próprio convívio escolar pode ser uma "escola" do exercício
valor justiça, como ideal ético, não estará em discussão. Outro exemplo: podemos das virtudes; 2) como na literatura infantil, notadamente nas lendas e contos,
exigir de todo e qualquer cidadão brasileiro que se disponha a dialogar com as referencias à coragem, à generosidade, à prudência, etc, são encontradas com
pessoas com as quais está em conflito? Também penso que sim, pois a opção pelo freqüência, podemos fazer os alunos identificarem as virtudes que julgam estar
diálogo traduz uma forma de respeito pelo outro. Mas podemos exigir de alguém que presentes, pensarem sobre elas, julgarem sua pertinência e valor. Ou seja, podemos
seja grato, temperante, generoso, prudente? Penso que não. Podemos aconselhar as abrir o leque das interpretações ao invés de fechar a questão como se fazia
pessoas a cultivarem estas virtudes, mas não podemos dizer que elas têm o dever de antigamente, quando professores e autores apresentavam seu veredicto inapelável: a
fazê-lo. Neste sentido, tais virtudes, e outras, não podem fazer parte dos conteúdos "moral da história é...": assim como podemos apenas desejar que os alunos sejam (e
cuja observância é um dos objetivos da formação ética, do contrário, voltaremos ao nós mesmos sejamos) virtuosos, e não exigi-lo, tampouco temos legitimidade para
autoritarismo, pois transformaremos em dever aquilo que não corresponde ao direito impor uma só versão do que seja a definição e o valor das diversas virtudes. Fazê-lo
de ninguém, mas apenas às escolhas pessoais de determinado professor, ou às seria cometer um abuso de poder, um erro pedagógico, enfim, uma injustiça.
opções ideológicas de determinada instituição.
Tudo o que foi escrito até agora diz respeito aos conteúdos que devem fazer parte da Notas
formação ética e que conferem legitimidade a professores e alunos para exigir, deles
2. O imperativo categórico é aquele que deve ser seguido incondicionalmente, ou seja,
próprios e das outras pessoas, condutas coerentes. Ficamos com o sistema de
que não depende do contexto ou das circunstâncias.
deveres e direitos éticos (não necessidade jurídicos), e excluímos as virtudes.
Todavia, do ponto de vista pedagógico, penso que seria um erro não se trabalharem 3. Entendemos justiça aqui no universo ético, e não jurídico. Pode haver leis criadas
as virtudes. Isto por duas razões . A primeira é que, freqüentemente, para pelo Poder Judiciário que não sejam eticamente justas.
conseguirmos cumprir nossos deveres éticos, precisamos de disposições de caráter
4. Para maiores análises, remeto o leitor ao meu livro Limites: três dimensões
que pressupõem o cultivo das virtudes. Por exemplo, para ser justo, é preciso às
educacionais. São Paulo: Ática, 1998, onde aprofundo o tema da "excelência" e sua
vezes ser corajoso; para dialogar, é preciso ser humilde (do contrário nem se ouve o
relação com a moralidade.
que o interlocutor tem a dizer), para ser solidário é preciso ser generoso, e assim por
diante. A segunda razão que me faz pensar que um trabalho em sala de aula em torno
das virtudes (e não apenas em torno dos direitos e deveres) é pedagogicamente -----------------------
necessário é que elas dizem diretamente respeito aos afetos, aos sentimentos, e que
estes participam da construção da "personalidade moral", ou seja, da organização Ética e (falta de) educação
psíquica da qual fazem parte os valores éticos. Tomemos o exemplo da coragem.
Trata-se de uma virtude universalmente reconhecida e valorizada, portanto de um Roberto Patrus Mundin Pena
traço de caráter que muitas pessoas, notadamente as crianças, admiram e querem Mestre em Administração de Recursos Humanos (UFMG), Psicólogo (UFMG), Filósofo
possuir. Porém, acontece que, freqüentemente, a coragem é associada à força, à (PUC-MG), Autor do livro Ética e Felicidade, Psicoterapeuta e Professor de Filosofia e
violência, associação esta que, naturalmente, é contraditória com a ética ( com o Ética da PUC-MG, FUMEC e FEAD. E-mail: robertop@gold.com.br
dever do diálogo, por exemplo). Ora, se o tema da coragem não for trabalhado pelos
alunos, corre-se o risco de eles permanecerem pensando-a como virilidade, como “O homem só pode tornar-se homem pela educação. Ele é apenas o que a
força, como violência, fato que inevitavelmente comprometerá a desejada formação educação faz dele.” (Kant)
ética. Mesma coisa pode ser dita da virtude da generosidade: embora ser generoso
não corresponda a um dever - pois se é generoso justamente quando se dá ao outro o A EDUCAÇÃO É a arte de ensinar às pessoas o conhecimento necessário para
que não é seu direito - verifica-se na prática que raramente as pessoas desprovidas sobreviver e viver em sociedade. Consiste na transmissão, sistematizada ou não, dos
de generosidade são realmente justas (são, no máximo, legalistas). A generosidade conhecimentos e valores construídos pela humanidade ao longo dos tempos. Implica
nos faz olhar para o outro com um todo, e não apenas como um sujeito de direitos. E, dois fatores interdependentes: a informação e a formação. A informação é o
no desenvolvimento moral infantil, observa-se que, em geral, as crianças começam conhecimento de que todos precisam estar de posse para viver bem ou mesmo para
por ser generosa para depois se tornarem justas. Seria uma pena não trabalhar com sobreviver, com saúde, civilidade, respeito ao próximo. A formação é a reflexão que
elas este traço de caráter que não somente é admirável como intimamente fazemos sobre a informação, pois esta precisa ser atualizada e contextualizada
relacionado aos processos complexos que configuram a formação ética. Em resumo, continuamente.
A educação é uma exigência da vida em sociedade. O ser humano, ao contrário dos fundamental no sentido de acelerar a transição para uma nova ordem moral. Além
animais, não é só o seu corpo, ele tem o seu corpo. É capaz de controlá-lo porque tem disso, ética e educação se relacionam porque ninguém nasce sabendo o que l he
consciência de seus instintos. O mundo da cultura, produção humana, estabelece uma convém. Esse saber viver precisa ser ensinado aos seres humanos. E precisa ser
ruptura com o mundo da natureza, reprodução biológica, porque não repete uma atualizado, contextualizado e adaptado às transformações históricas. É necessário
programação hereditária, mas inventa uma forma de viver inteligente e criativa. Entre informar e formar, instruir e refletir, transmitir os conhecimentos e valores e criticá-los.
a natureza e a cultura, se estabelece a necessidade da educação. Educar é Esse papel ganha importância ainda maior diante da atual crise dos costumes.
transformar a natureza humana em produto da cultura. Se não houvesse educação,
A crescente valorização da ética como tema de relevância na atualidade é sinal de
viveríamos como animais, daí a sua vocação humanista.Todo ser humano nasce como
otimismo e preocupação. Ao mesmo tempo em que revela o nascimento de uma
um animal. O processo do parto, a primeira mamada do neném, o seu choro quando
consciência aberta às necessidades de boa convivência com o outro, com a
está desconfortável ou o seu sono tranqüilo quando está bem mostram que a criança
sociedade e com o meio ambiente, demonstra que estamos necessitados de rever o
que nasce é um ser biológico, com reflexos inatos que lhe permitem sobreviver. O
nosso contrato social, de redefinir os direitos e deveres que regulam a vida em
ambiente em que a criança nasce, no entanto, está repleto de símbolos da cultura. Ao
comunidade e de estabelecer os limites para a liberdade de cada um e do estado. Se
nascer, a criança ganha um nome, sendo introduzida desde já no universo da
precisamos falar de ética é porque ela anda em falta. De alguma maneira, está
linguagem. Os ritos de batismo, a bênção, a comemoração, as visitas, as lembranças,
havendo uma falha na formação ética das pessoas e isso é uma responsabilidade da
os presentes... A criança nasce em um universo simbólico, ou seja, em um mundo
educação. É como reler um contrato de locação, para saber quais as penalidades no
inventado pêlos homens. Essa cultura precisa ser-lhe transmitida. E isso é feito
caso de atraso de pagamento. Se o mesmo está em dia, o contrato não precisa ser
através da educação. A educação introduz a criança no mundo da civilidade. Através
consultado para esse fim. Do mesmo modo, se a temática ética torna-se relevante, é
da educação, o ser biológico vai atualizando a sua potencialidade de vir a ser humano.
porque se percebe a transgressão aos seus princípios básicos. Tais desvios podem
Mesmo o adulto, a cada vez que aprende, isto é, a cada vez que é educado, torna-se
ser agrupados sob um nome genérico que chamaremos de falta de educação.
mais humano.
A falta de educação é o flagrante desrespeito às normas de boa convivência social. É
A ética é a reflexão sobre o que convém, sobre o que é bom. Ao investigar o que
o motorista apressadinho que dirige de forma imprudente colocando em risco a vida
proporciona o viver bem, duas dimensões estão presentes: a individual e a social. Se
de outros cidadãos. É o sujeito cujo telefone celular interrompe a apresentação de
a ética enfatizar o indivíduo, vai investigar os critérios e valores que levam o indivíduo
teatro. É o condôminio barulhento que acorda os vizinhos de madrugada.
a escolher uma conduta em detrimento de outra. Se, por outro lado, enfatizar a sua
dimensão social, vai refletir sobre os costumes de um determinado grupo. O costume No âmbito da escola, a falta de educação se revela em atitudes de desrespeito, que
é o resultado da repetição de condutas individuais que se padronizaram. Uma vez costumamos chamar de indisciplinadas. A falta de educação ou a indisciplina na
estabelecido, ele tende a condicionar o comportamento individual. escola implica alguma falha, seja na transmissão dos conhecimentos e valores
(informação), seja na reflexão sobre esses conhecimentos e valores (formação). A
Os costumes, ou mores, em latim, representam o conjunto de condutas esperadas por
primeira instituição responsável pela educação das crianças é a família. A segunda é a
um grupo social em um determinado momento histórico, ou seja, a moral. Quando a
escola. A falta de educação tem as suas raízes, portanto, na crise da família como
moral de uma sociedade é uniforme e sua influência sobre o comportamento dos
instituição e repercute na instituição escolar.
indivíduos é exercida de forma hegemônica, o significado de ética e moral se
confundem porque o que é considerado correto (ético) é o comportamento ao qual a A origem da falta de educação generalizada que vivemos, principalmente nos centros
sociedade está acostumada (moral). Nesse sentido, o que era ético, era moral e o que urbanos e particularmente no interior da escola, está localizada na crise da família. A
era moral era ético, apesar dos dois termos terem significados diferentes. família como instituição social, célula básica da sociedade, cada vez mais se privatiza,
deixando de ser espaço de educação para a vida pública. A família, antes responsável
Atualmente, os costumes não conseguem mais impor a força da sua tradição sobre o
por ensinar um ofício e educar para a vida pública, transfere para a escola o
comportamento dos indivíduos e estes passam a agir de modo diferente do que fora
aprendizado da vida em sociedade. A família se torna puramente privada, deixando de
estabelecido como moral, como padrão. Antes de se estabelecer um novo padrão de
ser plenamente educativa.
comportamento, há um momento de transição em que o que é correto (ético) para
alguns pode ser imoral (contra os costumes) para outros. Nesse contexto, ética e No âmbito da família, a autoridade dos pais também entra em crise. No contexto rural,
moral se distinguem. A ética será a reflexão sobre o que é bom ou certo e esse os pais eram autoritários tanto por necessidade quanto por costume. Se o feijão
julgamento pode levar à valorização de uma conduta que em tempos anteriores seria estivesse secando no terreiro da casa e o céu se fechasse, ameaçando chover, os
imoral. Quando isso acontece, vive-se uma crise dos costumes. Estamos vivendo pais ordenavam aos filhos recolher o feijão imediatamente, o que era feito de forma
justamente esse momento. indiscutível. Hoje, nos centros urbanos, a autoridade dos pais deixa de relacionar-se
com tarefas familiares indiscutíveis e se torna arbitrária. "Meu filho, desliga a televisão
Isso faz com que o tema da ética ganhe relevância e a educação apareça como fator
e vá dormir que já está tarde"." Preocupa não, pai. Se eu ficar com sono o problema é inserção em uma coletividade. O individualista desconhece uma realidade
meu". Se o filho não ajudasse a proteger o feijão da chuva que se aproxima, o fundamental: todos os seres humanos dependem uns dos outros. Ao individualista,
prejuízo seria coletivo, de toda a família. Mas se o jovem filho dorme mais tarde e fica falta o conhecimento de que vivemos em sociedade e dependemos dela para o nosso
com sono no dia seguinte, o prejuízo é só seu. bem estar e felicidade. Eu não faço o pão que como de manhã; dependo do padeiro.
Eu não construo o prédio em que moro; dependo, portanto, do pedreiro, do
O individualismo moderno preconiza que o indivíduo tem o direito de levar a sua vida
engenheiro e do arquiteto. Para ganhar o meu salário, eu dependo de quem me
privada como bem entender. Estando em casa, o indivíduo pode fazer o que quiser. A
emprega e de quem contrata os serviços da instituição em que trabalho. A
expressão "comporte-se porque você não está na sua casa!" Revela exatamente o
interdependência é uma realidade inequívoca da vida. O individualista a desconhece.
que estamos falando. O lar deixou de ser um espaço de educação para a vida em
Falta-lhe esta informação básica sobre a vida.
sociedade para se converter em um espaço de liberdade privada e individual, onde o
indivíduo se comporta com bem entender, sem dever satisfação a ninguém. A O individualista vê o próximo como um rival. Tal situação lembra aquela fábula em que
educação para vida em sociedade é delegada à escola. dois jumentos estavam amarrados por uma corda no pescoço, um de costas para o
outro. À frente de cada um, havia um apetitoso feixe de feno. Porém, quando o
Certa vez, um professor chamou a atenção de um aluno que, do corredor da escola,
primeiro jumento se aproximava do alimento, a corda se retesava e afastava o outro
jogava água nos colegas que assistiam aula em sala, colocando o dedo na torneira do
da sua ração. Assim, como que disputando um cabo de guerra, os dois animais não
bebedouro, que ficava de frente para a porta da sala. O professor o repreendeu, de
conseguiam se alimentar. Nós estamos como os dois jumentos, disputando um cabo
forma firme e educada. O aluno respondeu que o professor não podia fazer nada
de guerra com o próximo, torcendo pelo seu fracasso para que possamos nos
porque ele não era seu aluno e nem estava em sua sala de aula, mas no corredor. O
apropriar do monte de feno que lhe pertence.
professor elevou o tom de voz e o repreendeu novamente, mostrando-lhe que a sua
atitude estava prejudicando a turma. O aluno então se queixou: "Qual é, cara? Nem Este fenômeno pode ser observado nas festas infantis, logo após o momento dos
meu pai fala assim comigo"! O professor então pensou: por isso que ele não tem parabéns. As crianças se acomodam em volta da mesa, decorada com o tema da
educação... O espaço familiar vem deixando de se ocupar com a tarefa da educação festa, o bolo e inúmeros docinhos. Enquanto o sopro da criança apaga a vela e as
para ser apenas um ponto de encontro entre pessoas que moram juntas. Se o pai do luzes se acendem, todos os filhos avançam sobre os doces, principalmente sobre os
aluno não é capaz de repreender o filho quando este desrespeita o outro, ele não está brigadeiros. Quem pegar mais é o herói. Alguns levam os copos descartáveis de
sendo capaz de educá-lo. Quem assume essa tarefa é a escola, para quem é refrigerante para se apropriar de mais doces. Curiosamente, os pais não se
delegada toda a responsabilidade. incomodam com o fato dessa atitude prejudicar alguns, que ficarão sem os doces.
Talvez considerem que é melhor o filho lutar por seu interesse, ser esperto, do que ser
A primeira causa do problema da falta de educação está relacionada, portanto, com
bobo e ficar de mãos abanando.
esta privatização da família. Se antigamente, a família passava na frente do indivíduo,
controlando a sua vida privada (correspondência, amizades, profissão e até A mesma disputa por doces pode ser observada em uma festa de casamento, porém
casamento), atualmente, principalmente nos centros urbanos, o indivíduo passa na entre adultos. Não é raro ver mulheres encherem as mãos de lindos doces e correrem
frente da família. O indivíduo era julgado em função da contribuição que prestava à para depositá-los nos bolsos do paletó dos maridos, entre comentários do tipo "é para
sua família. Agora, a família é julgada em função da contribuição que oferece à vida os nossos filhos" ou "esta trufa branca é de arrasar qualquer regime!"
privada individual.
Tais exemplos nos mostram que o problema não é das crianças ou dos alunos. É de
Esta transição no papel da família fica muito clara quando o pai diz para o seu filho: todos nós. Isso torna o desafio da educação ética mais difícil ainda. Todos nós somos
"Você está achando que aqui é hotel"? Para o pai, o filho deve servir à família. Para o responsáveis. Achar que o problema é só do outro é o que o Gianetti da Fonseca
filho, é a família que deve servi-lo. O hotel serve a seu hóspede, está a seu serviço. A chamou de auto-engano. Se há crise, é porque alguém não está cumprindo o seu
geração de nossos pais ou de nossos avós considera absurdo que o filho usufrua do dever, e esse alguém é sempre o outro, eu não. Individualmente, somos todos ótimos,
lar como quem desfruta de um hotel. Para eles, o filho deveria se comportar com a coletivamente, somos um fracasso.
cerimônia de uma visita, pois enquanto ele não se sustentar deve obedecer às regras
Além da privatização da família e do individualismo moderno, um outro fator
da casa. No entanto, o filho acha realmente que não precisa se adequar, pois ele
relacionado com a falta de educação é a popularização do uso da tecnologia.
pensa que é dono do seu nariz. No fundo, o filho acha que tem o direito de deixar o
Afirmamos que a educação das crianças tem sido transferida da família para a escola.
seu quarto como bem entender, (é só fechar a porta! Não atrapalha ninguém !), de
Como a criança fica um turno na escola, o outro turno ela fica fazendo o quê? Como
almoçar e jantar a hora que quiser e de ver televisão quando e como quiser.
geralmente os pais estão trabalhando fora, as crianças ficam um tempo expressivo
A falta de educação nos tempos modernos está ligada, portanto, ao fenômeno do diante da televisão. Recente coluna do jornalista GiIberto Dimenstein no site
individualismo. O individualismo é a valorização de si mesmo sem considerar a sua www.aprendiz.com.br revelou que, segundo pesquisa da ONU, uma criança que
assista a duas horas diárias de desenhos animados transmitidos na televisão autoridade, no contrato, observados os direitos do cidadão, não é antiético. E inclusive
brasileira (o que já está subestimado) será exposta a 40 cenas de violência. Num mês, necessário para se viver em sociedade. Muitos educadores renunciaram a sua
a estatística sobe para 1200; num ano, 14.400. Dos tipos de violência, está em autoridade de mestre, por confundi-la com autoritarismo.
primeiro lugar lesão corporal (57%) e, em segundo, homicídio (30%).
Um terceiro caminho para a construção de uma vida mais feliz e educada é a
Até que ponto essa pancadaria influencia o comportamento dos telespectadores, nós conscientização da real interdependência entre as pessoas. Significa conscientizar-se
não sabemos, mas há uma instigante experiência realizada em Curitiba, divulgada no da importância da cidadania. E aqui a escola tem muito a contribuir. Somos membros
ano passado, pela psicóloga Paula Cunha Gomide, da Universidade Federal do de uma cidade, pertencemos a uma comunidade da qual dependemos. Temos
Paraná e, ali, o impacto foi notável. Com idades entre 14 e 16 anos, 160 adolescentes deveres em relação à comunidade e temos direitos. Existe um código necessário para
foram divididos em três grupos; cada qual assistiu a um determinado filme. Um deles regulara convivência com o outro em um grupo. Este contrato impõe direitos e
viu Kids, onde transbordam cenas de violência sexual e drogas; outro Time Cop, com deveres. Lutar para reconstruir este contrato quando isso se fizer necessário,
lutas marciais; um terceiro, Águas Perigosas, sem nenhuma cena de violência. Depois obedecer a ele e fazê-lo ser cumprido é exercer o meu papel de cidadão. É preciso
das sessões, a professora promoveu um campeonato de futebol. Os estudantes que levar essa discussão ética para a escola, para a empresa, para o condomínio, para o
viram os filmes pesados demonstraram uma atitude mais agressiva em campo, sindicato.
propensos a chutes, cuspes, xingamentos e empurrões.
Finalmente, é preciso promover condições para o autoconhecimento e a reflexão
Rojas fala em cultura do zapping para designar a síndrome do controle remoto. O sobre a vida e a relação que a pessoa estabelece com os demais. Há um excesso de
computador, o telefone, os aparelhos eletrônicos em geral, funcionam cada vez mais a intimidade nas relações interpessoais. Urge valorizar a cerimônia, aquela distância
partir de um click. Click, eu mudo o canal. Click, eu desligo o som. Click eu acesso a respeitosa do outro. O abuso da intimidade pode configurar-se como violência como
internet. Click, eu ligo para a minha mãe. Às vezes eu me pergunto se não estamos em algumas "pegadinhas" dos programas dominicais, que brincam com os
transportando para as relações humanas o modo como nos relacionamos com as sentimentos das pessoas.
máquinas. À primeira frustração, click, mudo o canal. Em sala de aula, é muito comum
Em síntese, vivemos em uma era em que reina o individualismo. A valorização de si
o aluno se desligar do assunto tratado pelo professor e ou conversar com o colega, ou
mesmo, ao lado do processo capitalista de produção, fragmentou a instituição familiar.
se distrair simplesmente. Quando o professor diz que vale ponto, ou que vai cair na
A escola está sobrecarregada, pois lhe é delegado um papel de que parece não dar
prova, click, ele se liga de novo.
conta. É difícil reverter essa situação, mas o início do processo começa com a
Diante desse panorama cultural, qual a saída para promover uma sociedade mais conscientização. Assim, poderemos transformar a crise em oportunidade.
gentil, na qual as pessoas possam conviver de forma civilizada e fraterna? Como usar
Referências
da educação para acelerar esse processo de transformação? Estamos diante de um
grande desafio. Os caminhos aqui propostos levantam outros problemas, mas são ARIES, P., DUBY, G. História da vida privada. São Paulo: Companhia das Letras,
pistas para iniciar uma boa reflexão. 1992.
CAPORALI, Renato. Ética e Educação. Rio de Janeiro: Gryphus, 1999.
Em primeiro lugar, é necessário resgatar o papel da família na construção da
COMTE-SPON VILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo:
cidadania. A família tem um papel educativo que não pode ser renunciado ou
Martins Fontes, 1995.
delegado à escola, pois esta sozinha não tem o poder transformador que gostaríamos.
Família e escola precisam estar próximas, estabelecer parcerias e conversar sempre, FONSECA, E. G. Auto-engano. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
através da contínua interação entre pais e professores. JABLONSKY, B., FUCS, R. Luta nas classes: 1001 maneiras de detonar seu
professor. 4.ed. Rio de Janeiro: Frente Editora, 1997.
Seja na família, seja na escola, é necessário repensar o conceito de autoridade, que
tem sido confundido, erroneamente, com o autoritarismo. A autoridade confere poder a PENA, Roberto Patrus Mundim. Ética e felicidade. Belo Horizonte: Fead, 1999.
quem a possui para usar a força com o fim de influenciar ou punir o comportamento de ROJAS, Enrique. O homem moderno: a luta contra o vazio. São Paulo:Mandarim,
outrem. Poder é potência, é capacidade de. Ter poder significa ter a capacidade de 1996.
usar a força, mas não significa necessariamente usá-la. Quando a força é usada de ZAGURY, Tânia. Educar sem culpa: a gênese da ética. Rio de Janeiro: Record, 1991.
modo legítimo, está se fazendo uso da autoridade. Quando ela é usada de forma
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arbitrária, sem legitimidade, estamos diante do autoritarismo.
Um guarda de trânsito tem o poder de multar o motorista que avança o sinal vermelho
e, se o faz, o uso da força é legítimo. No entanto, se o guarda multa um motorista cujo
carro não cometeu nenhuma infração, esse está sendo autoritário. O uso da
O melhor dos mundos logo, logo, vai passar necessariamente - vocábulo muito ao gosto dos luminares
neoliberais - pelo inchaço de turbas e turbas dos sem-lugar, o que, muito
Marilia Pacheco Fiorillo provavelmente, pode gerar um revertério danado. "Mesmo se fôsseis suficientemente
infeliz para comprazer-vos nesta linguagem desonesta, com pudestes resolver-vos a
Em seu único romance, Júlia ou A nova Heloísa, Jean-Jacques Rousseau exibe emprega-la tão fora de propósito?", diria JJ aos atuais luminares. Mas como o que os
a íntegra de sua filosofia. olhos não vêem o coração não sente, e, sobretudo, o encantado mundo novo-liberal
está a quilômetros da África, Iugoslávia e Baixada Fluminense, tudo continuará
correndo no melhor dos mundos.
Pouca gente é hoje tão impopular quanto o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778). Por que ninguém, nem mesmo aqueles que tinha o péssimo hábito de Jean-Jacques Rousseau escreveu este romance epistolar em 1757, exatamente 238
gostar de greves e discursos literários, liga a mínima para quem escreveu Do contrato anos atrás. Nele está a íntegra de sua filosofia, destilada em forma de crônica de
social? A culpa é do mundo, que está francamente melhor, e, portanto, dispensa costumes e correspondência amorosa. Na ocasião, Jean-Jacques estava enamorado
filósofos preocupados com anacronismos como igualdade ou liberdade. Aliás, desde de Sophie de Houdetot, jovem aristocrata de 26 anos, a Heloise do livro. A ação se
que o neoliberalismo triunfou, toda esta conversa de desigualdades ficou antiga. Claro estende pelo espaço de 13 anos (1732-1745) e se concentra na troca de cartas entre
que Platão é mais antigo ainda, mas como suas idéias sobre a transmigração da alma cinco personagens, onde o pensamento teórico de Rousseau desliza através de
não chegam a interferir no bom andamento da globalização, ele ainda passa. Quanto prosaicos comentários sobre a vida cotidiana no campo, a administração da casa, o
à Jean-Jacques, nada feito. O admirável mundo do novo-liberalismo não tem lugar vestuário, os costumes dos empregados. Neste seu único romance, está contido o
para JJ, nem mesmo um lugarzinho subalterno. No universo do vencer ou vencer, já ideário de um iluminista singular, que apostava em Deus numa idade do ateísmo, no
que os mais aptos são, com justiça, sempre premiados, um pensador cismado com os discurso sincero de uma era em que a palavra brilhava quanto mais duplos sentidos
deserdados é no mínimo uma chateação. Quem tiver críticas a este mundo basta tivesse, na ingenuidade quando qualquer narrativa que prezasse só se valia do
consultar as amenas horas extensas, páginas de Júlia ou A nova Heloísa (Editora artificioso.
Hucitec e Editora Unicamp, (638 págs, R$ 49,70). A nova Heloísa foi um best-seller na época. De 1761 a 1800, teve 100 edições,
JJ pôs na boca de um de seus personagens que "a servidão é tão pouco natural ao equivalente ao melhor desempenho de Paulo Coelho. No prefácio em forma de
homem que ela não poderia existir sem descontentamento". Coisas do século XVIII. diálogo, Jean-Jacques Russeal faz seu interlocutor perguntar o que ganharia lendo
Hoje, quando felizmente não há mais direita e esquerda, explorados e exploradores, historietas de um pequeno círculo de amigos e amantes, sempre ocupados consigo
mas apenas servidores voluntários da causa do sucesso, nada seria mais inadmissível mesmos. E trata de responder. "Aprendemos a amar a humanidade. Nas grandes
do que a falta de energia e espírito competitivo. E, conseqüentemente, nada poderia sociedades somente aprendemos a odiar os homens". Quem ainda enxergar a África,
ser mais danoso à competitividade que alguma solidariedade. No maravilhoso mundo ou uma esquina menos protegida em qualquer ponto do Brasil, pode, portanto
novo, regular as relações entre os homens é deixá-los se virar sozinhos, e os mais mergulhar no livro, sem medo de estar navegando em águas passadas.
fortes que se estabeleçam. Não há nada de imoral nisto, como vociferaria o obsoleto
Jean-Jacques se estivesse por aqui. A moral também é móbile. Adeus, fracos e
oprimidos, bem vindos (e mal-arranjados) os desadaptados. Não performou, dançou.
E não tem choro. JJ argumentaria que estes excluídos, ou inadaptados são uma Fonte
maioria cada vez maior. Maioria até nos Estados Unidos, terra que encantaria o
filósofo, não pelo gigantismo de suas presunções, mas pela ingênua confiança que FIORILLO, Marília Pacheco. O melhor dos mundos. Revista Isto É, n. 1351, p. 118,
seus habitantes exalavam, antes do advento do novo mundo e dos chamados sem- 23 ago 1995. Disponiblizado inicialmente na Biblioteca do SIAPE - Sistema de Ação
teto. Lá, num dos templos do neomundo, apesar de o PIB ter dobrado nos últimos 30 Pedagógica .
anos, a riqueza não escapuliu das mãos de 1% da população. Quanto às
desigualdades sociais, como o mundo neoliberal é sereno e toca para frente, ele
jamais se deixaria abalar por episódios de exclusão, miséria, fome, guerras,
preconceito e outros assuntos batidos aos quais JJ dedicou os melhores anos de sua
atribulada existência.
O impecável mundo novo, contudo, é devoto das aparências e já provou que o
darwinismo social veio para ficar. Quem é bom, que se estabeleça. Embora os
recantos para se estabelecer com um certo conforto estejam escasseando, o que,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO - A RAZÃO ATORMENTADA - PARTE I
Texto Básico
Seção 1: Limites da Racionalização: Avaliações Contemporâneas
Objetivo específico: caracterizar o modelo de Razão moderna, identificando algumas
de suas falhas.
O ideal de racionalidade criado pela sociedade européia ocidental foi, e em grande
parte ainda é, considerado como fundamento de nossa civilização ocidental e do
progresso da Humanidade. Esse modelo não nasceu do nada, embora durante algum
tempo seu surgimento tenha sido referido como "o milagre grego", pois transformou a
maneira de a sociedade organizar-se e compreender a si mesma. O modelo de Razão
foi sendo esboçado e cultivado desde o século V antes de Cristo e se tornou uma
herança que a Europa moderna colheu e valorizou, incorporando contribuições de
diversas épocas e lugares.
Desde o seu surgimento, a Razão está associada ao espírito crítico, à dessacralização Fig. _ Goya, F. O Sonho da Razão Produz Monstros. Série Caprichos, 1799.
da tradição e à substituição das visões míticas por explicações fundadas em
argumentos lógicos e conceituais. Você já estudou isso em outros módulos e estudou Fonte: www.terra.com.br/istoe/1709/artes/1709_alma_povo.htm
também sobre a Modernidade, que é caracterizada como a era da Razão. Em Ele [o papalagui] tem pena de nós, povos de muitas ilhas, porque não exercemos este
Sociologia você estudou sobre o surgimento do Capitalismo e da racionalização da saber. Ele acha que somos pobres de espírito, estúpidos como bichos selvagens. [...]
sociedade e da divisão do trabalho. Você já viu também como a questão do método Talvez tenha alguma utilidade pessoal para quem gosta desta brincadeira interior. Mas
racional foi uma grande preocupação dos modernos. Desde o século XVII muitos o papalagui pensa tanto, que para ele pensar se tornou costume, necessidade, até
pensadores buscaram radicalizar e estender a perspectiva racional a todas as esferas obrigação, coação. Tem de estar sempre pensando [...] É difícil para ele não pensar, é
da vida social: organização das profissões, das medidas, da representação política, da difícil viver com todas as partes do corpo ao mesmo tempo. É comum viver só com a
produção industrial, das práticas comerciais, dos exércitos e das escolas, visando a cabeça enquanto todos os sentidos dormem profundamente. [...]
regras mais claras e maior controle da situação. Além disso, esse foi o período em que
os europeus foram conquistando outros continentes, e tornando sua cultura Não vivem, embora não estejam mortos. Atacou-os a doença grave que é pensar sem
hegemônica. parar. [...] Na Europa se diz que pensar assim torna grande e alto o espírito. Quando
alguém pensa muito e pensa depressa, diz-se que é uma grande cabeça. Em vez de
Embora o ideal de racionalidade ocidental tenha continuado a se desenvolver e se despertar pena, essas cabeças são muito honradas. [...] da mesma forma metem-se
expandir ao longo do século XX, ele também foi sendo duramente questionado. As nas cabeças das crianças tantos pensamentos quanto se pode, obrigando-as, todos
críticas já existiam bem antes disso. Ao longo de nossa história, diversos problemas os dias, a roer certa quantidade de esteiras com pensamentos. Só as mais sadias
da racionalização da vida social haviam sido apontados. Muitos desses repelem esses pensamentos ou deixam que lhes passem pelo espírito como se fosse
questionamentos eram agudos e instigantes, mas, em geral, foram vistos como uma uma rede. A maior parte, no entanto, sobrecarrega-se com tantos pensamentos que já
espécie de romantismo: algo desprovido de senso prático e que se deixava levar pela não resta espaço para que a luz penetre. (Scheurmann, 1997)
imaginação.
O projeto civilizatório da Modernidade, que teve no Iluminismo uma de suas mais altas
Este quadro do pintor espanhol, Francisco Goya (1746-1828) ilustra a desconfiança expressões, pode ser caracterizado por um conjunto de convicções distintas, mas
em relação aos poderes da racionalidade humana. inter-relacionadas: a emancipação das mentes após séculos de opressão religiosa, o
Além das críticas feitas por pensadores e artistas dentro de nossa tradição cultural, há avanço do saber científico, o domínio da Natureza pela tecnologia, o aumento
muitas outras feitas por outros povos que, em geral, foram menos ouvidas. Você se exponencial da produtividade e da riqueza material, a transformação das instituições
lembra de ter lido no primeiro módulo do Veredas (Antropologia da Educação, primeira políticas em bases racionais e, finalmente, o aprimoramento intelectual e moral por
seção da Unidade 2), os comentários de um polinésio sobre os ocidentais, que ele meio da ação conjunta.
chama de papalagui? Veja agora como ele descreve a importância que nós, herdeiros O Iluminismo, ou Filosofia da luzes ou do Esclarecimento, como também é chamado,
da tradição européia, damos ao pensamento. expressava uma forte crença no progresso da civilização. A idéia básica era que,
quanto mais racionais fôssemos, mais feliz e harmônica a sociedade seria. Tudo B) Justificativa da interpretação:
dependia de aprendermos a usar a capacidade racional que todos têm para controlar
A crença irrestrita na Razão foi sendo posta em cheque quando a experiência
seus impulsos irracionais, desenvolver a consciência e a autonomia, promover a
concreta das guerras mundiais e outros resultados vergonhosos do progresso (como o
emancipação de todos através da discussão pública e do enfrentamento ajuizado dos
aumento da fome no mundo e a degradação ambiental) provocadas pelas nações
problemas. Conforme você leu no texto de Kant (Filosofia da Educação, Unidade 3
supostamente mais adiantadas (em termos de racionalização da cultura) revelaram
deste módulo), isso equivalia a sair da menoridade e entrar na maioridade, superando
que estava errada a equação "quanto mais racional, mais harmônica e feliz será a
superstições e temores infantis.
sociedade".
As tendências e convicções iluministas eram tão promissoras que a Razão que as
Além disso, uma série de descobertas da Ciência veio, desde o século XIX, abalando
fundava foi sendo tomada como uma deusa. Uma divindade que iria,
os fundamentos da Razão considerada como absoluta. A Antropologia mostrou que
progressivamente, salvar a humanidade da opressão, das guerras, da penúria e da
outros povos têm visões da realidade e critérios cognitivos muito diferentes daqueles
injustiça. Um monoteísmo que excluía tudo o que não se encaixava no seu modelo.
que a cultura ocidental acreditava serem os corretos (supondo-se que a Razão era
Paradoxal, não é? Querer se livrar da religião e canonizar uma Razão absoluta,
natural a todo ser humano). Mostrou também que a existência de diferentes
onipresente e onisciente
experiências culturais não significa, como imaginaram durante séculos os
colonizadores, que essas outras culturas fossem irracionais ou pré-racionais. Você
estudou isso em Antropologia da Educação, lembra-se? (Sugerimos que releia "A
natureza humana e as diferentes culturas", Modulo 1, Unidade 2).
A Sociologia, com a noção de ideologia, revelou que muitas teorias escondiam a
realidade social, economia e política, e que a Razão, além de fundamento do
conhecimento, poderia ser também um poderoso instrumento de dissimulação da
realidade, a serviço da exploração e dominação dos homens sobre seus semelhantes.
(Chauí, 1994:63)
A Psicanálise, com a noção de inconsciente, revelou que os poderes da consciência
racional são bem menores do que se supunha, pois a própria racionalidade está em
grande parte submetida a forças profundas e desconhecidas. O desejo e a imaginação
. estão atrelados a uma outra lógica diferente da racional e com um peso enorme em
nossa vida.
Fig. - Escher, M. C. Répteis, 1943. Litografia.
A Física, considerada como modelo de Ciência, passou a admitir o Princípio da
Fonte: www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/escher/gravuras2.html Incerteza ou da Indeterminação. Esse princípio afirma que a luz pode ora se
Maurits Escher (1898-1972) é um artista holandês considerado como um dos mestres comportar como uma onda contínua, ora como partículas descontínuas, e que não há
do paradoxo, pois explora na arte as fronteiras da lógica. Em vários desenhos seus como determinar a trajetória, isto é, medir simultaneamente a velocidade e a posição
uma coisa se transforma em seu oposto, ou então, como esta figura sugere, bichos de partículas sub-atômicas.
que pareciam esquadrinhados, ganham vida própria, e se tornam ameaçadores. Como Atividade 2
o pesadelo das máquinas controlando a vida dos homens, o feitiço se voltando contra
o feiticeiro. A) Apresente três características da racionalidade moderna.

Atividade 1 B) Exponha três questionamentos de que ela vem sendo alvo.

Há muitas e muitas obras de arte (músicas, pinturas, peças, filmes, poesias etc.) que A frustração diante da não realização das promessas da Razão moderna e o
podem ser interpretadas como críticas ao modelo de racionalidade que adotamos em reconhecimento de alguns problemas em seus fundamentos fez crescer a suspeita de
nossa cultura. Escolha e analise uma que você ache interessante. Você pode que aquele modelo deveria ser reformado ou substituído.
descrevê-la sucintamente (se precisar de mais espaço para transcrevê-la, use seu Vamos explorar um pouco as diferenças entre os que avaliam que uma reforma é
caderno) mas não deixe de explicar sua interpretação. necessária e os que consideram que a única saída é a adoção de um outro modelo.
A) Obra (título, autoria e descrição): Defensores da Modernidade (e críticos do Pós-modernismo) tendem a valorizar o
Iluminismo e resgatar a força emancipatória da Razão moderna. Pós-modernos visam
à superação do ideário iluminista e da Razão moderna. Do outro lado da disputa, há muitos pensadores que, mesmo admitindo problemas na
racionalização da vida social, consideram exagerada a crítica pós-moderna. Vendo aí
São chamadas de filosofias pós-modernas as perspectivas que consideram que
um descompromisso com aspectos importantes da Razão moderna, eles reagem
reformas e reajustes como incapazes de resolver o problema. De uma forma geral, os
dizendo que os pós- modernos "jogam a criança fora junto com a água suja da bacia."
pós-modernos defendem que o paradigma da Razão moderna seja substituído por
Esses defensores do legado iluminista concordam que a Razão é histórica (ou seja,
outro, pois acham equivocado aquilo que consideram ser o seu principal fundamento,
varia ao longo da história, não sendo nem universal nem natural) e que o desenrolar
explicitado no Iluminismo: a busca da emancipação humana pela mobilização das
dessa história não está determinado nem é necessariamente um progresso, mas
forças da Tecnologia, da Ciência e da Razão. Dentre os chamados pós-modernos, há
julgam que ela pode e deve ir se aperfeiçoando com suas experiências.
posições distintas, mas é possível esquematizar alguns elementos comuns. Vejamos
quais são esses elementos e examinemos algumas de suas implicações: Uma das correntes que tenta resgatar aspectos positivos do Iluminismo é a chamada
Escola de Frankfurt. Seus principais colaboradores, chamados também de filósofos da
Rejeição das certezas e valores absolutos. Nem a racionalidade nem a moralidade
Teoria Crítica _ Horkheimer (1895-1973), Adorno (1903 -1969), Marcuse (1898 -1979)
são mais vistas como sendo universais, únicas ou naturais. Isso equivale a uma
e Habermas (1929), este último representante de uma "nova geração" _, têm
aceitação radical da diferença, da pluralidade cultural, da relatividade das perspectivas
influenciado bastante a pesquisa em Educação no Brasil. De forma resumida, a
e valores. Você se lembra do que estudou, neste Módulo, na segunda unidade de
posição deles é que a Razão moderna abriga tanto uma dimensão instrumental
Filosofia (Seção 2), sobre as diferentes noções de verdade? Pois é a concepção
quanto uma dimensão crítica, mas é esta última que precisa ser revigorada. A Razão
convencionalista que prevalece aqui.
instrumental é a forma de conhecimento que aumentou o domínio sobre a Natureza e
· Descrença na possibilidade de sistemas totalizantes; isto é, de teorias (meta- o controle dos seres humanos: um instrumento de poder e exploração, que teria sido
discursos) que expliquem tudo. Todas as teorias são consideradas como meras priorizado em nossa sociedade com o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia.
interpretações e abandona-se a idéia de construção de uma visão unificada da Por isso, os filósofos da teoria crítica defendem a priorização da dimensão Crítica da
realidade. Razão, que reflete as contradições e os conflitos sociais e políticos e se apresenta
como uma força libertadora.
· Descentramento do sujeito e da consciência. O sujeito consciente deixa de ser visto
como fundamento da moralidade. A personalidade é vista como tecida a partir de Atividade 3
muitos "jogos de linguagem". Cada pessoa e os papéis que assume ao longo de sua
Como uma forma de verificar a compreensão dessas noções e também de refletir
vida são considerados como parte de uma rede de relações sociais.
sobre sua formação no Veredas, procure identificar, em qualquer dos textos estudados
· Todas as práticas discursivas são consideradas como formas de poder. Todas as nos outros módulos, algumas passagens que ilustrem:
teorias e opiniões têm uma dimensão política, mesmo que oculta. Elas contêm
A) a permanência da crença iluminista no poder da Razão, no progresso científico e
interesses e se conjugam com determinadas perspectivas de atuação na realidade.
tecnológico e na centralidade da consciência do sujeito (reescreva um exemplo):
Mesmo declarações ingênuas ou bem intencionadas de um cientista ("trabalho para o
bem da humanidade") ou de um professor ("só desejo o melhor para meus alunos") B) uma perspectiva mais próxima da pós-moderna, que ressalta o fim das certezas, o
são vistas como expressão de um interesse que visa a calar outros interesses. (No descentramento da consciência racional ou a idéia que nossos padrões cognitivos são
caso do cientista, de passar por um herói, abnegado e imparcial; no caso do professor, meras convenções (reescreva um exemplo):
de se mostrar inteiramente dedicado e justificar medidas que possam ser mal
Uma ponderação final: embora muitas vezes se apresentem como perspectivas rivais
interpretadas. Em ambos os casos, visam a conseguir apoio para as suas posições e
(e até aqui ressaltamos justamente os contrastes), podemos perceber traços comuns
enfraquecer as rivais).
nas duas perspectivas aqui esboçadas. Por detrás do foguetório, que gera barulho e
Os franceses Lyotard (1924) e Derrida (1930-2004) são os expoentes mais fumaça, podemos observar que, por um lado, a crítica pós-moderna não significa
conhecidos desta tendência e defendem a estratégia de desconstrução do abandono da Razão, relativização de todos valores e, muito menos, irracionalismo.
racionalismo moderno e suas ideologias. (Se você quiser se divertir com uma boa Trata-se de uma estratégia para enfrentar as fraturas no nosso modelo de
gozação desta perspectiva, assista ao filme Desconstruindo Harry de Woody Allen). racionalidade ocidental. Ainda que nem sempre claros (pois questionam o próprio
Implicações mais visíveis na Educação encontram-se talvez nas idéias provocativas parâmetro cartesiano que a tradição racionalista tanto valoriza), seus autores
do austríaco Feyrabend (1924-1996). Em seu livro, Contra o método, ele argumenta procuram repensar os funda mentos da racionalidade, de maneira ampla e profunda,
que o desenvolvimento científico não depende de um método racional e defende a isto é, almejando encontrar suas raízes.
idéia de que, sendo a Ciência uma entre outras formas possíveis de representação,
Por outro lado, a Razão moderna, sendo autocrítica, pode muito bem reformular
não faz sentido a escola banir o ensino religioso e manter o científico.
racionalmente suas pretensões e parâmetros. Nesse caso, ela não estaria
abandonando seus princípios, mas reafirmando sua capacidade crítica. Portanto, a estar alegre e contente, imaginando que os bens que possuímos são maiores e mais
alternativa entre "reforma X reconstrução" do modelo de racionalidade, representa estimáveis do que eles são e ignorando os que nos faltam ou não parando para
uma divergência de ênfase. Ou seja, embora tenhamos realçado as diferenças entre considerá-los, ou se é melhor ter mais consideração e saber, para conhecer o justo
as duas perspectivas, ambas procuram superar o que, contemporaneamente, é visto valor de uns e de outros, e com isto tornar-se mais triste. Se eu pensasse que o
como os problemas da racionalização. Como afirma Marilena Chauí, o alargamento da soberano bem fosse a alegria, eu nunca duvidaria de que deveríamos dedicar-nos a
Razão é duplamente necessário: tornar-nos alegres a qualquer preço, e eu aprovaria a brutalidade daqueles que
afogam suas mágoas no vinho ou as atordoam com o fumo. Mas eu distingo entre o
[...] em primeiro lugar porque ele exprime a luta contra o colonialismo e contra o
soberano bem, que consiste no exercício da virtude [...] e a satisfação do espírito que
etnocentrismo _ isto é, contra a visão de que a nossa Razão e a nossa cultura são
acompanha esta posse. E por isto que é uma maior perfeição conhecer a verdade,
superiores e melhores do que as dos outros povos. Em segundo lugar, porque a
mesmo que desvantajosa a nós, que ignorá-la, e eu confesso que é melhor estar
Razão estaria destinada ao fracasso se não fosse capaz de oferecer para si mesma
menos alegre e ter mais conhecimento (Descartes apud Marques, M. In: Birchal,
novos princípios exigidos pelo seu próprio trabalho racional de conhecimento" (Chauí,
Marques & Fenati, 2003:18).
1994: 63).
Assinale a opção que não corresponde às idéias expressas no texto.
Seção 2: Um Porto (In)Seguro
a ( ) A ignorância pode trazer algumas vantagens.
Objetivo específico: identificar a ignorância, o dogmatismo e o excesso de informação
como obstáculos ao conhecimento. b ( ) Conhecer pode ser algo desagradável.
Podemos confiar no nosso conhecimento? Será que o desconhecido, além de muito c ( ) As vezes é melhor estar enganado.
maior do que o conhecido, não mostrará que nosso conhecimento é uma ilusão? Mas,
d ( ) Conhecer é mais importante do que alegrar-se.
se estamos satisfeitos com o que conhecemos, para que querer conhecer mais?
Aonde se quer chegar? Terá algum fim essa procura? Não será doentia uma procura Surpresas e decepções com nosso saber geram incertezas e dúvidas, que nos levam
sem fim? Algumas pessoas afirmam que, mais do que mera curiosidade, o à busca da verdade. Nos fazem ver que há falhas naquilo que conhecíamos e
desenvolvimento do conhecimento é uma necessidade. Mas, se ainda não o acreditávamos. Mas não são só incertezas, desilusões e dúvidas que nos fazem
conhecemos, com base em que poderíamos julgá-lo necessário? querer saber o que não sabíamos. Também a admiração e a curiosidade nos
provocam e nos fazem querer experimentar outros sabores. As palavras "saber" e
Há muitas questões interessantes em torno do conhecer. Muitas opiniões diferentes e
"sabor" tem um forte parentesco, e isso é algo que transparece na carta que você
discussões instigantes podem ser encontradas na literatura, em peças e filmes, afora
acabou de ler.
muitos estudos com teorias controversas. Conhecê-las, provavelmente, não resolverá
as questões nem garantirá ao professor uma melhor técnica de ensino, mas Ainda que não seja uma firme recusa, como o dogmatismo, a ignorância é um
certamente o ajudará a pensar em seu trabalho e nas atividades de seus alunos. desinteresse, uma apatia que desestimula e serve de obstáculo à busca do
conhecimento. O dogmatismo é considerado como um obstáculo mais resistente, por
Entender as oposições ao conhecimento, como a ignorância e o dogmatismo, é uma
que a recusa é deliberada. Mas isso nem sempre foi assim. Houve épocas em que a
boa forma de aproximação. Ignorar é não saber alguma coisa. Em geral não se tem
defesa aguerrida dos dogmas era estimada como uma forma de preservar o
consciência disso. A ignorância não costuma ser percebida pelo ignorante. (Pelo
conhecimento essencial.
sábio, sim). Mas ela não chega a ser uma recusa ao conhecer. Quando nossas
crenças e opiniões nos satisfazem, não temos muitos motivos para desconfiar delas, e Um dogma é um ponto fundamental de uma doutrina, apresentado como certo e
achamos que sabemos tudo o que há para saber. indiscutível, cuja verdade se espera que as pessoas aceitem sem questionar. A
aceitação de princípios ou preceitos sem questionamentos já foi vista como um sinal
Mas, se estamos querendo compreender a ignorância, temos que lhe dar ouvidos e
de fé e juízo. A obediência já foi um valor supremo, um dos principais ensinamentos e
refletir se não há vantagens em permanecer ignorante. Até que ponto é bom
exercício da Educação. Na Europa medieval, por exemplo, considerava-se que a
conhecer? Veja o famoso comentário de uma senhora inglesa ao ouvir falar da teoria
Razão deveria estar subordinada à fé. Era fundamental estar em conformidade com
de Darwin: "Descender de macacos! Meu caro, esperemos que não seja verdade, mas
as leis divinas e eclesiásticas. A submissão, associada à modéstia, era ensinada como
se for, rezemos para que não se fique sabendo!"
uma das principais virtudes, ao passo que questionamentos eram vistos como ousadia
Atividade 4 (vaidade e presunção) da Razão.
Leia esta carta escrita por Descartes em 1645. Nos dias de hoje, também obedecemos a uma série de preceitos e normas (legais ou
tradicionais) sem maiores questionamentos, mas espera-se que a sujeição não seja
Senhora, algumas vezes eu coloquei a mim mesmo uma dúvida: saber se é melhor
irrefletida. Na tradição da Antiguidade grega e na da Modernidade ocidental, que Ainda que tenham herdado muitos elementos dessa tradição, a postura das
valorizam a reflexão racional, a obediência acrítica, seja ela por temor, vergonha, sociedades modernas frente ao conhecimento é quase oposta. Elas não se
receio, superstição ou falta de curiosidade, é algo maldito. Muitas vezes são acusadas conformam com as limitações humanas e buscam superá-las com o avanço do
de dogmáticas as opiniões sem fundamentos racionais ou propagadas por métodos conhecimento. Na perspectiva moderna, o conhecimento é poder, e quanto mais
também considerados irracionais. Mas, por mais absurdo que uma opinião parece ser, melhor. Essa mentalidade tem sido um dos grandes motores do desenvolvimento
ela não deve ser caracterizada como dogmática se a pessoa que a expressa mostra- científico e tecnológico.
se também disposta à reflexão.
Mas novas descobertas e invenções podem implicar o abandono de conhecimentos e
Não é o conhecimento que é dogmático, mas a relação cognitiva. Ou seja, o práticas. Ou seja, o desenvolvimento do conhecimento não significa um acúmulo
dogmatismo é uma postura frente ao conhecimento. contínuo nem tampouco é um aperfeiçoamento progressivo, como se pensava no
Iluminismo. Ao buscarmos novos conhecimentos ou lançarmos questionamentos,
Atividade 5
pomos em risco o que sabíamos. Sua preservação deixa de ser o principal.
Veja as opções seguintes e assinale AQUELA(S) que ilustram a postura dogmática.
Repare como, em nossa cultura, a perspectiva conservadora (como tudo o que é
a ( ) A Ciência é a única forma de conhecimento verdadeira pois ela apresenta provas tradicional) é, em geral, mal vista. No entanto, a escola foi criada como uma instituição
irrefutáveis. para transmitir e preservar a cultura. Será que ela tem como não ser dogmática? Em
"Dinâmica Psicossocial da Classe" (Módulo 6, Unidade 1), você leu que o ambiente da
b ( ) Chega de discussão. Não quero ficar ouvindo você repetir os mesmos escola pública não se deve ligar a grupos religiosos específicos, em detrimento das
argumentos. crenças e pensamentos de outros. Por outro lado, você tinha visto, em Sociologia da
c ( ) Acredito que a vida seja um mistério pois não encontrei nenhuma explicação Educação, que a função da escola é socializar as novas gerações, inculcar padrões
racional que me satisfizesse. aceitos socialmente, ou seja, que a Educação é parte de um processo de regulação
social, precursora de uma determinada racionalidade. Será que dá para não ser
d ( ) Não abro mão de meus princípios mesmo que eu tenha que arcar com dogmático na escola?
conseqüências desagradáveis.
Atividade 6
e ( ) Se estava escrito no livro então não resta dúvida que é verdadeiro e, portanto,
não deve ser questionado. Assinale UMA OU MAIS ALTERNATIVAS que você julga correta(s) e que responda(m)
à pergunta: Como não ser dogmático na escola?
f ( ) Não aceito que a esta altura do curso os alunos não reconheçam que suas
crenças religiosas são falsas. a ( ) Evitando definir o que é correto e o que não é.
A crença num dogma não depende de sua compreensão, tal como um antigo b ( ) Defendendo a criatividade como um princípio.
provérbio que dizia: "Creio por que é absurdo!" Mas nos contextos culturais em que o c ( ) Mantendo todo o tempo uma postura científica.
exame crítico da Razão é priorizado, dogmatismo é quase um xingamento, como a
perseverança da ignorância (prepotência, obstinação, desinteresse). d ( ) Esquivando-se de colocar sua opinião.
O romance O nome da rosa de Umberto Eco (filmado e disponível em vídeo e DVD) é e ( ) Evitando acreditar que sua visão é a única correta.
um ótimo exemplo do dilema medieval entre a burrice de evitar questionamentos e o
f ( ) Recusando-se a transmitir conhecimentos tradicionais.
atrevimento da busca racional do conhecimento. O personagem principal é um
franciscano que, intrigado com certos crimes que estavam ocorrendo no monastério g ( ) Evitando adotar um paradigma.
onde se encontrava, não se conforma com a explicação bíblica que estava sendo
Uma das formas que o sistema educacional adotou para se afastar do dogmatismo foi
dada. Desconfiado de que tais crimes estavam ligados à ocultação de certos livros da
promover a atitude científica de evitar a aceitação imediata às explicações que
fabulosa biblioteca que por lá havia _ pois eram considerados proibidos _, ele faz de
encontramos, sem exame crítico. Você já leu sobre isso em outros módulos e sabe
tudo para encontrá-los, desvendar os mistérios e provar racionalmente suas causas.
que essa postura científica corre o risco de se tornar também absoluta e dogmática.
Seu inconformismo e sua astúcia, no entanto, foram vistos como petulância. Um tipo
Isto é, a Educação e sobretudo a divulgação científica se revelam muitas vezes
de atrevimento que a cultura ocidental moderna acabou abraçando e cultivando. Na
dogmáticas, apresentando a Ciência como um conjunto doutrinário de verdades
tradição judaico-cristã, morder o fruto proibido da árvore do conhecimento ou erguer
atemporais, absolutas e inquestionáveis. Chama-se cientificismo a crença infundada
uma torre para alcançar os céus (com em Babel) é motivo de castigo e desgraça.
de que a Ciência pode e irá explicar totalmente a realidade, permitindo aos homens
uma ação ilimitada. cessassem as buscas e que todos os homens misturassem letras e símbolos, até
construir, mediante um improvável dom do acaso, esses livros canônicos.
Na época atual, convivemos com um outro dificultador para a busca do conhecimento:
o excesso de informação. Isso não era um problema duzentos anos atrás, mas nos Outros, inversamente, acreditaram que o primordial era eliminar as obras inúteis.
dias de hoje, além da ideologia de que quanto mais informação melhor, estamos Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem sempre falsas, folheavam com
rodeados de veículos de informação _ jornal, rádio, televisão, cursos, apostilas, fastio um volume e condenavam prateleiras inteiras: a seu furor higiênico, ascético,
Internet _ que nos bombardeiam com notícias e repassam sinais sem parar. Cada um deve-se a insensata perda de milhões de livros.
desses meios seleciona e divulga um amontoado de informações que, em sua opinião,
A escrita metódica distrai-me da presente condição dos homens. A certeza de que
devemos conhecer: uma nova promoção no shopping, uma teoria revolucionária, a
tudo que está escrito nos anula ou nos fantasmagoriza. Conheço distritos em que os
velocidade da bola chutada pelo artilheiro no último jogo, um site onde podemos
jovens se prostram diante dos livros e beijam com barbárie as páginas, mas não
encontrar tudo o que queremos, um novo caso de um ex-participante de um Big-
sabem decifrar uma única letra [...] (Borges, 2001:9-100.)
Brother, os destaques da nova política educativa, os horários dos próximos vôos, a
movimentação na bolsa de valores, o nome e número do versículo que fala da Hierarquizar os conhecimentos significa secundarizar saberes. Você já discutiu isso
perdição, uma crítica do livro didático. Mas será que isso é conhecimento? Tudo isso quando você estudou sobre currículos. Adotar programas significa selecionar e calar
são informações, mas até que ponto são relevantes? sobre muita coisa, assim como os currículos ocultos, que praticamos sem mesmo
perceber.
Em certas horas, que o que queremos mesmo é nos distrair. Quando nos sentimos
cansados, a busca da verdade ou de conhecimentos significativos parece demasiado Como separar o joio do trigo: o que é relevante, do que não é? Este é um dos grandes
séria e trabalhosa. Não há mal em achar uma forma de passar o tempo, sem ter que desafios da Educação. Como lidar com as informações que nossos alunos têm? Como
pensar em nada. O problema está em que acabamos nos afeiçoando à letargia, nos ensinar a fazer boas escolhas e bons usos das informações a que têm acesso? Como
acostumando com a apatia, gostando da inconsciência. O encantamento dos sentidos, escolher o que será importante para os estudantes?
quando leva ao abandono do pensamento, tem algo de perigoso. O fascínio do
Atividade 7
espetáculo faz, muitas vezes, a gente não querer mais encarar a realidade e se
envolver com ela. Essa é uma questão semelhante ao uso de droga. Se as drogas Faça uma lista com algumas (de três a seis) sugestões para dar a seus alunos e
não gerassem alguma forma de prazer, um distanciamento dos problemas, ninguém respectivos pais sobre o cuidado na seleção das informações.
usaria. O seu lado atraente, porém, pode levar à dependência do entorpecimento, à
insensibilidade e desligamento da nossa realidade. Um dos valores centrais de nossa Notas
cultura é que a busca da verdade vale a pena e não pensar é uma forma de anulação (1) Rousseau venceu o concurso e sua resposta lhe deu grande celebridade.
da vida.
Fonte
É muito bom ter acesso à informação e saber que ela está sendo disponibilizada a
quem estava alheio, mas informação demais pode ser uma forma de nos perdermos. Texto que faz parte do Projeto Veredas Módulo 7 V. 4 - Unidade 4
O escritor argentino Jorge Luis Borges tem um conto genial sobre isso: "A Biblioteca
de Babel". Um lugar fantástico, onde havia tudo o que já foi escrito e tudo o que
poderia ter sido ou vir a ser escrito no futuro.Todas as combinações possíveis de Seção 3: Conviver (e Ser Feliz) com Incertezas
letras, palavras, histórias e idéias. Vejamos parte deste texto:
Objetivo específico: reconhecer limites e cuidados na busca do conhecimento
O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e racional.
talvez infinito, de galerias hexagonais...
As fontes e instrumentos de conhecimento são traiçoeiros. Dependendo de se estar
Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão com medo ou confiante, o mesmo objeto pode parecer temível ou não. Dependendo
foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se senhores de um tesouro da situação em que se está, as mesmas coisas (uma música alta, por exemplo)
intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloqüente solução não podem ser irritantes para os que sofrem (estão com dor de cabeça) e agradáveis para
existisse: em algum hexágono. O universo estava justificado, o universo bruscamente os que estão bem (dançando). Com base nestas e em outras avaliações sobre a
usurpou as dimensões ilimitadas da esperança... flutuação do conhecimento humano, os céticos antigos defenderam a suspensão do
À desmedida esperança sucedeu, como é natural, uma depressão excessiva. A juízo, isto é, propunham que evitássemos pronunciar julgamentos conclusivos. Isso
certeza de que alguma prateleira em algum hexágono encerrava livros preciosos que não significava o fim das opiniões e do conhecimento prático de que necessitamos
eram inacessíveis afigurou-se quase intolerável. Uma seita blasfema sugeriu que para viver, mas a negação da pretensão de ter certeza sobre qualquer coisa.
Examinemos algumas das principais fontes e instrumentos do conhecimento: as desses riscos. Diversos mecanismos foram criados para nos proteger de equívocos e
sensações, as linguagens, a memória, a imaginação e o raciocínio. ilusões: métodos de registro, instrumentos para observações mais acuradas, regras
para raciocínio mais direto, linguagens mais objetivas... E, no entanto, conforme se viu
Nossos sentidos nos despertam e nos traduzem coisas do mundo à nossa volta, mas
ao longo da história, os métodos, principalmente quando bem sucedidos, geram quase
canalizam apenas alguns fenômenos e, além disso, podem também deturpar os
sempre a falsa certeza de que aquele era o único ou o melhor caminho a seguir.
estímulos que traduzem. Hoje em dia, há um certo consenso de que todas as nossas
Nessa direção, a afirmativa de Morin ilustra bem o que estamos dizendo:
percepções são reconstruções que representam parte de nossa relação com o mundo.
Mas, durante muito tempo, o conhecimento foi considerado como um espelho das [...] quantas fontes, quantas causas de erros e de ilusão múltiplas e renovadas
coisas, e não uma representação delas. A percepção é uma atividade e não uma constantemente em todos os conhecimentos! Daí decorre a necessidade de destacar,
simples recepção passiva e neutra. O conhecimento humano nunca é mero reflexo em qualquer educação, as grandes interrogações sobre nossas possibilidades de
das coisas: ele é uma produção que envolve a significação das coisas pela percepção, conhecer. Pôr em prática essas interrogações constitui o oxigênio de qualquer
imaginação e linguagem. proposta de conhecimento. Assim como o oxigênio matava os seres vivos primitivos
até que a vida utilizasse esse corruptor como desintoxicante, da mesma forma a
As linguagens (escritas, faladas, corporais, matemáticas, artísticas etc.) são o grande
incerteza, que mata o conhecimento simplista, é o desintoxicante do conhecimento
instrumento de representação do mundo. Elas nos permitem perceber, pensar,
complexo. De qualquer forma, o conhecimento permanece como uma aventura para a
expressar de diferentes maneiras e, com isso, nos comunicar, trocar experiências e
qual a educação deve fornecer o apoio indispensável" (Morin, 2001:31).
aprender com pessoas que já viveram há muitos anos ou que estão do outro lado do
planeta. Mas, se as linguagens servem para configurarmos o mundo, elas também Atividade 8
podem servir para desfigurá-lo; por exemplo, quando reduzimos a realidade àquilo que
Com base no que você já estudou sobre os instrumentos e métodos do conhecimento,
se encaixa no nosso modelo. (Por exemplo, o Censo Demográfico do IBGE não
assinale A(S) ALTERNATIVA(S) INCORRETA(S).
considerava as famílias que viviam na rua, porque as entrevistas só eram feitas em
domicílios fixos.) As linguagens podem ser enganadoras e nos levar a falsas a ( ) Uma forma de evitar interpretação equivocada é nos restringirmos aos fatos,
impressões: como no caso de um aluno que ri quando a professora chama sua usando as sensações sem interferência de instrumentos.
atenção: parece deboche, mas às vezes é nervosismo; ou quando julgamos que um
aluno tem dificuldade em Matemática, quando o problema estava na leitura dos b ( ) Só conseguimos ter acesso ao conhecimento quando nos livramos de nossos
preconceitos.
enunciados das questões.
A memória, esse incrível depositário da cultura, não é mera acumulação. Ela é c ( ) Como a imaginação e a memória são enganosas, a única coisa que nos resta é
bastante seletiva. Salva e apaga, guarda e oculta o que já percebemos, imaginamos e submetê-las ao controle da Razão.
pensamos, colocando outras coisas por cima. A imaginação, essa força poderosa, nos d ( ) O empirismo é uma tentativa de controlar a Razão e a imaginação com a
ajuda a tornar presentes coisas que estão ausentes ou que são ainda inexistentes. A obediência aos fatos.
imaginação nos possibilita abstrair as sensações e focalizar uma idéia ou um aspecto
específico. A abstração é uma forma de nos desligarmos do imediato, de nos e ( ) O uso de uma linguagem clara e precisa é uma forma de evitarmos confusões e
afastarmos da percepção e nos transportarmos para uma outra dimensão. Ou seja, desentendimentos.
ela é um auxiliar precioso e criativo para o conhecimento, mas é também um perigo A certeza é uma grande ameaça à busca do conhecimento. Ela se faz dogmática e
imenso. (A alucinação, seja por loucura ou pelo uso drogas, pode levar a uma intolerante. Por isso, a Filosofia pretende ter na incerteza uma aliada, um apoio em
alienação da realidade social.) Por isso se defendeu tantas vezes que a imaginação sua aventura. O conhecimento é uma aventura incerta que comporta em si mesmo,
devesse ser mantida sob controle. permanentemente, o risco de ilusão e de erro. Em aventuras há expectativas, rotas
A própria Razão que nos ajuda a distinguir o sonho da vigília, o objetivo do subjetivo, o estimadas, mas, também, abertura a surpresas e riscos.
real do virtual, que desenvolve a crítica vigilante e controla nossos impulsos cegos, A Filosofia se empenha no reconhecimento dos limites e na avaliação dos riscos, pois
pode levar à ilusão. Como vimos na primeira seção, ela já pretendeu ser soberana, enxerga aí uma forma de precaução. Assim, ela procura exercitar a suspeita, explorar
anulando outras fontes do conhecimento e se fechando em si mesma. A Razão os pontos vulneráveis, tentar compreender as dificuldades do conhecimento e
também se engana e seu domínio pode se tornar uma tirania. No contexto escolar é desconfiar de sua posse. Essa é uma das lições que vêm desde Sócrates: insistir em
comum vermos a adoção de medidas racionais (horários rígidos ou a exclusão de desconfiar daqueles que a sociedade institui como sábios e daqueles que julgam sê-
práticas místicas) se tornarem expressão de uma insensibilidade desumana. lo. Assim, a Filosofia é um desejo de sabedoria mas também uma insatisfação com
A busca de métodos criativos ou rigorosos, foi uma forma de tentar contornar alguns ela, ao menos com a sabedoria que se apresenta como um saber pleno, seguro e
acabado. Não quer dizer que os filósofos façam isso, mas a Filosofia como ideal
deveria se recusar a aceitar como óbvias e evidentes as idéias, os fatos, as situações, Ao tratar da "Alegoria da Caverna" de Platão, Lebrun (1993) chama a atenção para o
os valores, o comportamento de nossa existência cotidiana. fato de, geralmente, nos imaginarmos como alguém que já conheceu a verdade do
lado de fora e não como alguém que continua preso às suas ilusões. Falamos muito
Há algumas estratégias para manter essa inquietude. Elas não servem como receitas
da alienação do outro, mas raramente pensamos em nosso próprio "bitolamento".
(a proporção dos ingredientes não está sequer estimada), mas já podem dar alguma
Com as melhores intenções, nos dispomos a conscientizar o outro e conduzi-lo ao
ajuda. Uma dessas estratégias é a (des)naturalização.
conhecimento da verdade.
Encarar algo como natural é uma maneira de nos conformarmos. Devido ao costume,
A sociedade espera, sobretudo de professores e professoras, que libertem das trevas
tendemos a considerar como natural e aceitarmos o que é corriqueiro em nossa
da ignorância aqueles que fazem mau uso de sua inteligência. Facilmente nos
cultura. Por isso, o poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht pedia com insistência:
imbuímos dessa função e nos sentimos como aquele que vai despertar o outro, salvá-
Nunca digam _ Isso é natural lo das trevas da ignorância e colocá-lo na direção da verdade, supondo que nós
estamos de posse dela. Por isso nos valemos de nossa autoridade e usamos nosso
Diante dos acontecimentos de cada dia, poder para modelar nossos alunos, pois acreditamos nos valores e idéias que
Numa época em que corre o sangue procuramos infundir neles.
Em que o arbitrário tem força de lei, De maneira geral, julgamos inquestionável que a Educação melhora as pessoas. Essa
crença é o que faz, por exemplo, que se abrande a pena de um presidiário que se
Em que a humanidade se desumaniza dedique aos estudos. Mas, será que Educação é mesmo um bem? Será que as
Não digam nunca: Isso é natural pessoas se tornam melhores quando conhecem mais a realidade? A Filosofia da
Educação não vai contra esse sentimento, mas procura ponderar sobre nossas
A fim de que nada passe por imutável. expectativas e refletir sobre os fundamentos de nossas crenças e suas implicações.
A Filosofia deve refletir criticamente e assim (des)naturalizar nossas práticas e Ao lidar com crianças pequenas, não há como desconhecer as grandes diferenças, e
convicções, buscando avaliar de maneira racional como surgiram e em que se deixar de lhes dedicar um cuidado especial. Mas, em geral, educadores costumam ser
apóiam. Para a Filosofia não há nada indiscutível. Suspeitar, indagar, questionar ou paternalistas em toda parte, tratando como pobres coitados os adultos de culturas
criticar não é desconsiderar. Pelo contrário é ponderar, pesar de novo. Ao reavaliar diferentes da nossa, as mulheres, os pobres, os loucos, os suicidas. Há uma diferença
idéias, podemos alterar nossa posição inicial ou fortalecê-la. entre reconhecer a responsabilidade social pelo estado das coisas e o paternalismo
Uma outra pista importante é o (des)centramento. Você já tinha visto em Antropologia de impor proteção e assumir todas as responsabilidades. Essa assunção pode estar
da Educação, a recomendação de buscar familiarizar-se com o estranho e a estranhar relacionada com a superestimação de seu papel no desenrolar dos eventos. Sem
o que é familiar. Essa é uma estratégia valiosa e, para todas as áreas do dúvida, temos um importante papel a desempenhar, mas daí a acreditar que a
conhecimento, o olhar histórico é uma ótima forma de representar a diferença e nos transformação necessária está em nossas mãos vai uma certa distância. Educadores
fazer estranhar nosso presente com a compreensão do ponto de vista de outras (e filósofos, entre outros) gostam de se imaginar numa missão evangelizadora: com a
épocas. postura sempre edificante, sóbria e incansavelmente disposta, como se estivessem
para vir a ser canonizados. Para esse mal, nos parece que o humor é um bom
Como a Filosofia valoriza o uso de conceitos elaborados e bem concatenados, muita remédio.
gente a identifica como um discurso complexo e articulado. Julga-se que filosofar é
elaborar discursos complexos. Sem dúvida, saber discutir e argumentar com O humor é uma forma de resistência sem transcendência de um lugar superior. Ele é
profundidade é uma boa maneira de exercitar nosso pensamento e de organizar uma arte que devemos cultivar, para saber rir de nós mesmos, da vergonha do
nossas idéias. Alem disso, o discurso disciplinado é uma boa forma de discutir com o presente e de nossas ilusões. Frente a tantos desafios que nos colocamos, o humor é
outro, de se valer do diálogo como um guia do conhecimento. vital para nos preservar da superestimação do heroísmo.
Entretanto, a eloqüência não deve se sobrepor ao exercício mais sutil da escuta. A Atividade 9
capacidade de interpretação depende muito da escuta ativa. Saber ouvir não é Vamos exercitar essas estratégias? Descreva um caso ocorrido durante seu curso ou
educadamente deixar o outro falar, sem levá-lo a sério. Mais do que simplesmente seu trabalho, utilizando, senão todos, pelos menos alguns dos recursos sugeridos:
escutar, é buscar entender o que o outro está querendo dizer e suas razões, se desnaturalização, descentramento, escuta ativa e humor.
colocar no seu ponto de vista, refletir sobre nossas dificuldades em pensar
diferentemente do que fazemos. Estamos chegando ao fim deste módulo e do Veredas. Mas é óbvio que isso não
significa que você já sabe tudo o que precisa saber. Nunca é assim. Perceber o
quanto falta para conhecer chega a ser desesperador. Mas há uma sabedoria em BIRCHAL, T.; MARQUES, M. & FENATI, R. Filosofia no vestibular: provas e
perceber o quanto não sabemos e o quanto as coisas são mais complexas do que comentários. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2003.
pareciam. Há sabedoria, também, em perceber o quanto é importante suspeitar de
BORGES, J. L. Ficções. São Paulo: Globo, 2001.
nossas certezas, reavaliar constantemente nossas convicções.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática,1994.
Nossa primeira seção de Filosofia da Educação teve como título a expressão
"Pensando bem". Esta última seção bem que poderia se intitular "Pensando melhor..." KOHAN, W. O. A certidão de nascimento da filosofia. Uma leitura da Apologia de
Pois esta é uma expressão corriqueira que curiosamente não sugere, como parece, Sócrates de Platão. In: Humanidades. v. 50. Brasília, 2003. pp. 22-35
uma superioridade. Ela expressa a atualização do pensamento. Reafirma a incrível
capacidade do pensamento humano de se desdobrar, de se refletir e, levando em LADRIÈRE, J. Os desafios da racionalidade. Petrópolis: Vozes, 1979.
consideração novas percepções, chegar a outros resultados. Isso não significa mudar LEBRUN,G. Sombra e luz em Platão. In: NOVAIS, A. O olhar. São Paulo: Cia. das
de idéia a toda hora, como na música "Metamorfose Ambulante" que Raul Seixas Letras, 1993.
cantava. "Pensando melhor..." é um jeito que temos de mostrar que estamos
reavaliando, reconside rando. O gerúndio (ando) e as reticências (...) sugerem sem MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: UNESCO/
asseverar e reforçam a dimensão processual, o não acabamento. Um dos grandes Cortez, 2001. NOVAES, A. A crise da Razão. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
pensadores brasileiros vivos, Millôr Fernandes, recomenda brincando: "Bem faz meu SCHEURMANN, E. O Papalagui: comentários de Tuiávii recolhidos por Erich
alfaiate: toda vez que vou lá, ele mede tudo de novo." Scheurmann. São Paulo: Marco Zero, 1997.
Atividade 10 Texto de Referência
Considerando o que você leu nos textos de Filosofia da Educação e também o que ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes e sobre a origem
você estudou nos demais componentes curriculares, assinale, dentre as alternativas da desigualdade. Rio de Janeiro: Athena, s/d.
seguintes, AQUELAS que expressam conclusões adequadas.
Em resposta à seguinte questão lançada, em 1750, pela Academia de Dijon:
a ( ) O paradigma iluminista foi superado com os avanços da Ciência e o
reconhecimento da complexidade da realidade. O restabelecimento das ciências e das artes contribuiu para melhorar os costumes? 1
b ( ) As certezas doutrinárias, dogmáticas e intolerantes são geralmente ilusórias e É um grande e belo espetáculo ver o homem sair, de qualquer maneira e por seus
perigosas. próprios esforços, do nada. E dissipar, com as luzes da Razão, as trevas nas quais a
natureza o envolvera. Elevar-se acima de si mesmo. Atirar-se pelo espírito até as
c ( ) A consciência do caráter incerto do ato cognitivo constitui a oportunidade de regiões celestes. Percorrer, a passos de gigante, como o sol, a vasta extensão do
chegar ao conhecimento pertinente. universo. E, o que ainda é maior e mais difícil, entrar de novo dentro de si mesmo para
d ( ) Alguns conhecimentos são dogmáticos e devemos nos distanciar deles aí estudar o homem e conhecer sua natureza, seus deveres e seu fim. Todas essas
assumindo uma postura científica. maravilhas são renovadas há poucas gerações.

Conviver e ser feliz com as incertezas não significa, de forma alguma, se conformar A Europa caíra na barbaria das primeiras idades. Os povos desta parte do mundo,
com a realidade, aceitar a desvalorização da profissão, abrir mão do compromisso de hoje tão esclarecida, viviam, há séculos, em um estado pior do que a ignorância. Não
buscar conhecimento significativo e formas de compartilhá-lo, ou abandonar a luta sei que barafunda científica, ainda mais desprezível do que a ignorância, usurpara o
diária pela melhor compreensão do outro e de si mesmo. nome do saber e opunha à sua volta um obstáculo quase invencível.

Ficar feliz com os sucessos pessoais alcançados nesse curso não implica se Foi preciso uma revolução para trazer de novo os homens ao senso comum. Ela veio,
contentar com eles. Que eles sirvam de aperitivo para estimular o apetite e o sabor enfim, do lado de onde menos poderia ser esperada. Foi o muçulmano, o eterno
que vamos degustando em nossa vida! Chamar esse longo período de estudos (3 flagelo das letras, que as fez nascer entre nós. A queda do trono do Constantino levou
anos e meio!) de aperitivo, não é diminuir o seu valor, mas uma forma de insistir no para a Itália os despojos da antiga Grécia. A França, por sua vez, se enriqueceu com
caráter sempre renovado e inacabado da busca do conhecimento. A vontade de todos essas preciosas ruínas. Em breve, as ciências seguiram às letras. À arte de escrever,
envolvidos na produção do Veredas é que ele sirva de estimulante para você e para juntou-se a de pensar, gradação que parece estranha e que, talvez, seja até bastante
outras pessoas. natural. E começou-se a sentir a principal vantagem do comércio das musas: a de
tornar os homens mais sociáveis, inspirando-lhes o desejo de agradar uns com obras
Bibliografia dignas de aprovação mútua.
O espírito tem suas necessidades, assim como o corpo. São esses os fundamentos desconfianças, os temores, a frieza, a reserva, o ódio, a traição, hão de ocultar-se
da sociedade, constituindo os outros o seu atrativo. Enquanto o governo e as leis sempre sobre o véu uniforme e enganador da polidez, sob essa urbanidade tão
promovem a segurança e o bem-estar dos homens na coletividade, as ciências, as louvada, que devemos às luzes do nosso século. Não será mais profanado com
letras e as artes, menos despóticas e mais poderosas talvez, estendem guirlandas de juramentos o nome do senhor do universo, mas, será insultado com blasfêmias, sem
flores sobre as cadeias de ferro que eles carregam. Elas sufocam nos homens o que os nossos ouvidos escrupulosos se ofendam. Ninguém mais se gabará do próprio
sentimento de liberdade original para a qual pareciam ter nascido, fazendo-os amar mérito, mas rebaixará o dos outros. Ninguém ultrajará grosseiramente seu inimigo,
sua escravidão, e assim foram chamados de povos civilizados. mas o caluniará com habilidade.
A necessidade elevou os tronos, as ciências e as artes consolidaram-nos. Poderes da Os ódios nacionais se extinguirão, mas será com o amor da pátria. A ignorância
terra, amem os talentos e protegei aqueles que os cultivam. Povos civilizados, desprezada será substituída por um perigoso ceticismo. Haverá excessos proscritos,
cultivem tais buscas. Felizes escravos, vós lhes deveis esse gosto delicado e fino com vícios desonrados, mas outros serão decorados com o nome de virtudes. Será preciso
que vos irritais. Essa doçura de caráter e essa urbanidade de costumes que, entre tê-los ou fingir tê-los. Gabar-se-á quem tiver a sobriedade dos sábios do tempo.
vós, tornam o comércio tão suave e tão fácil. Em uma palavra, as aparências de todas Quanto a mim, não vejo nisso senão um requinte de intemperança tão indigno de meu
as virtudes sem ter nenhuma. (...) elogio quanto a sua artificiosa simplicidade.
Como seria agradável viver entre nós, se a aparência fosse sempre a imagem das Tal é a pureza adquirida pelos nossos costumes. É assim que nos tornamos gente de
disposições do coração, se a decência fosse a virtude, se nossas máximas nos bem. Cabe às letras, às ciências e às artes reivindicar o que lhes pertence em obra
servissem de regras, se a verdadeira filosofia fosse inseparável do título de filósofo! tão salutar. Acrescentarei apenas uma reflexão: o habitante de alguma região afastada
Mas, tantas qualidades muito raramente vão reunidas, e a virtude não anda assim que procurasse formar uma idéia dos costumes europeus sobre o estado das ciências
com tanta pompa. A riqueza do ornamento pode anunciar um homem opulento, e sua entre nós, sobre a perfeição das nossas artes, sobre a afabilidade dos nossos
elegância um homem de gosto. O homem saudável e robusto é reconhecido por discursos, sobre as nossas perpétuas demonstrações de benevolência, e sobre essa
outros sinais. É sob a vestimenta rústica de um lavrador, e não sob os dourados do multidão tumultuosa de homens de todas idades e de todo estado que parecem ter
cortesão que se encontrão a força e o vigor do corpo. O ornamento não é menos pressa, desde o amanhecer até ao por do sol, de se obsequiarem reciprocamente.
estranho à virtude, que é a força e o vigor da alma. O homem de bem é um atleta que Esse estrangeiro, repito, teria uma visão totalmente falsa de nossos costumes.
tem prazer em combater nu. Despreza todos esses vis ornamentos que dificultam o
Onde não há nenhum efeito, não há causa que procurar. Mas aqui o efeito é certo. A
uso das suas forças e cuja maior parte só foi inventada para ocultar alguma
depravação, real. Nossas almas se corromperam à medida que nossas ciências e
deformidade.
nossas artes se desenvolveram. Dir-se-á que é uma desgraça peculiar da época
Antes de a arte modelar as nossas maneiras e ensinar as nossas paixões a falar uma atual? Não, senhores, os males causados pela nossa vã curiosidade são tão velhos
linguagem apurada, nossos costumes eram rústicos, porém naturais. A diferença dos quanto o mundo. O sobe e desce das águas do Oceano não é menos regulado pelo
procedimentos anunciava, ao primeiro golpe de vista, a dos caracteres. A natureza movimento do astro que nos ilumina durante a noite do que a sorte dos costumes e da
humana, no fundo, não era melhor, mas os homens encontravam sua segurança na honestidade está sujeita ao progresso das ciências e das artes. Viu-se a virtude fugir à
facilidade de se penetrarem reciprocamente. E essa vantagem, cujo valor não medida que a luz destas últimas se elevava sobre o nosso horizonte, e o mesmo
sentimos, lhes evitava muitos vícios. fenômeno se observou em todos os tempos e em todos os lugares.
Hoje, que pesquisas mais sutis e um gosto mais fino reduziram a arte de agraciar a (...)
um sistema, reina em nossos costumes uma vil e enganadora uniformidade,
Alguns sábios, é verdade, resistiram à corrente geral e se preservaram do vício no
parecendo que todos os espíritos foram forjados num mesmo molde. A polidez sempre
convívio das Musas. Mas, que se ouça o juízo que o primeiro e o mais desgraçado
exige, o decoro ordena. Sem cessar, todos seguem os usos, jamais sua própria
deles fazia dos sábios e dos artistas do seu tempo:
natureza. Ninguém mais ousa parecer aquilo que é. E, nesse constrangimento
perpétuo, os homens que formam esse rebanho chamado sociedade colocados nas "Examinei, _ disse ele, _ os poetas, e os vejo como pessoas cujo talento impõe a eles
mesmas circunstâncias farão todos as mesmas coisas, se motivos mais poderosos mesmos e aos outros, que se consideram sábios, que são tomados como tais, e que
não os desviarem. Jamais saberemos bem a quem nos dirigirmos. Precisamos, pois, não são nada menos."
para conhecer um amigo, esperar as grandes ocasiões, isto é, esperar que não haja
"Dos poetas, _ continuou Sócrates, _ passei aos artistas. Ninguém ignorava mais as
mais tempo, pois que é precisamente nesse tempo que seria essencial conhecê-lo.
artes do que eu. Ninguém estava mais convencido de que os artistas possuíam
Que amontoado de vícios não acompanhara essa incerteza! Não há mais amizades belíssimos segredos. Entretanto, percebi que a sua condição não é melhor do que a
sinceras. Não há mais estima real. Não há mais confiança fundada. As suspeitas, as dos poetas, e que tanto uns como outros têm o mesmo preconceito. Como os mais
hábeis dentre eles destacam nas suas respectivas áreas, olham-se como os mais felicidade; se corrompeu os nossos costumes e se a corrupção dos costumes chegou
sábios dos homens. Essa presunção desacreditou por completo o seu saber aos meus a atingir a pureza do gosto, que pensaremos dessa multidão de autores que afastaram
olhos. De forma que, colocando-me no lugar do oráculo e perguntando a mim próprio do templo das musas as dificuldades que lhes impediam o acesso e que a natureza ali
o que eu preferiria ser, o que sou ou o que eles são, saber o que eles aprenderam ou espalhara para por à prova as forças dos que tivessem a tentação de saber? Que
saber que nada sei, respondi a mim mesmo e ao deus: "quero continuar o que sou". pensaremos desses com piladores de obras que indiscretamente quebraram a porta
das ciências e introduziram no seu santuário um povo indigno de se aproximar dele,
"Não sabemos, nem os sofistas, nem os poetas, nem os oradores, nem os artistas,
quando seria desejável que todos aqueles que não pudessem avançar na carreira das
nem eu, o que é o verdadeiro, o bom e o belo. Mas há entre nós esta diferença:
letras fossem repelidos desde a entrada e atirados nas artes úteis a sociedade?
embora essa gente nada saiba, julga saber alguma coisa. Ao passo que eu, não
Aquele que, durante toda a sua vida, fosse um mau literato, geômetra subalterno,
sabendo nada, ao menos não tenho dúvida. De sorte que toda essa superioridade de
tornar-se-ia talvez um grande fabricante de tecidos. Aqueles que a natureza destinou a
sabedoria que me foi concedida pelo oráculo se reduz apenas a estar convencido de
fazer discípulos, não necessitaram mestres. Bacon, Descartes e Newton, esses
que ignoro o que não sei."
preceptores do gênero humano, não os tiveram; e que orientadores os teriam
Eis pois o mais sábio dos homens, segundo o julgamento dos deuses, e o mais sábio conduzido até aonde os seus gênios os levaram? Mestres vulgares só teriam apenas
dos atenienses, segundo o sentimento da Grécia inteira. Sócrates, a fazer o elogio da restringindo tais inteligências, confinando-as aos estreitos limites de suas próprias
ignorância! Será que se ele ressuscitasse entre nós, os nossos sábios e artistas o capacidades. Foi pelos primeiros obstáculos que eles aprenderam a fazer esforços, e
fariam mudar de opinião? Não, senhores. Esse homem justo continuaria a desprezar que se exercitaram a transpor o espaço imenso que percorreram. Se é necessário
as nossas vãs ciências. Não ajudaria a aumentar esse montão de livros que nos permitir que alguns homens se dediquem aos estudos das ciências e das artes, que
inundam por toda parte, e deixaria apenas, como fez, como único preceito aos seus seja exclusivamente aos que se sentem com forças para caminhar sós sobre suas
discípulos e aos nossos netos, o exemplo e a memória de sua virtude. Assim é que é pegadas e ultrapassá-las. É para esses poucos que cabe levantar monumentos de
belo instruir os homens. glória ao espírito humano. Se, porém, se quer que nada esteja acima de seu gênio, é
preciso que nada esteja acima de suas esperanças, eis o único encorajamento de
(...) quem tem necessidade. A alma se dá insensivelmente aos objetos que a ocupa e são
Em todos os tempos, o luxo, a dissolução e a escravidão foram o castigo dos esforços as grandes ocasiões que fazem os grandes homens.
orgulhos que fizemos para sair da ignorância em que a sabedoria eterna nos colocara. Roteiro de Atividades
O espesso véu com que cobriu todas essas operações parecia nos advertir bastante
de que não nos destinou a vãs pesquisas. Atividade 1
Mas haverá, dentre essas lições, alguma da qual soubemos aproveitar ou que Por que motivo (ou motivos) Rousseau discorda da afirmação que o progresso das
tenhamos negligenciando impunemente? Pois sabei, povos, que a natureza nos quis Ciências e das Artes contribui para a melhoria dos costumes?
preservar da ciência, assim como a mãe que tira uma arma perigosa das mãos de seu
Atividade 2
filho. Que todos os segredos que ela vos esconde são tantos males dos quais vos
preserva, e que a dificuldade que encontrais para vos instruirdes não é o menor dos Com base no que você estudou nesta e nas outras unidades, que argumentos você
benefícios. Os homens são perversos. Seriam ainda piores se tivessem tido a poderia acrescentar para defender a posição dele?
desgraça de nascerem sábios.
Atividade 3
Como são humilhantes essas reflexões para a humanidade! Como o nosso orgulho
E que argumentos você acha que deveriam ser levantados por quem não concorda
deve estar mortificado! Como?! A probidade seria filha da ignorância? A ciência e a
com ele?
virtude seriam incompatíveis? Que conseqüências não se tirariam dessas suposições?
Mas, para conciliar as contrariedades aparentes, basta examinar de perto a vaidade e Atividade 4
a insignificância desses títulos orgulhosos que nos deslumbram e que tão
Que desdobramentos os argumentos apresentados por você como resposta às
gratuitamente conferimos aos conhecimentos humanos. Consideremos, pois, as
questões 2 e 3 poderiam ter na educação escolar?
ciências e as artes em si mesmas. Vejamos o que deve resultar do seu progresso, e
não hesitemos mais em convir que, em todos os pontos, os nossos raciocínios se Notas
encontrarão de acordo com as indicações históricas.
(1) Rousseau venceu o concurso e sua resposta lhe deu grande celebridade.
(...)
Fonte
Mas se o progresso das ciências e das artes nada acrescentou a nossa verdadeira
Texto que faz parte do Projeto Veredas Módulo 7 V. 4 - Unidade 4 Tudo menos importar-se com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
RESPOSTAS
De que serve uma sensação se há uma Razão exterior a ela?
Atividade 1 Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
A resposta é pessoal. Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
A título de exemplo, apresento o que se segue. É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
A) O título é a primeira linha do poema. Álvaro Campos 1 é seu autor. Em vez de É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.
descrevê-la, copiei uma parte.
B) Interpretação: Álvaro Campos se volta ferozmente contra a idéia de que a Razão
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa emancipa o indivíduo e a sociedade. Na ótica dele, os sentimentos humanitários
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara, modernos e a luta pelo aprimoramento da sociedade se baseiam numa racionalidade
que ele, desesperado, não acredita, pois acha que ela não dá conta do absurdo e da
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele; complexidade da vida.
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha. Atividade 2
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro: A) Três características do Iluminismo:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado _ Crença no poder da Razão para livrar-nos da opressão.
E romantismo, sim, mas devagar...). _ Avanço do conhecimento científico e tecnológico e melhoria das condições de vida.
Sinto uma simpatia por essa gente toda _ Luta pelos direitos universais do homem (como o do acesso à educação) e pela
responsabilidade social (cidadania) no aprimoramento da vida social.
Sobretudo quando não merece simpatia.
B) Três críticas:
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
_ Não resolveu a maior parte dos problemas prometidos e teve sérios efeitos
E sou-o também por minha culpa.
colaterais, como o maior poder de destruição do ambiente e nas guerras.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
_ Ao se impor como universal, se tornou uma forma de aniquilamento de culturas
É estar ao lado da escala social, diferentes.
É não ser adaptável às normas da vida, _ Perdeu de vista experiências cognitivas ricas como a mítica e a religiosa, porque as
considerava como irracionais ou superadas.
Às normas reais ou sentimentais da vida
Atividade 3
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta
Resposta pessoal.
Não ser pobre a valer, operário explorado
Atividade 4
Não ser doente de uma doença incurável,
Item c.
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Atividade 5
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Itens a, e, f.
Que se fartam de letras porque tem Razão para chorar lagrimas,
Atividade 6
E se revoltam contra a vida social porque tem Razão para isso supor.
Itens b, e.
Não: tudo menos ter Razão!
Atividade 7 Rousseau, os homens eram igualmente capacitados, independentemente da classe
social em que nasceram.
Alguns exemplos, entre outros, que você pode ter lembrado, são os seguintes:
Atividade 4
Não ficar assistindo TV o tempo todo, mas tentar divertir-se de outras formas também.
Rousseau é um dos grandes fundadores da Pedagogia moderna, entre outras razões,
Pensar no significado que as informações que você fica sabendo têm para sua vida,
por que mostrou a necessidade de atentarmos para diferentes fases do crescimento
agora e depois (daqui a um ano, daqui a 10 anos).
da criança e, portanto, diferentes necessidades, capacidades e interesses. Seu
Experimentar pensar sobre coisas que gostaria de encontrar. enfoque é no indivíduo e no crescimento natural de sua razão, mas não é sobre isso
que este discurso trata. Mesmo assim, podemos especular sobre os desdobramentos
Procurar definir que coisas você acha que seriam importantes mas que você não tem que os argumentos apresentados nas respostas 2 e 3 teriam na educação escolar. (É
muito interesse em procurar suas razões. preciso lembrar que os argumentos mobilizados por vocês podem variar. Vou
Atividade 8 apresentar com base nas respostas apontadas acima). Eles sugerem que a educação
deveria ser individualizada e, sobretudo, enfatizar o exercício progressivo da
Itens a, c. autonomia. O principal seria o desenvolvimento desta virtude, e não o domínio de
Atividade 9 informações, regras sociais ou técnicas.
Resposta pessoal. Fonte
Atividade 10 Texto que faz parte do Projeto Veredas Módulo7 v. 4
Itens b, c.
Texto de Referência FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO - EPISTEMOLOGIA DO PROFESSOR - PARTE I
Atividade 1
Texto Básico
Por que ele julga que o progresso das ciências e das artes corrompeu a moral, e
enfraqueceu a vontade natural do homem. Rousseau considera que a sociedade e Seção 1: Aprender a Conhecer
seus artifícios sufocam a liberdade e a razão natural dos homens. Os artifícios e Objetivo específico: compreender a construção do conhecimento com base no método
ornamentos desenvolvidos pela civilização dificultam o exercício da simples virtude. filosófico.
Atividade 2 Quem ensina sempre espera que alguém aprenda. Mas o que é fundamental para que
Uma idéia que poderia reforçar a posição de Rousseau é a avaliação de que o este processo de ensino e aprendizagem aconteça?
desenvolvimento das sociedades centradas na tecnologia e no progresso não É a partir desta pergunta que o pensar filosófico se organiza em torno da Educação e
resolveu os problemas básicos de fome e exploração, mas potencializa o poder de se utiliza da importante capacidade do ser humano, que é a reflexão. Ao buscar
destruição e poluição. Outro argumento possível seria que a razão instrumental e o fundamentos na dúvida filosófica para compreender o processo de ensino e
desenvolvimento tecnológico levaram a uma perda da autonomia dos indivíduos. A aprendizagem, o ser humano faz uma indagação aparentemente corriqueira: como é
uniformidade da cultura de massas seria uma expressão do que ele chama da vida em possível, para o ser humano, conhecer?
rebanho, "fazendo os homens amar sua escravidão".
As diferentes respostas que têm sido dadas a essa pergunta geram teorias sobre a
Atividade 3 natureza do conhecimento.
Um argumento que poderia ser levantado contra a perspectiva de Rousseau é que Como a atitude filosófica da dúvida norteia o ser humano, é com base nela que
esse discurso idealiza o homem natural, como se a vida afastada dos centros urbanos buscamos compreender os fenômenos que nos chegam por via das sensações, isto é,
e dos costumes sociais padronizados fosse sempre feliz e autêntica. Ele trata da das impressões que recebemos dos objetos: sensações táteis, visuais, auditivas etc.
razão como natural, e não como produto de uma construção histórica e cultural. A No entanto, é preciso lembrar que para pensar sobre as sensações, precisamos de
mulher fica de fora desse discurso, e quando afirma, ao final, que é necessário idéias. As idéias são representações da realidade sensível ou de outras idéias. Assim,
permitir que alguns homens se dediquem aos estudos das ciências e das artes, vemos o conhecimento implica uma relação entre o sujeito e o objeto. Essa relação é
que é numa perspectiva bastante elitista. Todavia, há que se ressaltar que, para mediada por um caminho possível chamado método. Esta é uma palavra grega que
resulta da união de dois vocábulos, meta = rumo e hodos = caminho. Assim, o método A epistemologia empirista constitui, em larga escala, e de forma quase totalmente
pode ser compreendido como o caminho para se chegar a um determinado lugar. inconsciente, o fundamento teórico-filosófico da pedagogia da repetição ou da
reprodução. Esta pedagogia _ e a didática pela qual ela se manifesta _ identifica-se a
MÉTODO: conjunto de procedimentos e regras para alcançar um resultado almejado.
tudo aquilo que atribuímos ao conceito de treinamento. Dentre todas as qualidades
Nesse sentido, aprender a conhecer exige um caminho. Todo caminho leva a uma antipedagógicas que o conceito _ e a prática de treinamento condensa, a mais
determinada resposta que, filosoficamente, é transitória. Em Filosofia não existe um nefasta é, sem sombra de dúvida, a do autoritarismo...
único método que garanta certeza absoluta. No entanto, a atitude filosófica exige que
O docente que professa esta epistemologia manifesta, via de regra,uma arrogância
o caminho a ser seguido abra possibilidades para que o aprendiz se torne capaz de
didática. Ele acredita que seu ensino tem o poder ilimitado para produzir
raciocinar, argumentar, analisar e criticar. Assim, você, como estudante do Veredas,
aprendizagem;se esta não ocorre a culpa é inequivocamente do aluno.Toda avaliação
pode retomar fatos, conceitos e relações que foram aprendidos e buscar um método
escolar passa a ser processada à base desta fundamentação...
que lhe permita refletir filosoficamente a respeito deles, formular problemas filosóficos.
Penso, por isso, que a simples mudança de paradigma epistemológico não garante,
Segundo Japiassu e Marcondes (1989), a dúvida filosófica pode ser entendida como
necessariamente, uma mudança de concepção pedagógica ou de prática escolar.
dúvida metódica, "um método que tem por objetivo descobrir a verdade, quer dizer,
(Becker, apud, Aranha, 1989:34.)
considerar provisoriamente como falso tudo aquilo cuja verdade não se encontra
assegurada". Atividade 2
Atividade 1 Com base no que você acabou de aprender, analise o texto de Becker de acordo com
os seguintes passos:
A) Como vimos, para que o processo de ensino e aprendizagem ocorra, é necessário
um método. Retorne ao Módulo 2, Volume 2, Seção 1 de Matemática II, e descreva o A) Identifique o tema.
caminho (método) a ser utilizado para alcançar o objetivo proposto.
B) Justifique a importância de discuti-lo, a partir do lugar do professor.
B) Quais são os pressupostos epistemológicos desse método?
C) Por que o autor afirma que a epistemologia pressuposta na ação docente é, em
Na unidade anterior de Filosofia da Educação, você já refletiu sobre as semelhanças e sua maior parte empirista?
as diferenças entre o pensar científico e o pensar filosófico. Já sabe que a reflexão
D) Que relação o autor estabelece entre a epistemologia empirista e a pedagogia?
filosófica se caracteriza por ser rigorosa, radical e de conjunto. Na Filosofia, seguimos,
pois, um caminho demonstrativo, que exige confrontar o já sabido com o objeto a ser E) Explique a expressão " arrogância didática", de acordo com Becker.
conhecido, o que permite estabelecer afirmações logicamente fundamentadas. Por
isso, quando você estiver lendo um texto, é necessário formular questões e respostas Bem, esperamos que você tenha compreendido que o método é essencial para que a
provisórias. À medida que exercitamos essa atitude aprendemos a ler o mundo e aprendizagem ocorra em qualquer atividade que possamos exigir dos estudantes e de
filosofamos a partir de um lugar definido que, no nosso caso, é o lugar de educador. O nós mesmos, tal como é indispensável para demonstrar filosoficamente um
lugar do educador, entre outras coisas, se define pela escolha do método de ensino e, determinado assunto, como vimos na unidade anterior. Agora, vamos focalizar a
conseqüentemente, pela relação que se estabelece entre o ensino e a aprendizagem. noção de verdade e suas implicações para a epistemologia do professor.
Seção 2: As Diferentes Verdades e Realidades do Conhecimento
A Epistemologia do professor
Objetivo específico: identificar as diferentes noções de verdade e algumas de suas
A primeira grande constatação que se delineou, desde as primeiras análises [...] foi a
implicações para a Educação.
de que a epistemologia subjacente ao trabalho docente é a empirista e a de que só
em condições especiais o docente afasta-se dela, voltando a ela, assim que a Um assunto implícito na noção de conhecimento são as concepções de verdade e
condição especial tiver sido superada [...]. realidade, das quais nos valemos quase sempre sem problematizar, sem indagar seus
[...] Ouvimos e observamos docentes convictos de que procedem didaticamente significados e implicações. Pois vamos agora nos deter sobre esses conceitos.
segundo um modelo pedagógico construtivista. Organizam ações e fazem seus Para analisar a noção de verdade, vamos valer-nos de uma fábula que adaptamos
alunos realizarem tais ações. Mas, como sua concepção epistemológica não mudou, para introduzir a problemática do conhecimento e da sabedoria.
cobram ações de seus alunos com a finalidade única da reprodução: o aluno deve
executar tais ações a fim de conseguir o objetivo já delineado pelo professor, e nada Um discípulo deseja saber o que é a verdade. O mestre indica-lhe o caminho: a
mais. Nem pensar num objetivo trazido pelo aluno. Não pode haver surpresas.[...] verdade reside com a pessoa mais idosa de uma metrópole. Em sua procura defronta-
se com o ser mais velho de uma grande cidade. O velho o olha com cuidado e diz:
tudo que sei sobre a verdade é passado, é memória: procure o ser mais velho de uma corresponder ao que foi revelado. Isso significa que a verdade corresponde à
pequena cidade. Ele o procura e o encontra. O velho o olha com cuidado e diz: tudo descoberta de algo objetivo, para além das aparências, das impressões e das
que sei sobre a verdade foi o que vivi e indica ao jovem um bosque. vontades dos sujeitos envolvidos. Esse conceito tem aqui, como nas leis científicas,
um sentido atemporal. A verdade seria, portanto, a-histórica, algo que era
Chegando ao bosque o discípulo vê uma gruta, um lago e uma mulher que contempla
desconhecido e encoberto, mas que existia por si mesmo. Nessa perspectiva,
seu rosto enrugado nas águas. Ele a interroga: você é a verdade? Ela o afirma com
conhecer equivale a retirar a coberta ou o véu que impedia a visão da verdade.
uma voz mansa, macia e sedutora. Ele pede a sua história. Ela narra de forma
fascinante e encantadora que tivera, no decorrer de sua vida, várias faces. Na Uma outra noção é a da verdade como coerência (validade). Aqui, o que se privilegia
tradição grega, fora a pura perfeição. Entre os medievais, a perdição. Para os é a sintaxe, a lógica. De acordo com essa perspectiva, um enunciado (ou uma lição) é
modernos, a construtora, criação científica do mundo. Agora, a pura fragmentação. Ao considerado incorreto quando é incoerente. Você se lembra de ter lido sobre as regras
perceber a verdade como multifacetada, o rapaz resolve se levantar e partir. lógicas de inferência (Módulo 2, Unidade 1 do componente "Conhecimento Científico e
a Experiência do Professor: Fontes da Pesquisa em Educação", Seção 3)? Pois bem,
No entanto, antes de ir definitivamente, faz sua última indagação: o que vou dizer aos
segundo tais regras, um raciocínio pode ser correto mesmo partindo de premissas
passantes de pouca esperança, aos transeuntes que porventura encontrar? Ela olha
falsas e levando a falsas conclusões. Vejamos um exemplo:
suas mãos encarquilhadas e gretadas pelo tempo, vê a imagem de seu rosto
envelhecido nas águas cristalinas do lago, sente compaixão pelo rapaz e afirma com Se toda estudante é ansiosa;
sua voz mansa, macia e sedutora: diga a todos que encontrar, que a verdade é jovem
e você é uma estudante.
e bela, e que conquista os homens que porventura desejar. (Ferreira, 2004: 5)
Logo, você é ansiosa.
Atividade 3
Mesmo que as coisas não se passem assim, você há de convir que o raciocínio lógico
De acordo com o texto de Ferreira, o que é a verdade?
está correto, é um raciocínio válido, de acordo com as regras das Lógica Formal.
No dia-a-dia, usamos a palavra "verdade" em muitos sentidos diferentes. Um deles é o Repare como, em Matemática, é essa concepção de verdade e seu critério lógico que
de oposto à falsidade e à mentira. Outro é como expressão de concordância com algo prevalecem. Mas não só em Matemática. Observe como muitas vezes
que foi afirmado (quando dizemos: é verdade). Outras vezes, ainda, "verdade" desconsideramos uma testemunha pelo fato de ela estar se contradizendo. Nesse
significa uma ênfase e reforço ao que estamos querendo afirmar. Por exemplo, caso, estamos também privilegiando o critério da coerência.
quando dizemos "isto é que é a verdade".
Uma terceira importante concepção é a da verdade como convenção. De acordo
Diferentes noções de verdade embasam diferentes tipos de conhecimento, de com essa perspectiva, o verdadeiro é aquilo em que todos acreditam. Não importa se
currículo ou de pesquisa. Diferentes formas de conhecimento têm diferentes critérios há correspondência entre uma afirmação e uma realidade verificável ou se ela é
para definir o que é a verdade, como percebê-la, como alcançá-la e como justificá-la. coerente, o essencial é que ela seja aceita como verdadeira pelo grupo. Caso
contrário, não será levada a sério nem vista como legítima. Pense, por exemplo, nas
Talvez a noção mais comum seja de que verdade é o que corresponde à realidade,
regras gramaticais. Algumas têm lógica, mas outras são arbitrárias, puras convenções.
que reflete esta com perfeição. De acordo com essa noção de verdade como
Algumas expressões idiomáticas são especialmente difíceis de ser aprendidas por
correspondência, um enunciado (uma afirmativa) é verdadeiro quando representa
estrangeiros porque parecem ir contra o bom senso. Em Português, por exemplo,
certa ordem de fatos sem deturpá-los ou quando é adequado a eles. Assim, para
dizemos "pois não" para expressar concordância, enquanto a expressão "pois sim"
verificar se uma representação é verdadeira ou falsa, checamos os fatos,
expressa uma certa dúvida. Muitas vezes, uma fala bem correta parece estar errada
confrontamos a realidade com o enunciado. Em geral, isso é o que algumas correntes
por que vai contra costumes que já estão convencionados. Nessa perspectiva, o que
de pensamento buscam nas Ciências. Para saber se uma hipótese é verdadeira,
se toma como sendo a realidade é o fruto de um processo histórico, processo que
serão realizados experimentos que evidenciem sua correspondência com a realidade
depende de legitimação, de institucionalização de conceitos e de perspectivas.
(verdade), ou sua falta de correspondência (falsidade). Por isso falamos em uma
busca da objetividade, ou de uma representação objetiva e imparcial _ com a menor Por fim, uma quarta concepção de verdade é a chamada pragmatista. Esse termo
interferência possível de quem está falando sobre tal realidade. advém de sua ênfase sobre a prática (pragma em grego). De acordo com essa linha
de abordagem, o critério para se avaliar se um conhecimento é ou não verdadeiro
Alguns enunciados, tais como "um lápis cai na mesma velocidade que uma folha de
deve ser sua utilidade, ou seja, seu resultado prático. E, para tanto, o que importa não
papel", parecem intuitivamente falsos. Mas sabemos que as aparências são
é nem a fidelidade da representação da realidade, nem a coerência, nem uma
enganosas e que a verdade pode ser evidenciada por meio de raciocínios (cálculos,
convenção. No pragmatismo, a utilidade e eficácia da ação, depende inteiramente do
inferências) e experimentos. Se as aparências ocultam, o descobrimento revela o que
contexto, e nisso é semelhante à verdade por convenção. Ambas diferem, contudo,
a coisa é. Assim, estaremos dizendo a verdade quando nosso enunciado
porque a concepção pragmatista não considera o processo de formação e a aceitação leis universais do entendimento e da razão. (Kant, 1970:56).
social de um enunciado. Assim, um conhecimento é considerado verdadeiro não
Essas distintas concepções de verdade se fundam em teorias diferentes, mas estão
porque explica alguma coisa ou algum fato, mas porque permite retirar conseqüências
presentes também nas nossas falas cotidianas, em casa ou na sala de aula. Sem
práticas e aplicáveis. Pense, como exemplo, numa caixa de ferramentas. Você há de
perceber, nos valemos de diferentes critérios e perspectivas, ao fazer afirmações no
convir que a resposta à pergunta: "o que é mais importante: o martelo ou a chave de
nosso dia-a-dia e ao avaliá-las. É importante examiná-las para conhecermos os
fenda?" não faz sentido, exceto para os pragmatistas, que podem responder: " para
pressupostos implícitos em nossa prática.
bater pregos, o melhor é um martelo e, para apertar parafusos, uma chave de fenda."
O critério de veracidade, nesse caso, é a eficácia. O que, para eles, não faz muito Atividade 5
sentido é a redução do conhecimento a uma representação das coisas, pois julgam
Estabeleça relação entre esta série de expressões corriqueiras e as distintas noções
que o conhecimento é um instrumento de adaptação ao meio.
de verdade, usando o mesmo código indicado na Atividade 4:

Há ainda outras concepções e também subdivisões dentre as que foram (1) correspondência;
apresentadas aqui. Mas esses quatro significados de verdade já nos permitem (2) coerência;
algumas reflexões importantes para o professor. Vejamos se está claro para
você. (3) convenção;

Atividade 4 (4) utilidade.

Estabeleça relação entre os critérios de verdade e a concepção de cada autor, a ( ) A professora está errada, pois não foi isso o combinado.
numerando os parágrafos que se seguem, de acordo com o seguinte código: b ( ) Isso é fruto de sua imaginação e não corresponde aos fatos.
(1) correspondência; c ( ) Não vejo validade no que está sendo ensinado. Depois não servirá para nada.
(2) coerência; d ( ) O mapa esta errado porque não representa corretamente aquele espaço.
(3) convenção; e ( ) Ela não está falando bem a verdade porque noutro dia falou outra coisa.
(4) utilidade. f ( ) Isso é pura ideologia! Esse discurso deturpa a verdade ao silenciar sobre a
a ( ) O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, realidade da maioria da população.
antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas g ( ) Tive que tirar pontos de sua questão porque, embora você tenha acertado o
poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a resultado, a demonstração está incorreta.
um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se
esqueceu o que são. (Nietzsche,1978:48). h ( ) Eu estava lá quando a briga começou, e vi que a história não ocorreu como está
sendo descrita.
b ( ) No limite do cognoscível é que se avista, a custo, a idéia do Bem; e, uma vez
avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo; i ( ) Para que estudar isso se não vai cair na prova?
que, no mundo visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo j ( ) Em vez de ficar discutindo como é que deveria ser, vamos nos concentrar nos
inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se PCNs e no que está estipulado como fundamental.
ser sensato na vida particular e pública. (Platão, 1996:517c)
Cada uma das perspectivas implícitas nessas considerações apela para uma
c ( ) Para se obter perfeita clareza nos nossos pensamentos sobre determinado objeto determinada realidade ou dimensão que se considera como sendo a mais
precisamos apenas de considerar que efeitos de ordem prática se podem conceber fundamental.
estar envolvidos no objeto, que sensações podemos esperar dele e que reações
devemos preparar. (James, 1974:23). Muitas das discordâncias em termos de propostas educacionais e tendências
pedagógicas se originam nessas diferenças sobre o que deve ser considerado como
d ( ) A verdade formal consiste simplesmente num acordo do conhecimento com ele verdade e realidade. Vejamos, então, como essas diferentes concepções de
mesmo, fazendo completa abstração de todos os objetos e de todas as diferenças conhecimento verdadeiro estruturam diferentes perspectivas e teorias educacionais.
entre eles. E, por conseqüência, os critérios formais universais da verdade não seriam
outra coisa que os caracteres lógicos universais do conhecimento, em acordo com as Talvez a distinção mais notável seja a ênfase teórica das perspectivas educacionais
que se baseiam nas três primeiras noções de verdade abordadas acima: elas idéias seriam hipóteses de ação. Os pragmatistas, portanto, defendem uma escola
valorizam sobretudo o domínio das informações, a capacidade de raciocínio ou o mais eficiente, com uma formação que seja mais útil para a vida de seus alunos.
conhecimento do sistema das regras estabelecidas. Enquanto isso, a perspectiva
É importante você observar que essa caracterização é esquemática, buscando
educacional que se funda na noção pragmática de verdade privilegia o domínio prático
apenas caracterizar distintas perspectivas. Na prática, elas não são forçosamente
das competências.
excludentes, sendo, geralmente, observadas formas mistas. Mas isso não diminui a
Grande parte do discurso científico usado nas escolas adota a idéia de que existe uma importância de contrastarmos seus perfis para examinarmos o que tantas vezes
única realidade estruturante imutável, expressa nas leis científicas. Admite-se que pressupomos sem ter consciência desses pressupostos.
ainda desconhecemos muitos aspectos dessa realidade fundamental, mas se acredita
que o avanço da Ciência caminha para isso e que, portanto, a formação educacional
deveria seguir a mesma direção: ensinar as descobertas e os conceitos fundamentais
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO - EPISTEMOLOGIA DO PROFESSOR - PARTE II
das Ciências Naturais: as forças da Física, as reações químicas, o funcionamento dos
organismos e as representações da Geografia. Esses conceitos e teorias revelariam Atividade 6
os aspectos essenciais da realidade, que estaria por detrás das aparências sensíveis Uma boa forma de exercitar a compreensão dessas diferentes noções e de refletir
às quais o senso comum se apega. sobre as perspectivas implícitas em nosso estudo é reexaminar o material que você
Diferentemente do senso comum, que se deixa levar pelas impressões e age de forma vem estudando ao longo do Veredas e identificar a concepção de verdade implícita em
subjetiva, na perspectiva da verdade como representação, se buscaria apreender diferentes passagens.
fatos objetivos da realidade. Uma realidade que existiria independentemente de nosso Leia os trechos abaixo e complete os espaços em branco.
conhecimento, como se estivesse "esperando" ser conhecida em seus detalhes. A
desconfiança frente à imaginação e às paixões humanas se deve ao fato que elas A) "Os primeiros filósofos foram também os primeiros cientistas. Inicialmente,
poderiam perturbar o conhecimento objetivo dessa realidade. voltavam-se para os fenômenos da Natureza na tentativa de explicá-los e,
principalmente de determinar sua origem. No conhecimento pelo intelecto,[...] embora
Já as perspectivas educacionais que privilegiam o desenvolvimento da capacidade não se negue o papel dos sentidos como via de acesso à realidade, considera-se que
mental vinculam-se, geralmente, ao modelo de verdade como coerência, priorizando o eles são insuficientes para garantir o conhecimento seguro e verdadeiro." (Módulo 2,
exercício do raciocínio, independentemente de seu conteúdo. Buscar-se-ia, assim, Unidade 2: Conhecimento científico e outras formas de conhecimento, p. 204).
exercitar a capacidade de raciocínio tal como se fazem exercícios físicos para tornar o
corpo mais potente e veloz. A intenção seria desenvolver a capacidade de raciocínio Concepção de verdade como ___________________
lógico _ por exemplo, a que se pretende medir nos testes de QI (que supostamente B) "Assim como os significados, os códigos podem mudar _ já vimos que uma pessoa
indica o coeficiente de inteligência) ou nos testes psicotécnicos _, e argumentativo, pode criar um novo sentido para as palavras _, mas, para que funcionem como
como nos exercícios de argumentação, independentemente da aquisição de linguagem e sirvam como forma de ordenação, eles têm que ser padronizados. Os
informações ou da relevância delas para situações da vida diária. Esse seria um valores e os significados têm uma validade consensual, isto é, os membros de uma
ensino em que as questões de relacionamento afetivo, valores morais e políticos cultura aprendem a segui-los e concordam em compartilhá-los". (Módulo 1, Unidade 3
seriam deixado de lado ou em segundo plano. de Antropologia da Educação, p. 85).
Por sua vez, na perspectiva convencionalista, não haveria fatos ou uma realidade Concepção de verdade como ___________________
objetiva à qual se ater: todo conhecimento seria mera interpretação. E a aceitação de
uma determinada interpretação se deveria não a evidências objetivas, mas a fatores C) "[...] e na verdade não há uma atitude que possa ser considerada absolutamente
políticos, culturais e históricos. Para entender como um conhecimento foi certa ou absolutamente errada, mas provavelmente apenas mais adequada ou menos
convencionado como verdadeiro dever-se-ia compreender seu processo de adequada para uma situação como essa". (Módulo 6, Unidade 1 de Dinâmica
institucionalização, como produto de uma construção social. Psicossocial da Classe, p. 187).

Para os pragmatistas, como os que inspiraram o movimento escolanovista, mais do Concepção de verdade como ___________________
que determinados saberes fundamentais, o que importaria é aprender a aprender. As Seção 3: Saber e Conhecer: a Formação do Sujeito Autônomo
teorias e conhecimentos não seriam mais que instrumentos para interação com o
meio. Uma proposição seria verdadeira quando funcionasse, isto é, quando permitisse Objetivo específico: definir os diversos tipos de saber e conhecer e a relação de
que nos orientássemos adequadamente no mundo a nossa volta. O conhecimento não ambos com o sujeito autônomo.
seria um fim em si mesmo, mas deveria estar voltado para a experiência, ou seja, as Como é possível para o ser humano conhecer e saber? Em que consiste o problema
do conhecimento? De que forma o saber constitui uma extensão do próprio ser fenômenos que tocam a sua sensibilidade. O conhecer torna-se, a partir daí, um
humano? Mediante essas indagações pretendemos compreender a necessidade do processo que envolve sujeito, método e objeto.
ser humano de conhecer o mundo a partir de três categorias: saber, conhecer e
a ( ) Tipo de saber que há uma relação de reciprocidade
sujeito.
b ( ) Tipo de saber que pressupõe um determinado tipo de conhecimento
"Na tradição filosófica, o saber, a sabedoria significa não só o conhecimento científico,
mas a virtude, o saber prático". (Japiassu & Marcondes, 1989). c ( ) Tipo de saber que ultrapassa o mundo da escola.
O saber O conhecimento é o resultado da atividade intelectual, por meio da qual o sujeito
busca explicar os objetos que lhe tocam os sentidos; trata-se de uma relação entre
A sabedoria é entendida como o "lugar de degustação". O saber como sapere _ que
objeto e sujeito, cujo interesse é descobrir e compreender o objeto. É um processo de
em latim tem o sentido de ter sabor _, pode ser compreendido na vida do educador no
entendimento do mundo que, nessa relação do sujeito com o objeto se apresenta em
sentido de saboroso. Então, uma tríade de sabores interage, visando ao fim último da
níveis: o sensível, o intelectual e o crítico.
Educação: a aprendizagem. No contexto da Filosofia, a aprendizagem é vista como
uma mudança de situação que possibilita ao ser humano uma nova forma de O conhecimento sensível processa-se na medida em que o sujeito cognoscente
compreensão do mundo. (sujeito que conhece) se apropria do objeto mediante os sentidos. Levando isso em
consideração e julgando a experiência como guia e critério de verdade, temos a
As três formas de saber são: saber de área, saber intersubjetivo e saber fundamental.
posição filosófica do Empirismo, que coloca o objeto no centro de suas atenções.
O saber de área pode ser compreendido como saber técnico ou de conteúdo,
O conhecimento intelectual processa-se quando ocorre uma correlação de idéias,
fundamentando-se em regras próprias da área de conhecimento à qual se vincula. Na
princípios e leis relacionadas ao objeto que se pretende conhecer. Nessa perspectiva,
vida do educador, esse tipo de saber concentra-se no domínio do conteúdo que ele
a postura filosófica do Racionalismo defende que a realidade está primeiramente no
ministra. Pressupõe-se que a área de conhecimento do educador seja a de sua
sujeito, uma vez que ele é o centro das reflexões e que todo conhecimento se origina
formação, enriquecida mediante pesquisas, estudos, métodos didáticos etc.
na razão.
O saber intersubjetivo é aquele que pressupõe uma relação possível com os
No entanto, para a concepção crítica do conhecimento, sujeito e objeto se
demais. Depende de um saber lingüisticamente articulado, que exige interação e
relacionam dialeticamente: um não existe sem o outro. Assim, a produção de
reciprocidade. No que tange ao ato de educar, a linguagem, precisa estar em
conhecimento emerge da combinação dos dois primeiros níveis do conhecer _ o
harmonia com a fase de desenvolvimento do educando. Nessa direção, o educador
sensível e o intelectual _, estabelecendo-se a relação entre a experiência e a razão,
necessita adequar o conteúdo a uma linguagem que possibilite compreensão por
uma espécie de conhecimento misto: o objeto toca a sensibilidade do sujeito,
parte do educando.
provocando sensações, e exige do sujeito uma reflexão que se ordena a partir da
A interação desses dois saberes resulta em um terceiro, que atravessa e ultrapassa as razão.
instituições de formação: o saber fundamental, que é o ético e o político. Nesse ideal
Estes níveis de conhecimento estão presentes na prática pedagógica. Por mais
de ser sábio, o importante não é chegar em conclusões definitivas, pois sábio é aquele
abstratos que eles sejam, estão ligados aos fundamentos do ato de conhecer o
que aprende a fazer verdadeiras perguntas.
mundo. "Quando o professor seleciona o conteúdo da disciplina que vai ensinar
Atividade 7 durante o ano letivo, quando decide pelo método e pelos procedimentos de ensino,
quando enfrenta as dificuldades de aprendizagem dos seus alunos, na verdade está
Com base no que você acabou de estudar sobre o saber, relacione as duas colunas a
pressupondo questões epistemológicas" (Aranha, 1996:128).
seguir.
Saber como a relação sujeito/objeto se processa é de suma importância. Todo ato de
(1) Saber de área
conhecer é compreendido na medida em que essa ação intencional do sujeito se
(2) Saber fundamental encontra com o objeto a ser conhecido.
(3) Saber intersubjetivo Todo conhecimento estabelece a relação do sujeito cognoscente com o objeto a ser
conhecido. Assim, o conhecimento é um processo que combina o sentir/pensar/agir de
O conhecer sujeitos que se situam no tempo e no espaço.
A partir do momento em que o ser humano entra no mundo e passa a exercer sua O fundamento para esta forma de pensar o conhecimento se iniciou na Modernidade,
racionalidade, aprende a dominar códigos que circulam em seu meio, e a desvelar quando o real tornou-se um problema de compreensão. A relação entre o sujeito e o
objeto, tendo como mediação o método, influenciou a criação de diversas correntes autodeterminação religiosa confessional. Kant a introduziu na esfera da reflexão
filosóficas, tais como: realismo, racionalismo, empirismo, construtivismo, positivismo, filosófica e através disto lhe deu a possibilidade de exprimir aquilo que o homem tem
idealismo, dialética entre outras. Você provavelmente já ouvir falar nelas, ou já de mais próprio e que assim o distingue dos demais seres. A autonomia significa, a
deparou com algumas nos módulos do Veredas. Como você já sabe pensar a partir de partir de então, a capacidade e a tarefa que caracteriza o homem como homem, ou
problemas, quando elas se tornarem uma necessidade para você, certamente saberá seja, auto-determinar-se e auto-construir-se em acordo com as regras de sua própria
como fazer para conhecê-las. razão (Oliveira, 1995:119).
"A teoria do conhecimento é uma disciplina filosófica tendo por objetivo estudar os É importante salientar que, conceitualmente, o sujeito é uma pessoa que pertence à
problemas levantados pela relação entre o sujeito cognoscente e o objeto conhecido. Humanidade. No entanto, há uma diferença entre sujeito e indivíduo. A palavra sujeito
As teorias empiristas do conhecimento (como a de Hume) se opõem às nos remete à sua etimologia latina, sub-jectum, que, entre outras coisas, significa
intelectualistas [ou racionalistas], como a de Descartes". (Japiassu & Marcondes, sustentar. Esta é a atividade própria do filosofar. O sujeito é aquele que aprende a
1989). sustentar a própria existência. Nessa perspectiva, a existência se fundamenta na
liberdade, pois ela é a qualidade primeira do sujeito humano. Ora, se a liberdade de
Atividade 8
escolha se coloca como essencial, o sujeito é autônomo quando escolhe. Dessa
A partir do que foi estudado sobre conhecimento, marque os itens seguintes com: forma, ser livre pressupõe o exercício de uma razão autônoma.
(1) conhecimento sensível;
Este encontro entre o sujeito e a autonomia instaurou uma nova forma de ser no
(2) conhecimento intelectual; mundo, na qual o conhecimento é um processo de construção de nós mesmos.
(3) conhecimento misto. Para que o conhecimento se torne um processo crítico e reflexivo, é necessário
exercitar a razão e buscar um caminho possível de compreensão dos
a ( ) Conhecimento centrado na razão, o que permite ao sujeito elaborar formas fenômenos que compõem o mundo.
discursivas sem contato com a experiência.
A atitude de refletir sobre as coisas que estão no mundo, contudo, não é suficiente
b ( ) Conhecimento que coloca o objeto no centro de suas preocupações. para compreender a categoria do sujeito. O ser humano torna-se sujeito quando
c ( ) Conhecimento que provém dos sentidos, mas não se limita a eles. estabelece relações, com o mundo, consigo próprio e com o outro.
d ( ) Conhecimento baseado na crença de que a origem das idéias é o pensamento. A relação do sujeito com o mundo pressupõe a tentativa de compreendê-lo melhor.
Desta forma, a própria condição de estar no mundo já nos predispõe a compreender
e ( ) Conhecimento baseado na crença de que a origem das idéias é a experiência que não somos sujeitos quando chegamos, pois não escolhemos pertencer a este
O sujeito autônomo mundo com regras já definidas.
O século XVIII é considerado como o século da Educação, pois nele a filosofia do Então passamos a construir o próprio mundo e, para tal, precisamos saber dos
sujeito demarcou uma nova era filosófica. Considera-se a filosofia do sujeito como fenômenos que o compõem. A família e a escola tornam-se os primeiros lugares que
uma atitude reflexiva sobre o mundo: ao exercitar sua razão, o ser humano torna-se introduzem os recém-chegados no mundo (as crianças), ensinando o significado das
um ser autônomo. O sujeito é autônomo quando, ao deparar com normas já coisas e das palavras. Essa relação está presente em todo processo educacional e vai
estabelecidas, ele as interioriza e, ao refletir sobre as possíveis conseqüências de se tornando complexa à medida que o ser humano se desenvolve.
suas decisões, faz escolhas. Quando elabora uma aula de qualquer conteúdo, você, Cursista, está inserido nessa
É necessário ressaltar que, para ser autônomo, o sujeito necessita interiorizar a norma relação. Por exemplo, numa aula de Geografia, em que cria uma situação de interação
que vem de fora (norma heterônoma), refletir sobre ela, para posteriormente decidir para que o educando aprenda sobre a cidade, o território, o país, você está
aceitar ou recusar a própria norma. estabelecendo essa relação. É nessa tentativa de compreender o mundo que vamos
nos tornando autônomos, pois essa relação de conhecimento vai permitindo ao sujeito
A categoria da autonomia possui uma longa história.Vejamos seu percurso, segundo estabelecer melhor suas escolhas.
Manfredo de Araújo Oliveira:
A relação do sujeito consigo mesmo é mediada pela construção da identidade. A
Em sua origem grega, ela [a autonomia] significou a meta das cidades-estados de compreensão da identidade passa pela percepção do imaginário dominante em cada
poderem determinar suas questões próprias na independência de poderes estranhos. época, tornando-se referência para responder questões fundantes como: o que fomos
Na modernidade, na época das guerras de religião, ela exprimia a pretensão de e quem somos. A pergunta "o que fomos" remete à memória cultural, que nos iguala
na espécie e nos diferencia na particularidade. Dessa forma, diferentes padrões AMADO, J. & M. O prazer de Pensar: 11o. ano de Filosofia. Lisboa: Edições 70, s/d.
culturais constituem nossa memória cultural, que nos incita a buscar a verdade. Para
ilustrar essa afirmação, basta retornar à Seção 2 desta unidade, e ler novamente a FERREIRA, A. C. Filosofia e Envelhecimento. In: Campostrini, E. (Org.)
fábula sobre a verdade. A narrativa tenta demonstrar que, em cada época, prevalecem Odontogeriatria. Rio de Janeiro: Revinter, 2004.
modelos que tentamos seguir, mas que representam apenas uma percepção do FOLSCHEID, D. & WUNENBURGER, J. J. Metodologia Filosófica. São Paulo: Martins
mundo, entre outras possíveis. Fontes, 1997.
A indagação "quem somos" remete também à vida privada de cada um, levando em GHIRALDELLI, P. Teorias de Verdade _ Brevíssima Introdução.
conta sua inserção no contexto social. Desse modo, para apreender quem somos,
torna-se necessário saber o que fomos como espécie humana, compreender o enigma http://www.filosofia.pro.br/textos/teorias-de-verdade.htm
da identidade. Para melhor compreender esta relação retorne ao Módulo 5, Volume 3, HOWARD, A. O & CRAVER, S. M.Fundamentos Filosóficos da Educação. Porto
na parte de Organização do Trabalho Escolar, e leia as Seções 1 e 2, sobre a Alegre: Artmed, 2004.
identidade do trabalho escolar. Depois das reflexões que está fazendo no Módulo 7,
você compreenderá melhor o modo como a identidade docente vai se formando. JAMES, W. Pragmatismo. Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
Temos aí uma forma de relação do sujeito com ele mesmo, que são as nossas KANT, I. Resposta à pergunta o que é "Esclarecimento"?. In: Immanuel Kant. Textos
escolhas profissionais. seletos. Petrópolis: Vozes, 1985.
A relação do sujeito com o outro convoca-nos à reflexão ética, que emerge como _____. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Abril, 1970.
elemento constituinte desse campo. "O outro" se torna a referência para a ação, pois
demanda uma relação de cuidado. A ética só existe quando há "o outro" que se iguala NIETZSCHE, F. Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral. São Paulo: Abril,
na espécie, conforme será visto na próxima unidade. 1978.
Considerações Finais OLIVEIRA, M. de A. Ética e práxis histórica. São Paulo: Ática, 1995.
Nesta unidade, foi discutida a idéia de que, o professor, ao aprender a conhecer, PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 1996.
necessita de um método (caminho). Assim, para que a aprendizagem ocorra, é Texto de Referência
fundamental a relação do sujeito com o objeto por meio de um caminho que o leve a
alguma verdade. Indicação Bibliográfica
Vimos também que há diferentes noções de verdade, realidade e conhecimento: a Resposta à pergunta o que é "Esclarecimento"? In: Immanuel Kant _ Textos seletos.
verdade por correspondência, por coerência, por convenção e por utilidade. Petrópolis: Vozes, 1985. pp. 100-117
Também aprendemos que há formas de saber que nos possibilitam uma maior Roteiro de Atividades
compreensão de nossa prática pedagógica. Esses saberes são: os de área, Atividade 1
intersubjetivo e fundamental.
Baseado no conceito de Kant, sobre esclarecimento e menoridade, responda: os
Finalmente, chegamos à noção de sujeito autônomo que pressupõe três relações homens, na sua maioria, deixam que os outros pensem por eles por preguiça ou
necessárias para a vida humana: a relação dom o mundo, com ele mesmo e com o covardia?
outro.
Atividade 2
Atividade 9
Segundo Kant, para se chegar ao esclarecimento, é necessário ter liberdade. Como a
A) Cite as relações que constituem a categoria de ser sujeito. liberdade pode favorecer o esclarecimento?
B) A partir do seu mundo vivido, faça um comentário que aborde a condição de Atividade 3
pertencer ao mundo como sujeito dotado de razão e de autonomia.
A partir do texto: "O que é esclarecimento?", podemos considerar que os homens são
Bibliografia esclarecidos ou vivem hoje em uma época esclarecida?
ARANHA, M. L. A. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna, 1989.
ARENDT, H. A Vida do Espírito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992.
RESPOSTAS a) (3) A verdade é uma convenção, institucionalizamos os conceitos, as relações entre
as idéias e, como estamos tão acostumados com essas convenções, nos esquecemos
Atividade 1 de que são criações humanas e que poderiam ser inteiramente diferentes.
O objetivo da seção é "construir, de forma contextualizada, o significado das b) (1) O conhecimento verdadeiro está em ver a essência imutável que se esconde
operações de adição e subtração de números naturais". por detrás das aparências. Alcançando-a, compreende-se todo o resto. Essa essência
O caminho proposto para chegar a esse objetivo envolve os seguintes passos: seria universal e necessária, isto é, valeria em todo tempo e lugar, e não dependeria
de convenções ou de sua utilidade.
· mobilização dos conhecimentos prévios dos alunos;
c) (4) Os efeitos de ordem prática, como, por exemplo, o que podemos esperar desse
· primeiros registros livres; conhecimento, são mais importantes do que a coerência lógica ou a correspondência
· início das sistematizações _ registros dos alunos e do professor; à uma essência. Os efeitos não são frutos de uma convenção, mas dependem
inteiramente do contexto, como se pode perceber ao retomar o exemplo das
· sistematização formal. ferramentas: a adequação do martelo para bater pregos e sua inadequação para
Vemos, portanto, que o ponto de partida são os conhecimentos que as crianças já apertar parafusos é algo objetivo e que não depende de nenhuma convenção.
possuem e suas experiências sensíveis, que o professor procura problematizar, d) (2) O principal aqui são as regras lógicas. A validade está na coerência, que é
provocando reflexões e "descobertas" dos alunos. Ele começa a registrar essas independente do contexto e do assunto que estiver sendo tratado. Essas regras
descobertas e conduz a turma ao processo formal de sistematização, que significa a lógicas são consideradas universais e atemporais, mas não são uma realidade a ser
passagem ao domínio da razão. vista e reproduzida, como no caso da concepção da verdade como correspondência.
Atividade 2 Atividade 5
A) Tema: A influência, na prática docente, da concepção epistemológica implícita no a (3); b (1); c (4); d (1); e (2); f (1); g (2); h (1); i (4); j(3).
trabalho do professor.
Atividade 6
B) A importância de discutir esse tema, do lugar do professor, vem da necessidade de
explicitá-la, para que o docente tenha uma prática coerente e adequada aos objetivos A) Concepção de verdade como correspondência.
pretendidos. B) Concepção de verdade como convenção
C) Apesar de se declararem adeptos do construtivismo e organizarem ações a serem C) Concepção de verdade como utilidade
desenvolvidas pelos alunos, muitos professores exigem que elas levem à reprodução
do já estabelecido, não abrindo espaço para a inclusão de objetivos propostos pelos Atividade 7
próprios alunos. a (2); b (1); c (3).
D) Para ele, a epistemologia empirista gera um ensino baseado na repetição e na Atividade 8
reprodução, que é inevitavelmente autoritário.
a (2); b (1); c (3); d (2); e (1).
E) Arrogância didática, segundo o autor, é acreditar no poder ilimitado do ensino para
produzir aprendizagem. Assim, se esta não ocorre, a culpa é atribuída ao aluno. Atividade 9

Atividade 3 A) O mundo, ele mesmo e o outro.

Na narrativa sobre a verdade, Ferreira tenta demonstrar que, em cada época, B) Nessa atividade, o essencial é comentar a condição do ser sujeito diferenciando-o
sucedem-se modelos que tentamos seguir, mas que representam apenas percepções do indivíduo. A autonomia é o conceito-chave para compreender o sujeito da
específicas do mundo. Modernidade, pois constitui o fator preponderante para que o ele faça suas escolhas,
mediante o estabelecimento das relações entre o mundo, ele mesmo e o outro.
Atividade 4
Texto de Referência
a (3); b (1); c (4); d (2).
Atividade 1
Comentários:
Resposta pessoal: você deverá buscar o conceito de esclarecimento e menoridade no
texto e, a partir daí, concluir sua resposta, concordando com o autor ou discordando melhor para os cidadãos.
dele.
Na época medieval, a busca pelo ethos religioso impulsionava os sujeitos para o
Atividade 2 transcendente. O ideal ético era a redenção face à divindade. Isso porque, com o
advento do cristianismo, o ser humano passou a ver-se em pecado e a procurar sua
Nesta questão você deve fazer uma relação entre liberdade, uso privado e uso público
redenção.
da razão.
Tanto um modelo como outro visavam a um telos (fim), resultando na concepção de
Atividade 3
uma Ética fundada na busca de uma finalidade.
Leve em consideração se os homens são capazes de fazer uso seguro e bom de seu
O modelo moderno que inspira as teorias da Ética contemporânea tem sua referência
próprio entendimento, sem serem dirigidos por outrem.
em Kant, que associava o ético ao cumprimento de uma lei moral. Assim, a Ética
impulsionava o indivíduo a tomar decisões que remetessem ao ideal de universalidade
da lei. O parâmetro para essa ação é o outro, pois a lei deve valer para todos. Como
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO - ÉTICA DO PROFESSOR - PARTE I diz Eco (1999: 90) "quando o outro entra em cena, nasce a Ética".
O ser humano se iguala ao outro na espécie (mundo da Natureza), mas se diferencia
Texto Básico como particularidade (mundo da Cultura).
Seção 1: A Ética nas Fronteiras do Outro _ Ética e Educação Atividade 1
Objetivo: estabelecer diferença entre Ética e Moral a partir da compreensão de seus Na ação pedagógica convivemos com pessoas que possuem costumes diferentes dos
aprendizados. nossos, os quais precisamos respeitar. Qual é o parâmetro para nossas ações éticas,
Os termos ética e moral nos remetem à idéia de costumes. Em cada cultura, a no que se refere a essa diferença de costumes? Justifique sua resposta.
articulação desses termos estabelece um modo de percepção da realidade, da forma No decorrer da história, é comum depararmos com autores que não estabelecem a
como o sujeito se familiariza com o meio e aprende a interagir com ele. Tanto ética diferenciação dos termos, ética e moral. No entanto, para compreendermos melhor a
como moral vêm do termo grego ethos, que significa casa, lugar, morada humana por diferença entre eles, vamos recorrer à aprendizagem, valendo-nos de três
excelência. Mas para distinguir o campo da Ética e o da Moral, no mundo da Cultura, aprendizados que marcam o processo de ensino e aprendizagem: (1) o dos costumes,
basta observar a natureza reflexiva da Ética e o caráter normativo da Moral. (2) o das diferenças e (3) o da convivência.
Em função de valores culturais historicamente construídos, nosso agir nos leva a · No aprendizado dos costumes, os termos ética e moral se equivalem, apesar de o
desenvolver uma consciência moral. Questionamos se nossas ações são boa ou más, objeto particular da Ética ser a moral. Não existe Ética sem moral, pois os valores vão
justas ou injustas, corretas ou incorretas. A memória histórica, por sua vez, estabelece se constituindo de acordo com as gerações que vão chegando. Mas podemos ter um
parâmetros para uma reflexão que nos leve a tomar decisões coerentes com o nosso grupo social sem o exercício da ação reflexiva. Neste caso, podemos ter moral sem
modo de compreensão do mundo. Ética. A moral significa em latim mos ou mores, que remete a hábitos. Esses são
Assim, ao pensar nas ações dos indivíduos no mundo, torna-se necessário buscar adquiridos no decorrer do existir dos sujeitos no mundo ou nos modos que eles vão
unidades de referência para que se efetive o exercício da ação reflexiva. Os modelos adquirindo e reproduzindo nas ações. Daí o caráter histórico da formação moral. A
éticos estruturados ao longo da História tinham as leis como parâmetro na tomada de Moral constitui um conjunto de regras de conduta válidas para um grupo de pessoas
decisões. que se acostumaram a segui-las, uma vez que se vincula à prática. Assim, a Moral
torna-se um conjunto de normas que orienta a ação dos sujeitos no grupo,
A Polis era a Cidade-Estado, forma de organização política mais comum no mundo estabelecendo um parâmetro de organização social que depende do modo como se
grego, sendo composta pelos cidadãos. No entanto, como você deve lembrar-se, na sistematiza a lei. O aprendizado dos costumes permite a formação de hábitos a partir
Grécia antiga, cidadãos eram apenas os homens livres, ficando excluídos as mulheres de atividades rotineiras exigidas no meio em que se vive. Nesta configuração, a
e os escravos. Educação vai possibilitando, junto a este aprendizado dos costumes, o da diferença.
No contexto da tradição grega, por exemplo, o ideal da perfeição e, em conseqüência, · O aprendizado da diferença demonstra a necessidade de se ressaltar que a simples
a prática da virtude situavam o homem na Polis, onde buscava uma vida social justa. existência moral não significa a presença explícita de uma ética. Um grupo pode
Cada Polis era autônoma e possuía suas próprias leis, podendo ser considerada como existir tendo a moral como princípio normativo para o agir dos sujeitos, sem que se
o lugar da política e do encontro. Na ágora (praça pública), discutia-se o que seria desperte neles a reflexão necessária para uma tomada de decisões. Ao deparar com o
fenômeno da pluralidade cultural, surge a questão da diversidade das ações éticas, o Imagine que há uma placa proibindo fumar em determinado recinto. Podemos agir de
que encaminha o educar para a percepção das diferenças e o respeito a elas. A acordo com a norma estabelecida e nem pensar por que não fumamos. Agirmos por
pluralidade cultural traz consigo a formação de valores diferenciados, pois, no campo força do hábito de não fumar. Fazemos um ato legal e de concordância com a norma.
da Ética, compreender as diversidades culturais implica respeitar valores que são Mas, se porventura não fumamos por considerarmos que estamos em um recinto
diferentes. Isso porque "as culturas são produzidas pelos grupos sociais ao longo de fechado, em que há outras pessoas que têm o direito de não serem incomodadas,
suas histórias, na construção de suas formas de subsistência, na organização da vida estamos usando um critério ético para nossa ação: estamos trazendo o outro para
social e política e nas suas relações com os grupos, na produção de conhecimento" nossas reflexões e para possíveis ações posteriores.
(Parâmetros Curriculares Nacionais _ Temas transversais. Brasília: MEC,1998. p.121).
Assim, o simples fato de agirmos em concordância com a norma não basta para que
· O aprendizado da convivência desdobra-se em duas vias complementares: a sejamos éticos. Mais do que isso, é preciso refletir sobre nossas ações nos colocando
descoberta progressiva do outro e a participação em projetos para a solução de no lugar do outro. Isso indica uma postura de busca do ideal da ação ética. Kant
conflitos. Compreender essas vias implica a recusa da violência. A violência é considerava essa atitude a mais digna e, por isso, formulou o imperativo categórico,
entendida como sendo a "coisificação" do sujeito, não permitindo que o mesmo "Age de tal maneira que uses a Humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
possua desejos, projetos, pertencimento ao mundo. Esse aprendizado permite qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
reconhecer o outro como pertencente à Humanidade. É a partir desse aprendizado meio."(Kant, 1980:35)
que se pode incorporar a preocupação da UNESCO: aprender a viver juntos e com os
Tanto a Ética quanto a Moral estão vinculadas à norma, que é criada a partir de
outros. Se, como vimos até agora, a existência da Ética pressupõe o reconhecimento
costumes constituídos historicamente. Refletindo sobre a ação, ou agindo pela força
do outro, o pensar e o agir ético dos sujeitos implicam a igualdade de cada ser
do hábito, a norma pressupõe objetividade. A ação ética é aquela em que ocorre a
humano à sua espécie, independente de cor, etnia, língua, preferência sexual etc.
possibilidade de o sujeito sentir-se bem nas decisões tomadas, que considerou
O espaço de convivência com o outro implica uma relação de reciprocidade, o que pertinentes para sua convivência no meio em que está inserido. Marilena Chauí
torna o conflito subjacente ao processo de ensino e aprendizagem. A exteriorização e afirma: "para que haja uma conduta ética é preciso que exista o agente consciente,
interiorização de valores são partes integrantes da formação do ser humano. isto é, aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e
proibido, virtude e vício" (Chauí, 1992:337).
O ser humano vai se acostumando com o mundo e, a partir de seus aprendizados, o
ethos assume seu lugar de significação. Como afirma Rios, "o ethos ganha o sentido No entanto, é preciso indagar se é possível distinguir o que é certo e o que é errado,
de costume, jeito de viver específico dos seres humanos e que, exatamente por se existem princípios gerais aceitáveis para todos. É nesse ponto que a formação para
transcender a Natureza, é plural, reveste-se de uma configuração diferente nas a consciência se instaura. Uma vez que não nascemos justos, temos de formar nossa
diferentes sociedades".(Rios, 2003:100). consciência para que ela nos indique o que é certo e o que é errado. Ela é a grande
acusadora quando os seres humanos infringem as normas éticas. É assim que a
Atividade 2
atitude reflexiva compõe o campo da Ética.
O processo de construção de valores exige do educador o exercício constante da
Ao procurar a melhor decisão a ser tomada, exercitamos nossa consciência em busca
formação de hábitos, demandando aprendizados. Baseando-se no que você estudou
de parâmetros que nos assegurem a ação correta. Estes parâmetros são unidades de
nesta seção, assinale a alternativa que corresponde a esses aprendizados.
referência que nos são dados historicamente ou nos são legados pelas instituições de
a ( ) Dos costumes, da não violência, da diferença. formação, tais como a família, a religião, a escola, entre outras.
b ( ) Da justiça, dos costumes, da não violência. Atividade 3
c ( ) Dos costumes, da diferença, da convivência. Analise as afirmações seguintes, colocando V diante das verdadeiras e F diante das
falsas.
d ( ) Da solidariedade, da justiça; do diálogo.
a ( ) Quando o outro entra em cena nasce a Ética.
Caro Cursista, você já deve ter-se deparado com várias situações que exigiram
escolhas que o deixaram em dúvida sobre a correção de suas ações. Este tipo de b ( ) Na face do outro está inscrito: não matarás.
situação leva-nos diretamente a pensar qual a melhor decisão a tomar, e apelamos
c ( ) A Ética fundamenta a moral e expressa sua natureza reflexiva.
para a ação consciente.
d ( ) A existência da moral significa a presença explícita de uma ética entendida como
Vejamos algumas situações em que a atitude de pensar legalmente, moralmente e de
filosofia moral.
forma ética contribui para a correção de nossas ações no espaço escolar.
e ( ) Pode existir um grupo totalmente moral sem uma ética explícita. as diferenças. Gera uma atitude de reconhecimento do outro como um ser que
pertence à espécie humana. O outro é compreendido como sendo o próximo, "o
f ( ) A ação moral é aquela em que o ser, antes de agir, exercita sua razão reflexiva.
próximo pode ser [e é] aquele que me é desconhecido, me enfrenta face a face. É
Seção 2: Ética e Princípios uma relação de parentesco fora de qualquer biologia, contra qualquer lógica. Não é
pelo fato de o próximo ser reconhecido como pertencente ao mesmo gênero que ele
Objetivo: compreender o ethos (morada) do educador a partir de princípios éticos que me concerne. É precisamente por ser o outro. A comunhão com ele começa na minha
norteiam sua ação. obrigação para com ele" (Nunes, 1993: 40.) Dessa maneira, o outro me convoca a
A tentativa de instauração da ação ética do sujeito no mundo contemporâneo baseia- recusar qualquer forma de violência, pois o próximo é um ser humano qualquer: pode
se em alguns princípios colocados como referência para que ele possa pautar suas ser o passante, o turista, o homem da vida urbana, da vida rural, o mestre, o aluno, o
ações e, conseqüentemente, tomar decisões. estranho. O outro é qualquer um que passa e toca meus sentidos, é qualquer um que
chega. Por não ser permitido violar sua integridade física e psíquica, é preciso
Assim, a morada do educador pressupõe princípios ligados à Ética. Princípios que se aprendamos a não tornar o outro um objeto, uma coisa e a não usar a força como
tornam pilares para educar para a vida. Os princípios são apenas unidades de mecanismo de coerção. A ética, como forma de interação com o outro, abre campo
referência que possibilitam ao educador agir conforme sua consciência. Há quatro aos sujeitos para a construção e o exercício da solidariedade ao próximo.
princípios na ação ética do sujeito contemporâneo: o da justiça, o da não violência, o
da solidariedade e o da responsabilidade. · O princípio da solidariedade funda-se em um dever, mas não o designa. O gesto de
ser solidário liga-se ao respeito à diferença, em que o ser humano aprende a perceber
No princípio da justiça, o ideal inspira-se no respeito ao outro, que se iguala enquanto que o outro também pertence ao mundo. O pressuposto da solidariedade é a
espécie, mas se diferencia enquanto singularidade. É através do senso de justiça, interdependência humana. A ação solidária liga-se à construção do sujeito face a
existente entre os homens, que a lei moral e a ética se objetivam. O sujeito exerce sua ideais democráticos e à cidadania; envolve o outro independentemente de suas
autonomia, tendo a liberdade como possibilidade de escolha, ao tomar decisões. Não escolhas, pois o ser humano é livre na tomada de decisões. O princípio de
existe modelo de justiça, nem caminhos a serem percorridos para estabelecer seus solidariedade consiste, pois, em expressar responsabilidade para com o outro, sem
parâmetros. O princípio da justiça pode se aliar ao da igualdade de condições de esperar reciprocidade.
sobrevivência. Isto implica a exigência permanente de direitos e de oportunidades
sociais. · O princípio da responsabilidade leva-nos a perceber no outro a condição humana,
como também abre uma possibilidade de se respeitarem as coisas que estão no
No mundo da criança, o princípio da justiça equivale ao que Piaget estabelecia como mundo, pois essas se relacionam com o próximo. A responsabilidade pela Natureza
dois critérios: o da igualdade, que pressupõe as mesmas regras para todos, e o da está em conceber no mundo um outro que difere do eu e necessita aprender que,
eqüidade, que consiste em tratar de forma diferente o que é diferente. além da convivência, é preciso preservar o que é de todos. Assim, é preciso cultivar o
Para Piaget, o desenvolvimento da ética se inicia pela formação da heteronomia, que respeito pelo outro em sua singularidade, para que se concretizem os ideais de
tem como critério a autoridade externa. Segundo o autor, "durante uma primeira etapa, sobrevivência dos seres e a possibilidade de vivermos bem.
a justiça não é diferenciada da autoridade das leis: é justo o que o adulto mande". No espaço escolar estes princípios estão relacionados ao modo como o educador
(Piaget,1994: 215). Na segunda etapa, a da autonomia, a pressuposição é que a pauta suas ações com o objetivo de formar o caráter de seus alunos.
igualdade e a eqüidade sejam percebidas pelo indivíduo. Para Tognetta,
A própria atividade docente exige tomada de decisões e escolhas que demandam do
a autoridade não pode ser fonte de justiça, porque o desenvolvimento da justiça supõe professor atitudes de ordem moral e ética. Os princípios da ação ética ligados a
autonomia. Isso não significa dizer que o adulto em nada possa contribuir com tal prática pedagógica devem estar incorporados à escolha profissional do educador, em
construção, pelo contrário, quando ele pratica a reciprocidade com a criança que a ação se processa mediada por meios e fins éticos
minimizando seu poder de decisão e pregando com exemplo e não apenas com
palavras, poderá favorecer o desenvolvimento de critérios de justiça mais elevados Vamos pensar na prática pedagógica, hipoteticamente.
como a eqüidade. Estará dessa forma contribuindo pra a construção da autonomia. O professor tem como objetivo que, ao fim, de uma unidade X, o aluno seja capaz de
(Tognetta, 2004:37). "caracterizar as relações de conflito, poder e autoridade na instituição escolar". No
· Nessa direção, a justiça torna-se um critério para se avaliar atos, o que nos leva a decorrer deste processo, no entanto, ele utiliza argumentos falaciosos para que a
compreender desigualdades nas relações entre sujeitos, levando o ser humano à aprendizagem ocorra. No fim, de um modo ou de outro, o aluno alcança o objetivo
recusa a qualquer tipo de violência. proposto.
· O princípio da não violência coloca a possibilidade de se respeitarem e preservarem Nesta situação, estamos diante de fins éticos e meios não éticos. É justo que o aluno
aprenda, mas não se pode mentir para que o fim seja alcançado. A mentira é um vício alunos, fiéis, colegas. Escolhe-se ser professor mediante um objetivo que ultrapasse a
e se o aluno descobre que foi tudo uma farsa, pode aprender a mentir. A formação a realização individual. Quando há escolhas, há possibilidades de acertos e erros.
longo prazo que a Ética contemporânea exige demanda a relação de fins e meios Dessa forma, a ousadia de educar para além do agora se transforma em fruição.
éticos, pautados em princípios que norteiam a ação do ser humano no mundo. Assim, não há espaço para o educador que não se permite ser autônomo, ser sujeito
e livre. Não há fruição para quem não cultive a sensibilidade de estar cuidando de sua
Atividade 4
formação para um desdobramento futuro.
De acordo com o que você estudou, são considerados princípios para a ação ética,
Ao escolher essa árdua tarefa de educar, é preciso cuidar de sua interioridade e de
exceto:
sua extensão. Para que ocorra fruição é preciso compromisso com o outro. Nesse
a ( ) o princípio da solidariedade. sentido, o lugar do educador expressa uma dialética possível da interioridade ética e
de sua exterioridade política.
b ( ) o princípio da justiça.
A morada do educador, no que se refere à Ética, necessita de um olhar que percorra
c ( ) o princípio do diálogo. os subterrâneos de nossas escolhas e atitudes, retirando excessos que nos impeçam
d ( ) o princípio da responsabilidade. de ver o caminho. Ao pensar a Ética como morada do educador, devemos cultivar o
exercício da reflexão, tomando por fundamento o que significa ser um sujeito
Estes princípios assumidos na ação Ética expressam a concepção do outro como autônomo: aquele que ao escolher ser justo, escolhe em função do outro.
rosto no dizer de E. Lévinas, quando afirma que
Atividade 5
[...] quando se vê o nariz, os olhos, a testa, um queixo e se podem descrever, é que
nos voltamos para outrem como para um objeto. Melhor maneira de encontrar outrem Comente em um parágrafo:
é nem sequer atentar na cor dos olhos. Quando se observa a cor dos olhos não se Há uma dialética na formação do educador que se expressa a partir de uma
está em relação social com outrem. A relação com o rosto pode, sem dúvida ser interioridade ética e uma exterioridade política.
dominada pela percepção, mas o que é especificamente rosto é o que não se reduz a
ele.(Levinás, 1982:77) No espaço da escola, há sempre o desafio da prática da liberdade, pois somos o que
pensamos e vivemos. Se as instituições de formação (família, religião, escola, dentre
É a partir do ato de educar que se visualiza o rosto, sem território. Mas um rosto que outras), ao se organizarem, agirem apenas como portadoras de normas que
convida à construção de um mundo capaz de atender aos princípios da Ética. Esses estabeleçam limites, sem diálogo e reconhecimento das diferenças, a violência se
princípios podem levar o educador a uma reflexão que ultrapasse o saber de área, objetiva.
estabelecendo uma articulação entre o saber intersubjetivo e o fundamental, numa
construção e exigência de novos direitos a partir do cultivo de relações sociais. É nesta direção, que a palavra violência é compreendida, pois vem do latim Vis, que
se liga a fibra (Vi) que se vergava com a ajuda de um ser viril. Assim, a formação do
Caro Cursista, os princípios são unidades de referência para qualquer pessoa, arco que dispara a flecha para aniquilar e eliminar o outro faz do radical vis o verbo
principalmente para nós, educadores. A morada do educador é ontologicamente ética velle (querer): a vontade cega que viola por meio da força.
e política. Fugir a essa dimensão é se trair enquanto pessoa. A articulação desses
dois termos, no ato de educar para vida, convoca-nos a refletir sobre o prazer e a dor A violência da luta pela vida no campo biológico exige que o ser humano seja educado
de conduzir o outro a caminhos possíveis do exercício de sua liberdade. Nessa para viver socialmente. No entanto, ele continua passível de transgredir o que
direção, aprender a se tornar sujeito exige persistência, pois o formar-se para a vida é internalizou como convenção. A violência é o reflexo do que se vive quotidianamente.
algo que se dá a longo prazo. Educa-se durante a vida inteira e ao educar corre-se o Ao pensar nas condições históricas nas quais o ser humano se organizou biológica e
risco de errar. socialmente, podemos vê-lo como um ser de violência, ou um "homo violens": a
qualquer instante, por seus impulsos cegos e passionais viola o território do outro.
No entanto, a arte de educar pode transformar-se em fruição. A fruição que se Assim, para que o estágio de barbárie não prevaleça, instituições de formação como a
manifesta ao se sentir parte do jogo do mundo. Neste sentido, a fruição do educador é família, a religião, a escola, dentre outras, preparam para os recém-chegados ao
coletiva, pois está ancorada na aprendizagem de valores possíveis. Não haveria mundo formas de canalização e controle dos impulsos, tal como foi preparado para
espaço para um educador que pensasse somente em si mesmo. Seu dever situa-se eles próprios.
para além das fronteiras do seu egoísmo. É disposição, realização em processo.
O caminho da Educação é longo, e longo é o prazo da formação do caráter. Para
Ao se deixar fruir, a escolha de ser educador transforma-se num ato generoso de dobrar a viga e adorná-la, é preciso estabelecer hábitos, constituir leis. A necessidade
solidariedade para com aqueles que não são escolhidos. Não se escolhem filhos, de limites se impõe e ordena um dever ser passível de mudanças. Ao adornar a viga,
deve-se ter cuidado para não quebrá-la e o ato de educar tornar-se violência corporal. violência. O sujeito abre-se ao diálogo exigindo justiça, respeito e solidariedade para
que a convivência seja possível. Assim, a aprendizagem de valores na escola
Em vista da violência visceral dos seres que vivem, a formação de um ser social exige
depende do cultivo de princípios que reconheçam no outro a Humanidade. Daí o
que se acompanhe a criança, abrindo possibilidades para a construção da liberdade,
cuidado de educar para a vida e não para algumas instituições. O educador, no
uma vez que não se nasce livre, mas se aprende a sê-lo.
espaço da escola que demanda a formação de valores, deve cultivar o respeito mútuo,
Assim, as instituições de formação _ como a família, a religião, a escola entre outras a solidariedade, a procura incessante pela justiça, mediante um diálogo com o outro.
_, buscam orientar os seres que vivem no mundo para o exercício da liberdade. Para
O ato de se educar para a vida é um processo e exige sabedoria. Para que esse
isso, é necessário o exercício da reflexão, que tem sua morada no próprio ser, uma
processo ocorra, é necessário compreender a Educação também como arte, como
vez que o saber exige experiência.
preconizou Kant, no século XVIII, quando afirmava que: "a Educação é uma arte, cuja
prática deve ser aperfeiçoada por varias gerações". (Kant, 1996:19).
Atividade 6 Portanto, a Educação carece de seu tempo, carece de uma longa duração que,
geralmente, chamamos de formação. Nesse tempo, o cultivo dos saberes significa
Com base no que foi estudado nesta seção, faça uma reflexão sobre a dupla face da saborear aprendizagens gostosas e desgostosas que se inscrevem na memória e
violência: corporal e simbólica. fundam no tempo uma morada: a morada do educador, lugar da articulação de
Considerando o que foi discutido, podemos concluir que há uma necessidade saberes.
intrínseca de educar para a vida, sem fugir do conflito, mas transformando-o em Atividade 7
elemento positivo. A convivência com o outro implica reciprocidade, de modo que o
conflito está subjacente ao processo de ensino e aprendizagem. No que se refere ao caráter mutável da educação, é permitido afirmar que "O ser
humano, como ser de escolhas e conflitos e por viver no mundo da cultura, é um ser
Se for considerado como desordem, o conflito pode levar à instauração de uma ordem que aprende a ser justo". Você concorda com essa afirmação? Justifique sua
imposta, que poderá não estar centrada em nenhuma das partes. Ele não se resolve resposta.
pelo estabelecimento de um ponto comum que satisfaça provisória e parcialmente às
partes envolvidas, mas por meio de uma construção que permita a efetivação de uma Seção 3: Ética e Escola
lei comum.
Objetivo específico: compreender a formação para a Ética no espaço da escola.
O educando, ao interiorizar as normas morais, decide sobre sua aceitação ou recusa,
Como vimos, o ethos é o nosso lugar de pertencimento ao mundo. A partir dele,
instaurando dentro de si um processo de avaliar a decisão a ser tomada. Nesse
derivam a lei, a moral e a própria Ética. Pensar a formação do ethos no espaço
processo, a recusa da norma instituída pode criar situações de conflito. Segundo Lima
escolar é pensar na formulação de valores que a instituição escola, junto com a família
Vaz, "o conflito deve pois ser caracterizado fundamentalmente como conflito de
e a religião, são capazes de oferecer ao indivíduo em seu processo de formação
valores e não como revolta do indivíduo contra a lei". (Lima Vaz, apud, Ferreira,
pessoal e social.
2001:36).
A educação do caráter esteve circunscrita à interação dessas três instituições. Mas, a
Por se considerar a lei moral necessária à organização sócio-cultural, a mudança da
partir da segunda metade do século XX, elas entraram em crise de identidade devido
mesma só ocorre quando a transgressão ao que está posto implica um processo
a fatores econômicos e sociais que passaram a se hospedar na Cultura ocidental.
radical de transformação dos valores. Recusar normas impostas e procurar novas
possibilidades de se estar bem no mundo, consigo mesmo e com outro, é o ideal da É possível observar que, no final da década de 80, discursos a respeito da Ética
ação ética. passaram a fazer parte do vocabulário de diversos segmentos sociais, o que chamou
a atenção de teóricos a respeito do assunto. O interesse pela Ética tornou-se intenso,
É nas fronteiras do relacionamento com o outro que o conflito pode se tornar um
devido a uma objetivação de atitudes violentas no espaço escolar. O aumento da
processo que recorre à norma moral e, nesse contexto, é preciso criar a disposição
violência, na referida década, provocou discussões a respeito do papel das
para refletir sobre a ação ética e moral, tendo em vista o mundo da cultura, no qual o
instituições de formação, bem como da problemática da Ética no âmbito das relações
indivíduo está inserido.
sujeito/sujeito, sujeito/etnia, e sujeito/ambiente, caracterizadas como alteridade,
Paralelamente, há que se tentar compreender o processo de solidariedade e responsabilidade.
interiorização/exteriorização da norma. Conflitos podem dar oportunidade ao
Por outro lado, a escola passou a discutir a questão da indisciplina no espaço da sala
surgimento de uma nova Ética que valorize o ser humano e expresse o respeito às
de aula e a falta de compromisso, tanto dos profissionais de ensino, como também
diferenças. O outro, como pertencente à espécie humana, passa a ser o limite da não
dos alunos.Tal discussão continuou atrelada a valores antigos, sem que se
percebessem os novos tempos. Chegou-se mesmo a buscar uma norma disciplinar ou relação com o outro.
quem sabe um código moral docente, o que constitui um contra-senso na formação do
A reflexão ética emerge da relação entre o sujeito e o outro como um de seus
educador.
elementos constituintes. O outro se torna uma referência do agir, por demandar
Neste sentido, a formação de hábitos, por ser a longo prazo, exige daquele que lida cuidado.
com crianças e adolescentes o exercício da tolerância. O século XVIII, por ser
Todavia, é no exercício da autonomia do sujeito que se interioriza a norma: refletimos
considerado o século da Educação, trouxe na reflexão de Immanuel Kant três
sobre ela e escolhemos a atitude de a busca pela justiça. O ato de ser justo pressupõe
categorias consideradas centrais na formação do aluno: o cuidado, a disciplina e a
presidir, avaliar e julgar, buscando hospedar no interior do sujeito unidades capazes
instrução. · O cuidado está ligado diretamente à infância (conservação e trato). Por
de referenciar sua ação.
cuidado entendem-se as precauções que os pais tomam para impedir que as crianças
façam uso nocivo de suas forças. Ao se pensar esta relação no espaço escolar, demarca-se o processo doloroso de
convivência com pessoas que não escolhemos, mas que são pessoas pertencentes à
· A disciplina é negativa, pois tira o homem de sua selvageria, retira-o daquilo que ele
espécie humana, portadoras de direitos e deveres e que fazem parte de um projeto
é. No entanto, ela é necessária pois impede o homem de desviar-se do seu caminho.
educativo. A relação entre professores, direção e demais funcionários também exige
· A instrução é positiva, pois permite ao ser humano guiar-se para a liberdade. (Cf. respeito e cuidado, pois a Educação implica exemplos para aqueles aos quais o
Kant, 1996:11-14). processo educativo se destina: os alunos.
Assim, a ética do cuidado se instaura e faz sua morada. O cuidado, ao se colocar Na relação com os alunos, o respeito e o cuidado na formação a longo prazo são
limites, torna-se o elemento essencial para a formação de uma unidade de referência fundamentais, uma vez que é preciso educar para a autonomia e para a heteronomia,
possível, que poderá abrir caminhos àquele que está sendo educado de modo que como demarca Vasconcellos
possa refletir sobre suas ações, ao escolher.
[...] o professor deve tratar seus alunos como pessoas e respeitar a autonomia destes,
A palavra "cuidado", em sua forma mais antiga, significa cura (em latim se escrevia prestar-lhes ajuda sem pretender manipulá-los e oferecer-lhes toda atenção que
coera) e era usada num contexto de relações de amor e de amizade. Expressava quereria para si mesmo. Isto significa renunciar aos jogos do poder, pelos quais
atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pela pessoa amada alguns professores se comprazem ao sentir o aluno sob seu controle. (Vasconcellos,
ou por um objeto de estimação. Ou no sentido de cogitare-cogitatus e sua corruptela 2002:120)
coyedar, coidar, cuidar. O sentido de cogitare-cogitatus é o mesmo de cura: cogitar,
É através do senso de justiça que a lei moral e a Ética se objetivam e possibilitam ao
pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de desvelo e de
sujeito o exercício da autonomia, tendo a liberdade como possibilidade de escolha,
preocupação. O cuidado somente surge quando a existência de alguém tem
para tomar a melhor decisão. No entanto, a justiça é um princípio que deve ser
importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele; disponho-me a participar de
cultivado e aprendido, na procura constante em ser justo. Isso nos lembra o símbolo
seu destino, de sua busca, de seu sofrimento e de seu sucesso, enfim de sua vida.
da justiça com os olhos vendados e a afirmação de Adorno: "A venda nos olhos da
(BOFF, 1999:91)
justiça não significa que não se deve interferir em seu curso, mas que ela não nasceu
Atividade 8 sob o signo da liberdade". (Ferreira, 2001:36)
Estabeleça as categorias que constituem a formação do ser humano e explique a Como vimos, não se nasce justo, aprende-se a sê-lo. Todos os dias é necessário
frase: "a disciplina é negativa, porém necessária para a formação do educando". exercitar este ideal. Como somos humanos, temos preferências e, por termos uma
intencionalidade marcada em nossa consciência, não existem atos imparciais. No
Da atitude de cuidar de nós mesmos e do outro se infere uma ética do cuidado. O
processo de ensino e aprendizagem, é preciso estabelecer estratégias para não
corpo é uma totalidade que pertence ao mundo e exige que o educador cultive a
preferir alguns alunos em detrimento de outros. Nessa perspectiva, a situação mais
relação com o outro no sentido de preservar o respeito à condição humana. Por isso
comum que presenciamos ocorre nas avaliações para atribuição de notas. A estratégia
se curva numa atitude de humildade e disposição tentando despertar no outro a
mais justa é aquela em que, no ato da correção, não identificamos o autor do que está
possibilidade do exercício reflexivo da razão. É na ética do cuidado que os seres
sendo avaliado. Não estamos isentos de preconceitos e prejuízos. A utilização de
humanos aprendem a relação de respeito e de solidariedade, pois são convocados a
estratégias possíveis no exercício de nossa atividade pode demonstrar uma atitude de
mudar a situação e a tentar, na medida do possível, escolher a melhor direção.
cuidado para com o outro. Há várias situações que você mesmo já conhece. O
A formação a longo prazo tem mostrado a necessidade do exercício da reflexão para cuidado é fundamental para não privilegiar aqueles com os quais simpatizamos.
compreender o campo da aprendizagem de valores. Cuidar da casa, da morada, do
Se a Ética é a morada da liberdade, ela é a construção do agir justo. Em nossas
nosso lugar no mundo significa cultivar e aprender, a partir da formação de hábitos, a
escolhas, o imperativo de ser justo deve ser o indicador para uma reflexão que possa
permitir a diferença de idéias, o conflito e o estabelecimento de regras para uma boa em construção e, ao se relacionar com o outro no campo da ordem moral e legal,
convivência. Não sem razão, a prática dos sem lei e a arbitrariedade da vontade sem ausenta-se da formação ética que pressupõe reflexão sobre o agir do sujeito no
o exercício do diálogo recebem o nome de tirania. mundo.
Atividade 9 O que se observa é uma exigência ética, como se fosse possível ser ético sem
aprender valores necessários à construção de um novo mundo. O que se percebe é a
Ao pensar a formação a longo prazo, torna-se fundamental compreender a ética do
estratégia de permanecer no poder, visualizando e cultivando interesses pessoais que
cuidado. Com base nessa afirmativa faça um comentário no qual você, mediante sua
se apresentam como coletivos. Os poderosos não separam o que é de domínio
prática pedagógica, estabelece uma atividade que possa contribuir para formar o
público e privado.
caráter do aluno tendo em vista as relações de respeito e solidariedade.
O educador necessita cuidar de sua morada, buscando nos saberes sua constituição
Quando ocorre uma reflexão no sentido de trazer à tona os termos ética e escola, é
de ser no mundo, pois sua habitabilidade é ontológica. Para além das instituições de
necessário pontuar a importância do educador que, nas instituições de formação como
formação, ele educa para a vida e quando procura ensinar algo, deve lembrar-se da
família, religião, escola e Estado, busca caminhos possíveis para educar além de seu
máxima de Heidegger: "ensinar a pensar". Por escolhermos o exercício do saber
território. Nessa direção, quando se constata a crise de valores na sociedade
fundamental cultivamos a esperança no ato de educar, abrindo todos os dias a "Janela
contemporânea, deve-se lembrar que o processo de aprendizagem se dá a longo
da Utopia" como no poema de Eduardo Galleano (1994: 310):
prazo e é preciso estabelecer indagações no interior daquelas instituições de
formação, tais como: o que se tem realizado para a formação da autonomia? Como se Ela está no horizonte, _ diz Fernando Birri _ me aproximo dois passos, ela se afasta
constitui a ação de trabalho educacional nas escolas? Há diálogo? Tem-se reforçado o dois passos. Caminho dez passos e o horizonte se afasta dez passos. Por mais que
processo de aprendizagem do respeito em relação ao outro? Cria-se possibilidade eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para
para o exercício da democracia? caminhar.
Talvez não se tenham criado condições para cuidarmos de nós mesmos e dos outros, As instituições de formação, ao incorporarem o ethos como casa, morada, hábito,
pelo hábito do "não estranhamento" do exercício da violência a que somos procuram proporcionar aos indivíduos a possibilidade de que os mesmos se tornem
submetidos, ou pela incapacidade de distinção entre o que é justo ou injusto. Quando autônomos. Neste sentido, o ethos torna-se o lugar de realização do ser humano, que
nos aventuramos a refletir no campo da Ética, é preciso que nos indaguemos a só se concretiza no exercício de sua ação ética.
respeito do nosso lugar no mundo e de nossas ações em relação aos nossos
No domínio dessa liberdade, a lei que regula a convivência entre o ser humano se
semelhantes. Assim, quando atitudes arbitrárias de um país afirmam que se vai levar a
organiza e se objetiva no interior das instituições. Nesse sentido, a instituição escola
liberdade a outras populações, é preciso perguntar o que é a liberdade. Quando
assume o papel de educador do caráter do indivíduo, exercendo um poder disciplinar
atitudes de instituições de formação arbitrariamente estabelecem uma norma dizendo
sobre seus impulsos. Kant, no século XVIII, em seu ensaio sobre a Educação,
que ela favorece o bem comum, é preciso se indagar o que é o bem comum, nessas
afirmava que um de seus problemas "é o de poder conciliar a submissão ao
circunstâncias. Quando, na relação com o outro, estabelece-se a norma do cumpra-
constrangimento das leis com o exercício da liberdade" (Kant, 1996: 32).
se, é necessário esclarecer seu sentido no projeto de construção da sociedade. É
preciso indagar a que e a quem serve a norma. Mas como aprender posturas Atividade 10
democráticas, se o exercício das instituições de formação tem sido o de provocar
A) Leia o texto a seguir, a Ética do Professor, e posicione-se refletindo sobre a
atitudes autoritárias? Como exigir o exercício da crítica, se o cuidado que se tem tido é
formação do ethos do educador.
a manutenção do poder soberano a qualquer custo?
Muito se tem escutado sobre a crise da Ética e das instituições de formação. Mas a Muito se tem escutado sobre a crise da Ética e das instituições de formação. Mas a
crise, como nos afirma Hannah Arendt,
crise, como nos afirma Hannah Arendt,
[...] nos obriga a voltar às questões mesmas e exige respostas novas ou velhas [...]. [...] nos obriga a voltar às questões mesmas e exige respostas novas ou velhas [...].
Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré- Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré-
formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas não apenas aguça a crise formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas não apenas aguça a crise
como nos priva da experiência da realidade e da oportunidade por ela proporcionada à como nos priva da experiência da realidade e da oportunidade por ela proporcionada à
reflexão. (Arendt,1992: 223.)
reflexão. (Arendt,1992: 223.)
É preciso perguntar-se a respeito das atitudes tomadas e das questões sobre a É preciso perguntar-se a respeito das atitudes tomadas e das questões sobre a
educação dos valores, pois, o ser humano tem deixado de se perceber enquanto ser educação dos valores, pois, o ser humano tem deixado de se perceber enquanto ser
em construção e, ao se relacionar com o outro no campo da ordem moral e legal,
ausenta-se da formação ética que pressupõe reflexão sobre o agir do sujeito no Roteiro de Atividades
mundo.
Leia o texto com atenção e responda as seguintes questões:
O que se observa é uma exigência ética, como se fosse possível ser ético sem
Atividade 1
aprender valores necessários à construção de um novo mundo. O que se percebe é a
estratégia de permanecer no poder, visualizando e cultivando interesses pessoais que Quais os princípios básicos para uma boa educação?
se apresentam como coletivos. Os poderosos não separam o que é de domínio
Atividade 2
público e privado.
O educador necessita cuidar de sua morada, buscando nos saberes sua constituição Qual a relação estabelecida entre política, ética e educação?
de ser no mundo, pois sua habitabilidade é ontológica. Para além das instituições de Atividade 3
formação, ele educa para a vida e quando procura ensinar algo, deve lembrar-se da
máxima de Heidegger: "ensinar a pensar". Por escolhermos o exercício do saber Como Aristóteles considera a felicidade do homem?
fundamental cultivamos a esperança no ato de educar, abrindo todos os dias a "Janela
da Utopia" como no poema de Eduardo Galleano (1994: 310):
RESPOSTAS
Ela está no horizonte, _ diz Fernando Birri _ me aproximo dois passos, ela se afasta
dois passos. Caminho dez passos e o horizonte se afasta dez passos. Por mais que
eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para
caminhar. Atividade 1
As instituições de formação, ao incorporarem o ethos como casa, morada, hábito, O outro é o parâmetro. Demonstre que a relação ética somente é possível quando
procuram proporcionar aos indivíduos a possibilidade de que os mesmos se tornem ocorre uma reflexão que reconheça o outro como um ser que se iguala na espécie,
autônomos. Neste sentido, o ethos torna-se o lugar de realização do ser humano, que mas que se diferencia na medida em que possui particularidade. Como disse Eco,
só se concretiza no exercício de sua ação ética. "quando o outro entra em cena, nasce a Ética".
No domínio dessa liberdade, a lei que regula a convivência entre o ser humano se Atividade 2
organiza e se objetiva no interior das instituições. Nesse sentido, a instituição escola
Item c.
assume o papel de educador do caráter do indivíduo, exercendo um poder disciplinar
sobre seus impulsos. Kant, no século XVIII, em seu ensaio sobre a Educação, Atividade 3
afirmava que um de seus problemas "é o de poder conciliar a submissão ao
a (V); b (V); c (V); d (F); e (V); f (F).
constrangimento das leis com o exercício da liberdade" (Kant, 1996: 32).
Atividade 4
Atividade 10
Item c.
A) Leia o texto a seguir, a Ética do Professor, e posicione-se refletindo sobre a
formação do ethos do educador. Atividade 5
PIAGET,J. O Juízo Moral na Criança. São Paulo: Summus,1994. Esta resposta é pessoal. Deve tangenciar o aspecto da formação do educador que se
volta para além da instituição de formação. Neste sentido, a interioridade ética
RIOS, T. A. Compreender e Ensinar _ Por uma docência da melhor qualidade. São
pressupõe a internalização de valores que se sedimentam e possibilitam a reflexão
Paulo: Cortez, 2003.
trazendo o outro para a cena. E de forma similar, a exterioridade, no sentido de formar
SEVERINO, A. J. Filosofia da Educação _ Construindo a Cidadania. São Paulo: para a cidadania. Isso leva a pensar na formação do educador como sendo ética e
FTD,1994. política.
TOGNETTA, L R. P. A Construção da Solidariedade e a Educação do Sentimento na Atividade 6
Escola. São Paulo: FAPESP, Campinas: Mercado de Letras, 2004.
Resposta pessoal, mas que pressupõe refletir sobre a dupla face da violência, com
VASCONCELLOS, M. M. M. Avaliação e Ética. Londrina: UEL, 2002. base na idéia de viga, VIS. Por um lado, a violência como acontecimento que leva à
violência corporal, uma vez que, para violar o corpo do outro, basta considerá-lo como
destituído de Humanidade. Por outro, a formação do caráter, que leva à violência
simbólica, uma vez que possuímos valores diferentes e, para formar, é preciso pessoal: o educando é sempre um cidadão quando se encontra dentro das relações
adornar a viga apresentando valores que socialmente equivalem ao ideal de políticas.
humanidade.
Em suma, a Educação visa ao bem estar da polis, e, portanto, todo ato educacional
Atividade 7 tem um fim prático, ou seja, a prática das virtudes que ajudem a manter o status quo
da vida política.
A afirmação é verdadeira. Ao pensarmos a formação do caráter, que se processa a
longo prazo, a partir dos costumes, pode-se inferir que o ser humano não nasce ético. Atividade 3
Neste sentido, a Educação de valores pressupõe a formação para a ação justa que se
Em Aristóteles, percebemos que a felicidade não está vinculada ao acúmulo de
efetiva a longo prazo.
riquezas e poder, mas simplesmente ao bom uso da razão e à prática dos valores
Atividade 8 éticos. A sabedoria - e não mais as riquezas - será a garantia da felicidade do homem.
Contudo, é preciso salientar que essa felicidade não se dá num nível pessoal e
Cuidado, disciplina, instrução.
privado, mas dentro do contexto da polis. Dessa maneira, cabe à Educação conformar
A disciplina torna-se necessária, pois auxilia o educando a organizar-se no mundo, a a mente dos jovens para saberem que o que pertence à Natureza não está em seu
conviver com os outros, que são iguais na espécie, mas diferentes na Cultura. Apesar poder, pois existe por causas divinas. Assim, algumas ordens devem ser mantidas e
de seu caráter negativo, ela é fundamental na formação de limites, retirando o ser do não questionadas, cabendo à razão apenas adaptar-se a elas, da mesma forma que
estado de selvageria. se adapta às leis do Estado. Agindo assim, o homem sábio será o mais feliz dos
homens.
Atividade 9
Resposta pessoal. Depende de sua prática como educador.
Atividade 10 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO - PENSANDO BEM...
Ao se posicionar após a leitura do texto, sua reflexão deve tangenciar o caráter do
ethos como morada que traz as três dimensões: lei, moral e ética. Seção 1: A Reflexão Filosófica
Texto de Referência Objetivo específico: explicar as características da reflexão filosófica.
Atividade 1 Você já estudou, no componente curricular "Ciência e Realidade: fontes da pesquisa
em Educação" (Volume 1 do Módulo 2), as diferentes formas de conhecimento que
Ao pensar nos princípios básicos de uma boa Educação, nos moldes aristotélicos, coexistem em um mesmo espaço e tempo, embora a origem de cada uma possa ser
perceberemos que essa abrange todo o contexto do desenvolvimento das crianças. situada em épocas e mundos diferentes. Diferenciar essas formas nos ajuda a
Uma boa Educação levará em conta o cuidado, desde a gravidez até a vida adulta. compreender suas características, seus usos, suas vantagens e suas limitações. Para
Dessa forma, os princípios básicos para a Educação envolvem cuidados físicos e avançar no estudo da Filosofia da Educação será importante retomar o que você já
mentais, sendo a criança desde cedo acostumada a bons hábitos e a exercícios aprendeu. Vamos lá?
físicos moderados.
Atividade 1
No âmbito da Educação estabelecida pelo Estado, numa esfera pública, os princípios
básicos são: que o aluno tenha acesso à leitura e escrita, que faça exercícios de Releia a Unidade 1 do Módulo 2 do componente curricular "Ciência e Realidade:
ginástica e que conheça música e desenho. fontes da pesquisa em Educação", especialmente o tópico "Conhecer pela Razão: a
Filosofia e a Ciência", e cite algumas características da Filosofia diferenciando-a de
Atividade 2 outros tipos de conhecimento.
Na concepção aristotélica, a educação não deve se restringir ao ambiente particular O que significa a palavra Filosofia?
da família, mas se expandir para o âmbito da polis. Assim a Educação é um dever do
Estado que, ao mesmo tempo, necessita que seus cidadãos sejam formados para As palavras também têm historia, e conhecer essa história (etimologia) nos ajuda a
manter a lei vigente. entendê-las. A origem da palavra Filosofia é grega. Compõe-se de Philo (ph tem som
de f), cuja tradução é amizade ou amor + Sophia, que é sabedoria. Ou seja,
As práticas educacionais têm como finalidade um agir ético que, por sua vez, é originalmente, Filosofia queria dizer amor ao conhecimento ou busca da sabedoria. Ao
estabelecido pelo Estado. Dessa forma, a Educação extrapola o âmbito da satisfação longo do tempo, ela passou também a significar um tipo de conhecimento, uma visão
de mundo, tornando-se uma disciplina. fora, como no reflexo do espelho, e passamos a examinar lembranças e
especulações.
Como forma de conhecimento, a Filosofia nasceu na Grécia antiga, na mesma época
que a democracia. Ambas representavam uma dessacralização das tradições Refletir significa também voltar o olhar sobre si mesmo, pensar o pensamento.
religiosas e das explicações míticas do mundo, ou seja, deixavam de considerar tais Descentrar (você se lembra de ter lido sobre a experiência de descentramento em
tradições e explicações como sagradas ou intocáveis. Antropologia?) para examinar o lugar que ocupamos, colocando em questão o que já
se conhece. Ao longo do Veredas, você já fez isso muitas vezes, não é mesmo?
Desacralizar significa reavaliar e discutir temas e opiniões que eram tidos como
indiscutíveis. Isto é muito importante para a Filosofia, pois, em sua busca da Mas será que toda forma de reflexão é filosófica? Não! No dia-a-dia não refletimos de
sabedoria, ela combate dogmas, ideologias e crenças infundadas. Em vez de tomar forma sistemática, registrando nossas idéias, retomando o caminho que estávamos
como certas as explicações já consolidadas, ela vai questioná-las e averiguar suas percorrendo no ponto em que havíamos parado, tentando avançar em nosso
razões. pensamento, pois estamos mergulhados em numerosas atividades e afazeres que nos
mantêm ocupados.
Será que as explicações que nos deram sobre as origens e os princípios da realidade
são mesmo verdadeiras? Será que por trás de experiências particulares, que Um importante filósofo da Educação brasileiro, Dermeval Saviani, diz que a reflexão é
ocorreram com você e com os outros, não há uma razão comum ainda que filosófica quando é radical, rigorosa e de conjunto. Radical, pois deve ir até as raízes
desconhecida, uma outra visão que pode ajudar a entender como as coisas ocorrem? da questão, buscar seus fundamentos, operando em profundidade. Rigorosa, pois
Será que não haveria uma forma melhor de organizar a sociedade? Será que deve proceder de forma crítica e metódica, colocando em dúvida as conclusões da
queremos manter os valores que serviram para educar as gerações que nos sabedoria popular e as generalizações que a Ciência afirma. E de conjunto, pois deve
antecederam? Que razões temos para julgar algo como certo ou errado? evitar abordar as questões de modo parcial. Deve, ao contrário, buscar uma
perspectiva mais abrangente, relacionando o aspecto em questão com os demais
Essa postura interrogativa e crítica é um esforço de compreensão racional, que tem
aspectos do contexto em que está inserido.
caracterizado a cultura ocidental. Por isso se diz que a Filosofia _ que disseminou
essa postura _ é um dos pilares de nossa tradição cultural. Tal postura é renovada Como essas características não fazem parte da maioria das nossas reflexões
toda vez que buscamos encontrar o porquê e as razões de as coisas serem como são. cotidianas, e, além disso, nos distanciam por algum tempo das percepções mais
Dizia Aristóteles que "é a admiração que leva os homens a filosofar. Eles admiram-se imediatas e concretas do dia-a-dia, a Filosofia é muitas vezes identificada como
das coisas estranhas com que esbarram". Admirar-se com algo surpreendente, uma diletantismo ou "falta do que fazer". Por causa disso, de vez em quando se
beleza excepcional, ou uma descoberta intrigante, que nos deixa perplexos! Para ridicularizam aqueles que se dedicam às indagações filosóficas dizendo que eles
muitos pensadores, a experiência filosófica brota de experiências que todos temos ao vivem no mundo da Lua.
longo de nossas vidas, como uma angústia que não nos dá sossego, ou como uma
No entanto, será que é isso mesmo? O que você acha?
dúvida que desemboca num questionamento profundo, seja lá sobre o que for: o
destino das coisas, o sentido da vida, os fundamentos do conhecimento, as Atividade 2
características da Natureza, das dimensões humanas e os valores que lhes são dados
Escreva se você julga que a Filosofia é realmente importante ou não, mas justifique
em cada Cultura.
sua resposta explicando por que você pensa assim.
São muitas as maneiras de começar a indagar e de perceber que uma indagação leva
a outra e que, por fim, somos levados a refletir sobre coisas em que não pensamos Eis uma passagem de Clarice Lispector que ilustra algumas das características da
reflexão filosófica a que nos referimos.
quando estamos imersos na lida diária.
Divagando sobre tolices
O que é reflexão?
Depois de esporádicas e perplexas meditações sobre o cosmos, cheguei a várias
Todos os dias, todos nós refletimos um pouco sobre o que fazemos, sobre o que
conclusões óbvias (o óbvio é muito importante: garante certa veracidade). Em
fizemos ou sobre o que poderíamos estar fazendo: "Tenho que parar o que estou
primeiro lugar concluí que há o infinito, isto é, o infinito não é uma abstração
fazendo, senão me atraso", "Ah! Se estivesse agora de férias". São situações
matemática, mas algo que existe. Nos estamos tão longe de compreender o mundo
cotidianas, mas que demandam uma abstração. Abstrair implica um distanciamento.
que nossa cabeça não consegue raciocinar senão à base de finitos. Depois me
Para nos concentrarmos num determinado ponto, deixamos os outros de lado. Ao
ocorreu que se o cosmos fosse finito, eu de
refletir, focalizamos nossa atenção em algumas percepções ou idéias, como se
fizéssemos uma pausa em nossas atividades e passássemos para uma outra esfera novo teria um problema nas mãos: pois, depois do finito, o que começaria? Depois
da vida, em nosso pensamento. Tentamos ver nossa ação como se estivéssemos de cheguei à conclusão, muito humilde minha, de que Deus é o infinito. Nessas minhas
divagações também me dei conta do pouco que sabia, e isso resultou numa alegria: a e ( ) Não pode ser considerada como Filosofia porque seus argumentos não têm
da esperança. Explico-me: o pouco que sei não dá para compreender a vida, então a provas, nem levam em conta a experiência concreta.
explicação está no que desconheço e que tenho a esperança de poder vir a conhecer
Vamos aproveitar suas impressões sobre esse texto para repensar algumas
um pouco mais.
características da Filosofia.
[...]
· Não são apenas os filósofos que se preocupam com questões filosóficas. Uns mais
Espanta-me a nossa fertilidade: o homem chegou com séculos a dividir o tempo em profundamente, outros menos, todos nós o fazemos. A diferença talvez esteja no fato
estações do ano. Chegou mesmo a tentar dividir o infinito em dias, meses, anos, pois de que aqueles que estudam Filosofia procuram instrumentalizar-se com a história do
o infinito pode constranger muito e confranger o coração. E, diante da angústia, pensamento filosófico e com os avanços das ciências para dar continuidade a essas
trazemos o infinito até o âmbito de nossa consciência e o organizamos em forma reflexões, ao passo que, em geral, a maioria das pessoas não leva essas questões a
humana simplificada. Sem essa forma ou outra qualquer de organização, nosso sério. A ironia, com que Clarice caçoa de sua própria pretensão, é um traço comum a
consciente teria uma vertigem perigosa como a loucura. Ao mesmo tempo, para a muitos filósofos.
mente humana, é uma fonte de prazer a eternidade do infinito: nós, sem entendê-lo,
· Ainda que de forma ligeira, o texto de Lispector nos leva a fazer indagações,
compreendemos. E, sem entender, vivemos. Nossa vida é apenas um modo do
buscando entender as raízes de algumas questões por meio do exame de conceitos
infinito. Ou melhor: o infinito não tem modos. Qual a forma mais adequada pra que o
(como o do infinito) que fundamentam nosso entendimento do universo (cosmos). O
consciente açambarque o infinito? Pois quanto ao inconsciente, como já foi dito, este
texto nos conduz à constatação de que nossa compreensão do universo depende de
o admite pelas simples razão de também sê-lo. Será que entenderíamos melhor o
nossas faculdades intelectuais ("não conseguimos pensar no existo sem tomarmos
infinito se desenhássemos um circulo? Errei. O círculo é uma forma perfeita, mas que
como ponto de vista o a partir de nós"), que, por sua vez, estão vinculadas a questões
pertence à nossa mente humana, restrita pela sua própria natureza. Pois na verdade
existenciais ("sem essa forma ou qualquer outra forma de organização, nosso
até o círculo seria um adjetivo inútil para o infinito. Um dos equívocos naturais nossos
consciente teria uma vertigem perigosa como a loucura") e também avaliações de
é achar que, a partir de nós, é o infinito. Nós não conseguimos pensar no existo sem
suas implicações ("isso resultou numa alegria: a da esperança").
tomarmos como ponto de vista o a partir de nós.
· De fato, a autora vai percorrendo diferentes questões e tenta definir conceitos numa
Para falar a verdade, já me perdi e nem sei mais do que estou falando. Bem, tenho
viagem sem resultado prático imediato ("tenho mais o que fazer do que escrever
mais o que fazer do que escrever tolices sobre o infinito. É, por exemplo, hora do
tolices"). Quando contrastada com atividades prementes, como a hora do almoço, tais
almoço e a empregada avisou que já está servido. Era mesmo tempo de parar.
especulações parecem divagações sem sentido. Em nossa cultura costumamos
(Lispector,1999:291-2).
considerar que as coisas sem utilidade prática não têm muito valor. Vivemos numa
Atividade 3 época de negócios (negação do ócio), mas a Filosofia vem de uma época em que o
ócio era visto como condição de estudo, de atuação política e de desenvolvimento
A) Analise o texto de Lispector e diga se ele se caracteriza como uma reflexão
espiritual. A palavra ócio equivale no grego a sxolé, donde se deriva escola. Ociosos
filosófica.
eram os homens livres da necessidade do trabalho material para se dedicarem a
Entre as alternativas seguintes, assinale aquela que, a seu ver, melhor explica por que especulação e às conquistas do espírito. O conhecimento filosófico já foi
a divagação de Clarice é ou não é uma reflexão filosófica. supervalorizado por ser contemplativo e não instrumental, mas, na nossa cultura, ele
perdeu grande parte de seu status.
a ( ) Não é bem uma reflexão filosófica porque é feita por uma escritora/artista e, como
ela não está preocupada em investigar de maneira sistemática o problema com que · Em relação à quarta alternativa, poderemos encontrar autores que considerem essa
defronta, escreve visando à diversão, ironizando sua própria reflexão. reflexão de Clarice como filosófica, não só pela temática, mas, sobretudo pela postura
indagativa, questionadora, em que se busca o saber sem se contentar com as
b ( ) É uma reflexão filosófica por que tenta compreender e explicar racionalmente não explicações encontradas. Uma coisa é mudar de opinião à toa, por causa da moda ou
só cosmo e o infinito, mas também se debruça sobre suas próprias condições de da mudança do vento, outra, bem diferente, é alterar a maneira de pensar porque,
conhecimento. numa reavaliação, perceberam-se falhas no julgamento anterior. Mudanças de opinião
c ( ) Parece ser uma reflexão filosófica, pois fica viajando em divagações sem fazem parte do processo de busca do conhecimento. O rigor aqui está na persistência
qualquer utilidade prática para a vida e se perdendo em conceitos abstratos. da interrogação, não na precisão ou no consenso das respostas.
d ( ) Sem dúvida é uma reflexão, mas não é filosófica, pois não é coerente, já que a · No entanto, há outras perspectivas que discordam dessa posição. Há autores que
autora muda várias vezes de opinião e abandona suas conclusões. Tampouco é diriam que esse texto da Clarice não chega a ser filosófico porque não aprofunda suas
rigorosa, pois lança perguntas para as quais não encontra soluções. idéias nem leva em conta o que já se discutiu e se escreveu sobre esse assunto na
História da Filosofia. Diferentemente do que ocorre nas Ciências Naturais, em que há Ao serem explicitados, os argumentos podem ser examinados por aqueles que
um certo consenso sobre fatos e teorias vigentes, em Filosofia há muitas estiverem envolvidos na conversa. Eles podem encontrar defeitos na argumentação e
discordâncias sobre quais são as principais questões, critérios, estilos e referências. pedir mais explicações. Mas repare como já está suposto que os interlocutores têm a
Mas, em geral, convive-se bem com diferentes perspectivas. capacidade de raciocinar, independentemente de seu poder ou status social. E é
justamente essa capacidade que é o mais importante nesse contexto. A autoridade
· Finalmente, sobre a última alternativa, vale a pena ressaltar que, em filosofia,
está na razão, na lógica que se utiliza no raciocínio, e não na importância de quem
argumentos convincentes são aceitos como provas, pois não há exigência de
fala. Em vez de se subordinar ao tamanho, à importância ou à beleza de quem fala,
comprovação material ou experimental, como nas Ciências. A reivindicação de provas
obedece-se às regras do discurso racional que exigem o exame das razões que se
que pudessem ser verificadas na prática (seja pela Matemática, por coleta de
apresentam. Ao contrário, na situação do "por que sim!", dispensa-se uma explicação
informações ou por repetição de um experimento) fez com que pensa dores do século
por respeito, medo ou preguiça, deixando-se convencer sem maiores
XVII criticassem as especulações e as disputas filosóficas e começassem a definir os
questionamentos.
padrões do conhecimento científico moderno.
Atividade 4
Na Modernidade, embora se contestassem certos aspectos da Filosofia, alguns outros
foram saudados e preservados, como características que a Ciência _ esse novo e Leia as frases seguintes e assinale com um L as que apelam para a autoridade do
frondoso galho da árvore do conhecimento _ herdou do tronco de onde brotou. Dentre locutor e com um R, aquelas que demandam obediência à razão.
as principais características herdadas estão o esforço de compreensão e de
a ( ) Quem é você para contestar o que eu estou dizendo?
explicação racional dos princípios de organização do mundo (como, por exemplo as
leis naturais) e a valorização da autocrítica. b ( ) Sou forçado a admitir que seu raciocínio está correto.
Até o século XIX, as ciências eram consideradas como uma forma de Filosofia. As c ( ) Aceite o que digo, pois você tem muito menos experiência que eu.
pessoas que se dedicavam às questões que hoje julgamos pertencentes à Química, à
d ( ) O autor desse livro é um pensador famoso e não iria se enganar.
Física ou à Biologia eram chamadas de filósofos naturais. Embora a Filosofia
provenha de um tempo em que não havia a atual diferenciação entre as disciplinas, e ( ) Pelo que posso perceber, ele está se contradizendo.
nos dias de hoje é comum tratar da Filosofia como uma disciplina entre outras. Mas,
além da Filosofia não respeitar muito as fronteiras entre as disciplinas científicas, ela f ( ) A decisão está correta pois foi o que a maioria das pessoas escolheu.
engloba também diversos assuntos como a Ética, a Política, a Estética, que as g ( ) Há de concordar que tais medidas terão determinadas implicações.
Ciências deixaram de lado. Por isso descreveu-se a reflexão filosófica como sendo de
conjunto, lembra-se? Em geral fala-se em argumento de autoridade para os casos de submissão ao poder
de quem está falando (ou em nome de quem esta sendo dado o comando), pois se
Até agora, viemos tratando da reflexão. Mas e a argumentação racional? Como ela considera que a razão é algo natural e universal, ou seja, comum a todos. Veremos,
pode ser caracterizada e por que ela é fundamental para a Filosofia e para as na quarta unidade de Filosofia da Educação, como a idéia de um padrão único e
Ciências? universal de razão veio sendo questionada. Ao longo do último século, a razão passou
Seção 2: "Por Que Sim" Não É Resposta! a ser vista como um tipo de padrão cultural, difundido ou imposto a outros povos. Mas,
até então, a idéia que vigorava é que nós, seres humanos, somos animais racionais,
Objetivo específico: identificar as exigências da argumentação racional. isto é, a razão é o que nos distingue dos outros animais. Sendo assim, seguir os
critérios racionais não é se submeter a uma autoridade externa, mas usar nossa
Há alguns anos, o programa "Castelo Ra-Tim-Bum" difundiu entre as crianças a idéia
inteligência e autonomia.
que respostas do tipo "Por que sim!" ou "Porque não!" _ aquelas que geralmente
recebem de seus pais e professores _ não eram respostas satisfatórias. O lema era Pelos exemplos da Atividade 4, você pode perceber como se usa da autoridade do
"porque sim não é resposta!" e aí pronto: pais e professores se viam obrigados a darlocutor em muitas das situações escolares. Especialmente nas relações em que a
maiores explicações. Isto significava um trabalho extra: argumentar, expor as razõesnoção de igualdade não está subentendida, é comum ouvir a pergunta intimidadora:
e, eventualmente, expor a fragilidade dos motivos. "Você sabe com quem está falando?!" Mesmo em textos científicos, embora se deva
Uma explicação é considerada como satisfatória quando é razoável, isto é, quando evitar o argumento da autoridade, vemos que, muitas vezes, citam-se alguns autores
demonstra um raciocínio aceitável. Para tanto, o raciocínio deve ser demonstrado, famosos apenas como uma forma de dar maior respaldo ao que estamos querendo
como fazemos quando afirmamos: "Considero essa idéia boa, pelo seguinte motivo..."; dizer.
"Imagino que aquela seja a melhor atitude, porque senão ocorrerá o seguinte..." Mas no discurso racional, o que conta mesmo são os argumentos: se são coerentes
(lógicos) e consistentes (com pressupostos e conceitos bem fundamentados). A Todavia, também empregamos esse expediente na conversação cotidiana e em outras
exigência é de um discurso disciplinado. Uma intuição ou idéia genial, mas indizível, formas de expressão. Veja um bom exemplo de atribuição de conceitos na poesia
nunca foi considerada como Filosofia. Uma convicção profunda, como a fé, ou uma "Morte e Vida Severina" de João Cabral de Melo Neto: O meu nome é Severino, não
habilidade de expressar impressões em sons, movimentos ou cores, como nas Artes, tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então
não são consideradas como um saber filosófico se não se apoiarem em argumentos de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas
lógicos. O verdadeiro conhecimento das coisas deveria ser demonstrável, Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mais isso ainda diz pouco: há
apresentando a seqüência dos raciocínios e um uso disciplinado de conceitos. Essa muitos na freguesia. Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é
era uma das idéias que Sócrates, um dos pais da Filosofia, fez valer de uma maneira o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba. Mas isso
muito hábil. Sócrates se diferenciava dos outros sábios de sua época (século V a.C.) ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas
por afirmar "sei que nada sei", mas, ao ouvir as explicações que eram dadas, Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra
mostrava que elas estavam equivocadas e mal fundamentadas. Provava então que os magra e ossuda em que eu vivia. (...) E se somos Severinos iguais em tudo na vida,
sábios ainda sabiam menos que ele, pois estavam iludidos com seus conhecimentos. morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de
Em geral, ele não apresentava nenhuma explicação (dizia que não tinha), só mostrava velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia.
por que as explicações dos outros eram falhas. Esse era um bom artifício para, (Melo Neto, 1963:107-108).
através do diálogo, levar os outros a se darem conta das limitações de seus
Atividade 6
conhecimentos e envolvê-los na busca racional da verdade.
No texto de Melo Neto, há dois processos de restrição de significação, em que nomes
Atividade 5
e acontecimentos vão sendo adjetivados e redefinidos. Identifique-os e apresente
A máxima socrática _ "Sei que nada sei" _ revela que a atitude da Filosofia é uma suas definições:
atitude de:
Os usos de conceitos e da lógica não são exclusivos da Filosofia ou da Ciência. Nas
a ( ) resignação, pois é muito difícil saber tudo. artes, nas técnicas, nas religiões e no conhecimento comum também nos valemos
deles. Só que nesses casos não são uma exigência fundamental, cuja observância é
b ( ) dúvida, pois ninguém está certo de coisa alguma.
sempre examinada. Por outro lado, vemos que, embora a Filosofia e a Ciência tenham
c ( ) busca, pois a verdade está sempre em processo. como modelo o discurso conceitual e a lógica da argumentação, elas também lançam
mão de metáforas, de analogias e de outras formas de associação de idéias e de
d ( ) implicância, pois só está querendo criticar. representação simbólica.
Quando esses critérios racionais foram admitidos como sendo os corretos, os que Seção 3: A Filosofia da Educação
correspondem à melhor característica dos humanos _ o raciocínio _, as outras formas
de conhecimento, como as narrativas míticas, religiosas, técnicas, artísticas e o senso Objetivo específico: caracterizar a Filosofia da Educação a partir da compreensão do
comum, foram perdendo o prestígio. A ambigüidade de seus símbolos e das palavras problema filosófico.
que usamos em nossas conversas diárias foi percebido como fonte de equívocos e de
Com o passar do tempo, a Filosofia foi se especializando: há cursos e programas que
confusão. Por isso se defende que, em vez de termos e noções fluidas, o discurso
se dedicam à Filosofia da Educação, à Filosofia da Ciência, à Filosofia da Arte e
filosófico controlado deve usar conceitos precisos.
outras mais. Mesmo nessas especializações se busca manter uma visão geral da qual
Você se lembra de ter estudado sobre os símbolos e de como eles são arbitrários, isto as ciências particulares se desinteressaram. Além disso, ela se volta quase sempre
é, sem uma relação direta com o que está sendo representado. Pois os conceitos são para problemas que não são práticos. Assim, em vez de pesquisar, por exemplo, os
uma forma de restringir essa variabilidade e definir melhor uma noção, dando mais fatores que interferem na repetência, ou de buscar uma nova metodologia de ensino,
precisão ao significado. Tome como exemplo a palavra "classe". Ela pode significar, os estudos em Filosofia da Educação estão voltados para questões mais gerais, como
entre outras coisas, o espaço de aula, a elegância de alguém ou sua vinculação os valores que têm pautado a Educação, os fundamentos do conhecimento e coisas
social. Mas se quisermos dar um determinado sentido, nos referimos a uma do gênero.
formulação especifica _ por exemplo, a que Karl Marx lhe deu em seu livro O capital.
Se você consultar um livro de Filosofia da Educação provavelmente vai encontrar uma
Para ele, a classe é definida pelo papel que seus integrantes desempenham na
série de assuntos e questões que você já estudou em vários módulos do Veredas:
produção econômica: os que vivem de um salário formam a classe operária, ao passo
Cultura e Natureza Humana, que você viu em Antropologia; relações de poder e
que os que vivem principalmente de lucros, juros e rendimentos formam a classe dos
problemas de alienação, de ideologia e os desafios da cidadania, que você viu em
capitalistas.
Política e Educação; em Psicologia você já estudou as relações entre sociedade e
indivíduo; em Artes, focalizou a imaginação e os meios de comunicação; em História problema, na Filosofia da Educação, é de suma importância. Para o filósofo, E.
conheceu as diferentes visões sobre a Educação ao longo do tempo, assim como já Brehier "todo problema [...] surge na medida em que o espírito se vê numa situação
discutiu criticamente a formação, a história e as funções da instituição escolar. Enfim, intermediária entre a ignorância e o saber". Quando assumimos uma atitude reflexiva
você já tratou, por ângulos diferentes, diversas questões às quais a Filosofia da frente à realidade aceitamos o desafio da reflexão.
Educação se dedica por meio da reflexão.
Neste sentido, é sempre bom ressaltar que a compreensão do problema não muda o
O pensar a partir de problemas é a atividade principal da reflexão filosófica. Mediante fato, nem o mundo. A compreensão do problema não quer dizer uma mera reunião de
esta atividade, situamos o ser humano no mundo e o compreendemos nesse lugar informações, mas sim o processo de entender a solução dada, seja pela intervenção
incômodo da dúvida. Aquele que em seu caminho utiliza a pergunta como forma de na realidade, seja na compreensão dos textos de autores. Desta forma, quando se
conhecer, aprende no percurso de sua existência a refletir sobre o que já passou e a propõe filosofar é preciso estar na direção do problema, para que as respostas
atribuir forma ao conteúdo do vivido. É como se fosse o escultor que, com seu formão, provisórias surjam e daí se compreenda melhor o fato.
esculpe as formas que representam seu desejo.
Atividade 7
A disciplina Filosofia da Educação é considerada como um dos fundamentos da
Retorne ao texto "Gestão Democrática: Gerando uma Nova Cultura na Escola" _
Educação e, por isso, os estudantes de Pedagogia cursam em geral essa disciplina no
Módulo 4, Volume 2) e releia a Seção 1: "A Escola e o Sistema de Ensino:
início do curso. No Veredas, ela vem no módulo final, buscando refletir sobre os
possibilidades de uma relação democrática" (p.150-6). Formule um problema sobre
estudos feitos, analisar alguns de seus pressupostos e implicações, analisar as
esse tema e dê uma resposta provisória com base nas teorias apresentadas no texto.
contribuições dos diferentes saberes e explicitar o significado desses aprendizados.
Caro cursista, nossa atividade nesta seção voltou-se basicamente para a
Da mesma forma que a Filosofia é questionada por ser pouco instrumental e
compreensão do significado do problema e da reflexão filosóficos. Como somos
operativa, também a Filosofia da Educação não apresenta receitas de soluções
educadores, lidamos cotidianamente com problemas pontuais, ou seja, problemas
práticas para os problemas da Educação e, menos ainda, conclusões definitivas.
práticos. Para filosofarmos a partir de nossa prática pedagógica, é necessário pensar
Assim, a reflexão filosófica _ tal como a pesquisa científica, pois ambas são a partir de problemas teóricos. Assim, ao ler um texto, devemos buscar o problema
conhecimento pela razão _ exige a formulação do problema. Todo problema surge a proposto pelo autor. Entender um autor é ver sua Filosofia argumentada mediante
partir de uma necessidade. Assim o primeiro passo para entender a Filosofia é respostas provisórias, o que nos permite buscar o problema que o autor apresenta.
estabelecer o problema. Aprender a filosofar a partir do fenômeno educacional leva- Estamos falando de tema e tese. O tema é o assunto, ou "aquilo do qual ou sobre o
nos a refletir sobre problemas que estão latentes no nosso cotidiano. Dessa forma, um que o autor fala". A tese é o que o autor deseja provar, expressa em uma ou mais
fato ocorrido em sala de aula (por exemplo, uma briga entre alunos) é um problema da proposições afirmativas. As teses filosóficas são as soluções de problemas levantados
prática, que exige solução imediata, mas não constitui um problema filosófico (nem de a partir da própria necessidade.
pesquisa, como você já estudou). Entretanto, se indagarmos a respeito do que é a
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violência e de suas causas, estamos diante de um problema filosófico (ou científico).
Se pensarmos a respeito da gravidez de jovens e formularmos perguntas em torno de Leia o texto abaixo e estabeleça o tema, a tese e os problemas que o autor se propõe
problemas centrais (como: o que é a sexualidade? o que é a juventude?), buscaremos resolver.
teorias sobre estes problemas, o que permitirá compreendemos melhor o fato. Não
para alterá-lo, mas para, quem sabe, ao intervir em outros momentos, tenhamos Ensinar e Aprender
fundamentos para a ação. As perguntas que exigem fundamentos são mais Por que ensinar é mais difícil do que aprender?
importantes que as respostas, e constituem a essência do filosofar. O filósofo
Immanuel Kant afirmava que "não se ensina Filosofia, ensina-se a filosofar". A razão é porque aquele que ensina deve possuir uma maior soma de conhecimentos
e tê-los sempre à sua disposição. Ensinar é mais difícil do que aprender porque
Immanuel Kant (1724-1804) _ Considerado um dos maiores filósofos da idade significa "fazer aprender".
moderna. Professor em Könisberg, cidade da qual nunca saiu. Dedicado aos estudos
filosóficos. Suas obras se destacam pelo rigor e profundidade. Dentre elas destacam- Quem ensina de verdade nada mais faz que aprender o próprio aprender. Por isso
se: A Paz Perpétua, A Crítica da Razão Pura, A Crítica da Razão Prática, A Crítica do mesmo é que sua ação muitas vezes desperta a impressão de que junto dele
Juízo. Há um texto sobre a Educação que discutiremos na última unidade, aguarde. propriamente não se aprende nada.

Mas como é possível filosofar, a partir da formulação do problema? Isto indica que Acontece que, então inconsideravelmente se entende por aprender unicamente a
cada um de nós, ao indagar a respeito de um determinado assunto, está na direção de aquisição de conhecimentos utilizáveis. Quem ensina não ultrapassa os aprendizes
um problema filosófico, que nasce de uma necessidade objetiva. Assim, a noção de senão no seguinte: ele deve aprender muito mais do que eles, uma vez que deve
aprender a "fazer aprender". Quem ensina deve ser capaz de ser mais dócil do que MELO NETO, J. C.de. Morte e vida Severina e outros poemas em voz alta. Rio de
quem aprende... Janeiro: 1963.
Se hoje, quando tudo se mede de acordo com os níveis mais baixos _ como por LISPECTOR, C. A descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
exemplo o lucro _ ninguém mais deseja tornar-se mestre, isto sem dúvida se deve às
SAVIANI, D. A Filosofia na formação do educador. In: ___ Educação: do senso comum
implicações dessa grande coisa e à sua própria grandeza. Sem dúvida, também
à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1989.
semelhante aversão está ligada àquilo que dá mais o que pensar. Devemos conservar
muito bem sob o nosso olhar a verdadeira revelação entre quem ensina e quem Texto de Referência
aprende, se quisermos que no desenrolar desse curso, desperte uma aprendizagem.
Indicação Bibliográfica
Nossa tentativa aqui é a de ensinar a pensar. (Heidegger, 1967:69).
PLATÃO. A República _ livro VII. In: GADOTTI, M. História das Idéias Pedagógicas.
A) Tema: São Paulo: Ática, 1995. pp. 34-37
B) Tese: Roteiro de Atividades
C) Problemas: Com base na leitura desse trecho do diálogo platônico, podemos ver que a busca da
verdade traz consigo uma série de implicações políticas e educacionais, além de
Vamos recapitular o que você aprendeu neste texto?
dificuldades físicas, psicológicas e escolhas de estratégias adequadas para melhor
Nesta unidade você pôde aprofundar um pouco os estudos sobre a Filosofia da compreender a realidade.
Educação. Vários temas e conceitos foram discutidos. Vamos relembrar alguns deles:
Faça uma análise do processo de ensinar e aprender com base nesse texto de Platão.
A postura interrogativa e crítica é uma das grandes contribuições da Filosofia à nossa
tradição cultural;
· Para a Filosofia, a busca da verdade passa pela dessacralização e pelo combate aos RESPOSTAS
dogmas e crenças infundadas;
· As teorias e posições filosóficas devem apresentar a seqüência dos raciocínios e um Atividade 1
uso disciplinado de conceitos;
A Filosofia é um conhecimento teórico, crítico, racional e sistemático. Não é
· Os conceitos são uma forma encontrada para restringir a ambigüidade da linguagem, experimental nem prático.
dando mais precisão ao significado das palavras;
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· A Filosofia da Educação procura refletir sobre os problemas educacionais de forma
radical, rigorosa e de conjunto; Há várias boas respostas para essa questão, mas o objetivo aqui é desenvolver uma
argumentação, seja qual for sua opinião sobre a Filosofia. Ao expor suas razões você
· A Filosofia da Educação não apresenta receitas de soluções práticas para os estará se movendo do terreno do "eu acho", para o do "eu penso", "eu considero".
problemas da Educação e, menos ainda, conclusões definitivas. Uma resposta que julgamos interessante é a de Marilena Chauí, em seu livro Convite
Como toda conclusão em Filosofia é ponto de partida para uma nova etapa, à Filosofia:
convidamos você, Cursista, a refletir sobre o seu próprio fazer educacional a partir de Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se
sua prática pedagógica. deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil;
Bibliografia se buscar compreender a significação do Mundo, da Cultura, da História for útil; se
conhecer o sentido das criações humanas nas Artes, nas Ciências e na Política for útil;
BRÉHIER,E. Le Probleme en philosophie. In: Ètudes de Philosophie Moderne. Paris: se dar a cada um de nós, a nossa sociedade, os meios para serem conscientes de si
Minuit, 1970. e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil,
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1998. então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres
humanos são capazes. (1998: 18)
HEIDEGGER, M. Qu'appele-et-on penser? Paris: Press Universitaries de France,
1967. Atividade 3
Item b. de problemas, caminha-se na direção da atitude filosófica.
Os comentários na seqüência dos exercícios explicam em que medida as outras Atividade 8
respostas podem também ser consideradas, ao menos em parte.
A) A primeira pergunta que se deve fazer para realizar esta atividade é se o título é o
Atividade 4 tema _ costuma ser, mas não necessariamente. Neste texto, é. Então, o tema pode
ser: Ensinar e aprender, Ensino e aprendizagem, A relação entre ensinar e aprender;
a (L); b (R); c (L); d (L); e (R); f (L); g (R).
ou qualquer outro que estabeleça essa junção entre os dois problemas: O que é
Observação sobre o item f: vale a pena observar que aqui não é alguém que detém a ensinar? O que é aprender?
autoridade, mas a maioria, uma proporção numérica, isto é, abstrata e racional. Não
B) A tese, neste exercício, é evidente. Ela está na frase: ensinar é fazer aprender, ou
importa quem sejam os eleitores, se são ricos ou fortes, os votos têm igual valor numa
seja, a tese deste micro-texto é: a relação entre ensino e aprendizagem tem como fim
democracia. Entretanto, não é difícil perceber que a opinião da maioria não se
ensinar a aprender (que implica pensar). Como diz o autor, na frase final: Nossa
fundamenta em razões, pode ser incoerente ou se deixar levar por propagandas
tentativa aqui é a de ensinar a pensar.
irracionais.
C) Exemplos de problemas: o que é conhecimento; o que é aprendizagem; o que é
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ensino; o que é pensamento.
Item c.
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Um processo de restrição de significação, e precisão do nome é o acréscimo de
qualificadores (o da Maria, do finado Zacarias, da serra da Costela nos limites da
Paraíba). Nossos sobrenomes funcionam no sentido de reduzir a homonímia.
Entretanto, é bom ressaltar que muitos autores fazem questão de diferenciar nomes
próprios (com seus sobrenomes) de conceitos, que não se referem a indivíduos ou
coisas particulares, mas a idéias ou noções especificas.
O segundo exemplo, mais consensual, e a definição de "morte severina": a de quem
tem fome todos os dias, e, se até os 20 não morrer de emboscada, morrerá de velhice
antes dos 30.
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Você pode ter escolhido qualquer módulo ou unidade de ensino do Veredas para
levantar um problema filosófico. Tomamos como exemplo, o Módulo 4, Volume 2,
Seção 1: 150-6: "A Escola e o Sistema de Ensino: possibilidades de uma relação
democrática".
Podem-se estabelecer vários problemas a partir da necessidade. Nesse sentido, a
título de curiosidade, ao lermos a seção, levantamos alguns problemas:
· O que é a autonomia na relação pedagógica?
· O que é gestão democrática?
· O que é a democracia?
Podemos ter outros problemas. Lembre-se de que um problema só ocorre a partir da
necessidade do leitor. Mediante estes problemas podem-se buscar conceitos no
próprio texto, ou em outras teorias. Isto indica que da próxima vez que visualizarmos
estes conceitos teremos mais fundamentos para discutir sobre eles. Ao pensar a partir

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