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Artigo Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Superior

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DOI: 10.22476/revcted.v6.

id483 ISSN: 2447-4223

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO SUPERIOR: A LÓGICA


DAS COMPETÊNCIAS EM FOCO

Paulo Roberto Teixeira Junior 1


https://orcid.org/0000-0001-6492-6871
Universidade de Sorocaba (Uniso), Sorocaba, SP, Brasil

Submetido em: 20/12/2020 Aceito em: 27/12/2020 Publicado em: 29/12/2020

Resumo
As diretrizes curriculares nacionais (DCN) no ensino superior brasileiro substituíram os currículos
mínimos, instituídos em tempos de regime militar. As DCN, diferentemente dos currículos
mínimos, visam orientar as instituições na construção dos projetos pedagógicos sem, contudo,
subtrair das instituições sua autonomia para decidir o que ensinar, como e quando. As diretrizes
estabelecem fins: conjunto de habilidades e competências desejadas aos egressos de cada um dos
cursos. Isso posto, esse estudo, de natureza qualitativa, documental, propôs-se a (i) inventariar e
traçar uma linha cronológica de todos os cursos que aprovaram suas diretrizes curriculares e,
portanto, romperam com os currículos mínimos e (ii) analisar as diretrizes curriculares nacionais de
nove cursos que, no período de 2001 a 2020, já aprovaram uma segunda edição de diretrizes
curriculares nacionais. Resultados apontam significativos avanços no processo de superação do
modelo de currículos mínimos, baseado em conteúdos, para o de diretrizes, baseado em
competências. Entretanto, ao mesmo tempo, como típico processo histórico que é, ainda há
elementos recalcitrantes nesse processo, uma vez o modelo de competências, muito além de um
mero artefato pedagógico, trata-se de um novo paradigma educacional.

Palavras-chave: diretrizes curriculares nacionais; competências; ensino superior

1
Doutor em Educação pela PUCCAMP. Professor do curso de Psicologia da Universidade de Sorocaba. Endereço para
correspondência: Rodovia Raposo Tavares (SP 270), km 92,5 Vila Artura, Sorocaba.
E-mail: paulo@professorpaulo.com.br

Crítica Educativa (Sorocaba/SP), v. 6, 2020, p. 01-18


Disponível em: https://www.criticaeducativa.ufscar.br
NATIONAL CURRICULUM GUIDELINES FOR HIGHER EDUCATION: THE LOGIC
OF COMPETENCIES IN FOCUS

Abstract
National curriculum guidelines in Brazilian higher education replaced the minimum curricula,
instituted in times of military rule. The guidelines, unlike the minimum curricula, aim to guide
institutions in the construction of pedagogical projects without, however, subtracting from the
institutions their autonomy to decide what to teach, how and when. The guidelines establish
purposes: set of skills and competencies desired for graduates of each of the courses. That said, this
study, of a qualitative, documentary nature, proposed to (i) inventory and draw a chronological line
of all courses that approved its curricular guidelines and, therefore, broke with the minimum
curricula and (ii) analyze the guidelines national curricula of nine courses that, in the period from
2001 to 2020, have already approved a second edition of national curriculum guidelines. Results
point to significant advances in the process of overcoming the minimum curriculum model, based
on content, to that of guidelines, based on competences. However, at the same time, as a typical
historical process it is, there are still recalcitrant elements in this process, once the model of
competences, far beyond being a mere pedagogical artifact, it is a new educational paradigm.

Keywords: national curriculum guidelines; competence; higher education

DIRECTRICES CURRICULARES NACIONALES PARA LA EDUCACIÓN SUPERIOR:


LA LÓGICA DE LAS COMPETENCIAS ENFOQUE

Resumen
Las directrices curriculares nacionales en la educación superior brasileña reemplazaron los planes
de estudio mínimos, instituidos en tiempos de gobierno militar. El directrices, a diferencia de los
currículos mínimos, tiene como objetivo orientar a las instituciones en la construcción de proyectos
pedagógicos sin, sin embargo, restar a las instituciones su autonomía para decidir qué enseñar,
cómo y cuándo. Los lineamientos establecen propósitos: conjunto de habilidades y competencias
deseadas para los egresados de cada uno de los cursos. Dicho esto, este estudio, de carácter
cualitativo y documental, propuso (i) inventariar y trazar una línea cronológica de todos los cursos
que aprobaron sus lineamientos curriculares y, por tanto, rompieron con los currículos mínimos y
(ii) analizar los lineamientos currículos nacionales de nueve cursos que, en el período 2001 a 2020,
ya aprobaron una segunda edición de lineamientos curriculares nacionales. Los resultados apuntan a
avances significativos en el proceso de superación del modelo curricular mínimo, basado en
contenidos, al de directrices, basado en competencias. Sin embargo, al mismo tiempo, como es un
proceso histórico típico, todavía hay elementos recalcitrantes en este proceso, una vez modelo de
competencias, más allá de ser un mero artefacto pedagógico, es un nuevo paradigma educativo.

Palabras clave: directrices curriculares nacionales; competencia; educación superior

Crítica Educativa (Sorocaba/SP), v. 6, 2020, p. 01-18


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1. Introdução
No ensino superior brasileiro, até o início dos anos 2000, vigoravam os currículos mínimos,
quais sejam, disciplinas e cargas horárias estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC) para
cada curso de graduação no país. Os primeiros prenúncios de mudança começaram em 1995,
quando a Lei nº 9.131 instituiu o Conselho Nacional de Educação (CNE) que, por meio de suas
câmaras específicas, passariam a promover rupturas na arquitetura jurídica da educação brasileira.
No caso da educação superior, isso ficou a cargo da Câmara de Educação Superior (CES).
Em 1996 instaura-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que em sua
alínea II do artigo 53, assegura às universidades a atribuição de “fixar os currículos de seus cursos e
programas (...)” (BRASIL/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/CASA CIVIL, 1996). Portanto, é a
LDB que marca o fim de uma era em que o Estado deixa o papel de “gestor” dos cursos de
graduação - pelo menos no que tange a seus conteúdos - e passa a ser um Estado “promotor”:
fomenta e dá as diretrizes, mas não gere diretamente. 2
Em 1997, por meio do Parecer 776, o Conselho Nacional de Educação (CNE ) atribuiu à
Câmara de Educação Superior (CES) o papel de “deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas
pelo Ministério da Educação e do Desporto para os cursos de graduação” (MEC/CNE, 1997). Dá-se
início, portanto, ao processo de substituição dos currículos mínimos por diretrizes curriculares
nacionais. Segundo tal parecer,

(...) a figura do currículo mínimo teve como objetivos iniciais, além de facilitar as
transferências entre instituições diversas, garantir qualidade e uniformidade mínimas aos
cursos que conduziam a um diploma profissional. A nova LDB, no entanto, em seu art. 48,
pôs termo à vinculação entre diploma e exercício profissional, estatuindo que os diplomas
constituem-se em prova da formação recebida por seus titulares. Isto propicia toda uma
nova compreensão da matéria. (MEC/CNE, 1997)

Essa nova compreensão, materializada em balizas para a elaboração de diretrizes


curriculares - e não mais currículos mínimos - em suma, deveriam (i) garantir liberdade às

2
Estudiosos do campo de avaliação educacional referem-se à LDB também como o marco do “Estado avaliador”, qual
seja, o Estado não mais gerindo diretamente a educação superior, mas sofisticando seu papel de avaliador e regulador de
todo o sistema de ensino superior do país: avaliar instituições e cursos, autorizar ou não o funcionamento de
instituições e cursos.

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instituições, para que elas mesmas decidissem tempos e conteúdos; (ii) levar as instituições a pensar
a formação para além da sala de aula; (iii) sendo assim, fazer com que o ensino da teoria aconteça
articulado com a prática; (iv) fomentar a autonomia do estudante - futuro profissional - e, por fim,
(v) levar a instituição a praticar, sistêmica e sistematicamente, autoavaliação (MEC/CNE, 1997).
O item 6 do parecer de 1997 supracitado, no que se refere à questão da experiência fora do
ambiente escolar, interessante notar a presença de duas palavras até então não muito usuais no
léxico jurídico-educacional brasileiro: habilidades e competências. Palavras essas que, ao longo do
tempo, passarão a ser o eixo norteador e objetivo precípuo de quase qualquer texto político
educacional em todos os níveis de ensino, do básico ao superior.

1) Assegurar, às instituições de ensino superior, ampla liberdade na composição da carga


horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação
das unidades de estudos a serem ministradas;
2) Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem
que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de conteúdos específicos com
cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total
dos cursos;
3) Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação;
4) Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a
superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do
conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um
mesmo programa;
5) Estimular práticas de estudos independente, visando uma progressiva autonomia
profissional e intelectual do aluno;
6) Encorajar o reconhecimento de habilidades, competências e conhecimentos
adquiridos fora do ambiente escolar, inclusive os que se refiram à experiência
profissional julgada relevante para a área de formação considerada;
7) Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e
coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão.
8) Incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem instrumentos
variados e sirvam para informar a docentes e a discentes acerca do desenvolvimento das
atividades didáticas. (grifos nossos). (MEC/CNE, 1997).

Ainda que, aos olhos de hoje - fim da segunda década do século XXI e início da terceira -
soe com certa obviedade pensar o currículo com flexibilidade, fluidez, permeável às realidades de
cada instituição e localização do país etc, durante determinado tempo e, diga-se, pouco tempo atrás,
estabelecer, rigidamente, conteúdos talvez tivesse lá seu sentido, naquele momento e naquele lugar:
tempos de regime militar. E como qualquer regime militar, a tônica é o controle centralizado do
Estado de práticas sociais, e a educação, decerto, sendo a principal delas. Entretanto, conforme a

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força do regime foi se esvaindo, já nos primeiros anos da década de 1980, conforme o cenário
socioeconômico brasileiro foi se tornando mais complexo e demandando profissionais mais
flexíveis e versáteis, os currículos mínimos foram, paulatinamente, se tornando incapazes de
preparar os profissionais para atuar em ambientes tão mutantes e imprevisíveis.
Os currículos mínimos pressupunham que profissionalizar-se era apropriar-se de um
conjunto de conhecimentos. As diretrizes curriculares, à luz da LDB, partem de outra visão de
profissionalidade: profissionalizar-se é estar preparado para operar no mundo do trabalho.

Os cursos de graduação precisam ser conduzidos, através das Diretrizes Curriculares, a


abandonar as características de que muitas vezes se revestem, quais sejam, as de atuarem
como meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações, passando a
orientar-se para oferecer uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para
enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e
das condições de exercício profissional (CNE/CES, 1997).

Portanto, o transmitir conhecimento, isoladamente, não profissionaliza. Além de saber, o


estudante - futuro profissional - precisa saber fazer e saber ser. Em outras palavras, o estudante
precisa desenvolver competências.

2. Competências e habilidades

Dentre os pesquisadores da educação há intenso debate em torno do conceito de


competências. Conceito polissêmico, passível dos mais diversos vieses e interpretações. E, ao se
debater sobre competências, torna-se incontornável discutir acerca dos propósitos da educação.
Defensores das competências e habilidades em educação são criticados por privilegiar um
propósito de caráter predominantemente laboral em educação; como se a educação tivesse como
finalidade precípua preparar pessoas para o trabalho; e para o trabalho, diriam estes críticos,
destituído de sentido para a pessoa; o trabalho como mercadoria (mercado de trabalho) e
instrumento (técnicas) para manutenção e perpetuação da lógica do capital (Ferreti, 2002; Frigotto,
2001; Moreti & Moura, 2010).
Com as mudanças pelas quais o sistema produtivo vem passando desde a década de 1980
mas, principalmente, anos 1990, o conceito de competência vem se sobrepondo ao de qualificação

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(Sant’anna, 2005; Brandão & Borges-Andrade, 2007). O conceito de qualificação foi forjado numa
visão um tanto estanque e linear de educação e carreira. Ser qualificado, ou ter qualificação, referia-
se a portar um título, um diploma reconhecido. E portar um diploma reconhecido era prova de que o
individuo passou por determinado curso, tendo participado de n horas de aulas.
Já o conceito de competência se constrói com olhar mais pragmático: ter competência ou ser
competente em algo não quer dizer, necessariamente, ter passado por n horas de formação. O que
legitima uma competência é o fazer prático. Fazer que produz resultados. Resultado para o
indivíduo, resultado para o meio.
Não há relação necessária entre competência e empregabilidade, no entanto, há sim,
historicamente, motivos razoáveis para que tal associação seja feita. Dentre os autores do campo das
competências há os que destacam, de fato, sua dimensão laboral (Brandão & Borges-Andrade,
2007; Fleury, 2001, 2002; Sant’anna, 2005) . Mas há também os que se referem às competências do
ponto de vista comportamental e cognitivo, sem relação, a priori, com essa ou aquela finalidade de
natureza econômica ou sociológica: a competência enquanto mobilização de conhecimentos para
resolver problemas das mais diversas ordens, e não somente (ou prioritariamente) os profissionais
(Perrenoud, 2002; Ropé, 1997; Strooombants, 1997).
Segundo Moretti & Moura (2010), o termo competência apareceu na língua francesa no final
do século XV, referindo-se à autoridade ou legitimidade de determinadas instituições para lidar com
problemas específicos. Apenas no século XVIII o conceito amplia-se e passa a designar também
legitimidade e autoridade de indivíduos. Ao longo do tempo, competência passa a ter conotação
mais personalista, em termos de características, habilidades e qualificações dos indivíduos.
De acordo Sant’anna, Moraes & Kilimnik (2002), grosso modo, há duas grandes tradições
teóricas que conceituam competência: a perspectiva inglesa, alicerçada em demandas mais
imediatas e diretamente relacionadas ao mundo de trabalho; e a tradição francesa - de feições mais
pedagógicas - que aproxima as dimensões trabalho e educação e entende competência como
resultado de processos sistemáticos de aprendizagem ao longo do tempo.
Araujo (2004) elenca alguns elementos do cenário socioeconômico mundial que
favoreceram a emergência da chamada pedagogia das competências: a) a insuficiência do modelo
taylorista-fordista; b) a resistência operária ao trabalho fragmentado e repetitivo; c) a globalização

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da economia; d) o progresso das tecnologias de produção e de processamento de informações; e) o
avanço das políticas neoliberais.
Disto, podemos depreender que: i) o mundo do trabalho é global; ii) sendo global, os
trabalhadores agora são pressionados por uma diversidade de demandas, muito além das imediatas,
circunscritas ao seu espaço imediato de trabalho; iii) a competição agora é muito mais acirrada:
todos, em qualquer lugar do planeta, concorrem com todos; iv) todas as organizações têm (ou
podem ter) acesso a equipamentos, matérias-primas, softwares e tecnologias mais ou menos
equivalentes, portanto v) a (única) possibilidade de diferenciação competitiva possível é no que
tange aos recursos humanos: os profissionais, as pessoas, mais especificamente, suas competências.

A pedagogia das competências não pode ser entendida mecanicamente como mero
resultado dessa nova realidade internacional, pois como um dos elementos dessa nova
conjuntura, interage com ela. Ela é parte integrante do novo contexto social e como tal se
insere como mais um elemento de mediação das relações conflituosas entre capital e
trabalho. (ARAUJO, 2004)

Portanto, tal como as demais categorias das ciências humanas, a pedagogia das
competências também tem suas contradições, insuficiências e inconclusões; e vem sendo construída
e debatida na academia, no “chão da escola” e em meio aos formuladores de políticas públicas. Até
aí, nenhum problema, afinal, como escreve Perrenoud (2002), é comum os desacordos dos
pesquisadores em torno de temas como funcionamento cognitivo, disciplinas, epistemologias etc. O
problema, de fato, ganha relevo quando tais desacordos se materializam em encaminhamentos e
decisões que, concretamente, fazem a escola acontecer.
O presente artigo relata uma análise documental feita no portal do Ministério da Educação
na internet, mais especificamente, na página “Diretrizes Curriculares - Cursos de Graduação”, em
busca de dois objetivos: (i) reconhecer quando e quais cursos de graduação aprovaram suas
diretrizes curriculares – primeira geração de diretrizes - a substituir os currículos mínimos até então
vigentes e (ii) reconhecer, dentre os cursos que já instituíram a primeira, uma “segunda geração de
diretrizes”; e em que essas se diferenciam da primeira geração.

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Com isso, pretendemos perceber “tendências e tendenciosidades” (PENNA FIRME, 1994)
nesse processo de migração da “lógica dos saberes” para a “lógica das competências” nos
encaminhamentos curriculares em nível de graduação no país.

3. Metodologia

Nesse estudo procedemos à análise documental: no portal do MEC na internet


(www.mec.gov.br) digitamos “diretrizes curriculares graduação” no campo de pesquisa. O sistema
abre uma página intitulada “Diretrizes curriculares - Cursos de Graduação” com todo o histórico de
pareceres e resoluções emitidos para cada um dos cursos e os devidos links para acesso a esses
documentos.
Procedemos a essa pesquisa no portal do MEC no dia 14 de dezembro de 2020 e
imprimimos a página “Diretrizes curriculares – Cursos de Graduação” para facilitar nosso processo
de análise e identificação dos pareceres que interessavam a esse estudo. Foram 18 páginas
impressas em papel A4.
Com esse material em mãos, passamos a registrar em um quadro todos os pareceres
referentes à primeira aprovação das diretrizes referentes a cada curso; e passamos a organizar esses
dados em ordem cronológica (conforme será apresentado, mais adiante, no Quadro 1).
Em seguida, fomos em busca dos pareceres de aprovação de uma segunda versão de DCN
depois da instituição das primeiras, em cada um dos cursos. Tais resultados serão demonstrados,
mais adiante, no Quadro 2.
E, por fim, imprimimos as diretrizes – tanto as da primeira geração como as da segunda –
dos cursos listados no Quadro 2 e procedemos à análise temático-categorial em busca dos temas: (i)
competências e habilidades; (ii) conteúdos, conhecimentos e disciplinas e (iii) práticas pedagógicas
e capacitação docente.

4. Resultados
O quadro a seguir apresenta a linha cronológica de aprovação, pelo Conselho Nacional de
Educação, das diretrizes curriculares nacionais por curso.

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Quadro cronológico de aprovação das primeiras gerações DCN por curso
Data Cursos Documento oficial
2001, 3 de abril Arquivologia, Biblioteconomia, Ciências Sociais, Parecer CNE/CES nº 492/2001
Comunicação Social, Filosofia, Geografia,
História, Letras, Museologia e Serviço Social
2001, 8 de maio Formação de Professores da Educação Básica Parecer CNE/CP nº 9/2001
2001, 7 de agosto Enfermagem, Medicina e Nutrição Parecer CNE/CES nº 1.133/2001
2001, 12 de setembro Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Parecer CNE/CES nº 1.210/2001
Ocupacional
2001, 6 de novembro Odontologia e Farmácia Parecer CNE/CES nº 1.300/2001
2001, 6 de novembro Ciências Biológicas Parecer CNE/CES nº 1.301/2001
2001, 6 de novembro Matemática continua
Parecer CNE/CES nº 1.302/2001
2001, 6 de novembro Química Parecer CNE/CES nº 1.303/2001
2001, 6 de novembro Física Parecer CNE/CES nº 1.304/2001
2001, 7 de novembro Psicologia Parecer CNE/CES nº 1.314/2001
2001, 12 de dezembro Engenharia Parecer CNE/CES nº 1.362/2001
2002, 13 de março Biomedicina Parecer CNE/CES nº 104/2002
2002, 13 de março Medicina Veterinária Parecer CNE/CES nº 105/2002
2002, 3 de abril Direito, Ciências Econômicas, Administração, Parecer CNE/CES nº 142/2001
Ciências Contábeis, Turismo, Hotelaria,
Secretariado Executivo, Música, Dança, Teatro e
Design
2002, 3 de abril Educação Física Parecer CNE/CES nº 138/2002
2002, 3 de dezembro Cursos Superiores de Tecnologia Parecer CNE/CP nº 29/2002
2004, 7 de outubro Engenharia Agronômica/Agronomia Parecer CNE/CES nº 306/2004
2004, 7 de outubro Engenharia Agrícola Parecer CNE/CES nº 307/2004
2004, 7 de outubro Engenharia Florestal Parecer CNE/CES nº 308/2004
2004, 11 de novembro Zootecnia Parecer CNE/CES nº 337/2004
2004, 11 de novembro Engenharia de Pesca Parecer CNE/CES nº 338/2004
2005, 6 de abril Arquitetura e Urbanismo Parecer CNE/CES nº 112/2005
2005, 13 de dezembro Pedagogia Parecer CNE/CP nº 5/2005
2006, 21 de fevereiro Cinema e Audiovisual Parecer CNE/CES nº 44/2006
2007, 6 de dezembro Artes Visuais Parecer CNE/CES nº 280/2007
2008, 13 de março Meteorologia Parecer CNE/CES nº 62/2008
2008, 9 de outubro Estatística Parecer CNE/CES nº 214/2008
2010, 5 de agosto Economia Doméstica Parecer CNE/CES nº 162/2010
2010, 10 de dezembro Administração Pública Parecer CNE/CES nº 266/2010
2012, 8 de março Ciência da Computação, Engenharia da Parecer CNE/CES nº 136/2012
Computação, Sistemas de Informação,
Engenharia de Software e Licenciatura em
Computação
2012, 5 de junho Oceanografia Parecer CNE/CES nº 224/2012
2012, 5 de junho Ciências Aeronáuticas Parecer CNE/CES nº 225/2012
Continua

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Data Cursos Documento oficial
2012, 7 de novembro Geologia e Engenharia Geológica Parecer CNE/CES nº 387/2012
2013, 20 de fevereiro Jornalismo Parecer CNE/CES nº 39/2013
2013, 14 de março Relações Públicas Parecer CNE/CES nº 85/2013
2014, 12 de março Teologia Parecer CNE/CES nº 60/2014
2017, 6 de junho Saúde Coletiva Parecer CNE/CES nº 242/2017
2017, 6 de junho Relações Internacionais Parecer CNE/CES nº 243/2017
2018, 2 de outubro Ciências da Religião Parecer CNE/CES nº 12/2018
2020, 29 de abril Publicidade e Propaganda Parecer CNE/CES nº 146/2020

Em termos estritamente numéricos, o gráfico a seguir expressa a quantidade, ano a ano, de


primeiras diretrizes aprovadas.

Quantidade de primeiras DCN aprovadas ano a ano


30

25

20

15

10

Gráfico 1: Diretrizes curriculares nacionais aprovadas ano a ano

Importante realçar que as datas de aprovações das DCN listadas no Quadro 1 e Gráfico 1
não se coincidem com as datas de suas efetivas instituições no país. A instituição de uma DCN se
dá por meio de resolução, que pode ocorrer desde poucos meses após sua aprovação até vários anos.

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Isso porque, após a divulgação do parecer que aprova determinadas diretrizes, podem ocorrer novas
movimentações e debates no interior daquela categoria profissional e isso gerar alterações nas
diretrizes. Diretrizes alteradas, novo parecer de aprovação é publicado e, novamente, novas
solicitações de mudança podem ocorrer. Portanto, ao visualizarmos a linha cronológica das
primeiras aprovações de DCN, stricto sensu, estamos visualizando as primeiras mobilizações e
iniciativas dos cursos (suas categorias profissionais e comunidades acadêmicas) no que tange às
suas adequações ao novo paradigma curricular vigente, qual seja, o modelo de diretrizes
curriculares, e não mais os currículos mínimos.
Os anos de 2001 e 2002, de fato, foram o boom de diretrizes curriculares. Em todos os
demais anos a quantidade de primeiras diretrizes aprovadas seguiu ritmo sensivelmente mais
modesto, havendo anos, inclusive, que nem sequer ocorreram aprovações (2003, 2009, 2011, 2015,
2016 e 2019). No ano de 2012 ocorreu aumento sensível também de aprovações (total de nove),
porém, distante ainda do boom de 2001 e 2002.
Curioso perceber o grupo de cursos que teve as primeiras diretrizes aprovadas em abril de
2001 - Arquivologia, Biblioteconomia, Ciências Sociais, Comunicação Social, Filosofia, Geografia,
História, Letras, Museologia e Serviço Social -, e instiga-nos desenvolver um estudo qualitativo,
caso a caso, em torno das razões e/ou condições que os levaram a serem os pioneiros nesse
processo. Por outro lado, vários outros cursos aprovaram as suas primeiras DCN bem mais
tardiamente, inclusive, no ano de 2020. É o caso do curso de Publicidade e Propaganda.
Obviamente, qualquer análise documental sobre o ensino superior, em especial, sobre os
cursos de graduação, não pode negligenciar a complexidade, a fluidez, os constantes arranjos e
desarranjos desses programas em nosso país. Cursos de graduação acontecem umbilicalmente
conectados com o mundo do trabalho. E o mundo do trabalho vem passando por profundas
transformações: transformações nas relações de trabalho, nas tecnologias, nos recursos, nos
espaços, na gestão do tempo, nos indicadores de desempenho, inclusive, nas próprias noções de
sentido e significado do que é o trabalhar, do que é ter e exercer uma profissão e do que é uma
carreira. O mundo do trabalho no século XXI caracteriza-se, por parte das pessoas que trabalham,
por um permanente sentimento de incerteza e insuficiência.

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Tais sentimentos perpassam também as instituições de ensino superior. Cursos novos são
criados; cursos velhos são renomeados ou condensados com outros, novos ou velhos; cursos que até
então eram habilitações de um “curso geral”, ganham corpo próprio (é o caso de Comunicação
Social que, ao longo dos anos, foi se transformando em “Jornalismo”, “Relações Públicas”,
“Publicidade e Propaganda” etc). Os cursos de engenharia têm hoje especialidades que, poucos anos
atrás, não eram sequer cogitadas. Em suma, o mundo do trabalho está caótico, as carreiras estão
caóticas, os processos de formação para essas carreiras estão igualmente caóticos. E é nesse cenário
que o tema das competências emerge e tem ganhado força.

Dessa maneira, o modelo de especialização é definido por um movimento de balanço


irreversível, pois a lógica dos saberes sozinha não é mais suficiente para lhe servir de base;
ele se enriquece com as lógicas de ação do campo prático, as quais dispões de racionalidade
próprias que devem ser respeitadas. (BAUDOUIN, 2002, p. 153)

Na lógica das competências, saberes tornam-se legítimos à medida em que mobilizam


fazeres, práticas e, no limite, resultados. Ao mesmo tempo, o campo dos fazeres, da prática e do
resultado também têm seus próprios saberes. Saberes esses com enorme potencial de enriquecer
determinada área de conhecimento: construções humanas, históricas, coletivas, multifacetadas e
multidimensionais. “A formação considerada como vetor de aquisição de saberes eruditos não pode
mais ser considerada independentemente da operacionalização potencial a ela associada”
(OLLAGNIER, 2002, p. 194).
Após análise das “primeiras gerações” de diretrizes curriculares nacionais (Quadro 1),
buscamos, no portal do MEC, pelos cursos que refizeram suas diretrizes e aprovaram o que
chamamos de “segunda geração” de diretrizes curriculares nacionais. Chegamos a uma relação de
nove cursos, conforme listado no Quadro 2.

Quadro cronológico de aprovação das segundas gerações de DCN por curso


Data Cursos Documento oficial
2014, 3 de abril Medicina Parecer CNE/CES nº 116/2014
2017, 7 de junho Farmácia Parecer CNE/CES nº 248/2017
2018, 3 de outubro Educação Física Parecer CNE/CES nº 584/2018
2018, 4 de outubro Direito Parecer CNE/CES nº 635/2018
2018, 5 de dezembro Odontologia Parecer CNE/CES nº 803/2018
Continua
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Data Cursos Documento oficial
2019, 23 de janeiro Engenharia Parecer CNE/CES nº 1/2019
2019, 23 de janeiro Medicina Veterinária Parecer CNE/CES nº 70/2019
2019, 7 de novembro Formação inicial de professores para a Parecer CNE/CES nº 22/2019
Educação Básica
2020, 10 de julho Administração Parecer CNE/CES nº 438/2020

Os cursos de Cinema, Audiovisual, Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e


Propaganda, listados no Quadro 1, de alguma maneira, poderiam ser considerados cursos na sua
segunda geração de DCN, uma vez que na primeira estavam todos como habilitações do curso de
Comunicação Social, cujas DCN foram aprovadas em 2001. Entretanto, optamos em mantê-los
apenas no Quadro 1 como diretrizes de primeira geração e analisar somente os cursos que
aprovaram uma segunda geração de diretrizes sempre como curso independente, desde a primeira
geração.
Importante sublinhar também que o fato de um dado curso não ter desenvolvido uma
segunda geração de DCN não quer dizer, necessariamente, que ele esteja funcionando à luz do texto
de sua primeira aprovação colocado no Quadro 1. Vários cursos, depois de sua primeira aprovação,
ao longo do tempo, foi solicitando à Câmara de Educação Superior alterações pontuais nesse ou
naquele aspecto de suas diretrizes sem, com isso, alterar a instituição da diretriz em curso.
Já os nove cursos listados no Quadro 2 são aqueles que, para além de alterações pontuais,
redigiram, de fato, um novo texto e o aprovaram junto ao Conselho Nacional de Educação por meio
da Câmara de Educação Superior. A maioria, inclusive, já com o texto instituído; alguns, com o
texto aprovado e aguardando a resolução do CNE/CES para a efetiva instituição.
Procedemos à leitura das DCN dos nove cursos, tanto a primeira como a segunda geração e
tecemos algumas considerações gerais com potencial de abrir caminho para análises mais detidas
em pesquisas futuras, seja nesse ou naquele curso especificamente; seja nesse ou naquele eixo
temático que perpasse todas. Apresentamos, a seguir, nossas análises organizadas por algumas
dimensões e temas.

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4.1 Competências e habilidades nas diretrizes de segunda geração
É notório nas diretrizes da segunda geração a sofisticação redacional em torno do assunto
competências e habilidades. Tal sofisticação se dá tanto em termos estritamente numéricos, qual
sejam, várias diretrizes, em sua segunda geração, listam um número maior de competências e
habilidades comparadas às da primeira geração. Tal sofisticação também se dá pela natureza
substantiva do texto: frequente na primeira geração as competências e habilidades apenas listadas; e
é frequente na segunda que sejam explicadas com mais detalhes.

4.2 Conteúdos, conhecimentos e disciplinas


As diretrizes de primeira geração foram uma ruptura paradigmática significativa no país,
que até então funcionava à luz dos currículos mínimos: listas de conhecimentos, muitas vezes
expressos por nomes de disciplinas que cada curso deveria garantir no seu processo. Nas DCN, a
finalidade não é essa, entretanto, ainda há tal tendenciosidade: tanto nas DCN de primeira geração
como nas de segunda há recomendações de conteúdo, no entanto, nas segundas, tais recomendações
são expressas de maneira mais articulada a competências. Alguns cursos fizeram isso com mais
propriedade já na primeira geração; outros, na segunda.
Na primeira geração de DCN da Engenharia, por exemplo, ainda são longamente listados,
por núcleos, os conhecimentos que deverão ser trabalhados no curso e suas respectivas
porcentagens: núcleo básico, 30%; núcleo profissionalizante, 15%; núcleo específico, 55%. Já na
segunda geração há, sim, no Art. 9º, parágrafo 1º, a orientação para que os cursos de Engenharia
contemplem determinados conteúdos, porém, eles estão expressos em categorias gerais, tais como,
Administração e Economia, Algoritmos e Programação, Ciências dos Materiais, Ciências do
Ambiente, Eletricidade, Estatística, Expressão Gráfica etc, bem diferente do que ocorria na primeira
geração, com assuntos e tópicos muito específicos, como se fossem títulos de disciplinas de fato.
Além disso, não há qualquer menção à distribuição de tais conteúdos em termos de porcentagens,
como ocorria na primeira geração. A única alusão quantitativa diz respeito ao estágio curricular: as
novas DCN estabelecem o mínimo de 160 horas.

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Por fim, olhar o conjunto das DCN da primeira geração e compará-la às de segunda dos
nove cursos em pauta é nos depararmos com um processo de “libertar-se” que, como qualquer
processo de “libertar-se”, é lento, gradual, algumas vezes, recalcitrante.

4.3 Práticas pedagógicas e capacitação docente


Muito notável na segunda geração de DCN o apontamento de práticas pedagógicas, bem
como a preocupação para que os Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) tenham programas de
formação continuada para docentes. Isso ocorria de maneira muito rudimentar na primeira geração,
já na segunda, por vezes, há seções específicas para esse tema nos textos.
Nas novas DCN da Administração, por exemplo, há os capítulos IV, V, VI e VIII
intitulados, respectivamente, “Da gestão da aprendizagem do curso” , “Da avaliação das
atividades”, “Da Metodologia de Ensino” e “Do corpo docente”. Nas da Engenharia, “Da avaliação
das atividades” e “Do corpo docente”. Nas demais diretrizes, ainda que não em capítulos
específicos, estão diluídos nos textos recomendações quanto ao fazer pedagógico dos professores,
tanto no processo de ensinar como no de avaliar.
O parágrafo 1º do Art. 12 das novas DCN do curso de Administração diz:

O curso de Graduação em Administração deve manter permanente Programa de Formação


e Desenvolvimento do seu corpo docente, com vistas à valorização da atividade de ensino,
ao maior envolvimento dos professores com o Projeto Pedagógico do Curso e a seu
aprimoramento em relação à proposta formativa contida no Projeto Pedagógico, por meio
do domínio conceitual e pedagógico, que englobe estratégias de ensino de aprendizagem
ativa, pautada em práticas interdisciplinares, de modo a assumirem maior compromisso
com o desenvolvimento das competências definidas no Projeto Pedagógico.

As expressões “aprendizagem ativa” e “metodologias ativas” só aparecem nas diretrizes de


segunda geração, ainda que nas de primeira há alusões à aprendizagem por meio de atividades
práticas, atividades laboratoriais e de campo com supervisão e afins. É como se as novas DCN,
mais do que apontar o que fazer, aponta também o como.

5. Considerações finais
O momento presente - fim da segunda década do século XXI - é de virada paradigmática
sobre o que é ensinar, sobre o que é aprender, sobre qual é o papel da instituição escolar, sobre qual

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é o papel do professor, sobre o que é uma profissão, sobre o que é carreira. Todas essas questões
estão em ebulição e os agentes de todo esse processo – estudantes, professores, gestores, pessoal
técnico, enfim – carecem de referências, a começar, biográficas, para sustentar novos fazeres.
Como levar um professor que, desde a mais tenra idade, foi formado pela lógica da
transmissão de saberes, constituiu-se como adulto, como profissional, como professor, pela lógica
da transmissão de saberes a, agora, não mais “dar aulas”, mas sim, a “promover experiências”, a
“desenvolver competências” etc?
Como levar um aluno a sentir-se corresponsável pelo seu processo formativo uma vez que,
há anos, seu papel é o de “consumidor de aulas” e sua finalidade, ao longo dos anos, tem sido
simplesmente passar: “passar de ano”?
Esse estudo pode ser um prelúdio de vários outros a analisar o imbrincado movimento
“saberes e conteúdos” versus “habilidades e competências” no cenário da educação superior no
Brasil. As diretrizes curriculares nacionais, como qualquer artefato histórico-social, ao mesmo
tempo em que avança, também teima; ao mesmo tempo em que mobiliza, também paralisa; ao
mesmo tempo em que rompe, também corrompe.
A partir do que expusemos aqui, seria muito interessante novas pesquisas que
mergulhassem, detidamente, em cada um dos cursos apresentados no Quadro 2 e empreendessem
análises substantivas das competências, tanto da primeira como da segunda geração. Que
competências novas surgiram na segunda geração de DCN e por quê? Que estratégias pedagógicas
as novas diretrizes, efetivamente, estão recomendando? E seria muito pertinente também pesquisas
de campo, a fim de ouvir os agentes educacionais sobre como tais diretrizes estão se fazendo no
miúdo do cotidiano institucional.
A emergência das competências na educação tem se revelado um esforço para produção de
significados. Significados pessoais, experienciais, de ser e estar no mundo, tal como, há muito, já
nos escreveu Dewey (1976), Rogers (1985), Ausubel (1982) e outros. Não se trata de negligenciar
conteúdos e saberes a favor de habilidades e fazeres. Trata-se de dar significado e corporeidade a
tais conteúdos e saberes, afinal, o mundo tem problemas que precisam ser resolvidos; tem dilemas
que precisam ser analisados; há um futuro sombrio que precisa ser reprojetado. Enfim, urgem coisas
que precisam, efetivamente, ser feitas.

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6. Referências

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v.22, n.2, p.497-524, jul-dez, 2004

AUSUBEL, David. A aprendizagem significativa. São Paulo: Moraes, 1982.

BAUDOUIN, Jean-Michel. A competência e a questão da atividade: rumo a uma nova


conceituação didática da formação. In: DOLZ, Joaquim; OLLAGNIER, Edmée (Orgs). O enigma
da competência em educação. Porto Alegre: Artmed, 2002.

BRANDÃO, Hugo Pena.; BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo. Causas e efeitos da expressão de


competências no trabalho: para entender melhor a noção de competência. Revista de
Administração Mackenzie, v.8, n.3, p.32-49, 2007.

BRASIL/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/CASA CIVIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de


1996: estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

DEWEY, John. Experiência e Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

FERRETTI, Celso João. Pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? Educação &
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FLEURY, Maria Tereza Leme; FLEURY, Afonso. Construindo o conceito de competência.


Revista de Administração Contemporânea. Edição Especial. p.183-196, 2001.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e Trabalho: bases para debater a educação profissional


emancipadora. Perspectiva, Florianópolis, v. 19, n.1, p.71-87, jan./jun., 2001.

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MORETTI, Vanessa Dias; MOURA, Manoel Oriosvaldo de. A formação docente na perspectiva
histórico-cultural: em busca da superação da competência individual. Psicologia Política, v.10,
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PENNA FIRME, Theresa. Avaliação: tendências e tendenciosidades. Ensaio. Rio de Janeiro, v.1,
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SANT’ANNA, Anderson de Souza; MORAES, Lúcio Flavio Renault de; KILIMNIK, Zélia.
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PERRENOUD, Philippe. De uma metáfora a outra: transferir ou mobilizar conhecimentos?. In:


DOLZ, Joaquim; OLLAGNIER, Edmée (Orgs). O enigma da competência em educação. Porto
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ROPÉ, Françoise. A validação das aquisições profissionais entre experiência, competências e


diplomas: um novo modo de avaliação. In: DOLZ, Joaquim; OLLAGNIER, Edmée (Orgs). O
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