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Compêndio - Filosofia - 10 Ano

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Compêndio de Filosofia

Filosofia – 10º ano

Professor Manuel Cruz

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Ficha nº 1
Tema: Introdução à Filosofia – Origem, Problemas, Disciplinas e Método.

1. Definição de Filosofia e método socrático

Etimologicamente, Filosofia significa philos (amor) e sophia (conhecimento), ou seja, Filosofia


é amor ao conhecimento. Por essa razão, é uma disciplina que procura o conhecimento ou a verdade através
de um exercício racional e crítico.
Historicamente, a prática filosófica começa no Ocidente em VII a.C. com o filósofo pré-socrático
Tales de Mileto que, procurando responder à pergunta: Qual é o elemento que constitui tudo o que existe?,
elabora uma série de argumentos para sustentar a tese de que a água é o elemento que está presente em todas
as coisas que existem e, por isso, é a resposta à pergunta fundamental sobre a existência de tudo.
Com o desenvolvimento da investigação filosófica, surge Sócrates, considerado o fundador e
consolidador da Filosofia, que, através dos diálogos transcritos pelo seu discípulo Platão, desenvolve um
método filosófico baseado na pura argumentação racional para responder a questões fundamentais, tais como
O que é o ser humano? O que é a verdade? O que é a beleza?, O que é a justiça?
Sócrates, para responder a todas estas perguntas, procedia ao designado método socrático ou
método dialético que consistia num diálogo questionador e crítico, dividido em dois momentos – ironia e
maiêutica -, para alcançar a verdade.
Primeiro, perante um interlocutor (normalmente, um sofista) que apresenta uma tese, Sócrates
questiona a tese e os argumentos com o objetivo de avaliar a solidez dos mesmos. Quando, o que acontecia
recorrentemente, Sócrates demonstrava que os argumentos se contradiziam, então o interlocutor, ao tomar
consciência da sua contradição, confessava a sua ignorância (ironia socrática).
Partindo da tese refutada, Sócrates retomava as questões, mas agora com o objetivo de encontrar,
através do diálogo, uma tese que fosse verdadeira (maiêutica).

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2. Problemas filosóficos: características

A Filosofia, sendo uma área do conhecimento autónoma e independente, tem problemas que lhe
são específicos e que se distinguem, por exemplo, dos problemas científicos.
Primeiro, os problemas filosóficos são universais ou gerais, ou seja, não problematizam uma
situação particular ou específica, como a questão científica, mas abrangem o todo, por exemplo, ao invés de
perguntar se um quadro de Picasso é bonito ou se pode ser considerado arte, pergunta O que é a beleza? e
O que é a arte?
Segundo, os problemas filosóficos não se debruçam sobre a superfície das coisas ou apenas ficam
pelo que é observado, como a questão: Como evoluiu o ser humano?; mas procuram o seu fundamento: O
que é o ser humano? O que é a vida?
Terceiro, as questões filosóficas não podem ser analisadas através da observação ou provadas
empiricamente, ao contrário da Ciência, mas apenas através da reflexão sobre os conceitos e da
argumentação racional.
Quarto, porque não podem ser comprovadas empiricamente, as questões filosóficas são sempre
questões abertas, ou seja, não encontraremos nunca uma resposta definitiva, apesar de conseguirmos
demonstrar que algumas respostas são falsas porque os argumentos que são inválidos ou fracos. Por
exemplo, as perguntas Qual o sentido da vida? Existe vida para além da morte? O que é o ser humano?,
são perguntas que dificilmente terão uma resposta conclusiva.

Características Explicação
Universal Aplicam-se a todos os casos e nunca a uma situação em
particular.
Fundamental Interroga-se sobre o fundamento das coisas.
Argumentativa Só podem ser respondidas através da argumentação
racional.
Aberta Não têm respostas definitivas.

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3. Disciplinas filosóficas

Como a Filosofia não é uma área especializada apenas num só assunto ou tema, devido ao seu
caráter universal, as disciplinas que a compõem abordam todo o tipo de problemas fundamentais relativos
ao ser humano.
Assim, a disciplina que investiga a questão O conhecimento é possível? denomina-se
Epistemologia ou Filosofia do Conhecimento, a questão O que é uma ação boa? corresponde à Ética ou
Filosofia Moral, entre outras questões que são específicas de cada uma das disciplinas filosóficas.

Disciplinas Definição Problemas


Epistemologia ou Filosofia Estuda os fundamentos do O que é a verdade? O que
do Conhecimento conhecimento e da significa conhecer?
verdade. Podemos conhecer?
Filosofia Política Estuda os fundamentos da Qual é a melhor forma de
Política e da Sociedade Estado?
(teorias políticas).
Ética ou Filosofia Moral Estuda os fundamentos da O que é uma ação boa?
ética ou da moral. O que devo fazer?
Filosofia da Religião ou Estuda os fundamentos das Deus existe? Deus é bom?
Metafísica religiões, como o conceito
de Deus.
Estética Estuda os fundamentos da O que é a beleza?
estética, como a beleza e o
sublime.
Filosofia da Arte Estuda os fundamentos da O que é uma obra de arte?
arte. O que distingue uma obra
de arte de um objeto
comum?

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4. Método filosófico

A Filosofia, como também acontece com a Ciência, tem um método específico para tratar das
suas questões. Enquanto que o método científico se baseia na observação e na experimentação, a Filosofia
utiliza como metodologia a argumentação lógica e racional, isto é, procura responder às questões utilizando
argumentos logicamente corretos de modo a suportar uma tese.
Por exemplo, no livro Discurso do Método, o filósofo René Descartes depois de pôr em causa a
realidade, a existência de Deus e os seus sentidos, procurará um princípio sólido e inquestionável para
fundamentar o conhecimento provando a sua existência.
Assim, à pergunta sobre a sua existência o filósofo argumenta:

Não posso ter a certeza de nada, porque tudo é duvidável


Contudo, se eu duvido significa que eu penso
Se eu penso então eu existo
Logo, eu necessariamente existo.

Este é um argumento válido (logicamente correto), porque se aceitarmos as premissas, necessariamente


teremos que aceitar a conclusão, ou seja, a conclusão é suportada/justificada/fundamentada pelas premissas.

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Ficha de Exercícios
Tema: Introdução à Filosofia

1. A partir do texto, e citando-o, define Filosofia segundo a sua etimologia, metodologia, objetivo e
indica quem foi o seu iniciador.

A Filosofia tem no seu íntimo o significado de sabedoria, e essa sabedoria não é a acumulação de
opiniões, mas uma constante reflexão crítica sobre os nossos conhecimentos de modo a alcançar a verdade.
Sabemos que esta nunca poderá ser alcançada, mas isso não implica que através da argumentação não
possamos fazer uma aproximação ao verdadeiro conhecimento. Por esta razão, e lembrando esse grande
filósofo da Grécia Antiga, a Filosofia é um constante diálogo assente na perceção de que só sabemos que
nada sabemos, e esta é uma verdade da qual podemos partir para a aventura que é filosofar.

2. A partir do texto, e citando-o, identifica o método mencionado e explica em que consistem os dois
momentos desse mesmo método.

“Primeiro, Sócrates forçava uma definição do assunto sobre o qua1 a investigação versava; depois, escavava
de vários modos a definição fornecida, explicitava e destacava as carências e contradições que implicava;
então, exortava o interlocutor a tentar nova definição, criticando-a e refutando-a com o mesmo
procedimento; e assim continuava procedendo, até o momento em que os interlocutores se declaravam
ignorantes. (…) E, assim, passamos ao segundo momento do método dialético. Para Sócrates, a alma pode
alcançar a verdade apenas "se dela estiver grávida".”

História da Filosofia, Dario Antiseri & Giovanni Reale

3. Identifica se as seguintes questões são filosóficas e, no caso de serem, indica a que disciplina
filosófica correspondem.

3.1 Qual é a raiz quadrada de nove?

3.2 Será que Deus existe?

3.3 O que é uma sociedade justa?

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3.4 O que torna uma ação imoral?

4. Com base no excerto, e citando-o, explica as quatro características das questões filosóficas.

O filósofo não recorre a microscópios ou a análises laboratoriais para responder às suas questões,
porque os seus problemas não podem ser investigados através desse método. As suas questões debruçam-se
sobre temas fundamentais do ser humano, como o sentido da vida ou a existência de Deus, por isso são
questões necessariamente universais e nunca particulares ou individuais. Estes problemas que existem e
persistem desde do momento em que o ser humano começou a raciocinar, devido ao seu caráter fundamental,
são respostas que nunca terão uma resposta definitiva, até porque se chegarmos ao momento em que
alcançamos respostas absolutas, deixamos de pensar.

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Ficha nº 2
Tema: Tese, Argumento, Validade, Verdade e Solidez

1. Método Filosófico

“A filosofia é diferente da ciência e da matemática. Ao contrário da ciência, não assenta em


experimentações nem na observação, mas apenas no pensamento. E, ao contrário da matemática, não tem
métodos formais de prova.”
Nagel, T. (1997). Que quer dizer tudo isto? Uma iniciação à Filosofia. Lisboa: Gradiva, pp. 8-9

Para além dos problemas e disciplinas específicas da Filosofia, esta área do conhecimento
também se caracteriza por um método particular. Diferentemente da Ciência que, para verificar as suas
hipóteses e teorias aplica a observação e a experimentação, a Filosofia para demonstrar e defender as suas
teses faz uso do método argumentativo ou argumentação racional. Por esta razão, iremos estudar o que
significa, desde logo, uma tese, o que é, como se constitui e como podemos garantir que os nossos
argumentos são bons, o que é a validade de um argumento, o que é a verdade de uma proposição e, por fim,
o que é um argumento sólido.

2. Tese, Argumento, Validade, Verdade e Solidez

Uma tese filosófica é a resposta a um problema filosófico, isto é, uma afirmação suportada
por argumentos e que tem a pretensão de ser verdadeira e responder ao problema em questão, por
exemplo: À questão filosófica “O que é uma ação boa?”, o filósofo Stuart Mill defende a tese de que uma
ação boa é uma ação que promova a maior felicidade; ou à questão filosófica “Podemos conhecer?”, os
céticos defendem a tese de que não podemos conhecer.
Considerando, então, que a tese filosófica é uma resposta a um problema filosófico, e que uma
resposta é uma frase que pode ser verdadeira ou falsa, então podemos afirmar que uma tese é, também, uma
proposição.
Uma proposição é o conteúdo de uma frase declarativa que pode ser verdadeiro ou falso,
isto é, que tem valor de verdade. Por exemplo, a frase “O Sol é uma estrela.” é uma proposição porque,
primeiro, é declarativa e, segundo, pode ser verdadeira ou falsa; já a frase “O Sol é uma estrela?” não é uma
proposição, porque não é declarativa, nem pode ser verdadeira ou falsa.
Contudo, será importante referir, que diferentes frases podem exprimir a mesma proposição, isto
é, o mesmo conteúdo, por exemplo: As proposições “Lisboa é a capital de Portugal”, “A capital de Portugal

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é Lisboa” e “Lisbon is the capital town of Portugal”, apesar de serem frases diferentes, exprimem o mesmo
conteúdo, ou seja, que Lisboa é a capital de Portugal.
Como já referimos, uma frase para ser uma proposição tem de ser declarativa e ter valor de
verdade, ou seja, tem de poder ser verdadeira ou falsa. Mas o que é a verdade?
A verdade é a correspondência entre uma frase e os factos ou é a representação das coisas
como elas realmente são. Por exemplo: A proposição “Esta cadeira tem quatro pernas” só é verdadeira se
de facto a cadeira tiver quatro pernas; ou a proposição “O ser humano é bípede” só é verdadeira se o ser
humano de facto for bípede.
Assim, podemos definir a verdade como:
P é verdadeiro se, e só se, P é verdadeiro.

Por exemplo:
“O céu é azul” é verdade se, e só se, o céu é azul.
[Proposição] [Facto]

Ora, em Filosofia, não nos basta saber se uma tese é verdadeira ou falsa, é também necessário
saber qual é a justificação para essa tese, ou seja, qual ou quais os argumentos que a suportam.
Um argumento é um conjunto articulado de proposições (variáveis) com o objetivo de uma
delas (conclusão) ser apoiada pelas outras (premissas). A proposição que procuramos apoiar ou defender
denomina-se conclusão e as proposições que pretendem apoiá-la designam-se premissas.

Vejamos, por exemplo, o seguinte argumento:


Todos os homens são mortais (Premissa)
Sócrates é homem (Premissa)
Logo, Sócrates é mortal. (Conclusão)
As premissas, ou seja, proposições que pretendem apoiar a conclusão, são, geralmente,
iniciadas pelos indicativos de “porque”, “por exemplo”, “se”, por um quantificador (“Todos”, “Alguns”,
“Nenhum”, etc.) ou, ainda, pelo sujeito.
A conclusão, ou seja, a proposição que procuramos defender é aquela que se inicia com o
indicativo de conclusão (Logo, Então, Em suma, Assim, Portanto), ou seja, “Logo, Sócrates é mortal”, e as
proposições que procuram apoiar a conclusão são “Todos os homens são mortais” e “Sócrates é homem”.
Atenção que nem sempre a conclusão aparece no final, e as premissas em primeiro!

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Exemplo:
Consigo perceber a tua dificuldade relativamente aos direitos dos animais, mas repara que é óbvio que os
animais têm direitos, porque, se tu vires bem, tudo o que é capaz de sofrer tem direitos e, sabes bem, os
animais são capazes de sofrer.

Tese/Conclusão: Os animais têm direitos.


Premissas: Tudo o que é capaz de sofrer tem direitos; Os animais são capazes de sofrer.

Contudo, podemos verificar que nem sempre as premissas apoiam de forma adequada e correta
as conclusões, e quando isto ocorre o nosso argumento não é um bom argumento [argumento inválido].
Este apoio ou defesa correta das conclusões por parte das premissas tem o nome de validade,

isto é, um argumento é válido quando as premissas apoiam efetivamente a conclusão, ou seja, se as


premissas forem verdadeiras, então a conclusão também é necessariamente verdadeira.
Utilizando outra expressão, um argumento é válido quando as premissas implicam a conclusão
ou que a conclusão se segue logicamente das premissas.

Resumindo, num argumento válido:


- é impossível todas as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa, simultaneamente.
- a conclusão não pode ser falsa, se todas as premissas forem verdadeiras.
- a conclusão tem de ser verdadeira, se todas as premissas forem verdadeiras.

Por exemplo, o argumento:


Todos os homens são mortais
Sócrates é homem
Logo, Sócrates é mortal.

É um argumento válido, visto que se for verdade que “Todos os homens são mortais” e que “Sócrates
é homem”, então podemos inferir validamente que “Sócrates é mortal”.
Mas mudemos agora o argumento para:
Todos os homens são mortais
Sócrates é mortal
Logo, Sócrates é homem.

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Este argumento não é válido, porque Sócrates pode ser mortal, mas nada indica nas premissas
que Sócrates tenha de, necessariamente, ser mortal para ser homem, por exemplo, Sócrates pode ser mortal
e ser um cavalo.
(Mais à frente aprenderemos como identificar argumentos válidos e inválidos).
Por fim, não é suficiente para os filósofos que os seus argumentos sejam válidos, isto é, que
exista uma implicação lógica entre as premissas e a conclusão, é também necessário que as premissas sejam
verdadeiras, porque se tivermos um argumento válido com premissas verdadeiras, temos um excelente
argumento ou, na terminologia filosófica, um argumento sólido (Validade + premissas verdadeiras).
Assim, um argumento é sólido quando o argumento é válido e todas as premissas são
efetivamente verdadeiras, por exemplo o primeiro argumento sobre a mortalidade de Sócrates.

Nota: Só as proposições é que podem ser verdadeiras ou falsas, enquanto que só os argumentos podem ser
válidos ou inválidos!

O valor de verdade refere-se ao conteúdo da proposição.


A validade refere-se à forma do argumento.

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Ficha de Exercícios
Tema: Tese e Argumentos

1. Identifica a tese, premissas e conclusão.

1.1 Todos os cientistas foram respeitados e bem tratados pela sociedade da sua época. Portanto, Galileu foi
respeitado e bem tratado pela sociedade.

1.2 A vida é sagrada, por isso o aborto é imoral.

1.3 Aqui este pássaro é uma andorinha, porque observei que as andorinhas comem insetos e este pássaro
comeu um inseto.

2. Seleciona a resposta correta.

2.1 A conclusão de um argumento é


a. uma proposição;
b. uma proposição verdadeira;
c. uma proposição que justifica as outras;
d. uma proposição indiscutível.

2.2 Os elementos de um argumento são


a. as premissas;
b. as premissas e as proposições;
c. a conclusão e as proposições;
d. a conclusão e as proposições que a procuram justificar.

2.3 As premissas são


a. as proposições que dependem da verdade da conclusão;
b. as razões que tornam válida a conclusão do argumento;
c. as proposições que pretendem apoiar a verdade da conclusão;
d. as proposições cuja validade é indispensável para que o argumento seja aceite.

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2.4 A conclusão é
a. a proposição cuja validade depende a correção do argumento;
b. as proposições que os restantes elementos do argumento pretendem justificar;
c. a proposição que tem de ser verdadeira para que o argumento seja válido;
d. nenhuma das anteriores.

2.5 Um argumento é
a. um conjunto de proposições;
b. duas conclusões e uma premissa;
c. um conjunto de proposições em que uma é justificada por outras;
d. um conjunto de proposições constituído por várias premissas.

2.6 Um argumento
a. não pode ser verdadeiro, mas pode ser falso;
b. pode ser verdadeiro;
c. não pode ser nem verdadeiro nem falso;
d. pode ser falso.

2.7 Exprimimos aquilo que julgamos ser verdadeiro mediante


a. argumentos;
b. conclusões;
c. proposições;
d. premissas.

2.8 Um argumento é válido quando


a. as suas premissas são verdadeiras;
b. a conclusão é verdadeira;
c. é logicamente impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa;
d. as premissas não dão um apoio absoluto e completo à conclusão.

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2.9 Um argumento válido
a. tem de ter premissas verdadeiras;
b. tem de ter pelo menos uma premissa verdadeira;
c. pode ter premissas falsas;
d. não pode ter proposições falsas.

2.10 Um argumento é inválido quando


a. há a possibilidade, uma única que seja, de as premissas serem verdadeiras e a conclusão
falsa;
b. uma das premissas é falsa;
c. todas as premissas são falsas;
d. não é verdadeiro.

2.11 A validade dedutiva é


a. condição suficiente para que um argumento seja bom/sólido;
b. condição necessária mas não suficiente para que um argumento seja bom/sólido;
c. uma característica essencial das proposições dos bons argumentos;
d. uma característica que depende da solidez de um argumento.

2.12 Argumentos sólidos são


a. argumentos válidos que não têm nenhuma proposição falsa;
b. argumentos válidos que só têm uma proposição falsa;
c. argumentos inválidos, mas que têm premissas e conclusões verdadeiras;
d. argumentos verdadeiros.

2.13 A verdade é uma característica que se atribui


a. à relação entre as premissas e a conclusão dos argumentos;
b. à relação entre as proposições dos argumentos;
c. às proposições dos argumentos;
d. às proposições.

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2.14 Se o ladrão tivesse entrado pela janela da cozinha, haveria pegadas lá fora; Ora, não há pegadas lá
fora; Logo, o ladrão não entrou pela janela da cozinha.
Este argumento é:
a. válido porque, se as premissas forem verdadeiras, também a conclusão terá de o ser;
b. válido porque as premissas são verdadeiras;
c. inválido porque a segunda premissa é falsa;
d. inválido apesar de a conclusão ser verdadeira.

2.15 Premissa 1: Todos os números primos são pares.


Premissa 2: Nove é um número primo.
Conclusão: Logo, nove é um número par.
Este argumento é:
a. válido porque as premissas não podem ser verdadeiras sem que a conclusão também o seja;
b. inválido, porque a segunda premissa é falsa;
c. inválido, apesar de a conclusão ser verdadeira.

2.16
Todos os metais dilatam com o calor;
Todos os meses há pelo menos quatro domingos;
Logo, o Porto é uma boa equipa de futebol.
Trata-se de um argumento?
a. Sim, mas é inválido;
b. Não, porque é inválido;
c. sim, porque tem premissas e conclusão;
d. não, porque as proposições não têm a menor relação entre si.

2. 17
Só há fogo se houver oxigénio.
Na Lua não há oxigénio.
Logo, na Lua não pode haver fogo.
Este argumento é:
a. inválido;
b. bom/sólido;
c. válido, mas com uma premissa falsa;

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d. inválido, apesar de ter todas as proposições verdadeiras.

2. 18
Só há movimento no carro se houve combustível
O carro está em movimento.
Logo, há combustível no carro.
Este argumento é:
a. inválido;
b. bom/sólido;
c. válido, mas com uma premissa falsa;
d. inválido, apesar de ter todas as proposições verdadeiras.

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3ª Ficha de Exercícios
Tema: Tese, Argumento, Validade, Verdade e Solidez

1. Responde às seguintes questões de forma objetiva e assertiva.

1.1 Define “proposição”.


1.2 Define “argumento”.
1.3 O que é um argumento válido?

2. Identifica a(s) premissa(s) e a conclusão do seguinte excerto:


Acho que devíamos ser mais cautelosos com os contactos físicos, porque as notícias sobre este
vírus têm sido alarmantes, já para não falar da vacina que ainda não existe.

3. Responde, justificando, se o seguinte argumento é válido:


Todos os médicos são cirurgiões
Todos os cirurgiões são profissionais de saúde
Logo, todos os médicos são profissionais de saúde.

4. Define argumento sólido e identifica se ao seguinte argumento pode ser atribuída essa qualidade:
No ano passado, o Sporting ficou em primeiro lugar no campeonato
A equipa que fica em primeiro lugar no campeonato é o campeão nacional
Logo, o Sporting é o campeão nacional

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Ficha nº 3
Tema: Quadrado de oposição

1. O problema de negar proposições

Normalmente, os filósofos defendem teses universais como, por exemplo, “Todo o


conhecimento tem origem nos sentidos”, “Nenhuma ação é moralmente correta se orientada pelo interesse
próprio”, “Todos os seres humanos nascem livres” ou “Nenhum conhecimento é possível”, contudo, para
falsificar estas teses é necessário saber que tipo de proposições é que as negam.
Acontece muitas vezes discordarmos de outras ideias, argumentando a favor da nossa, sem ao
mesmo tempo estar a negar ou a contrariar essas mesmas ideias. Por exemplo, o Miguel defende que “alguns
pratos alentejanos não são bons” e a Maria, que discorda, tenta refutar essa tese ao afirmar que “alguns
pratos alentejanos são bons”.
Ora, a Maria não está a contrariar a tese do Miguel, visto que ambos podem estar certos, isto é,
pode ser verdade que há pratos alentejanos que não são bons e também pode ser verdade que há pratos
alentejanos que o são.
Ou seja, duas proposições que podem simultaneamente ser verdadeiras, não podem ser a negação
uma da outra.
Vejamos, então, primeiro que tipo de proposições existem e depois como as negar.

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2. Tipos de proposições

As proposições são classificadas segundo a sua quantidade (universais ou particulares) e a sua


qualidade (afirmativas ou negativas).
As proposições universais apresentam quantificadores como “Todos” ou “Qualquer”, por
exemplo, “Todos os portugueses vivem em Portugal” ou “Qualquer português vive em Portugal”, são
proposições universais porque se referem à totalidade do sujeito, ou seja, todos os portugueses.
As proposições particulares apresentam quantificadores como “Alguns”, “Certos”, “Há” ou
“Muitos”, por exemplo, “Alguns portugueses vivem em Portugal” ou “Há portugueses que vivem em
Portugal”, são proposições particulares porque se referem a uma parte do sujeito, ou seja, alguns
portugueses.
Por fim, as proposições podem ser afirmativas ou negativas, por exemplo, “Os portugueses
são de Portugal” ou “Os portugueses não são de Portugal”, e esta afirmação do predicado (“são”) e a negação
do predicado (“não são) são a qualidade das proposições.
Para organizarmos melhor a existência destes 4 tipos de proposição, falamos em 4 tipos de
proposições possíveis:
1. Tipo A: Universal afirmativa (UA); Todas as canecas são bonitas.
2. Tipo E: Universal negativa (UN); Nenhuma caneca é bonita.
3. Tipo I: Particular afirmativa (PA); Algumas canecas são bonitas.
4. Tipo O: Particular negativa (PN). Algumas canecas não são bonitas.

3. Quadrado de oposição: relações entre as proposições

Sabendo estas características quantitativas e qualitativas das proposições, podemos, ainda,


constatar três tipos de relações que as proposições podem ter entre si:
1. Contraditórias, quando as proposições não têm o mesmo quantificador nem qualificador, por
exemplo a contradição da proposição universal afirmativa é a proposição particular negativa (só estas é que
negam).
2. Contrárias, quando são ambas universais e têm o qualificador diferente, por exemplo, a
proposição universal afirmativa é contrária à proposição universal negativa (não podem negar, porque
proposições contrárias podem ser ambas falsas).
3. Subcontrárias, quando são ambas particulares e têm o qualificador diferente, por exemplo,
a proposição particular afirmativa é subcontrária à proposição particular negativa.
Vejamos a síntese destas relações no seguinte quadro:

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Assim, já conseguimos compreender como podemos negar uma proposição/tese, por exemplo:
A negação de “Todos os ricos são felizes” não é “Nenhum rico é feliz”, mas “Alguns ricos não
são felizes”; e a negação de “Nenhum rico é feliz” é a proposição “Algum rico é feliz”.

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Ficha de Exercícios
Tema: Quadrado de oposição

1. Leia as seguintes proposições e responda às questões.


A. Há pessoas que são boas.
B. Algumas pessoas não são lisboetas.
C. Todas as crianças gostam de brincar.
D. Muitas cadeiras têm quatro pernas.
E. Qualquer português vive em Portugal.
F. Nenhum alentejano gosta de açorda.
G. Qualquer estudante desta turma terá boa nota.
H. Poucos estudantes desta turma terão boa nota.

1.1 A partir das proposições acima, identifica o seu tipo (A, E , I e O) e o respetivo quantificador
(Universal/Particular) e qualificador (Afirmativa/Negativa).
A. Há pessoas que são boas.
B. Algumas pessoas não são lisboetas.
C. Todas as crianças gostam de brincar.
D. Muitas cadeiras têm quatro pernas.
E. Qualquer português vive em Portugal.
F. Nenhum alentejano gosta de açorda.
G. Qualquer estudante desta turma terá boa nota.
H. Poucos estudantes desta turma terão boa nota.

1.2 A partir das proposições mencionadas acima, identifica a sua negação, isto é, indica a proposição
contraditória
A. Há pessoas que são boas.
B. Algumas pessoas não são lisboetas.
C. Todas as crianças gostam de brincar.
D. Muitas cadeiras têm quatro pernas.
E. Qualquer português vive em Portugal.
F. Nenhum alentejano gosta de açorda.
G. Qualquer estudante desta turma terá boa nota.
H. Poucos estudantes desta turma terão boa nota.

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Ficha nº 4
Tema: Lógica Proposicional
1º Parte:
Formalização de Proposições

Introdução

A Filosofia centra-se, fundamentalmente, na argumentação lógica, isto é, no uso de argumentos que


suportem corretamente uma tese, de forma a demonstrar a sua veracidade.
A área filosófica que estuda a argumentação denomina-se Lógica e surgiu com Aristóteles
(Organon) que apresentou catorze formas de argumento válidas, ou seja, argumentos em que se as nossas
premissas forem verdadeiras então estamos justificados a aceitar que a conclusão também será verdadeira.
Mas de forma a aprofundar o estudo da validade dos argumentos de uma forma mais exata e
rigorosa, o filósofo Gottlob Frege propôs uma linguagem que nos pudesse revelar a forma dos argumentos
e, dessa forma, compreendermos com maior facilidade e maior rigor se de facto eram válidos ou inválidos.
Essa linguagem é denominada de linguagem lógica.
A linguagem lógica caracteriza-se por ser uma linguagem artificial, porque foi criada pelo ser
humano com um objetivo específico que não a comunicação diária, como acontece com as línguas naturais
(ex: português, inglês, entre outras).
Esta linguagem parte das frases declarativas das línguas naturais para as “traduzir” num sistema de
símbolos.
Contudo, só as frases declarativas com valor de verdade, isto é, que podem ser consideradas
verdadeiras ou falsas, como “O Pedro foi à escola”, é que são objeto de estudo desta conceptualização.
Estudaremos, então, as regras dessa formalização lógica e a identificação da validade dos
argumentos através das tabelas de verdade.

2
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1. Formalização de proposições

1.1 Assim como as línguas naturais, a linguagem lógica compõe-se de símbolos (letras/variáveis e
operadores1) e uma gramática, isto é, regras que relacionam corretamente os símbolos.
Dentro dos símbolos da linguagem lógica, encontramos as letras proposicionais que são
representadas pelas letras do alfabeto, a partir do “P” e em maiúsculas, por exemplo:
A proposição “O Pedro foi à escola” pode ser representada pela letra proposicional “P”, ou seja:
P - O Pedro foi à escola.

1.2. Contudo, assim como no português, nós podemos formar frases complexas, isto é, frases
simples ligadas por operadores, o que em Lógica se designa por proposições complexas, como por
exemplo:
“O Pedro foi à escola e a Maria foi ao cinema”
Ou seja, formada pelas proposições simples: “O Pedro foi à escola” e “A Maria foi ao cinema”
unidas pelo operador “e”.

1.3 Encontramos, também, nos símbolos, as seis operações desta linguagem: a negação, a
conjunção, a disjunção (inclusiva e exclusiva), a condicional e a bicondicional.
A negação é uma operação unária, isto é, não relaciona proposições.
A conjunção, disjunção, condicional e bicondicional são operações binárias, isto é, relacionam
proposições.

1
Também chamados, em Lógica, de operadores verofuncionais.
2
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Quadro síntese dos operadores

Operação Expressões Exemplo Operador Aplicação do


(símbolo) operador
Negação Não; não é O Miguel não é português. ~ ~P
verdade; é
falso que; etc.
Conjunção e; mas; no O Miguel é português e o Pedro  PQ
entanto; também.
embora; etc.
Disjunção Ou; a não ser O Miguel é português ou o Pedro  P Q
inclusiva que; etc. é alemão.

Disjunção Ou….ou…; Ou o Miguel é português ou o / P / Q


exclusiva etc. Pedro é alemão.

Condicional Se…então; Se o Miguel é português, então → P→Q


somente se; a nasceu em Portugal.
menos que; etc.
Bicondicional se e só se; se e O Miguel é português se e só se o  PQ
somente se; é Miguel nasceu em Portugal.
condição
necessária e
suficiente; etc.

Quadro síntese da gramática

Regras gramaticais Fórmula bem formada Fórmula mal formada


(exemplos) (exemplos)
A fórmula deverá ter, necessariamente, um (P /\ Q) → (Q  P) P /\ Q → Q  P
operador principal (de maior âmbito).
A operação de negação não pode relacionar (P /\ Q) → (~ Q  P) (P /\ Q) ~ (Q  P)
letras proposicionais (operação unária).
As operações de ligação não podem (P /\ Q) → (Q  P) (P /\ Q) →  P
relacionar-se entre si (operação binária).
As operações de ligação ligam, P /\ Q /\ Q
necessariamente, proposições.

2
9
1.4 Conhecendo os principais elementos da linguagem lógica (Letras Proposicionais e
Operadores), procederemos então à formalização, isto é, à transformação de frases da linguagem natural
em linguagem lógica2, com os seguintes exemplos:

Exemplo 1
“O Pedro foi à escola e a Maria foi ao cinema”

Primeiro, aplicamos o denominado dicionário de interpretação 3 que tem o objetivo de atribuir às


proposições simples as letras proposicionais, como por exemplo:

Dicionário de interpretação
P: O Pedro foi à escola.
Q: A Maria foi ao cinema.

Em segundo, identificamos os operadores presentes.


Operadores:
“e”
E, em terceiro, partimos para a formalização.
Fórmula:
P /\ Q

Exemplo 2
“Se o Pedro não vai à escola e a Maria não vai ao cinema, então o Pedro fica em casa.”

Dicionário de interpretação:
P: O Pedro vai à escola.
Q: A Maria vai ao cinema.
R: O Pedro fica em casa.

Operadores:
“não”, “e”, “se…então”

2
As fórmulas corretas, ou seja, que seguem corretamente as regras da lógica, chamam-se de fórmulas bem formadas, abreviadas
pela sigla fbf.
3
Este dicionário deve sempre ser apresentado e deve cumprir as seguintes regras: 1. As frases deverão sempre ser declarativas e
afirmativas; 2. As letras proposicionais representam sempre e só proposições simples.
3
0
Fórmula:
(~ P /\ ~ Q) → R

Nota: Neste caso, em que duas proposições têm simultaneamente uma relação com outra proposição, para
indicarmos esta relação na fórmula, temos de utilizar parênteses.

3
1
Ficha de Exercícios

2.1 Formaliza as seguintes frases, se for possível, indicando o dicionário de interpretação e a


fórmula.

1. Vamos à praia?
2. Não é verdade que o conhecimento é possível.
3. O aquecimento global é um facto, mas há pessoas que não acreditam.
4. Palmela é uma cidade ou é uma vila.
5. Ou tiramos positiva ou tiramos negativa.
6. Sabendo que hoje está a chover, então vou ficar molhado.
7. Eu só consigo uma nota positiva se e só se estudar.
8. Se o ser humano é livre e racional, então o seu comportamento é da sua responsabilidade.
9. Não existe arte abstrata nem os quadros de Picasso são arte.
10. O nosso conhecimento é frágil, logo só podemos afirmar que as nossas opiniões não têm fundamento.

2.2 Interpreta as seguintes fórmulas proposicionais, sabendo o seguinte dicionário de interpretação:


P – Sócrates é mortal.
Q – Sócrates é homem.
R – Platão é filósofo.

1. P → Q
2. Q → P

3. P / Q

4. (P  Q)  R

5. P→ (Q~P)
6. R → (P  Q)
7. (P  Q) V (R  Q)
8. (~ Q  ~ P) → ~ R
9. ~ (P → Q)
10. (P → ~ Q)  (~ R V Q)

3
2
1. Identificação dos valores de verdade das proposições através de tabelas de verdade

A Lógica nunca nos diz se uma proposição é verdadeira ou se as premissas e conclusão de um


argumento são verdadeiras, isto porque a Lógica não trata dos factos.
A Lógica apenas nos diz quando é que as proposições podem ser verdadeiras e quando é que
um argumento é válido, ou seja, indica-nos as circunstâncias em que uma proposição pode ser
verdadeira e em que um argumento é válido.

2. Condições de verdade das proposições

Ora, para que um argumento seja válido é necessário que não haja nenhuma circunstância em
que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa ou, por outras palavras, que se as premissas
forem verdadeiras a conclusão tem que ser, sempre e necessariamente, verdadeira.
Dito isto, devemos então, em primeiro lugar, analisar as condições de verdade das proposições
(simples e complexas) através das tabelas de verdade.
A tabela de verdade é um inspetor de circunstâncias que demonstra todas as condições de
verdade de uma proposição, ou seja, mostra-nos todas as circunstâncias em que uma proposição pode ser
verdadeira ou falsa.

3
3
2.1 Tabela de verdade de uma proposição simples

Uma proposição simples só pode ter duas circunstâncias em que o valor de verdade é verdadeiro ou
falso.
Por exemplo, a proposição simples: “O Sol é uma estrela”; só pode ser verdadeira ou falsa, ou seja,
é verdade que o Sol é uma estrela ou é falso que o Sol é uma estrela.
Para demonstrar estas condições/valores de verdade desta proposição em tabela de verdade,
devemos fazer o seguinte:

1. Interpretação e Formalização

Dicionário de Interpretação
P – O Sol é uma estrela.
Formalização
P

2. Construção de tabela de verdade

2.1 Preenchimento da tabela com as letras proposicionais da fórmula e a fórmula


proposicional

P P

Letra(s) proposicionais Fórmula proposicional


da fórmula

2.2 Preenchimento da tabela com os valores de verdade


P (letra proposicional) P (fórmula)
1ª linha/circunstância V (verdadeiro) V (verdadeiro)
2ª linha/circunstância F (falso) F (falso)

3
4
A fórmula “P” é verdadeira quando a letra proposicional “P” é verdadeira, e é falsa quando a letra
proposicional “P” é falsa.
2.2 Tabela de verdade de proposições complexas

2.2.1 Negação

Por exemplo, a proposição “O Sol não é uma estrela” tem duas circunstâncias em que é verdadeira
e falsa.
1. Quando é verdade que “O Sol não é uma estrela”, então a proposição é verdadeira;
2. Quando é falso que “O Sol não é uma estrela”, então a proposição é falsa.

Construção da tabela de verdade


Dicionário de Interpretação
P – O Sol é uma estrela.
Formalização
~P

Tabela de verdade

P ~ P
V F V
F V F

Repara que as condições de verdade de uma proposição complexa são as condições de verdade
do seu operador de maior âmbito, isto é, o operador que tem maior atuação/influência sobre a
proposição.
Sendo assim, os valores de verdade de uma proposição de negação são os valores de verdade dessa
negação, ou seja, quando “P” é verdadeiro, então a proposição é falsa (1ª linha) e quando “P” é falso então
a proposição é verdadeira (2ª linha).

3
5
2.2.2 Conjunção

Antes de tudo, referir que uma proposição com 2 letras proposicionais terá quatro circunstâncias (4
linhas na tabela), visto que serão quatro as possibilidades de verdadeiro e falso (VV, VF, FV, FF).
Neste sentido, a proposição “O Sol é uma estrela e a Lua é um satélite” terá quatro circunstâncias
de verdade, sendo que só será verdadeira quando ambas as proposições forem verdadeiras:
1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é verdadeira.
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.

Construção da tabela de verdade


Dicionário de Interpretação
P – O Sol é uma estrela.
Q – A Lua é um satélite.
Formalização
PQ

Tabela de verdade
P Q P  Q
V V V V V
V F V F F
F V F F V
F F F F F

Com base na tabela de verdade podemos, de forma mais clara, compreender que quando “P” e “Q”
são verdadeiros, então a proposição “P  Q” é verdadeira.

3
6
2.2.3 Disjunção inclusiva

Por exemplo, a proposição “O Sol é uma estrela ou a Lua é um satélite” tem quatro condições de
verdade, e só é verdadeira quando pelo menos uma das proposições é verdadeira.

1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é verdadeira.
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira;
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira;
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.

Construção da tabela de verdade:


Dicionário de Interpretação
P – O Sol é uma estrela.
Q – A Lua é um satélite.
Formalização
PQ

Tabela de verdade

P Q P  Q
V V V V V
V F V V F
F V F V V
F F F F F

Assim, nas circunstâncias em que, pelo menos, uma das proposições “P” e “Q” são verdadeiras,
então a proposição “P  Q” é verdadeira.

3
7
2.2.3 Disjunção exclusiva

A proposição “Ou o Sol é uma estrela ou a Lua é um satélite” tem quatro condições de verdade, e
só é verdadeira quando as proposições têm diferentes valores de verdade.

1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é falsa;
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira;
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa;
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.

Tabela de verdade
Dicionário de Interpretação
P – O Sol é uma estrela.
Q – A Lua é um satélite.
Formalização
P / Q

Tabela de verdade

P Q P / Q
V V V F V
V F V V F
F V F V V
F F F F F

Nas circunstância em que “P” e “Q” têm, simultaneamente, diferentes valores de verdade, então a
proposição “P / Q” é verdadeira.

3
8
2.2.3 Condicional

A proposição “Se o Sol é uma estrela então a Lua é um satélite” tem quatro condições de verdade,
e só é falsa quando a proposição antecedente é verdadeira e o consequente é falso.

1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é verdadeira;
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa;
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira;
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira.

Construção da tabela de verdade


Dicionário de Interpretação
P – O Sol é uma estrela.
Q – A Lua é um satélite.
Formalização
P→Q

Tabela da verdade

P Q P → Q
V V V V V
V F V F F
F V F V V
F F F V F

Na circunstância em que “P” é verdadeiro e “Q” é falso, então a proposição


“P→ Q” é falsa.

3
9
2.2.4 Bicondicional

A proposição “O Sol é uma estrela se e só se a Lua é um satélite” tem quatro condições de verdade,
e só é verdadeira quando ambas as proposições têm o mesmo valor de verdade.

1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é verdadeira;
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa;
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa;
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira.

Construção da tabela de verdade


Dicionário de Interpretação
P – O Sol é uma estrela.
Q – A Lua é um satélite.
Formalização
PQ

Tabela de verdade

P Q P  Q
V V V V V
V F V F F
F V F F V
F F F V F

Nas circunstâncias em que “P” e “Q” partilham do mesmo valor de verdade, a proposição “PQ”
é verdadeira.
Síntese

4
0
1. A tabela de verdade revela as circunstâncias em que uma proposição pode ser verdadeira ou falsa;
2. A circunstância em que uma proposição complexa pode ser verdadeira ou falsa é determinada pelo seu
operador principal;
3. O operador principal é o operador de maior âmbito, ou seja, atua sobre a totalidade da proposição;
4. Se o operador principal determina os valores de verdade das proposições, então devemos conhecer as
circunstâncias em que cada operador tem valor de verdade verdadeiro e falso;
5. Circunstâncias em que os operadores são verdadeiros ou falsos:
5.1 Uma proposição negativa só é verdadeira quando a sua negação for verdade;
5.2 Uma proposição conjuntiva (conjunção) só é verdadeira quando ambas as proposições forem
verdadeiras;
5.3 Uma proposição disjuntiva inclusiva (disjunção inclusiva) só é verdadeira quando pelo menos
uma proposição é verdadeira;
5.4 Uma proposição disjuntiva exclusiva (disjunção exclusiva) só é verdadeira quando as
proposições têm diferentes valores de verdade;
5.5 Uma proposição condicional só é falsa quando, simultaneamente, o antecedente é verdadeiro e
o consequente é falso;
5.6 Uma proposição bicondicional só é verdadeira quando ambas as proposições têm o mesmo
valor de verdade.

6. Tabela de verdade dos operadores


P Q ~P P  Q P  Q P / Q P →Q P  Q

V V F V V F V V
V F F F V V F F
F V V F V V V F
F F V F F F V V

4
1
3. Aplicação das tabelas de verdade

Proposição: “Cristiano não é homem, se e só se o Artur é homem e a Maria não é mulher”

Dicionário:
P: Cristiano é homem.
Q: Artur é homem.
R: Maria é mulher.

Fórmula: ~P  (Q  ~R)

Tabela de verdade:

P Q R ~ P  (Q  ~ R)
V V V F V F F
V V F F F V V
V F V F V F F
V F F F V F V
F V V V F F F
F V F V V V V
F F V V F F F
F F F V F F V

Observações:

1. Podes apresentar os valores de verdade de cada letra proposicional na segunda coluna, mas não é
necessário. Apenas o que é necessário é que apresentes os valores de verdade de todos os operadors;

2. O valor de verdade da proposição é calculada através do seu operador principal, que neste caso é
a “bicondicional”, visto que é o operador que tem como âmbito a totalidade da proposição (influencia
todas a proposição);
3. Começamos sempre por calcular o valor de verdade dos operadors com menor âmbito, isto é,
que têm menos influência sobre a proposição. Neste sentido começamos por calcular:
1. Calculamos as proposições “~P” e “~R”;
4
2
2. Calculamos “Q /\ ~R” a partir dos valores de verdade de “Q” e de “~R”;
3. Por fim, calculamos o valor de verdade da proposição na sua totalidade a partir dos valores de
verdade de “~P” e de “Q /\ ~R”.

4. Para auxiliar a identificação do operador principal podemos rodeá-lo, como está exemplificado.

5. Para conheceres quantos valores de verdade são possíveis (linhas da tabela de verdade), podes
usar esta fórmula: “L = 2P”; ou seja, o número de linhas dos valores de verdade (L) é igual a dois (valores
de verdade) elevado ao número de letras proposicionais (P). Neste caso, como existiam três letras
proposicionais, haverá 8 linhas (23).

6. De modo a simplificar a formalização, não precisarás de separar com parêntesis dois operadors
seguidos, por exemplo, P  (~ Q) poderá ser formalizado como P  ~ Q. Contudo, no caso em que há
sinais de negação sucessivos, deverás sempre incluir parêntesis, por exemplo, ~ (~ P) e não ~ ~ P.

4
3
4. Tipos de proposição segundo os valores de verdade

A partir dos valores de verdade das proposições, podemos identificar três tipos de proposição:
1. Proposição contingente (contingência), quando a proposição apresenta valores de
verdade verdadeiros e falsos (observável na coluna do operador principal);
2. Proposição tautológica (tautologia), quando a proposição apresenta somente valores
de verdade verdadeiros (observável na coluna do operador principal);
3. Proposição contraditória (contradição), quando a proposição apresenta somente
valores de verdade falsos (observável na coluna do operador principal).

Exemplos:
Proposição contingente
P Q P → ~
Q
V V V F F
V F V V V
F V F V F
F F F V V
Proposição tautológica
P Q P → (P  Q)

V V V V V
V F V V V
F V F V V
F F F V F

Proposição contraditória
P P /\ ~ P

V V F F
F F F V

4
4
1. Constrói as tabelas de verdade e identifica o tipo de proposição segundos os valores de verdade,
das seguintes fórmulas proposicionais:

1.1 ~ ( ~ P ∧ ~ Q)
1.2 (Q ↔P) ∨ (~ Q)
1.3 (~ P  Q)  ~ R
1.4 (P ∧ Q) → ~ R
1.5 ~ (P ∨ Q) ∧ ~ (Q ∧ P)
1.6 (P ∨/ Q) ∧ (P ↔ Q)
1.7 P → (~ P ∧ (P→Q))
1.8 Q ↔ (P ∧ R)

4
5
1. Tabelas de verdade dos argumentos

Tendo nós compreendido a identificar os valores de verdade das proposições e, por conseguinte, a
identificar os três tipos de proposição (tautologia, contradição e contingente), resta-nos aplicar o inspetor de
circunstâncias aplicada à identificação da validade dos argumentos.
Sabemos já que um argumento só é válido quando é logicamente impossível que todas as suas
premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa, isto é, numa tabela de verdade de um argumento se
encontrarmos uma circunstância em que todas as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa, então o
argumento é inválido.

2. Aplicação das tabelas de verdade aos argumentos

A aplicação da tabela de verdade aos argumentos é bastante simples, porque se acrescentam,


somente, “vírgulas” para separar as premissas e o indicador de conclusão ( ∴) para separar a conclusão das
premissas.
Vejamos o seguinte argumento:
Se eu acordar, vou para a escola
Se eu vou para a escola, então vou estudar
Logo, se eu não acordar, vou estudar.

Dicionário de interpretação
P: Eu acordo.
Q: Eu vou para a escola.
R: Eu vou estudar.

Formalização
P→Q, Q→R ∴ ~ P→R
ou
P→Q
Q→R
~ P→R

Tabela de verdade

4
6
P Q R P→Q Q→R ∴~P→R
V V V V V F V
V V F V F F V
V F V F V F V
V F F F V F V
F V V V V V V
F V F V F V F
F F V V V V V
F F F V V V F

Conclusão: O argumento é inválido, porque apresenta, pelo menos, uma circunstância (8ª) em que
as premissas têm valor de verdade verdadeiro, e a conclusão valor de verdade falso.

4
7
Ficha de Exercícios
1. Formaliza, constrói as tabelas de verdade e identifica a validade dos seguintes argumentos.

1.1 Se Deus existe, então há vida depois da morte


Não há vida depois da morte
Logo, Deus não existe.

1.2 Se penso, então existo


Logo, se não existo, então não penso.

1.3 Não é verdade que não penso


Logo, penso.

1.4 Chove ou faz sol


Faz sol
Logo, chove.

1.5 Se as obras de arte emocionam, então as obras de Van Gogh emocionam


As obras de arte não emocionam
Logo, as obras de Van Gogh emocionam.

2. Identifica, através da tabela de verdade, se o argumento é válido ou inválido.

2.1 (P ↔ Q) , (Q / R) ∴ R

2.2 ~ ( ~ P → ~ Q) , Q ∴ Q

2.3 P , Q → R ∴ (P → R)

2.4 P / Q , Q ∧ R ∴ ~ (P ∨ Q)

2.5 ~ P , ~ (Q ↔ R) ∴ ~ Q

4
8
Ficha nº 11 – Parte 4
Tema: Lógica Proposicional
Formas Lógicas

1. Introdução
Aprendemos que a validade da forma do argumento pode ser inspecionada através da tabela de verdade,
contudo, como há um número infinito de formas argumentativas válidas e inválidas, aprenderemos as quatro
formas válidas mais recorrentes em Filosofia, duas formas inválidas (falácias) e, ainda, quatro fórmulas
equivalentes4 que nos ajudarão a simplificar alguns argumentos.

1.1 Fórmulas equivalentes (equivalências)


Primeiro, com o objetivo de simplificar as formas argumentativas e, assim, mais facilmente aplicar
o inspetor de circunstâncias, estudaremos quatro equivalências aplicadas às fórmulas proposicionais: 1ª e 2ª
lei de De Morgan, a dupla negação e a contraposição.

A 1ª lei de De Morgan estabelece que a negação simultânea de, por exemplo, P e Q, equivale à
negação de não P ou não Q
~ (P ∧ Q) ⟺ (~ P ∨ ~ Q)
A 2ª lei de De Morgan estabelece que a negação de P ou Q equivale à negação de P e Q.
~ (P ∨ Q) ⟺ (~ P ∧ ~ Q)
A dupla negação estabelece que a negação de não P equivale à afirmação de P.
~~P⟺P
A contraposição estabelece que a implicação de P e Q é equivalente à sua negação.
P → Q ⟺ ~Q → ~P
1.2 Formas argumentativas válidas
Ao identificarmos algumas das formas argumentativas válidas mais frequentes, dispensamos a
realização do inspetor de circunstâncias sobre elas, falamos, pois, do silogismo hipotético, silogismo
disjuntivo, modus ponens e modus tollens.
Os silogismos são formas argumentativas válidas compostas, somente, por duas premissas e uma
conclusão.
O silogismo hipotético apresenta a seguinte estrutura:

P→Q
Q→R
_______
4
Fórmulas equivalentes são fórmulas que, em qualquer circunstância, partilham os mesmos valores de verdade.
P→R 4
9
Por exemplo:
Se duvido, então penso Se eu estudar, vou tirar boas notas
Se penso, então existo Se eu tirar boas notas, vou passar de ano
Logo, se duvido, então existo. Logo, se eu estudar vou passar de ano

O silogismo disjuntivo apresenta a seguinte estrutura:

P∨Q P∨Q
~P ou ~Q
___ ___

Por exemplo: Q P

O gato está vivo ou está morto Transito ou reprovo


O gato não está vivo Não reprovo
Logo, o gato está morto. Logo, transito

O modus ponens ou afirmação do antecedente apresenta a seguinte estrutura:

P→Q
P
___
Por exemplo: Q
Se há água, há oxigénio
Há água
Logo, há oxigénio.

O modus tollens ou negação do consequente apresenta a seguinte estrutura:

P→Q
~Q
___
Por exemplo: ~P
Se Sócrates é homem, então é mortal

5
0
Sócrates não é mortal
Logo, Sócrates não é homem.

1.3 Formas argumentativas inválidas (falácias formais)


A forma inválida ou falaciosa do modus ponens corresponde à falácia da afirmação do
consequente:

P→Q
Q
___
Por exemplo: P

Se há água, há oxigénio
Há oxigénio
Logo, há água.

A forma inválida ou falaciosa do modus tollens corresponde à falácia da negação do antecedente:

P→Q
~P
___
Por exemplo:
~Q
Se Sócrates é homem, então é mortal
Sócrates não é homem
Logo, Sócrates não é mortal.

5
1
Quadro-síntese das inferências válidas e falácias formais

Modus Falácias formais


(inferências válidas)

Modus Ponens Falácia da afirmação do consequente


(afirmação do antecedente)
P→Q P→Q
P Q
Q P
Modus Tollens Falácia da negação do antecedente
(negação do consequente)
P→Q P→Q
~Q ~P
~P ~Q

Forma lógica Regra de inferência


~ (P ∧ Q) 1ª Lei de De Morgan
~P∨~Q
~ (P ∨ Q) 2ª Lei de De Morgan
~P∧ ~Q
~~ P Dupla Negação
P
P→Q Contraposição
~ Q → ~P
P→Q Silogismo hipotético
Q→R
P→R
P∨Q Silogismo disjuntivo
~P
Q

5
2
1. Identifica as conclusões das seguintes inferências válidas.

1.1 Modus Ponens


Se eu mantiver a cabeça fria, acerto este conjunto de exercícios.
É certo que mantenho a cabeça fria
C:

1.2 Modus Tollens


Se ouço música fico emocionado
Não estou emocionado
C:

1.3 Modus Tollens


Se sou galo, então tenho crista
Eu não tenho certamente uma crista.
C:

1.4 Contraposição
Se é lisboeta, é natural de Lisboa
C:

1.5 Silogismo disjuntivo


Falho este exercício ou a lógica é uma disciplina fácil.
Ora eu não falhei este exercício.
C:

1.6 Contraposição
Se chove, o caracol sai.
C:

1.7Silogismo hipotético
Se o preço da gasolina subir, as pessoas tenderão a usar menos o automóvel.
Se as pessoas usarem menos o automóvel, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera diminuem.
C:

5
3
1.8 Silogismo disjuntivo
A retórica é uma forma de persuasão ou de manipulação.
A retórica não é uma forma de persuasão.
C:

1.9 Silogismo hipotético


Se sei que penso, então penso.
Se penso, então existo.
C:

1.10 Contraposição
Se duvido, então penso.
C:

1.11 1ª lei de De Morgan


Não é verdade que as pessoas celebram o 14 de fevereiro e cantam canções de amor.
C:

1.12 2ª lei de De Morgan


É falso, que o Pedro é competente ou que merece o cargo que tem
C:

5
4
1.13 1ª lei de De Morgan
Florbela não gosta do Joaquim ou não anda preocupada.
C:

1.14 2ª lei de De Morgan


Não tenho carta nem sei conduzir.
C:

2. Identifica o tipo de inferência válida.

2.1
P→(Q∧R)
(Q∧R) →S
P→S

Inferência:

2.2
(P ∨ Q) →R

~R→ ~ (P ∨ Q)

Inferência:

2.3
(P∧Q) ∨ (R∧S)
~ (P∧Q)

R∧S

Inferência:

2.4

5
5
(P∧Q) → R
~R

~(P∧Q)

Inferência:

2.5
~ (P ∨ R)

~P∧~R

Inferência:

2.6
[((P ∨ Q) →R) ∧ (P ∨ R)] → (P ∨ R)
((P ∨ Q) →R) ∧ (P ∨ R)

(P ∨ R)

Inferência:

5
6
1. Lógica formal e informal

Estudamos, até ao momento, formas argumentativas que, apenas com base na sua estrutura, podemos
concluir a sua validade. Falamos, pois, dos argumentos dedutivamente válidos, isto é, se as premissas
forem verdadeiras, a conclusão é, necessariamente, verdadeira. Este tipo de argumentos caracteriza-se,
geralmente, por partir de uma premissa geral para inferir uma conclusão particular, por exemplo:
Todos os corvos são pretos
Esta ave é um corvo
Logo, esta ave é preta

Ou seja, a partir de um caso geral (Todos os corvos), concluímos um caso particular (esta ave).
Contudo, os argumentos dedutivos, apesar de frequentes em Matemática e Filosofia, são pouco comuns
nas ciências experimentais (Biologia, Química, Psicologia, entre outros), porque nas ciências partimos quase
sempre da observação de casos particulares para depois generalizarmos ou prevermos, e o mesmo se aplica
aos argumentos que utilizamos no nosso dia a dia, como acontece quando concluímos uma opinião por
comparação com outros casos e, também, quando recorremos a um especialista de uma certa área para
justificar a nossa opinião (tese).
Por exemplo, um biólogo usaria este argumento:
Alguns corvos são pretos5
Logo, todos os corvos são pretos.
Ora, estamos a falar de argumentos não dedutivos, isto é, argumentos em que a sua validade não depende
unicamente da sua estrutura, mas depende, também, do seu conteúdo, daquilo que é afirmado.
Por esta razão, se até aqui estudamos os argumentos dedutivos através da denominada lógica formal6,
estudaremos agora os argumentos não dedutivos relevando o seu conteúdo, através da lógica informal.7

5
Isto é, todos aqueles que observei, porque não é possível observar todos.
6
Chama-se lógica formal porque analisa, somente, a forma dos argumentos.
7
Lógica informal é o tipo de lógica que estuda a forma e o conteúdo.
5
7
2. Argumentos não dedutivos

Os tipos de argumentos estudados pela lógica informal são os argumentos não dedutivos, isto é,
argumentos que podem ser fortes (“válidos”) não por necessidade lógica, mas pela alta probabilidade das
premissas ao serem verdadeiras, a conclusão também poderá ser verdadeira.
Assim, no caso dos argumentos não dedutivos fortes é logicamente possível, mas improvável, que as
premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Ou seja, a validade deste tipo de argumentos não depende
exclusivamente da sua forma lógica, mas de outros fatores informais, como o seu conteúdo.
Devido ao facto de apenas existir uma relação de probabilidade entre as premissas e a conclusão nos
argumentos não dedutivos, a característica de validade (da estrutura do argumento) não é suficiente para
distinguirmos os seus diferentes tipos.
Neste sentido, há argumentos em que a conclusão é mais provável na sua relação com as premissas,
do que outros argumentos, mesmo que partilhem a mesma forma lógica válida. Por esta razão, na análise da
lógica informal, é mais apropriado atribuir a característica de forte (bom) ou fraco (mau) aos argumentos
não dedutivos, tendo por base o seu aspeto formal (estrutura do argumento) e o seu aspeto informal
(conteúdo das proposições), sendo que um argumento forte tem premissas que nos permitem aceitar a
veracidade da conclusão com uma grande probabilidade ou razoabilidade, enquanto que um
argumento fraco, apesar das premissas serem verdadeiras, é muito improvável que a conclusão
também o seja.
Como a força de um argumento não dedutivo depende da probabilidade, haverá diferentes graus de
força. Assim, estudaremos o grau de força dos principais tipos de argumentos não dedutivos, como o
argumento por generalização e por previsão (argumentos indutivos), argumento por analogia e
argumento de autoridade.

5
8
3. Tipos de argumentos não dedutivos

3.1 Argumentos indutivos: Argumento por generalização


Os argumentos indutivos inferem da verdade das premissas uma conclusão provavelmente
verdadeira ou, ainda, podem ser definidos como um tipo de argumentos que, geralmente, inferem de casos
particulares, uma conclusão geral. Sendo que podemos ter dois tipos de argumentos indutivos:
generalização e previsão.
Uma generalização indutiva parte de uma característica presente em casos particulares, para depois
generalizar a todos os casos:
Alguns P são Q.
Logo, todos os P são Q

Por exemplo:
Todas as aves até hoje obervadas, voam.
Logo, todas as aves voam.

O argumento é de generalização, porque a partir de um caso particular (“Todas as aves até hoje
obervadas, voam.”) generaliza-se para todos os casos (“todas as aves voam”).
O que acontece neste argumento é a generalização de uma característica das aves (observadas) para
atribuir essa mesma a todas as aves (ainda não observadas).
Os critérios para considerar se este argumento por generalização é forte (bom) ou fraco (mau), é
verificar se
1) os casos particulares observados são numericamente relevantes para suportar a conclusão
(grandeza da amostra)
2) estes representam adequadamente o universo em causa (representatividade).

Ou seja, se inferimos a partir de uma amostra de cinco aves num universo de milhões, o número é
demasiado residual para sustentar uma generalização, contudo, se tiver sido observado um número mais
próximo do universo existente de aves, podemos concluir que é um bom argumento.

5
9
3.2 Argumentos indutivos: Argumento por previsão

O outro tipo de argumento indutivo é o argumento por previsão, isto é, infere de casos particulares
uma previsão/projeção da mesma característica para casos futuros.

Alguns P são Q.
Logo, o próximo P será Q

Por exemplo:
Observamos que até hoje o Sol “nasceu”.
Logo, amanhã o Sol também “nascerá”.

O argumento é de previsão porque a partir de um caso particular (“Observamos que até hoje o Sol
“nasceu.”), prevê-se que amanhã o Sol também nascerá.

Comparativamente com a generalização, a diferença encontra-se na inferência dirigida para o


futuro, para os próximos casos a ser observados, como se pode identificar pelo uso da expressão “também
nascerá”.
O critério para distinguir o grau de força do argumento por previsão é o mesmo que o do argumento
de generalização, ou seja, para ser um bom argumento de previsão, a amostra deve ser representativa do
universo em causa e o número de casos particulares deverá ser relevante para que a previsão seja razoável,
por exemplo:
No Inverno observa-se constantemente a existência de precipitação.
Por isso, prevê-se que no próximo Inverno também haverá precipitação.

Este é um bom argumento, visto que a observação de sucessivos invernos e a sua constante
associação com a precipitação permite-nos, com razoabilidade, aceitar que no próximo Inverno também
haverá precipitação.
Um exemplo contrário seria:
No Verão de 1945 observou-se a existência de precipitação.
Logo prevê-se que no Verão de 2020 haverá, também, precipitação.

É um argumento fraco porque a amostra (“Verão de 1945”) é numericamente irrelevante e não


representativa do que acontece geralmente no Verão.

6
0
3.3 Argumento por analogia

O terceiro tipo de argumento não dedutivo denomina-se argumento por analogia e pode ser definido
como um argumento que toma por base a semelhança entre dois objetos/situações diferentes, no sentido
em que, se duas coisas são semelhantes em vários aspetos, também o serão noutros
P é como Q.
P é (tem a característica) R.
Logo, Q é (tem a característica) R.

Por exemplo:
Os relógios são criados por alguém inteligente.
A Natureza funciona como os relógios.
Logo, a Natureza foi criada por alguém inteligente.

Ou seja, como a Natureza é semelhante ao funcionamento dos relógios, então partilham a mesma
característica de terem sido criados “por alguém inteligente”. A utilização do termo “como” é uma
característica geralmente presente neste tipo de argumentos, porque indica a partilha ou semelhança entre
dois sujeitos ou objetos em causa.
Para considerarmos o grau de força dos argumentos por analogia, devemos atender aos seguintes
critérios:
1) As semelhanças têm de ser relevantes em relação à conclusão pretendida;
2) O número de semelhanças relevantes tem de ser suficiente para suportar a conclusão;
3) Não podem existir diferenças relevantes em relação à conclusão.

Segundo os três critérios apresentados, o argumento acima apresentado não é um argumento forte
(bom), visto que as semelhanças que existem entre a Natureza e um relógio são irrelevantes e insuficientes,
no sentido em que estamos a comparar um sistema complexo com um sistema simples e, noutro sentido, a
equiparar o Todo (Natureza) com um dos seus elementos/partes (relógio).

6
1
3.4 Argumento de autoridade

O quarto tipo de argumento não dedutivo é o argumento de autoridade, e é usado quando invocamos
um especialista na área para corroborar a nossa conclusão, sendo a sua forma lógica:
P (especialista) disse que Q.
Logo, Q.

Por exemplo, quando argumentamos que o tempo é relativo porque Einstein defendia esta conceção. Ou
seja, invocamos a posição de um especialista reconhecido e relevante na área (Física) para suportar a nossa
tese.
Para avaliar o grau de força dos argumentos de autoridade, temos de cumprir os seguintes critérios:
1) O nome do especialista/autoridade e a fonte tem de ser devidamente citado;
2) A autoridade mencionada tem de ser efetivamente um especialista na área em questão;
3) O que é afirmado tem de ser relativamente consensual na área em questão;
4) A autoridade invocada tem de ser parte desinteressada no assunto.

Segundo estes critérios, o argumento sobre Einstein acima mencionado pode ser considerado um
argumento forte, visto que o físico é uma reconhecida autoridade na área e é relativamente consensual a sua
teoria no paradigma científico atual.
Contudo, se invocarmos Einstein para defender que a guerra é imoral, este seria um argumento fraco,
visto que Einstein, apesar da sua posição de pacifista, não é uma referência na área da Ética sobre a
moralidade da guerra.
O incumprimento destes critérios a respeito dos argumentos não dedutivos, permite-nos verificar a
força dos argumentos, mas também identificar se são argumentos falaciosos (próximo tema).

6
2
4. Quadro-síntese dos tipos de argumentos não dedutivos

Argumentos não dedutivos


Argumento por Argumento por previsão Argumento por analogia Argumento por autoridade
generalização (indutivo)
(indutivo)
Definição Inferir uma conclusão Prever casos futuros, a Pretende-se concluir que, Sustentar uma conclusão a
geral, a partir de casos partir de casos particulares. por alguma coisa ser partir da opinião de um
particulares. semelhante a outra, especialista
partilham necessariamente relevante/reconhecido.
das mesmas características.
Fórmula Alguns P são Q. Alguns P são Q. P é como Q. P disse que Q.
Logo, todos os P são Q. Logo, o próximo P será Q. P é (tem a característica) Logo, Q.
R.
Logo, Q é R.

Critério Grandeza da amostra; Grandeza da amostra; Semelhanças relevantes; Autoridade e fonte


devidamente citados;
Representatividade. Representatividade. Número de semelhanças
relevantes; Autoridade é um
especialista na área;
Não há diferenças
relevantes. A afirmação ser consensual
na área;

Autoridade
desinteressada/imparcial no
assunto.
Exemplo Alguns corvos são Os corvos observados até O João apresenta os Albert Einstein, no ensaio
pretos. hoje são pretos. mesmos sintomas que o Teoria da Relatividade
Logo, todos os corvos Logo, o próximo corvo Rui. Geral, uma teoria
são pretos. será preto. O João está com gripe. amplamente aceite pela
Logo, o Rui também estará comunidade científica,
com gripe. defendeu que o tempo é
relativo.
Logo, o tempo é relativo.

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3
Exercícios

1. Liga os argumentos ao tipo de argumento correspondente.

1. Segundo Sócrates, a origem da Filosofia é o espanto.


Logo, a origem da Filosofia é o espanto.

 Argumento dedutivo
2. A Ana e a Maria têm os mesmos gostos. A Ana gosta
dos One Direction. Por essa razão, o pai da Maria  Argumento por generalização
ofereceu à Maria um bilhete para o concerto dos One
Direction.  Argumento por previsão

3. Foram observados linces ibéricos em Portugal e  Argumento por analogia


Espanha. Sabendo que são uma espécie em vias de
extinção, então todos os linces ibéricos só existem em  Argumento de autoridade
Portugal e Espanha.

4. Devido às alterações climáticas, existe um degelo nas


calotes polares. Com base nestes dados, daqui a 15 anos
haverá uma subida do nível médio das águas.
2. A partir dos textos argumentativos, constrói o argumento e identifica o tipo de argumento,
justificando se cada um deles é um argumento forte ou fraco.
5. Todos os homens são mortais. Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.
2.1. Li um artigo de dois biólogos, na revista Nature, edição de outubro, que as espécies da Amazónia estão
a ficar extintas, e afirmam que essa situação se deve à poluição. Logo, podemos admitir que as espécies da
Amazónia estão a ficar extintas por causa da poluição.

2.2. Deves estar preocupado com as notas, mas não devias, porque eu falei com os nossos colegas e o teste
correu-lhes muito bem.

2.3. Não sei se tens razão, porque se nos anos anteriores não choveu no Natal é provável que no próximo
Natal também não chova.

2.4. O Futebol Clube do Porto tem excelentes jogadores, assim como o Benfica. Se o Porto tem vencido
estes jogos todos, então podemos confiar que o Benfica também vencerá os próximos.

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4
Ficha nº 14
Tema: Lógica Informal
Falácias informais

1. Argumentos falaciosos ou falácias informais

1.1 Introdução
Analisamos, anteriormente, que os argumentos não dedutivos são avaliados não pela sua
validade formal, mas pela força do argumento, isto é, se a partir das premissas pudermos concluir
com elevada probabilidade a conclusão do argumento, então o argumento é forte, caso contrário o
argumento é fraco.
Para verificarmos a força do argumento estudamos os critérios que devem ser satisfeitos
para que os argumentos indutivos, de autoridade e analogia possam ser fortes.
Ora, este o incumprimento destes critérios a respeito dos argumentos não dedutivos, para
além de nos informar da força dos argumentos, também permite identificar se são argumentos
falaciosos.

1.2 Falácias informais

Um argumento falacioso pode ser definido como sendo um argumento que parece que
as suas premissas suportam (corretamente) a conclusão, quando na verdade não suportam,
ou seja, é um erro de raciocínio ou de argumentação.
No caso dos argumentos não dedutivos, o argumento é identificado como falacioso quando
não cumpre os critérios já mencionados para cada tipo de argumento, mas pretende-se,
mesmo assim, persuadir que a conclusão é suportada pelas premissas.
Como, geralmente, os argumentos não dedutivos são utilizados em discussões do dia a dia ou em
debates, é natural que os interlocutores não tenham tanto rigor na sua verificação ou estruturação
formal, nesse sentido, é recorrente a utilização de falácias informais, principalmente em debates
quando o que está em causa é demonstrar ao público que a nossa posição é melhor que a do
oponente, sendo que esta disputa verbal pode ser caracterizada por “ataques pessoais agressivos,
apelo às emoções e vontade de vencer a discussão a qualquer custo”.
Por esta razão, entre outras tantas, é necessário que consigamos identificar quando são
cometidas falácias e, também, que sejamos capazes de reforçar o grau de força dos nossos
argumentos, de modo que a nossa posição seja sólida e consistente.

6
5
Doze falácias informais

1. Falácia da generalização precipitada


Estes erros ou deturpações dos argumentos ocorrem, por exemplo, na indução
argumentativa por generalização, isto é, quando não se cumpre o critério do número relevante de
casos particulares que suportem uma conclusão geral (Alguns P são Q. Logo, todos os P são Q), por
exemplo: “Conheci cinco portugueses alegres, logo todos os portugueses são alegres”.

2. Falácia da amostra não representativa


O argumento por generalização pode ainda ser falacioso quando não é cumprido o critério
da representatividade da amostra do universo de casos em questão (Alguns (não- representativos) P
são Q. Logo, todos os P são Q), por exemplo, quando se conclui que os portugueses são contra o
aborto, com base num inquérito realizado à porta de uma igreja. Neste caso, é previsível que sejam
contra o aborto, por isso não é uma amostra que seja representativa do universo dos portugueses.

3. Falácia da falsa analogia


Também o argumento por analogia pode ser falacioso quando não é cumprido o critério da
relevância das características que são partilhadas entre duas coisas (P é como Q. P é (tem a
característica irrelevante) R. Logo, Q é R), por exemplo: “Os homens têm pernas como as mulheres,
logo os homens são mulheres” ou “A capa deste livro tem a mesma cor que a capa de outro que é
excelente, logo este livro também é excelente.”.

4. Falácia do apelo à autoridade

O argumento de autoridade também pode ser falacioso quando, por exemplo, não
se cumpre o critério em que a autoridade invocada não é um especialista na área (P (não
especialista) disse que Q. Logo, Q), por exemplo: “A Bíblia afirma que a Terra é redonda,
logo a Terra é redonda”

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6
5. Falácia do falso dilema

Para além destas falácias que se relacionam com os argumentos não dedutivos
mencionados, podemos ainda mencionar outros tipos de falácias que usualmente são utilizadas em
discussões ou debates.
Frequentemente, em debates, radicalizam-se as posições de modo a tornar a posição do
oponente indefensável e a nossa posição a única alternativa aceitável, recorrendo, por isso, a uma
situação de falácia do falso dilema, que pode ser definida como um argumento que toma por base
duas opções possíveis, quando na verdade existem mais (P ou Q. Mas não P. Logo, Q), por exemplo:
“Estás comigo ou estás contra mim. Não estás comigo. Logo, estás contra mim” ou “As pessoas ou
são boas ou são más”.

6. Falácia da petição de princípio

Para além do uso retórico das falácias em debates, as falácias podem também estar presentes
no discurso filosófico, como é o célebre caso da petição de princípio de Aristóteles que afirma: “A
natureza das coisas pesadas é tender para o centro do mundo; e as das coisas leves é afastar-se dele.
A experiência revela que as coisas pesadas tendem para o centro da Terra e que as leves dele se
afastam. Assim, o centro da Terra é o centro do mundo.”.
Ou seja, a conclusão de Aristóteles é que a “o centro da Terra é o centro do mundo”, contudo
assume desde logo nas premissas que o centro do mundo é o centro da Terra, visto que as coisas
pesadas tendem para o centro da Terra, que é na verdade o centro do mundo. Esta circularidade
argumentativa denomina-se falácia de petição de princípio e ocorre quando o que é defendido na
conclusão já se encontra nas premissas (P. Logo, P), por exemplo: “A Bíblia afirma que Deus
existe. Deus escreveu a Bíblia. Logo, Deus existe.”.

6
7
7. Falácia da falsa relação causal

Também, e principalmente, nas ciências empíricas são utilizados argumentos indutivos com
o objetivo de concluir a causa de determinados fenómenos. Contudo, quando apenas se cumpre a
condição necessária de que a causa antecede o efeito, supondo que só porque B ocorre depois de A,
então A é a causa de B, podemos estar a argumentar falaciosamente.
Assim, a falácia da falsa relação causal (post hoc ergo propter hoc) acontece quando
inferimos que só porque algo se segue de outro, então este é causa desse algo (P acontece depois
de Q. Logo, Q é causa de P), por exemplo: “Quando começaram a fazer a dança da chuva, parou
de chover. Logo, parou de chover por causa da dança da chuva” ou o exemplo clássico de David
Hume do movimento das duas bolas de bilhar, em que o movimento da bola de bilhar A apesar de
anteceder o movimento da bola de bilhar B, não significa que seja a causa do movimento da bola de
bilhar B.

8. Falácia de ataque pessoal (ad hominem)


Mas nem sempre a argumentação tem como foco o argumento em si ou a contra-argumentação
sobre a tese oposta, muitas vezes não tentamos criticar o argumento oponente, mas a pessoa que o
apresenta. Desta forma, ao tentar desvalorizar os conhecimentos, o carácter ou a imparcialidade da
pessoa, tentamos demonstrar que o seu argumento está incorreto ou não é sustentável.
Quando fazemos este movimento de argumentação focado na pessoa, incorremos numa
falácia de ataque pessoal (ad hominem), ou seja, atacamos a pessoa que apresentou um argumento
em vez do próprio argumento (A pessoa a afirmou P. Mas a não é credível. Logo, P é falso.), por
exemplo: “O Jorge defende o fim das propinas, porque o Jorge quer utilizar o dinheiro noutras
coisas” ou “Dizes que o jogador cometeu falta, porque és da equipa contrária”.

9. Falácia de apelo à maioria (ad populum)


Neste caso, contra-argumentamos denegrindo a pessoa que apresentou o argumento, mas pode
acontecer invocarmos a opinião da maioria para defender a nossa própria conclusão, incorrendo,
assim, na falácia de apelo à maioria (ad populum) (A maioria das pessoas diz que P. Logo, P), por
exemplo: “A maioria acredita que beber água faz bem, logo deves beber água”.

6
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10. Falácia de apelo à ignorância
Da mesma forma que recorremos à opinião da maioria porque, por exemplo, não
temos informação suficiente para formular uma opinião pessoal, também o fazemos
quando incorremos na falácia de apelo à ignorância, isto é, quando procuramos concluir
que algo é verdadeiro por não ter sido provado que era falso (e vice-versa) (Não se sabe
que P. Logo P é falso” ou “Não se sabe que P é falso. Logo, é verdadeiro que P), por
exemplo: “Como não se provou que há vida em Marte, então não há vida em Marte”.

11. Falácia do espantalho ou boneco de palha


No mesmo sentido que a falácia de ataque pessoal, em que criticamos ao invés de
contra-argumentar o argumento apresentado, acontece algo de semelhante na falácia do
espantalho ou boneco de palha, pois distorcemos o argumento que pretendemos refutar,
de modo a parecer falso ou absurdo (a afirma P. b distorce P e transforma em Q. b contra-
argumenta Q), por exemplo: “As pessoas que defendem o aborto, estão a defender o
homicídio. Logo, o aborto não é defensável”.

12. Falácia da derrapagem ou bola de neve


Outra forma de distorcer o argumento do oponente é recorrer à falácia da
derrapagem ou bola de neve, isto é, hiperbolizamos ou exageramos as consequências
das premissas do outro argumento de forma a torná-lo absurdo (Se P, então Q. Se Q, então
R. Se R, então S. Logo, se P, então S), Por exemplo: “Se não estudares, tiras negativa. Se
tirares negativa, dificilmente passarás de ano. Se reprovares, não farás o curso e não terás
emprego. Logo, se não estudares não terás emprego”.

Conclusão
Por fim, é necessário referir que as falácias não podem ser apenas consideradas
erros de argumentação voluntários, mas também são utilizadas em debates e discussões
com consciência dos intervenientes, porque estas, como afirma Douglas Walton
“representam métodos eficazes de ataque que podem ser usados com propósitos tanto
fraudulentos como legítimos”.

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2. Quadro-síntese das falácias informais

Falácia informal Definição Exemplo


Generalização precipitada Generalização que não cumpre a Durante 4 dias choveu torrencialmente no Pinhal
grandeza da mostra. Novo.
Logo, irá chover todos os meses no Pinhal Novo.
Amostra não representativa Generalização que não cumpre a Os lisboetas são contra a tourada.
representativa da amostra. Logo, os portugueses são contra a tourada.
Falsa analogia Comparação com base em Eu tenho a mesma altura que o Cristiano Ronaldo.
características irrelevantes. O Cristiano Ronaldo é um excelente jogador.
Logo, eu também sou um excelente jogador.
Apelo à autoridade Invocar alguém que não é Um youtuber afirma que devemos lavar os dentes 5
especialista na área em questão. vezes ao dia.
Logo, devemos lavar os dentes 5 vezes ao dia.
Falso dilema Argumentar com base em duas Hoje, jogamos à bola ou badminton.
únicas opções, quando existem Se não temos raquetes, então temos que jogar à bola.
mais.
Petição de princípio Concluir uma tese que já se Eu devo ser eleito o delegado de turma, porque, na
encontra afirmada nas premissas. minha opinião, eu devo ser o delegado de turma.
Falsa relação causal Concluir que x é causa de y, só Sempre que estudo tenho má nota.
porque x antecede y. Logo, se não estudar tiro boas notas.
Ataque pessoal (ad hominem) Refutar uma tese criticando quem Dizes que é importante votar, porque tu és político e
a apresentou. queres ser eleito.
Por isso, não é importante votar.
Apelo à maioria (ad populum) Invocar a opinião da maioria para A maioria das pessoas acha que comer laranja à noite
justificar a nossa. faz mal.
Logo, não devemos comer laranja à noite.
Apelo à ignorância Defender uma tese só porque não Como ainda não foi provado que Deus existe.
foi refutada. Então, Deus só pode existir.
Espantalho ou boneco de palha Distorcer o argumento que nos foi Pessoa A: É importante que o governo se centre nas
apresentado para o refutar. questões climáticas.
Pessoa B: Não é possível centrarmo-nos no nas
questões climáticas, quando há pobreza. É preciso
primeiro tratar da pobreza e não das questões
climáticas.
Derrapagem ou bola de neve Exagerar as consequências de um Os professores estão sempre a insistir que devemos
argumento apresentado para o estudar, mas depois se estamos sempre a estudar não
refutar mais facilmente. temos tempo para fazer amigos, e se não fazemos
amigos depois a vida é uma tristeza!

7
0
Ficha nº 15
Tema: Livre-arbítrio
Incompatibilismo: Determinismo radical

1. Introdução: Rede conceptual da ação


Os acontecimentos, isto é, tudo o que acontece num determinado tempo e lugar,
podem ter uma causa natural, mas, também, serem causados por um agente, isto é, um
sujeito racional (age segundo a razão) e consciente (age consciente da sua ação), sendo
que a execução da sua ação pressupõe uma finalidade (objetivo da ação) e uma vontade
expressa, ou seja, uma intenção (a ação que se propõe a executar) e uma motivação (as
razões pelas quais age). Quando estas condições estão reunidas, o acontecimento não é
um simples evento, mas um acontecimento intencionado, porque executado por um
agente.
Contudo, a execução de uma ação ou acontecimento intencionado, implica sempre
algumas condicionantes que limitam essa mesma ação. Falamos, por exemplo, de
condicionantes internas ao sujeito (fatores físico-biológicos e psicológicos) e externas ao
sujeito (fatores naturais, geográficos e histórico-culturais).
As condicionantes internas ao sujeito podem ser fatores físico-biológicos, como a
compleição e limitações físicas, o género e doenças, e no caso dos fatores psicológicos, a
personalidade, o caráter, fobias, traumas, desejos, entre outros.
As condicionantes externas ao sujeito podem ser naturais e geográficas, como o
meio físico, clima, fenómenos naturais, e no caso de fatores histórico-culturais, os valores
sociais, as normas, leis, costumes, tradições, idioma, entre outros.
Esta consideração de que a nossa ação se encontra condicionada parece não criar
qualquer tipo de problema ou discórdia, a questão filosófica que parte desta asserção é se
as nossas ações, mais do que condicionadas, são determinadas pelos fatores mencionados
ou se a nossa ação, apesar das condicionantes, continua a ser completamente livre.
É este problema filosófico (Será o ser humano livre ou determinado?) que
pretendemos investigar, apresentando as duas principais posições filosóficas a esta
questão: incompatibilismo e compatibilismo.

7
1
2. Incompatibilismo
O incompatibilismo é a posição filosófica que afirma a incompatibilidade ou a
impossibilidade do livre-arbítrio e do determinismo coexistirem, assim sendo, as nossas
ações ou são livres (não têm causas externas) ou são determinadas (têm causas externas).
A premissa desta posição, Se todas as ações humanas são casualmente
determinadas, então nenhuma ação é livre, é partilhada pela tese do determinismo
radical, que afirma que nenhuma ação é livre, porque todas elas são determinadas por
causas externas, mas também é partilhada por outra posição radical, o libertismo, que
defende que há ações humanas que são absolutamente livres, porque são apenas
determinadas pela vontade do agente (autodeterminação).

2.1 Determinismo radical


O determinismo radical defende que não existe livre-arbítrio e que, por isso,
nenhuma ação humana é livre. As razões que sustentam esta tese são as seguintes:
A primeira relaciona-se com a Lei da Causalidade. Tudo tem uma causa, isto é,
cada acontecimento ou ação pressupõe uma causa, uma origem, para a sua existência, e
se assim é, tudo o que acontece segue-se obrigatoriamente e deterministicamente de um
acontecimento anterior. Nesse sentido, tudo o que ocorre está determinado, inclusive as
ações humanas, que têm sempre uma causa alheia à “liberdade” humana e que estão
submetidas às leis da natureza.
Assim, tudo o que fazemos é um efeito de uma longa cadeia de causas e efeitos,
todas elas encadeadas e determinadas pelas leis da natureza, sendo inevitável qualquer
comportamento que tenhamos, seja porque estava determinado no nosso código genético,
seja porque o nosso comportamento se segue das leis comportamentais da Psicologia e da
Biologia, ou seja, porque as nossas ações estão submetidas às leis da Física, é como se
não pudéssemos escapar ao Destino ou a uma ordem pré-existente do Universo.
A segunda relaciona-se com a existência de Deus. Isto é, se Deus existe, e se é
omnipresente e omnipotente, em tudo o que existe no Universo foi criado por Ele, assim
como tudo o que acontece é coordenado por Ele, logo, também o ser humano
necessariamente existe e é determinado pela vontade divina.
Por fim, podemos compreender que as nossas ações têm origem na nossa mente,
ou seja, que agimos por uma vontade (motivo e intenção), uma finalidade e com
consciência, contudo, a vontade de querermos comer um bolo não surgiu livremente de
nós, mas talvez porque o nosso organismo estava com um défice de açúcar, talvez porque

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2
vimos numa publicidade esse bolo, e isso criou em nós o desejo de querer comer, ou
talvez porque o bolo é aprazível ao nosso palato e, então, queremos comer. Contudo, em
nenhum momento nós pretendemos comer porque espontaneamente queremos comer, o
que refuta a ideia de que os nossos motivos surgem livremente em nós e corrobora a ideia
de que tudo aquilo que fazemos advém de uma causa que é independente da nossa
espontaneidade.
Por estas razões, o filósofo Paul Henri D’Holbach, Sistema de Liberdade do
Homem¸ afirma:
“A vida do ser humano é uma linha que a Natureza ordena que ele cumpra na
superfície da Terra, sem que seja alguma vez capaz de se desviar, nem que seja por um
instante. Nasceu sem o seu consentimento; o modo como se organiza é independente dele;
os seus hábitos dependem daqueles que o obrigaram a aceitá-los; é incessantemente
modificado por causas, visíveis ou invisíveis, que escapam ao seu controle, que regulam
necessariamente o seu modo de existência, que moldam o seu pensamento e determinam
a sua forma de agir. É bom ou mau, feliz ou miserável, sábio ou idiota, razoável ou
irracional, sem que a sua vontade importe para esses diferentes estados.”
Contudo, podemos apresentar alguns problemas ao determinismo radical:
1. Se tudo estivesse pré-determinado, se as nossas ações fossem determinadas
pelas circunstâncias e por causas que não controlamos, então a nossa existência perderia
sentido e não teríamos motivação para viver ou agir, tornando-nos simples marionetas de
um Deus omnipotente ou de um destino fatalista.
2. O facto de estarmos determinados também nos desresponsabiliza das nossas
próprias ações, no sentido em que qualquer ação errada que fizéssemos, poderíamos
sempre justificar que o nosso comportamento se justificou por algo exterior a nós que não
controlamos, e, assim, nunca assumiríamos as responsabilidades pelas nossas ações,
ilibando-nos de qualquer responsabilidade, o que tornaria a vida em sociedade impossível
de existir;
3. Cientificamente podemos demonstrar que o nosso comportamento implicará,
pelo menos, uma mínima liberdade. Por exemplo, partindo da teoria da evolução de
Charles Darwin, em que os organismos mais adaptados sobrevivem e deixam
descendência, seria contraditório ao processo evolutivo gastar tanta energia biológica a
educar os filhos para que eles aprendam a exercer o livre-arbítrio, assim como utilizamos
uma constante energia a tomar decisões, para que no fim, essa crença se revelasse falsa.
Acrescente-se, ainda, que a possibilidade de que cada pessoa possa tomar decisões

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particulares, só seria possível se cada um tivesse a liberdade para o fazer, caso contrário,
todos agiríamos de igual maneira.

Exercícios
1. “Como estava com sede, fui ao Café comprar uma garrafa de água.”
Este evento é intencional? Responde, explicando as características necessárias
para que um acontecimento seja uma ação.
2. Distingue incompatibilismo de compatibilismo.
3. “A imagem mais forte para transmitir esta conceção de determinismo é ainda a que foi
formulada por Laplace: «se um observador ideal conhecesse as posições de todas as
partículas num dado instante e conhecesse todas as leis que governam os seus
movimentos, poderia predizer toda a história do Universo». As predições de um Laplace
perito em mecânica quântica contemporânea podem ser estáticas, mas apesar de tudo não
permitiriam espaço para a liberdade da vontade.»”
Mente, Cérebro e Ciência, John Searle
Aponta o argumento determinista, com base no texto.

4. “Quando alguém insistir em negar que nós, seres humanos, somos livres, aconselho-te
a aplicar a essa pessoa a prova do filósofo romano. Na Antiguidade, um filósofo romano
discutia com um amigo que negava a liberdade humana e afirmava que todos os homens
não têm outro remédio senão fazer o que fazem. O filósofo pegou na sua bengala e
começou a golpear o amigo com toda a força. "Para, chega, não me batas mais!", dizia o
outro. E o filósofo, sem parar de espancá-lo, continuou argumentando: "Tu não estás a
dizer que não sou livre e que não posso evitar fazer o que faço? Pois então não gastes a
saliva pedindo-me para parar: sou automático." Enquanto o amigo não reconheceu que o
filósofo podia livremente deixar de bater-lhe, o filósofo não suspendeu as bengaladas. A
prova é boa, mas só deves utilizá-la em caso extremo e sempre com amigos que não
pratiquem artes marciais...”
Ética para um jovem, Fernando Savater
4.1 Que crença teremos de abandonar se o determinismo radical for verdadeiro?
4.2 O determinismo radical implica a ausência de responsabilidade. Porquê?

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Ficha nº 16
Tema: Livre-arbítrio
Incompatibilismo: Libertismo

Libertismo

O libertismo é a tese filosófica que afirma que existem ações que são
absolutamente livres, ou seja, que não são determinadas por causa anteriores e alheias ao
agente, apesar de considerar que também existem ações que são determinadas, isto é, que
nós não temos responsabilidade nem controlo por elas.
Contudo, para os libertistas, não é possível que numa mesma ação, se possa
assumir o livre-arbítrio e o determinismo, ou seja, uma ação ou é livre ou é determinada.
Os libertistas argumentam que o ser humano age livremente quando é capaz de se
autodeterminar, isto é, de decidir independentemente de quaisquer causas anteriores, ou
seja, se a única causa for a decisão do agente.
Esta autodeterminação ou causalidade do agente distingue-se da causalidade
mecânica comum, como a Física e a Biologia estudam, e este aspeto só se aplica ao ser
humano, porque desde o momento em que nasce, não está determinado a exercer certas
funções, como o caso das formigas ou das abelhas que geneticamente estão determinadas
a ser soldadas ou rainhas.
No nosso caso particular, como postula o filósofo Jean-Paul Sartre, o ser humano
não tem uma natureza própria, nada à nascença indica o que ele será na vida adulta ou o
que ele terá que ser. É neste sentido que o filósofo defende que, no caso humano, a
existência precede a essência, isto é, primeiro nós existimos no mundo e depois é que nos
definimos, que desenvolvemos a nossa personalidade, os nossos gostos, as nossas
vontades, motivações e os nossos objetivos.
Por esta razão, ao não estarmos pré-determinados pela nossa natureza, temos um
leque infindável de escolhas e possibilidades, que só nós, pela nossa autodeterminação, é
que podemos decidir.
Assim, afirma o filósofo (O Existencialismo é um Humanismo):
“O homem não é mais do que o que faz de si mesmo. (…) O homem é no início
um projeto que tem consciência de si mesmo. (…) Se a existência precede realmente a
essência, não é possível explicar as coisas tendo por referência uma natureza humana fixa
e dada. Por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade.”

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Outro argumento para além da inexistência de uma natureza humana que nos
determina, é o argumento das possibilidades alternativas da ação.
É verdade que quando somos forçados ou obrigados a agir de certa forma, não
poderemos dizer que agimos livremente, contudo, a maioria das nossas ações não implica
uma obrigatoriedade constante.
Desde o momento em que acordamos até que nos deitamos, fazemos múltiplas
escolhas sobre aquilo que vamos vestir, comer, estudar, falar, entre outros
comportamentos que compreendemos que não somos obrigados a fazer, visto que para
cada ação temos várias possibilidades de opção.
Estas situações compreendem-se melhor quando temos regras e normas que
devemos cumprir, mas que nem sempre as cumprimos, ou seja, apesar de nos apontarem
um só caminho, temos sempre o direito a tomar um rumo que é autodeterminado por nós
próprios, e as possíveis consequências serão assumidas por nós, sendo isto possível, ao
contrário do determinismo radical, porque ao agirmos, assumimos a responsabilidade pela
nossa ação.
Por fim, é esta ideia da responsabilização pelas nossas ações que resolve o
problema deixado pelo determinismo radical. Isto é, no caso do libertismo, não nos
podemos desculpabilizar ou ilibar das consequências das nossas ações livres, porque
somos nós os autores delas, e é por esta razão que, em sociedade, existem direitos e
deveres e um sistema penal que nos julga e condena se agirmos contra as leis da
sociedade.
Contudo, podemos apontar alguns problemas ao libertismo:
1. Os libertistas afirmam que há ações que não são determinadas por causas
anteriores, mas apenas pela nossa vontade. Contudo, a vontade do agente tem sempre
causas anteriores, por exemplo, quando desejamos algo, o nosso desejo não surgiu do
nada, e de acordo com a Psicologia os nossos desejos têm causas como os nossos genes,
as influências sociais, experiências pessoais, entre outros fatores. Ou seja, os libertistas
ao ignoraram que há fatores que influenciam a nossa vontade, está a ignorar dados
científicos já demonstrados;
2. Por fim, os libertistas afirmam que as nossas ações livres são livres porque não
somos constrangidos ou obrigados a exercê-las, contudo, o facto de não termos
consciência de constrangimentos ou de causas anteriores, não quer dizer que elas não
existam. Ou seja, os libertistas baseiam-se numa “sensação de liberdade” para afirmar

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que são livres, mas essa sensação não prova que a liberdade exista ou que não tenhamos
constrangimentos. Assim, como afirma o filósofo Howard Kahane, o “simples facto de
nos sentirmos livres não é razão suficiente para acreditarmos que somos realmente livres”.

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Ficha de Exercícios

1. Lê atentamente o texto e responde às questões, justificando com base em


passagens do texto.

“Consideremos um objeto fabricado, como, por exemplo, um livro ou um corta-papel;


esse objeto foi fabricado por um artífice que se inspirou num conceito; tinha, como
referências, o conceito de corta-papel assim como determinada técnica de produção, que
faz parte do conceito e que, no fundo, é uma receita. Desse modo, o corta-papel é,
simultaneamente, um objeto que é produzido de certa maneira e que, por outro lado, tem
uma utilidade definida: seria impossível imaginarmos um homem que produzisse um
corta-papel sem saber para que tal objeto iria servir. Podemos assim afirmar que, no caso
do corta-papel, a essência — ou seja, o conjunto das técnicas e das qualidades que
permitem a sua produção e definição — precede a existência; e desse modo, também, a
presença de tal corta-papel ou de tal livro na minha frente é determinada. Eis aqui uma
visão técnica do mundo em função da qual podemos afirmar que a produção precede a
existência. Ao concebermos um Deus criador, identificamo-lo, na maioria das vezes, com
um artífice superior, e, qualquer que seja a doutrina que considerarmos, admitimos
sempre que a vontade segue mais ou menos o entendimento ou, no mínimo, que o
acompanha, e que Deus, quando cria, sabe precisamente o que está criando. Assim, o
conceito de homem, no espírito de Deus, é assimilável ao conceito de corta-papel, no
espírito do industrial; e Deus produz o homem segundo determinadas técnicas e em
função de determinada conceção, exatamente como o artífice fabrica um corta-papel
segundo uma definição e uma técnica. (…)
O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Afirma que, se Deus
não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que
existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem, ou, como
diz Heidegger, a realidade humana. O que significa, aqui, dizer que a existência precede
a essência? Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo,
surge no mundo e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o
concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só
posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não
existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. (…)

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O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro
princípio do existencialismo.”
O Existencialismo é um Humanismo (pp. 3-4), Jean-Paul Sartre

1.1 Distingue essência de existência.


Segundo Jean-Paul Sartre, a essência corresponde à definição do objeto ou do
sujeito, isto é, aquilo que, por exemplo, faz uma cadeira ser uma cadeira. Enquanto
que a existência é, somente, a presença do objeto/sujeito no mundo, existir é estar
presente.
1.2 Explica porquê que, no caso do corta-papel, a essência precede a existência.
No caso do corta-papel, a essência, aquilo que determina o corta-papel ser um
corta-papel, antecede a existência, porque este, antes de existir, é produzido com
um único objetivo e utilidade, e se não houvesse essa utilidade, não existiria
(“seria impossível imaginarmos um homem que produzisse um corta-papel sem
saber para que tal objeto iria servir.”).

1.3 Explica o porquê da existência de Deus implicar a ausência de livre-arbítrio


do ser humano.
À semelhança do artífice que cria um objeto com uma finalidade, se Deus
existisse, também Ele seria o artífice supremo que tudo havia criado, incluindo o
ser humano. Nesse sentido, se Deus criou o ser humano, criou-o com objetivo e
uma utilidade a ser cumprida, o que nega a liberdade do ser humano porque o
remete à existência determinada dos objetos, ou seja, o “conceito de homem, no
espírito de Deus, é assimilável ao conceito de corta-papel”.

1.4 Segundo Sartre, o ser humano é livre? Porquê?


Segundo Sartre, o ser humano é livre porque, no seu caso, primeiro existe e só
depois, através da sua ação, se define segundo o projeto seu. Se assim é, o ser
humano nasce, necessariamente livre, como uma tábua rasa, com toda a
potencialidade para agir segundo a sua vontade ou, como afirma Sartre, “em
primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só
posteriormente se define.”

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1.5 Apresenta uma objeção ao libertismo.
Apesar do libertismo afirmar que existem ações absolutamente livres, porque o
ser humano não nasce determinado, visto que a sua existência precede a sua
essência, esta afirmação ignora os dados científicos que, atualmente, nos indicam
que não nascemos completamente livres ou como tábuas rasas, mas com
determinações genéticas e biológicas e, ainda, com determinações relativas ao
nosso contexto social e cultural.
Por essa razão, estas determinações não nos permitem afirmar que somos, logo à
partida, livres.

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Ficha nº 17
Tema: Livre-arbítrio
Compatibilismo:
Determinismo Moderado.

Compatibilismo: determinismo moderado

Perante a possibilidade do livre-arbítrio na ação humana, os compatibilistas


defendem que, apesar de existirem condicionantes da nossa ação, estas não determinam
radicalmente e definitivamente as nossas ações, apenas limitam ou condicionam, sendo
que a nossa ação é livremente condicionada.
Neste sentido, o compatibilismo afirma que o livre-arbítrio e o determinismo são
compatíveis, ou seja, existem fatores que nos condicionam, mas estes são
contrabalançados com a nossa liberdade em agir segundo a nossa vontade.
Com base na tese compatibilista, foi desenvolvido o determinismo moderado, isto
é, a perspetiva filosófica que reconhece que o determinismo existe, mas ao mesmo tempo
reconhece, também, o livre-arbítrio, considerando que as ações, embora tendo uma causa
externa ou interna ao agente, não determinam totalmente essas mesmas.
Por exemplo, um determinista moderado reconhece que as leis da Física
determinam o movimento dos objetos, como é o caso de um corpo se largado no ar irá
necessariamente cair, contudo, o ser humano conhecendo esta lei, pode atuar com base
nela para ter sucesso na sua ação. O mesmo acontece com as leis e pressupostos da
Psicologia, visto que podemos assumir que as nossas ações são influenciadas pelo nosso
inconsciente, como desejos ou traumas, contudo, podemos sempre contrariá-los – quer
isto dizer que não somos necessariamente autómatos dos nossos desejos, impulsos ou
instintos.
Apesar desta coexistência, os deterministas moderados reconhecem que as nossas
ações nem sempre são livres, por exemplo, quando somos forçados ou coagidos a agir de
certa forma, contrariando a nossa vontade. É o caso de quando entregamos o nosso
dinheiro a um ladrão, porque ele nos ameaçou ou quando, por exemplo, somos obrigados
a ingerir um alimento que não gostamos, porque é a única comida que temos ou porque
os nossos pais nos ordenaram.

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Neste sentido, para os compatibilistas, somos livres quando as nossas ações
seguem a nossa vontade, e não quando somos forçados a agir; e não somos livres quando
somos forçados a agir ou quando a nossa liberdade é restringida.
Desta forma, o argumento central da tese compatibilista do determinismo
moderado pode ser formulado da seguinte forma:
O livre-arbítrio e o determinismo são compatíveis, visto que as nossas ações são
livres, porque partem de um agente que age, sem coações, segundo a sua vontade, e,
simultaneamente, as nossas ações são determinadas, mas no sentido em que os fatores e
as circunstâncias (condicionantes) apenas limitam e condicionam a sua execução.
Contudo, podem ser apresentadas algumas críticas:
1. Os compatibilistas reconhecem que todas as nossas ações têm uma causa, como
as causas internas dos fatores psicológicos, o caso da influência do nosso inconsciente e
instintos no nosso comportamento. Mas, se assim é, isto é, se as nossas ações podem ser
influenciadas e limitadas por fatores que não controlamos, até que ponto podemos afirmar
que somos livres? Ou, por exemplo, se agimos em grande parte por desejos que não
controlamos nem criamos, então como podemos afirmar que somos livres, se apenas
estamos a cumprir motivações que nos são alheias?
2. Os compatibilistas também reconhecem o determinismo das causas externas,
como as leis da natureza que regulam todos os objetos, dos planetas aos átomos. Neste
sentido, até que ponto podemos admitir que somos o único ser com a exceção de não ser
inteiramente determinado por essas leis? A utilização da nossa razão, que é a justificação
para o nosso livre-arbítrio, não pode ser pré-determinada pelas próprias leis da natureza?
Mais: se assumirmos que agimos à parte de todos os objetos, temos de admitir que
estamos fora do alcance das leis natureza, o que se torna uma tese indefensável, visto que
teríamos de admitir uma certa categoria de divindade ao ser humano.

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Ficha de Exercícios

“Podemos resumir a ideia básica do Compatibilismo dizendo que «livre» não significa
«não causado» - significa antes algo como «isento de coerção». Assim, o facto de o nosso
comportamento ser ou não ser livre não depende se é ou não é causado; depende apenas
do modo como é causado. (…) se as ações de uma pessoa se desligassem subitamente da
rede de causas e efeitos, tornar-se-iam aleatórias, caóticas e imprevisíveis. Um homem
que estivesse num passeio poderia saltar para a estrada em vez de esperar pela luz verde.
Ou poderia tirar a roupa, atacar a pessoa mais próxima, salta repetidamente ou recitar a
Magna Carta. As coisas seriam assim se o comportamento fosse não causado; mas não é
isto que entendemos por «livre». Não pensamos que quem começasse a comportar-se
dessa forma teria adquirido subitamente livre-arbítrio – pensamos que teria enlouquecido.
As ações livres não são aleatórias e caóticas; são ordenadas e caóticas.”
Problemas da Filosofia (2017), James Rachels

1. Contrariamente aos incompatibilistas, qual é a tese do compatibilismo?

No âmbito do problema filosófico sobre o livre-arbítrio, somos livres ou


determinados, os compatibilistas, diferentemente dos incompatibilistas, defendem
que somos, simultaneamente, livres e determinados. Quer isto dizer que agimos
somos livres quando agimos segundo a nossa vontade, mas as nossas ações estão
sempre condicionadas pelas nossas circunstâncias, sejam elas físico-biológicas ou
psicológicas.

2. Apresenta um argumento em defesa do determinismo moderado.


Podemos argumentar a coexistência entre livre-arbítrio e determinismo, reparando
que as nossas ações derivam, por exemplo, dos nossos desejos (apetece-me ir
jogar à bola), mas esses desejos podem ser geridos e controlados por nós, não é
porque existe essa causa que necessariamente temos de a cumprir, e é neste ponto
que a nossa vontade é significativa. Ou seja, apetece-nos jogar à bola, mas como
temos de estudar, decidimos primeiro estudar e depois jogar à bola.

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3. Com base no texto, para os deterministas moderados, de que depende uma
ação livre?
Uma ação livre, no caso do ser humano, não se resume à sua causa, porque todas
as ações e acontecimentos no mundo derivam sempre de uma causa. A questão
não é, por isso, a causalidade, mas o “modo como é causado”. Por exemplo,
quando sou obrigado fisicamente a fazer alguma coisa, como no caso de um roubo,
eu não estou a entregar o meu dinheiro livremente, mas estou a ser coagido a
entregá-lo. Neste sentido, como afirma o texto, ser livre “não significa «não
causado» - significa antes algo como «isento de coerção»”.

4. As causas da nossa ação determinam ou orientam a nossa ação? Explica


porquê.
Compreendendo as duas perspetivas sobre o livre-arbítrio, compatibilismo e
incompatibilismo, considero que as causas da nossa ação, apesar de serem
fundamentais para a nossa ação, não são necessariamente e absolutamente
determinantes, porque se assim fosse, agiríamos somente, por exemplo, pelos
nossos instintos, o que não acontece. Por outro lado, não ter causas da minha ação
não significa ser livre, como refere o texto, um “homem que estivesse num passeio
poderia saltar para a estrada em vez de esperar pela luz verde”, e podia ter saltado
sem nenhuma razão ou causa, mas não significaria que fosse livre, diríamos
apenas que era louco.
Deste modo, compreendo que a causa das nossas ações é necessária, não
para determinar as nossas ações, mas para orientá-las da melhor maneira, como é
o caso dos instinto de autopreservação, que é fundamental para nos alertar dos
perigos que corremos.

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Ficha nº 18
Tema: Ética
Juízos éticos e Posições

1. Juízos de valor
No tema anterior, discutimos a possibilidade do livre-arbítrio e as suas
implicações na responsabilidade das nossas ações, visto que quando agimos no mundo
somos responsáveis pelas nossas ações.
A questão que se coloca é: Como orientamos as nossas ações? Qual é a bússola
que utilizamos?
Para tomarmos decisões não é suficiente conhecermos ou descrevermos o que nos
rodeia (juízos de facto), saber distinguir uma lasanha de um arroz de pato não justifica a
minha escolha por uma lasanha, o que é necessário é avaliar objetos e situações segundo
certos valores (juízo de valor).
Isto é, um valor é uma qualidade ou característica que torna um objeto preferível
ou indesejável, permitindo ao indivíduo orientar a sua ação. Por exemplo, valores
estéticos: bonito/feio; valores religiosos: sagrado/profano; valores éticos: justo/injusto.
Estes são alguns dos valores que utilizamos para justificar as nossas escolhas e
opções, como “eu vou defender o meu amigo”, porque a lealdade e a amizade são
importantes para mim; ou “eu ouço esta música”, porque acho que é muito bonita.
Quando justificamos as nossas ações através de valores, estamos a emitir um juízo
de valor, isto é, um juízo (apreciação) que avalia ou atribui valor à realidade. Quando,
somente, descrevemos a realidade, emitimos um juízo de facto.
Estudaremos, em específico, os juízos de valor ético/moral, isto é, juízos que
avaliam moralmente situações e ações (avaliativos), exemplo: “matar animais é errado”,
e definem uma orientação sobre como é que as coisas deveriam ser (normativo), exemplo:
“não devemos matar animais”.
Como é, de imediato, possível notar, estes valores dependem das nossas opiniões,
ou seja, se acho que o aborto é imoral ou roubar é errado, isso são juízos subjetivos, que
derivam da avaliação particular de cada um.
Contudo, podemos constatar que muitos dos nossos valores derivam da nossa
cultura e da sociedade em que nos encontramos, o que significa que os nossos valores não
são necessariamente independentes e inteiramente nossos. É por esta razão que julgamos
outras sociedades por não serem tão livres como a nossa ou a forma como tratam os

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direitos humanos, ou mesmo, quando julgamos sociedades de outros séculos,
promovendo a ideia de que os valores da nossa sociedade prevalecem perante os outros.
Por outro lado, este relativismo de valores pode ser contrariado com uma visão
objetivista dos valores, isto é, talvez existam valores que são necessariamente corretos,
independentemente do sujeito ou da sociedade, que são universais e transversais, por
exemplo, que a Mona Lisa é uma obra-prima ou que é errado matar ou torturar pessoas.
Como é possível compreender, estas três posições (subjetivismo, relativismo
cultural e objetivismo) são possíveis respostas ao problema filosófico e ético-político dos
juízos morais: qual é a natureza dos juízos morais? O valor de verdade dos juízos morais
é subjetivo, relativo ou objetivo?

Juízo de facto Juízo de valor


Definição Juízo que descreve a realidade. Juízo que avalia a realidade e prescreve as
ações (normativa)
Natureza Objetivo. Subjetivo, relativo ou objetivo.
Tem valor de verdade. O seu valor de verdade é questionável.
Pressupõe neutralidade/imparcialidade. Pressupõe uma posição positiva/negativa.
Exemplos Ontem choveu em todo o território nacional. Mozart foi um excelente compositor.
A causa de muitos acidentes de viação é o excesso de velocidade. Os filmes clássicos são sempre bons.
A pobreza é uma realidade em todo o mundo. Acreditar em Deus é uma pura ilusão.
Há pessoas que preferem a Monarquia à República. É preferível ser-se pobre do que feio.

Juízo religioso Juízo estético Juízo ético/moral

Definição Avalia situações e objetos de Avalia situações ou objetos de Avalia e prescreve situações ou ações
âmbito religioso. âmbito estético. morais ou imorais.

Valores Sagrado/profano; Belo/feio; gracioso/tosco; Bom/mau; justo/injusto; leal/desleal.


Divino/demoníaco; elegante/deselegante.
Sobrenatural/natural.

Exemplo A Bíblia é um livro sagrado. Os quadros de Picasso são belos. O aborto é imoral, porque é uma vida
humana.

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2. Posições sobre os juízos éticos
2.1 Subjetivismo
Cada um faz o que quer com a sua vida, se achas que deves estudar, estuda; se
achas que é importante tratares bem o outro, trata, senão não tratas. Cada um tem a sua
verdade, e como nós somos os únicos responsáveis pela nossa vida, aquilo que
consideremos certo ou errado depende unicamente da nossa visão.
Depois da Morte de Deus, depois do fim das Verdades absolutas, depois da
diversidade e multiculturalismo das sociedades atuais, não é possível afirmar que existe
uma única forma válida de agir ou que uma ação é mais correta que outra, pelo menos é
esta tese que advogam os apoiantes do subjetivismo, isto é, a posição que afirma que a
verdade ou falsidade dos juízos morais depende do raciocínio, emoções e valores de cada
um.
Protágoras (490 a.C – 415 a.C) foi um dos primeiros filósofos a defender esta
posição, negando a existência de um critério absoluto que discrimine o verdadeiro e falso,
o certo e o errado, afirmando: “Tal como cada coisa aparece para mim, tal ela é para mim;
tal como para aparece para ti, tal é para ti”. Por exemplo, se está frio ou quente depende
da perceção de cada um, se devo dar esmola a um sem abrigo depende dos valores de
cada um. É neste sentido que o filósofo afirmou o conhecido aforismo: O Homem é a
medida de todas as coisas.
Assim, se é o sujeito a conferir valor moral à ação, então nenhum juízo moral é
objetivamente verdadeiro ou falso (não há um critério universal), é somente subjetivo.
Contudo, se não há critérios universais, então qualquer juízo moral pode ser
verdadeiro e falso, o que leva a contradições. E se depende de cada um, então não é
possível discutir nem ter nenhuma conclusão em relação aos juízos morais.
Ou seja, o subjetivismo, a ser verdade, impossibilita a vida em sociedade ou o seu
progresso, se cada um tem a sua opinião, é impossível chegar a um consenso. Se cada um
tem a sua verdade, então de nada serve ouvir a opinião dos outros ou conhecer outras
“verdades”.

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2.2 Relativismo cultural
Em alternativa ao subjetivismo, desenvolveu-se o relativismo cultural, isto é, a
verdade ou falsidade dos juízos morais depende da sociedade e da sua cultura.
Como as nossas ações implicam o outro, então devemos partilhar os mesmos
valores para que a nossa coexistência em sociedade seja possível, por isso, aquilo que
consideramos certo ou errado, ou justo e injusto, fundamenta-se na educação da nossa
família, na nossa cultura e nas leis da nossa sociedade, que são referências sólida para
orientar a nossa ação.
A tourada é moralmente correta, porque faz parte da nossa tradição. É legítimo
comer carne, porque faz parte da nossa cultura. Devemos ir à escola, porque a sociedade
assim o dita. A pena de morte é errada, porque a nossa Constituição o proíbe.
Deste modo, os nossos valores justificam-se pela cultura e leis da nossa sociedade
e, como tal, se cada sociedade tem os seus valores, então cada uma está certa à sua
maneira.
O problema é que se cada sociedade tem os seus valores, então não podemos
discutir e concluir que ações são corretas, por exemplo, em alguns países as mulheres não
têm direito à educação, mas se é a cultura deles, que direito temos nós de afirmar que
estão errados?
Outro problema é que quando dizemos “valores da sociedade” ou “a nossa
cultura” isto não corresponde a todos aquele que fazem parte da sociedade, porque a
diversidade de culturas e de opiniões não permite afirmar que existam efetivamente
valores desta ou daquela sociedade. Por exemplo, as mulheres dessas sociedades têm que
aceitar a discriminação só porque é tradicional ou cultural na sua sociedade?

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2.3 Objetivismo
Por fim, podemos adotar uma posição objetiva acerca dos valores éticos, isto é, a
sua verdade ou falsidade é universal e transversal, não depende do sujeito, das suas
emoções ou opiniões, nem da sociedade, da sua cultura ou das suas leis.
Os objetivistas defendem que a moralidade das situações é intrínseca a elas, isto
é, há situações que são, devido às suas características, necessariamente morais ou imorais.
Por exemplo, matar ou torturar alguém, independentemente da causa, é sempre imoral,
assim como é sempre imoral discriminar pessoas com base na sua etnia ou género, visto
que estamos a atentar à dignidade humana, que é um valor intrínseco a todas as pessoas.
Contudo, coloca-se um problema: se anularmos o contexto dos juízos morais,
dificilmente poderemos aplicá-los aos indivíduos e às sociedades (visto tornarem-se
demasiado abstratos e irrealistas). Por exemplo: mentir é sempre errado?
Por outro lado, o objetivismo anula a diversidade cultural e individual, exigindo
uma só lei moral aplicada a todos.

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Ficha nº 19
Tema: Ética
Ética kantiana

1. Introdução
Agi corretamente? Aquilo que fiz foi uma boa ação? Fui imoral? O que devo
fazer? Estas perguntas são exemplos do que, por vezes, questionamos quando agimos, já
todos questionamos o que deveríamos ter feito, se aquilo que fizemos foi uma boa ação,
mas também já nos arrependemos de ações passadas, porque consideramos que erramos.
Estas questões são investigadas na Filosofia Moral ou Ética, e têm que ver com a
moralidade das nossas ações.
Em Ética temos duas principais linhas de pensamento que nos permitem
compreender o que devemos fazer ou o que é uma ação moralmente correta e
incorreta, são elas as éticas deontológicas e as éticas consequencialistas/utilitaristas.
As primeiras defendem que a moralidade das nossas ações depende do dever e da sua
universalidade, enquanto que as segundas afirmam que a moralidade da nossa ação
depende das circunstâncias e consequências.
As éticas deontológicas, como o caso da ética de Immanuel Kant (1724-1804),
defendem que a moralidade das nossas ações depende de um dever universal (exemplo:
todos devemos dizer a verdade, porque o nosso dever é dizer a verdade,
independentemente das consequências), ou seja, só se a nossa intenção for cumprir o
dever moral é que é moralmente correta.
Assim, a moralidade de uma ação apenas se encontra na intenção do agente que
pratica a ação, porque só a intenção indica que o agente quis agir bem ou mal, visto que,
se as consequências de uma ação não dependem unicamente da pessoa que a pratica, então
não pode responsabilizar-se completamente pelas consequências das suas ações. Isto é,
há situações em que intencionamos ajudar alguém, mas se a consequência da nossa ação
não for positiva, não significa que não tínhamos praticado uma boa ação.
Estudaremos, em específico, a ética deontológica de Immanuel Kant desenvolvida
na Crítica da Razão Prática e na Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

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0
2. Ética kantiana
Desde logo, Kant argumenta que só é possível agir moralmente se o agente, isto
é, aquele que pratica a ação, é capaz de agir, é racional e livre para agir. Isto significa agir
com autonomia, o que por estas condições só se aplica ao ser humano, visto que só ele é
racional e livre (autonomia – agente autónomo).
Pelo contrário, um agente que apenas age por necessidade, por imposição ou
inconscientemente, e que, por isso, não pode ser responsável pela sua ação, age de forma
heterónoma, logo a sua ação não tem valor moral, porque não lhe pode ser imputada
responsabilidade (heteronomia – agente heterónomo).
Mas Kant acrescenta mais uma situação em que as nossas ações não são livres e,
por isso, não têm valor moral, é a situação em que agimos movidos pelas nossas emoções
ou sentimentos. Isto é, se agirmos pela emoção da raiva ou pelo sentimento de pena, não
estamos em total controlo das nossas ações, estamos apenas a seguir as nossas
inclinações, em vez de agirmos racionalmente.
É importante referir a importância da racionalidade nas ações morais, porque
vejamos, o que nos distingue dos outros animais é a nossa racionalidade, o que permite
dizer que somos livres e que os outros animais irracionais não o são, porque agem apenas
segundo os instintos ou emoções.
Se somos livres porque somos racionais, então só é possível agir livremente
quando a nossa ação é puramente racional, isto é, que não é movida pelas nossas
inclinações (instintos, emoções e sentimentos). Neste sentido, só uma ação que toma um
princípio racional é que pode ter valor moral.
Quando Kant fala em princípio racional está-se a referir ao dever, isto é, quando
agimos segundo uma lei moral - e, por isso, racional - que orienta a nossa ação, e não por
uma inclinação ou pelas consequências da nossa ação.
Este conceito de dever em Kant permite distinguir três tipos de ação:
1) ações contrárias ao dever, por exemplo quando fazemos mal a alguém
movidos pela vingança;
2) ações conforme o dever, por exemplo quando ajudamos alguém só porque
sentimos pena dessa pessoa;
3) ações por dever, por exemplo quando ajudamos alguém porque consideramos
que é o nosso e o dever de todos se ajudarem mutuamente.
A ação contrária ao dever é uma ação imoral, visto que não é uma ação que não
se segue de um princípio racional e tem a intenção de provocar o mal no outro;

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1
A ação conforme o dever é uma ação amoral, ou seja, não tem conteúdo moral,
porque apesar de ser uma ação movida por “boas intenções”, é orientada pelas inclinações
e não por uma intenção desinteressada, isto é, uma intenção que não tenha outros
interesses do que simplesmente agir de forma correta;
A ação por dever é a única ação moral e racional, visto que não depende das
inclinações e age segundo um princípio moral e racional que não depende das
consequências da ação.
Como, então, identificamos que agimos moralmente, isto é, que agimos por dever?
Kant dirá que depende exclusivamente da nossa intenção em cumprir a lei moral,
isto é, quando agimos exclusivamente por dever, respeitando a lei moral sem tomar em
consideração as consequências da ação ou das inclinações de quem age.
Esta intenção ética ou este querer sem outra intenção que não cumprir a lei moral,
é o que Kant denomina de vontade boa, isto é, quando a nossa vontade para agir é apenas
e só cumprir a lei moral. Ou seja, quando a nossa vontade na ação moral é determinada
pela nossa razão (autónoma) e não por princípios externos, como as inclinações.
A questão que agora se levanta é o que Kant considera ser a lei moral. O que é
então a lei moral? Uma lei, por definição, é uma regra que se aplica a todos
independentemente das circunstâncias. Uma lei moral será, pois, uma regra que consiste
em orientar as nossas ações com um fim ético e universal ao mesmo tempo que nos
permite distinguir uma ação moralmente correta de uma ação moralmente errada.
A lei moral, sendo racional e universal, serve como único princípio à nossa
vontade e expressa-se através de uma fórmula denominada imperativo categórico em
oposição ao imperativo hipotético.
O imperativo hipotético formula uma regra que deve ser comprida para atingir um
certo fim ou produzir uma certa consequência, por exemplo, devo dizer a verdade se quero
ser socialmente aceite ou devo cumprir uma promessa para não ser recriminado.
Enquanto que o imperativo categórico representa uma máxima que é válida para
todas as situações independentemente das consequências que a ação possa produzir, por
exemplo deve-se dizer a verdade ou cumprir uma promessa, não por causa das
consequências, mas porque são ações que em si estão corretas.
Por essa razão, será o imperativo categórico a representar a lei moral, como
sendo o princípio ou máxima que devemos cumprir para que as nossas ações sejam
consideradas moralmente corretas.

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2
Se, como já dissemos, o imperativo categórico é universal, não depende das
inclinações e é aplicável a todos os seres racionais como princípio das suas ações, então
podemos defini-lo como o imperativo que afirma: age apenas segundo uma máxima tal
que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.
Nesta primeira formulação do imperativo categórico é afirmado que a nossa ação
só é boa se a máxima dessa ação for universalizável. Isto é, o princípio que orienta a nossa
ação deve ser aplicável a todos os seres racionais como uma lei universal. Significa isto
que se eu ajudar uma pessoa porque considero que todos devem ajudar aqueles que mais
precisam e, por isso, quereria que todos agissem cumprindo a máxima “deves ajudar todos
aqueles que precisam de ajuda”, então a minha ação pode ser considera boa devido ao
cumprimento da lei moral, ou seja, da minha vontade boa.
Mas imaginemos outra situação: o vosso colega não teve tempo para estudar para
o teste e vocês, porque são amigos dele, permitem que ele copie por vocês. Acham que
esta seria uma boa ação? É certo que o estão a ajudar, mas a máxima da vossa ação aqui
seria “devo ajudar a copiar sempre que uma pessoa não tenha estudado”. Acham que
poderiam tornar esta máxima numa lei universal? Concordariam que todos deveriam
poder copiar quando não estudaram? A resposta parece ser negativa, e como o imperativo
categórico não admite exceções, porque é universal, então não podemos considerar que a
máxima que corresponde ao ato de copiar um teste, que seria o mesmo que mentir ou
falsear, não pode ser considera uma boa ação, mesmo que tenha tido a finalidade de ajudar
o outro.
Assim, para facilmente identificarmos uma boa ação, ou seja, ações por dever,
devemos sempre perguntar: Quero que a máxima da minha ação se torne uma lei
universal? Se a resposta for negativa, então é porque a nossa ação será imoral, se a
resposta for positiva então é porque a nossa ação é boa, independentemente das
consequências.
É a partir desta ideia de querer que a máxima da nossa ação se torne numa lei
universal, que Kant apresenta a segunda formulação ou variável do imperativo categórico
como sendo age de tal forma que a tua vontade se possa encarar a si mesma, em
simultâneo, como um legislador universal através de suas máximas.
Assim, a lei moral deve ser interpretada como se tu quisesses (vontade) que a tua
lei moral fosse uma Lei Universal, ou seja, devemos sempre considerar que as máximas
das nossas ações possam ser legisladoras universais, como se em cada ação carregássemos
o peso da humanidade aos ombros ou como se a cada ação que fizéssemos, devêssemos

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3
sempre pensar se gostaríamos que a máxima pela qual agimos deveria ser uma lei para
toda a humanidade.
Por fim, devemos compreender que o conceito de humanidade é de extrema
importância, visto que só o ser humano, porque racional, é que pode formular leis morais
e cumpri-las, sendo assim, o filósofo apresenta uma terceira formulação sobre a dignidade
da pessoa humana, formulando-a deste modo: age de tal maneira que uses a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.
Quer isto dizer que não podemos usar as pessoas como um meio para atingir os
nossos fins, porque isto seria tratar os outros como coisas e destituí-las da sua dignidade,
ou seja, considerar que as pessoas são comercializáveis ou negociáveis.
É, pois, a dignidade que se associa à liberdade e racionalidade do ser humano,
como a qualidade que impede que qualquer pessoa seja tratada como um objeto porque,
como afirma, Kant, a pessoa humana tem dignidade porque “está acima de qualquer
preço”.
Contudo, podem ser apresentadas algumas críticas à ética deontológica de Kant,
tais como:
1. Uma moral fundamentada somente no sentimento de dever contraria a própria
ocorrência de como o agente se comporta, porque maioritariamente este age por motivos
emocionais ou pelos desejos, e não é por esta razão que poderemos considerar que a sua
ação é imoral;
2. Apesar do motivo e a intenção ser parte integrante e importante no valor do
agente, não é suficiente para avaliar moralmente a ação, porque, por exemplo, o ato de
salvar uma pessoa não deixaria de ter valor moral se executado por um sentimento de
oportunismo;
3. A elaboração de uma fundamentação sem equacionar o indivíduo concreto
contraria a finalidade da moral, que consiste na reflexão sobre o comportamento moral
do ser humano concreto, e não da sua projeção abstrata ou universal. Ou seja, se não
compreendermos, primeiro, como age naturalmente o ser humano, que Kant ignora,
nunca conseguiremos desenvolver um código moral ou fundamentar uma moral
direcionada para o ser humano, mas somente uma moral para deuses e santos. É por esta
razão que se diz que Kant tem as mãos limpas (uma ética perfeitamente racional), porque
não tem mãos (mas impossível de se aplicar ao ser humano).

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Ficha nº 20
Tema: Ética
Ética utilitarista (Stuart Mill)

1. Introdução

As éticas consequencialistas, em contraste com as éticas deontológicas, englobam


todas as perspetivas ou teorias éticas que defendem que o critério moral da ação, ou
seja, o que distingue uma boa de uma má ação, são as consequências da ação, e não a
intenção do agente que a pratica.
Uma das teorias consequencialistas mais reconhecidas na Filosofia Moral é a
ética utilitarista de John Stuart Mill (1806 -1873), desenvolvida no livro Utilitarismo,
que tem por objetivo demarcar-se da ética deontológica de Immanuel Kant e apresentar
uma alternativa aos critérios morais que, na ótica kantiana, eram passíveis de ser
apresentados apriorística e universalmente, em contraposição à perspetiva de Mill em
que o valor moral de uma ação só poderia ser compreendido pela consequência empírica
da mesma.
Uma das críticas apontadas à ética kantiana era a sua interpretação errónea ou
mesmo inexistente do comportamento humano, levando-o a desenvolver um critério
moral tão rigoroso e universal que se torna impraticável para compreender e orientar as
nossas ações.
Deste modo, Stuart Mill começará, primeiro, por compreender o comportamento
humano para depois desenvolver uma ética que seja possível e aplicável às nossas
ações.

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5
2. Ética consequencialista/utilitarista (John Stuart Mill)

Com base na experiência e na observação, ou seja, numa ótica empirista, Stuart


Mill interpretará o comportamento humano a partir de uma base naturalista,
compreendendo desde logo que o ser humano, como qualquer outra espécie, age
segundo os seus interesses próprios, isto é, agimos em função daquilo que nos faz
bem e recusamos o que nos faz mal (física e espiritualmente).
Ora, aquilo que “nos faz bem” é o que nos proporciona prazer, ao contrário
do que “nos faz mal” que corresponde à dor ou sofrimento.
Assim, o prazer é uma motivação essencial na ação porque promove um
desejo universal no ser humano, ou seja, o seu bem-estar ou a sua felicidade.
Acontece, então, que agimos tendencialmente para obter prazer com o objetivo
de promover a nossa felicidade, esta é a já conhecida afirmação de que todos queremos
ser felizes ou que o nosso fim é a felicidade.
Contudo, para Stuart Mill, apesar de afirmar que só através dos prazeres é que é
possível alcançar a felicidade, nem todos os prazeres são os mais adequados para a
conquistar.
Por exemplo, dificilmente diríamos que levar uma vida baseada em comer e
dormir nos faria feliz, é, pois, necessário compreender que prazeres simplesmente nos
satisfazem, e através de quais é que alcançamos verdadeiramente a felicidade.
Assim, Mill distingue os prazeres que promovem a satisfação e aqueles que
promovem a felicidade, distinguindo, deste modo, a natureza qualitativa dos prazeres,
visto que a quantidade dos mesmos não é suficiente para alcançar a felicidade (O
excesso, em quantidade, de prazeres não nos leva à felicidade, pelo contrário).
Neste sentido, Mill divide os prazeres em inferiores, como aquelas sensações
fisicamente agradáveis (por exemplo, dormir), e prazeres superiores, como os
prazeres relacionados com o intelecto ou o espírito (por exemplo, ler).
Os prazeres inferiores não são suficientes para promover a felicidade humana,
mas apenas possibilitam a nossa satisfação corporal, sendo que dedicar uma vida aos
prazeres do corpo seria ter uma existência igual à dos animais (irracionais). 8
Contudo, como não temos os mesmos limites que os animais, desejamos
prazeres superiores, isto é, prazeres que dão sentido de dignidade, que nos tornem mais

8
Mill afirmará que “Vale mais ser um homem insatisfeito do que um porco satisfeito; vale mais ser Sócrates
insatisfeito do que um imbecil satisfeito.”.

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6
humanos, que nos possibilitam uma existência mais digna do que a existência só pela
sobrevivência, como a nossa dedicação ao conhecimento, ao sentimento, à imaginação,
ao amor, à liberdade, à solidariedade, entre outros.
Importa salientar que a única prova que Mill apresenta para defender esta
distinção entre prazeres inferiores e superiores, é a menção aos juízes competentes
(como Sócrates e Jesus), os quais correspondem aos indivíduos que já
experienciaram os dois tipos de prazeres e sabem distinguir entre aqueles que nos
enriquecem espiritualmente e aqueles que apenas satisfazem as nossas
necessidades mais básicas, sendo que as suas palavras neste assunto servem como
argumento de autoridade na distinção dos prazeres.
Contudo, não nos enganemos, o utilitarismo não é uma ética hedonista com
perfil individualista ou egoísta9, isto é, a promoção da felicidade não é a do indivíduo
em si, mas do maior número de pessoas, isto é, a felicidade geral.
Como o critério para a moralidade é a aferição das consequências, então estas só
podem estar relacionadas com outros sujeitos concretos. Isto é, se eu disser “Vou ajudar
a humanidade” ou “A minha ação é motivada por um sentimento universal e
humanitário”, o que estou realmente a dizer? É possível ajudar a humanidade, sendo a
humanidade um conceito abstrato? E se o tornarmos concreto, ou seja, considerar que a
humanidade corresponde a todas as pessoas, é possível ajudar ou contribuir para a
felicidade de todas as pessoas? Por experiência e também por condições físicas
percebemos que é impossível.
Então a questão que se deve fazer é: “Quem podemos ajudar? A quem podemos
agir moralmente? Quem podemos alcançar com a nossa ação?”; o que Mill defenderá é
que se não podemos ajudar todas as pessoas, então a regra que devemos tomar na nossa
ação e equacionar na previsão que fazemos do alcance das nossas consequências, é que
as consequências da nossa ação sejam para o maior número de pessoas possíveis, e não
para todas as pessoas (que seria impossível).
Por maior número de pessoas possível Mill quer dizer a nossa sociedade, ou
seja, o maior número de pessoas que se inscreve na nossa circunstância, que está ao
nosso alcance, isto é, a sociedade ou o coletivo em que estamos inseridos.
Por esta razão, a ética utilitarista tem por fim promover a felicidade das
pessoas na sociedade a que pertencemos (princípio da utilidade ou da maior

9
Hedonismo é a perspetiva de que devemos viver a nossa vida unicamente para nos satisfazeremos através
do prazer. Um hedonista é alguém que vive apenas para se satisfazer.

9
7
felicidade), ou seja, aquelas que estão ao alcance das consequências da nossa ação, e
não a humanidade inteira que, para além de ser um conceito abstrato é também uma
impossibilidade física.
Assim, a perspetiva ética de Mill, ao contrário do imperativo categórico de Kant,
é fundamentada pelo critério moral do princípio da maior felicidade, que afirma que
as nossas ações são boas se promoverem a felicidade do maior número de pessoas,
sendo que as más ações despromovem essa mesma.
Significa então que a sociedade, como o conjunto de indivíduos concretos e
passíveis de serem influenciados pela nossa ação, é que se constitui como o objeto
último da promoção da felicidade geral, o que o levará, mais tarde, a desenvolver a sua
perspetiva política em Sobre a Liberdade, defendendo que a sociedade deve
proporcionar que todos os indivíduos possam procurar, por si, a felicidade ao mesmo
tempo que a possam promover para um bem geral, ou seja, que cada indivíduo possa
agir de acordo com o princípio da utilidade ou da máxima felicidade.
Por causa deste compromisso com a felicidade dos outros, Mill advogará que
perante o sofrimento humano generalizado, e que pode ser derrotada por “obra do
cuidado e do esforço humanos”, deve ser empreendido na sociedade um combate no
qual resulte uma “nobre fruição”, não caindo nem cedendo a uma tentação “meramente
egoísta”.

3. Críticas

Contudo, podemos apresentar algumas críticas à ética utilitarista:


1. Se apenas nos focarmos nas consequências das nossas ações, a ação em si
torna-se irrelevante, o que pode levar a legitimar ações imorais só por causa
dos bons resultados que produz (legitima a ideia de que os meios justificam os
fins);
2. A distinção de prazeres superiores e inferiores não pode ser tão objetiva e
rigorosa como Mill propõe, visto que cada indivíduo tem a sua visão particular
acerca dos prazeres que o fazem feliz ou não.
3. A ética utilitarista tem uma base empirista, isto é, baseia-se na experiência dos
chamados “juízes competentes”, contudo, parte desses casos particulares para
generalizar a ideia de que a felicidade desses juízos é válida para todas as
pessoas (falácia da generalização precipitada).

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8
Ficha nº 21
Tema: Justiça como equidade (John Rawls)

A Filosofia Política, a área da Filosofia que estuda os problemas e as conceções


políticas, tais como: Qual a melhor forma de governo? Quais os princípios que devem
orientar uma sociedade justa? O que é uma sociedade justa? Como devem ser distribuídos
os bens produzidos em sociedade? Como podemos conciliar os valores da liberdade e da
igualdade?, entre outras questões abordadas ao longo de uma tradição que se inicia na
República de Platão e atravessa obras como a Política de Aristóteles, o Leviatã de Thomas
Hobbes, o Príncipe de Maquiavel, os Tratados do Governo Civil de John Locke, o
Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau, o Manifesto do Partido Comunista de Karl
Marx e Friedrich Engels, entre outras obras relevantes.
É no seguimento desta longa tradição que John Rawls (1921-2002) escreverá Uma
Teoria da Justiça (1971) para responder a uma específica pergunta: Quais os princípios
políticos que deverão regular uma sociedade justa? Desta pergunta fundamental, Rawls
pretende formular uma conceção de justiça (justiça como equidade) que resolva a
incompatibilidade entre os igualitários e liberais.
Estes princípios de justiça, como elementos formais orientadores das leis, modos
de atuação governamental, distribuição de bens e direitos, entre outros, são específicos da
estrutura básica de uma sociedade justa, visto servirem de base orientadora às principais
instituições políticas e sociais.
A estrutura básica da sociedade são, pois, as principais instituições políticas e
sociais, como o governo, a assembleia, os tribunais, entre outros, e a forma como os
direitos e deveres (básicos) determinam as vantagens provenientes da cooperação social,
por exemplo, quando nos referimos ao acesso a cargos públicos, o acesso a serviços
básicos como a educação ou a saúde ou, ainda, a questões relacionadas com a
desigualdade económica e social.
A relevância da estrutura básica da sociedade na conceção de justiça de Rawls
justifica-se por ser um fator determinante nas metas, aspirações, caráter, oportunidades e
a capacidade de as aproveitar dos cidadãos desde do início das suas vidas, por isso, é
natural que este seja o objeto primário da justiça política.
Compreendendo, assim, que a conceção de justiça de John Rawls fundamenta os
princípios políticos reguladores da estrutura básica de uma sociedade democrática e que
estes se aplicam a todos os cidadãos livres e iguais, então esta conceção é designada por

9
9
justiça como equidade, ou seja, uma conceção de justiça que é acordada por todos em
situação igual e aplicada, também de forma igual, a todos os cidadãos.
A base desta conceção é, pois, um acordo sobre os princípios que as partes
(cidadãos) celebram com o objetivo de orientar as ações das instituições e dos cidadãos
numa sociedade de cooperação.
Este acordo é necessário por duas razões:
1) numa sociedade livre, os cidadãos têm o direito a escolher os princípios pelos
quais essa mesma se deve regular, e não que haja uma imposição de um, alguns ou uma
maioria que imponha uma conceção específica de justiça que seja prejudicial à liberdade
ou à igualdade de direitos;
2) o acordo é, também, necessário, porque cada indivíduo é um ser particular com
valores, caráter e ideias próprias, ou seja, aquilo que Rawls designa como pluralismo
razoável10, e nesse sentido não pode existir uma conceção de justiça sem que essa tenha
sido acordada em condições justas por todos os cidadãos.
Para chegar a este hipotético acordo ou contrato que nos revela os princípios de
justiça, Rawls desenvolve uma experiência mental em que os cidadãos se encontram em
condições equitativas e elaboram um acordo mútuo para a elaboração desses princípios
de justiça.
Rawls propõe que imaginemos uma assembleia de cidadãos que se reúne para
selecionar, a partir de uma lista ordenada de princípios políticos conhecidos, os princípios
de justiça básicos que uma sociedade justa deveria ter. Esta situação hipotética, designada
posição original, é composta de indivíduos livres e iguais, isto é, que se encontram nas
mesmas condições.
Contudo, se elaborássemos um contrato conhecendo a nossa posição social ou os
nossos talentos, procuraríamos celebrar um acordo que fosse favorável à nossa situação
ou àqueles que representamos, ou seja, não seria uma decisão imparcial e neutra e, por
isso, dificilmente chegaríamos a um acordo que fosse aceitável para todos, por exemplo,
um indivíduo rico poderia defender que uma sociedade deveria ter uma mínima tributação
para que os seus rendimentos não fossem afetados, enquanto que um indivíduo pobre
defenderia uma maior tributação para os ricos e que essa parte do seu rendimento fosse
redistribuído para aqueles mais desfavorecidos.

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O pluralismo razoável é um facto das sociedades democráticas pela evidência da diversidade de
doutrinas.

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0
Assim, com o objetivo de elaborarmos um acordo sobre os princípios de justiça,
Rawls propõe que nesta posição original, os indivíduos estivessem sob o designado véu
de ignorância, isto é, no momento da discussão e deliberação (hipotética) do contrato,
nenhum dos indivíduos conheceria a sua posição social atual ou futura, os seus talentos
naturais ou artificiais, as suas expectativas, a sua raça ou etnia, o género, a inteligência
ou a força; deste modo, sob um véu de ignorância, a posição original ao abstrair as
contingências, elimina posições vantajosas de negociação e permite que o acordo seja
equitativo e celebrado entre pessoas livres e iguais.
Considerando esta situação equitativa entre partes livres e iguais, é necessário
compreender como podem estas decidir os princípios de justiça que devem regular uma
sociedade justa, ou seja, como poderão esses agentes escolher uma conceção de justiça?
Que raciocínio devem aplicar nessa seleção?
Segundo John Rawls, os agentes deverão adotar uma regra que lhes indique qual
a conceção de justiça que proporcionará uma sociedade mais justa e mais equitativa, isto
é, uma sociedade que não permita um enorme desfasamento entre os mais favorecidos e
os menos favorecidos, visto que se não sabemos o que poderemos vir a ser nessa
sociedade futura, podemos calhar no grupo dos mais desfavorecidos, deveremos, então,
ser precavidos e cautelosos; ao mesmo tempo que essa sociedade não deverá pôr em causa
a liberdade individual de cada um em detrimento de uma igualdade social e económica
entre todos – como mais à frente será esclarecido na apresentação dos princípios da justiça
equitativa.
Deste modo, o que Rawls defende é que devemos aplicar a regra maximin, ou
seja, devemos “identificar o pior resultado de cada alternativa disponível e então adotar a
alternativa cujo pior resultado é melhor do que os piores resultados de todas as outras
alternativas”.
É, pois, uma regra que procura minimizar as possíveis perdas ao selecionar o
melhor do pior das alternativas possíveis ou, noutro, sentido, a maximizar os nossos
interesses, ao forçarmo-nos a escolher aqueles que são, de facto, os nossos interesses
fundamentais quando se trata de configurar a estrutura básica.
Assim, ignorando as probabilidades do que nos poderá acontecer nessa sociedade
e tendo um certo receio ou aversão aos possíveis resultados negativos, o agente deve
escolher uma sociedade em que os mais desfavorecidos estão em melhores condições que
os mais desfavorecidos de outra sociedade, apesar desta apresentar melhores condições
para aqueles que são mais favorecidos.

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1
Por exemplo, imaginemos que nos são apresentadas três sociedades (S1, S2 e S3)
com três pessoas (P1, P2 e P3), e que a distribuição de bens sociais (riqueza) é feita do
seguinte modo:

Pessoa 1 Pessoa 2 Pessoa 3


Sociedade 1 10 8 2
Sociedade 2 8 6 5
Sociedade 3 9 7 3

Na primeira sociedade, as pessoas 1 e 2 seriam bastantes favorecidas, enquanto a


pessoa 3 seria bastante desfavorecida. Contudo, neste momento não existe qualquer
problema, porque esta abissal desigualdade, apesar de ser notória, não significa que tenha
havido uma injustiça. Na sociedade 2, os valores dos bens são quase iguais entre as três
pessoas, sendo que o pior são as pessoas 2 e 3 que apresentam 5 valores. Na sociedade 3
a desigualdade é menor que na sociedade 1, mas o pior das pessoas tem 3 valores de bens
sociais.
A questão para identificar qual sociedade deveria ser escolhida é: Dentro das
alternativas, qual é aquela em que o pior resultado é melhor que o pior das outras
alternativas? Sabendo que na Sociedade 2, o pior corresponde a 5 valores, e na sociedade
1 corresponde a 2 valores e na sociedade 3 a 3 valores, então pela regra maximin a
sociedade que deverá ser escolhida é a sociedade 2.
Esta escolha tem duas implicações: devemos escolher a situação em que o pior
que nos poderia acontecer é melhor que em outras situações, como se fosse a escolha do
melhor dos piores mundos possíveis; e, sem segundo, implica que estamos a escolher que
os mais desfavorecidos tenham as melhores condições possíveis, mitigando e amenizando
as desigualdades sociais presentes na sociedade
Formulada, assim, a regra maximin como orientadora deste processo de seleção
de conceções de justiça e sabendo que os agentes escolherão aquela em que os mais
desfavorecidos se encontram em melhor situação, a questão fundamental, atendendo à
conceção de justiça como equidade, é saber quais os princípios que devem determinar, na
estrutura básica da sociedade, os direitos e liberdades básicas e que princípios devem
regular a distribuição de benefícios sociais e económicos na mitigação da desigualdade
social.

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2
O primeiro princípio será o da igual liberdade que afirma que “cada pessoa tem o
direito irrevogável a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que
seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos”.
Isto é, o princípio que seria primeiramente formulado seria o de assegurar ou
garantir a todos os cidadãos de igual forma as liberdades básicas, como a liberdade de
pensamento e consciência, as liberdades políticas (direito de voto e de participação
política), a liberdade de associação, os direitos e liberdades assentes na integridade (física
e psicológica) da pessoa, os direitos e liberdades associados ao estado de direito, como o
direito à propriedade privada.
O segundo princípio, igualdade equitativa de oportunidades, é deduzido da
conceção de sociedade como sistema de cooperação entre cidadãos e da interpretação de
que a desigualdade económica e social dos cidadãos pode ser um impedimento a que aos
mais desfavorecidos não tenham acesso (prático e concreto) às liberdades básicas
formuladas no primeiro princípio.
Sobre estas duas razões, podemos argumentar que se a sociedade é um sistema de
cooperação, e não um conjunto de pessoas que perseguem os seus interesses pessoais sem
consideração com os interesses dos outros, então será aceitável (moral e politicamente)
que a orientação política de uma sociedade seja a de promover, o quanto possível, os
interesses de todos, principalmente os bens primários essenciais11.
A questão torna-se mais clara pela segunda razão, ou seja, quando a desigualdade
social não advém do mérito pessoal do indivíduo, mas quando é proporcionada pelo
contexto socioeconómico ou pelas características desses mesmo que não são da sua
responsabilidade ou mérito.
Quer isto dizer que quando nascemos, nascemos em determinadas condições, boas
ou más, que não são da nossa responsabilidade e, logo à partida, prejudicam ou
beneficiam o nosso sucesso pessoal sem que tenhamos tido qualquer participação
voluntária neste sentido.

11
Os bens primários essenciais são as condições sociais necessárias para que os cidadãos se consigam
desenvolver de forma adequada e possam exercer as suas faculdades morais, isto é, bens que os cidadãos
necessitam como pessoas livres e iguais numa vida plena, como os direitos e liberdades básicas, as
liberdades de movimento e de livre escolha, os poderes e prerrogativas de cargos e posições sociais, a
renda e riqueza, perspetivadas como necessárias para atingir objetivos pessoais, e as bases sociais de
autorrespeito.

1
0
3
A esta aleatoriedade de condições e características, Rawls designa de lotaria
natural e, por não ter uma justificação moralmente válida, deve então ser objetivo de uma
sociedade diminuir estas desigualdades de forma a que todos possam ter as mesmas
oportunidades na persecução dos seus interesses pessoais.
Deste modo, o princípio de igualdade equitativa de oportunidades afirma que as
desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas segundo duas condições:
1) “devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições
de igualdade equitativa de oportunidades” e
2) “têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade
(princípio de diferença)”.
A primeira condição exige que todos deverão ter acesso aos cargos públicos e
posições sociais, isto é, que não haja uma discriminação de acesso que tenha por base a
pessoa em si, e, ainda, que todos deverão ter uma chance ou oportunidade equitativa de
acesso a esses cargos, por exemplo, aqueles que têm o mesmo nível de talento e a mesma
disposição para o usar, deverão ter as mesmas perspetivas de sucesso, independentemente
da sua classe social.
A segunda condição correspondente à justiça redistributiva, denominada princípio
de diferença, exige que a desigualdade, ao existir, deve beneficiar ao máximo os
membros menos favorecidos, de modo a criar condições para que tenham as mesmas
oportunidades de sucesso e não fiquem determinados pelas suas características
particulares ou pelas condições sociais e económicas em que nasceram (lotaria natural)
e pelas quais não têm nenhuma responsabilidade, ou seja, se o indivíduo não é responsável
pelas suas condições iniciais, então não deve ser afetado arbitrariamente por algo que não
é da sua responsabilidade.
Deste modo, por exemplo, o Estado deverá assegurar que o Ensino seja acessível
a todos, de modo a promover a mobilidade social e a minimizar os efeitos da lotaria
natural.
Estes dois princípios, acima mencionados, vinculam-se ao debate da tradição
política sobre a relação e, possível conciliação, entre liberdade e igualdade, em que a
primazia do primeiro sobre o segundo fundamenta as posições liberais e libertárias (como
é o caso de Rawls e Nozick, respetivamente), e quando se atribui maior importância e
prioridade da igualdade em detrimento da liberdade, encontramos a conceção igualitarista
de, por exemplo, Karl Marx.

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Neste sentido, Rawls, posicionando-se no liberalismo social, advoga o primado da
liberdade sobre a igualdade, ou na sua terminologia, a prioridade do primeiro princípio
sobre o segundo, visto que a garantia das liberdades individuais seriam a primeira das
exigências num hipotético contrato social, visto que os cidadãos se encontram em
sociedade primeiro como indivíduos e, depois, como coletivo. Assim, por exemplo,
segundo este primado, não podem ser negadas a certos grupos as liberdades políticas pela
justificação de que estas poderiam obstaculizar o crescimento económico da sociedade.
Em resumo, Rawls a partir da experiência mental da posição original e do véu da
ignorância, em que imagina pessoas em igual condição a elaborarem um contrato sobre
os princípios políticos que deverão orientar a estrutura básica de uma sociedade justa,
deduz dois princípios: o princípio da igual liberdade, que afirma que todos deverão ter
os mesmos direitos e deveres, e o princípio equitativo de oportunidades, que afirma que
todos deverão ter as mesmas oportunidades de acesso a cargos públicos e que a
desigualdade económica, ao existir, deverá beneficiar os mais desfavorecidos, ou seja, a
redistribuição de riqueza deverá beneficiar os mais prejudicados na lotaria natural
(princípio da diferença).

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Ficha nº 22
Tema: Críticas
Justiça como equidade (John Rawls)

1. Críticas gerais

Como aprendemos, John Rawls através da experiência mental da posição original


e do véu de ignorância apresenta dois princípios de justiça: igual liberdade e igualdade
equitativa de oportunidades (incluindo o princípio da diferença).
Contudo, podemos apresentar algumas críticas, principalmente ao princípio da
diferença. O princípio da diferença considera que os mais desfavorecidos devem ser
ajudados pelos mais favorecidos através da redistribuição de riqueza, ou seja, estes devem
pagar mais impostos para que os outros possam ter as mesmas oportunidades.
Mas esta situação poderá levar a uma desresponsabilização das pessoas mais
desfavorecidas, visto que, independentemente do seu esforço ou mérito, continuarão a ser
apoiadas financeiramente pelo Estado, o que poderá levar a um conformismo, ou seja,
podem deixar de trabalhar ou continuar a receber apoios sem pretenderem trabalhar.
Em segundo lugar, esta situação pode criar a situação injusta em que aqueles que
trabalham e se esforçam para ter uma vida melhor são obrigados a financiar pessoas que
não se esforçam nem pretendem trabalhar.
Estas duas objeções podem ser mitigadas, por exemplo, aplicando maior rigor na
vigilância do Estado em relação àqueles que de facto merecem apoios e àqueles que não.
Contudo, este mecanismo não é suficiente para garantir de forma clara a justiça da
redistribuição de riqueza nem justificar moralmente a obrigação dos mais favorecidos
terem que, necessariamente, ajudar os mais desfavorecidos.
As objeções mais específicas e inconciliáveis com a teoria da justiça de John
Rawls foram formuladas pelo filósofo libertário Robert Nozick e pelo comunitarista
Michael Sandel, que iremos estudar.

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2. Críticas de Robert Nozick

Robert Nozick é, politicamente, um libertário, quer isto dizer que advoga a


maximização dos direitos individuais e a minimização da intervenção do Estado, ou seja,
a liberdade de escolha, de livre mercado, de livre associação, entre outras liberdades
individuais, são prioritárias e invioláveis por outras pessoas ou pela intervenção do Estado
e, nesse sentido, o princípio único e regulador do Estado é o de assegurar que essas
mesmas liberdades individuais não são infringidas por terceiros, principalmente no
âmbito da segurança pessoal e da proteção da propriedade privada, o que caracteriza,
metaforicamente, o modelo deste Estado mínimo como guarda ou vigilante noturno.
Esta posição libertária é, desde logo, explícita no início do seu tratado político
(Anarquia, Estado e Utopia): “Indivíduos têm direitos. E há coisas que nenhuma pessoa
ou grupo podem fazer com os indivíduos (sem lhes violar os direitos). Tão forte e de tão
alcance são esses direitos que colocam a questão do que o Estado e seus servidores
podem, se é que podem, fazer.”
Por causa dos direitos individuais, que são invioláveis, como o direito à liberdade e à
propriedade, já referido no princípio de igual liberdade de John Rawls, Nozick considera
que nenhum outro princípio poderá pôr em causa essas liberdades, como acontece com o
princípio da diferença de Rawls.
Ora, Nozick explica, se uma pessoa pelo seu esforço adquiriu legitimamente a sua
propriedade, então deverá ter total liberdade de controlar e dispor dela segundo os seus
interesses, e qualquer intervenção do Estado sobre essa mesma só poderá ser considerada
uma violação dos direitos individuais.
A violação de que Nozick nos fala relaciona-se com a tributação (cobrança de
impostos), em que:
1. Cobrar impostos significa retirar, sem autorização, uma parte do trabalho e do
esfoço de uma pessoa, que livremente decidiu trabalhar. Ora, se eu trabalhar 40 horas por
semana e o Estado retirar-me o rendimento de 5 horas através de impostos, não significa
isto que estou a trabalhar gratuitamente 5 horas? Ou, como Nozick diz, que estas 5 horas
são o mesmo que trabalho forçado ou mesmo escravidão, visto que estou a trabalhar sem
receber? A tributação é, como defende o filósofo, uma violação dos nossos direitos
individuais e, por isso, o segundo princípio de Rawls viola o seu primeiro princípio;
2. Para além da injustiça da tributação, Nozick considera que esta situação fica ainda
mais injusta quando têm que ser aqueles que trabalham a pagar mais impostos para

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assegurar a existência daqueles que não trabalham. Não só os primeiros estão a ser
punidos por trabalharem, como estão a ser instrumentalizados, ou seja, usados pelo
Estado para fins que lhes são alheios, o que viola, novamente, a liberdade individual
(mesmo que o objetivo seja nobre e solidário, continua a violar o primeiro princípio).
Apresentadas estas duas críticas, Nozick apresenta uma alternativa à teoria de
justiça de Rawls, considerando que, se os impostos são injustos e que a redistribuição de
riqueza não deve punir os que trabalham nem beneficiar aqueles que não trabalham, então
a sociedade deverá ter um Estado que tenha apenas as mínimas competências (Estado
mínimo) para garantir a segurança da sociedade e os impostos, se existirem, deverão
apenas ser cobrados para financiar essa segurança e não para serem redistribuídos pelos
mais desfavorecidos, não violando, deste modo, os direitos individuais.

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3. Críticas de Michael Sandel

No caso de Sandel, o filósofo não discorda dos dois princípios de Rawls e considera-
os fundamentais para uma sociedade justa, contudo, considera que o procedimento
utilizado por Rawls (experiência mental da posição original e do véu de ignorância e a
regra maximin) não nos permite justificar os princípios de uma sociedade justa.
Primeiro, Sandel considera que nós somos seres profundamente comunitários, isto é,
a nossa identidade, valores, aspirações, entre outras características que nos formam como
pessoas, estão enraizadas na sociedade em que vivemos, nos grupos que frequentemos,
na família que temos, por isso, abstrairmo-nos de todas essas características que nos
fazem humanos impossibilita que cheguemos a um consenso quanto a uma sociedade
justa, como defendeu Rawls na sua experiência mental.
Assim, a forma como devemos chegar a esses princípios só pode ser no diálogo e na
deliberação conjunta com as outras pessoas da nossa sociedade e nunca a partir de uma
reflexão solitária e abstrata ou mesmo nunca a partir de um cálculo matemático, como é
o caso da regra maximin.
Deste modo, o filósofo defende que só através deste diálogo com pessoas reais é
possível chegar a certos consensos fundamentais de uma sociedade justa, tais como:
1. Como somos seres comunitários e sociais, e não isolados do resto do mundo,
desejamos que a nossa sociedade garanta o mínimo de qualidade de vida de todos, nesse
sentido, o filósofo advoga o dever de solidariedade, ou seja, devemos ser solidários e
altruístas em relação aos outros membros da nossa sociedade, tendo como objetivo apoiar
aqueles que são mais desfavorecidos;
2. Por fim, a redistribuição de riqueza para os mais desfavorecidos e a cobrança mais
alta para os mais ricos, que é o segundo princípio de Rawls, não deve ser justificada pela
regra maximin, mas por uma orientação comunitária, isto é, se queremos uma sociedade
justa - e isto significa aumentar o sentido de pertença à nossa comunidade e diminuir a
segregação entre grupos e classes sociais - então o dinheiro dos impostos deverá ser
dirigido para investir em infraestruturas públicas, como as escolas, hospitais, meios de
transporte, entre outras fundamentais para uma sociedade menos desigual e com
igualdade de oportunidades.

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