Relatorio Desenvolvimento Juvenil2
Relatorio Desenvolvimento Juvenil2
Relatorio Desenvolvimento Juvenil2
RELATÓRIO
DESENV OL
DESENVOL VIMENT
OLVIMENT
VIMENTO O
JUVENIL – 2003
UNESCO, 2004
Waiselfisz, Julio Jacobo
Relatório de desenvolvimento juvenil 2003 / Julio Jacobo Waiselfisz.
– Brasília : UNESCO, 2004.
200p.
ISBN: 85-87853-92-9
1. Jovens – Desenvolvimento Socioeconômico 3. Jovens –
Desenvolvimento Educacional 4. Jovens – Saúde 5. Jovens –
Desenvolvimento Cultural 6. Situação Socioeconômica – Juventude
I.UNESCO II. Título
CDD 305.235
APRESENTAÇÃO................................................................................................... 07
ABSTRACT.................................................................................................................. 11
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 13
1. CONSIDERAÇÕES SOBRE JUVENTUDE E
DESIGUALDADES............................................................................................ 15
2. NOTAS TÉCNICAS E METODOLÓGICAS...........................................29
3. EDUCAÇÃO........................................................................................................... 37
3.1. A situação do analfabetismo entre os jovens.......................................... 37
3.2. Escolarização: freqüência à escola..............................................................57
3.3. Anos de estudo................................................................................................73
3.4. Qualidade do ensino...................................................................................... 82
4. RENDA E ATIVIDADES.................................................................................. 87
4.1. Renda................................................................................................................. 87
4.2. Atividades..........................................................................................................97
4.2.1. Situação rural/urbana........................................................................ 114
4.2.2. Diferenças por gênero.......................................................................123
4.2.3. Variações por cor................................................................................136
4.3. Educação, trabalho e renda....................................................................... 144
5. SAÚDE.................................................................................................................... 149
5.1. Mortalidade por causas violentas............................................................. 152
5.2. Mortalidade por causas internas............................................................... 159
5.3. Maternidade 11 a 19 anos.......................................................................... 167
6. ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO JUVENIL................................173
6.1. O IDJ...............................................................................................................173
6.2. Comparação entre IDJ e IDH.................................................................179
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 181
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 185
LISTA DE TABELAS............................................................................................. 193
LISTA DE GRÁFICOS.......................................................................................... 195
LISTA DE SIGLAS..................................................................................................197
NOTAS SOBRE OS AUTORES.........................................................................199
APRESENTAÇÃO
7
O Relatório tem o mérito de aliar amplitude e síntese, oferecen-
do, a um só tempo, o mapeamento da situação dos jovens nas áreas de
educação, renda e saúde, e um índice sintético elaborado a partir des-
sas dimensões – o Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ).
A criação do IDJ é sem dúvida uma contribuição ímpar para a
focalização do planejamento e da execução de políticas sociais para a
juventude. Seu maior mérito, no entanto, está no fato de que sua ado-
ção e réplica nos próximos anos poderão possibilitar o acompanha-
mento sistemático e evolutivo da situação dos nossos jovens,
explicitando os avanços, os aspectos mais críticos e os locais onde
esse segmento se encontra mais exposto a situações de vulnerabilida-
de e exclusão social, subsidiando a avaliação de políticas sociais e a
tomada de decisões.
O Relatório é enfático ao chamar a atenção para a continuidade e
reprodução, sobre os nossos jovens, de velhos padrões de desigualda-
de já amplamente discutidos no Brasil. A concentração de renda per-
siste e é claramente influenciada pela cor, pelo sexo e por fatores regi-
onais. Estreitamente ligada a esses aspectos, está a desigualdade na
distribuição de renda indireta (acesso a serviços essenciais, como edu-
cação e saúde).
No diferenciado acesso à educação (em termos quantitativos e
qualitativos) é que fica mais claro o círculo perverso da desigualdade:
ainda é grande a parcela de jovens de baixa renda que, por começarem a
trabalhar mais cedo, deixam a escola entre os 15 e 17 anos (ou antes),
muitas vezes sem chegar ao ensino médio. Segmentos com menores ní-
veis de escolarização, por sua vez, têm menos chances de ingressar no
estreito mercado de trabalho. A "seleção" para o mercado de trabalho
pareceria simplesmente "meritocrática", se não estivéssemos falando de
jovens – um segmento ainda em formação –, e se a continuidade da vida
escolar e a qualidade do ensino não sofressem os impactos de uma es-
trutura de oportunidades desigualmente distribuída e discriminatória.
No que diz respeito à saúde, o Relatório não somente reitera a
preocupante exposição dos jovens às mortes por causas violentas. Ele
também indica a fragilidade ou ausência de políticas de saúde especí-
ficas para a juventude, tanto do sexo masculino quanto do feminino, o
que pode ser observado no número de mortes por causas internas.
8
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
Afora os custos para o Estado que poderiam ser evitados com profilaxia,
os atuais números da mortalidade juvenil explicitam, além de inesti-
máveis perdas humanas, uma imensa perda da potencial população
economicamente ativa do país.
Esses resultados, evidentemente, diferem nas regiões e unidades
federativas, mostrando-se mais positivos ou mais críticos em determi-
nadas áreas. Contudo, o Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003 mos-
tra-nos que os indicadores analisados são preocupantes no país como
um todo. Ou seja, a despeito de vastas discussões e planos relaciona-
dos ao tema, o Brasil ainda carece de uma política efetiva para a ju-
ventude.
A expectativa é a de que essa publicação contribua para o deline-
amento de ações concretas que se convertam em resultados e mudan-
ças das condições dos jovens, no sentido de tornar possível um Brasil
mais equilibrado e justo nas próximas gerações.
Jorge Werthein
Representante da UNESCO no Brasil
9
ABSTRACT
11
INTRODUÇÃO
1 PORCHMAN, Marcio e AMORIN, Ricardo (Orgs.). Atlas da Exclusão Social no Brasil. São
Paulo: Cortez, 2003.
13
bilidade da juventude ao crime (o que constitui um importante indi-
cador), mas não se propõe a ser um índice extenso de desenvolvi-
mento da juventude.
Baseada nesta observação e nas diversas pesquisas que vem de-
senvolvendo sobre a juventude no Brasil, a UNESCO realizou o pre-
sente estudo, focalizando a situação social e econômica das juventu-
des no Brasil e visando à constituição de um indicador sintético do
nível de desenvolvimento dos jovens em várias dimensões, ao qual
denominou Índice de Desenvolvimento da Juventude (IDJ). O estudo
utilizou as bases de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do-
micílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/
IBGE) de 2001, do Sistema de Informações sobre Mortalidade do
Ministério da Saúde (SIM/DATASUS) de 2000 e do Sistema de Ava-
liação da Educação Básica (SAEB) de 2001. A constituição do IDJ
utilizou os critérios que norteiam a escolha dos indicadores utilizados
no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do PNUD.
Nas páginas que seguem, o leitor encontrará, no primeiro capítulo,
algumas considerações acerca de juventude e desigualdades. No segun-
do, a exposição dos aspectos técnicos e metodológicos do estudo. No
terceiro, quarto e quinto capítulos, é feita uma análise da juventude no
Brasil, respectivamente, nas áreas de educação, renda e saúde – a partir
de dados fornecidos pela PNAD, pelo SIM e pelo SAEB, tendo as cinco
grandes regiões brasileiras e as unidades federativas como os referenciais
comparativos. No sexto capítulo, apresenta-se o Índice de Desenvolvi-
mento Juvenil por unidades federativas. Por fim, as considerações finais,
à luz do discutido nos capítulos anteriores.
Com isso, espera-se obter uma demonstração sintética dos locais,
aspectos e graus de inclusão/exclusão da juventude brasileira, contri-
buindo para melhor focalização do planejamento e da execução de
políticas sociais para os jovens do Brasil.
14
I. CONSIDERAÇÕES SOBRE
JUVENTUDE E DESIGUALDADES
2
BRAUNGART, Richard G.; BRAUNGART, Margaret M. Cultura da juventude. In:
OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do Século
XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 167-168.
15
de desenvolvimento de jovens que promovem conflitos com base em faixa etária
(...) nas histórias familiares específicas e nos traços de personalidade de jovens
ativistas políticos (...)3. Nas explicações sociológicas, enfatizam-se, den-
tre outras, a importância da socialização política (família, escola, mei-
os de comunicação...), a rápida transformação de uma sociedade e as
condições e estruturas de oportunidades que favorecem a formação
de movimentos da juventude.4
O percurso por essas perspectivas traz à baila um questionamen-
to que pode ser resumido com uma breve interrogação, inserida – de
forma implícita ou explícita – no debate sobre a temática da juventu-
de: é ela, a juventude, a mesma coisa que adolescência?
Os termos juventude e adolescência podem ser tratados como
sinônimos em dicionários de língua portuguesa5 ou, indistintamente,
em um ou outro estudo sobre a juventude brasileira, ao se analisar o
quadro demográfico da população jovem.6 Mas, em pesquisas desen-
volvidas pela UNESCO, há distinção entre juventude e adolescência no que se
refere aos aspectos social, cultural e emocional. O termo juventude tem um sentido
dinâmico e coletivo, e nos remete a um segmento populacional que faz parte de
uma determinada sociedade, ao passo que a adolescência nos conduz a um aspecto
mais relacionado ao plano individual e demarcado cronologicamente.7 Comu-
mente, estudos realizados pela UNESCO não hesitam em acatar o já
definido em documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e
da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS): a adolescência es-
taria atrelada a um processo biológico que inclui uma série de mudan-
ças de ordem fisiológica enquanto juventude estaria vinculada a uma
categoria essencialmente sociológica, (...) indicaria o processo de prepara-
3
BRAUNGART, Richard G.; BRAUNGART, Margaret M. Movimento da juventude. In:
OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do Século
XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 448.
4
Idem, p. 448.
5
Ver, por exemplo, o verbete juventude em: HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles.
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1697.
6
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Políticas de juventud en América
Latina. Evaluación y deseño. Disponível em: http://echo.ilo.org/public/spanish/region/
ampro/centefor/ temas/youth/doc. Acesso em: 16/06/2003.
7
WAISELFISZ, J. Jacobo. Juventude, violência e cidadania: os jovens de Brasília. Brasília:
UNESCO; Cortez, 1998, p. 153.
16
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
8
WAISELFISZ, J. Jacobo. Mapa da Violência III. Brasília: UNESCO; Instituto Ayrton Senna,
Ministério da Justiça/SEDH, 2002, p. 18.
9
MINAYO, Maria Cecília de Souza et alii. Fala galera: juventude, violência e cidadania. Rio de
Janeiro: Garamond, 1999, p. 12.
10
ABRAMOVAY, Ricardo et alii. Juventude e agricultura familiar: desafios dos novos padrões
sucessórios. Brasília: UNESCO, 1998, p. 37.
11
RODRÍGUEZ, Garcia et alii. El ambiente legislativo y de políticas relacionado com la salud
del adolescente en América Latina y el Caribe. Washington, OPAS/OMS/Fundación W.K.
Kellogg, jun. 1999. In: http://www.adolec.org/pdf/legislative/pdf.
12
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde do Adolescente e do Jovem.
Políticas de juventude: evolução histórica e definição. Brasília, DF, Cadernos Juventude,
Saúde e Desenvolvimento, v. 1, ago. 1999. Disponível em: http://www.bireme.br/bvs/
adlec. Acesso em 16/06/2003.
17
Esse aspecto remete aos movimentos de juventude, que toma-
ram evidência ainda no século XIX. De acordo com Parsons, as trans-
formações geradas pela modernização, a ascensão da classe média, a
urbanização e a ampliação da educação pública promoveram segrega-
ções baseadas na idade ou nas gerações, suscitando o aparecimento de
culturas da juventude. Culturas da juventude vir-se-iam formando ao
longo da história moderna, às vezes juntas, às vezes separadas dos
movimentos políticos de juventude.13 Mas a discussão sobre a existên-
cia ou não desse quase grupo – sua identidade, a construção social
dessa possível identidade e as contradições sociais que envolvem essa
construção – foi travada notadamente nos anos 60, ora através do
resgate das idéias do filósofo espanhol Ortega y Gasset14 ora por meio
da sociologia da juventude de Karl Mannheim.15 No Brasil, esse traba-
lho foi desenvolvido principalmente por Maria Alice Foracchi.16
Desde então, amplas revisões em torno dos conceitos de juven-
tude e de identidade na sociologia têm sido desenvolvidas. Diante da
globalização e da pós-modernidade, o atual momento é caracterizado
pela ênfase no pluralismo.17 Nesse contexto, as tentativas de identifi-
cação de uma cultura ou de uma identidade da juventude mudam seu
foco para a investigação de culturas e identidades juvenis.18
Diferentes na idade, vivendo, ou não, a mesma história, cultura
ou tradição, a verdade é que não há um único tipo de jovem. Há jo-
vens, no plural, que, independentemente da condição socioeconômi-
ca, lutam para – de alguma forma – não ser excluídos do processo de
integração social. Querem ser incluídos, reconhecidos, sejam eles das
13
PARSONS, T. Social Structure and personality. Nova York: Free Press, 1964. Apud
BRAUNGART, Richard G.; BRAUNGART, Margaret M. Cultura da juventude. In:
OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do Século
XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 167.
14
ORTEGA Y GASSET, José. Em torno de Galileu: esquema das crises. Petrópolis: Vozes, 1989.
15
MANNHEIM, Karl. O problema da juventude na sociedade moderna. In: BRITO, S. (org.).
Sociologia da juventude. Rio de Janeiro: Zahar, v. 1, 1968. MANNHEIM, Karl O problema
sociológico das gerações. In: FORACCHI, Maria Alice (org.). Mannheim. São Paulo: Ática,
1982. (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
16
FORACCHI, Maria Alice. A juventude na sociedade moderna. São Paulo: Pioneira, 1972.
17
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
18
CARRANO, Paulo César Rodrigues. Juventudes: as identidades são múltiplas. Movimento,
Revista da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro:
DP&A, n. 1, maio 2000.
18
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
19
WAISELFISZ, 1998, op. cit. pp. 158-159.
19
Pretende-se, neste trabalho, analisar as desigualdades entre os jo-
vens. Não qualquer tipo ou forma de desigualdade, mas aquelas que,
de acordo com as evidências e os dados disponíveis, originam condi-
ções e possibilidades diferenciadas de acesso aos benefícios que a so-
ciedade oferece.
Diferenças sociais sempre existiram na história da humanidade,
inclusive nas sociedades tidas como primitivas ou "igualitárias". As-
pectos biológicos como sexo, idade, força, tamanho etc. constituiriam,
originalmente, fatores de diferenciação individual, determinantes dos
diversos papéis, atividades ou tarefas que os indivíduos poderiam as-
sumir na organização da sociedade: quem comandaria o grupo, quem
cuidaria das crianças, quem sairia para caçar.
Mas as diferenças individuais só vieram a se transformar em desi-
gualdades sociais quando foram associadas a mecanismos e privilégios
no acesso aos recursos, serviços, benefícios ou honrarias que a socie-
dade oferece a seus membros. Noutras palavras, quando alguns papéis
ou posições possibilitaram a quem as exerce se apropriar de uma par-
cela maior de recursos ou benefícios sociais em relação aos demais
indivíduos.
A explicação dessas desigualdades foi um dos temas centrais na
emergência das ciências sociais contemporâneas. Alguns dos seus
fundadores, como Durkheim, Weber e Marx, ao formularem teorias
sobre o desenvolvimento das sociedades, debruçaram-se sobre os
diferentes agrupamentos sociais, os conflitos e suas manifestações
políticas, com visões que, de uma forma ou de outra, perduram até
os dias atuais.
Marx, ainda no século XIX, considera que os indivíduos se
diferenciam pela posição que ocupam no processo produtivo, divi-
dindo a sociedade entre proprietários dos meios de produção e tra-
balhadores, tendo estes últimos para vender apenas sua força de
trabalho. Isso origina a existência de duas classes fundamentais na
sociedade, com objetivos e interesses contraditórios. Assim, cada
período histórico da humanidade estaria definido pelos conflitos
entre duas classes fundamentais: senhores e servos, burgueses e
proletários... Os grupos restantes ou classes sociais intermediárias
teriam interesses conjunturais, apoiando ora uma ora outra classe
fundamental.
20
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
20
DURKHEIM, E. The Division of Labor in Society, New York: Free Press, 1973.
21
VÉRAS, Maura Pardini. Exclusão Social, um problema de 500 anos: notas preliminares. In
SAWAIA, Bader (Org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade
social. 2. ed. Petrópolis, Vozes, 2001.
22
Encontra-se nesse período a gênese da associação entre marginalidade (pobreza) e delinqüência
(criminalidade), que tem repercussões significativas nos estudos sobre violência e juventude
na década posterior.
21
Contrapondo-se a essa visão, no início dos anos 70, toma força
a tese de que a pobreza e o próprio êxodo rural têm suas raízes nas
contradições do modo de produção capitalista. As pessoas não estão
"à margem". Pelo contrário, integram a cadeia produtiva, constituin-
do um exército industrial de reserva para serem incorporados rapida-
mente como força de trabalho nos momentos de expansão do ciclo
econômico. Nessa perspectiva, é feita também a crítica ao modelo
de (sub)desenvolvimento da economia dependente da América Lati-
na, a cuja estrutura a pobreza e a marginalidade estão atreladas.
Nos anos 80, com o aumento da pobreza e da recessão e com a
transição democrática, a temática social amplia-se para englobar, além
das já abordadas, questões civis e políticas: (...) chama-se a atenção para a
questão da democracia, da segregação urbana (efeitos perversos da legislação ur-
banística), a importância do território para a cidadania, a falência das ditas
políticas sociais, os movimentos sociais, as lutas sociais.23 O conceito de mar-
ginalidade cede espaço para o de cidadania e para as necessidades de
sua reconstrução.
Nos anos 90, como alternativa teórica para nomear os "não-cida-
dãos" (aqueles que se encontram sem acesso à "cidadania", em suas
diversas dimensões – civil, política, econômica, cultural etc.), assume
destaque o conceito de exclusão social. Esse conceito emerge, pode-se
dizer, sob a demanda de identificar as novas assimetrias sociais gera-
das pelas transformações tecnológicas no mundo do trabalho e pela
globalização da economia.
O desemprego estrutural atinge o mundo globalmente e produz
uma série de novas contradições e situações. De um lado, reduzindo
em termos relativos e, em muitos casos, em termos absolutos, o ope-
rariado industrial e fabril. De outro, incrementando diversas formas de
precarização das relações laborais e dos mecanismos de proteção e
seguridade social. Aumenta o subemprego e o assalariamento do setor
de serviços e o trabalho feminino em condições diferenciais, mas são
excluídos os mais jovens e os mais velhos.24 Os postos de trabalho
23
VÉRAS in SAWAIA, 2001, op. cit., p. 31.
24
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre a centralidade e as metamorfoses do
mundo do trabalho. 5. ed. São Paulo: Unicamp, 1998, p. 42.
22
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
25
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1998.
26
ROBERTS, Bryan R. A dimensão social da cidadania. São Paulo, Revista Brasileira de
Ciências Sociais, n. 33, ano 12, fev. 1997, p. 14.
27
VIGNOLI, Jorge Rodríguez. Vulnerabilidad demográfica: una faceta de las desventajas sociales.
Santiago do Chile: Proyeto Regional de Población CELADE-FNUAP (Fondo de las
Naciones Unidas)/ Centro Latinoamericano y Cabeño de Demografía (CELADE) - División
de Población, sep 2000, p. 14.
23
Se as abordagens nesse campo são variadas, as propostas conceituais
de Moser, Kaztman e Filgueira28 aparentam ser as de maior abrangência.
Para esses autores, o termo vulnerabilidade está associado:
• à carência de ativos sociais e à capacidade dos sujeitos para mobilizá-
los. São chamados de ativos os recursos necessários para qualquer família
enfrentar os choques ou se adaptar às mudanças externas: trabalho,
capital humano (educação), moradia, relações domésticas, capital social
(normas e redes sociais que facilitam a ação coletiva);
• aos desajustes entre os ativos disponíveis e a estrutura de oportunidades.
Nesse caso, relaciona-se à capacidade dos atores sociais de melhorarem
sua situação (estratégias de integração social e mobilidade social vertical)
e controlar as forças que comprometem seu bem-estar ou seu futuro, através
de recursos das pessoas, recursos de direitos, recursos em relações sociais.
Nesse ínterim, as condições de vulnerabilidade remetem tanto à
disponibilidade de ativos quanto às possibilidades de acesso oferecidas
pelo Estado, pelo mercado e pela comunidade.
Abramovay e outros autores nos proporcionam uma excelente sínte-
se do escopo conceitual da vulnerabilidade, entendida como (...) o resulta-
do negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos
atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais,
econômicas, culturais que provêm do Estado, do mercado e da sociedade.29 Por esse
ângulo, os dados sobre educação, saúde e trabalho, podem ser entendidos
como insumos básicos para o desenvolvimento dos recursos materiais e
simbólicos, podem indicar a existência de debilidades (e os graus dessas
debilidades) no acesso dos jovens a esses bens e serviços, explicar sua
28
FILGUEIRA, C. Estructura de oportunidades y vulnerabilidad social: aproximaciones
conceptuales recientes. Documento presentado en el seminário internacional Las Diferentes
Expresiones de la Vulnerabilidad Social em América Latina y el Caribe. Santiago de Chile,
20 y 21 de junio, 2001. KAZTMAN, Rubén. Notas sobre la medición de la vulnerabilidad
social. 5º Taller Regional. La Medición de la Pobreza: métodos y aplicaciones (continuación).
Santiago de Chile, Banco Interamericano de Desarrollo (BID)/ Banco Mundial/ Comisión
Econômica para América Latina y el Caribe (CEPAL)/ Instituto Brasileiro de Defensa del
Consumidor (IDEC)/ Aguascalientes, 6 de junio, 2000. LC/R.2026. MOSER, C. The asset
vulnerability framework: reassessing urban poverty reductions strategies. Gran Bretaña. World
development, v. 26. n. 1, Elsevier Science, 1998.
29
ABRAMOVAY, Miriam et alii. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América
Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO, BID, 2002, p. 13.
24
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
30
FERREIRA, F. H. G. Os determinantes da desigualdade de renda no Brasil: luta de classes ou
heterogeneidade educacional? In: HENRIQUES, R. (org). Desigualdade e pobreza no
Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000.
25
3c. retribuição: quando há diferenças no retorno social com base
em alguma das características adquiridas – nível educacional, ori-
ginando maiores salários ou condições de usufruir outros benefí-
cios; experiência política, facilitando o acesso a determinados
benefícios etc.
4. Disponibilidade de benefícios sociais. É o que poderíamos denomi-
nar de mercado de benefícios ou de oportunidades, isto é, o volume
e a disponibilidade dos diversos benefícios aos quais o cidadão pode
ter acesso.
Ao longo do presente estudo, utilizaremos os diferentes concei-
tos até aqui arrolados – diferenças, desigualdades, marginalidade, ci-
dadania, exclusão, vulnerabilidade – tentando, de alguma forma, seu
enquadramento no marco conceitual de origem. Nem sempre isso será
possível, seja pela complexidade e diversidade de situações que a rea-
lidade nos apresenta, seja pela convergência ou sobreposições que tais
conceitos possuem.
Partindo desses conceitos para a formulação do nosso campo de
estudo, assim como não se desconhece que os variados processos de
exclusão e vulnerabilidade têm uma gênese basicamente econômica, não
se deve esperar que a inserção dos excluídos ou a minimização dos graus
de vulnerabilidade possam se dar apenas pela via econômica. Ocorre que
analisar o problema dos excluídos sob o viés econômico nada nos diz sobre a neces-
sidade – que não é econômica, mas ética e política – de sua inclusão.31
Mormente em nome dessa necessidade – menos econômica e mais
ética e política – cabe indagar: como acelerar o crescimento do país
sem produzir cada vez mais excluídos e novas fontes de vulnerabilida-
de social? Como garantir a inserção, mesmo que gradual, dos 34 mi-
lhões de jovens brasileiros no processo de produção de bens, não só
materiais, mas também simbólicos? Mais que isso, como lhes garantir
acesso às oportunidades econômicas, sociais e culturais?
Buscando respostas às perguntas formuladas, a discussão tem sido
ampliada e o desenvolvimento econômico passou a ser integrante de
31
OLIVEIRA, Luciano. Os "excluídos" existem? Notas sobre a elaboração de um novo conceito.
São Paulo, Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 33, ano 12, fev. 1997, p. 60.
26
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
32
KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo:
Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001, pp. 22-24.
27
Isso posto, as dimensões selecionadas para compor um Índice
de Desenvolvimento Juvenil partem de uma compreensão ampla do
desenvolvimento humano, como um conjunto de dimensões sociais
e econômicas, que nos permitam focalizar as situações de segrega-
ção, exclusão e vulnerabilidade a que nossos jovens se encontram
submetidos.
28
2. NOTAS TÉCNICAS E
METODOLÓGICAS
1
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD).
Relatório de Desenvolvimento Humano 2002. Disponível em: http://www.undp.org.br/
HDR/HDR2002/Left.htm. Acesso em: 02/05/2003.
2
NAJBERG, Sheila; OLIVEIRA, André de Souza de. Políticas públicas: o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) e variantes. Informe-se, nº 19, out/2000, p. 2.
Disponível em: www.federativo.bndes.gov.br/bf_bancos/estudos/e0001405.pdf.
29
Os indicadores utilizados na composição do IDH têm o mesmo
peso na avaliação. Para que possam ser combinados em um índice úni-
co, eles primeiramente são transformados em índices parciais. A combi-
nação desses índices, ponderados igualmente, gera o indicador síntese.
A composição do IDJ seguiu um modelo semelhante ao do IDH.
Mas, por outro lado, o modelo foi adaptado para expressar questões
específicas dos jovens, bem como a configuração de tais questões na
realidade brasileira.
Nesse sentido, foram eleitas dimensões que contemplassem as
peculiaridades das juventudes e que mensurassem, de maneira con-
junta, os graus de exclusão/integração social desse segmento.
As dimensões consideradas no cálculo do IDJ e seus respectivos
indicadores foram a seguintes:
a) Educação, integrada por três indicadores:
• Analfabetismo. A alfabetização tem sido vastamente reconhecida
como fator determinante na situação econômica e social das pes-
soas. Não poderia deixar de constituir, portanto, um dos indicado-
res básicos do IDJ. Embora fosse relevante a abordagem de várias
esferas da alfabetização (funcional, em prosa, documental,
quantitativa),3 foi utilizado no estudo o conceito operacionalizado
na PNAD, em que são definidas como alfabetizadas as pessoas capa-
zes de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhecem.4
Operacionalmente foi definida como a relação entre o número de
analfabetos na faixa de 15 a 24 anos registrados pela PNAD 2001
e a população de 15 a 24 anos de uma UF determinada.
• Escolarização adequada. Esse indicador corresponde à taxa de
escolarização combinada utilizada no IDH, que se baseia no so-
30
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
5
PNUD/ RDH 2002, op. cit., p. 146.
6
INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS (IPEA); FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO (FJP); PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVI-
MENTO (PNUD). Novo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil: entenda o cálculo do
IDH Municipal (IDH-M) e saiba quais os indicadores usados. Disponível em: http://
www.undp.org.br/IDHM-BR%20Atlas%20Webpage/Textos_IDH/Novo_Atlas-
Press_release_1.doc. Acesso em: 23/07/2003.
31
escala única para todas as séries, escala que vai de 150 a 500 pon-
tos. Para a construção do IDJ, foram selecionadas as séries dispo-
níveis que correspondiam à faixa etária em foco: 8ª do ensino
fundamental e 3ª série do ensino médio. Assim, esse indicador foi
operacionalmente definido como a média estandardizada7 das
escalas de proficiência da 8ª série do Ensino Fundamental e da 3ª
série do Ensino médio, nas áreas de Língua Portuguesa e Mate-
mática aferidas pelo SAEB 2001.
b) Saúde, integrada por 2 indicadores:
• Mortalidade por causas internas. Refere-se às mortes de jovens
por problemas que erodem sua saúde física. Em mais de 80%
dos casos desse tipo de mortalidade entre os jovens, segundo
análise do próprio Ministério da Saúde disponibilizada pelo
DATASUS, as causas seriam perfeitamente “evitáveis”.8 Ou seja:
as mortes ocorrem apesar da existência de cobertura de saúde e
de possibilidades de profilaxia, o que estaria evidenciando, quan-
do a mortalidade é elevada, a fragilidade do serviço público e a
ausência de políticas de acesso dos jovens à saúde. Este indicador
guarda estreita relação não somente com a pobreza mas, sobre-
tudo, com a possibilidade de acesso a serviços sociais. 9
Operacionalmente, esse indicador foi trabalhado relacionando o
número de óbitos por causas internas em 100.000 jovens de 15 a
24 anos, registrados nas bases de dados do Sistema de Informa-
ções de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
• Mortalidade por causas violentas. A seleção desse indicador reme-
te a uma especificidade recente da juventude: a vulnerabilidade
dos jovens à violência nos países da América Latina. O indicador
foi construído somando o número de óbitos por homicídios,
por suicídios e por acidentes de transporte10 registrados em 2000
no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério
da Saúde, por cada 100.000 jovens.
7
Ver procedimentos de estandardização mais à frente, neste mesmo capítulo.
8
SIM/DATASUS. Mortalidade: notas técnicas, 2003. Disponível em: http://
www.datasus.gov.br/cgi/sim/obtevit.htm. Acesso em: 02/06/2003.
9
SEN, Amartya. A economia da vida e da morte. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo,
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), n. 23,
ano 8, out.1993.
10
Corresponde às categorias agressões intencionais, lesões auto-infringidas e acidentes de
transporte da Classificação Internacional de Doenças – CID-10 – utilizada pelo SIM.
32
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
c) Renda
• Renda familiar per capita. Correlato do PIB per capita utilizado pelo
IDH, corresponde ao total de rendimentos mensais obtidos pelo
grupo familiar dos jovens de 15 a 24 anos, segundo declarado no
levantamento da PNAD 2001, relacionado com o número de
membros integrantes do grupo. Para possibilitar a compara-
bilidade atual e futura, os rendimentos mensais foram reduzidos
a salários-mínimos, cujo valor, na época do levantamento da
PNAD 2001, era de R$ 180,00.
33
No IDH, a média dos índices parciais tem como resultado o índi-
ce final, que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior o
nível de desenvolvimento humano do país ou região. O mesmo proce-
dimento foi utilizado para se avaliar o IDJ nas UFs.
Na Região Norte, algumas adaptações foram necessárias, em vir-
tude da abrangência geográfica da PNAD. Nessa Região, exceto no esta-
do de Tocantins, a zona rural não está contemplada. Considerando que,
em geral, como mostram os dados, em todas as unidades federativas a
área rural apresenta resultados menos favoráveis nos vários indicado-
res, ocorre na Região Norte e em suas unidades federativas uma eleva-
ção artificial dos resultados, pela presença exclusiva da área urbana.
Desse modo, nas análises dos capítulos prévios ao IDJ foram uti-
lizados os dados da PNAD, tal como disponibilizados pelo IBGE, sem
dados da zona rural na Região Norte (exceto Tocantins). Mas para o
cálculo do IDJ foi realizado um ajuste que consistiu em estimar os
valores da zona rural nos estados não cobertos pela PNAD nessa área,
quais sejam: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima.
Esse ajuste tomou como base a estrutura de dados do censo 2000
e o comportamento diferenciado das áreas rurais do resto do país,
notadamente o Nordeste, segundo os dados da mesma PNAD de 2001.
Em outros termos, para a obtenção das taxas da zona urbana foi utili-
zado apenas um estimador: a PNAD de 2001. Para a obtenção das
taxas da zona rural dos 6 estados da Região Norte, foram utilizados
dois estimadores: os dados da PNAD de 2001 e, após a apresentação
desses, o censo 2000, de acordo com a seguinte fórmula:
Onde:
34
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
11
Waiselfisz, 1998, op. cit., p. 153.
12
COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL).
Panorama Social de América latina 2000. Santiago de Chile: CEPAL, 2000. Apud
ABRAMOVAY, Miriam et alii. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina:
desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO, BID, 2002, p. 45.
35
seus papéis de jovem, mas não está conseguindo se inserir social-
mente para desempenhar seus papéis de adulto.
36
3. EDUCAÇÃO
ALFABETISMOS OU ANALFABETISMOS1
O termo alfabetização está sendo substituído, gradativamente, pela no-
ção de alfabetismo, não só para melhor traduzir o conceito em inglês de
literacy, como para dar idéia mais ampla da ação de alfabetizar, a qual
implica avanços na compreensão e no domínio de códigos, seu manejo na
sociedade e na prática social de ler e escrever.
A introdução de novas tecnologias está desmistificando a escrita como
código único e conduzindo às noções de “alfabetismos” ou “analfabetis-
mos” – no plural – para designar a referência a múltiplos códigos e à
multiplicidade de significações que pode adquirir o “alfabetismo” em dife-
rentes culturas e com variados níveis de exigência. Na verdade, somos to-
dos analfabetos, de um modo ou de outro, perante diferentes tipos de infor-
mação e comunicação.
1
WERTHEIN, Jorge. Alfabetismos ou analfabetismos. Construção e identidade: as idéias da
UNESCO no Brasil. Brasília: UNESCO, 2002, pp. 39-40.
37
A Conferência Mundial de Educação para Todos, de 1990, teve influência
marcante na definição de “alfabetismo” ao ampliar sua abrangência de forma a
incluir as necessidades básicas de aprendizagem, tanto no domínio da escrita, leitu-
ra e aritmética quanto em relação às habilidades para resolver problemas. Tal
conceito tem a vantagem de contemplar as competências adquiridas em sistemas não
formais e nas experiências pessoais, em contextos cotidianos de aprendizagem.
Esse novo enfoque fortalece a visão ética de jovens e adultos, valoriza as apren-
dizagens ativas, revaloriza o aporte cultural de cada pessoa e comunidade e incen-
tiva a solidariedade e a cooperação na luta pela erradicação do analfabetismo.
Jorge Werthein
Representante da UNESCO no Brasil.
O foco cada vez mais intenso colocado sobre as práticas de alfabetização, o uso
da alfabetização e os contextos onde ela é transmitida levou ao reconhecimento de
que a alfabetização serve a propósitos múltiplos e é adquirida de diversas manei-
ras. A alfabetização, portanto, passou a ser encarada não como um conceito único,
mas sim plural: as alfabetizações. Tanto nas práticas individuais de alfabetização
2
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A
CULTURA. Alfabetização. A perspectiva da UNESCO. In: UNESCO. Alfabetização como
liberdade. Brasília: UNESCO, MEC, 2003, p. 33.
3
UNESCO. Alfabetização. A perspectiva da UNESCO. In: UNESCO, 2003, op. cit., pp. 35-37.
38
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
UNESCO/2003
4
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. PESQUISA
NACIONAL DE AMOSTRA POR DOMICÍLIOS – PNAD – 2001. Microdados CD-ROM.
Rio de Janeiro, 2001.
39
pulação brasileira, encontra-se que a taxa de analfabetismo caiu e o acesso
à escola e à escolaridade da população melhoraram.5
No entanto, mesmo considerando que o número de pessoas que
aprenderam a ler e a escrever aumentou, em várias faixas etárias, nos-
sa taxa de analfabetismo é ainda muito elevada. A UNESCO conside-
ra que a situação é preocupante. Apesar dos empreendimentos que
foram feitos na década transcorrida entre as Conferências de Jomtien e
a de Dacar, (...) os esforços de alfabetização não foram suficientes em face do
crescimento demográfico e de outros fatores (...). O fato é que o analfabetismo
está comprometendo o futuro do Brasil, contribuindo para aumentar o nú-
mero de excluídos. Não se pode fechar os olhos para essas evidências
e o (...) Brasil precisa engajar-se plenamente na Década da Alfabetização das
Nações Unidas, que começa este ano e se estende até 2012.6
5
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Síntese de Indicadores
Sociais 2003, p. 13. Disponível em: htpp://www1.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/
12062003indic2002.shtm. Acesso em: 14/06/2003.
6
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A
CULTURA. Alfabetização como liberdade. Brasília: UNESCO, MEC, 2003, p. 7.
7
MATSUURA, Koichiro. Discurso do Sr. Koichiro Matsuura, por ocasião do lançamento da
Década das Nações Unidas para a Alfabetização, em Nova Iorque, 13 de fevereiro de 2003.
In: UNESCO, 2003, op. cit., pp. 11-13.
40
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
Koichiro Matsuura
Diretor-Geral da UNESCO
8
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira. Mapa do analfabetismo no Brasil. Brasília: MEC/INEP, [2003], p. 6.
41
Em todas as regiões, esses percentuais são menores na faixa etária
de 15 a 17 anos. No Brasil em geral, e nas regiões Norte, Nordeste,
Sudeste, Sul e Centro-Oeste, os índices são, respectivamente, de 3,0%,
3,4%, 6,3%, 1,1%, 1,3% e 1,5%. Isso denota uma crescente escolari-
zação dos mais jovens, possibilitada, dentre outras coisas, pela garan-
tia constitucional de ensino fundamental gratuito para todos e dos es-
forços realizados especialmente na última década.
Na faixa entre 18 e 19 anos, o índice permanece inalterado apenas
para o Sudeste (1,1%) e o Norte (3,4%). Apresenta um discreto decrés-
cimo no Sul (1,1%) e no Centro-Oeste (1,3%). No Brasil, em geral, e no
Nordeste, os índices aumentam, respectivamente, para 3,6% e 8,7%.
Mas é na faixa dos 20 aos 24 anos que os índices começam a se
mostrar preocupantes. Em relação às faixas anteriormente analisadas,
no Brasil, o índice se eleva para 5,3%. Aumenta também em todas as
regiões: Norte (4,7%), Nordeste (12,5%), Sudeste (2,1%), Sul (1,6%)
e Centro-Oeste (2,9%).
Esse crescimento do analfabetismo entre os jovens a partir dos
18 anos está intimamente relacionado com déficits históricos de es-
colarização e também com a necessidade de ingresso no mercado de
trabalho, seja ele formal ou informal. Conforme atesta a Síntese dos
Indicadores Sociais 2003, do IBGE, entre 1992 e 2001, embora o
percentual de jovens de 18 e 19 anos que só trabalhava tenha caído de 40,8%
para 27,7%, o percentual de estudantes nessa faixa etária era de apenas 50%.
Em 2001, quase a metade (47,7%) dos jovens de 20 a 24 anos tinha como
atividade exclusiva o trabalho. O mesmo se dava na faixa mais ampla, dos
15 aos 24 anos, na qual 70% dos jovens tinham uma jornada de trabalho de
40 horas ou mais por semana.9
A breve análise até aqui efetivada pode ser visualizada no Gráfi-
co que segue:
9
IBGE, 2003, op. cit., p. 9.
42
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
10
ABRAMOVAY et alii, 2002, op. cit., p. 45.
43
Tabela 3.1: Jovens não alfabetizados segundo faixa etária por
regiões e UFs (%)
44
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
45
Tabela 3.3: Analfabetismo entre jovens de 15 a 24 anos
segundo sexo por regiões e UFs (%)
46
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
11
IBGE, 2003, op. cit., p. 3.
12
ABRAMOVAY et alii, 2002, op. cit., p. 51.
47
...continuação
(...) trabalhos empíricos nos anos recentes mostraram claramente como o respeito
relativo e a atenção ao bem-estar das mulheres são fortemente influenciados por
variáveis como a habilidade da mulher em receber um salário independente, encon-
trar emprego fora de casa, ter direitos de propriedade, ser alfabetizada e educada
como participante nas decisões dentro e fora da família (...)
Estes fatores diferenciais (como, por exemplo, alfabetização e educação femini-
na, poder de compra das mulheres, o papel econômico que desempenham fora da
família, seus direitos de propriedade, e assim por diante) podem, em uma primeira
instância, parecer influências relativamente diversas e díspares que, de alguma
continua...
13
SEN, Amartya. Algumas idéias sobre o Dia Internacional da Alfabetização. In: UNESCO,
2003, op. cit. pp. 23-24.
48
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
...continuação
forma, atuam juntas, mas o que elas todas têm em comum é a contribuição positiva
para a vocalização e atuação das mulheres, por meio de uma maior independência
e fortalecimento deste grupo.
Também há evidências de que a educação das mulheres e a alfabetização ten-
dem a reduzir as taxas de mortalidade das crianças. A influência é sentida por
meio de vários canais, mas talvez o mais imediato seja a importância que as mães
tipicamente dão ao bem-estar de seus filhos, e a oportunidade que elas têm, quando
seu papel é respeitado e fortalecido, de influenciar decisões familiares nesta direção.
Estas conexões entre educação fundamental da mulher e o poder de atuação delas
são centrais ao entendimento da contribuição da educação escolar para a segurança
humana em geral.
Amartya Sen
Economista e criador do IDH
continua...
49
...continuação
50
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
51
Tabela 3.6: Analfabetismo segundo faixa etária e cor
por regiões e UFs (%)
52
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
53
Gráfico 3.4: Analfabetismo entre jovens de 15 a 24 anos
segundo situação rural/urbana por regiões (%)
continua...
54
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
...continuação
55
Tabela 3.8: Analfabetismo segundo faixa etária e situação
rural/urbana por regiões e UFs (%)
56
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
15
IBGE, 2003, op. cit., p. 13.
57
...continuação
58
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
16
PNAD/IBGE, 2001, op. cit.
59
...continuação
17
ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia. Ensino médio: múltiplas vozes. Brasília:
UNESCO, MEC, 2003, p. 26.
60
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
Miriam Abramovay
Professora da Universidade Católica de Brasília
Mary Castro
Pesquisadora da UNESCO no Brasil
18
Idem, pp. 25-26.
61
respondente, seja no formato regular ou supletivo, ou estivessem em
níveis mais adiantados. Mas essa não é a realidade.
Existe uma diferença entre a escolarização bruta (que inclui to-
dos os níveis de ensino – fundamental, médio e superior) e a escolari-
zação adequada (que abrange a formação obtida do ensino médio em
diante) entre os jovens de 15 a 24 anos. Uma comparação entre os dois
tipos de escolarização, a partir da Tabela a seguir, permite observar a
defasagem escolar entre os nossos jovens. Assim sendo, neste estudo,
os dados utilizados para cálculo do IDJ consideraram, para melhor
refletir a realidade do jovem, o que aqui estamos chamando de escola-
rização adequada.
continua...
62
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
...continuação
63
dos do Norte e Nordeste, com exceção de Rondônia e Acre, a tendên-
cia é haver um crescimento entre os 18 e 19 anos, embora na faixa dos
20 aos 24 anos os percentuais voltem a diminuir numa margem aproxi-
mada ou superior à das três regiões citadas. Essa diminuição se verifi-
ca sobretudo no Nordeste, mormente nos Estados de Alagoas (14,1%),
Paraíba (16,6%) e Pernambuco (16,9%).
64
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
65
a porcentagem de mulheres que freqüenta o ensino médio em diante é
ligeiramente maior do que a dos homens, em todas as regiões. Entre as
mulheres, os níveis de escolarização adequada são menores nas regi-
ões Nordeste (24,8%) e Norte (28,9%). Entre os homens, esses índi-
ces são, respectivamente, 18,4% e 24,2%.
66
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
67
Desigualdades significativas também são observadas quando o
foco de análise é a escolarização adequada por cor, entre brancos, de
um lado (36,6%), e pretos/pardos (21,3%), de outro. A freqüência ao
ensino médio em diante é maior entre os brancos do que entre os pre-
tos/pardos, sobretudo nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
68
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
69
...continuação
70
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
20
ABRAMOVAY et alii, 2002, op. cit., p. 49.
71
Gráfico 3.12: Escolarização adequada dos jovens segundo faixa
etária e situação rural/urbana por regiões (%)
continua...
72
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
...continuação
21
PNAD, 2001, op. cit., p. 21.
73
Isso posto, a partir das análises até agora efetivadas, já era de se
esperar que as médias de anos de estudo fossem maiores no Sul, Su-
deste e Centro-Oeste, regiões com menores índices de analfabetismo
– comparativamente às regiões Norte e Nordeste do país.
74
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
75
Gráfico 3.14: Anos de estudo dos jovens segundo faixa etária
por regiões (médias)
76
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
Tabela 3.18: Anos de estudo dos jovens segundo faixa etária e sexo
por regiões e UFs (médias)
77
No que diz respeito ao maior contingente populacional de jovens
que, na faixa dos 15 aos 24 anos, é representado por 50,4% de brancos
e 49,1% de pretos e pardos, as desigualdades permanecem: são os pri-
meiros que obtêm a maior média de anos de estudo em todas as regiões,
notadamente no Sudeste (8,9), Sul (8,4) e Centro-Oeste (8,4). Os pre-
tos e pardos são detentores da menor média, sobretudo no Norte (6,7) e
no Nordeste (5,6). Na estratificação por faixa etária, a situação anterior-
mente descrita não sofre mudanças substanciais e pode ser visualizada,
por regiões e unidades federativas, na Tabela que segue.
Tabela 3.19: Anos de estudo dos jovens segundo faixa etária e cor
por regiões e UFs (médias)
continua...
78
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
...continuação
79
As comparações anteriormente feitas para os jovens compreen-
didos na faixa dos 15 aos 24 anos também se adequam para a análise
por faixas etárias, no que diz respeito às desigualdades entre as regi-
ões, por situação rural/urbana.
80
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
81
Gráfico 3.17: RFPC segundo média de anos de estudo dos jovens
de 15 a 24 anos por regiões (em SM)
22
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura – MEC. SAEB 2001. Relatório Nacional –
Versão Preliminar. Brasília: INEP/MEC, 2002.
82
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
23
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A
CULTURA/OECD. Literacy Skills for the World of Tomorrow – Further Results From PISA
2000. UNESCO – Institute for Statistics/Organisation For Economic Co-operation and
Development, 2003.
24
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Qualidade da Educação:
uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 4ª série do Ensino Fundamental.
Brasília, 2003.
83
tem contar com indicadores fidedignos sobre a qualidade do ensino
ministrado. Ao incluir esse aspecto, o IDH ver-se-ia limitado a um
reduzido número de países.
Mas o Brasil conta com o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (SAEB) que, desde 1990, de forma sistemática,
vem avaliando a evolução da educação básica no país. Dentre os
aspectos avaliados pelo Sistema, destaca-se a aferição da competên-
cia demonstrada pelos alunos, via provas independentes, em diver-
sas áreas curriculares, notadamente língua portuguesa e matemática.
Na sexta rodada do SAEB, acontecida em 2001, responderam as pro-
vas alunos da 4a e da 8a séries do Ensino Fundamental e da 3a série
do Ensino Médio. Para nosso tema, focalizado na juventude, consi-
deramos os resultados da 3a série do Ensino Médio e da 8a série do
Fundamental. Justifica-se a inclusão dos resultados das provas da 8a
série no cômputo do índice por dois motivos básicos. Em primeiro
lugar, apesar da idade ideal de finalização da 8a série ser 14 anos de
idade, 65% dos alunos dessa série, segundo a PNAD 2001, tem 15
anos ou mais. Em segundo lugar, a situação de “entrada” na faixa
etária considerada ao longo do trabalho (15 a 24 anos) também re-
sulta relevante e digna de consideração.
Os resultados das provas do SAEB são divulgados numa escala
de proficiência única por disciplina, que vai de 150 a 500 pontos. As-
sim, os resultados da 8a série do Ensino Fundamental e da 3a série do
Médio se encontram na mesma escala.
continua...
84
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
...continuação
Fonte: SAEB/INEP/MEC.
85
Vemos novamente aqui que as regiões Norte e Nordeste apresen-
tam resultados marcadamente inferiores aos das restantes regiões, den-
tre as quais se destaca o Sul, que em todos os casos apresenta as médi-
as mais elevadas.
Essas diferenças adquirem destaque preocupante quando se ana-
lisam os resultados por unidade federada. Os jovens da 3a série do ensino
médio de estados como Tocantins, Roraima ou Amazonas, com uma
proficiência em torno dos 240 pontos, apresentam menor domínio da
língua que jovens da 8a série de Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Rio
de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul ou Minas Gerais, to-
dos com médias superiores a 242 pontos na escala. Algo semelhante
acontece quando se verificam as competências na área de matemática.
Os jovens da 3a série dos mesmos estados apresentam habilidades in-
feriores aos da 8a série de estados como Santa Catarina, Rio Grande do
Sul e Distrito Federal. Praticamente é um ciclo completo de estudos
que separa os jovens de ambos os grupos de estados.
86
4. RENDA E ATIVIDADES
4.1 RENDA
1
INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS (IPEA); FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO (FPJ); INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
(IBGE); PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDADAS PARA O DESENVOLVIMENTO
(UNPD). Definição do cálculo dos indicadores e índices de desenvolvimento humano e condições de vida.
Disponível em: http://www.unpd.org.br/HDR/HDR2000/Metodologias – IDH-M e
ICV.pdf. Acesso em: 09/05/2003.
2
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD).
Relatório de Desenvolvimento Humano 2003. Disponível em: http://www.undp.gov.br.
87
cujo coeficiente Gini3 já ultrapassou a barreira do 0,60, façanha que só
mais seis paises do mundo atingiram, mormente africanos (como
Namíbia, Botswana, Zuazilândia, República Centro-Africana e Serra
Leoa) e um outro latino-americano (Nicarágua).
Essa desmedida concentração da renda origina também um
volumoso contingente de excluídos, cuja proporção permanece mais
ou menos constante desde 1995: perto de 15% de indigentes e 34%
de pobres.4
Se dividirmos as famílias brasileiras em 10 grandes grupos de
acordo com sua renda, podemos verificar que o grupo de 10% das
famílias de maior renda concentram 43,9% do total da renda nacio-
nal. Já a metade das famílias, as de menor renda, só percebem 13,8%
da mesma.
Continuando com a técnica de comparar o primeiro grupo (10%
de maior renda) com os 50% de menor renda, teríamos que, no
primeiro grupo, cada membro da família percebe o equivalente a
6,4 salários mínimos. Já nos 50% de menor renda, cada membro
percebe 0,4 salário mínimo. Noutras palavras, os membros do pri-
meiro grupo ostentam 15,7 vezes mais renda que os da metade
inferior das famílias brasileiras.
Com algumas diferenças regionais e estaduais, tais despropor-
ções de renda parecem ser igualmente elevadas em todos os casos,
como pode ser observado na tabela a seguir:
3
Coeficiente que mede o grau de concentração, neste caso, da renda, onde o valor 0,0 indica
a ausência absoluta de concentração (todos os indivíduos têm a mesma renda) até o índice
1,0 no qual uma só unidade concentra toda a renda.
4
PAES DE BARROS, Ricardo; HENRIQUES, Ricardo; MENDONÇA, Rosane.
Desigualdade e Pobreza no Brasil: retratos da realidade contemporânea e estratégias de
mensuração. In: HENRIQUES, Ricardo (org). Desigualdade e Pobreza no Brasil. Rio de
Janeiro: IPEA, 2000, p. 24.
88
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
89
Se os níveis de concentração de renda do Nordeste se encontram
acima da média nacional, Sul, Sudeste e Centro-oeste apresentam ní-
veis abaixo da média. A menor concentração de renda encontra-se em
Santa Catarina e a maior em Tocantins.
E tais diferenças de renda originam formas bem diferenciadas de
acesso a benefícios sociais, como educação, por exemplo. Apesar da
garantia constitucional de educação fundamental obrigatória e gratui-
ta para toda a população, os 50% de jovens de renda familiar inferior
só conseguem completar 5,9 anos de estudo (quando o ensino funda-
mental tem 8 anos). Já os 10% de maior renda ostentam uma média de
10,8 anos de estudo.
Comparada às médias nacionais de outros estratos da população,
a pobreza entre os jovens parece ser maior do que a da população em
geral.5 Observando a renda média dos jovens brasileiros e as desigual-
dades entre regiões e unidades federativas, vê-se que o Brasil, apesar
de relativos avanços em indicadores sociais como educação, ainda não
representa exceção nesse cenário.
A renda familiar per capita (RFPC) dos jovens nas regiões for-
ma dois patamares, reproduzindo os contrastes daquilo que muitos
já chamaram de “dois brasis”: de um lado, as regiões Sudeste, Sul e
Centro-Oeste; de outro, as regiões Norte6 e Nordeste, como mostra
o gráfico:
5
ABRAMOVAY et alli, 2002, op. cit., p. 36.
6
Dado que na PNAD a área rural da região Norte não está representada (exceto em Tocantins),
é provável que a média real dessa região seja mais baixa.
90
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
Gráfico 4.1: RFPC dos jovens de 15 a 24 anos por regiões (em SM)
91
Tabela 4.2: Ordenamento das UFs segundo a RFPC
dos jovens de 15 a 24 anos (em SM)
92
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
93
Tabela 4.3: Ordenamento das UFs segundo diferenças na RFPC
(em SM) dos jovens de 15 a 24 anos por cor
94
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
95
Tabela 4.4: Jovens de 15 a 24 anos que têm renda própria
segundo sexo por regiões e UFs (%)
96
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
4.2 ATIVIDADES
97
formação dos jovens de “dependentes” em “adultos” autônomos e
produtivos. As atividades dos jovens, desse modo, remetem à prepara-
ção e ao aprendizado para o cumprimento dos papéis de “adulto” na
sociedade.
Como mencionado nas Notas Técnicas, serão considerados os
jovens que só estudam, que conciliam estudo e trabalho, que só traba-
lham, e os que não trabalham nem estudam. Como nos mostrarão os
dados, o volumoso contingente de jovens que não trabalha nem estu-
da não pode deixar de ser visto com preocupação, perante os riscos
que essa situação representa.
Mary Castro
Pesquisadora da UNESCO no Brasil
7
CASTRO, Mary et alii. Cultivando vida, desarmando violências: experiências em educação, cultura,
lazer, esporte e cidadania com jovens em situações de pobreza. Brasília: UNESCO, Brasil
Telecom, Fundação Kellogg, Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2001, p. 43.
98
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
8
Vale relembrar que a PNAD, na região Norte, engloba apenas a zona urbana, exceto em
Tocantins.
99
A maior presença dos jovens na escola nas regiões Norte e
Nordeste (especialmente nas faixas de 18 a 19 e 20 a 24 anos) está
relacionada não a maiores oportunidades de continuação de for-
mação e sim, ao atraso escolar. Em maior grau do que nas demais
regiões, muitos desses jovens estão cursando séries anteriores às
correspondentes à sua idade, quais sejam, pelo menos as que cons-
tituem o ensino médio. Reforça essa explicação a informação já
analisada sobre as médias de anos de estudo, mais baixas no Norte
e no Nordeste sendo claramente visível no item referente a Escola-
rização Adequada.
Embora se refira aos que só estudam, esse aspecto tem reper-
cussões importantes no entendimento dos que estão presentes no
mercado de trabalho, visto que níveis de renda mais baixos, aliados à
defasagem escolar, redundam em remunerações mais baixas e maior
exposição ao trabalho precário reforçando, nesses locais, o círculo
“perverso” da pobreza e da exclusão.
continua...
100
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
...continuação
101
Tabela 4.6: Atividades entre os jovens (%) por idade simples
9
ABRAMOVAY et alli, 2002, op. cit.
102
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
10
Seguindo as determinações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), no Art. 60, proíbe (...) qualquer trabalho a menores de 16
anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, com nova redação dada conforme
Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998. O Art. 63 acrescenta que (...) a
formação técnico-profissional deve obedecer aos seguintes princípios: I – garantia de acesso e freqüência
obrigatória ao ensino regular; II – atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente; III –
horário especial para o exercício das atividades. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). In:
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF). Disponível em:
http://www.unicef.org/brazil/estum.htm#Art.%2060. Acesso em: 22/07/2003.
103
Tabela 4.7: Estrutura de atividades entre os jovens de 15 a 17 anos
por regiões e UFs (%)
104
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
11
ABRAMOVAY et alli, 2002, op. cit.
105
Tabela 4.8: Estrutura de atividades entre os jovens de 18 e 19 anos
por regiões e UFs (%)
106
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
107
Tabela 4.9: Estrutura de atividades entre os jovens de 20 a 24 anos
por regiões e UFs (%)
108
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
109
...continuação
110
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
111
...continuação
112
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
12
Entendeu-se por afazeres domésticos a realização, no domicílio de residência, de tarefas (que não se
enquadravam no conceito de trabalho), de: a) Arrumar ou limpar toda ou parte da moradia; b) Cozinhar
ou preparar alimentos, passar roupa, lavar roupa ou louça, utilizando, ou não, aparelhos eletrodomésticos
para executar estas tarefas para si ou para outro(s) morador(es); c) Orientar ou dirigir trabalhadores
domésticos na execução das tarefas domésticas; d) Cuidar de filhos ou menores moradores; ou e) Limpar
o quintal ou terreno que circunda a residência. ( PNAD/IBGE, Notas Técnicas, 2001, op. cit.)
113
Também aqui a correlação com o fator renda é grande. Quanto
menor a faixa de renda, maior o percentual de jovens dedicados exclu-
sivamente aos afazeres domésticos.
A Tabela a seguir apresenta claramente essa relação. Os jovens
que não trabalham nem estudam, com renda inferior a 1/2 SM, são os
mais numerosos entre os que se dedicam exclusivamente aos afazeres
domésticos (26,2%), decrescendo esse percentual à medida que cres-
ce a faixa de renda.
114
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
115
...continuação
116
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
Aqui, a análise das atividades por áreas rural e urbana revela dados
preocupantes no que se refere à relação escola – trabalho.
Em todas as unidades federativas em que a comparação é pos-
sível, a proporção de jovens que só estuda é largamente menor nas
áreas rurais. As menores taxas são registradas no Espírito Santo
(18,9% na área rural contra 59,8% na área urbana), Mato Grosso
(20,8% e 56,8%, na mesma ordem) e Santa Catarina (22,8% e 61,4%,
na mesma ordem).
Também como uma constante nas unidades federativas, o con-
tingente de jovens dessa idade que só trabalha é maior na área rural,
chegando a 35,8% na zona rural do Espírito Santo (contra 5,9% da
zona urbana) e a 25,3% em Sergipe (contra 6,3% na área urbana).
Saliente-se que a zona rural apresenta médias de anos de estudo
mais baixas e maiores índices de analfabetismo do que a zona urbana,
o que já pode representar um efeito perverso do trabalho precoce.
Em comparação a essas discrepâncias, o contingente de jovens
sem atividades tende a patamares aproximados nas duas localidades,
embora a área rural registre taxas discretamente maiores. Na área ru-
ral, as maiores taxas de jovens nessa condição foram registradas no
Rio Grande do Norte (19,0% contra 12,1% na área urbana), Mato
Grosso (16,8% contra 7,4% na área urbana) e Espírito Santo (15,8%
contra 10,2% na área urbana). Na área urbana, os patamares mais ele-
vados foram os do Acre (17,2%), Rondônia (16,2%) e Mato Grosso
do Sul (15,8% contra 12,5% na área rural).
continua...
117
...continuação
118
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
119
...continuação
120
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
13
PNAD/IBGE, 2001. Situação do mercado de trabalho: comentários. Disponível em: http://
www.ibge.gov.br/mtexto/pnadcoment3.htm. Acesso em: 19/12/2003.
14
A respeito do subemprego no setor agrícola, ver entre outros: BALSADI, Otavio Valentim.
Emprego Agrícola no Brasil e no Estado de São Paulo nos Anos 90. Revista Ops, Salvador,
v. 2, n. 7, Inverno, 1997.
121
...continuação
122
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
123
nem estudam entre os homens é de 20% (observada no Amapá), entre
as mulheres a maior atinge 37,0% (Mato Grosso).15
Tabela 4.18: Estrutura de atividades entre os jovens de 15 a 24 anos
segundo sexo por regiões e UFs (%)
15
Vale lembrar que o conceito de “trabalho” utilizado na PNAD não contempla os “afazeres
domésticos”.
124
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
125
Tabela 4.19: Estrutura de atividades entre os jovens de 15 a 17 anos
segundo sexo por regiões e UFs (%)
126
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
127
Tabela 4.20: Estrutura de atividades entre os jovens e 18 e 19 anos
segundo sexo por regiões e UFs (%)
128
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
129
Tabela 4.21: Estrutura de atividades entre os jovens de 20 a 24 anos
segundo sexo por regiões e UFs (%)
130
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
131
Tabela 4.22: Jovens dedicados aos afazeres domésticos e média de
horas semanais dedicadas por sexo e atividade (%)
132
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
133
As jovens que ocupam posição de referência na família ou são
cônjuges apresentam altos percentuais na alternativa “só trabalha”.
Contudo, encontram-se entre elas os maiores contingentes de mulhe-
res jovens que não trabalham fora nem estudam.
Os números mais altos de jovens sem atividades socialmente
definidas (excetuando-se o trabalho doméstico) estão entre as cônju-
ges, morem elas apenas com a família nuclear que constituíram (57,5%),
com sua família e seus pais (57,6%) ou com sua família e parentes
(58,3%). Desses números pode-se inferir que, entre essas mulheres, o
desempenho dos papéis familiares referem-se exclusivamente ao am-
biente doméstico e não inclui a providência direta de renda. Como
conseqüência, pode-se afirmar que a renda fica sob a responsabilidade
das figuras masculinas de referência na unidade familiar.
Ratificando essa tendência, altos níveis de jovens sem ativida-
des, tal como definidas anteriormente, são registrados entre aquelas
que são referência na unidade familiar morando com pais (45,8%) ou
parentes (49,3%). A posição de “referência” na unidade familiar ba-
seia-se não na renda mas, provavelmente, na responsabilidade sobre o
lar e as atividades domésticas, sobretudo entre as que moram com
parentes.17
Como seria de se esperar, a condição de filha, que exprime uma
relação de dependência juvenil em relação à família, é a que apresenta
o maior número das que só estudam (47,9%), menor número das que
só trabalham (17,8% contra 23,1% do total) e menor contingente de
jovens sem atividades (14,7%). Todavia, a análise da estrutura de ati-
vidades entre os homens jovens permite afirmar que esses números,
provavelmente, seriam diferentes entre os “filhos”, situação em que
seriam menos freqüentes os que só estudam e mais numerosos os que
só trabalham.
Uma vez que estamos considerando a divisão de papéis sexuais
na unidade familiar, mostra-se relevante também a observação de que
o maior número de mulheres jovens que só trabalham é identificado
17
Reitera essa afirmação o fato de ser minoritária a parcela das jovens que têm renda própria,
como observado no capítulo 4. Assim, mesmo a possibilidade de fontes de renda que não
fossem advindas do trabalho, nesse caso, estaria descartada.
134
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
18
IBGE, 2003, op. cit.
19
SABÓIA, Ana Lucia. As meninas empregadas domésticas: uma caracterização socioeconômica.
XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais (Anais). Campinas: Associação Brasileira de
Estudos Populacionais (ABEP); Universidade de Campinas (Unicamp), out/2000.
Disponível em: www.abep.nepo.unicamp.br. Acesso em: 12/05/2003.
135
res que não trabalha fora nem estuda esteja associado aos afazeres
domésticos, nem por isso a condição deixa de significar exclusão soci-
al. Uma exclusão cujo efeito menos visível, mas não menos grave, é a
perda do direito de escolher livremente (em vez de compulsoriamente,
mesmo que sem saber) uma profissão.
Aliadas à pressão sobre os homens pobres para começarem a
trabalhar cedo, a ponto de incompatibilizar trabalho e escola, estas
questões sugerem a necessidade de políticas sociais relativas às ativi-
dades dos jovens que levem em conta as especificidades de gênero.
20
Do mesmo modo que em capítulos anteriores, dada a baixa representatividade de índios e
amarelos na PNAD, na variável “cor/raça” foram considerados apenas os brancos e pretos/
pardos.
136
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
137
Gráfico 4.18: Estrutura de atividades entre os jovens de 15 a 24 anos
segundo a cor por regiões (%)
138
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
139
Gráfico 4.19: Estrutura de atividades entre os jovens de 15 a 17 anos
segundo a cor por regiões (%)
140
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
141
Gráfico 4.20: Estrutura de atividades entre os jovens de 18 e 19 anos
segundo a cor por regiões (%)
142
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
143
Gráfico 4.21: Estrutura de atividades entre os jovens de 20 a 24 anos
segundo a cor por regiões (%)
20
LANGONI, C.G. Distribuição da renda e desenvolvimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro:
Expressão e Cultura, 1973.
21
BONELLI, R.; SEDLACEK, G.L. Distribuição da renda: evolução no último quarto de
século. In: SEDLACEK, G. L.; BARROS, R. P. de. Mercado de trabalho e distribuição da renda:
uma coletânea. Rio de Janeiro: IPEA, 1989.
144
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
22
BARROS, R. P. de; MENDONÇA, R. S. P. Os determinantes da desigualdade no Brasil.
Economia brasileira em perspectiva – 1996. Rio de Janeiro: IPEA, 1996.
23
FERREIRA in HENRIQUES, R., 2000, op. cit.
145
Vemos que os jovens com baixo nível de escolaridade – até 2
anos de estudo – quando trabalham, percebem uma renda em torno de
1 salário mínimo. Já os jovens com elevado nível de escolarização,
recebem entre 3 e 5 salários mínimos. Isto significa que cada ano
de estudo possibilita um incremento de 0,27 salários mínimos na
renda dos jovens, o que nos dias de hoje, com um salário mínimo
de R$ 240,00, representa um incremento de R$ 65,00 por ano de estudo.
O nível educacional estaria influenciando também, de forma de-
cisiva, as possibilidades de inserção no mundo do trabalho. Para veri-
ficar isso, deveremos tomar como foco a população de 25 anos e mais,
por já apresentar uma situação definida no campo ocupacional.
146
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
147
5. SAÚDE
1
O CRESCIMENTO DA VIOLÊNCIA ENTRE OS JOVENS
Para o ano 2000, o país contava com um contingente de 34,1 milhões de jovens
na faixa de 15 a 24 anos e que representa 17,3% do total de 169,8 milhões de
habitantes do país. Essa proporção já foi bem maior. Em 1980, se existiam só
25,1 milhões de jovens, no total dos 118,7 milhões de habitantes, essa faixa
representava 21,1% (...).
Se a taxa global de mortalidade da população brasileira caiu de 633 em
100.000 habitantes em 1980, para 573 em 2000, a taxa referente aos jovens
cresceu, passando de 128 para 133 no mesmo período, fato já altamente preocupante.
Mas a mortalidade entre os jovens não só aumentou, como também mudou sua
configuração, a partir do que se pode denominar como os “novos padrões de morta-
lidade juvenil”. Estudos históricos realizados em São Paulo e Rio de Janeiro (...)
mostram que as epidemias e doenças infecciosas que eram as principais causas de
morte entre os jovens há cinco ou seis décadas, foram sendo substituídas, progressi-
1
WAISELFISZ, 2002, op. cit. p. 25.
149
vamente, pelas denominadas “causas externas” de mortalidade, principalmente,
os acidentes de trânsito e os homicídios.
Julio Jacobo Waiselfisz
Coordenador Regional da UNESCO em Pernambuco.
2
WAISELFISZ, J. Jacobo. Mapa da violência: os jovens do Brasil. Rio de Janeiro: UNESCO,
Instituto Ayrton Senna, Garamond, 1998a; Mapa da violência II: os jovens do Brasil. Rio de
Janeiro: UNESCO, Instituto Ayrton Senna, Ministério da Justiça, 2000; WAISELFISZ,
2002, op cit.
150
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
3
Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Serviço de Informações do Sistema Único de
Saúde.
151
culturais (dominantes e minoritários), estilos de vida e níveis de renda
que interferem nessa definição, com implicações diferenciadas da gra-
videz na vida das mulheres mais jovens em tais culturas, subculturas
ou classes sociais.4 É preciso, portanto, atentar para o risco de uma
abordagem etnocêntrica ou normativa.
Por outro lado, a identificação de correlações entre condições
de vulnerabilidade e gravidez juvenil pode ser reveladora dos ris-
cos a que estão expostas as mulheres jovens nos contextos sociais
em questão. Nesse sentido, o tema tem forte relevância no Brasil,
como veremos.
4
MICHAUD, Pierre-André. Estudo multicultural com adolescentes: uma perspectiva em saúde
pública. Adolescência Latino-americana, Porto Alegre, v. 2, n. 3, abr. 2001.
5
WAISELFISZ, 2002, op. cit.
152
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
6
WAISELFISZ, J. Jacobo; MACIEL, Maria. Revertendo violências, semeando futuros: avaliação de
impacto do Programa Abrindo Espaços no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Brasília:
UNESCO, 2003, p. 27.
153
O Sul é a região que apresenta as menores discrepâncias entre as
unidades federativas em índices de mortalidade por causas violentas
entre os jovens. Contudo, também aí se observam taxas significativas,
tomando como referência a menor taxa identificada no país, já citada.
O Paraná é no Sul o estado com maior índice de mortalidade por cau-
sas violentas entre os jovens (69,92). A menor taxa da região é regis-
trada em Santa Catarina: 53,82.
continua...
154
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
...continuação
155
Tabela 5.2: Ordenamento das UFs segundo as taxas de mortalidade
por causas violentas (homicídios, suicídios e acidentes de transporte)
entre os jovens de 15 a 24 anos (em 100.000)
156
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
continua...
157
...continuação
158
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
7
PORCHMAN, Marcio; AMORIN, Ricardo (orgs.), 2003, op.cit.
8
ABRAMOVAY, 2002, op. cit., p. 14.
159
UM TEMA CRUCIAL: A DESIGUALDADE NA SAÚDE9
O estado de saúde é um catalisador de círculos virtuosos ou perversos em relação
com a pobreza. Um círculo perverso freqüente é o de que os pobres têm mais possi-
bilidades de adoecer e, ao perder a saúde, têm maiores dificuldades para buscar
alternativas para enfrentar a pobreza. Na situação inversa, a melhoria no acesso
à saúde dota-os de melhores possibilidades para encará-la.
A saúde é ainda, por suas características, um campo privilegiado para melho-
rar a desigualdade em geral. É possível em saúde conquistar avanços importantes
em cobertura, acesso, informação e outros aspectos, com menor custo e em menos
tempo que o necessário para introduzir mudanças na redistribuição de renda ou
criar empregos estáveis.
Por outro lado, as sociedades tendem a ter uma atitude de apoio quase consensual
à melhoria das condições de saúde e uma intolerância muito maior à desigualdade
em saúde que em outros campos. Ambos os aspectos criam bases favoráveis para
políticas ativas nesse campo.
Por estas e outras razões, a eqüidade na saúde é uma meta essencial para as
sociedades democráticas de nosso tempo.
Bernardo Kliksberg
Assessor da Organização das Nações Unidas, OIT, UNESCO,
UNICEF e outros organismos internacionais
9
KLISKSBERG, Bernardo. Desigualdade na América Latina: o debate adiado. São Paulo: Cortez;
Brasília: UNESCO, 2000, p. 64.
160
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
161
Tabela 5.4: Ordenamento das UFs segundo as taxas de mortalidade
por causas internas entre os jovens de 15 a 24 anos (em 100.000)
162
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
jovens, são 34,88 em cem mil os casos de morte por causas internas no
ano de referência. Entre os homens, essa taxa é de 45,98. Esse padrão
é percebido em todas as unidades federativas.
A região Norte apresenta as maiores taxas de mortalidade por
causas internas tanto entre homens quanto entre mulheres jovens (54,04
e 43,70, respectivamente), com o Acre assumindo a 1ª posição em
ambos os casos. Nesse estado, a taxa entre as mulheres é 48,64, mas
entre os homens quase dobra, chegando a 97,14. Outro caso que cha-
ma a atenção na Região Norte é o do Amapá, que possui taxa de 23,80
entre as mulheres e 78,51 entre os homens.
No Nordeste, região que fica em segundo lugar em mortalidade
por causas internas entre jovens no país, grandes discrepâncias em
prejuízo dos homens também são observadas. No cômputo geral, a
Região registra uma taxa de mortalidade feminina por causas inter-
nas de 36,26 contra 49,29 entre os homens. Mas na Paraíba esse
número é 35,38 para as mulheres enquanto para os homens é 60,71
em cem mil.
Sudeste e Centro-Oeste mais uma vez se aproximam nesse item,
tanto em mortalidade feminina (Sudeste: 33,76; Centro-Oeste: 32,68)
quanto em mortalidade masculina (Sudeste: 45,58; Centro-Oeste:
45,84). Distrito Federal e Rio de Janeiro apresentam, em cada uma das
regiões, as maiores taxas de mortalidade por causas internas, em am-
bos os sexos. No Distrito Federal, esse tipo de mortalidade entre os
homens jovens tem em 2000 uma taxa de 53,13 contra 41,93 entre as
mulheres. No Rio, entre os homens, a taxa é de 51,15 contra 39,67
entre as mulheres.
Proporcionalmente, as unidades federativas do Sul também
apresentam disparidades em mortalidade por causas internas entre
homens e mulheres, mas com as menores taxas do Brasil, em am-
bos os sexos.
A preponderância da mortalidade por causas endógenas nos ho-
mens em relação às mulheres pode estar relacionada, entre outros fa-
tores sociais e econômicos, a dois aspectos: primeiro, a um fator de
socialização, em que as mulheres são mais familiarizadas com os cui-
dados com a saúde, enquanto os homens tendem a ver a enfermidade
163
e a busca de atenção como manifestação de debilidade que contradiz a
imagem cultural masculina de força e valentia;10 segundo, a um reforço
inadvertido desse fator cultural na educação para a saúde e nos traba-
lhos preventivos implementados nos últimos anos, que tendem a ne-
gligenciar a identidade e a saúde masculina. Uma mudança, nesse últi-
mo caso, tratar-se-ia de enfocar a questão de gênero em saúde de for-
ma relacional, em vez de unilateral.
continua...
10
GÓMEZ, Elza. Género, equidad y acceso a los servicios de salud: una aproximación empírica.
Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 11, n. 5-6, may/june 2002.
164
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
...continuação
165
da Portaria nº 723/GM, de 10 de maio de 2001, publicada no Diário Ofici-
al da União de 14 de maio de 2001, instituindo o Pacto dos Indicadores de
Atenção Básica. Esta Portaria baseou-se, para estas definições, em informações
da Fundação SEADE.11
Posteriormente, essa classificação foi ampliada para os demais
estratos etários da população, o que nos permite aplicá-la aos jovens.
Na Tabela que segue, os dados permitem ver que as mortes por causas
internas entre os jovens ocorrem em proporção similar ao seu grau de
evitabilidade.
Entre as causas de mortes internas que mais atingem os jovens,
as neoplasias estão primeiro lugar (18,0%). Entre esses casos, todos
os 18,0% estão entre as mortes por causas evitáveis. Proporções se-
melhantes são observadas em relação às doenças infecciosas e parasi-
tárias, doenças do aparelho circulatório e doenças do aparelho respira-
tório, que também estão entre os males mais comuns entre os jovens
brasileiros, em dados de 2000.
11
SIM/DATASUS, 2003, op. cit.
166
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
12
ABRAMOVAY et alii, 2002, op. cit., p. 51.
13
LANGER, Ana. El embarazo no deseado: impacto sobre la salud y la sociedad en América
Latina y el Caribe. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 11, n. 3, mar. 2002.
14
ABRAMOVAY, 2002, op. cit., p. 51. Este dado já foi citado no presente estudo, na análise
sobre o analfabetismo entre as mulheres por faixa etária. Os dados apresentados neste
capítulo, como veremos, reiteram a correlação feita anteriormente entre baixos níveis de
escolaridade e gravidez juvenil.
167
lista, com 14,2% das mulheres na faixa 11 a 19 anos que já tiveram,
pelo menos, 1 filho. Mas esse estado lidera especificamente nas faixas
de 11 a 14 e 15 a 17 anos. No total dos casos (11 a 19 anos), os
menores índices são registrados em Santa Catarina (5,1%), São Paulo
(5,8%) e Minas Gerais (6,4%).
Na faixa de 11 a 14 anos, o Norte e o Nordeste saem na frente,
como foi dito, com o Amapá (2,4%), seguido de Roraima (1,4%) e
do Piauí (1,1%). Nas demais unidades federativas as taxas são infe-
riores a 1%.
Entre as mães com 15 a 17 anos, o índice do Centro-Oeste supe-
ra o do Nordeste (10,0% e 9,3%, respectivamente), em virtude dos
percentuais de Goiás (11,5%) e Mato Grosso (11,4%). Mas os contin-
gentes mais altos continuam no Norte e Nordeste: Amapá (20,5%) e
Maranhão (12,8%). O Sul e o Sudeste apresentam os menores índices,
embora o Espírito Santo atinja uma taxa mais alta em relação à região
(9,3%), similar à taxa total do Nordeste.
Nas idades de 18 a 19 anos, evidentemente, as taxas são mais
altas em todas as unidades federativas, comparando às faixas anterio-
res. No entanto, as proporções são muito distintas entre as unidades
federativas, atingindo o índice máximo de 43,3% em Rondônia, con-
tra 13,4%, em Santa Catarina, o menor do país nessa faixa de idade.
168
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
Tabela 5.7: Taxas de maternidade segundo faixa etária por UFs (%)
169
Gráfico 5.6: RFPC de mulheres jovens que tiveram e não tiveram
filho segundo a faixa etária por UFs (em SM)
170
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
171
6. ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO
JUVENIL
6.1 O IDJ
A partir das análises desenvolvidas nos capítulos anteriores, que en-
volveram aspectos como educação, renda e saúde dos jovens, já é possível
apresentar o nosso indicador sintético da situação da juventude no Brasil.
O intento fundamental na elaboração do Índice de Desenvolvi-
mento Juvenil foi precisar locais, aspectos e graus de desigualdade que
afetam os jovens do país. Além disso, a adoção do Índice proposto e
sua réplica ao longo do tempo poderão permitir uma visão da evolu-
ção dos diversos fatores que incidem, positiva ou negativamente, na
vida presente e no destino futuro de nossas juventudes.
A partir dos referenciais fornecidos pelo IDH do PNUD, foram
consideradas as seguintes dimensões e seus respectivos indicadores:
173
Os indicadores de base foram assim construídos:
• Analfabetismo, porcentagem de analfabetos na faixa de 15 a 24
anos em relação à população total da mesma faixa etária. Fonte:
PNAD 2001.
• Escolarização Adequada, porcentagem de jovens de 15 a
24 anos que freqüentam escola de Ensino Médio ou Superi-
or em relação à população total da mesma faixa etária. Fon-
te: PNAD 2001.
• Qualidade do Ensino. Média estandardizada1 das escalas de
proficiência da 8ª série do Ensino Fundamental e da 3ª série do
Ensino médio, nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática. Fonte:
SAEB 2001.
• Mortalidade por Causas Internas, taxa de óbitos em 100.000
jovens de 15 a 24 anos, atribuídos a causas internas, segundo de-
finição da Classificação Internacional de Doenças – CID-10. Fonte:
SIM 2000.
• Mortalidade por Causas Violentas, taxa de óbitos em 100.000
jovens de 15 a 24 anos, ocorridos por causas violentas (suicídios,
acidentes de transporte e homicídios, segundo definição da Clas-
sificação Internacional de Doenças – CID-10. Fonte: SIM 2000.
• Renda Familiar per capita, valor do rendimento mensal famili-
ar dividido pelo número de membros da família dos jovens na
faixa de 15 a 24 anos. Fonte: PNAD 2001.
1
Ver procedimentos de estandardização nas Notas Técnicas.
174
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
175
Federal, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro)
das regiões consideradas mais favorecidas. Novamente é no Norte e
no Nordeste, mais precisamente em Bahia, Maranhão, Piauí, Paraíba e
Alagoas que se apresentam as últimas colocações nesse índice parcial.
Diferentemente do que foi visto com os indicadores de renda e
educação, não são observadas estreitas relações entres esses índices e
os de saúde, sobretudo quando o indicador é mortalidade por causas
violentas. É assim que nos deparamos, por exemplo, com o estado do
Rio de Janeiro ocupando o 5o lugar em educação e em renda e o último
(27º) em mortalidade por causas violentas. O mesmo raciocínio pode
ser aplicado ao Distrito Federal, que ocupa o 1o lugar em educação e
em renda e o 22o em mortalidade por causas violentas.
Situação oposta às assinaladas no parágrafo anterior pode ser
encontrada no Maranhão, estado que ocupa o 24o lugar em educação e
em renda, mas apresenta o menor índice do país em mortalidade por
causas violentas entre os jovens. Calculada a correlação entre índices
de renda dos estados e sua mortalidade por causas violentas, deu um
resultado intermediário e negativo (R = – 0,53), o que estaria a indicar
que as mortes de jovens por causas violentas, mais que acompanhar a
pobreza, pareceria estar acompanhando a riqueza.
Ainda no que diz respeito à saúde, mais especificamente a mor-
tes por causas internas, embora haja uma concentração dos maiores
índices em estados mais pobres do Norte e Nordeste (Acre, Roraima e
Alagoas), também é possível verificar que em UFs que se destacaram
positivamente em educação e renda – como o Distrito Federal, Rio de
Janeiro e Minas Gerais – são encontrados resultados desfavoráveis no
que diz respeito ao indicador em foco.
As Tabelas que seguem não só sistematizam as informações até
agora detalhadas como também apresentam o quadro completo dos
indicadores e dimensões considerados.
176
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
Tabela 6.1: Índice de Desenvolvimento Juvenil – IDJ – 2003
177
Tabela 6.2: Ordenamento das UF pelos indicadores do Índice de Desenvolvimento Juvenil – IDJ – 2003
178
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
2
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO/ IPEA. Relatório
sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília, 1996.
3
Utilizou-se o coeficiente rho de Spearman, mais adequado para estudos posicionais como é o
presente caso.
179
associação, poderíamos dizer uma independência quase absoluta entre
os dois índices, é a de saúde. Efetivamente, a associação entre o Índi-
ce de Esperança de Vida do IDH e o de Saúde do IDJ praticamente
inexiste (R = 0,032). Se a mortalidade juvenil por causas internas apre-
senta ainda uma correspondência moderada com a Esperança de Vida
da população do IDH (R=0,446), a mortalidade juvenil por causas
violentas apresenta uma associação baixa e negativa (R = -0,212). Como
isso é possível? Justifica-se sua manutenção no Índice de Desenvolvi-
mento Juvenil?
a) Como ficou evidenciado no Mapa da Violência III,4 a evolução
dos padrões de mortalidade juvenil no Brasil apresenta fortes
contrastes com os padrões de mortalidade geral da população.
Se a taxa global de mortalidade da população brasileira caiu de 633 em
100.000 habitantes em 1980 para 573 em 2000, a taxa referente aos
jovens cresceu, passando de 128 para 133 no mesmo período. Isto é, se a
esperança de vida da população geral (indicador trabalhado pelo
IDH) melhorou nas últimas décadas, a esperança de vida da po-
pulação jovem piorou devido, fundamentalmente, às mortes pro-
duzidas por fatores violentos.
b) Isso fica mais claro ainda quando o mesmo trabalho verifica que
os avanços da violência nas últimas décadas tiveram como eixo
exclusivo a vitimização juvenil.
4
WAISELFISZ, 2002, op cit., p. 25.
180
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
181
ria da situação econômica de nossos jovens. Também é pouco prová-
vel um retrocesso nas linhas de pobreza e da exclusão econômica
que atingem grandes parcelas de nossa juventude, em função dos
elevados níveis de concentração da renda nacional, persistentes ao
longo dos anos.
Como ficou evidente no decorrer deste estudo, essa polarização
na distribuição da renda tem originado formas extremamente diferen-
ciadas de acesso aos diversos benefícios sociais básicos, como educa-
ção e saúde, reforçando a vulnerabilidade de amplos segmentos da
população – brancos pobres, pretos/pardos – e de âmbitos geográfi-
cos – como as regiões Norte e Nordeste, historicamente desfavorecidas.
Tal segregação no acesso aos benefícios sociais básicos tem pro-
fundas repercussões para o presente e para o futuro de nossa juventu-
de. Ficou comprovado o enorme poder discriminador do fator educa-
cional sobre as oportunidades no mercado de trabalho, tanto na
empregabilidade quanto nas possibilidades salariais. Com limitadas
condições de acesso educacional, o destino de grande parte de nossa
juventude encontra-se pré-determinado. Sem condições de progresso
educacional, sem experiência laboral, com escassas oportunidades no
mercado de trabalho, engrossa o exército dos jovens sem atividade
socialmente definida, muitos deles enveredando pelos poucos cami-
nhos que a realidade lhes oferece, sejam legítimos ou ilegais.
No que concerne à renda e ao trabalho, as desigualdades de gêne-
ro mostram-se menos lineares do que as raciais. Embora as mulheres
estejam em melhores condições nos indicadores educacionais, estão
em desvantagem no que tange à sua presença no mercado de trabalho.
Conseqüentemente, elas possuem renda própria em proporção bem
menor do que os homens, principalmente no Norte e Nordeste do país.
Esse aspecto, como ficou comprovado, guarda estreita relação com os
temas do trabalho doméstico, da gravidez precoce e da prematura
nupcialidade feminina.
Que outros aspectos podemos inferir na área educacional sobre a
situação e evolução recente de nossa juventude?
No âmbito da alfabetização, o país tem mostrado avanços lentos,
mas positivos, ao longo das últimas décadas. E nos dias de hoje, quan-
182
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
183
Mas a área educacional deve remeter não só ao plano quantitativo, à
magnitude da população efetivamente escolarizada. Deve-nos levar
também, e fundamentalmente, ao plano qualitativo, que diz respeito
ao acesso efetivo aos conhecimentos socialmente indispensáveis. É
aqui que o panorama se apresenta pouco alentador para a juventude
do país. No plano internacional, a recente releitura do PISA 2000 rea-
lizada pela UNESCO/OCDE é clara em apontar significativos deficits
quanto às competências em leitura, matemática e ciências de nossos
jovens de 15 anos de idade. De 41 países avaliados, o Brasil ocupou a
penúltima posição nessas habilidades. No plano nacional, o SAEB,
desde a avaliação de 1997, passando pela de 1999 e de 2001, mostra
preocupantes evidências de queda sistemática no aproveitamento dos
alunos da 8a série do ensino fundamental e da 3a série do Ensino Mé-
dio no domínio da língua portuguesa e de matemática. Dessa forma,
parte dos avanços quantitativos está sendo erodida pelos gargalhos
qualitativos de nosso sistema educacional. E os diversos fatores que
determinam essa situação não são simples de remover, nem se podem
esperar avanços rápidos e significativos em curto prazo.
Mas é na área da saúde de nossa juventude que o panorama se
mostra alarmante. Como foi indicado no capítulo correspondente, a
mortalidade juvenil vem crescendo historicamente, contrariando as
tendências do restante da população, cujas taxas de mortalidade vêm
caindo. E a principal causa de morte de nossa juventude pode ser en-
contrada nas denominadas mortes violentas. Praticamente um de cada
dois óbitos juvenis tem sua origem em fatos violentos. No contexto
internacional, se nossas taxas de mortalidade de jovens ocasionadas
por suicídios são relativamente baixas, isso não acontece quando en-
tramos no capítulo das mortes ocasionadas por homicídios ou por aci-
dentes de transporte.
Tudo parece indicar que, às contradições e exclusões que acome-
tem o resto da população, a condição de ser jovem estaria agregando
suas próprias necessidades e direitos fundamentais insatisfeitos.
184
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
185
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais. Qualidade da educação: uma nova leitura do
desempenho dos estudantes da 4ª série do ensino fundamental. Brasí-
lia: MEC/INEP, 2003.
186
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DURKHEIM, E. The division of labor in society. New York: Free Press, 1973.
187
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Pesquisa nacional de amostra por domicílios, 2001. Rio de Janeiro: IBGE,
Microdados, 2001. 1 CD-ROM.
188
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189
OLIVEIRA, L. Os “excluídos” existem? Notas sobre a elaboração de
um novo conceito. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo: a. 12,
n. 33, fev. 1997.
190
_____________________Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003
191
VIGNOLI, J. R. Vulnerabilidad demográfica: una faceta de las desventajas
sociales. Santiago do Chile: Proyeto Regional de Población CELADE,
FNUAP, sep 2000.
192
LISTA DE TABELAS
193
194
LISTA DE GRÁFICOS
195
196
LISTA DE SIGLAS
197
NOTAS SOBRE OS AUTORES
199
superior, nas áreas de Letras e Pedagogia. Foi Vice-Coordenadora da
Associação Nacional de Política e Administração da Educação, no
estado de Pernambuco, e Assessora Técnico-Pedagógica do Ministé-
rio da Justiça. Possui artigos científicos publicados sobre a temática da
educação nas escolas públicas brasileiras. Pesquisadora da UNESCO/
PE, é co-autora do livro "Revertendo Violências, Semeando Futuros"
(Brasília: UNESCO, 2003).
200
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