A Psicanálise
A Psicanálise
A Psicanálise
Os sonhos são uma pintura muda, em que a imaginação a portas fechadas, e às escuras,
retrata a vida e a alma de cada um, com as cores das suas ações, dos seus propósitos e dos
seus desejos.”· Padre Vieira, no Sermão de São Francisco Xavier
Dormindo· ”.
Cabe um esclarecimento inicial ao leitor: procurei montar esta página com o pensamento
original de Freud, apesar de estar consciente de que vários dos postulados originais da
psicanálise foram revisados e modificados - vários deles considerados ultrapassados pelo
próprio Freud em seus últimos anos. Também não abordarei aqui a doutrina freudiana em
toda a sua extensão e implicações. Por isso, aconselho o leitor a procurar um psicanalista
licenciado que possa orientá-lo corretamente nessa matéria.
Importância do instinto sexual. Freud notou que na maioria dos pacientes que teve desde o
início de sua prática clínica, os distúrbios e queixas de natureza hipocondríaca ou histérica
estavam relacionados a sentimentos reprimidos com origem em experiências sexuais
perturbadoras. Assim ele formulou a hipótese de que a ansiedade que se manifestava
através dos sintomas (neurose) era conseqüência da energia (libido) ligada à sexualidade; a
energia reprimida tinha expressão nos vários sintomas neuróticos que serviam como um
mecanismo de defesa psicológica. Essa força, o instinto sexual, não se apresentava
consciente devido à "repressão" tornada também inconsciente. A revelação da "repressão"
inconsciente era obtida pelo método da livre associação (inspirado nos atos falhados ou
sintomáticos, em substituição à hipnose) e pela interpretação dos sonhos (conteúdo
manifesto e conteúdo latente). O processo sintomático e terapêutico compreendia:
experiência emocional - recalque e esquecimento - neurose - análise pela livre associação -
recordação - transferência - descarga emocional - cura.
Estrutura tripartite da mente. Freud buscou inspiração na cultura Grega, pois a doutrina
platônica com certeza o impressionou em seu curso de Filosofia. As partes da alma de
Platão correspondem ao Id, ao Superego e ao Ego da sua teoria que atribui funções físicas
para as partes ou órgãos da mente (1923 - "O Ego e o Id").
O Id, regido pelo "princípio do prazer", tinha a função de descarregar as tensões biológicas.
Corresponde à alma concupiscente, do esquema platônico: é a reserva inconsciente dos
desejos e impulsos de origem genética e voltada para a preservação e propagação da vida..
Também inconsciente, o Superego faz a censura dos impulsos que a sociedade e a cultura
proíbem ao Id, impedindo o indivíduo de satisfazer plenamente seus instintos e desejos. É o
órgão da repressão, particularmente a repressão sexual. Manifesta-se á consciência
indiretamente, sob a forma da moral, como um conjunto de interdições e de deveres, e por
meio da educação, pela produção da imagem do "Eu ideal", isto é, da pessoa moral, boa e
virtuosa. O Superego ou censura desenvolve-se em um período que Freud designa como
período de latência, situado entre os 6 ou 7 anos e o inicio da puberdade ou adolescência.
Nesse período, forma-se nossa personalidade moral e social (1923 "O Ego e o Id").
O inconsciente, diz Freud, não é o subconsciente. Este é aquele grau da consciência como
consciência passiva e consciência vivida não-reflexiva, podendo tomar-se plenamente
consciente. O inconsciente, ao contrário, jamais será consciente diretamente, podendo ser
captado apenas indiretamente e por meio de técnicas especiais de interpretação
desenvolvidas pela psicanálise.
Atos falhos ou sintomáticos. Os chamados Atos sintomáticos são para Freud evidência da
força e individualismo do inconsciente: e sua manifestação é comum nas pessoas sadias.
Mostram a luta do consciente com o subconsciente (conteúdo evocável) e o inconsciente
(conteúdo não evocável). São as lapsus linguae, popularmente ditas “traições da memória",
ou mesmo convicções enganosas e erros que podem ter conseqüências graves.
Fases do desenvolvimento sexual. Freud contribuiu com uma teoria das fases do
desenvolvimento do indivíduo. Este passa por sucessivos tipos de caráter: oral, anal e
genital. Pode sofrer regreção de um dos dois últimos a um ou outro dos dois anteriores,
como pode sofrer fixação em qualquer das fases precoces. Essas fases se desenvolverão
entre os primeiros meses de vida e os 5 ou 6 anos de idade, e estão ligadas ao
desenvolvimento do Id:
(1) Na fase oral, ou fase da libido oral, ou hedonismo bucal, o desejo e o prazer localizam-
se primordialmente na boca e na ingestão de alimentos e o seio materno, a mamadeira, a
chupeta, os dedos são objetos do prazer;
(2) Na fase anal, ou fase da libido ou hedonismo anal, o desejo e o prazer localizam-se
primordialmente nas excreções e fezes. Brincar com massas e com tintas, amassar barro ou
argila, comer coisas cremosas, sujar-se são os objetos do prazer;
(3)Na fase genital ou fase fálica, ou fase da libido ou hedonismo genital, o desejo e o prazer
localizam-se primordialmente nos órgãos genitais e nas partes do corpo que excitam tais
órgãos. Nessa fase, para os meninos, a mae é o objeto do desejo e do prazer; para as
meninas, o pai.
Tipos de personalidade. .
Aqueles que se detêm em seu desenvolvimento emocional, e por algum motivo se fixam em
qualquer uma das fases transitórias (Freud. 1908), constituem tipos e subtipos de
personalidade nomeados segundo a fase correspondente de fixação.
O tipo que se detém na fase oral é o Oral receptivo, pessoa dependente - espera que tudo
lhe seja dado sem qualquer reciprocidade; ou o Oral sadístico, o que se decide a empregar a
força e a astúcia para conseguir o que deseja. Explorador e agressivo, não espera que
alguém lhe dê voluntariamente qualquer coisa.
*
Complexos de Édipo. Depois de ver nos seus clientes o funcionamento perfeito da estrutura
tripartite da alma conforme a teoria de Platão, Freud volta à cultura grega em busca de mais
elementos fundamentais para a construção de sua própria teoria.
No centro do "Id", determinando toda a vida psíquica, constatou o que chamou Complexo
de Édipo, isto é, o desejo incestuoso pela mãe, e uma rivalidade com o pai. Segundo ele, é
esse o desejo fundamental que organiza a totalidade da vida psíquica e determina o sentido
de nossas vidas. Freud introduziu o conceito na sua Interpretação dos Sonos (1899). O
termo deriva do herói grego Édipo que, sem saber, matou seu pai e se casou com sua mãe.
Freud atribui o complexo de Édipo às crianças de idade entre 3 e 6 anos. Ele disse que o
estágio geralmente terminava quando a criança se identificava com o parente do mesmo
sexo e reprimia seus instintos sexuais. Se o relacionamento prévio com os pais fosse
relativamente amável e não traumático, e se a atitude parental não fosse excessivamente
proibitiva nem excessivamente estimulante, o estagio seria ultrapassado harmoniosamente.
Em presença do trauma, no entanto, ocorre uma neurose infantil que é um importante
precursor de reações similares na vida adulta. O Superego, o fator moral que domina a
mente consciente do adulto, também tem sua parte no processo de gerar o complexo de
Édipo. Freud considerou a reação contra o complexo de Édito a mais importante conquista
social da mente humana. Psicanalistas posteriores consideram a descrição de Freud
imprecisa, apesar de conter algumas verdades parciais.
Narcisismo. Conta o mito que o jovem Narciso, belíssimo, nunca tinha visto sua própria
imagem. Um dia, passeando por um bosque, encontrou um lago. Aproximou-se e viu nas
águas um jovem de extraordinária beleza e pelo qual apaixonou-se perdidamente. Desejava
que o jovem saísse das águas e viesse ao seu encontro, mas como ele parecia recusar-se a
sair do lago, Narciso mergulhou nas águas, foi ás profundezas á procura do outro que fugia,
morrendo afogado. Narciso morrera de amor por si mesmo, ou melhor, de amor por sua
própria imagem ou pela auto-imagem. O narcisismo é o encantamento e a paixão que
sentimos por nossa própria imagem ou por nós mesmos, porque não conseguimos
diferenciar um do outro. Como crítica à humanidade em geral - que se pode vislumbrar em
Freud - narcisismo é a bela imagem que os homens possuem de si mesmos, como seres
ilusoriamente racionais e com a qual estiveram encantados durante séculos.
Mecanismos de defesa são processos subconscientes que permitem à mente encontrar uma
solução para conflitos não resolvidos ao nível da consciência. A psicanálise supõe a
existência de forças mentais que se opõem umas às outras e que batalham entre si. Freud
utilizou a expressão pela primeira vez no seu "As neuroses e psicoses de defesa", de 1894.
Os mecanismos de defesa mais importante são:
Projeção. Consiste em atribuir ao outro um desejo próprio, ou atribuir a alguém, algo que
justifique a própria ação. O estudante cria o hábito de colar nas provas dizendo, para se
justificar, que os outros colam ainda mais que ele.
Além dos substitutos reais, o imaginário inconsciente também oferece outros substitutos, os
mais freqüentes sendo os sonhos, os lapsos e os atos falhos. Neles, realizamos desejos
inconscientes, de natureza sexual. São as satisfações imaginárias do desejo. Alguém sonha,
por exemplo, que sobe uma escada, está num naufrágio ou num incêndio. Na realidade,
sonhou com uma relação sexual proibida. Alguém quer dizer uma palavra esquece-a ou se
engana, comete um lapso e diz uma outra que o surpreende, pois nada terá a ver com aquela
que queria dizer: realizou um desejo proibido. Alguém vai andando por uma rua e, sem
querer, torce o pé e quebra o objeto que estava carregando: realizou um desejo proibido.
Perversão. Porém, assim como a loucura é a impossibilidade do Ego para realizar sua dupla
função (conciliação entre Id e Superego, e entre estes e a realidade), também a sublimação
pode não ser alcançada e, em seu lugar, surgir uma perversão ou loucura social ou coletiva.
O nazismo é um exemplo de perversão, em vez de sublimação. A propaganda, que induz no
leitor ou espectador desejos sexuais pela multiplicação das imagens de prazer, é outro
exemplo de perversão ou de incapacidade para a sublimação.
É por esse motivo que certas coisas, certos sons, certas cores, certos animais, certas
situações nos enchem de pavor, enquanto outras nos trazem bem-estar, sem que saibamos o
motivo. A origem das simpatias e antipatias, amores e ódios, medos e prazeres desde a
nossa mais tenra infância, em geral nos primeiros meses e anos de nossa vida, quando se
formaram as relações afetivas fundamentais e o complexo de Édipo.
A dimensão imaginária de nossa vida psíquica - substituições, sonhos, lapsos, atos falhos,
prazer e desprazer, medo ou bem-estar com objetos e pessoas - indica que os recursos
inconscientes surgem na consciência em dois níveis: o nível do conteúdo manifesto
(escada, mar e incêndio, no sonho; a palavra esquecida e a pronunciada, no lapso; o pé
torcido ou objeto partido, no ato falho) e o nível do conteúdo latente, que é o conteúdo
inconsciente verdadeiro e oculto (os desejos sexuais). Nossa vida normal se passa no plano
de conteúdos manifestos e, portanto, no imaginário. Somente uma análise psíquica e
psicológica desses conteúdos, por meio de técnicas especiais (trazidas pela psicanálise), nos
permite decifrar o conteúdo latente que se dissimula sob o conteúdo manifesto.
Lançada em 21/04/2003
Direitos reservados. Para citar este texto: Cobra, Rubem Q. - A Psicanálise. COBRA PAGES:
www.cobra.pages. Nom.Br, Internet, Brasília, 2003.
("Geocities.com/cobra_pages" é "Mirror Site" de COBRA.PAGES)
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