Teo Lit I - Av2
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Teo Lit I - Av2
FACULDADE DE LETRAS
RIO DE JANEIRO
2022
INTRODUÇÃO
E antes mesmo que meu pensamento, hesitante no limiar dos tempos e das formas, tivesse
identificado a habitação, reunindo as diversas circunstâncias, ele — meu corpo — ia
recordando, para cada quarto, a espécie do leito, a localização das portas, o lado para que
davam as janelas, a existência de um corredor, e isso com pensamentos que eu ali tivera ao
adormecer e que reencontrava ao despertar.
( No caminho de Swann, pág 23-24 )
ARGUMENTAÇÃO
“Proust não descreve uma vida como ela de fato foi, mas uma vida lembrada por
quem a viveu” diz Flávio Pereira Camargo (pág 55). Isto se dá por meio de sensações, de
sentidos, os quais estimulam a recordação, levando o personagem principal de volta a sua
infância e recuperando não só o passado – o tempo perdido –, mas também o espaço onde os
eventos aconteceram.
Mas, embora soubesse que não me achava nesses quartos, cuja presença a ignorância do
despertar me apresentara ao menos como possível, sem todavia oferecer-me sua imagem
distinta, a verdade é que me fora dado um impulso à memória; (...) passava a maior parte da
noite a recordar minha vida de outrora, em casa de minha tia-avó em Combray, em Balbec, em
Paris, em Doncières, em Veneza, em outras partes ainda, a recordar os lugares, as pessoas que
ali conhecera, tudo o que delas tinha visto, o que me haviam contado a seu respeito.
( No caminho de Swann, pág. 27 )
A memória armazena todo o conhecimento que ele tem sobre o seu passado e as
informações que possui das pessoas que o cercam – como as recordações de seus temores
infantis ou suas lembranças de quem era o senhor Swann. Essas lembranças foram deturpadas
quando ele de fato conheceu Swann. Revelando, portanto, que o presente tem o poder de
interferir no passado, uma vez que este não é estático, mas pode ser redescoberto.
Além disso, o olfato é usado para acessar as memórias de quando ele esperava pelo
beijo de sua mãe, dos dias em que ele subia a escada triste, porque seu coração não poderia ir
para seu quarto sem receber aquele beijo. Ocorre que isto não acontece e o personagem é
obrigado por seu pai e por seu avô a subir aquelas escadas sem o seu coração. Sob essa
perspectiva, as lembranças desses dias dolorosos podem ser ativadas toda vez que ele sente o
cheiro de verniz, que a escada exalava. Nesse sentido, o odor absorveu e fixou toda a mágoa
que ele sentia e o corpo dele guardou e absorveu essas lembranças.
Essa escadaria detestada, que eu sempre subia tão tristemente, exalava um cheiro de verniz
que havia de certo modo absorvido e fixado aquela espécie particular de mágoa que eu sentia
cada noite e tornava-a talvez ainda mais cruel para minha sensibilidade, porque, sob essa
forma olfativa, minha inteligência não mais podia tomar parte nela.
( No caminho de Swann, pág 50-51 )
Mas como o que eu então recordasse me seria fornecido unicamente pela memória voluntária,
a memória da inteligência, e como as informações que ela nos dá sobre o passado não
conservam nada deste, nunca me teria lembrado de pensar no restante de Combray. Na
verdade, tudo isso estava morto pra mim.
( No caminho de Swann, pág. 70 )
O personagem possuía uma visão limitada acerca do seu passado em Combray, uma
vez que ele acessou essas lembranças por meio da memória de sua inteligência – a memória
voluntária. Entretanto, ao sentir o gosto de madelena, ele atravessa lugares que estavam
mortos e ocultos dentro dele mesmo. Assim, ele é invadido por recordações tão vivas e reais,
que não é capaz de especificar o tempo do passado em que está. Para Paulo Ramirez, a
memória involuntária anula as distâncias temporais e supostamente cognitivas entre o
passado e o presente (pág.119 ). O passado invade o presente de forma tão real e brusca que
se torna audível para ele o som das distâncias atravessadas e reviver todas aquelas lembranças
de Combray que estavam mortas. Essas recordações, que estavam fora da memória e eram tão
fracas que não tinham forças para alcançar a consciência, ressuscitam e agora têm o poder de
suscitar sentimentos reais de alegria e felicidade no presente.
E recomeço a me perguntar qual poderia ser esse estado desconhecido, que não trazia
nenhuma prova lógica, mas a evidência de sua felicidade, de sua realidade ante a qual as
outras se desvaneciam. Quero tentar fazê-lo reaparecer. Retrocedo pelo pensamento ao
instante em que tomei a primeira colherada de chá.
( No caminho de Swann, pág 72 )
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS