Precarização Do Trabalho e o Processo de Derrocada Do Trabalhador
Precarização Do Trabalho e o Processo de Derrocada Do Trabalhador
Precarização Do Trabalho e o Processo de Derrocada Do Trabalhador
de derrocada do trabalhador1
As mudanças globais vivenciadas atualmente fomentam um novo paradigma nas relações trabalhistas, a exemplo de
formas precarizadas de trabalho e emprego, que por sua vez têm sido percebidas, a partir da proliferação das novas
modalidades de contrato e do declínio da oferta de empregos típicos/permanentes, como uma das consequências mais
visíveis da flexibilização do mercado de trabalho. Este artigo tem por objetivo apresentar os aspectos caracterizadores
da precarização do trabalho e suas consequências para o trabalhador. A precarização, em suma, apresenta-se como
um fenômeno que perpassa o dinâmico movimento de estruturação do trabalho e do emprego, posto que concerne
tanto ao crescimento do desemprego e à ampliação do exército de reserva quanto às especificidades dos empregos
disponíveis no mercado de trabalho, enfatizados pela instabilidade e efemeridade contratuais. Isso conduz à expansão
do contingente de trabalhadores alienados de seus direitos e sujeitos a condições de trabalho instáveis, insatisfatórias e
potencialmente adoecedoras.
Palavras-chave: Trabalho, Precarização, Relações trabalhistas.
Introdução
1 Este trabalho recebeu apoio financeiro na forma de bolsa de iniciação científica Copes-UFS, concedida à segunda autora, a qual
foi orientada pela primeira.
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Precarização do trabalho e o processo de derrocada do trabalhador
também pode ser prejudicial, seja pela exposição a riscos físicos, químicos e/ou psicológicos ou
pela privação material e a posição socioeconômica desfavorecida, provenientes de baixa renda e
de salários insatisfatórios. Por esse ângulo, o trabalho é aspecto pernicioso e fonte de experiências
de sofrimento. Essa faceta do trabalho tende a comprometer, principalmente, indivíduos menos
favorecidos financeiramente, os quais dispõem de poucos recursos materiais e sociais para atenuar
os impactos das más condições laborais (LaMontagne, 2010).
Observa-se ainda que os trabalhadores que reúnem menos benefícios financeiros e proteção
social estão mais expostos às modificações na legislação e práticas trabalhistas, sendo desfavorecidos
nos diversos âmbitos da vida, como saúde, educação, moradia, transporte, ainda que trabalhadores
que ocupem empregos de alto status ou que possuam alta escolaridade também possam experimentar
condições de trabalho precarizadas (LaMontagne, 2010; Tosta, 2008).
Com a globalização dos mercados e do capital e o acirramento da concorrência internacional
entre empresas, a pressão para a minimização do custo do trabalho leva à compressão do número
de trabalhadores efetivos e à externalização de um número crescente de tarefas, bem como
à deslocalização de tarefas e de empresas para zonas com salários mais baixos. Isso implica a redução
do emprego estável e o aumento de uma força de trabalho flexível, que se encontra em condições
precárias e pouco ou nada protegidas (Kovács, 2003). A precarização do trabalho é elemento
central da nova dinâmica do desenvolvimento do capitalismo, criando uma nova condição de
vulnerabilidade social: um processo social que modifica as condições de trabalho (assalariado
e estável), anteriormente hegemônicas no período da chamada sociedade salarial ou fordista
(Druck, 2011). Esse mecanismo faz do trabalho o principal fator de ajustamento para a competição
internacional. É anunciada a redução drástica, até a extinção do emprego estável, a tempo integral,
a favor do emprego flexível. Essa evolução implica o aumento da força de trabalho flexível, fluida,
periférica ou contingente que engloba, sobretudo, os trabalhadores a tempo parcial, temporariamente
contratados, e certas categorias dos trabalhadores por conta própria (Kovács, 2003). O conteúdo
dessa precarização comparece na condição de instabilidade e de insegurança, no imperativo de
adaptabilidade, na fragmentação dos coletivos de trabalhadores e no esvaimento do conteúdo
social do trabalho. Essa nova condição de trabalho, paulatinamente, se torna central e hegemônica,
antagonizando com outras formas de trabalho e de direitos sociais que ainda permanecem e resistem
(Druck, 2011).
A precarização do trabalho, portanto, tem sido percebida como uma das consequências
mais visíveis da flexibilização do mercado de trabalho, que preconiza a proliferação de formas de
emprego de caráter flexível, das novas formas de contrato e do declínio da oferta de empregos
típicos/permanentes. Este artigo tem por objetivo apresentar os aspectos caracterizadores da
precarização do trabalho e suas consequências para o trabalhador. Nesse cenário de transformação
constante, são prementes estudos que versem sobre os impactos das novas formas de emprego com
vistas a ampliar a compreensão sobre o tema (especialmente no tocante à saúde física e psicológica
do trabalhador, que subjaz às condições precarizadas de emprego), bem como contribuir para o
desenvolvimento de iniciativas que visem atenuar os impactos da vivência da precarização sobre
os indivíduos.
Após a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, a atividade laboral passou a ser
observada de modo mais objetivo e sistemático em virtude do crescimento acelerado dos novos
centros urbanos e da necessidade de sustentar um padrão de produção, tornando-se uma preocupação
para os Estados recém-estabelecidos sob os moldes do regime capitalista em ascensão. As atividades
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econômicas eminentemente artesanais, predominantes até então, foram suplantadas pelo modo de
produção fabril em escala, amparado pela força de trabalho constituída por homens livres – e também
por mulheres e crianças – compelidos a sujeitarem-se a jornadas de trabalho exaustivas sob parcas
condições de salubridade, dada a necessidade de garantir moradia e alimentação (Huberman, 1986).
A mecanização do trabalho preconizada pelo taylorismo (que introduziu o modo de organização
fabril ao postular o desenvolvimento dos métodos e organização do trabalho visando controlar o
tempo dedicado a determinada atividade) e continuada pelo fordismo (que aprimora o sistema
predecessor ao introduzir o conceito de linha de montagem e, com isso, propõe uma nova dinâmica
ao trabalho) fez com que o trabalhador perdesse progressivamente o controle sobre o processo
produtivo, visto que a divisão do trabalho, introduzida pelo sistema de fábrica, significou uma
separação extrema entre concepção e execução do trabalho (Navarro & Padilha, 2007), fragilizando
a representação que o trabalhador tinha acerca de sua atividade, bem como do seu papel na
sociedade de forma geral.
Durante o século XIX, após a sedimentação do modo capitalista de produção, difundiu-se a
ideia de que a riqueza de um país dependia do trabalho. Desse modo, o trabalho é deslocado de um
âmbito relativamente secundário em outras épocas, cujos objetivos eram apenas ocupar o tempo e
garantir a subsistência sem maiores ambições em longo prazo e em nível macro, e passa a ocupar um
papel de fundamental importância, já que agora concentra não apenas propósito existencial, como
também a dedicação de grande parte do tempo de vida de um indivíduo (Kubo & Gouvêa, 2012).
No que diz respeito ao trabalho na contemporaneidade, especialmente no que tange às últimas
décadas do século XX e o início do XXI, a concepção de trabalho e a forma como ele é vivenciado
são permeadas, principalmente, pelas premissas do pós-fordismo (ou toyotismo), um paradigma que
prima por uma produção descentralizada e em pequenos lotes, flexibilizada através da automação
e da prática de diferentes modalidades de contrato de trabalho, a fim de alcançar um patamar
superior de qualidade e produtividade, em detrimento da produção de bens padronizados e em
larga escala (Antunes, 2011). Com uma doutrina pautada pela acumulação flexível, pela empresa
enxuta, pela implantação de programas de qualidade total e técnicas japonesas de gestão, além
da introdução de programas de participação nos lucros e resultados, e sob uma pragmática que se
adequava fortemente aos desígnios do capital financeiro e do ideário neoliberal, foi possível uma
reestruturação produtiva que teve como consequências a ampliação da flexibilização, informalidade
e precarização da classe trabalhadora (Antunes, 2014).
Desde então, convivemos com modalidades da precarização próprias da fase da flexibilidade
toyotizada, com seus traços de continuidade e descontinuidade em relação ao modo de produção
taylorista-fordista (Antunes, 2011). Os imperativos da flexibilidade manifestam-se na difusão de
uma grande variedade de arranjos: flexibilidade em termos contratuais, da jornada de trabalho,
de espaço e de estatutos do trabalho (trabalho a tempo parcial, trabalho no domicílio, trabalho
independente, trabalho temporário, teletrabalho, entre outros) (Kovács, 2003), flexibilidade do
processo produtivo, da estrutura de poder nas organizações, das relações trabalhistas (Leite, 2003).
Além dos imperativos de flexibilidade exigidos pelo modo de produção toyotista, também mudam
as relações entre as empresas. A intensificação e a generalização das práticas pós-fordistas de
gestão do trabalho desencadearam um processo de terceirização, levando a uma proliferação de
micro e pequenas empresas que utilizam contratos precários de trabalho, embora tal prática não
seja privativa de empresas terceirizadas. A rede de fornecedores e de terceirizados trabalha para
as grandes corporações criando uma gestão da produção mais horizontalizada, mas gerando um
estatuto de dependência e fidelidade para as terceirizadas (Druck, 1999).
O toyotismo, ou modelo de acumulação flexível, é marcado por uma profunda segmentação
do mercado de trabalho. Isso acarreta uma significativa diferença em relação às condições de
trabalho entre os trabalhadores estáveis, que constituem o núcleo da força de trabalho, e os
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Para Tosta (2008), o modelo normativo de emprego padrão é o trabalho permanente, em tempo
integral, com supervisão direta do empregador e acesso do empregado a benefícios sociais, como
seguro-desemprego, assistência médica de prevenção a doenças, auxílio a acidentes e aposentadoria.
Contudo, a proliferação de formas de emprego flexível e o declínio do emprego permanente de
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Precarização do trabalho e o processo de derrocada do trabalhador
tempo integral têm se refletido nas características contratuais de empregos precários (a exemplo
de instabilidade no emprego, negociações sobre condições de trabalho em nível individual, baixos
salários e privação econômica, direitos trabalhistas e proteção social limitados) e dimensões sociais
do ambiente laboral próprias de relações precárias de trabalho, como: relações de poder que assumem
a forma de desamparo do trabalhador diante do autoritarismo no contexto laboral, impotência para
exercer direitos no local de trabalho, entre outros (Vives et al., 2010).
Nesse sentido, Arnold e Bongiovi (2013) asseveram que não há nenhuma experiência singular
no trabalho precário, uma vez que esse fenômeno tem acometido o mercado e a economia tanto
de países plenamente industrializados quanto de países em desenvolvimento. Arranjos políticos e
esforços de organizações têm sido direcionados para o provimento de força de trabalho maleável
que se adapte facilmente às constantes mudanças do cenário mercadológico internacional, visto
que, com a redução do proletariado fabril, efetivou-se uma ampliação do setor de serviços a partir
de uma subproletarização intensificada, presente na expansão do trabalho parcial, temporário,
subcontratado e terceirizado.
Para Antunes (2008), a precarização do trabalho tem caráter estrutural, sendo uma faceta
da reestruturação produtiva e organizacional adotada por empresas que visam aumentar seus
lucros, a partir do aumento de produtividade da mão-de-obra, ao passo em que se diminui a
carga de direitos trabalhistas e o número de postos de trabalho para que haja mais indivíduos à
procura de trabalho e dispostos a aceitar, sem contestação, condições precárias de contratação. Tal
estratagema do mercado tem pontuado o cenário socioeconômico com estatísticas significativas
referentes ao desemprego, uma vez que o mercado tem exigido dos empregados maior qualificação,
disponibilidade e multifuncionalidade. O conceito de precarização estrutural do trabalho,
defendido por Antunes, indica que o emprego precário é produto das transformações promovidas
pelo modelo de acumulação flexível, e que decorre da atribuição de status de empregos socialmente
reconhecidos a trabalhos marginalizados, desamparados quanto a benefícios de toda sorte. O
emprego precarizado, por esse viés, caracteriza-se, sobretudo, pela instabilidade, desproteção
legislativa e flexibilização contratual.
Por essa perspectiva, entende-se que os empregos de características precárias não são
produtos de ausência de crescimento econômico. Pelo contrário, são inerentes ao próprio modelo
de desenvolvimento econômico de caráter toyotista, visto que a necessidade de elevação da
produtividade motivou novas práticas trabalhistas sob imposição da concorrência internacional,
que passou a buscar, além de isenções fiscais, níveis mais rebaixados de remuneração da força de
trabalho (Antunes, 2008).
Contudo, a definição, caracterização e postulação de indicadores do que seja trabalho precário
ainda é uma tarefa por ser completada no meio acadêmico. Em 1999, a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) criou os Indicadores de Trabalho Decente, definindo-o como um trabalho produtivo
e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, sem
quaisquer formas de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem
de seu trabalho. Tais indicadores surgiram a partir de um diagnóstico sobre o trabalho na década de
1990, com especial atenção à América Latina. Por contraste, trabalhos precários compreenderiam
aqueles portadores de lacunas e/ou deficiências dos elementos qualificadores do trabalho decente.
De maneira alarmante, esse diagnóstico indicou que as transformações do trabalho fizeram regredir
conquistas significativas, redefinindo o patamar dos direitos sociais e trabalhistas em todo o mundo,
inclusive nos países mais desenvolvidos (Druck, 2011).
Partindo desse princípio, Druck (2011) propõe e executa um projeto de pesquisa para a
construção dos Indicadores de Precarização Social do Trabalho, a partir de um posicionamento
crítico frente à atual realidade de trabalho brasileira. Nessa proposição, de cunho qualitativo e
quantitativo, o trabalho precário assume diversas dimensões ou indicadores: comparece nas formas
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experimentasse mais sofrimento que prazer durante a realização de suas atividades laborais, na
medida que tinha que prover a ausência de insumos através da adaptação e improvisação de
materiais e equipamentos, gerando frustração, irritabilidade, raiva, medo e impotência.
Outra pesquisa (Costa & Tambellini, 2009) foi realizada com dezoito trabalhadores terceirizados
por cooperativa, lotados nos serviços de enfermagem de uma instituição pública federal de saúde no
município do Rio de Janeiro. Foi utilizado um questionário qualitativo com o objetivo de identificar
a percepção desses profissionais acerca da precarização das suas relações de trabalho e descrever
como esses profissionais percebiam as consequências da precarização na sua saúde. Apurou-se que
os participantes conheciam seus direitos e garantias sociais, entretanto, entendiam que esses direitos
eram desrespeitados devido a uma conjuntura que os tornava impotentes para lutar e desvalorizados
como seres humanos. A falta de proteção social, a insegurança e o desrespeito às limitações físicas
do seu corpo eram consequências desse processo. O medo de perder o emprego e as doenças que
sobre ele advêm constituiriam reações a essa conjuntura.
Ainda no mesmo estudo, no que tange aos impactos da precarização do trabalho sobre a
saúde do trabalhador, verificou-se que as doenças assumiram formas mais subjetivas, dificultando a
associação à atividade laboral. Por exemplo, não era possível afirmar que insônia, obesidade, medo
e insegurança são sintomas de trabalhadores precários. No entanto, infere-se que novas doenças
ocupacionais acometem os trabalhadores e têm como uma das causas o trabalho inseguro e precário.
Outrossim, a convivência entre dois grupos de trabalhadores no mesmo local, dividindo-se entre
estatutários e cooperativados, agudizava a sensação de inferioridade em relação à equipe de trabalho,
conforme destacado nas respostas dos participantes. Em suma, observou-se que os trabalhadores
tinham consciência da sua relação precária e das implicações do seu vínculo na assistência aos
demandatários dos serviços de saúde, bem como das consequências desse vínculo em relação a sua
satisfação profissional (Costa & Tambellini, 2009).
Esses dados lançam luz ao fato de que vivências de condições e relações de trabalho precarizadas
podem produzir uma série de impactos que vão desde o comprometimento da saúde até prejuízos
psicossociais, aspectos que serão tratados na seção seguinte.
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toyotista trouxe transformações nas atividades laborais que não dispensam a inventividade e intelecto
humanos. E, embora o conhecimento seja elemento perseguido pelas empresas contratantes, não
é necessariamente promovido por elas na figura de treinamentos e capacitações para o trabalho,
ficando essa tarefa a encargo exclusivo dos contratados, que precisam custear a aquisição do
conhecimento, que será utilizado pelas empresas e, às vezes, utilizado unicamente por algumas
empresas de ramos especializados.
Apesar de o toyotismo pertencer à mesma lógica de racionalização do trabalho constituinte do
taylorismo/fordismo, o que implica considerá-lo uma continuidade destes últimos, ele tenderia, em
contrapartida, a surgir com intenções (mais ou menos veladas) de controle do elemento subjetivo
da produção capitalista a favor de uma nova subsunção do trabalho ao capital – o que diferencia
o modelo flexível de organização e gestão do trabalho dos modelos anteriores. Se o fordismo
expropriou e transferiu o saber operário para a esfera da gerência científica, para os níveis de
elaboração e planejamento do trabalho, o toyotismo tende a retransferi-lo para a força de trabalho,
mas o faz visando apropriar-se crescentemente da sua dimensão intelectual, das suas capacidades
cognitivas, procurando envolver mais forte e intensamente a subjetividade operária (Antunes
& Alves, 2004). Mas, essa iniciativa não se encontra livre de contradição, que comparece no
paradoxo da multiplicação dos empregos periféricos, mal pagos e com pobre conteúdo de trabalho
e da necessidade de se apoiar em recursos humanos qualificados, motivados e integrados, com o
objetivo de poder lidar com processos cada vez mais complexos e promover a inovação. Em outras
palavras, surge a questão de como conciliar os estatutos dos empregos precários com a mobilização
dos recursos humanos como fator prioritário de competitividade (Kovács, 2003). Esse dilema ainda
não foi resolvido pela tecnologia de gestão de pessoas nas empresas modernas.
Flexibilidade passou a implicar mudança permanente e continuada, o que evoca fluidez
e impossibilidade de compromissos e de relações duráveis, sejam dos trabalhadores para com a
empresa contratante, seja destes para com seus pares. A partir da desregulamentação contratual
e do afrouxamento das relações sociais de trabalho, outras flexibilizações se tornaram possíveis –
como as que recaem sobre as jornadas de trabalho, com a criação do banco de horas, ou as que
incidem sobre as atribuições de funções e de responsabilidades e os salários variáveis. Não pode
ser esquecida a mudança constante de critérios para tudo, a exemplo dos critérios utilizados nas
avaliações de desempenho dos trabalhadores, ou dos critérios admissionais/demissionais, carreando
uma existência laboral marcada pela transformação acelerada de regras e expectativas. A valorização
da polivalência, como atributo indispensável ao trabalhador, por exemplo, surgiu nesse contexto
(Seligmann-Silva, 2011).
Os padrões de gestão e organização do trabalho, na busca de maior produtividade a qualquer
custo, têm levado a condições extremamente precárias, através da intensificação do trabalho
(imposição de metas inalcançáveis, extensão da jornada de trabalho, polivalência), sustentada na
gestão pelo medo e desrespeito; na discriminação criada pela terceirização; nas formas de abuso de
poder, a exemplo do assédio moral; e na criação de um ambiente de trabalho inseguro e nocivo à
saúde pela desconsideração à necessidade de treinamento, esclarecimento sobre riscos e medidas
coletivas de prevenção contra acidentes de trabalho (Druck, 2011). Exemplos encontrados no cenário
empresarial brasileiro figuram nas pesquisas realizadas na indústria automobilística, na agroindústria
canavieira e avícola e no setor de serviços de telemarketing e call center (Antunes, 2014), nos quais
foram identificados a generalidade com a qual se aplicam a intensificação do ritmo de trabalho, os
baixos salários e as práticas de assédio moral. Arnold e Bongiovi (2013) acrescentam que a ausência
de mínimas condições físicas e ambientais de trabalho também contribuem para o crescimento da
insegurança percebida e real no trabalho, aumentando o trabalho fora do padrão e contingente,
a falta de segurança no trabalho e o estresse e assédio no local de trabalho (Kalleberg, 2009;
Rossman, 2013; Vosko, MacDonald & Campbell, 2009).
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Seligmann-Silva (2011) assevera que o trabalho humano se tornou, cada vez mais, um trabalho
dominantemente mental. Porém, o cansaço mental do trabalho intelectual intensificado e a exaustão
emocional são veementemente ignorados nos ambientes de trabalho. À medida que a polivalência
colabora para o crescimento da sobrecarga de trabalho, o temor de “não dar conta” ou cometer
erros se torna aterrorizante, ao tempo em que a fadiga se acumula e o desempenho, inevitavelmente,
diminui. Recorrer a substâncias tranquilizantes ou estimulantes e buscar forças nos chamados
produtos e alimentos “energéticos” (de mercado, por isso mesmo, aquecidíssimo) se incorporam
aos hábitos de muitos sob as formas assumidas pela gestão moderna. Também como resultado da
fadiga e da “compressão dos tempos de conviver”, a precarização dos vínculos interpessoais e da
comunicação significativa alcança a vida familiar, o lazer e as várias modalidades de participação
social. A falta de tempo (e disposição) para o usufruto dos interesses particulares e da família
colabora para distanciamentos na convivência e afrouxamento dos vínculos, mas não é o único
agravante para a “solidão moderna”.
A competitividade é atualmente superestimulada nos ambientes de trabalho, de modo a
exacerbar cada vez mais o individualismo. O fortalecimento do individualismo facilitou tanto
a precarização social quanto a do trabalho, indo concorrer, de maneira importante, também para
a precarização da saúde. Amizade, respeito e confiança são apagadas pela mistura de medo e
ânsia de sobreviver convivendo com os imperativos de vencer, fortemente apoiados pelo discurso
sedutor da excelência, disseminado a partir das grandes empresas. As técnicas desgastantes de
gerenciamento, atualmente predominantes dentro dos paradigmas voltados à acumulação flexível
e maximização de lucros, ao estimularem a exacerbação da competição entre empregados,
concorrem, simultaneamente, para reforçar o individualismo, mitigar a emergência da afeição e
promover o aumento do cansaço (Seligmann-Silva, 2011), o que antagoniza com a implementação
de políticas de pessoal que demandam o trabalho colaborativo em equipe. Trata-se de mais uma das
contradições do universo corporativo contemporâneo que carece de solução para que os objetivos
de produtividade e lucratividade possam ser consistentemente alcançados.
O isolamento e a perda de enraizamento, de vínculos, de inserção, de uma perspectiva de
identidade coletiva, resultantes da descartabilidade, da desvalorização e da exclusão, são condições
que afetam decisivamente a solidariedade de classe, solapando-a pela brutal concorrência que
se desencadeia entre os próprios trabalhadores (Druck, 2011). Essa situação contribui para o
delineamento de um cenário em que a consciência de classe é cada vez mais mitigada, já que
a intermitência de emprego se apresenta como entrave para a integração dos funcionários de
uma determinada categoria profissional. Dessa forma, são fragilizados os vínculos de amizade e
de companheirismo e a comunicação entre os trabalhadores, que se tornam isolados e sem força
de coletivo para reivindicar melhores condições de trabalho e de vida, de modo geral (Franco &
Faria, 2013).
O isolamento de classe, perpetrado como forma de debilitar as relações travadas em ambiente
corporativo, suscita desgastes emocionais (a “solidão” do trabalhador moderno) que facilitam
o surgimento de adoecimento psicológico e orgânico, como quadros depressivos, esgotamento
profissional ou burnout, síndromes paranóides e reação ao estresse agudo, posto que as circunstâncias
precarizadas de trabalho, em associação a características individuais, podem deflagrar ou acentuar
patologias de diversas ordens. Como exemplo, pode-se apontar o estresse de sobrecarga vivenciado
por trabalhadores submetidos a condições de emprego precarizadas, mas que ainda assim devem
corresponder ao alto grau de exigência imposto aos trabalhadores, no sentido de potencializar sua
produtividade em prol de maiores resultados, sobretudo maiores margens de lucro para o empregador
(Hazan, 2013), constituindo motor central da produção de danos à saúde mental dos empregados.
Em síntese, sob o pretexto de elevadas exigências de empregabilidade encaminhadas pelos
mercados liberais, permite-se que os indivíduos sejam submetidos, com a anuência do Estado, a
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Considerações finais
Nessa sua fase de mundialização, o capital tem desempregado cada vez mais o trabalho estável,
substituindo-o por trabalhos precarizados, que se encontram em enorme expansão no mundo
industrial e de serviços, bem como nas múltiplas interconexões existentes entre eles (Antunes, 2011).
Estabelecem-se contratos de trabalho precários, subcontratação em cascata, configurando uma
externalização de riscos e responsabilidades, com redução de salários e de empregos (Gomez &
Thedim-Costa, 1999). Assim, não é mais o padrão da sociedade do pleno emprego, mas o de uma
sociedade de desempregados e de formas precárias de trabalho, de emprego e de vida que passa a
predominar, até mesmo naqueles países onde se tinha atingido um alto grau de desenvolvimento
econômico e social (Druck, 2011).
A precarização dos vínculos empregatícios tem um caráter expansivo que provoca tanto a
desestabilização quanto a segmentação do mercado de trabalho e se reflete no agravamento das
desigualdades sociais (Linares, 2013). As situações precarizadas de emprego têm consequências
individuais e sociais múltiplas, não apenas em nível do consumo e da qualidade de vida, das
perspectivas de vida futuras, da proteção social e do acesso a atividades coletivas, mas igualmente
em termos de ação e intervenção individual e coletiva, nomeadamente no que respeita à capacidade
de defesa de interesses, pois tais práticas precarizantes tendem a golpear ou eliminar (direta ou
indiretamente) os direitos de personalidade e as liberdades e garantias do cidadão, quais sejam:
liberdade de expressão, direito de defesa coletiva, direito à igualdade de tratamento, direito de
constituir família, direito ao descanso e lazer, premissas que integram o conceito de cidadania
(Kovács, 2003).
As formas flexíveis de emprego, em grande parte, são inseguras e mal pagas. Por essa razão,
em vez de contribuírem para a melhoria da vida familiar, podem provocar graves problemas
financeiros e de planejamento futuro, uma vez que a sociedade, em muitos aspectos essenciais,
tais como possibilidade de comprar a crédito, de financiar imóvel ou de dispor de aposentadoria,
está organizada no pressuposto de que as pessoas tenham emprego. A flexibilização do emprego
significa, para além de transferir responsabilidades e riscos para os indivíduos, transferir também
para o Estado. Na impossibilidade de serem os indivíduos a assumirem as responsabilidades pelo
enfrentamento aos agravos provocados por doenças, ao perigo de inadimplência na aquisição de
habitação e ao cumprimento das exigências normativas para alcançar o direito de recebimento de
pensões por aposentadoria, o apelo vai para o Estado (Kovács, 2003), que por sua vez está cada vez
mais se retirando desse papel de prestação de assistência social.
O conceito de precarização segue paralelo ao de flexibilização que, por sua vez, altera a
regulamentação do mercado de trabalho e a garantia de direitos dos trabalhadores, levando
à eliminação das condições de trabalho favoráveis ao trabalhador, deixando-o mais suscetível a
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Precarização do trabalho e o processo de derrocada do trabalhador
práticas degradantes (Lima, 2006). Para Vives et al. (2010), as condições de trabalho, tais como
as existentes em empregos precários, são os maiores determinantes sociais de desigualdades em
quadros de saúde. Precarização do trabalho é um construto integrado a um quadro de relações de
poder, as quais são peças-chave na determinação de condições de trabalho e de bem-estar e saúde
do trabalhador.
Nesse horizonte, a projeção de cenários sobre o futuro do trabalho depende de um conjunto
de condições macroeconômicas, sociais e culturais (Marques, 2013), de modo que a maior difusão
de estudos acerca das práticas de precarização de vínculos empregatícios possibilite a criação de
movimentos de resistência que demandem a abertura de agendas políticas e sociais voltadas a
enfrentar, sem esquivas e de maneira responsável, o problema que se avoluma. Kóvacs (2003)
acena com otimismo ao preconizar que os avanços modernos em tecnologia de informação e gestão
humana podem promover a melhoria simultânea da produtividade, do emprego e da qualidade de
vida, desde que prevaleça uma perspectiva antropocêntrica.
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