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ECONOMIA INDUSTRIAL - Aula 1a

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ECONOMIA INDUSTRIAL

Polígrafo 01

1. MUDANÇA E INVOVAÇÃO TECNOLÓGICA, REESTRUTURAÇÃO


PRODUTIVA E MERCADO DE TRABALHO

1.1 Introdução

Os termos Economia Industrial, oriundo da língua francesa, e Organização


Industrial, oriundo da língua inglesa, são indistintamente utilizados no Brasil para
denominar a matéria Economia Industrial. É uma área de conhecimento relativamente
recente que veio a florescer somente a partir dos anos 1950, motivada principalmente pela
busca de novos meios e métodos para estudar a dinâmica real dos diversos setores
industriais empreendida por diferentes autores insatisfeitos com a tradição microeconômica
neoclássica.

A Economia Industrial abriga uma grande diversidade de linhas de pensamento


que se pode agregar em duas correntes principais, que serão denominadas abordagem
tradicional (mainstream) e abordagem alternativa (schumpeteriana/institucionalista). Sem
ser exaustivo, pode-se dizer que essas correntes partem de um conjunto de questões
empíricas comuns: qual é a natureza e qual o funcionamento real das empresas, dos
mecanismos de coordenação de suas atividades e, portanto, de seus mercados? A partir da
resposta a essas questões empíricas comuns, as correntes teóricas divergem radicalmente
em relação aos seus métodos de análise e ao papel representado pelas empresas em sua
estrutura teórica, bem como ao que entendem por concorrência.

A primeira corrente estruturou-se progressivamente a partir do trabalho de Joe S.


Bain, culminando com a representação teórico-analítica proposta por F. M. Scherer
conhecida como modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (Modelo ECD). Tem como
principal objetivo a análise da alocação dos recursos escassos sob as hipóteses de
equilíbrio e maximização dos lucros. Recentemente, alguns desenvolvimentos na
matematização dos modelos de empresa e de interação entre essas (teoria dos jogos)
levaram os estudiosos a rebatizar esta corrente de Nova Economia Industrial (NEI). Nesse
desdobramento há um aumento da importância das condutas empresariais na determinação
das estruturas de mercado; a empresa deixa de ser um agente passivo para adotar
estratégias discricionárias. Os principais fundamentos da ação governamental na
preservação da concorrência (regulação) e seus efeitos sobre a estrutura da indústria e sobre
a estratégia das empresas (defesa da concorrência) são oriundos desta corrente.

A segunda corrente filia-se diretamente a Joseph Schumpeter e tem como objetivo


central o estudo da dinâmica da criação de riqueza das empresas. Essa corrente tem uma
preocupação menos normativa que a anterior, levando em consideração as instituições e a
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história como elementos fundadores da teoria. Nesse sentido, a organização interna da


empresa não resulta de um procedimento de minimização de custos, mas da constituição de
capacidade de inovação. A empresa é um objeto de estudo relevante, razão pela qual o
estudo o estudo de suas estratégias torna-se obrigatório para a compreensão da dinâmica
dos setores industriais.

Ainda dentro da corrente alternativa, pode-se incluir a contribuição de Oliver


Williamson, que ampliou e consolidou a tradição inaugurada por Ronald Coase, ao
enfatizar a natureza institucional da empresa visando explicar as diferentes formas de
organização interna das corporações, as configurações industriais daí decorrentes e as
implicações sobre o funcionamento dos mercados.

O fato de a NEI – ramo mais recente da corrente tradicional, oriunda do Modelo


ECD – também dar destaque maior às estratégias empresariais, aproxima-a da corrente
alternativa sem, entretanto, convergirem.

1.2 Empresas, mercados e a economia industrial

Relações entre empresas, mercados, instituições e processos. Essa complexidade é


o cerne da Economia Industrial, cujo objetivo é o estudo do funcionamento real dos
mercados. Até que ponto, no entanto, é possível generalizar os princípios que explicam a
dinâmica concreta de um mercado sem que seja necessário resgatar os elementos
específicos da evolução histórica desse mercado é o desafio com que a disciplina se depara
e a motivação das diferentes contribuições teóricas que têm surgido desde os anos 1950.

A rapidez e a intensidade com que as tecnologias e as formas de organização da


produção industrial vêm se transformando desde meados do século XX têm atribuído à
Economia Industrial e à temática a ela associada – preços, custos, inovação, crescimento
das empresas, competitividade – um lugar central na análise econômica contemporânea. No
Brasil, observa-se também um interesse crescente no estudo desses temas, a partir dos anos
1980, quando a matriz industrial se completou, e posteriormente, nos anos 1990, com a
abertura comercial e o fim do regime de regulação apoiado no modelo de substituição de
importações, e o consequente aumento de concorrência entre as empresas.

A concorrência é o fenômeno mais característico das economias capitalistas. É


indiscutível, no entanto, que a construção do conceito de concorrência encerra uma grande
complexidade. Desde as noções que lhe são preliminares como as de empresa, indústria e
mercado, até a identificação das variáveis básicas descritivas das estruturas dos mercados e
das condutas das empresas, a noção de concorrência apresenta-se como um objeto analítico
que insiste em se situar além da capacidade explicativa das formulações teóricas
disponíveis.

Para os economistas neoclássicos – corrente tradicional –, a concorrência surge


como um estado no qual prevalecem certas premissas sistêmicas que garantem o equilíbrio
através da transformação de todos os agentes em tomadores de preço – na verdade,
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ausência de rivalidade entre as empresas. Ainda dentro dessa corrente, os


desenvolvimentos mais recentes da NEI consideram concorrência como um jogo em que as
empresas disputam parcelas de um mercado e os lucros nele gerados mediante a adoção
ativa ou reativa de políticas de preços, esforço de venda, diferenciação de produtos e outras.
Já para os neo-schumpeterianos – corrente alternativa –, a concorrência é analisada como
um processo em que cada agente busca diferenciar-se dos demais de modo a reter ganhos
monopólicos, sendo, no entanto, a inovação, de processo, de produto ou organizacional, o
principal fator gerador dessas quase-rendas.

O mercado é pensado como um espaço abstrato no qual se definem preços e


quantidades das mercadorias transacionadas por consumidores (demanda) e empresas
(oferta). Em cada mercado vigora um dado padrão de concorrência definido a partir da
interação entre as características estruturais dominantes e as condutas praticadas pelas
empresas que nele atuam. A definição do padrão de concorrência vigente em cada mercado
apresenta uma intensa controvérsia ainda não estabilizada em Economia Industrial. Nesse
debate, estão englobadas desde as visões nas quais a estrutura de mercado é considerada um
dado e condiciona univocamente o comportamento das empresas na tradição do chamado
Modelo ECD, até a visão virtualmente oposta segundo a qual é a estrutura que é
endogenamente determinada como resultado das estratégias concorrenciais adotadas pelas
empresas em um dado mercado, na abordagem alternativa e também na NEI.

Há algumas décadas passadas, a pauta de necessidades individuais era


completamente diferente da de hoje. Além das necessidades básicas de moradia,
alimentação, etc., o próprio crescimento da economia e o próprio desenvolvimento da
sociedade criam necessidades individuais que, mesmo não sendo de sobrevivência,
continuam escassas e fazem parte das demandas individuais. Como exemplo disso pode-se
citar o próprio computador. Até alguns poucos anos atrás não se ouvia sequer falar em
computador. Hoje, pelas facilidades que ele apresenta, já começa a fazer parte das
demandas e necessidades individuais, criando assim uma relação de trocas entre produtores
e consumidores e entre escassez e necessidades humanas.

1.2.1 A abordagem tradicional e suas revisões

A teoria econômica neoclássica, que sustenta os pilares da visão tradicional,


encara uma decisão como uma escolha. Comportamento são pensados mais como a
racionalidade que informa o processo de escolha, um simples problema de maximização. É
possível sofisticar um pouco essa abordagem, considerando que uma empresa ao invés de
um ator é o resultado de comportamentos de múltiplos atores.

Nesta tradição, baseada no atomismo, as decisões das empresas estão


subordinadas à determinação da existência de um vetor de preços que compatibilize as
decisões individuais. Em particular, com algumas suposições acerca das preferências dos
agentes e das características das técnicas produtivas, e supondo-se que os agentes são
tomadores de preços, garante-se a existência desse vetor. Nesse nível de abstração, é
justificável a adoção da hipótese de concorrência perfeita, na qual os agentes não rivalizam
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entre si – ausência da importância do estudo das políticas de preços e outras estratégias


competitivas –, mas simplesmente se deixam disciplinar pelo mercado.

Desde a sua formulação pioneira, o modelo de concorrência perfeita foi alvo de


severo questionamento, em particular, no que toca à baixa aderência de suas premissas à
realidade econômica observada. Do debate quanto à existência de preferência dos
consumidores, de funções de produção com rendimentos constantes de escala, de estruturas
oligopolistas estáveis e outras, foram surgindo diversas revisões das proposições
neoclássicas originais.

A partir da década de 1950, as proposições que utilizam a heurística do Modelo


ECD passaram a ocupar o posto de paradigma teórico por excelência das teorias
microeconômicas preocupadas com as questões práticas ligadas às empresas, às indústrias e
aos mercados. É sob este paradigma que a Economia Industrial (ou Organização Industrial)
consolidou-se como uma matéria específica da ciência econômica.

É consensual para os estudiosos desta matéria o caráter seminal da obra de Joe S.


Bain na constituição da metodologia estrutura-conduta-desempenho como ferramenta
básica de análise. Na tradição de Bain, que depois passou a ser reconhecida como hipótese
estruturalista básica, as condutas não importavam, a ponto de se considerar que a estrutura
– representada por variáveis como grau de concentração ou de barreiras à entrada –
determinava direta e inequivocamente o desempenho do mercado. O desempenho, por sua
vez, é avaliado em termos do desvio da taxa de lucro efetiva em relação à taxa ideal em
eficiência alocativa – o ótimo de Pareto – o que significa de fato o desvio do preço efetivo
em relação ao custo marginal de produção.

A partir das formulações pioneiras de Bain, basicamente ligadas à determinação de


preços-limite na presença de barreiras à entrada, as proposições teóricas foram se
aprofundando, mas também se diversificando. O aprofundamento consistiu, basicamente,
na ampliação das variáveis incluídas no esquema analítico original, principalmente quanto
aos elementos de conduta, como propaganda e pesquisa e desenvolvimento, e não somente
à política de preços das empresas. A busca desse aprofundamento expressou-se na
realização intensiva de pesquisas empíricas, em particular durante a década de 1960. Esse
movimento, de certa forma, contribuiu inicialmente para ampliar a crença no poder
explicativo do Modelo ECD e tornar-se mais abrangente o seu escopo normativo. Mas
certos resultados empíricos e, principalmente, certos questionamentos teóricos levaram a
um processo de revisão do paradigma e a busca de diversificação das teorias de organização
industrial. Nesse processo, o questionamento crítico de alguns supostos fundamentais da
teoria terminou por expor graves lacunas na concepção original. De certa forma, as
tentativas de completar a teoria, ao contrário de bem-sucedidas, acabaram por desfigura-la
seriamente.

Uma das lacunas do Modelo ECD pioneiro era a falta de importância atribuída às
condutas das empresas no processo de concorrência. A resposta foi a aceitação da
existência de causalidades menos rígidas, que se expressavam em uma relação interativa
entre as variáveis de estrutura, conduta e desempenho. Com isso, passou-se a avaliar
empiricamente todos os possíveis feedbacks entre as três categorias, enfraquecendo o
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modelo diante da múltipla causalidade das relações e da necessidade de encontrar soluções


simultâneas para essas relações. Duas alternativas foram buscadas: estudos de caso e
soluções matemáticas (teorias dos jogos). Ambas as alternativas se mostraram infrutíferas.
Os estudos de caso eram muito particulares e pouco generalizáveis e o uso intenso da
matemática se, por um lado, permitiu que soluções de oligopólio tivessem uma maior
formalização e, na visão de alguns, maior rigor científico, por outro, voltou a privilegiar a
conduta das empresas – e sua rivalidade – como a principal variável explicativa do
funcionamento dos mercados, desconsiderando o papel das suas características técnico-
econômicas (condições básicas da oferta e da demanda e grau de concentração).

Uma outra lacuna do paradigma ECD era a sua incapacidade de lidar com a
existência de diferenciais de lucratividade entre empresas em uma mesma indústria. O
problema é que, empiricamente, um dado grau de concentração de uma indústria pode
abrigar variadas distribuições de tamanhos das empresas. Mesmo que se aceite correlação
positiva entre grau de concentração e lucros excessivos em uma indústria, não há por que
imaginar que todas as empresas de uma indústria concentrada partilhem igualmente esses
lucros excessivos entre si. Como ademais, muitas das grandes empresas são diversificadas,
pareceria mais pertinente que a unidade analítica adequada para as análises de Economia
Industrial passasse a ser as grandes empresas e não mais os mercados (indústrias), tornando
questionável o próprio objeto de análise do Modelo ECD.

Mas o principal questionamento com que o paradigma se defrontou foi a chamada


questão da endogeneidade: se cada empresa escolhe seu nível de produção (e preços) em
função de suas curvas de custos, funções de demanda e de expectativas que mantenham
sobre a conduta das empresas rivais, o preço de mercado e os produtos de todas as
empresas, para uma indústria em equilíbrio, são conjuntamente determinados. Isso por sua
vez implica que tanto o grau de concentração quanto os lucros sejam variáveis
endogenamente determinadas e não possam guardar relações de causalidade predefinidas.
Ambas dependem, na verdade, das variáveis exógenas, assumidas como sendo as curvas de
custo, as funções demanda e as expectativas de ação e reação dos concorrentes que cada
empresa apresenta.

Claro está que, sendo pertinente a questão da endogeneidade, a noção de


concorrência ver-se-ia obrigada a dar conta de variáveis muito mais complexas. E ainda
mais, essas variáveis incluiriam a própria conduta das empresas, baseada em expectativas
de ação e reação, um objeto de difícil apreensão.

A hipótese da endogeneidade constituiu o ponto de partida, já na década de 1970,


de uma corrente alternativa de análise da organização industrial baseada em teoria dos
jogos, na qual as premissas do tipo ECD foram deixadas de lado. Na teoria dos jogos, ou
NEI, formula-se um comportamento de equilíbrio das empresas em que estas ajustam
quantidades, preços ou outras variáveis, de forma cooperativa ou não, resgatando assim os
modelos de Cournot, Bertrand, Nash ou outros, basicamente ligados aos primórdios das
teorias do oligopólio (em geral, duopólios).

Comparado metodologicamente com o paradigma ECD, as condições básicas e as


condutas são as variáveis exógenas na teoria dos jogos, enquanto a estrutura e o
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desempenho são as variáveis endógenas. As condutas são firmemente baseadas em


expectativas, podendo, como é feito em jogos mais sofisticados, ser introduzidas incertezas
quanto ao futuro.

Apesar de todas as críticas acima sumarizadas, o paradigma ECD é ainda tanto um


programa de pesquisa válido como um importante guia para a ação política. Fornece um
conjunto de ideias e conceitos, um volume impressionante de resultados empíricos que
sugerem que a estrutura de mercado está sistematicamente relacionada com o desempenho
no mercado, sugerindo que concentração industrial e barreiras à entrada devem ser objeto
de preocupação das autoridades regulatórias.

Mas também é verdade que a chegada dos anos 1980 trouxe novas questões que
não puderam ser tratadas pelo Modelo ECD devido à sua intensa fragmentação. Com
Scherer, o paradigma ECD havia perdido causalidade, a ponto desse autor, para muitos o
responsável pelo mais completo e preciso livro-texto dessa linha teórica, se autoqualificar
não como um estruturalista, mas como um “behaviorista”. A vertente empiricista
econométrica mostrava-se esgotada, enredada em discussões de natureza muito mais
estatística que econômicas. A NEI, apoiada no instrumental da teoria dos jogos, enfatizava
a tal ponto a rivalidade concorrencial, expressa em suposições sobre as condutas das
empresas, que várias de seus autores passaram a duvidar da importância da estrutura do
mercado para a compreensão do seu funcionamento.

1.2.2 A abordagem alternativa

A análise neoclássica parte de uma estrutura teórica universal a respeito da


escolha racional e de comportamento para uma teoria dos preços e do bem-estar
econômico. Nessa estrutura teórica assume-se que os agentes se comportam racionalmente
e maximizam suas funções de preferências; focam o estágio de equilíbrio alcançado, ou o
seu movimento em direção ao equilíbrio; e excluem os problemas crônicos de informação,
tais como as incertezas. O comportamento dos agentes é considerado como um dado e,
portanto, não é problematizado nas teorias e nas análises de cunho neoclássico.

As tentativas de desenvolver teorias não baseadas no equilíbrio por parte dos


autores da corrente alternativa, denominados autores “neo-schumpeterianos” ou
evolucionistas, mas que também recebeu contribuições dos autores institucionalistas, têm
estimulado a construção de um novo paradigma microeconômico de natureza não
determinística. Nessa busca, o caminho que tem se mostrado mais profícuo é o que toma
por base visões evolucionistas do processo de concorrência.

Esses autores têm como preocupação central a lógica do processo de inovação e


seus impactos sobre a atividade econômica. Este é, claramente, um programa de pesquisas
muito amplo e, neste contexto, as colocações sobre o processo de concorrência são ainda
muito dispersas, fato que indica que ainda há um longo caminho a percorrer. Assim, se
concordam em substituir a noção de equilíbrio pela de trajetórias de evolução, em enfatizar
o papel da mudança tecnológica na conformação das estruturas de mercado e no processo
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de mudança estrutural ou na atribuição de papel ativo por parte das empresas na definição
da direção dessas mudanças, as formalizações dessas relações, em termos das variáveis-
chave e das regularidades e causalidades relevantes é ainda pouco convergente.

As ideias principais dos schumpeterianos-institucionalistas estão relacionadas


com instituições, hábitos, regras e sua evolução. Não é comum na tradição
schumpeteriana-institucionalista, entretanto, construir um único modelo geral baseada
nessas ideias. Ao contrário, essas ideias facilitam uma abordagem específica e histórica
para a análise. Pode-se, inclusive, neste sentido, fazer-se uma analogia com a abordagem
utilizada na biologia. A biologia evolucionária tem poucas leis e princípios gerais pelos
quais a origem e o desenvolvimento da vida podem ser explicados. A análise da evolução
de um organismo específico exige dados detalhados sobre o organismo e seu ambiente, e
também explicações específicas relevantes à espécie em consideração. A teoria
evolucionária necessita tanto de teoria específica quanto de teoria geral. Em contraste, em
física existem repetidas tentativas para formular uma teoria geral de todos os fenômenos
materiais. Dessa forma, em sua relativamente maior ênfase em especificidades, a teoria
econômica schumpeteriana-institucionalista está mais próxima da biologia do que da física.

A abordagem schumpeteriana-institucionalista parte das ideias gerais com


relação ao homem, às instituições e à natureza evolucionária dos processos econômicos
para ideias e teorias específicas, relacionadas com instituições econômicas singulares ou
tipos de economia. De fato, existem vários níveis e tipos de análise, mas que são
relacionados através dos conceitos de hábito e de instituição, ajudando a ligar o específico e
o geral.

Todavia, a abordagem schumpeteriana-institucionalista não presume que a sua


concepção do homem como um ser que toma decisões baseadas nos hábitos permita uma
operacionalização imediata da teoria. Elementos adicionais são necessários. Em particular,
um autor desta tradição precisa mostrar como grupos específicos de hábitos comuns estão
embebidos em e são reforçados por instituições sociais específicas. Dessa forma, essa
abordagem move-se do abstrato para o concreto. Os schumpeterianos-institucionalistas se
valem das tradições de pesquisa psicológicas, sociológicas e antropológicas sobre o
comportamento humano para entender esses hábitos e rotinas. Então, se há uma teoria
geral, ela é indicativa de como desenvolver análises específicas de fenômenos igualmente
específicos.

Os autores neo-schumpeterianos explicitam essas premissas como sendo, em


essência, em número de três: (1) a existência de assimetrias técnico-econômicas entre os
agentes; (2) a existência de variedade tecnológica; e (3) a existência de diversidade
comportamental entre os agentes. Os conceitos básicos da teoria que os autores buscam
construir e que dão suporte a essas premissas são igualmente três: (1) a tecnologia é
apropriável, cumulativa, tácita e irreversível; (2) existe incerteza quanto aos resultados
dos esforços ou decisões tecnológicas (e não só em relação a elas); e (3) a despeito do
anterior, existem paradigmas e trajetórias tecnológicas setoriais que ordenam o progresso
técnico, fazendo da busca e seleção de inovações um processo não randômico nem
totalmente exógeno. O resultado dessa construção teórica é a obtenção de modelos
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evolucionistas que se contrapõem às formulações determinísticas habituais no pensamento


neoclássico.

A questão central enfrentada pelos modelos evolucionistas é a tentativa de tratar a


inovação, e a partir dela, a concorrência, como um processo dependente do tempo, tanto
lógico quanto cronológico. Concretamente, isso significa que a dinâmica a ser estudada não
pode deixar de ser a dinâmica do processo de mudança. Nesse marco teórico, a
preocupação de descrever a (falsa) dinâmica de ajuste de natureza estática comparativa não
tem sentido e é irrelevante. O objetivo é tratar variáveis path-de-pendent e por isso a
história tem que ser incorporada ao sistema teórico tanto no que diz respeito à história
passada em decorrência da natureza cumulativa das variáveis analisadas quanto em relação
ao futuro que, em vista das condições de incerteza sob as quais se dá o processo decisório,
não pode ser reduzido a sequência lógicas de tempos.

1.3 A concorrência schumpeteriana

1.3.1 As diferentes visões da concorrência na teoria econômica

Não há propriamente, na tradição da Economia como ciência, nenhuma “teoria da


concorrência” anterior ao advento da obra do economista austríaco J. Schumpeter no século
XX. Mas há diversas “noções” de concorrência que, mesmo sem constituir alguma teoria
sistemática, tiveram um papel importante em relegar a concorrência a uma posição
meramente acessória na teoria econômica.

Assim, se fará uma breve revisão das mais importantes “noções”: a clássica; a de
Marx; e a neoclássica, ainda hoje dominante – para melhor situar a revolução teórica
representada pela abordagem schumpeteriana.

1.3.1.1 A noção “clássica” de concorrência

A noção clássica de concorrência – adotada por Smith, Ricardo e seus


contemporâneos – está associada à livre mobilidade do capital entre diferentes indústrias,
implicando a livre entrada (livre iniciativa) ou ausência de “barreiras à entrada”. No início
do capitalismo, estas barreiras estavam relacionadas com privilégios monopolistas, ou seja,
restrições institucionais ou legais à livre concorrência e à livre iniciativa. A concorrência
era vista como um processo que se desenrola ao longo do tempo, pelo qual os
investimentos são atraídos pelas indústrias que proporcionam maior taxa de lucro,
afastando-se das de menor rentabilidade. Seria esse contínuo fluxo intersetorial de capitais,
possibilitado justamente pela concorrência entre capitais – ou seja, por sua mobilidade
entre indústrias –, o responsável pela suposta tendência à igualação das taxas de lucro entre
distintas atividades nas economias capitalistas.
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Entretanto, é característico do enfoque teórico da Economia Clássica,


especialmente em sua vertente ricardiana (e, hoje, “neo-ricardiana”), sua preocupação
maior com o resultado desse processo – ou seja, com a formação de uma taxa de lucro
uniforme entre indústrias, e os respectivos preços “naturais” ou de equilíbrio intersetorial –
do que com o processo da concorrência em si, já prenunciando o viés estático da Ciência
Econômica tal como viria a se consolidar com a teoria do equilíbrio geral, em fins do
século XIX. Nesse quadro, a concorrência não é objeto de análise em si, mas só interessa
pelos seus efeitos tendenciais ou de longo prazo, associados à teoria da determinação dos
preços e da taxa de lucro de equilíbrio.

1.3.1.2 A concorrência em Marx

Para Marx, a concorrência também era considerada mais como um processo


auxiliar – embora importante – para atingir determinados fins previstos pela teoria, do que
como um objeto em si mesmo digno de ser teorizado, Na concepção de Marx, a
concorrência não tem o “status” de gerar por si mesma efeitos relevantes na economia
capitalista; ela cumpre apenas um papel intermediário de “executar” as “leis de
movimento” (para usar sua expressão) dessa economia, determinadas em nível mais
“fundamental” (das relações de produção e das leis do capital) que o nível “superficial”
da concorrência, incapaz de criar ou afetar essas determinações. Isso não exclui o
reconhecimento da importância da concorrência, em Marx, como um pressuposto para a
teoria do valor e do capital; bem como sua aceitação, no essencial, da visão clássica da
concorrência como “mobilidade dos capitais”, atuando como o mecanismo básico para a
tendência à formação de uma taxa de lucro uniforme.

Por outro lado, é importante notar que Marx também tinha uma percepção aguda
da concorrência como um mecanismo permanente de introdução de progresso técnico,
capaz de tornar endógena à economia capitalista a capacidade de mudança estrutural via
inovações – na sua linguagem –, de tornar o “desenvolvimento das forças produtivas” uma
“lei de movimento” básica da economia capitalista. Este é um elemento crucial para uma
teoria dinâmica da concorrência, que será retomado por Schumpeter muito mais tarde.

1.3.1.3 A noção neoclássica de concorrência

A concepção clássica foi também adotada – e estendida – por Marshall, um dos


pioneiros da tradição neoclássica e fundador da Microeconomia. Sua principal contribuição
nesse terreno foi dar contornos mais precisos à noção neoclássica de concorrência,
predominante ainda hoje. Na sua versão atual, trata-se da noção de “concorrência
perfeita”, associada ao atomismo de mercado (tanto na oferta como na demanda), em que
as empresas individuais são tomadoras de preço (price takers), ou seja, incapazes de afetar
o preço de mercado, determinado pelo equilíbrio entre oferta e demanda, com preço de
mercado igual ao seu custo marginal. As implicações normativas dessas hipóteses são
fundamentais para o enfoque estático de eficiência alocativa, predominante em
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praticamente todas as aplicações de política econômica. Implicações normativas idênticas


mas que dispensam o atomismo de mercado são extraídas, ainda no campo neoclássico,
pela recente teoria de mercado contestáveis (1982), cujos resultados podem ter algum
interesse teórico mas cujo interesse empírico, em função de pressupostos pouco realistas,
dependem de uma avaliação de suas aplicações.

1.3.2 A teoria schumpeteriana da concorrência e o papel das inovações

1.3.2.1 A visão de Schumpeter

Trata-se de uma noção não ortodoxa, mas potencialmente a mais interessante de


todas, hoje conhecida como concorrência schumpeteriana. Sua principal característica é
que ela se insere numa visão dinâmica e evolucionária do funcionamento da economia
capitalista. Por ela, a evolução desta economia é vista ao longo do tempo (e por isso é
dinâmica e evolucionária) como baseada num processo ininterrupto de introdução e
difusão de inovações em sentido amplo, isto é, de quaisquer mudanças no “espaço
econômico” no qual operam as empresas, sejam elas mudanças nos produtos, nos
processos produtivos, nas fontes de matérias-primas, nas formas de organização produtiva,
ou nos próprios mercados, inclusive em termos geográficos.

Por sua vez, qualquer inovação, nesse sentido amplo, é entendida como resultado
da busca constante de lucros extraordinários, mediante a obtenção de vantagens
competitivas entre os agentes (empresas), que procuram diferenciar-se uns dos outros nas
mais variadas dimensões do processo competitivo, tanto os tecnológicos quanto os de
mercado (processos produtivos, produtos, insumos, organização, mercados, clientela,
serviços pós-venda).

1.3.2.2 Concorrência schumpeteriana

Os principais traços da teoria schumpeteriana da concorrência, em síntese, são


discutidos a seguir.

A concorrência schumpeteriana caracteriza-se pela busca permanente de


“diferenciação” por parte dos agentes, por meio de “estratégias” deliberadas, tendo em
vista a obtenção de vantagens competitivas que proporcionem “lucros de monopólio”,
ainda que temporários.

Por isso mesmo, concorrência não é o contrário de monopólio. Então, se bem-


sucedida, a busca de novas oportunidades, ou inovações em sentido amplo, deve gerar
monopólios, em maior ou menor grau e duração. Assim, se eles serão ou não eliminados
eventualmente, por meio de novos concorrentes e/ou imitadores, é algo que não pode ser
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preestabelecido. Na ocorrência de retornos crescentes à escala, como é frequente, vantagens


monopolísticas tendem a se consolidar, em vez de desaparecer.

A concorrência é um processo ativo de criação de espaços e oportunidades


econômicas, e não apenas, ou principalmente, um processo passivo de ajustamento em
direção a um suposto equilíbrio, nem supõe qualquer estado tendencial normal ou de
equilíbrio, como nos enfoques clássico e neoclássico. O desfecho do processo de
concorrência não é predeterminado, mas depende de uma interação complexa de forças que
se modificam ao longo do mesmo processo – mecanismos dependentes da trajetória (path
dependence), como são chamados na literatura –, tornando muitas vezes impossível prever
a própria existência, que dirá as características de um estado terminal. Esse, por sinal, é um
traço típico de processos evolutivos.

Nessa concepção, concorrência implica o surgimento permanente e endógeno de


diversidade no sistema econômico capitalista, também como convém a um processo
evolutivo. Importa mais a criação de diferenças, por meio das inovações em sentido amplo,
do que sua eliminação, mesmo que tendencial, como nos enfoques clássico e neoclássico.

Há muitas formas ou dimensões da concorrência, sendo a concorrência em preços


apenas a mais tradicional e mais simples, mas não a mais importante ou mais frequente. A
concorrência se dá também, por diferenciação do produto (inclusive qualidade) e,
especialmente, por inovações, que no sentido schumpeteriano – muito amplo, como se viu –
envolve toda e qualquer criação de novos espaços econômicos (novos produtos e processos,
novas formas de organização da produção e dos mercados, novas fontes de matérias-
primas, novos mercados).

Essa ênfase na diferenciação dos agentes e na multiplicidade dos instrumentos de


concorrência e dos ambientes concorrenciais implica destacar a importância da diversidade
dos fatores microeconômicos na caracterização dos esforços e resultados competitivos; em
particular, a diversidade estratégica e a variedade tecnológica como elementos centrais na
análise da concorrência.

A empresa é a unidade de análise da concorrência schumpeteriana, por ser a


unidade de decisão e de apropriação dos ganhos. O mercado é o seu locus, definido como o
espaço de interação competitiva principal entre as empresas (pode haver outros) em sua
rivalidade e orientação estratégica; há, portanto, um componente subjetivo – de avaliação
estratégica – nesta definição de “mercado”. É claro que fatores objetivos relacionados à
demanda e à oferta dos produtos e serviços – seu grau de substituibilidade, sua afinidade
tecnológica, etc. – são critérios que balizam essa definição.

Embora a unidade de análise seja a empresa, as condições ambientais são


decisivas – seja no nível de mercado, onde se dá efetivamente o processo de concorrência,
seja no nível mais geral, sistêmico, onde se definem as externalidades e as políticas que
afetam a concorrência.

A interação, ao longo do tempo, entre as estratégias das empresas – não apenas de


inovação, mas também de investimento, de preços, etc. – ou seja, estratégias competitivas,
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de um modo geral – e as estruturas de mercado preexistentes gera uma dinâmica indústria,


pela qual a configuração de uma indústria, em termos de produtos e processos (tecnologias)
utilizados, de participações no mercado das empresas, de rentabilidade, de crescimento,
etc., vai se transformando ao longo do tempo.

Assim, as estruturas de mercado são relevantes, mas não algo único, nem
imutável. Tanto podem condicionar, com maior ou menor intensidade, as condutas
competitivas e as estratégias empresariais, como podem ser por estas modificadas, de forma
deliberada e às vezes até profunda (no caso de inovações chamadas “radicais”, que afetam
fortemente o funcionamento de vários mercados). Tais mudanças devem ser consideradas
como inteiramente normais, e não excepcionais, podendo apresentar características
evolutivas mais ou menos regulares, como nas situações tratadas pelas noções de ciclo
industrial e ciclo de produto. Em outras palavras, essas estruturas são em grande medida
endógenas ao processo competitivo, e sua evolução deve ser vista no contexto da interação
dinâmica entre estratégia empresarial e estrutura de mercado.

Nesse enfoque, concorrência não é um “dado” ou um conjunto de “precondições”


– atomismo de mercado, racionalidade otimizadora dos agentes, informação completa –
necessários para o equilíbrio competitivo, como na moderna ortodoxia da teoria econômica
neoclássica. Tampouco é um processo de ajustamento a posições de equilíbrio, com
eliminação de lucros anormais e de desvios considerados fortuitos, como no enfoque
clássico e no neoclássico mais tradicional. É, na verdade, um processo de interação entre
empresas voltadas à apropriação de lucros – ou, em outros termos (não usados por
Schumpeter), à valorização dos ativos de capital.

Essa apropriação de lucros não pressupõe nem conduz a algum equilíbrio – como,
por exemplo, a igualação entre taxas de retorno do capital, presente tanto na teoria clássica
como na neoclássica. Ao contrário, está relacionada a desequilíbrios oriundos do esforço de
diferenciação e criação de vantagens competitivas pelas empresas, que se esforçam por
retê-las na forma de ganhos monopolistas, ainda que temporários e restritos a segmentos
específicos de mercado.

Assim, os lucros não são “normais” em qualquer acepção – eles são


conceitualmente mais próximos de quase-rendas (como na acepção de Marshall) –
rendimentos derivados da escassez temporária de determinados ativos) do que de
rendimentos de um fator em equilíbrio, como na tradição neoclássica. Mas ainda, a própria
noção de uma taxa de lucro “ex post” – razão entre o lucro obtido e o capital aplicado –
perde o sentido, uma vez que o lucro resultante de um esforço competitivo bem-sucedido
não tem qualquer relação causal com a magnitude do capital aplicado, e tampouco há
qualquer tendência à homogeneização dessa relação entre os agentes econômicos do
mesmo mercado ou de diferentes mercados, ainda que haja livre mobilidade do capital
entre indústrias.

Da mesma forma, as situações monopolísticas criadas a partir de inovações bem-


sucedidas não devem ser vistas como intrinsicamente anticompetitivas, pois constituem o
objetivo mesmo, e o resultado esperado, do processo competitivo, ainda que de forma
temporária e restrita. É por isso que, “monopólio (uma configuração de mercado, às vezes
13

temporária) e “concorrência” (um processo) não são incompatíveis entre si – muito ao


contrário!

1.3.2.3 A abordagem neo-schumpeteriana

O quadro de referência teórico descrito na seção anterior, tão diferente do


ortodoxo, vem sendo retomado e desenvolvido nas últimas quatro décadas por economistas
da corrente neo-schumpeteriana, que em sua vertente mais microeconômica também
adotam (e são conhecidos por) uma perspectiva evolucionária (e, portanto, dinâmica) da
teoria e da análise microeconômica. Entre seus principais expoentes destacam-se R. Nelson
e S. Winter (ambos de Cambridge), que fincaram o marco inicial dessa perspectiva com seu
livro clássico “Uma teoria evolucionária da mudança econômica”.

Esses autores – acompanhados por muitos outros participantes dessa corrente –,


além de seguir as principais ideias de Schumpeter a respeito da dinâmica da concorrência e
da inovação e sua importância na economia capitalista, propõem romper com os
pressupostos metodológicos tradicionais (neoclássicos) – particularmente o de equilíbrio,
substituído pela noção mais geral de trajetória; e o de racionalidade maximizadora ou
substantiva, substituído pelo de racionalidade limitada (“bounded”) ou processual
(“procedural”, na terminologia adotada por Herbert Simon).

Na analogia evolucionária proposta por Nelson e Winter são introduzidas as


noções básicas de busca (“search”) de inovações, procedidas pelas empresas a partir de
estratégias; e de seleção (“selection”) dos resultados econômicos dessas mesmas
inovações, realizada pelo mercado – o ambiente de seleção por excelência – e,
secundariamente, por outras instituições (centros de pesquisa, universidades, etc.).

Este tipo de análise microdinâmica e os modelos desenvolvidos por esses e outros


autores da corrente evolucionária neo-schumpeteriana baseiam-se na interação temporal
entre as estratégias empresariais, que envolvem o referido processo de busca de inovações
– mas abrangendo ainda outras estratégias competitivas e decisões (produção,
investimento, preços) – e o processo de seleção pelo mercado dessas mesmas inovações.

A trajetória resultante – a evolução temporal da indústria, em que se vai


modificando endogenamente, por meio das inovações e de sua seleção pelo mercado, a
configuração ou a estrutura da indústria em termos de produtos, tecnologias, participações e
concentração de mercado, etc., – é o principal objeto de análise. Geralmente são utilizadas
técnicas de modelagem por simulação, em vez de tentar obter soluções analíticas unívocas,
como nos modelos neoclássicos tradicionais, que só examinam soluções de equilíbrio e sua
estabilidade.
14

1.3.2.4 Síntese

Em suma, a concorrência schumpeteriana é uma teoria em que a criação de novas


oportunidades lucrativas – a dimensão ativa da concorrência, capaz de promover
incessantemente diferenciação entre os agentes e transformações na esfera econômica – é
tão ou mais importante que a tendência à eliminação de vantagens ou de diferenças entre os
agentes – a dimensão passiva da concorrência, na verdade a única que havia sido
implicitamente focalizada em todas as análises anteriores a Schumpeter (com exceção
parcial de Marx).

O destaque dado no enfoque schumpeteriano ao conceito de inovações em sentido


amplo reflete essa ideia crucial: não se trata apenas de enfatizar a mudança tecnológica –
como às vezes se supõe ao interpretar erroneamente, de forma reducionista, a concorrência
schumpeteriana –, mas toda e qualquer mudança no espaço econômico, promovida pelas
empresas em busca de vantagens e consequentes ganhos competitivos. É esta – a dimensão
“ativa” da concorrência, criadora de todo tipo de variedade dentro do sistema econômico
capitalista, e não eventuais “ajustamentos” (se houver algum) a uma nova posição de
equilíbrio, como nas tradições anteriores –, que importa para fundamentar uma teoria
dinâmica da concorrência capitalista. Isto porque é ela que permite explicar a notável
capacidade que a economia capitalista apresenta – por si mesma e não por “choques
exógenos”, como preferem pensar os economistas ortodoxos – de gerar mudança
qualitativa, isto é, transformações em todo o espectro de atividades capazes de produzir
lucros; o que só é compreensível quando se analisa a concorrência e seus efeitos ao longo
do tempo – em suma, o processo (dinâmico) de concorrência –, em vez de contentar-se
com supostos “estados de equilíbrio” (análise estática) que, também supostamente,
representariam de forma adequada e suficiente o funcionamento dessa economia.

Apesar dos ganhos em realismo teórico do enfoque schumpeteriano, seu conteúdo


mais complexo e seu instrumental de análise mais incipiente o tornam um referencial,
embora promissor, ainda longe de ampla aceitação no campo econômico da corrente
principal (mainstream) e, por extensão, nas aplicações normativas. Sejam essas aplicações
voltadas para a defesa da concorrência ou para a política industrial, em geral os
economistas supõem que dependam de referenciais de análise mais unívocos e mais
“precisos”, ainda que essa precisão seja não raro ilusória.

1.4 A abordagem tradicional e suas principais teorias e teóricos

Apesar dos esforços verificados no final do século XIX e início do século XX no


sentido de explicar o funcionamento de mercados oligopolizados, costuma-se reportar a
origem da organização industrial à década de 1930, com as contribuições seminais de Hail
& Hitch (1939), Mason (1939) e Coase (1937).

O enfoque microeconômico predominante naquele momento era o marshalliano,


que recebeu esse nome devido às contribuições de Alfred Marshall. Segundo esse enfoque,
15

uma empresa tinha como único objetivo a maximização de lucro, tendo pleno
conhecimento de suas funções de custo e de demanda. Como consequência, considerava-se
que a decisão fundamental da empresa consistia em escolher o nível de operação em que o
lucro fosse máximo, correspondendo à quantidade em que custo marginal (Cmg) e receita
marginal (Rmg) se igualassem. Esse modo de representar a decisão das firmas ficou
conhecido como princípio marginal.

Os estudos que deram origem à organização industrial, entretanto, questionaram


esse princípio que se baseava na observação direta do processo de decisão empresarial. Hall
& Hitch (1939), por exemplo, investigaram diversas firmas, em sua maioria pertencentes ao
setor industrial. Seus principais resultados, como era de esperar, foram críticos à
abordagem prevalecente. De um lado, os autores concluíram que a estrutura de mercado
predominante era oligopolista. De outro, observaram que as firmas pesquisadas não agiam
de modo a maximizar o seu lucro, não fazendo uso, portanto, do princípio marginalista.

A predominância da estrutura de mercado oligopolista colocava em xeque a visão


tradicional de que firmas agem isoladamente, tomando como base as variáveis externas. Ao
contrário, os empresários relataram que suas ações eram tomadas de modo estratégico,
levando em consideração a interdependência dessas ações e daquelas dos seus concorrentes.

Além disso, a observação de que as firmas não agiam de modo a maximizar seu
lucro levou os autores a questionar o pressuposto de informação completa (segundo o qual
as firmas teriam pleno conhecimento das funções de custo e demanda) e o racionalidade
ilimitada (segundo o qual, dado o conhecimento das funções de custo e demanda, as firmas
teriam capacidade de resolver perfeitamente o problema da maximização dos lucros).

O caminho seguido por Hall & Hitch foi propor novo modo de representação da
decisão empresarial que ficou conhecido como princípio do custo total. Nessa nova
proposta, as condições marginalistas de maximização de lucro não desempenhavam
nenhum papel na decisão empresarial.

1.4.1 Hall & Hitch: o princípio do custo total

Segundo o principio do custo total, as firmas tinham como decisão principal a


determinação do preço – e não da quantidade, como previa da Microeconomia tradicional.
Esse preço era determinado de modo bastante simples, por meio de margem fixa (mark-up),
que incidia sobre o custo variável médio (CVMe). Algebricamente, pode-se representar a
determinação do preço pela seguinte equação:

P = CVMe (1 + mark-up)

Preços seriam relativamente estáveis, uma vez que o aumento da demanda poderia
ocasionar elevação na quantidade vendida sem que isso tivesse o impacto na elevação do
preço. Para que houvesse alteração nos preços, seria necessário que o custo variável médio
fosse sensivelmente modificado ou que houvesse alteração no mark-up. Este último, no
16

entanto, constituía margem fixa, que somente era alterada por modificações substanciais
no mercado. Para explicar por que os empresários se utilizavam de margem fixa, Hall &
Hitch utilizaram o argumento da curva da demanda quebrada. Segundo eles, a curva de
demanda observada pelos oligopólios era preço-elástica, no caso de aumento do preço, e
preço-inelástica, no caso de redução do preço. Em outras palavras, se o empresário
procurasse elevar os preços de seus produtos, teria de amargar uma queda substancial na
quantidade vendida. Por outro lado, se sua ação fosse a redução de preços, o aumento da
quantidade vendida seria irrisório, provocando queda da receita. A curva de demanda
quebrada é representada pelo Gráfico 1., em que o preço p* é o preço estável.

Gráfico 1. – Curva de demanda quebrada

Para justificar o porquê de a curva de demanda apresentar essas características,


recorre-se à interdependência das ações no mercado oligopolístico. Assim, se a empresa
elevar o seu preço, seus concorrentes aproveitarão a oportunidade para ampliar sua
participação no mercado, mantendo o preço de seus produtos no nível original. Como
consequência, cairão as vendas da empresa que tomou a iniciativa de elevação do preço.
Então, se a empresa optar pelo caminho inverso e promover redução de preços, seus
concorrentes vão reagir, reduzindo também seus preços a fim de não perder participação no
mercado. Consequentemente, mesmo com a redução de seu preço, a quantidade vendida
não aumentará consideravelmente.

A contribuição de Hall & Hitch também era objeto de críticas, tanto de defensores
da Microeconomia tradicional quanto daqueles que procuravam na teoria para a
compreensão dos mercados oligopolizados. Por parte destes últimos, a principal critica era
a indeterminação do mark-up e, portanto, do preço. O princípio do custo total consegue
explicar por que os preços dos oligopólios são estáveis, mas não apresenta qualquer
justificativa para o nível da margem fixa.

Essa margem não deve ser confundida com o lucro da empresa, uma vez que ela
incide somente sobre o custo variável médio. Uma parte dela, portanto, destina-se a cobrir o
custo fixo médio. Assim, setores que necessitam de grandes investimentos em capital fixo –
por exemplo, o setor siderúrgico – vão apresentar mark-up mais elevado, sem que isso
necessariamente implique maiores lucros. Para evitar esse problema, pode-se dividir o
17

mark-up em dois componentes – um destinado a cobrir o custo fixo (m’) e outro


representando a margem de lucro (m”):

P = CVMe + m’ + m”,

em que m’ = CF e m” = margem de lucro.

A margem destinada a cobrir o custo fixo corresponde ao custo fixo médio, sendo,
portanto, variável de acordo com a escala de produção. A margem de lucro, por sua vez,
permanece indeterminada, de tal modo que o princípio de custo total não chega a oferecer
alternativa à Microeconomia tradicional na determinação do nível de preços. Por esse
motivo, o princípio de custo total também ficou conhecido como a teoria da margem
subjetiva.

Embora não apresentassem uma teoria de determinação do preço, os autores


contribuíram para o nascimento da organização industrial ao colocarem em xeque os
pressupostos de maximização de lucro, informação completa, racionalidade plena e
concorrência perfeita. Os avanços que seguiram e conduziram ao que hoje se entende por
organização industrial exploraram o relaxamento desses pressupostos, incorporando as
fricções do mundo real à análise econômica.

1.4.2 Mason: a firma ativa

Talvez a principal referência que marca o início da pesquisa em organização


industrial tenha sido o trabalho de Mason (1939). Ao contrário de Hall & Hitch, que
centraram suas críticas no princípio marginalista. Mason lançou as bases do paradigma de
Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD), assim como sugeriu um método de análise,
baseado em estudos de caso, como meio de captar as estratégias empresariais, ponto
relegado a segundo plano pela Microeconomia tradicional.

Em seu texto, Mason definiu como seu objeto as firmas oligopolistas, o que lhe
permitiu diversas considerações que não eram pertinentes em um contexto de concorrência
perfeita. Uma dessas considerações, particularmente importante, era a interdependência das
ações da firma e de suas concorrentes. Ao contrário de um ambiente de concorrência
perfeita, em que a ação de uma firma era insignificante perante o todo, em mercados
oligopolizados a ação de uma empresa afetava o retorno esperado pelas demais. Por
exemplo, se uma firma decidisse ampliar a produção e realizar um esforço de vendas para
ganhar participação no mercado, as demais firmas poderiam se defrontar com a queda da
receita. Como consequência, o comportamento da firma não poderia ser paramétrico, mas
sim estratégico. Em outras palavras, a firma oligopolista não tomaria as variáveis externas
como dadas, mas consideraria que a sua ação poderia induzir à mudança da ação das suas
rivais. Uma vez que a ação das rivais era relevante na determinação das principais variáveis
econômicas – como o preço –, a firma devia agir considerando a provável reação das
concorrentes.
18

Ao centrar sua análise nas grandes firmas, Mason introduziu a ideia de firma
ativa, que agia no sentido de modificar o ambiente em que está inserida. Preços, por
exemplo, não mais eram um dado para as firmas, mas sim uma variável de escolha.

Ao revelar que as firmas agiam ativamente sobre o mercado, Mason abriu espaço
para o estudo de diversas estratégias empresariais – como gastos em pesquisa e
desenvolvimento (P&D), marketing, diferenciação de produto, entre outros. No entanto,
seu trabalho inicial se concentrou na política de preços, enfatizando seu papel na
concorrência com as firmas rivais. Esse papel não se restringia a eventual guerra de preços,
mas abria espaço para outras estratégias que poderiam se combinar com uma política de
preços.

Mason também rejeitou a ideia da maximização dos lucros como o único objetivo
da firma. As grandes firmas são organizações complexas em que, frequentemente, a
propriedade está afastada da gerência. Além disso, o modo como a empresa é gerida a
torna vulnerável a diversas pressões dos grupos com quem ela se relaciona. Nesse contexto,
o comportamento das firmas é igualmente complexo, não podendo ser reduzido à simples
maximização de lucros.

O rompimento com a Microeconomia tradicional proposto por Mason era radical e


marcou a pesquisa em organização industrial. O autor preferiu abdicar do rigor formal da
análise anterior em nome de um leque mais amplo de questões que erma suscitadas pela
presença de mercados oligopolizados. Com a possibilidade de interdependência de ações,
um conjunto amplo de estratégias e diversos objetivos possíveis às firmas, era inviável a
construção de uma teoria no mesmo nível de abstração que caracterizava a economia
tradicional. Mason preferiu optar pelo empirismo e, para isso, propôs o uso de estudos de
casos, que poderiam evidenciar as particularidades de cada empresa e suas ações
estratégicas. Em última análise, cada caso é um caso, e as generalizações são utilizadas com
parcimônia.

A excessiva ênfase nos estudos de caso foi um obstáculo ao desenvolvimento da


organização industrial em seus estágios iniciais. Era necessário que a linha de pesquisa se
apoiasse em algum argumento geral, que pudesse ser aplicado aos diversos setores, para
que a organização industrial se consolidasse. Esse argumento foi dado pelo próprio Mason.

Em seu texto, o autor procurou classificar as firmas segundo tipos de estruturas de


mercado, observando, entre outros, o grau de concentração do mercado, as estruturas dos
mercados fornecedores e as características do produto. Dado um tipo de estrutura de
mercado, as firmas poderiam optar por um leque de possíveis estratégias (condutas)
conforme o seu objetivo. A escolha da estratégia, juntamente com a estrutura de mercado
em que se inseria, determinaria o resultado do sistema econômico (desempenho).
Desenhava-se, portanto, a cadeia causal que caracterizaria o paradigma de Estrutura-
Conduta-Desempenho: um tipo de estrutura de mercado limitaria e condicionaria a
conduta das firmas, o que teria efeitos sobre o desempenho econômico.

Como poderá ser depreendido da leitura dos itens que seguem, vários dos
problemas abordados hoje pela organização industrial foram, em alguma medida,
19

antecipados Mason. Autores como Bain e Scherer apresentaram contribuições substanciais


na direção apontada por esse autor.

1.4.3 Coase: custos de transação e a firma

O que é a firma? Por que existem firmas? A resposta em que se apoia a economia
tradicional: a firma é uma unidade de transformação tecnológica.

Aspectos organizacionais ou de relacionamento com clientes e fornecedores são


sumariamente ignorados, de tal modo que a firma pode ser representada como uma função
de produção, cujas entradas são os vários insumos necessários à produção e as saídas, os
bens produzidos por ela.

É senso comum, no entanto, que uma empresa não é caracterizada somente por
transformar insumos em produtos. Existem diversos modos de organizar a produção e estes
são relevantes para a eficiência do sistema econômico. Uma firma pode ser centralizada ou
organizada em unidades de negócios autônomas. Pode produzir os insumos de que
necessita ou adquiri-los de terceiros. Pode estabelecer contratos de longo prazo com seus
fornecedores ou optar por compras esporádicas. Pode adotar esquemas de remuneração de
seus empregados por produtividade ou utilizar remuneração fixa. Enfim, firmas diferem
umas das outras, independentemente de sua atividade de transformação de insumos em
produto.

A caminho de apresentar uma visão mais aprofundada da firma, Ronald Coase


publicou, em 1937, The nature of the firm. Sua preocupação era entender o escopo, a
abrangência e os limites de uma empresa.

Como ponto de partida, Coase identificou que as trocas, o estabelecimento de


acordos ou qualquer resultado de uma transação entre os agentes econômicos
apresentavam custos. Estes poderiam ser: a) custos de coleta de informações; e b) custos
de negociação e estabelecimento de acordo entre as partes, tendo sido genericamente
denominados por custos de transação.

Como segundo passo, Coase mostrou que as transações poderiam se realizar por
meio de diferentes formas organizacionais, como o mercado, contratos de longo prazo ou
mesmo internamente a uma firma. Esta última não seria somente um meio de transformação
de insumos em produtos, mas um meio alternativo de transacionar no mercado. No limite,
toda a atividade de produção e transação poderia se verificar dentro da mesma firma.

O que definiria o escopo e os limites de uma firma era, sobretudo, o modo como
ela desempenhava essa função alternativa no mercado. Assim, se os custos de fazer uma
transação por meio do mercado fossem muito elevados, poderia ser vantajoso internalizá-la,
ampliando o escopo da firma.
20

Esse argumento de Coase pode ser exposto do seguinte modo:

Sejam Gi e Gj dois modos alternativos de organizar a produção, por exemplo, uma


firma centralizada e uma firma organizada em unidades de negócio autônomas. Sejam
também Ci e Cj os respectivos custos de organizar a produção utilizando os modos
alternativos Gi e Gj.

Gi é a forma organizacional utilizada se Ci ≤ Cj,

Gj é a forma organizacional utilizada se Ci ≥ Cj.

No primeiro caso, seria mais interessante uma firma centralizada, uma vez que
seus custos de transação são menores do que os de uma firma descentralizada. No segundo
caso, é mais econômico a firma operar em unidades autônomas.

Com seu argumento, Coase colocou em cena as restrições às transações


econômicas, cujos custos não mais poderiam ser impunemente considerados como
negligenciáveis. Elementos antes considerados exógenos à análise econômica – como
direitos de propriedade e estrutura organizacional da firma – passaram, um a um, a ser
incorporados à análise econômica. Sua contribuição foi especialmente relevante ao estudo
da regulamentação dos mercados, possivelmente, a consequência mais importante do artigo
de Coase foi o enriquecimento da visão da firma, que passa de mero depositário da
atividade tecnológica de transformação do produto para um complexo de contratos regendo
transações internas.

1.5 Organização industrial: principais pontos

A década de 1930 foi o momento do rompimento com a análise tradicional,


marcando o início das linhas de pesquisas alternativas que vieram a constituir a organização
industrial. Nos anos que se seguiram, diversos autores apresentaram suas contribuições,
seguindo, sobretudo, Mason (1939), dando origem ao que se convencionou chamar de
organização industrial tradicional. A ideia de custos de transação, sugerida por Coase
(1937), possibilitou o aparecimento de diversas abordagens que têm em comum a visão da
firma como um complexo de contratos. Agora se passará aos comentários de alguns pontos
importantes da organização industrial tradicional.

1.5.1 Barreiras à entrada: a contribuição de Bain

A conexão causal entre Estrutura, Conduta e Desempenho, proposta por Mason,


foi retomada por Joe Bain, da década de 1950. Além disso, a preocupação com uma teoria
21

para a determinação de preços e padrão de concorrência de oligopólios, originária de Hall


& Hitch, foi também retomada em seu trabalho.

Preocupado em construir relações gerais entre as variáveis econômicas relevantes


aos mercados oligopolizados, Bain vai buscar na estrutura de mercado suas principais
explicações para o desempenho econômico. Nesse sentido, a cadeia causal proposta por
Mason é transformada na relação direta entre estrutura e desempenho, estando a conduta
das firmas relegada a segundo plano. As relações gerais entre essas variáveis poderiam ser
objeto de verificação empírica nas análises de cross section de diferentes indústrias.

Sua maior contribuição à organização industrial foi a análise das condições de


entrada de concorrentes potenciais em determinado mercado. Esse fator surge como um
significativo determinante dos preços dos oligopólios, uma vez que, diferentemente de um
monopólio puro, tal qual concebido pela Microeconomia tradicional, a elevação
indiscriminada de preços pode estimular a entrada de firmas potencialmente concorrentes
nesse mercado.

Para desenvolver esse argumento, Bain distingue dois tipos de concorrência:


concorrência efetiva (a existente entre as firmas já estabelecidas no mercado) e
concorrência potencial (a derivada da ameaça da entrada de outras firmas). A
concorrência efetiva é o grande determinante da maior parte das estratégias das firmas,
como a busca da eficiência produtiva e da colocação do produto. A concorrência
potencial, por sua vez, aparece como complemento à concorrência efetiva, impondo limites
às políticas de preços. Assim, se a concorrência potencial for muito acirrada – isto é, se for
muito fácil a entrada de outras firmas no mercado –, as firmas já estabelecidas não
poderão elevar em demasia seus preços, sob pena de perder mercado para as novas firmas.

A concorrência potencial é conceito antigo em Economia. Na concorrência


perfeita, por exemplo, não é necessário assumir que há infinitas firmas, mas apenas que há
livre entrada nesse mercado. O que Bain introduzia como novidade era uma graduação
contínua das condições de entrada em um mercado, conseguindo diferenciar a concorrência
potencial existente nas diferentes indústrias.

Para tratar das condições de entrada em um mercado, é necessário definir


exatamente o que é entrada distinguindo essa abordagem da Microeconomia tradicional.
Para Bain, entrada é definida como um novo investimento feito por uma nova firma. Assim,
a ampliação da capacidade instalada das firmas já atuantes no mercado não é considerada
entrada. Do mesmo modo, a aquisição da capacidade instalada já existente por uma nova
firma também não constitui uma entrada.

Agora se pode definir as condições de entrada (E) como a margem que pode ser
permanentemente acrescida ao custo médio de longo prazo sem que haja entrada de novas
firmas nesse mercado. Pode-se representar essa margem algebricamente pela seguinte
expressão:
E = PL – CMe ,
CMe
22

em que PL = preço-limite, por meio do qual a entrada é induzida; e CMe = custo médio de
longo prazo.

Em concorrência perfeita, o valor de E é igual a zero, uma vez que qualquer preço
que exceda o custo médio de longo prazo implica uma renda monopolista, induzindo à
entrada de novas firmas.

Na ausência de outros elementos relevantes para a determinação dos preços –


como a concorrência efetiva –, uma empresa empenhada em maximizar seus lucros de
longo prazo deve aproximar seu preço do preço-limite. Reescrevendo a equação anterior,
tem-se a seguinte relação:

PL = CMe (1 + E).

Pode-se observar que o valor de E corresponde à margem de monopólio que pode


ser obtida, dado o grau de concorrência potencial de um mercado. Esse valor será tanto
maior quanto maiores forem as barreiras à entrada. Estas, por sua vez, podem ser divididas
em dois grupos: barreiras institucionais e barreiras econômicas.

No primeiro caso, a entrada é legalmente proibida, não havendo, portanto, um


preço-limite por meio do qual a entrada de novas firmas é induzida. Esse é, por exemplo, o
caso do regime de patentes, que assegura a exclusividade de exploração de um produto por
uma empresa. Além disso, a sociedade frequentemente decide garantir proteção plena às
firmas estabelecidas em um determinado mercado, como é o caso do fornecimento de
alguns produtos agrícolas na comunidade econômica europeia e no Japão. O caso mais
abordado pela literatura de organização industrial, no entanto, é o das barreiras econômicas,
que representam a ausência de lucros às firmas “entrantes” para determinados níveis de
preços. As barreiras econômicas à entrada podem ser classificadas em três tipos
principais: a) diferenciação de produto; b) vantagem absoluta de custos; e c) economias de
escala. A seguir se analisará cada uma dessas importantes características da estrutura de
mercado.

1.5.1.1 Diferenciação de produto

Uma das barreiras à entrada refere-se ao modo pelo qual o consumidor percebe o
produto das firmas estabelecidas vis-à-vis do das firmas entrantes. Em resumo, a
preferência do consumidor por um produto permite elevação do seu preço sem que ele
substitua a marca.

Pode-se distinguir duas fontes de diferenciação de produto: real e informacional.


A primeira, relativamente menos importante para a determinação de barreiras à entrada,
consiste na diferença de atributos físicos ou locacionais entre o produto de uma firma
estabelecida e os produtos das firmas entrantes. Uma empresa já reconhecida no mercado
pode apresentar um produto que atenda com maior acuidade aos elementos demandados
pelos consumidores, de tal modo que estes possam aceitar pagar um preço superior àquele
23

que seria obtido pelo produto das firmas entrantes. Diferenciação de produto real é
especialmente relevante na concorrência entre marcas conhecidas dos consumidores, não
sendo característica tão importante na concorrência entre uma firma estabelecida e os
concorrentes potenciais entrantes. Não havendo segredos industriais, patentes para a
exploração do produto ou propriedade de ativos exclusivos, as firmas entrantes poderão
produzir produtos idênticos aos da firma estabelecida.

Mais relevante para o estabelecimento de barreiras à entrada é a diferenciação de


produto de caráter informacional. Os produtos de uma firma estabelecida podem ser
preferidos por dois motivos. De um lado, o acúmulo de esforços de propaganda e marketing
tornam uma marca conhecida, o que informa ao consumidor sobre as características do
produto. Em igualdade de condições, o consumidor irá preferir o produto do qual ele tem
informações (isto é, o produto da firma já estabelecida), o que caracteriza uma barreira à
entrada. De outro lado, o consumo continuado do produto já estabelecido, mesmo sem
esforços de propaganda e marketing, estabelece reputação sobre suas características. Essa
reputação pode garantir a fidelidade do consumidor, o que corresponde, mais uma vez, a
uma barreira à entrada.

1.5.1.2 Vantagem absoluta de custos

Uma firma estabelecida pode apresentar custos mais baixos do que os que seriam
incorridos pelas potenciais entrantes, independentemente da escala de produção. Nesse
caso, a firma estabelecida pode fixar um preço acima de seu custo médio de longo prazo,
sem atrair a entrada de concorrentes potenciais.

Existem diversos motivos para que uma firma estabelecida apresente custos mais
baixos que as concorrentes potenciais entrantes, entre os quais destacam-se três:

a) Possuir acesso privilegiado a fontes de matéria-prima, economizando custos de


transporte e logística;
b) Possuir tecnologia superior à das firmas entrantes, seja por patente, seja pela
aquisição de tecnologia no exercício de sua atividade;
c) Possuir rede de fornecedores e clientes, cuja relação estabelecida no longo
prazo permite melhores condições de negociação.

Independentemente do motivo de seu surgimento, a vantagem absoluta de custos


permite à firma estabelecida a prática de preço exatamente equivalente ao custo médio de
longo prazo da empresa entrante com melhores condições, sem com isso induzir a entrada
de qualquer concorrente potencial.

Essa relação é apresentada no Gráfico 2. Pode-se notar que, para qualquer escala
de produção, o custo incorrido pela firma entrante é sempre maior que o incorrido pela
firma estabelecida. Esta última pode, portanto, fixar o seu até o nível correspondente a PL,
sem com isso provocar a entrada de concorrentes potenciais.
24

Gráfico 2.

Preço/Custo

Quantidade

1.5.1.3 Economia de escala

A última importante fonte de barreiras à entrada é a presença de economias de


escala, que consistem na queda do custo médio de longo prazo à medida que se expande a
escala de produção. Há economias de escala de duas espécies: a) reais, em que, à medida
que cresce a escala de produção, são necessários menos insumos para a produção da mesma
quantidade de produto; e b) pecuniárias, em que o preço dos fatores de produção decresce
com o aumento da quantidade produzida.

As economias de escala reais podem decorrer de diversos fatores, destacando-se:

a) Economias de trabalho, advindas sobretudo da divisão do trabalho, que permite


ganhos com a especialização da mão-de-obra e economia de tempo entre as
tarefas;
b) Economias físicas, derivadas sobretudo da indivisibilidade do capital;
c) Economias de reservas financeiras e estoques, que podem ser
proporcionalmente menores à medida que se expande a escala de produção;
d) Economias de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, cujo custo é
fixo, independentemente da quantidade produzida;
e) Economias de propaganda e marketing, que normalmente exigem um gasto
mínimo e elevado para que tenham algum efeito sobre a demanda.

As economias de escala pecuniárias, por sua vez, são normalmente derivadas da


maior capacidade de barganha ou do menor risco decorrente do crescimento da firma. No
que se refere à capacidade de barganha, uma firma operando em larga escala pode adquirir
seus insumos a preços mais baixos, conseguindo impor aos seus fornecedores termos de
troca de seu interesse. Além disso, o tamanho da firma está associado a maior estabilidade
e, como consequência, ao menor risco incorrido pelos que negociam com ela. Assim, uma
grande empresa pode, por exemplo, empregar a mesma mão-de-obra a custo relativamente
menor, por causa do menor risco de rompimento da relação de emprego. Mais relevantes
25

ainda são as economias de escala pecuniárias derivadas de taxas de juros mais baixas, uma
vez que a probabilidade de pagamento de empréstimos é proporciona à magnitude desse
empréstimo em relação ao capital. Consequentemente, quanto maior a empresa, maior a
probabilidade desta honrar determinado empréstimo e, portanto, menor deve ser a taxa de
juros cobrada.

Conclui-se, portanto, que o primeiro obstáculo à entrada de concorrentes


potenciais deve-se à impossibilidade de entrada marginal, à medida que uma empresa
operando em escalas reduzidas apresentaria custo médio de longo prazo excessivamente
elevado. Como consequência, a firma entrante necessariamente deve operar em escala
compatível com a da firma estabelecida.

No entanto, mesmo que uma firma entrante pretende operar em escalas elevadas,
ainda há barreiras à entrada. A decisão de entrar ou não no mercado deve ser feita levando-
se em consideração a reação da firma estabelecida. Bain lista diversos tipos de reação, que
oscilam desde uma redução no volume de produção, acomodando a entrada, até a retaliação
por meio de uma guerra de preços. Segundo o autor, a reação mais provável é a redução
tanto da quantidade produzida quanto do preço praticada pela firma estabelecida,
antecipando um resultado posteriormente obtido pelo uso da teoria dos jogos. Sendo essa a
reação da firma estabelecida, a firma entrante vai se defrontar com a queda de preços, o que
pode inviabilizar a sua entrada. Por esse motivo, economias de escala consistem em
importante barreira à entrada.

1.5.2 Teoria dos mercados contestáveis

O papel da concorrência potencial foi levado às últimas consequências no trabalho


de Baumol et al. (1982), em que é apresentada a teoria dos mercados contestáveis, cujos
impactos sobre a organização industrial e, em particular, a política antitruste americana
foram consideráveis.

Para colocar em primeiro plano a concorrência potencial, os autores apresentaram


a ideia de contestabilidade de um mercado que em nada depende de concorrência efetiva.
Um mercado será perfeitamente contestável se:

a) Não existem restrições institucionais, vantagem absoluta de custos,


diferenciação de produto ou qualquer outra restrição à entrada (embora possa
haver economias de escala);
b) Não existirem barreiras à saída, ou seja, que as firmas estabelecidas possam
abandonar o mercado sem que com isso incorram em qualquer custo;
c) O tempo de resposta da firma estabelecida a eventual entrada for superior ao
tempo que a entrante levar para iniciar operações, podendo esta abandonar o
mercado antes de uma retaliação de preços.

Assim, se um mercado apresentar as características citadas, sua operação será


eficiente, replicando os resultados de concorrência perfeita. A ideia central é simples.
26

Então, se uma firma estabelecida elevar seus preços acima de seu custo médio de longo
prazo, haverá oportunidade de realização de lucros extraordinários para as firmas entrantes.
Como não existirão restrições à entrada, outras firmas poderão ingressar nesse mercado
sem incorrer em custos. Mesmo havendo economias de escala, como o tempo de resposta
da firma estabelecida a eventual entrada será superior ao tempo que a entrante levará
para iniciar suas atividades, não existirá a possibilidade de retaliação imediata por parte
da firma estabelecida. Finalmente, como não haverá barreiras à saída, a firma entrante
poderá abandonar o mercado assim que a firma estabelecida esboçar alguma reação. Em
resumo, se houver oportunidade de lucro extraordinário em um mercado perfeitamente
contestável, uma nova firma poderá “instantaneamente” entrar nesse mercado, realizar o
lucro e abandoná-lo antes da reação da empresa estabelecida. Esse processo, que ficou
conhecido como hit-and-run, é o grande disciplinador do comportamento das firmas
estabelecidas de tal modo que elas se veem constrangidas a manter seus preços próximos de
seus custos médios de longo prazo.

No modelo desenvolvido por Baumol et al. (1982), a estrutura de mercado não é


determinada a priori. Ao contrário, ela é resultado de aspectos tecnológicos –
incorporados na função de produção – e do padrão de concorrência ditado pela
contestabilidade do mercado. A função de produção e os preços dos fatores de produção
definem se uma certa configuração da estrutura de mercado é factível, ou seja, se ela
permite a operação sem prejuízo por parte das firmas. A contestabilidade, por sua vez,
define se essa mesma configuração é sustentável, ou seja, se ela não induz a entrada de
outras firmas ao permitir a realização de lucros temporários. Para que a configuração seja
sustentável, é necessário que as firmas produzam em seu tamanho ótimo, apresentando o
menor custo de produção possível. Caso contrário, uma concorrente potencial poderia
entrar nesse mercado, sem restrições, produzindo a custos inferiores. A pressão exercida
pela concorrência potencial é tal que a configuração da estrutura de mercado resultante será
factível e sustentável.

Portanto, no caso de perfeita contestabilidade, além de não haver espaço para a


realização de lucros extraordinários, a estrutura de mercado será eficiente, apresentando
uma configuração que o leve ao menor custo possível.

Os pressupostos utilizados por Baumol et al. Estão em evidente desacordo com a


proposta original de Mason, à medida que se afastam do empirismo proposto por esse autor.
Ao contrário, a proposta da teoria dos mercados contestáveis surge como uma tentativa de
fazer uma síntese entre a organização industrial e a Microeconomia tradicional. No entanto,
é inegável a sua contribuição ao estudo dos mercados oligopolizados. Pode-se ressaltar
duas grandes contribuições da teoria dos mercados contestáveis para a organização
industrial: a) a dissociação entre concentração de mercado e poder de monopólio; e b) a
identificação de barreiras à saída como um significativo determinante da concorrência nos
mercados.

A teoria dos mercados contestáveis identifica um conjunto de condições,


determinadas pelas três características de um mercado perfeitamente contestável, para que
se observe um resultado eficiente. A concentração do mercado – elemento muito utilizado
nas análises de concorrência – não é uma dessa condições. Em outras palavras, um
27

oligopólio, desde que perfeitamente contestável, pode ser uma estrutura de mercado
eficiente. Como consequência, a análise da concorrência deve centrar-se nas três
condições que caracterizam a contestabilidade, em vez de ter a concentração de mercado
como indicador mais relevante do poder de mercado.

A segunda grande contribuição da teoria dos mercados contestáveis foi a


relevância dada às barreiras à saída. Até então, a grande ênfase recaía sobre as barreiras
à entrada, que haviam recebido grande destaque no trabalho de Bain. Barreiras à saída
decorrem, sobretudo, da necessidade de realização de custos irrecuperáveis, de tal modo
que uma firma não pode abandonar o negócio de que participa sem incorrer em perdas. A
importância de barreiras à saída está em seu papel de disciplinar a entrada das firmas no
mercado, desestimulando o ingresso das que tenham por objetivo apenas aproveitar
oportunidade de alto lucro temporário.

1.5.3 Uma síntese: o paradigma de Estrutura-Conduta-Desempenho

Reunir as principais contribuições da organização industrial em um único corpo


não é tarefa fácil. O autor que se dedicou a essa tarefa foi Scherer, não apresentando
propriamente uma teoria, mas uma compilação das principais contribuições, sintetizadas no
paradigma de Estrutura-Conduta-Desempenho.

O eixo que norteia essa síntese foi resgatado diretamente de Mason (1939), quando
sugere um encadeamento causal da estrutura de mercado para a conduta das firmas e
desta para o desempenho econômico. Resgata-se também aquela que era a maior
preocupação de Mason e de Bain (1956): a formulação de políticas públicas.

O paradigma de Estrutura-Conduta-Desempenho tem como principal preocupação


a avaliação do desempenho de determinado mercado diante do desempenho esperado em
uma situação ideal de concorrência perfeita. Em outras palavras, procura-se avaliar em que
medida as imperfeições do mecanismo de mercado limitam a capacidade deste em atender
às aspirações e demandas da sociedade por bens e serviços. O confronto ocorre, portanto,
entre o desempenho econômico de uma estrutura dita “imperfeita” e o desempenho do ideal
competitivo. Sendo considerado uma variável dependente, assume-se que o desempenho
econômico pode ser alterado mediante intervenções sobre a estrutura de mercado e a
conduta das firmas, o que serviria de guia para as políticas públicas.

O grande vilão nos mercados oligopolizados é a capacidade de uma firma fixar


seus preços acima do custo marginal. Havendo poder de monopólio por parte de algumas
firmas participantes do mercado, três tipos de ineficiência podem surgir: a) ineficiência
alocativa; b) ineficiência produtiva; e c) ineficiência dinâmica.

A ineficiência alocativa surge diretamente do exercício do poder de monopólio, ou


seja, do fato de o preço ser superior ao custo marginal. Isso faz com que o consumo seja
inferior àquele que seria socialmente desejado, de tal modo que se abre espaço para a
intervenção do Estado no sentido de promover a concorrência e corrigir essa distorção.
28

Mais importante ainda é a ineficiência produtiva, que se refere à perda de motivação por
parte da firma que desfruta de lucros elevados, refletindo-se em um pequeno esforço
gerencial e produtivo. Sobre isso, o ilustre economista John Hicks afirmou que “o pior
custo dos monopólios é a preguiça dos gerentes”. A concorrência inibe diretamente esse
tipo de ineficiência ao pressionar a empresa a lutar pela sua sobrevivência. Uma ação do
governo no sentido de promover a concorrência pode, portanto, ser benéfica também nesse
caso. Finalmente, a ausência de concorrência pode implicar ineficiência dinâmica, uma vez
que as firmas se veem menos estimuladas a promover investimentos em capacitação
tecnológica. A concorrência é o grande motor da busca de novos produtos, novos mercados
e novos processos produtivos. Sem concorrência, o estímulo à atividade inovativa vê-se
diminuído.

O paradigma de Estrutura-Conduta-Desempenho é um dos principais instrumentos


de análise das políticas de defesa da concorrência. Uma vez identificados quais elementos
da estrutura de mercado ou práticas das firmas são danosos à concorrência, o Estado pode
fazer uso da legislação antitruste, a fim de atenuar as ineficiências derivadas do poder de
monopólio.

Mais adiante é apresentado um quadro sintético do paradigma de Estrutura-


Conduta-Desempenho. O efeito causal principal é dado pelas setas “cheia”, enquanto os
efeitos considerados secundários são representados pelas setas pontilhadas. Em primeira
instância, o desempenho do sistema econômico é determinado pelo conjunto de estratégias
que define a conduta das firmas. Cada empresa tem a possibilidade de desenvolver
estratégias com a finalidade de ganhar participação no mercado, no entanto, cada estratégia
tem impacto distinto sobre o desempenho. Por exemplo, gastos em pesquisa e
desenvolvimento de novos produtos refletem-se no aumento da eficiência dinâmica,
contribuindo para a melhoria da qualidade e/ou queda do preço dos produtos. Por outro
lado, a estratégia de cartelização com o objetivo de elevação dos preços tem efeito oposto.
Introduzem-se ineficiências alocativa e produtiva, tendo, portanto, reflexos negativos sobre
o desempenho econômico.

Não obstante, as firmas tenham autonomia para traçar sua conduta por meio de um
leque de estratégias, esse conjunto de estratégias disponíveis é determinado pela estrutura
de mercado em que a empresa se insere. Esse é o ponto em que o paradigma de Estrutura-
Conduta-Desempenho mais se aprofundou, seguindo, sobretudo, os trabalhos de Bain
(1956). Desse modo, se houver barreiras elevadas à entrada, haverá espaço para o exercício
do poder de monopólio, permitindo que a empresa faça uma política de elevação dos
preços. E se, ao contrário, não houver barreiras à entrada e à saída, as firmas terão pouco
espaço para a elevação dos preços. Assim, a estrutura de mercado condiciona a decisão
estratégica.

A estrutura, por sua vez, é determinada pelas condições básicas de oferta e


demanda, compreendendo características do produto, dos consumidores, da tecnologia,
entre outras. Características da tecnologia, expressas na função de produção, definem a
existência de economias de escala. Estas, por seu turno, induzem uma estrutura
concentrada. Pelo lado da demanda, características do produto permitem ou não a sua
diferenciação, sendo um elemento da estrutura.
29

Figura 1.

Condições básicas

Oferta Demanda
Matéria- prima, tecnologia, sindicalização, Elasticidade, substitutos, taxa de crescimento,
perecibilidade do produto, peso/valor, sazonalidade, método de compra,
ambiente institucional. tipo de comercialização.

Estrutura de mercado
Número de compradores e vendedores, diferenciação de produto, barreiras à entrada e à
saída, estruturas de custo, integração vertical, diversificação.

Conduta
Precificação, estratégia de produto e propaganda, pesquisa e desenvolvimento, expansão da
capacidade, estratégias institucionais.

Desempenho
Eficiência produtiva e alocativa, desenvolvimento, pleno emprego, equidade.

Fonte: Scherer e Ross (1990:5)

Os efeitos causais secundários são frequentemente ignorados, embora possam ser


importantes no longo prazo. Por exemplo, uma política de investimento em pesquisa e
desenvolvimento – um elemento da conduta – pode dotar uma empresa de acesso
privilegiado a uma nova tecnologia, permitindo que ela tenha vantagem absoluta de custos
– um elemento da estrutura. O efeito é considerado secundário porque é necessário tempo
considerável de investimentos para reverter certa situação da estrutura de mercado. Como
os trabalhos empíricos, em sua maioria, utilizam dados cross section (diferentes indústrias
em um mesmo instante do tempo), a consideração de que o efeito causal predominante
parte da estrutura para a conduta parece razoável.

O paradigma de Estrutura-Conduta-Desempenho foi o principal instrumento de


intervenção sobre os mercados, embora várias críticas lhe tenham sido endereçadas. Duas
dessas críticas se sobressaem: seu caráter estático e a ausência de uma teoria consolidada.
Considerar a estrutura de mercado como variável exógena é limitante quando a evolução
tecnológica é intensa. Nesses casos, a estrutura pode mudar com rapidez, desqualificando a
sua ênfase como variável determinante. Finalmente, o paradigma é uma tentativa de síntese
de um conjunto de teorias, muitas vezes incompatíveis. Não se consegue – e não se
pretende – chegar a uma única teoria consolidada.
30

1.6 Teorias alternativas: uma firma complexa

Nesta seção se procurará, de forma breve, levantar alguns aspectos da visão da


firma como organização complexa.

1.6.1 Organização e eficiência econômica

Uma firma, independentemente da tecnologia que adote, tem modos alternativos


para se estruturar internamente ou se relacionar com seus clientes e fornecedores. Essa não
é uma escolha aleatória, sendo frequentes as ações estratégicas com o intuito de buscar um
ou outro modo de organização da produção. A razão dessa preocupação com a estrutura
organizacional está em sua estreita relação com a eficiência econômica de uma firma ou
sistema econômico.

A estrutura organizacional é relevante porque: a) a informação necessária para


gerir uma empresa não é completa; b) contratos internos e externos à firma apresentam
custos ao serem implementados; e c) a adaptação a contingências não-antecipadas é
variável conforme a forma organizacional adotada. Assim, é necessário que a empresa se
organize de modo a lidar eficientemente com esses problemas informacionais, contratuais
e/ou adaptação.

Um resultado tradicional obtido por essa linha de análise está na comparação de


uma estrutura centralizada com outra, em que a empresa é dividida em unidades de
negócio. A estrutura centralizada permite maior controle das atividades da empresa,
conseguindo coordená-las melhor por meio de um único comando na direção da empresa.
Uma estrutura descentralizada, dividida em unidades de negócio, perde essa capacidade
de coordenação, pois o controle sobre elas é dividido entre as unidades. Nesse caso, é
possível criar mecanismos de incentivo que levem a um comportamento mais engajado de
cada unidade de negócio, uma vez que ela é diretamente responsável pelos resultados
apresentados. Como consequência, ao passar de uma forma organizacional para outra,
perde-se em controle – e, portanto, coordenação –, mas ganha-se em motivação. À medida
que aumenta o tamanho da empresa, o controle – vantagem da estrutura centralizada –
torna-se mais difícil de ser exercido. Por esse motivo, a estrutura em unidades de negócios
pode ser mais atrativa, uma vez que o controle da estrutura centralizada passa a perder
efeito.

Nas subseções que seguem são apresentadas algumas abordagens que têm em
comum a preocupação pelo estudo das estruturas internas das organizações e o modo que as
instituições, como o mercado, operam. Mesmo tendo esse ponto de contato, as abordagens
selecionadas diferem substancialmente umas das outras. Esta breve apresentação pretende
marcar algumas diferenças, ressaltando algumas contribuições de cada abordagem ao
estudo da organização industrial. Não há a pretensão de apresentar uma lista completa das
teorias alternativas, mas apenas um corpo mínimo que caracterize parte relevante da
pesquisa sobre a firma, seu escopo e comportamento.
31

1.6.2 Teoria behaviorista

Qualquer pessoa que já teve a oportunidade de conviver no ambiente de uma


grande firma não hesitaria em diagnosticar duas características: a) a firma não possui
comando único e irrestrito, ao contrário, trata-se de “coalizão de grupos com interesses
conflitantes”; e b) o comando da firma não tem a capacidade de resolver todos os
problemas de modo “maximizador”, contentando-se com soluções satisfatórias. São essas
mesmas características que orientam a concepção de firma utilizada pela teoria
behaviorista, inspirada sobretudo nos trabalhos de Simon (1952) e Cyert & March (1963).

Essa linha de pesquisa orientou o foco de análise para o processo de tomada de


decisões nas grandes firmas, em um contexto de mercados oligopolizados e forte incerteza
quanto às variáveis relevantes. Centrar a análise sobre o processo de decisão significa
negar o pressuposto de maximização do lucro, uma vez que a ação da firma reflete
objetivos múltiplos e conflitantes. Enquanto acionistas possivelmente desejam maiores
dividendos (lucros não-reinvestidos), gerentes podem preferir maiores salários e menos
estresse. Enquanto uma divisão financeira pode ter como objetivo o controle dos custos,
uma divisão de marketing frequentemente prefere o aumento do volume de vendas. Em
suma, conflitos são inerentes às organizações.

O processo de decisão é concebido da seguinte forma: os diversos indivíduos que


compõem uma organização apresentam suas solicitações, as quais são determinadas por
vários fatores, como status, remuneração, conforto, entre outros. A multiplicidade de
solicitações não pode, por via de regra, ser satisfeita integralmente, uma vez que diversas
solicitações são conflitantes. Além disso, equacionar pedidos díspares e não redutíveis a
variáveis quantificáveis torna o problema virtualmente sem solução. Diante disso, os
membros da empresa agrupam-se de acordo objetivos comuns, encaminhando propostas de
ação que contemplem as principais solicitações de cada indivíduo. As propostas
encampadas por grupo são denominadas “níveis de aspiração”, correspondendo a soluções
consideradas satisfatórias – embora imperfeitas – pelos membros do grupo.

Os autores introduziram também a ideia de aprendizado no processo de tomada de


decisão. As solicitações individuais dependem da experiência passada em dois níveis. De
um lado, os indivíduos aprendem, com a experiência, qual é o efeito das ações sobre os
resultados que lhes interessam. Assim, uma solicitação feita pelos funcionários e atendida
pela alta gerência – por exemplo, salário fixo – pode não ter o resultado desejado por
aqueles que a pediram – por exemplo, redução do nível de emprego. Constata-se, portanto,
que uma remuneração fixa pode ter resultados perversos sobre a eficiência de uma empresa
e, consequentemente, sobre o nível de emprego. De outro lado, os agentes aprendem
comparando suas solicitações passadas com os resultados efetivamente obtidos. Esse efeito
ocorre porque os agentes não conseguem avaliar com precisão a situação da firma, fazendo
as suas solicitações tendo como referência o desempenho passado da empresa.

A decisão final cabe à alta direção que, diante da multiplicidade de objetivos e dos
limites na avaliação das alternativas disponíveis à firma (racionalidade limitada), contenta-
se com uma solução “satisfatória” e possível, mesmo diante de tantas restrições ao processo
32

de tomada de decisões. Reconhece-se, portanto, que não é possível nem econômico a firma
se empenhar em um comportamento maximizador.

Para resolver os conflitos internos, a alta direção pode recorrer a medidas não
diretamente relacionadas à atividade produtiva, cuja finalidade é atenuar as divergências
quanto aos objetivos da firma. Essas medidas são, em sua maioria, instrumentos de
compensação, incluindo transferência de recursos, redução da carga de trabalho e/ou
delegação de funções. Encontra-se, então, uma explicação econômica para elementos
internos às organizações, que parecem desprovidos de sentido. Por exemplo, aliviar a carga
de trabalho da área de marketing pode ser uma medida que atenue conflitos internos e
permita a adoção de uma ação não desejada pelos membros dessa área.

Não obstante tenha trazido diversas contribuições ao estudo das organizações e,


em particular, da grande empresa capitalista, a teoria behaviorista teve alcance restrito
dentro da teoria econômica. Limitações da própria linha de pensamento contribuíram para
que o horizonte se restringisse aos limites da firma, não sendo possível extrair dela uma
teoria de determinação de preços, de comportamento interdependente entre firmas ou do
papel de diferentes estratégias no processo de concorrência. Em suma, elementos centrais à
organização industrial não são abordados, o que a relega à categoria de teoria alternativa.

Embora tenho tido impacto tênue sobre a teoria econômica, a teoria behaviorista
mantém ativa a sua linha de pesquisa, sobretudo a voltada ao processo de decisão nas
organizações.

1.6.3 Teoria da agência

Também interessada em analisar aspectos internos da firma, a teoria de agência


propõe uma análise bastante distinta da empreendida pela teoria behaviorista. Seu método é
inerentemente ortodoxo (isto é, semelhante àquele empregado pela Microeconomia
tradicional), distinguindo-se deste apenas por considerar que a informação não é completa
e que há custos em coletá-la.

O modelo básico da teoria da agência apresenta dois atores – denominados


principal e agente – que se relacionam por meio de uma transação qualquer. O principal é
um ator cujo retorno depende da ação de um agente ou de uma informação que é
propriedade privada deste último. Assim, a característica fundamental de uma relação
entre principal e agente é a “assimetria de informações”, tendo o agente uma informação
de que o principal não dispõe.

Essa relação introduz dois tipos de problemas transacionais, relevantes para a


decisão sobre o modo como devem ser organizar as firmas e suas relações com
fornecedores e clientes. O primeiro problema ficou conhecido como risco moral, referindo-
se à possibilidade de o agente fazer uso de sua informação privada em benefício próprio
após a celebração de um contrato, eventualmente impondo prejuízos ao principal.
33

Dois tipos de risco moral podem ser distinguidos: a) informação oculta (hidden
information) – em que as ações do agente são observáveis e verificáveis pelo principal, mas
uma informação relevante ao resultado final é adquirida e mantida pelo agente; e b) ação
oculta (hidden action) – em que se ações do agente não são observáveis ou verificáveis.
Uma ação é observável se o principal é capaz de avalia-la em qualidade e/ou quantidade,
mesmo que isso não implique alguma forma de mensuração. Uma ação é verificável se,
além de observável pelo principal, este tenha meios de provar o que observou perante a
instância responsável pela resolução das querelas contratuais – por exemplo, um tribunal. A
diferença entre uma ação verificável e outra apenas observável é relevante em relações
continuadas entre agente e principal, em que um deles, ou ambos, pode interromper o
contrato ou renegociá-lo no decorrer da transação. Nesse caso, a observabilidade tem como
efeito a imposição de uma restrição ao contrato, limitando o comportamento do agente, que
pode ser punido com a interrupção do mesmo. O principal, no entanto, somente
interromperá o contrato se essa solução lhe garantir um retorno maior do que aquele que
seria obtido por meio da continuidade do contrato, mesmo considerando-se a possibilidade
de risco moral.

O exemplo clássico de risco moral com informação oculta é a relação entre


paciente (principal) e médico (agente). A ação do médico – uma operação ou a aplicação de
um medicamento – é, presume-se, observável. No entanto, o médico, por meio de exames e
amparado pela obscuridade de seu conhecimento, adquire uma informação privada
essencial à transação em questão, qual seja, o diagnóstico. O paciente pode exigir
contratualmente o acesso a essa informação privada, o que aparentemente eliminaria o
problema de risco moral. No entanto, mesmo que o paciente fique ciente de um
diagnóstico, nada assegura que este seja de fato verdadeiro. Em outras palavras, se o agente
tiver motivos para mentir, o diagnóstico fornecido será inútil, não resolvendo o problema
da assimetria informacional. Um obstetra poderia, por exemplo, recomendar uma cesariana
(pela qual, supõe-se, receberia mais que por um parto normal), sem que a situação da
paciente exigisse esse tipo de tratamento. Não havendo qualquer restrição ética ao
comportamento do médico, ele poderia mentir na apresentação do diagnóstico, de modo
que fizesse uso dos incentivos financeiros que a realização de uma cesariana implicaria.
Nesse caso, o médico estaria usando a assimetria informacional em benefício próprio,
influindo negativamente sobre o retorno que o principal (paciente) pretendia obter da
transação.

O exemplo clássico de risco moral com ação oculta pode ser encontrado na
relação entre seguradora (principal) e segurado (agente). Um agente faz o seguro de seu
carro numa seguradora denominada principal. De acordo como esse seguro, se o carro for
furtado, o valor integral do veículo será ressarcido ao agente. No entanto, o agente pode
atuar de modo a alterar a probabilidade de roubo do automóvel, tomando precauções que
são custosas a ele, como pagar um estacionamento em vez de deixar o carro na rua. Uma
vez segurado, o proprietário do veículo, tem, literalmente, assegurado o valor de seu
veículo. Então, se houver furto, ele recuperará o valor por meio da seguradora; se não
houver, ele manterá a posse de seu automóvel. Recebendo o retorno da transação,
independentemente da ocorrência de furto, o agente presumivelmente será menos
cuidadoso com o seu veículo, o que aumentará o risco de roubo e, consequentemente,
reduzirá o retorno esperado do principal na transação.
34

Outra contribuição igualmente importante do estudo da assimetria de informações


foi o conceito de seleção adversa. O tipo de problema agora enfocado não mais se refere ao
comportamento pós-contratual, mas sim à adesão ou não a determinada transação. Um
mercado que possui diferentes qualidades de bens, e essa é uma informação privada de uma
das partes, tende a ser ineficiente à medida que as transações desejadas em um mundo de
informação perfeita não se realizam. Resumidamente, o mecanismo de seleção adversa
elimina do mercado os produtos de boa qualidade porque o vendedor não consegue
convencer o comprador sobre a qualidade do produto. Da parte do vendedor, a transação
só é interessante se o valor a ser recebido for maior ou igual ao valor dobem, dado em
função da qualidade do bem e da informação privada do vendedor. O comprador, por sua
vez, não podendo avaliar a qualidade do bem, não pode simplesmente comparar valor e
qualidade. Como alternativa, o comprador compara o valor a ser pago com a qualidade
esperada. Então, se um bem for de alta qualidade, o vendedor, ciente disso, exigirá alto
valor para a transação. O consumidor, no entanto, ignorante quanto à qualidade do bem,
aceita pagar um valor correspondente à qualidade esperada, que, por definição, é inferior ao
valor de um bem de alta qualidade. Consequentemente, somente os bens de qualidade
inferior seriam comercializados.

A solução para um problema de seleção adversa é conhecida como sinalização. O


vendedor agiria de modo de provesse o comprador de informações confiáveis a respeito do
bem – como certificados de qualidade ou garantia –, atenuando a assimetria de informações
e, como consequência, o problema de seleção adversa. O exemplo clássico para esse
fenômeno é o mercado de carros usados, no qual a qualidade é variável e dificilmente
observável de forma apropriada.

Para os adeptos dessa abordagem, a organização das firmas e dos mercados é


muitas vezes desenhada para dar conta de problemas como risco moral e seleção adversa.
Como exemplo, a remuneração do funcionário (agente), de acordo com a produtividade, é
uma solução para o fato de seu patrão (principal) não ser capaz de observar seu empenho no
trabalho (um caso de risco moral com ação oculta). Assim, um modo de induzir o
trabalhador a um empenho maior é remunerá-lo de acordo com sua produtividade.

A teoria da agência presta-se também para a formulação de estratégias diversas das


firmas. Por exemplo, frequentemente o esforço de marketing atende ao propósito de
eliminar a assimetria informacional entre firma e seus consumidores. A criação de uma
marca de conhecimento dos consumidores informa sobre a qualidade do produto. Em outras
palavras, a marca sinaliza ao consumidor aspectos da qualidade do produto, atenuando o
problema de seleção adversa.

1.6.4 Economia dos custos de transação

Coase já havia identificado que as transações apresentavam custos. No entanto,


ainda era necessário explicar como surgiam esses custos e o que determinava a sua
magnitude. Somente assim seria possível inferir qual deveria ser a forma organizacional
35

adotada. Esse passo foi dado pela economia dos custos de transação, cuja principal
referência é Williamson (1985).

A economia dos custos de transação parte de dois pressupostos comportamentais,


que a distinguem da abordagem tradicional. Assume-se que os indivíduos são oportunistas
e que há limites em sua capacidade cognitiva para processar a informação disponível
(racionalidade limitada). Por oportunismo entende-se que os indivíduos são considerados
fortemente auto-interessados, podendo, se for de seu interesse, mentir, trapacear ou
quebrar promessas. O pressuposto da racionalidade limitada, por sua vez, implica que o
agente – por exemplo, um empresário – se empenhará em obter aquilo que considera
melhor para si – por exemplo, o maior lucro possível para a sua empresa. No entanto, a
obtenção de informações necessárias às decisões que levem a esse objetivo, assim como a
capacidade de processamento de contratos complexos que deem conta de todas as
contingências, são limitadas ou, na melhor das hipóteses custosas. Em outras palavras, o
recurso “racionalidade” é escasso, implicando custos à sua utilização. Devido a esses
custos, os agentes limitam o uso da cognição, o que pressupõe que suas decisões não
necessariamente corresponderão àquelas que seriam obtidas empregando-se racionalidade
plena. Em vez de uma decisão ótima, o agente contenta-se com uma decisão satisfatória,
pertencente a um conjunto de outras decisões igualmente satisfatórias e indistinguíveis
entre si, dados os limites da racionalidade.

Como não é possível estabelecer uma relação que dê conta de todas as


eventualidades, a renegociação é inevitável. Entretanto, como há possibilidade de
comportamento oportunista, essa renegociação sujeita uma parte ao risco de que a outra
se aproveite da situação para obter ganhos para si, impondo prejuízos à primeira. Por
isso, nas transações econômicas, as partes agem precavendo-se do comportamento dos
demais agentes. Coleta de informações, salvaguardas contratuais e utilização do sistema
judiciário são custos incorridos para evitar prejuízos decorrentes de ação oportunista.
Todos esses custos são custos de transação.

A magnitude dos custos de transação é variável. Conforme as características de


uma determinada transação, os custos podem ser maiores ou menores. Williamson (1985)
identifica nas transações três dimensões principais, que, em conjunto, permitem inferir os
custos de transação: a) frequência; b) incerteza; e c) especificidade dos ativos.

A frequência é uma medida da recorrência com que uma transação se efetiva. Seu
papel é duplo. Primeiro, quanto maior a frequência, menores serão os custos fixos médios
associados à coleta de informações e à elaboração de um contrato complexo que imponha
restrições ao comportamento oportunista. Segundo, se a frequência for muito elevada, os
agentes terão motivos para não impor perdas aos seus parceiros, já que uma atitude
oportunista poderia implicar a interrupção de transação e a consequente perda dos ganhos
futuros derivados de troca. Em outras palavras, nas transações recorrentes, as partes podem
desenvolver reputação, o que limita seu interesse em agir de modo oportunista para obter
ganhos de curto prazo.

A incerteza tem como principal papel a ampliação das lacunas que um contrato
não pode cobrir. Em um ambiente de incerteza, os agentes não conseguem prever os
36

acontecimentos futuros e, assim, o espaço para renegociação é maior. Quanto maior esse
espaço, maiores serão as possibilidades de perdas derivadas do comportamento oportunista
das partes.

Finalmente, a especificidade dos ativos envolvidos assume o papel de variável-


chave no modelo. Os ativos serão específicos se o retorno associado a eles depender da
continuidade de uma transação específica. Por exemplo, um fornecedor de uma indústria
automobilística em regime de consórcio modular (em que os fornecedores se localizam nas
instalações da montadora) faz diversos investimentos cujo retorno depende da continuidade
de suas vendas para a empresa. Seus ativos são, portanto, específicos a essa transação.

Quanto maior a especificidade dos ativos, maior a perda associada a uma ação
oportunista por parte de outro agente. Consequentemente, maiores serão os custos de
transação. No exemplo sobre o consórcio modular essa relação é evidente. Assim, se não
houver garantias contratuais aos fornecedores da montadora, esta poderá impor condições
desfavoráveis em renegociações futuras. Como consequência, o risco de perda no retorno
dos ativos específicos será grande, indicando elevado custo da transação.

Aqui entra o papel das instituições, em geral, e das formas organizacionais, em


particular. As instituições são as regras do jogo, que têm a função de restringir o
comportamento oportunista, atenuando os custos de transação. Tomemos o exemplo de
uma forma organizacional como um contrato de longo prazo entre fornecedores e
montadora. Nesse caso, há diversas salvaguardas no contrato que impõem muitas e
comportamento diferente daquele acordado contratualmente. Há também salvaguardas que
asseguram parte do retorno do investimento, mesmo que a transação seja rompida. Em
síntese, os custos de transação são atenuados com a utilização de um contrato de longo
prazo.

À medida que as instituições podem reduzir os custos de transação, surge a ideia


de instituição eficiente, como a que reduz mais intensamente os custos de transação.

Williamson (1985) propõe ainda uma ordenação dos diversos modos de realizar
determinada transação, começando pelo mercado spot, passando por contratos de longo
prazo e terminado na hierarquia (uma única firma abarcando a transação em questão).
Conforme se caminha por essa ordenação de formas organizacionais, ganha-se em controle
sobre a transação, mas perde-se em capacidade de resposta a estímulos externos
(motivação).

Assim, se a especificidade dos ativos for nula, os custos de transação serão


negligenciáveis, não havendo necessidade de controle sobre a transação. Nesse caso, a
forma organizacional mais eficiente seria o mercado. E se, ao contrário, a especificidade
dos ativos for elevada, os custos associados ao rompimento contratual serão altos. Seria,
então, interessante maior controle sobre as transações, mesmo que à custa de menor
motivação. Opta-se, portanto, pela hierarquia.

A economia dos custos de transação desenvolveu-se consideravelmente a partir de


1985, expandindo o seu campo de aplicação para as diversas áreas da Economia e da
37

teoria das organizações. Suas contribuições à organização industrial são particularmente


intensas nos estudos da integração vertical e de contratos de exclusividade, apresentando
conclusões bastante diferentes das apontadas pela organização industrial tradicional. Em
resumo, essas formas organizacionais poderiam ter a função de reduzir custos de
transação, sendo, portanto, soluções eficientes.

1.7 Tipos de mercado

O comportamento de ofertantes (produtores/vendedores) e demandantes


(consumidores/compradores) no mercado não é uniforme. Em decorrência da própria
dinâmica da economia capitalista, o poder dos diferentes agentes econômicos é também
diferenciado. A seguir, se verá as características básicas dos principais tipos de mercado:

a) Concorrência Perfeita:

- Grande número de consumidores e ofertantes, tornando o mercado pulverizado


de tal forma que nenhum comprador ou vendedor tenha condições de
influenciar os preços ou o comportamento dos demais agentes;
- Perfeito conhecimento do mercado, a começar pelo preço, por parte dos que o
integram;
- Perfeita mobilidade de recursos;
- Ausência de entraves ao ingresso de novas empresas;
- Homogeneidade de produtos.

Exemplo: feira livre.

b) Concorrência Monopolística:

- Grande número de empresas ofertantes;


- Fracas barreiras quanto ao ingresso e saída do mercado;
- Pouca diferenciação dos produtos. Cada concorrente estabelece um produto
único e ligeiramente diferenciado pela marca, embalagem, publicidade. A
diferença é subjetiva.

Exemplo: lojas de roupas, farmácias, pizzarias, etc.

c) Oligopólio:

- Pequeno número de empresas produtoras/vendedoras que controlam parcela


expressiva do mercado;
- Interdependência entre as empresas, pois cada uma formula suas políticas
levando em conta os efeitos que terão sobre suas rivais;
- Forte bloqueio à entrada de concorrentes;
- Produtos homogêneos ou diferenciados;
- Tendência à concentração de capitais através de fusões;
38

- Tendência à formação de cartéis e à rigidez de preços.

Exemplos: indústria fumageira, automobilística, cimento, aço e outras.

d) Monopólio:

- Existência de uma única empresa produtora/vendedora de bens e serviços para


os quais, no curto prazo, não existem substitutos próximos;
- Fortes barreiras legais, tecnológicas e econômicas ao ingresso de concorrentes
no mercado;
- Dimensões do mercado estabelecidas pela empresa via determinação prévia do
volume de produção e dos preços desejáveis;
- O lucro total da empresa é máximo para cada nível de produção e preço por ela
estabelecido.

Exemplo: Empresas do antigo monopólio estatal do petróleo, telecomunicações e


outros como a NASA (Agência Espacial dos Estados Unidos).

e) Oligopsônio:

- Poucas empresas compradoras;


- Preço do produto determinado pelos demandantes;
- Grande dificuldade de entrada no mercado para novos compradores.

Exemplo: indústria fumageira, automobilística, agroindústrias.

f) Monopsônio:

- Uma única empresa compradora de determinado produto;


- Preço determinado pelo comprador;
- Grande dificuldade de entrada no mercado para novos compradores.

Exemplo: Indústria de produtos derivados do leite em determinadas regiões


(Parmalat, Elegê e outras).

Fatores de produção

Os fatores de produção representam, de uma maneira geral, a quantidade


disponível de recursos que poderia ser usada na produção de bens e serviços para a
sociedade.

Do ponto de vista teórico existe uma pequena classificação desses fatores em


tradicionais e não-tradicionais.
39

Os primeiros estão associados historicamente ao início das atividades produtivas


que tinham disponíveis como fatores de produção: a terra, o capital e o trabalho. Com o
desenvolver da economia, da tecnologia e da própria sociedade, a quantidade e os tipos de
fatores da produção disponíveis se alteraram. Dessa forma, associaram-se a esses fatores
tradicionais elementos tais como: capacidade tecnológica e capacidade empresarial.
Portanto, atualmente, a análise dos fatores disponíveis da cada sociedade relaciona não
somente os fatores tradicionais, mas principalmente esses fatores não-tradicionais, que
passaram a ter papéis fundamentais nos seus processos produtivos.

Do ponto de vista da utilização dos recursos, a análise econômica se preocupa,


portanto, em avaliar as condições básicas para se alcançar a sua utilização máxima,
obtendo-se a maior quantidade possível de bens e serviços.

1.8 Modelos econômicos

O sistema econômico de um país se relaciona à forma pela qual ele esquematiza


seus elementos estruturais, visando organizar suas atividades de produção, circulação de
bens e serviços e de apropriação da riqueza gerada.

A forma pela qual a sociedade irá resolver seus problemas de definições quanto às
atividades a serem desenvolvidas será fortemente influenciada pela sua organização social,
econômica e política. Em função disso, serão definidos a forma de atuação das atividades
econômicas e os meios pelos quais elas serão desempenhadas. Em razão disso, poderá
haver ou não distorções e distanciamentos entre o que é produzido na economia e o que se
deseja de fato consumir, além de propiciar ou não acesso a esses bens por todos os
indivíduos na sociedade.

Formas de organização das atividades econômicas

A organização política e social definirá a forma (modelo) pela qual as atividades


serão organizadas num determinado país. Em função disso, existem três possibilidades
básicas de organização: a economia de livre iniciativa, a de um sistema de planejamento
centralizado e a de um sistema misto. Cada uma delas com suas características próprias
influenciarão sobremaneira a forma pela qual as atividades econômicas serão
desempenhadas.

1 – Livre iniciativa

A livre iniciativa é caracterizada por um fator básico e fundamental que é a


predominância da propriedade privada sobre os bens de produção. Dessa forma, toda
decisão sobre o processo produtivo será tomada pelos proprietários desses fatores, em
função única e específica das condições de mercado. Assim, as atividades econômicas
serão dirigidas e controladas unicamente pelas empresas privadas que, através do
mecanismo de mercado, estarão competindo entre si. Nesta forma de organização não há
nenhuma interferência do governo no que se refere às questões relacionadas a o que, como,
40

quanto e para quem produzir. Tudo isto é definido exclusivamente pelas empresas privadas.
Este tipo de organização é também conhecido como um sistema de “Economia de
Mercado”.

2 – Planejamento centralizado

A organização sobre a forma de planejamento centralizado tem características


completamente opostas à da livre iniciativa. No planejamento central cabe ao Estado a
tarefa de direcionar e controlar o que, como e quanto será fabricado e quem será atendido
pela produção do país. Neste caso, não há interferência das condições de mercado na
produção dos bens. A relação se dá no inverso, ou seja, a produção é que definirá o
mercado.

Neste tipo de organização prevalece o interesse coletivo sobre o individual e, em


tese, não há o objetivo de se ter lucratividade nas atividades produtivas. A meta é tentar
alcançar o máximo de bem-estar da sociedade. Por esta razão os meios de produção são
socializados, de propriedade coletiva, administrados pelo Estado.

3 – Sistema misto

O sistema misto da organização econômica absorve parte dos dois sistemas


anteriores. Isto implica em dizer que neste sistema parte das decisões sobre a produção e
sua distribuição é tomada pelo setor privado e a outra parte pelo setor público. Além
disso, o setor público exerce também o papel de controlador dessas atividades mediante
leis, decretos, regulamentos, portarias, incentivos e isenções fiscais, etc. Na grande maioria
dos casos, neste sistema, fica sob a responsabilidade do Estado, além da regulamentação, a
execução de atividades relacionadas ao fornecimento dos bens públicos puros e dos bens
sociais. Em outro conjunto de situações, por desinteresse do setor privado, o Estado
assume, também, a responsabilidade de desempenhar tarefas relacionadas ao fornecimento
de bens econômicos à sociedade em complemento aos que já são a ela oferecidos pelo setor
privado.

De uma maneira geral a definição de “como produzir” se dá mais intensamente


pelo setor privado, atendendo aos ditames da concorrência. A questão de “para quem
produzir” é respondida, de modo geral, pelo livre mecanismo dos preços. Porém, o Estado
se encarrega de facilitar o acesso à alimentação, à educação, à saúde, etc., principalmente
para as camadas mais pobres da sociedade. Além disso, o Estado estará controlando os
preços de certos bens e serviços, impondo determinados padrões de remuneração à mão-de-
obra e cobrando tributos da sociedade para a manutenção dos seus gastos básicos.

Setores de produção e empresas

Independentemente da organização, há uma distinção clara entre os setores de


produção e as empresas dentro das atividades econômicas de um país. Esses setores geram
a produção física dos bens e serviços que se transformam em valores monetários que
possibilitarão os meios de troca no mercado.
41

Do ponto de vista da produção, a economia dos países se subdivide em setores em


função das características básicas de determinados bens. Nesse sentido, os setores podem
ser entendidos como o primário, o secundário e o terciário.

O setor primário é caracterizado por produtos de características naturais tipo


agricultura, pesca, pecuária e silvicultura.

O setor secundário é constituído pelas atividades industriais que transformam


matérias-primas em bens e serviços de consumo final ou intermediário.

Por sua vez, o setor terciário é integrado pelo segmento de serviços tais como
transporte, comércio, bancos, etc.

De uma forma geral, as empresas, que incluem não somente as indústrias, mas
também as lojas, as escolas, os hospitais, etc., estão por trás desses setores organizando e
combinando os fatores de produção para gerarem bens e serviços a serem consumidos pela
sociedade para a satisfação das necessidades humanas.

Essa relação de produção e de consumo se consolida quando se juntam o lado real


e o lado monetário da economia, que é o que permitirá as relações básicas de trocas no
mercado.

Fluxos econômicos fundamentais

O funcionamento do sistema econômico se dá através da associação da tarefa de


produzir bens e serviços e de consumi-los. Dessa forma, ele se baseia, de um lado, na
obtenção de recursos ou fatores de produção e de outro na obtenção de recursos financeiro
para sua utilização. Essa relação de produção e utilização é materializada através dos
chamados setores real e monetário da atividade econômica.

A atividade real da economia é composta pela associação dos fatores de produção


necessários à produção dos bens e serviços. Ela trata apenas dos aspectos relacionados à
produção e à distribuição física dos bens.

Por outro lado, a atividade monetária é materializada através da conversão da


produção física em valores monetários. Ela é caracterizada pelo processo de remuneração
e de pagamento. As empresas remuneram as pessoas que nela trabalham sob a forma de
salários, juros, lucros e aluguéis. Com esses recursos, os indivíduos pagam as empresas
pelos bens e serviços finais adquiridos através do mercado.
42

Fluxo econômico – primeiro exemplo

Economia sem governo

Pagamentos de bens e serviços

Bens e serviços

FAMÍLIAS EMPRESAS
Fatores de produção

Salários, aluguéis, juros e lucros

As famílias entregam às empresas os fatores de produção e, em troca, recebem


salários, aluguéis, juros e lucros. Para sua sobrevivência, as famílias – pessoas físicas –
precisam adquirir bens e serviços produzidos pelas empresas. Para adquirir esses bens e
serviços, as famílias cederão, em troca, aquilo que receberam como salários, aluguéis, juros
e lucros. O lado externo do fluxo econômico corresponde ao lado monetário da economia,
enquanto que o interno indica o lado real.

Fluxo econômico – segundo exemplo

Economia com governo

Pagamentos de bens e serviços

Bens e serviços

Transferências Subsídios
FAMÍLIAS GOVERNO EMPRESAS
Tributos Tributos

Fatores de produção

Salários, aluguéis, juros e lucros

O estabelecimento de um governo exige uma estrutura, mínima que seja, para


cuidar dos encargos governamentais. Isso representa gastos que exigem receita
correspondente. Para consegui-la, o governo lança tributos diretos pagos pelas empresas e
pelas famílias e tributos indiretos sobre os bens e serviços. Concede, também, subsídios
para determinados segmentos da economia.
43

Fluxo econômico – terceiro exemplo

Economia aberta

Pagamentos de bens e serviços

Bens e serviços

Transferências Subsídios
FAMÍLIAS GOVERNO EMPRESAS
Tributos Tributos

Fatores de produção

Salários, aluguéis, juros e lucros

Renda enviada ao RESTO DO MUNDO Renda recebida do


resto do mundo resto do mundo

1.9 Política públicas

1.9.1 Introdução

A política pública é definida por vários analistas como uma série de ações ligadas
à formulação de decisões tomadas pelas autoridades governamentais, envolvendo os fins e
aspirações de uma sociedade moderna, através da utilização de meios disponíveis para
alcançá-los. Nesse sentido, inclui a política de relações externas, a política de defesa
nacional, a política social e “todo um conjunto interrelacionado de ações públicas dentro do
qual se situa a política econômica”. À política econômica cabe a estruturação da ordem
econômica, através da atuação deliberada sobre as variáveis e expressões de natureza
econômica ou não, com o objetivo de alcançar resultados que podem ou não ser de caráter
econômico.

A intervenção governamental na economia via políticas públicas, particularmente


nas economias capitalistas, tem como objetivo: a) a correção de desajustamentos
verificados como resultado dos mecanismos livres do mercado, seja nos níveis de emprego,
de preços e de transações externas, seja na repartição de renda, na concentração de poder
econômico (monopólios e oligopólios), ou ainda no sentido de correção de externalidades
negativas, como degradação ambiental ou aproveitamento inadequado de reservas
44

naturais; b) a suplementação da iniciativa privada, com relação à realização de


investimentos de interesse social, de implantação de bases infraestruturais ou na produção
direta de bens e serviços; c) a coordenação geral para que se atinjam os fins da política
econômica.

1.9.2 Instrumentos de política industrial

As políticas públicas voltadas para o desenvolvimento industrial utilizam-se dos


instrumentos de ação básicos, classificados em quatro categorias como: fiscais,
monetários, cambiais e de intervenção direta.

Os instrumentos fiscais dizem respeito aos fluxos de receitas e despesas do setor


público. Do ponto de vista das receitas, a política tributária, a partir da diferenciação de
alíquotas dos tributos, particularmente os indiretos, cria condições de estímulo (ou
desestímulo) a setores diferenciados. Tributos reduzidos sobre a produção e venda de
mercadorias podem ser dirigidos a ramos industriais específicos no sentido de baratear os
custos e incentivar o aumento da oferta de produtos básicos ou que sejam alvo da política
global macroeconômica. Os tributos sobre as operações financeiras agem também
diretamente sobre os custos de obtenção de capital de giro, de investimentos em formação
brutal de capital e na formação de estoques ou armazenamento. Do lado das despesas do
governo, o aumento ou diminuição do custeio, dos investimentos públicos e dos subsídios
às unidades de produção muitas vezes têm como objetivo primordial o controle da demanda
agregada, em programas de estabilização ou de fomento ao aumento da atividade
econômica global.

Os instrumentos monetários, que dizem respeito à oferta de moeda através do


controle das taxas de reserva bancária, das operações de redesconto junto aos bancos (que
podem ser seletivamente dirigidas a setores industriais específicos) e de operações de
mercado aberto, desde que influenciam totalmente o nível médio da taxa de juros da
economia em um momento, podem ser utilizados deliberadamente de modo a estimular o
investimento produtivo, ou indiretamente influenciam a atividade industrial pelo maior
estímulo a inversões financeiras, desestimulando a produção em conjunturas adversas. Por
sua vez o controle e seleção do crédito, seja ao consumidor ou dirigido expressamente à
produção e investimento empresarial, atuam forte e diretamente sobre o ritmo da atividade
produtiva.

Por sua vez, os instrumentos cambiais, através da fixação da relação de valor entre
a moeda corrente do país e as moedas conversíveis dos demais países, atuam diretamente
no nível de atividade econômica de setores específicos. Por um lado, uma política
deliberada de desvalorização da moeda nacional estimula as exportações do país, uma vez
que serão compensadores para os produtores os ganhos obtidos após a conversão em moeda
nacional. Por outro lado, a valorização da moeda nacional barateia o custo das importações,
e as empresas que utilizam matérias-primas importadas como parte relevante dos insumos
de produção, ou que se utilizam de bens de capital importados, são levadas a aumentar a
produção e o desenvolvimento tecnológico. Um outro instrumento cambial consiste na
45

fixação de taxas cambiais múltiplas e especiais para setores diferenciados, com o intuito de
estimular importações ou exportações em períodos específicos da conjuntura nacional. Da
mesma forma, o controle das operações de câmbio, utilizado seletivamente, direciona o
desenvolvimento industrial para os objetivos globais da política governamental.

Os instrumentos de intervenção direta atuam em primeiro lugar regulando a


atividade de produção, seja pelo estabelecimento de cotas de produção em determinados
setores controlados, pela regulação das operações e transações, ou pelo controle dos
mecanismos e graus de concorrência. Em segundo lugar, a intervenção pode se dar através
da fixação e controle dos preços dos produtos, por meio de tabelamentos e fixação de tetos
máximos. Finalmente, a regulação da remuneração dos fatores de produção, quer através da
política salarial ou do controle de encargos sociais e de outras remunerações, atinge
diretamente os custos empresariais de produção e comercialização.

1.9.3 Regulação e desregulação

O objetivo econômico da regulação governamental em mercados com alto grau de


monopolização é, por um lado, estabelecer os níveis de preços de um produto, de modo que
a firma não aufira lucros excedentes explorando os clientes; por outro lado, é também
estabelecer uma estrutura de preços entre uma variedade de clientes que seja justa e
razoável.

Em alguns mercados são concedidas franquias a uma ou a várias firmas,


supervisionadas por uma comissão reguladora com poderes para examinar a conduta da
firma e controlar seus preços. Tal regulação tem-se aplicado nas economias capitalistas ou
de intervenção parcial a uma série de serviços públicos e a vários oligopólios, como no caso
de empresas aéreas, serviços de eletricidade, de telecomunicações, entre outros. Este tipo de
regulação combina muitas vezes a propriedade privada com certo grau de controle público.

De uma forma geral, a regulação é aplicada ao monopólio natural. O poder


monopolista de uma firma é acentuado se o bem é uma “necessidade”, com uma demanda
altamente inelástica, como a eletricidade, água e serviços telefônicos, ou ainda, se os
consumidores são ligados fisicamente aos fornecedores por fios ou condutores. Nesses
casos, os consumidores são especialmente vulneráveis à exploração e à discriminação
prejudicial de preços. No entanto, essas condições de poder são uma questão de grau. As
indústrias não se dividem ordenadamente em estruturas competitivas naturais ou
monopólios naturais e as economias de escala, nestes casos, são moderadas e não extremas.
Além do mais, as mudanças tecnológicas constantes resultam em crescimento ou retrocesso
das economias de escala, de modo que o atual monopólio pode se transformar em uma
situação de mercado competitivo. Dessa forma, o escopo da regulação é incerto e com
frequência se transforma.

A regulação visa lidar com três aspectos econômicos básicos: o nível de preços, a
estrutura de preços e o objetivo de competição. O nível de preços é estabelecido de modo a
permitir alguma taxa de retorno, cujo nível é controverso. As leis requerem usualmente
46

uma taxa justa de retorno, que não seja demasiadamente elevada e injusta aos clientes nem
excessivamente baixa de modo a desestimular os fornecedores e ser injusta para com os
acionistas ou detentores do capital proprietário. Esse nível de preços deve ser eficiente
conforme os seguintes critérios possíveis de alocação eficiente do capital: a) deve igualizar
o custo do capital para a firma (critério de “custo do capital”); e/ou b) deve ser
suficientemente alta para atrair o montante ótimo de novos investimentos (critério de
“atração de capital”); e/ou c) deve se alinhar às condições de risco e retorno de outras
indústrias (critério de “retornos comparáveis”).

A estrutura de preços deve ser justa e razoável no sentido do padrão legal. A


discriminação de preços por essas firmas reguladas tende a ser acentuada, desde que são
monopólios e vendem a uma variedade de clientes em residências, lojas, fábricas de todos
os tamanhos, que apresentam diferentes elasticidades de demanda. Alguns graus de
discriminação podem ser eficientes; no entanto, em geral, o preço ótimo para a firma
deveria conter muito menos discriminação do que a empresa preferiria. O critério adequado
para o estabelecimento dos preços discriminados é o custo marginal, ou seja, para cada
grupo específico de clientes o preço deve ser estabelecido o mais próximo possível dos
custos marginais. A estrutura de custos pode ser consideravelmente complicada e a tarefa
da regulação é estabelecer os preços, ao menos aproximadamente, de forma alinhada à
estrutura de custos. Ainda mais, muitas utilidades sob regulação têm marcante flutuação de
demanda, como por exemplo, períodos de pico durante os horários comerciais para os
serviços de eletricidade ou de telefonia, e períodos de não-utilização durante fins de semana
ou à noite. Essas flutuações provocam variações amplas nos custos. Adicionalmente, a
estrutura de preços eficiente deve considerar também as diferenças marcantes na demanda
por estações do ano, por dia ou por hora do dia.

No que se refere à desregulação em uma indústria, a definição mais simples é a da


substituição do controle governamental pela competição efetiva. O tipo mais difícil de
desregulação é a transformação de uma indústria sob franquia, com regulação de preços,
em uma estrutura de mercado de monopólio puro, para uma estrutura de competição. Na
maior parte dos casos a desregulação é efetuada em oligopólios oficialmente protegidos
pela regulação (como no caso de empresas aéreas, bancos, firmas de transportes
rodoviários), reduzindo as restrições à entrada de novas firmas. Em muitos países os
monopólios essenciais como de telefonia local, eletricidade e distribuição de gás ainda são
tradicionalmente regulados, e resta a dúvida se a desregulação conduzirá a resultados
efetivos de competição ou acentuará o monopólio.

Os critérios econômicos para a desregulação efetiva estão ligados à análise do grau


de dominação de uma ou mais firmas em um oligopólio: a) a parcela de mercado da firma
dominante deve se situar abaixo de 50% e deve haver ao menos quatro ou cinco
competidores comparáveis, antes da competição se tornar efetiva. No caso de firmas
dominantes que detêm acima de 50% do mercado persiste a necessidade de permanência da
contenção de preços, tanto contra preços altamente monopolizados quanto contra a
eliminação de concorrentes através de preços; b) a competição não pode sobreviver de
forma independente na presença de controles sobre pontos de estrangulamento através dos
quais uma ou mais firmas controlam as demais. Os gargalos devem ser removidos para
permitir o acesso livre e a preços justos por competidores; c) os controles reguladores
47

devem ser removidos depois do estabelecimento da competição efetiva, pois uma


desregulação brusca é um erro de política de desregulação, tendo em vista que a tendência
do mercado é de se transformar em um oligopólio fraco, que pode ser fortalecer requerendo
a necessidade de políticas antitrustes para evitar fusões inadequadas; d) as fusões devem ser
cuidadosamente selecionadas e as táticas de preços seletivos devem ser limitadas de modo a
evitar a reversão da dominância. As barreiras à entrada devem ser mantidas fracas.

1.9.4 A empresa pública e a privatização

Uma empresa pública é de propriedade do Estado, voltada para os interesses da


sociedade. No entanto, pode ser idêntica às empresas privadas em muitos aspectos, desde
que se utiliza de insumos para produzir e controlar os custos, rendimentos e lucros. Mas,
além desses paralelos, o objetivo da empresa pública nem sempre é a maximização dos
lucros, mas sim outras metas sociais, de modo que seu desempenho econômico pode diferir
altamente do da empresa privada.

Existem várias razões para a criação de firmas públicas, porém a mais válida é de
que deve servir a propósitos sociais que uma firma privada ignoraria ou violaria. Estes
propósitos sociais são principalmente: a) preferência social de uma sociedade para a
provisão pública em relação à privada em determinados setores proeminentes, que variam
entre países; b) oferta insuficiente pela empresa privada, quando uma nova indústria
requer um montante de capital muito elevado e de longo prazo de maturação, o que
implica altos riscos para os investimentos privados. Nesses casos, a empresa privada
exigiria subsídios, garantias e outras concessões, que tornariam o investimento público
preferível; c) a empresa pública muitas vezes é criada no sentido de “salvar” firmas
privadas da iminência de falência, comprando seu capital e apoiando sua reabilitação; d)
determinadas empresas públicas podem amortecer impactos externos, em forma de
prejuízo ou benefícios, que as empresas privadas ignoram, como no caso de um bem
público puro que requereria altos subsídios; e) uma empresa pública pode deter a
soberania de determinados setores para o país.

Portanto, além das metas comerciais de produzir serviços de modo eficiente e de


vende-los a preços que cobrem os custos, atendendo às condições da demanda, a empresa
pública serve também a algum elemento social, que é amplamente discutido tanto em
natureza quanto em extensão. Por exemplo, que elemento social está por trás do
fornecimento de serviços de aeroportos e qual deve ser o pagamento por ele?

Uma forma de sustentar a empresa pública dá-se através de subsídios, financiados


pela receita de tributação, que podem corresponder desde 100% dos custos até zero. Dessa
forma, as escolas públicas são totalmente subsidiadas, enquanto o fornecimento de água é
pago pelos consumidores. Em alguns casos, determinado serviço público é financiado em
parte pela dotação pública e em parte pelos consumidores. O montante de subsídio é
adequado ao grau de elemento social da empresa pública, ou seja, um efeito social pequeno
requer um subsídio baixo ou nenhum, enquanto um grande efeito social justifica um
48

subsídio total, desde que os consumidores não pagarão diretamente pela sua utilização, que
será custeada pelos pagadores de impostos.

Dois grandes inconvenientes podem surgir do subsídio às empresas públicas.


Primeiramente, se o subsídio for demasiadamente grande dará aos consumidores um
benefício não merecido. Por exemplo, até que ponto determinados estudantes universitários
que possuem renda devem receber ensino gratuito total? Ou uma piscina pública deve ser
totalmente subsidiada? Por outro lado, um segundo risco dos subsídios é o de enfraquecer
os incentivos da empresa para a consecução de menores custos, uma vez que estes são
cobertos sem esforço.

No que diz respeito à conservação do caráter público ou à privatização de


empresas deve ser considerada inicialmente a natureza do caráter público das firmas. Este
caráter depende da propriedade de seu capital, do grau de subsídio e controle externo, bem
como do tipo de políticas desenvolvido pela empresa, seja no sentido de maximização de
lucros ou de obtenção de objetivos sociais.

Historicamente, o que se tem observado, particularmente nos países desenvolvidos


da Europa Ocidental e nos Estados Unidos, é uma estabilidade no grau de permanência de
empresas públicas no período posterior à Segunda Guerra Mundial de 1950-80,
particularmente em indústrias citadas de utilidades públicas, que apresentam alto grau de
monopolização. No entanto, a partir de 1980, iniciou-se na Europa (Inglaterra e França) um
movimento ideologicamente voltado para a privatização de empresas públicas. O governo
Thatcher, por exemplo, efetuou consideráveis mudanças em 1986, privatizando o sistema
de telefonia, fornecimento de gás, transportes de ônibus intermunicipais, aerolíneas, portos,
aeroportos e a British Steel. Esse movimento de privatização foi imitado por outros países,
inclusive pelo Japão, e modestamente pelos Estados Unidos, no governo Reagan.

Em termos econômicos, as privatizações podem tomar dois caminhos: a) a


propriedade pode passar para empresas privadas; e/ou b) pode ser permitida a entrada, no
mercado, de rivais privadas. A propriedade privada em si muda a gerência e a tomada de
decisão das empresas em direção a uma orientação maior para o lucro. Nesse sentido, em
alguns setores, a menos que haja competição efetiva, a privatização pode ser socialmente
prejudicial, pois haverá o estabelecimento de preços de forma monopolizada e a inovação
será retardada, além da retirada dos objetivos de impactos sociais da produção da firma.

A experiência da privatização britânica desde 1979, por exemplo, mostrou uma


redução nas falências de firmas, o que trouxe benefícios públicos pela redução de déficits
governamentais ocasionados pela má administração. Porém, a principal mudança foi
simplesmente a venda da propriedade, inspirada em um diferente pensamento ideológico e
por pressões de grupos investidores na procura de ganhos de capitais. Algumas firmas
privatizadas realmente enfrentaram forte competição, como a fábrica de automóveis Jaguar
e a rede hoteleira British Rail Hotels.
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O conteúdo abordado neste polígrafo é fruto das seguintes Referências


Bibliográficas:

KON, Anita. Economia Industrial. São Paulo: Nobel, 1999.

KUPFER, David & HASENCLEVER, Lia. Economia industrial: fundamentos teóricos e


práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002 – 3ª Reimpressão.

PINHO, Diva Benevides Pinho & VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de


(Orgs.). Manual de Economia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

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