Compêndio - Filosofia - 10 Ano
Compêndio - Filosofia - 10 Ano
Compêndio - Filosofia - 10 Ano
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Ficha nº 1
Tema: Introdução à Filosofia – Origem, Problemas, Disciplinas e Método.
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2. Problemas filosóficos: características
A Filosofia, sendo uma área do conhecimento autónoma e independente, tem problemas que lhe
são específicos e que se distinguem, por exemplo, dos problemas científicos.
Primeiro, os problemas filosóficos são universais ou gerais, ou seja, não problematizam uma
situação particular ou específica, como a questão científica, mas abrangem o todo, por exemplo, ao invés de
perguntar se um quadro de Picasso é bonito ou se pode ser considerado arte, pergunta O que é a beleza? e
O que é a arte?
Segundo, os problemas filosóficos não se debruçam sobre a superfície das coisas ou apenas ficam
pelo que é observado, como a questão: Como evoluiu o ser humano?; mas procuram o seu fundamento: O
que é o ser humano? O que é a vida?
Terceiro, as questões filosóficas não podem ser analisadas através da observação ou provadas
empiricamente, ao contrário da Ciência, mas apenas através da reflexão sobre os conceitos e da
argumentação racional.
Quarto, porque não podem ser comprovadas empiricamente, as questões filosóficas são sempre
questões abertas, ou seja, não encontraremos nunca uma resposta definitiva, apesar de conseguirmos
demonstrar que algumas respostas são falsas porque os argumentos que são inválidos ou fracos. Por
exemplo, as perguntas Qual o sentido da vida? Existe vida para além da morte? O que é o ser humano?,
são perguntas que dificilmente terão uma resposta conclusiva.
Características Explicação
Universal Aplicam-se a todos os casos e nunca a uma situação em
particular.
Fundamental Interroga-se sobre o fundamento das coisas.
Argumentativa Só podem ser respondidas através da argumentação
racional.
Aberta Não têm respostas definitivas.
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3. Disciplinas filosóficas
Como a Filosofia não é uma área especializada apenas num só assunto ou tema, devido ao seu
caráter universal, as disciplinas que a compõem abordam todo o tipo de problemas fundamentais relativos
ao ser humano.
Assim, a disciplina que investiga a questão O conhecimento é possível? denomina-se
Epistemologia ou Filosofia do Conhecimento, a questão O que é uma ação boa? corresponde à Ética ou
Filosofia Moral, entre outras questões que são específicas de cada uma das disciplinas filosóficas.
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4. Método filosófico
A Filosofia, como também acontece com a Ciência, tem um método específico para tratar das
suas questões. Enquanto que o método científico se baseia na observação e na experimentação, a Filosofia
utiliza como metodologia a argumentação lógica e racional, isto é, procura responder às questões utilizando
argumentos logicamente corretos de modo a suportar uma tese.
Por exemplo, no livro Discurso do Método, o filósofo René Descartes depois de pôr em causa a
realidade, a existência de Deus e os seus sentidos, procurará um princípio sólido e inquestionável para
fundamentar o conhecimento provando a sua existência.
Assim, à pergunta sobre a sua existência o filósofo argumenta:
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Ficha de Exercícios
Tema: Introdução à Filosofia
1. A partir do texto, e citando-o, define Filosofia segundo a sua etimologia, metodologia, objetivo e
indica quem foi o seu iniciador.
A Filosofia tem no seu íntimo o significado de sabedoria, e essa sabedoria não é a acumulação de
opiniões, mas uma constante reflexão crítica sobre os nossos conhecimentos de modo a alcançar a verdade.
Sabemos que esta nunca poderá ser alcançada, mas isso não implica que através da argumentação não
possamos fazer uma aproximação ao verdadeiro conhecimento. Por esta razão, e lembrando esse grande
filósofo da Grécia Antiga, a Filosofia é um constante diálogo assente na perceção de que só sabemos que
nada sabemos, e esta é uma verdade da qual podemos partir para a aventura que é filosofar.
2. A partir do texto, e citando-o, identifica o método mencionado e explica em que consistem os dois
momentos desse mesmo método.
“Primeiro, Sócrates forçava uma definição do assunto sobre o qua1 a investigação versava; depois, escavava
de vários modos a definição fornecida, explicitava e destacava as carências e contradições que implicava;
então, exortava o interlocutor a tentar nova definição, criticando-a e refutando-a com o mesmo
procedimento; e assim continuava procedendo, até o momento em que os interlocutores se declaravam
ignorantes. (…) E, assim, passamos ao segundo momento do método dialético. Para Sócrates, a alma pode
alcançar a verdade apenas "se dela estiver grávida".”
3. Identifica se as seguintes questões são filosóficas e, no caso de serem, indica a que disciplina
filosófica correspondem.
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3.4 O que torna uma ação imoral?
4. Com base no excerto, e citando-o, explica as quatro características das questões filosóficas.
O filósofo não recorre a microscópios ou a análises laboratoriais para responder às suas questões,
porque os seus problemas não podem ser investigados através desse método. As suas questões debruçam-se
sobre temas fundamentais do ser humano, como o sentido da vida ou a existência de Deus, por isso são
questões necessariamente universais e nunca particulares ou individuais. Estes problemas que existem e
persistem desde do momento em que o ser humano começou a raciocinar, devido ao seu caráter fundamental,
são respostas que nunca terão uma resposta definitiva, até porque se chegarmos ao momento em que
alcançamos respostas absolutas, deixamos de pensar.
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Ficha nº 2
Tema: Tese, Argumento, Validade, Verdade e Solidez
1. Método Filosófico
Para além dos problemas e disciplinas específicas da Filosofia, esta área do conhecimento
também se caracteriza por um método particular. Diferentemente da Ciência que, para verificar as suas
hipóteses e teorias aplica a observação e a experimentação, a Filosofia para demonstrar e defender as suas
teses faz uso do método argumentativo ou argumentação racional. Por esta razão, iremos estudar o que
significa, desde logo, uma tese, o que é, como se constitui e como podemos garantir que os nossos
argumentos são bons, o que é a validade de um argumento, o que é a verdade de uma proposição e, por fim,
o que é um argumento sólido.
Uma tese filosófica é a resposta a um problema filosófico, isto é, uma afirmação suportada
por argumentos e que tem a pretensão de ser verdadeira e responder ao problema em questão, por
exemplo: À questão filosófica “O que é uma ação boa?”, o filósofo Stuart Mill defende a tese de que uma
ação boa é uma ação que promova a maior felicidade; ou à questão filosófica “Podemos conhecer?”, os
céticos defendem a tese de que não podemos conhecer.
Considerando, então, que a tese filosófica é uma resposta a um problema filosófico, e que uma
resposta é uma frase que pode ser verdadeira ou falsa, então podemos afirmar que uma tese é, também, uma
proposição.
Uma proposição é o conteúdo de uma frase declarativa que pode ser verdadeiro ou falso,
isto é, que tem valor de verdade. Por exemplo, a frase “O Sol é uma estrela.” é uma proposição porque,
primeiro, é declarativa e, segundo, pode ser verdadeira ou falsa; já a frase “O Sol é uma estrela?” não é uma
proposição, porque não é declarativa, nem pode ser verdadeira ou falsa.
Contudo, será importante referir, que diferentes frases podem exprimir a mesma proposição, isto
é, o mesmo conteúdo, por exemplo: As proposições “Lisboa é a capital de Portugal”, “A capital de Portugal
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é Lisboa” e “Lisbon is the capital town of Portugal”, apesar de serem frases diferentes, exprimem o mesmo
conteúdo, ou seja, que Lisboa é a capital de Portugal.
Como já referimos, uma frase para ser uma proposição tem de ser declarativa e ter valor de
verdade, ou seja, tem de poder ser verdadeira ou falsa. Mas o que é a verdade?
A verdade é a correspondência entre uma frase e os factos ou é a representação das coisas
como elas realmente são. Por exemplo: A proposição “Esta cadeira tem quatro pernas” só é verdadeira se
de facto a cadeira tiver quatro pernas; ou a proposição “O ser humano é bípede” só é verdadeira se o ser
humano de facto for bípede.
Assim, podemos definir a verdade como:
P é verdadeiro se, e só se, P é verdadeiro.
Por exemplo:
“O céu é azul” é verdade se, e só se, o céu é azul.
[Proposição] [Facto]
Ora, em Filosofia, não nos basta saber se uma tese é verdadeira ou falsa, é também necessário
saber qual é a justificação para essa tese, ou seja, qual ou quais os argumentos que a suportam.
Um argumento é um conjunto articulado de proposições (variáveis) com o objetivo de uma
delas (conclusão) ser apoiada pelas outras (premissas). A proposição que procuramos apoiar ou defender
denomina-se conclusão e as proposições que pretendem apoiá-la designam-se premissas.
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Exemplo:
Consigo perceber a tua dificuldade relativamente aos direitos dos animais, mas repara que é óbvio que os
animais têm direitos, porque, se tu vires bem, tudo o que é capaz de sofrer tem direitos e, sabes bem, os
animais são capazes de sofrer.
Contudo, podemos verificar que nem sempre as premissas apoiam de forma adequada e correta
as conclusões, e quando isto ocorre o nosso argumento não é um bom argumento [argumento inválido].
Este apoio ou defesa correta das conclusões por parte das premissas tem o nome de validade,
É um argumento válido, visto que se for verdade que “Todos os homens são mortais” e que “Sócrates
é homem”, então podemos inferir validamente que “Sócrates é mortal”.
Mas mudemos agora o argumento para:
Todos os homens são mortais
Sócrates é mortal
Logo, Sócrates é homem.
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Este argumento não é válido, porque Sócrates pode ser mortal, mas nada indica nas premissas
que Sócrates tenha de, necessariamente, ser mortal para ser homem, por exemplo, Sócrates pode ser mortal
e ser um cavalo.
(Mais à frente aprenderemos como identificar argumentos válidos e inválidos).
Por fim, não é suficiente para os filósofos que os seus argumentos sejam válidos, isto é, que
exista uma implicação lógica entre as premissas e a conclusão, é também necessário que as premissas sejam
verdadeiras, porque se tivermos um argumento válido com premissas verdadeiras, temos um excelente
argumento ou, na terminologia filosófica, um argumento sólido (Validade + premissas verdadeiras).
Assim, um argumento é sólido quando o argumento é válido e todas as premissas são
efetivamente verdadeiras, por exemplo o primeiro argumento sobre a mortalidade de Sócrates.
Nota: Só as proposições é que podem ser verdadeiras ou falsas, enquanto que só os argumentos podem ser
válidos ou inválidos!
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Ficha de Exercícios
Tema: Tese e Argumentos
1.1 Todos os cientistas foram respeitados e bem tratados pela sociedade da sua época. Portanto, Galileu foi
respeitado e bem tratado pela sociedade.
1.3 Aqui este pássaro é uma andorinha, porque observei que as andorinhas comem insetos e este pássaro
comeu um inseto.
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2.4 A conclusão é
a. a proposição cuja validade depende a correção do argumento;
b. as proposições que os restantes elementos do argumento pretendem justificar;
c. a proposição que tem de ser verdadeira para que o argumento seja válido;
d. nenhuma das anteriores.
2.5 Um argumento é
a. um conjunto de proposições;
b. duas conclusões e uma premissa;
c. um conjunto de proposições em que uma é justificada por outras;
d. um conjunto de proposições constituído por várias premissas.
2.6 Um argumento
a. não pode ser verdadeiro, mas pode ser falso;
b. pode ser verdadeiro;
c. não pode ser nem verdadeiro nem falso;
d. pode ser falso.
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2.9 Um argumento válido
a. tem de ter premissas verdadeiras;
b. tem de ter pelo menos uma premissa verdadeira;
c. pode ter premissas falsas;
d. não pode ter proposições falsas.
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2.14 Se o ladrão tivesse entrado pela janela da cozinha, haveria pegadas lá fora; Ora, não há pegadas lá
fora; Logo, o ladrão não entrou pela janela da cozinha.
Este argumento é:
a. válido porque, se as premissas forem verdadeiras, também a conclusão terá de o ser;
b. válido porque as premissas são verdadeiras;
c. inválido porque a segunda premissa é falsa;
d. inválido apesar de a conclusão ser verdadeira.
2.16
Todos os metais dilatam com o calor;
Todos os meses há pelo menos quatro domingos;
Logo, o Porto é uma boa equipa de futebol.
Trata-se de um argumento?
a. Sim, mas é inválido;
b. Não, porque é inválido;
c. sim, porque tem premissas e conclusão;
d. não, porque as proposições não têm a menor relação entre si.
2. 17
Só há fogo se houver oxigénio.
Na Lua não há oxigénio.
Logo, na Lua não pode haver fogo.
Este argumento é:
a. inválido;
b. bom/sólido;
c. válido, mas com uma premissa falsa;
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d. inválido, apesar de ter todas as proposições verdadeiras.
2. 18
Só há movimento no carro se houve combustível
O carro está em movimento.
Logo, há combustível no carro.
Este argumento é:
a. inválido;
b. bom/sólido;
c. válido, mas com uma premissa falsa;
d. inválido, apesar de ter todas as proposições verdadeiras.
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3ª Ficha de Exercícios
Tema: Tese, Argumento, Validade, Verdade e Solidez
4. Define argumento sólido e identifica se ao seguinte argumento pode ser atribuída essa qualidade:
No ano passado, o Sporting ficou em primeiro lugar no campeonato
A equipa que fica em primeiro lugar no campeonato é o campeão nacional
Logo, o Sporting é o campeão nacional
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Ficha nº 3
Tema: Quadrado de oposição
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2. Tipos de proposições
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Assim, já conseguimos compreender como podemos negar uma proposição/tese, por exemplo:
A negação de “Todos os ricos são felizes” não é “Nenhum rico é feliz”, mas “Alguns ricos não
são felizes”; e a negação de “Nenhum rico é feliz” é a proposição “Algum rico é feliz”.
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Ficha de Exercícios
Tema: Quadrado de oposição
1.1 A partir das proposições acima, identifica o seu tipo (A, E , I e O) e o respetivo quantificador
(Universal/Particular) e qualificador (Afirmativa/Negativa).
A. Há pessoas que são boas.
B. Algumas pessoas não são lisboetas.
C. Todas as crianças gostam de brincar.
D. Muitas cadeiras têm quatro pernas.
E. Qualquer português vive em Portugal.
F. Nenhum alentejano gosta de açorda.
G. Qualquer estudante desta turma terá boa nota.
H. Poucos estudantes desta turma terão boa nota.
1.2 A partir das proposições mencionadas acima, identifica a sua negação, isto é, indica a proposição
contraditória
A. Há pessoas que são boas.
B. Algumas pessoas não são lisboetas.
C. Todas as crianças gostam de brincar.
D. Muitas cadeiras têm quatro pernas.
E. Qualquer português vive em Portugal.
F. Nenhum alentejano gosta de açorda.
G. Qualquer estudante desta turma terá boa nota.
H. Poucos estudantes desta turma terão boa nota.
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Ficha nº 4
Tema: Lógica Proposicional
1º Parte:
Formalização de Proposições
Introdução
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1. Formalização de proposições
1.1 Assim como as línguas naturais, a linguagem lógica compõe-se de símbolos (letras/variáveis e
operadores1) e uma gramática, isto é, regras que relacionam corretamente os símbolos.
Dentro dos símbolos da linguagem lógica, encontramos as letras proposicionais que são
representadas pelas letras do alfabeto, a partir do “P” e em maiúsculas, por exemplo:
A proposição “O Pedro foi à escola” pode ser representada pela letra proposicional “P”, ou seja:
P - O Pedro foi à escola.
1.2. Contudo, assim como no português, nós podemos formar frases complexas, isto é, frases
simples ligadas por operadores, o que em Lógica se designa por proposições complexas, como por
exemplo:
“O Pedro foi à escola e a Maria foi ao cinema”
Ou seja, formada pelas proposições simples: “O Pedro foi à escola” e “A Maria foi ao cinema”
unidas pelo operador “e”.
1.3 Encontramos, também, nos símbolos, as seis operações desta linguagem: a negação, a
conjunção, a disjunção (inclusiva e exclusiva), a condicional e a bicondicional.
A negação é uma operação unária, isto é, não relaciona proposições.
A conjunção, disjunção, condicional e bicondicional são operações binárias, isto é, relacionam
proposições.
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Também chamados, em Lógica, de operadores verofuncionais.
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Quadro síntese dos operadores
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1.4 Conhecendo os principais elementos da linguagem lógica (Letras Proposicionais e
Operadores), procederemos então à formalização, isto é, à transformação de frases da linguagem natural
em linguagem lógica2, com os seguintes exemplos:
Exemplo 1
“O Pedro foi à escola e a Maria foi ao cinema”
Dicionário de interpretação
P: O Pedro foi à escola.
Q: A Maria foi ao cinema.
Exemplo 2
“Se o Pedro não vai à escola e a Maria não vai ao cinema, então o Pedro fica em casa.”
Dicionário de interpretação:
P: O Pedro vai à escola.
Q: A Maria vai ao cinema.
R: O Pedro fica em casa.
Operadores:
“não”, “e”, “se…então”
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As fórmulas corretas, ou seja, que seguem corretamente as regras da lógica, chamam-se de fórmulas bem formadas, abreviadas
pela sigla fbf.
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Este dicionário deve sempre ser apresentado e deve cumprir as seguintes regras: 1. As frases deverão sempre ser declarativas e
afirmativas; 2. As letras proposicionais representam sempre e só proposições simples.
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Fórmula:
(~ P /\ ~ Q) → R
Nota: Neste caso, em que duas proposições têm simultaneamente uma relação com outra proposição, para
indicarmos esta relação na fórmula, temos de utilizar parênteses.
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Ficha de Exercícios
1. Vamos à praia?
2. Não é verdade que o conhecimento é possível.
3. O aquecimento global é um facto, mas há pessoas que não acreditam.
4. Palmela é uma cidade ou é uma vila.
5. Ou tiramos positiva ou tiramos negativa.
6. Sabendo que hoje está a chover, então vou ficar molhado.
7. Eu só consigo uma nota positiva se e só se estudar.
8. Se o ser humano é livre e racional, então o seu comportamento é da sua responsabilidade.
9. Não existe arte abstrata nem os quadros de Picasso são arte.
10. O nosso conhecimento é frágil, logo só podemos afirmar que as nossas opiniões não têm fundamento.
1. P → Q
2. Q → P
3. P / Q
4. (P Q) R
5. P→ (Q~P)
6. R → (P Q)
7. (P Q) V (R Q)
8. (~ Q ~ P) → ~ R
9. ~ (P → Q)
10. (P → ~ Q) (~ R V Q)
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1. Identificação dos valores de verdade das proposições através de tabelas de verdade
Ora, para que um argumento seja válido é necessário que não haja nenhuma circunstância em
que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa ou, por outras palavras, que se as premissas
forem verdadeiras a conclusão tem que ser, sempre e necessariamente, verdadeira.
Dito isto, devemos então, em primeiro lugar, analisar as condições de verdade das proposições
(simples e complexas) através das tabelas de verdade.
A tabela de verdade é um inspetor de circunstâncias que demonstra todas as condições de
verdade de uma proposição, ou seja, mostra-nos todas as circunstâncias em que uma proposição pode ser
verdadeira ou falsa.
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2.1 Tabela de verdade de uma proposição simples
Uma proposição simples só pode ter duas circunstâncias em que o valor de verdade é verdadeiro ou
falso.
Por exemplo, a proposição simples: “O Sol é uma estrela”; só pode ser verdadeira ou falsa, ou seja,
é verdade que o Sol é uma estrela ou é falso que o Sol é uma estrela.
Para demonstrar estas condições/valores de verdade desta proposição em tabela de verdade,
devemos fazer o seguinte:
1. Interpretação e Formalização
Dicionário de Interpretação
P – O Sol é uma estrela.
Formalização
P
P P
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A fórmula “P” é verdadeira quando a letra proposicional “P” é verdadeira, e é falsa quando a letra
proposicional “P” é falsa.
2.2 Tabela de verdade de proposições complexas
2.2.1 Negação
Por exemplo, a proposição “O Sol não é uma estrela” tem duas circunstâncias em que é verdadeira
e falsa.
1. Quando é verdade que “O Sol não é uma estrela”, então a proposição é verdadeira;
2. Quando é falso que “O Sol não é uma estrela”, então a proposição é falsa.
Tabela de verdade
P ~ P
V F V
F V F
Repara que as condições de verdade de uma proposição complexa são as condições de verdade
do seu operador de maior âmbito, isto é, o operador que tem maior atuação/influência sobre a
proposição.
Sendo assim, os valores de verdade de uma proposição de negação são os valores de verdade dessa
negação, ou seja, quando “P” é verdadeiro, então a proposição é falsa (1ª linha) e quando “P” é falso então
a proposição é verdadeira (2ª linha).
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2.2.2 Conjunção
Antes de tudo, referir que uma proposição com 2 letras proposicionais terá quatro circunstâncias (4
linhas na tabela), visto que serão quatro as possibilidades de verdadeiro e falso (VV, VF, FV, FF).
Neste sentido, a proposição “O Sol é uma estrela e a Lua é um satélite” terá quatro circunstâncias
de verdade, sendo que só será verdadeira quando ambas as proposições forem verdadeiras:
1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é verdadeira.
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.
Tabela de verdade
P Q P Q
V V V V V
V F V F F
F V F F V
F F F F F
Com base na tabela de verdade podemos, de forma mais clara, compreender que quando “P” e “Q”
são verdadeiros, então a proposição “P Q” é verdadeira.
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2.2.3 Disjunção inclusiva
Por exemplo, a proposição “O Sol é uma estrela ou a Lua é um satélite” tem quatro condições de
verdade, e só é verdadeira quando pelo menos uma das proposições é verdadeira.
1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é verdadeira.
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira;
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira;
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.
Tabela de verdade
P Q P Q
V V V V V
V F V V F
F V F V V
F F F F F
Assim, nas circunstâncias em que, pelo menos, uma das proposições “P” e “Q” são verdadeiras,
então a proposição “P Q” é verdadeira.
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2.2.3 Disjunção exclusiva
A proposição “Ou o Sol é uma estrela ou a Lua é um satélite” tem quatro condições de verdade, e
só é verdadeira quando as proposições têm diferentes valores de verdade.
1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é falsa;
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira;
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa;
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa.
Tabela de verdade
Dicionário de Interpretação
P – O Sol é uma estrela.
Q – A Lua é um satélite.
Formalização
P / Q
Tabela de verdade
P Q P / Q
V V V F V
V F V V F
F V F V V
F F F F F
Nas circunstância em que “P” e “Q” têm, simultaneamente, diferentes valores de verdade, então a
proposição “P / Q” é verdadeira.
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2.2.3 Condicional
A proposição “Se o Sol é uma estrela então a Lua é um satélite” tem quatro condições de verdade,
e só é falsa quando a proposição antecedente é verdadeira e o consequente é falso.
1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é verdadeira;
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa;
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira;
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira.
Tabela da verdade
P Q P → Q
V V V V V
V F V F F
F V F V V
F F F V F
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2.2.4 Bicondicional
A proposição “O Sol é uma estrela se e só se a Lua é um satélite” tem quatro condições de verdade,
e só é verdadeira quando ambas as proposições têm o mesmo valor de verdade.
1. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então
a proposição é verdadeira;
2. Quando é verdade que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa;
3. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é verdade que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é falsa;
4. Quando é falso que “O Sol é uma estrela” e é falso que a “Lua é um satélite”, então a
proposição é verdadeira.
Tabela de verdade
P Q P Q
V V V V V
V F V F F
F V F F V
F F F V F
Nas circunstâncias em que “P” e “Q” partilham do mesmo valor de verdade, a proposição “PQ”
é verdadeira.
Síntese
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1. A tabela de verdade revela as circunstâncias em que uma proposição pode ser verdadeira ou falsa;
2. A circunstância em que uma proposição complexa pode ser verdadeira ou falsa é determinada pelo seu
operador principal;
3. O operador principal é o operador de maior âmbito, ou seja, atua sobre a totalidade da proposição;
4. Se o operador principal determina os valores de verdade das proposições, então devemos conhecer as
circunstâncias em que cada operador tem valor de verdade verdadeiro e falso;
5. Circunstâncias em que os operadores são verdadeiros ou falsos:
5.1 Uma proposição negativa só é verdadeira quando a sua negação for verdade;
5.2 Uma proposição conjuntiva (conjunção) só é verdadeira quando ambas as proposições forem
verdadeiras;
5.3 Uma proposição disjuntiva inclusiva (disjunção inclusiva) só é verdadeira quando pelo menos
uma proposição é verdadeira;
5.4 Uma proposição disjuntiva exclusiva (disjunção exclusiva) só é verdadeira quando as
proposições têm diferentes valores de verdade;
5.5 Uma proposição condicional só é falsa quando, simultaneamente, o antecedente é verdadeiro e
o consequente é falso;
5.6 Uma proposição bicondicional só é verdadeira quando ambas as proposições têm o mesmo
valor de verdade.
V V F V V F V V
V F F F V V F F
F V V F V V V F
F F V F F F V V
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3. Aplicação das tabelas de verdade
Dicionário:
P: Cristiano é homem.
Q: Artur é homem.
R: Maria é mulher.
Fórmula: ~P (Q ~R)
Tabela de verdade:
P Q R ~ P (Q ~ R)
V V V F V F F
V V F F F V V
V F V F V F F
V F F F V F V
F V V V F F F
F V F V V V V
F F V V F F F
F F F V F F V
Observações:
1. Podes apresentar os valores de verdade de cada letra proposicional na segunda coluna, mas não é
necessário. Apenas o que é necessário é que apresentes os valores de verdade de todos os operadors;
2. O valor de verdade da proposição é calculada através do seu operador principal, que neste caso é
a “bicondicional”, visto que é o operador que tem como âmbito a totalidade da proposição (influencia
todas a proposição);
3. Começamos sempre por calcular o valor de verdade dos operadors com menor âmbito, isto é,
que têm menos influência sobre a proposição. Neste sentido começamos por calcular:
1. Calculamos as proposições “~P” e “~R”;
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2. Calculamos “Q /\ ~R” a partir dos valores de verdade de “Q” e de “~R”;
3. Por fim, calculamos o valor de verdade da proposição na sua totalidade a partir dos valores de
verdade de “~P” e de “Q /\ ~R”.
4. Para auxiliar a identificação do operador principal podemos rodeá-lo, como está exemplificado.
5. Para conheceres quantos valores de verdade são possíveis (linhas da tabela de verdade), podes
usar esta fórmula: “L = 2P”; ou seja, o número de linhas dos valores de verdade (L) é igual a dois (valores
de verdade) elevado ao número de letras proposicionais (P). Neste caso, como existiam três letras
proposicionais, haverá 8 linhas (23).
6. De modo a simplificar a formalização, não precisarás de separar com parêntesis dois operadors
seguidos, por exemplo, P (~ Q) poderá ser formalizado como P ~ Q. Contudo, no caso em que há
sinais de negação sucessivos, deverás sempre incluir parêntesis, por exemplo, ~ (~ P) e não ~ ~ P.
4
3
4. Tipos de proposição segundo os valores de verdade
A partir dos valores de verdade das proposições, podemos identificar três tipos de proposição:
1. Proposição contingente (contingência), quando a proposição apresenta valores de
verdade verdadeiros e falsos (observável na coluna do operador principal);
2. Proposição tautológica (tautologia), quando a proposição apresenta somente valores
de verdade verdadeiros (observável na coluna do operador principal);
3. Proposição contraditória (contradição), quando a proposição apresenta somente
valores de verdade falsos (observável na coluna do operador principal).
Exemplos:
Proposição contingente
P Q P → ~
Q
V V V F F
V F V V V
F V F V F
F F F V V
Proposição tautológica
P Q P → (P Q)
V V V V V
V F V V V
F V F V V
F F F V F
Proposição contraditória
P P /\ ~ P
V V F F
F F F V
4
4
1. Constrói as tabelas de verdade e identifica o tipo de proposição segundos os valores de verdade,
das seguintes fórmulas proposicionais:
1.1 ~ ( ~ P ∧ ~ Q)
1.2 (Q ↔P) ∨ (~ Q)
1.3 (~ P Q) ~ R
1.4 (P ∧ Q) → ~ R
1.5 ~ (P ∨ Q) ∧ ~ (Q ∧ P)
1.6 (P ∨/ Q) ∧ (P ↔ Q)
1.7 P → (~ P ∧ (P→Q))
1.8 Q ↔ (P ∧ R)
4
5
1. Tabelas de verdade dos argumentos
Tendo nós compreendido a identificar os valores de verdade das proposições e, por conseguinte, a
identificar os três tipos de proposição (tautologia, contradição e contingente), resta-nos aplicar o inspetor de
circunstâncias aplicada à identificação da validade dos argumentos.
Sabemos já que um argumento só é válido quando é logicamente impossível que todas as suas
premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa, isto é, numa tabela de verdade de um argumento se
encontrarmos uma circunstância em que todas as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa, então o
argumento é inválido.
Dicionário de interpretação
P: Eu acordo.
Q: Eu vou para a escola.
R: Eu vou estudar.
Formalização
P→Q, Q→R ∴ ~ P→R
ou
P→Q
Q→R
~ P→R
Tabela de verdade
4
6
P Q R P→Q Q→R ∴~P→R
V V V V V F V
V V F V F F V
V F V F V F V
V F F F V F V
F V V V V V V
F V F V F V F
F F V V V V V
F F F V V V F
Conclusão: O argumento é inválido, porque apresenta, pelo menos, uma circunstância (8ª) em que
as premissas têm valor de verdade verdadeiro, e a conclusão valor de verdade falso.
4
7
Ficha de Exercícios
1. Formaliza, constrói as tabelas de verdade e identifica a validade dos seguintes argumentos.
2.1 (P ↔ Q) , (Q / R) ∴ R
2.2 ~ ( ~ P → ~ Q) , Q ∴ Q
2.3 P , Q → R ∴ (P → R)
2.4 P / Q , Q ∧ R ∴ ~ (P ∨ Q)
2.5 ~ P , ~ (Q ↔ R) ∴ ~ Q
4
8
Ficha nº 11 – Parte 4
Tema: Lógica Proposicional
Formas Lógicas
1. Introdução
Aprendemos que a validade da forma do argumento pode ser inspecionada através da tabela de verdade,
contudo, como há um número infinito de formas argumentativas válidas e inválidas, aprenderemos as quatro
formas válidas mais recorrentes em Filosofia, duas formas inválidas (falácias) e, ainda, quatro fórmulas
equivalentes4 que nos ajudarão a simplificar alguns argumentos.
A 1ª lei de De Morgan estabelece que a negação simultânea de, por exemplo, P e Q, equivale à
negação de não P ou não Q
~ (P ∧ Q) ⟺ (~ P ∨ ~ Q)
A 2ª lei de De Morgan estabelece que a negação de P ou Q equivale à negação de P e Q.
~ (P ∨ Q) ⟺ (~ P ∧ ~ Q)
A dupla negação estabelece que a negação de não P equivale à afirmação de P.
~~P⟺P
A contraposição estabelece que a implicação de P e Q é equivalente à sua negação.
P → Q ⟺ ~Q → ~P
1.2 Formas argumentativas válidas
Ao identificarmos algumas das formas argumentativas válidas mais frequentes, dispensamos a
realização do inspetor de circunstâncias sobre elas, falamos, pois, do silogismo hipotético, silogismo
disjuntivo, modus ponens e modus tollens.
Os silogismos são formas argumentativas válidas compostas, somente, por duas premissas e uma
conclusão.
O silogismo hipotético apresenta a seguinte estrutura:
P→Q
Q→R
_______
4
Fórmulas equivalentes são fórmulas que, em qualquer circunstância, partilham os mesmos valores de verdade.
P→R 4
9
Por exemplo:
Se duvido, então penso Se eu estudar, vou tirar boas notas
Se penso, então existo Se eu tirar boas notas, vou passar de ano
Logo, se duvido, então existo. Logo, se eu estudar vou passar de ano
P∨Q P∨Q
~P ou ~Q
___ ___
Por exemplo: Q P
P→Q
P
___
Por exemplo: Q
Se há água, há oxigénio
Há água
Logo, há oxigénio.
P→Q
~Q
___
Por exemplo: ~P
Se Sócrates é homem, então é mortal
5
0
Sócrates não é mortal
Logo, Sócrates não é homem.
P→Q
Q
___
Por exemplo: P
Se há água, há oxigénio
Há oxigénio
Logo, há água.
P→Q
~P
___
Por exemplo:
~Q
Se Sócrates é homem, então é mortal
Sócrates não é homem
Logo, Sócrates não é mortal.
5
1
Quadro-síntese das inferências válidas e falácias formais
5
2
1. Identifica as conclusões das seguintes inferências válidas.
1.4 Contraposição
Se é lisboeta, é natural de Lisboa
C:
1.6 Contraposição
Se chove, o caracol sai.
C:
1.7Silogismo hipotético
Se o preço da gasolina subir, as pessoas tenderão a usar menos o automóvel.
Se as pessoas usarem menos o automóvel, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera diminuem.
C:
5
3
1.8 Silogismo disjuntivo
A retórica é uma forma de persuasão ou de manipulação.
A retórica não é uma forma de persuasão.
C:
1.10 Contraposição
Se duvido, então penso.
C:
5
4
1.13 1ª lei de De Morgan
Florbela não gosta do Joaquim ou não anda preocupada.
C:
2.1
P→(Q∧R)
(Q∧R) →S
P→S
Inferência:
2.2
(P ∨ Q) →R
~R→ ~ (P ∨ Q)
Inferência:
2.3
(P∧Q) ∨ (R∧S)
~ (P∧Q)
R∧S
Inferência:
2.4
5
5
(P∧Q) → R
~R
~(P∧Q)
Inferência:
2.5
~ (P ∨ R)
~P∧~R
Inferência:
2.6
[((P ∨ Q) →R) ∧ (P ∨ R)] → (P ∨ R)
((P ∨ Q) →R) ∧ (P ∨ R)
(P ∨ R)
Inferência:
5
6
1. Lógica formal e informal
Estudamos, até ao momento, formas argumentativas que, apenas com base na sua estrutura, podemos
concluir a sua validade. Falamos, pois, dos argumentos dedutivamente válidos, isto é, se as premissas
forem verdadeiras, a conclusão é, necessariamente, verdadeira. Este tipo de argumentos caracteriza-se,
geralmente, por partir de uma premissa geral para inferir uma conclusão particular, por exemplo:
Todos os corvos são pretos
Esta ave é um corvo
Logo, esta ave é preta
Ou seja, a partir de um caso geral (Todos os corvos), concluímos um caso particular (esta ave).
Contudo, os argumentos dedutivos, apesar de frequentes em Matemática e Filosofia, são pouco comuns
nas ciências experimentais (Biologia, Química, Psicologia, entre outros), porque nas ciências partimos quase
sempre da observação de casos particulares para depois generalizarmos ou prevermos, e o mesmo se aplica
aos argumentos que utilizamos no nosso dia a dia, como acontece quando concluímos uma opinião por
comparação com outros casos e, também, quando recorremos a um especialista de uma certa área para
justificar a nossa opinião (tese).
Por exemplo, um biólogo usaria este argumento:
Alguns corvos são pretos5
Logo, todos os corvos são pretos.
Ora, estamos a falar de argumentos não dedutivos, isto é, argumentos em que a sua validade não depende
unicamente da sua estrutura, mas depende, também, do seu conteúdo, daquilo que é afirmado.
Por esta razão, se até aqui estudamos os argumentos dedutivos através da denominada lógica formal6,
estudaremos agora os argumentos não dedutivos relevando o seu conteúdo, através da lógica informal.7
5
Isto é, todos aqueles que observei, porque não é possível observar todos.
6
Chama-se lógica formal porque analisa, somente, a forma dos argumentos.
7
Lógica informal é o tipo de lógica que estuda a forma e o conteúdo.
5
7
2. Argumentos não dedutivos
Os tipos de argumentos estudados pela lógica informal são os argumentos não dedutivos, isto é,
argumentos que podem ser fortes (“válidos”) não por necessidade lógica, mas pela alta probabilidade das
premissas ao serem verdadeiras, a conclusão também poderá ser verdadeira.
Assim, no caso dos argumentos não dedutivos fortes é logicamente possível, mas improvável, que as
premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Ou seja, a validade deste tipo de argumentos não depende
exclusivamente da sua forma lógica, mas de outros fatores informais, como o seu conteúdo.
Devido ao facto de apenas existir uma relação de probabilidade entre as premissas e a conclusão nos
argumentos não dedutivos, a característica de validade (da estrutura do argumento) não é suficiente para
distinguirmos os seus diferentes tipos.
Neste sentido, há argumentos em que a conclusão é mais provável na sua relação com as premissas,
do que outros argumentos, mesmo que partilhem a mesma forma lógica válida. Por esta razão, na análise da
lógica informal, é mais apropriado atribuir a característica de forte (bom) ou fraco (mau) aos argumentos
não dedutivos, tendo por base o seu aspeto formal (estrutura do argumento) e o seu aspeto informal
(conteúdo das proposições), sendo que um argumento forte tem premissas que nos permitem aceitar a
veracidade da conclusão com uma grande probabilidade ou razoabilidade, enquanto que um
argumento fraco, apesar das premissas serem verdadeiras, é muito improvável que a conclusão
também o seja.
Como a força de um argumento não dedutivo depende da probabilidade, haverá diferentes graus de
força. Assim, estudaremos o grau de força dos principais tipos de argumentos não dedutivos, como o
argumento por generalização e por previsão (argumentos indutivos), argumento por analogia e
argumento de autoridade.
5
8
3. Tipos de argumentos não dedutivos
Por exemplo:
Todas as aves até hoje obervadas, voam.
Logo, todas as aves voam.
O argumento é de generalização, porque a partir de um caso particular (“Todas as aves até hoje
obervadas, voam.”) generaliza-se para todos os casos (“todas as aves voam”).
O que acontece neste argumento é a generalização de uma característica das aves (observadas) para
atribuir essa mesma a todas as aves (ainda não observadas).
Os critérios para considerar se este argumento por generalização é forte (bom) ou fraco (mau), é
verificar se
1) os casos particulares observados são numericamente relevantes para suportar a conclusão
(grandeza da amostra)
2) estes representam adequadamente o universo em causa (representatividade).
Ou seja, se inferimos a partir de uma amostra de cinco aves num universo de milhões, o número é
demasiado residual para sustentar uma generalização, contudo, se tiver sido observado um número mais
próximo do universo existente de aves, podemos concluir que é um bom argumento.
5
9
3.2 Argumentos indutivos: Argumento por previsão
O outro tipo de argumento indutivo é o argumento por previsão, isto é, infere de casos particulares
uma previsão/projeção da mesma característica para casos futuros.
Alguns P são Q.
Logo, o próximo P será Q
Por exemplo:
Observamos que até hoje o Sol “nasceu”.
Logo, amanhã o Sol também “nascerá”.
O argumento é de previsão porque a partir de um caso particular (“Observamos que até hoje o Sol
“nasceu.”), prevê-se que amanhã o Sol também nascerá.
Este é um bom argumento, visto que a observação de sucessivos invernos e a sua constante
associação com a precipitação permite-nos, com razoabilidade, aceitar que no próximo Inverno também
haverá precipitação.
Um exemplo contrário seria:
No Verão de 1945 observou-se a existência de precipitação.
Logo prevê-se que no Verão de 2020 haverá, também, precipitação.
6
0
3.3 Argumento por analogia
O terceiro tipo de argumento não dedutivo denomina-se argumento por analogia e pode ser definido
como um argumento que toma por base a semelhança entre dois objetos/situações diferentes, no sentido
em que, se duas coisas são semelhantes em vários aspetos, também o serão noutros
P é como Q.
P é (tem a característica) R.
Logo, Q é (tem a característica) R.
Por exemplo:
Os relógios são criados por alguém inteligente.
A Natureza funciona como os relógios.
Logo, a Natureza foi criada por alguém inteligente.
Ou seja, como a Natureza é semelhante ao funcionamento dos relógios, então partilham a mesma
característica de terem sido criados “por alguém inteligente”. A utilização do termo “como” é uma
característica geralmente presente neste tipo de argumentos, porque indica a partilha ou semelhança entre
dois sujeitos ou objetos em causa.
Para considerarmos o grau de força dos argumentos por analogia, devemos atender aos seguintes
critérios:
1) As semelhanças têm de ser relevantes em relação à conclusão pretendida;
2) O número de semelhanças relevantes tem de ser suficiente para suportar a conclusão;
3) Não podem existir diferenças relevantes em relação à conclusão.
Segundo os três critérios apresentados, o argumento acima apresentado não é um argumento forte
(bom), visto que as semelhanças que existem entre a Natureza e um relógio são irrelevantes e insuficientes,
no sentido em que estamos a comparar um sistema complexo com um sistema simples e, noutro sentido, a
equiparar o Todo (Natureza) com um dos seus elementos/partes (relógio).
6
1
3.4 Argumento de autoridade
O quarto tipo de argumento não dedutivo é o argumento de autoridade, e é usado quando invocamos
um especialista na área para corroborar a nossa conclusão, sendo a sua forma lógica:
P (especialista) disse que Q.
Logo, Q.
Por exemplo, quando argumentamos que o tempo é relativo porque Einstein defendia esta conceção. Ou
seja, invocamos a posição de um especialista reconhecido e relevante na área (Física) para suportar a nossa
tese.
Para avaliar o grau de força dos argumentos de autoridade, temos de cumprir os seguintes critérios:
1) O nome do especialista/autoridade e a fonte tem de ser devidamente citado;
2) A autoridade mencionada tem de ser efetivamente um especialista na área em questão;
3) O que é afirmado tem de ser relativamente consensual na área em questão;
4) A autoridade invocada tem de ser parte desinteressada no assunto.
Segundo estes critérios, o argumento sobre Einstein acima mencionado pode ser considerado um
argumento forte, visto que o físico é uma reconhecida autoridade na área e é relativamente consensual a sua
teoria no paradigma científico atual.
Contudo, se invocarmos Einstein para defender que a guerra é imoral, este seria um argumento fraco,
visto que Einstein, apesar da sua posição de pacifista, não é uma referência na área da Ética sobre a
moralidade da guerra.
O incumprimento destes critérios a respeito dos argumentos não dedutivos, permite-nos verificar a
força dos argumentos, mas também identificar se são argumentos falaciosos (próximo tema).
6
2
4. Quadro-síntese dos tipos de argumentos não dedutivos
Autoridade
desinteressada/imparcial no
assunto.
Exemplo Alguns corvos são Os corvos observados até O João apresenta os Albert Einstein, no ensaio
pretos. hoje são pretos. mesmos sintomas que o Teoria da Relatividade
Logo, todos os corvos Logo, o próximo corvo Rui. Geral, uma teoria
são pretos. será preto. O João está com gripe. amplamente aceite pela
Logo, o Rui também estará comunidade científica,
com gripe. defendeu que o tempo é
relativo.
Logo, o tempo é relativo.
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3
Exercícios
Argumento dedutivo
2. A Ana e a Maria têm os mesmos gostos. A Ana gosta
dos One Direction. Por essa razão, o pai da Maria Argumento por generalização
ofereceu à Maria um bilhete para o concerto dos One
Direction. Argumento por previsão
2.2. Deves estar preocupado com as notas, mas não devias, porque eu falei com os nossos colegas e o teste
correu-lhes muito bem.
2.3. Não sei se tens razão, porque se nos anos anteriores não choveu no Natal é provável que no próximo
Natal também não chova.
2.4. O Futebol Clube do Porto tem excelentes jogadores, assim como o Benfica. Se o Porto tem vencido
estes jogos todos, então podemos confiar que o Benfica também vencerá os próximos.
6
4
Ficha nº 14
Tema: Lógica Informal
Falácias informais
1.1 Introdução
Analisamos, anteriormente, que os argumentos não dedutivos são avaliados não pela sua
validade formal, mas pela força do argumento, isto é, se a partir das premissas pudermos concluir
com elevada probabilidade a conclusão do argumento, então o argumento é forte, caso contrário o
argumento é fraco.
Para verificarmos a força do argumento estudamos os critérios que devem ser satisfeitos
para que os argumentos indutivos, de autoridade e analogia possam ser fortes.
Ora, este o incumprimento destes critérios a respeito dos argumentos não dedutivos, para
além de nos informar da força dos argumentos, também permite identificar se são argumentos
falaciosos.
Um argumento falacioso pode ser definido como sendo um argumento que parece que
as suas premissas suportam (corretamente) a conclusão, quando na verdade não suportam,
ou seja, é um erro de raciocínio ou de argumentação.
No caso dos argumentos não dedutivos, o argumento é identificado como falacioso quando
não cumpre os critérios já mencionados para cada tipo de argumento, mas pretende-se,
mesmo assim, persuadir que a conclusão é suportada pelas premissas.
Como, geralmente, os argumentos não dedutivos são utilizados em discussões do dia a dia ou em
debates, é natural que os interlocutores não tenham tanto rigor na sua verificação ou estruturação
formal, nesse sentido, é recorrente a utilização de falácias informais, principalmente em debates
quando o que está em causa é demonstrar ao público que a nossa posição é melhor que a do
oponente, sendo que esta disputa verbal pode ser caracterizada por “ataques pessoais agressivos,
apelo às emoções e vontade de vencer a discussão a qualquer custo”.
Por esta razão, entre outras tantas, é necessário que consigamos identificar quando são
cometidas falácias e, também, que sejamos capazes de reforçar o grau de força dos nossos
argumentos, de modo que a nossa posição seja sólida e consistente.
6
5
Doze falácias informais
O argumento de autoridade também pode ser falacioso quando, por exemplo, não
se cumpre o critério em que a autoridade invocada não é um especialista na área (P (não
especialista) disse que Q. Logo, Q), por exemplo: “A Bíblia afirma que a Terra é redonda,
logo a Terra é redonda”
6
6
5. Falácia do falso dilema
Para além destas falácias que se relacionam com os argumentos não dedutivos
mencionados, podemos ainda mencionar outros tipos de falácias que usualmente são utilizadas em
discussões ou debates.
Frequentemente, em debates, radicalizam-se as posições de modo a tornar a posição do
oponente indefensável e a nossa posição a única alternativa aceitável, recorrendo, por isso, a uma
situação de falácia do falso dilema, que pode ser definida como um argumento que toma por base
duas opções possíveis, quando na verdade existem mais (P ou Q. Mas não P. Logo, Q), por exemplo:
“Estás comigo ou estás contra mim. Não estás comigo. Logo, estás contra mim” ou “As pessoas ou
são boas ou são más”.
Para além do uso retórico das falácias em debates, as falácias podem também estar presentes
no discurso filosófico, como é o célebre caso da petição de princípio de Aristóteles que afirma: “A
natureza das coisas pesadas é tender para o centro do mundo; e as das coisas leves é afastar-se dele.
A experiência revela que as coisas pesadas tendem para o centro da Terra e que as leves dele se
afastam. Assim, o centro da Terra é o centro do mundo.”.
Ou seja, a conclusão de Aristóteles é que a “o centro da Terra é o centro do mundo”, contudo
assume desde logo nas premissas que o centro do mundo é o centro da Terra, visto que as coisas
pesadas tendem para o centro da Terra, que é na verdade o centro do mundo. Esta circularidade
argumentativa denomina-se falácia de petição de princípio e ocorre quando o que é defendido na
conclusão já se encontra nas premissas (P. Logo, P), por exemplo: “A Bíblia afirma que Deus
existe. Deus escreveu a Bíblia. Logo, Deus existe.”.
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7
7. Falácia da falsa relação causal
Também, e principalmente, nas ciências empíricas são utilizados argumentos indutivos com
o objetivo de concluir a causa de determinados fenómenos. Contudo, quando apenas se cumpre a
condição necessária de que a causa antecede o efeito, supondo que só porque B ocorre depois de A,
então A é a causa de B, podemos estar a argumentar falaciosamente.
Assim, a falácia da falsa relação causal (post hoc ergo propter hoc) acontece quando
inferimos que só porque algo se segue de outro, então este é causa desse algo (P acontece depois
de Q. Logo, Q é causa de P), por exemplo: “Quando começaram a fazer a dança da chuva, parou
de chover. Logo, parou de chover por causa da dança da chuva” ou o exemplo clássico de David
Hume do movimento das duas bolas de bilhar, em que o movimento da bola de bilhar A apesar de
anteceder o movimento da bola de bilhar B, não significa que seja a causa do movimento da bola de
bilhar B.
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10. Falácia de apelo à ignorância
Da mesma forma que recorremos à opinião da maioria porque, por exemplo, não
temos informação suficiente para formular uma opinião pessoal, também o fazemos
quando incorremos na falácia de apelo à ignorância, isto é, quando procuramos concluir
que algo é verdadeiro por não ter sido provado que era falso (e vice-versa) (Não se sabe
que P. Logo P é falso” ou “Não se sabe que P é falso. Logo, é verdadeiro que P), por
exemplo: “Como não se provou que há vida em Marte, então não há vida em Marte”.
Conclusão
Por fim, é necessário referir que as falácias não podem ser apenas consideradas
erros de argumentação voluntários, mas também são utilizadas em debates e discussões
com consciência dos intervenientes, porque estas, como afirma Douglas Walton
“representam métodos eficazes de ataque que podem ser usados com propósitos tanto
fraudulentos como legítimos”.
6
9
2. Quadro-síntese das falácias informais
7
0
Ficha nº 15
Tema: Livre-arbítrio
Incompatibilismo: Determinismo radical
7
1
2. Incompatibilismo
O incompatibilismo é a posição filosófica que afirma a incompatibilidade ou a
impossibilidade do livre-arbítrio e do determinismo coexistirem, assim sendo, as nossas
ações ou são livres (não têm causas externas) ou são determinadas (têm causas externas).
A premissa desta posição, Se todas as ações humanas são casualmente
determinadas, então nenhuma ação é livre, é partilhada pela tese do determinismo
radical, que afirma que nenhuma ação é livre, porque todas elas são determinadas por
causas externas, mas também é partilhada por outra posição radical, o libertismo, que
defende que há ações humanas que são absolutamente livres, porque são apenas
determinadas pela vontade do agente (autodeterminação).
7
2
vimos numa publicidade esse bolo, e isso criou em nós o desejo de querer comer, ou
talvez porque o bolo é aprazível ao nosso palato e, então, queremos comer. Contudo, em
nenhum momento nós pretendemos comer porque espontaneamente queremos comer, o
que refuta a ideia de que os nossos motivos surgem livremente em nós e corrobora a ideia
de que tudo aquilo que fazemos advém de uma causa que é independente da nossa
espontaneidade.
Por estas razões, o filósofo Paul Henri D’Holbach, Sistema de Liberdade do
Homem¸ afirma:
“A vida do ser humano é uma linha que a Natureza ordena que ele cumpra na
superfície da Terra, sem que seja alguma vez capaz de se desviar, nem que seja por um
instante. Nasceu sem o seu consentimento; o modo como se organiza é independente dele;
os seus hábitos dependem daqueles que o obrigaram a aceitá-los; é incessantemente
modificado por causas, visíveis ou invisíveis, que escapam ao seu controle, que regulam
necessariamente o seu modo de existência, que moldam o seu pensamento e determinam
a sua forma de agir. É bom ou mau, feliz ou miserável, sábio ou idiota, razoável ou
irracional, sem que a sua vontade importe para esses diferentes estados.”
Contudo, podemos apresentar alguns problemas ao determinismo radical:
1. Se tudo estivesse pré-determinado, se as nossas ações fossem determinadas
pelas circunstâncias e por causas que não controlamos, então a nossa existência perderia
sentido e não teríamos motivação para viver ou agir, tornando-nos simples marionetas de
um Deus omnipotente ou de um destino fatalista.
2. O facto de estarmos determinados também nos desresponsabiliza das nossas
próprias ações, no sentido em que qualquer ação errada que fizéssemos, poderíamos
sempre justificar que o nosso comportamento se justificou por algo exterior a nós que não
controlamos, e, assim, nunca assumiríamos as responsabilidades pelas nossas ações,
ilibando-nos de qualquer responsabilidade, o que tornaria a vida em sociedade impossível
de existir;
3. Cientificamente podemos demonstrar que o nosso comportamento implicará,
pelo menos, uma mínima liberdade. Por exemplo, partindo da teoria da evolução de
Charles Darwin, em que os organismos mais adaptados sobrevivem e deixam
descendência, seria contraditório ao processo evolutivo gastar tanta energia biológica a
educar os filhos para que eles aprendam a exercer o livre-arbítrio, assim como utilizamos
uma constante energia a tomar decisões, para que no fim, essa crença se revelasse falsa.
Acrescente-se, ainda, que a possibilidade de que cada pessoa possa tomar decisões
7
3
particulares, só seria possível se cada um tivesse a liberdade para o fazer, caso contrário,
todos agiríamos de igual maneira.
Exercícios
1. “Como estava com sede, fui ao Café comprar uma garrafa de água.”
Este evento é intencional? Responde, explicando as características necessárias
para que um acontecimento seja uma ação.
2. Distingue incompatibilismo de compatibilismo.
3. “A imagem mais forte para transmitir esta conceção de determinismo é ainda a que foi
formulada por Laplace: «se um observador ideal conhecesse as posições de todas as
partículas num dado instante e conhecesse todas as leis que governam os seus
movimentos, poderia predizer toda a história do Universo». As predições de um Laplace
perito em mecânica quântica contemporânea podem ser estáticas, mas apesar de tudo não
permitiriam espaço para a liberdade da vontade.»”
Mente, Cérebro e Ciência, John Searle
Aponta o argumento determinista, com base no texto.
4. “Quando alguém insistir em negar que nós, seres humanos, somos livres, aconselho-te
a aplicar a essa pessoa a prova do filósofo romano. Na Antiguidade, um filósofo romano
discutia com um amigo que negava a liberdade humana e afirmava que todos os homens
não têm outro remédio senão fazer o que fazem. O filósofo pegou na sua bengala e
começou a golpear o amigo com toda a força. "Para, chega, não me batas mais!", dizia o
outro. E o filósofo, sem parar de espancá-lo, continuou argumentando: "Tu não estás a
dizer que não sou livre e que não posso evitar fazer o que faço? Pois então não gastes a
saliva pedindo-me para parar: sou automático." Enquanto o amigo não reconheceu que o
filósofo podia livremente deixar de bater-lhe, o filósofo não suspendeu as bengaladas. A
prova é boa, mas só deves utilizá-la em caso extremo e sempre com amigos que não
pratiquem artes marciais...”
Ética para um jovem, Fernando Savater
4.1 Que crença teremos de abandonar se o determinismo radical for verdadeiro?
4.2 O determinismo radical implica a ausência de responsabilidade. Porquê?
7
4
Ficha nº 16
Tema: Livre-arbítrio
Incompatibilismo: Libertismo
Libertismo
O libertismo é a tese filosófica que afirma que existem ações que são
absolutamente livres, ou seja, que não são determinadas por causa anteriores e alheias ao
agente, apesar de considerar que também existem ações que são determinadas, isto é, que
nós não temos responsabilidade nem controlo por elas.
Contudo, para os libertistas, não é possível que numa mesma ação, se possa
assumir o livre-arbítrio e o determinismo, ou seja, uma ação ou é livre ou é determinada.
Os libertistas argumentam que o ser humano age livremente quando é capaz de se
autodeterminar, isto é, de decidir independentemente de quaisquer causas anteriores, ou
seja, se a única causa for a decisão do agente.
Esta autodeterminação ou causalidade do agente distingue-se da causalidade
mecânica comum, como a Física e a Biologia estudam, e este aspeto só se aplica ao ser
humano, porque desde o momento em que nasce, não está determinado a exercer certas
funções, como o caso das formigas ou das abelhas que geneticamente estão determinadas
a ser soldadas ou rainhas.
No nosso caso particular, como postula o filósofo Jean-Paul Sartre, o ser humano
não tem uma natureza própria, nada à nascença indica o que ele será na vida adulta ou o
que ele terá que ser. É neste sentido que o filósofo defende que, no caso humano, a
existência precede a essência, isto é, primeiro nós existimos no mundo e depois é que nos
definimos, que desenvolvemos a nossa personalidade, os nossos gostos, as nossas
vontades, motivações e os nossos objetivos.
Por esta razão, ao não estarmos pré-determinados pela nossa natureza, temos um
leque infindável de escolhas e possibilidades, que só nós, pela nossa autodeterminação, é
que podemos decidir.
Assim, afirma o filósofo (O Existencialismo é um Humanismo):
“O homem não é mais do que o que faz de si mesmo. (…) O homem é no início
um projeto que tem consciência de si mesmo. (…) Se a existência precede realmente a
essência, não é possível explicar as coisas tendo por referência uma natureza humana fixa
e dada. Por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade.”
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5
Outro argumento para além da inexistência de uma natureza humana que nos
determina, é o argumento das possibilidades alternativas da ação.
É verdade que quando somos forçados ou obrigados a agir de certa forma, não
poderemos dizer que agimos livremente, contudo, a maioria das nossas ações não implica
uma obrigatoriedade constante.
Desde o momento em que acordamos até que nos deitamos, fazemos múltiplas
escolhas sobre aquilo que vamos vestir, comer, estudar, falar, entre outros
comportamentos que compreendemos que não somos obrigados a fazer, visto que para
cada ação temos várias possibilidades de opção.
Estas situações compreendem-se melhor quando temos regras e normas que
devemos cumprir, mas que nem sempre as cumprimos, ou seja, apesar de nos apontarem
um só caminho, temos sempre o direito a tomar um rumo que é autodeterminado por nós
próprios, e as possíveis consequências serão assumidas por nós, sendo isto possível, ao
contrário do determinismo radical, porque ao agirmos, assumimos a responsabilidade pela
nossa ação.
Por fim, é esta ideia da responsabilização pelas nossas ações que resolve o
problema deixado pelo determinismo radical. Isto é, no caso do libertismo, não nos
podemos desculpabilizar ou ilibar das consequências das nossas ações livres, porque
somos nós os autores delas, e é por esta razão que, em sociedade, existem direitos e
deveres e um sistema penal que nos julga e condena se agirmos contra as leis da
sociedade.
Contudo, podemos apontar alguns problemas ao libertismo:
1. Os libertistas afirmam que há ações que não são determinadas por causas
anteriores, mas apenas pela nossa vontade. Contudo, a vontade do agente tem sempre
causas anteriores, por exemplo, quando desejamos algo, o nosso desejo não surgiu do
nada, e de acordo com a Psicologia os nossos desejos têm causas como os nossos genes,
as influências sociais, experiências pessoais, entre outros fatores. Ou seja, os libertistas
ao ignoraram que há fatores que influenciam a nossa vontade, está a ignorar dados
científicos já demonstrados;
2. Por fim, os libertistas afirmam que as nossas ações livres são livres porque não
somos constrangidos ou obrigados a exercê-las, contudo, o facto de não termos
consciência de constrangimentos ou de causas anteriores, não quer dizer que elas não
existam. Ou seja, os libertistas baseiam-se numa “sensação de liberdade” para afirmar
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que são livres, mas essa sensação não prova que a liberdade exista ou que não tenhamos
constrangimentos. Assim, como afirma o filósofo Howard Kahane, o “simples facto de
nos sentirmos livres não é razão suficiente para acreditarmos que somos realmente livres”.
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Ficha de Exercícios
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O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro
princípio do existencialismo.”
O Existencialismo é um Humanismo (pp. 3-4), Jean-Paul Sartre
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1.5 Apresenta uma objeção ao libertismo.
Apesar do libertismo afirmar que existem ações absolutamente livres, porque o
ser humano não nasce determinado, visto que a sua existência precede a sua
essência, esta afirmação ignora os dados científicos que, atualmente, nos indicam
que não nascemos completamente livres ou como tábuas rasas, mas com
determinações genéticas e biológicas e, ainda, com determinações relativas ao
nosso contexto social e cultural.
Por essa razão, estas determinações não nos permitem afirmar que somos, logo à
partida, livres.
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Ficha nº 17
Tema: Livre-arbítrio
Compatibilismo:
Determinismo Moderado.
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Neste sentido, para os compatibilistas, somos livres quando as nossas ações
seguem a nossa vontade, e não quando somos forçados a agir; e não somos livres quando
somos forçados a agir ou quando a nossa liberdade é restringida.
Desta forma, o argumento central da tese compatibilista do determinismo
moderado pode ser formulado da seguinte forma:
O livre-arbítrio e o determinismo são compatíveis, visto que as nossas ações são
livres, porque partem de um agente que age, sem coações, segundo a sua vontade, e,
simultaneamente, as nossas ações são determinadas, mas no sentido em que os fatores e
as circunstâncias (condicionantes) apenas limitam e condicionam a sua execução.
Contudo, podem ser apresentadas algumas críticas:
1. Os compatibilistas reconhecem que todas as nossas ações têm uma causa, como
as causas internas dos fatores psicológicos, o caso da influência do nosso inconsciente e
instintos no nosso comportamento. Mas, se assim é, isto é, se as nossas ações podem ser
influenciadas e limitadas por fatores que não controlamos, até que ponto podemos afirmar
que somos livres? Ou, por exemplo, se agimos em grande parte por desejos que não
controlamos nem criamos, então como podemos afirmar que somos livres, se apenas
estamos a cumprir motivações que nos são alheias?
2. Os compatibilistas também reconhecem o determinismo das causas externas,
como as leis da natureza que regulam todos os objetos, dos planetas aos átomos. Neste
sentido, até que ponto podemos admitir que somos o único ser com a exceção de não ser
inteiramente determinado por essas leis? A utilização da nossa razão, que é a justificação
para o nosso livre-arbítrio, não pode ser pré-determinada pelas próprias leis da natureza?
Mais: se assumirmos que agimos à parte de todos os objetos, temos de admitir que
estamos fora do alcance das leis natureza, o que se torna uma tese indefensável, visto que
teríamos de admitir uma certa categoria de divindade ao ser humano.
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Ficha de Exercícios
“Podemos resumir a ideia básica do Compatibilismo dizendo que «livre» não significa
«não causado» - significa antes algo como «isento de coerção». Assim, o facto de o nosso
comportamento ser ou não ser livre não depende se é ou não é causado; depende apenas
do modo como é causado. (…) se as ações de uma pessoa se desligassem subitamente da
rede de causas e efeitos, tornar-se-iam aleatórias, caóticas e imprevisíveis. Um homem
que estivesse num passeio poderia saltar para a estrada em vez de esperar pela luz verde.
Ou poderia tirar a roupa, atacar a pessoa mais próxima, salta repetidamente ou recitar a
Magna Carta. As coisas seriam assim se o comportamento fosse não causado; mas não é
isto que entendemos por «livre». Não pensamos que quem começasse a comportar-se
dessa forma teria adquirido subitamente livre-arbítrio – pensamos que teria enlouquecido.
As ações livres não são aleatórias e caóticas; são ordenadas e caóticas.”
Problemas da Filosofia (2017), James Rachels
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3. Com base no texto, para os deterministas moderados, de que depende uma
ação livre?
Uma ação livre, no caso do ser humano, não se resume à sua causa, porque todas
as ações e acontecimentos no mundo derivam sempre de uma causa. A questão
não é, por isso, a causalidade, mas o “modo como é causado”. Por exemplo,
quando sou obrigado fisicamente a fazer alguma coisa, como no caso de um roubo,
eu não estou a entregar o meu dinheiro livremente, mas estou a ser coagido a
entregá-lo. Neste sentido, como afirma o texto, ser livre “não significa «não
causado» - significa antes algo como «isento de coerção»”.
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Ficha nº 18
Tema: Ética
Juízos éticos e Posições
1. Juízos de valor
No tema anterior, discutimos a possibilidade do livre-arbítrio e as suas
implicações na responsabilidade das nossas ações, visto que quando agimos no mundo
somos responsáveis pelas nossas ações.
A questão que se coloca é: Como orientamos as nossas ações? Qual é a bússola
que utilizamos?
Para tomarmos decisões não é suficiente conhecermos ou descrevermos o que nos
rodeia (juízos de facto), saber distinguir uma lasanha de um arroz de pato não justifica a
minha escolha por uma lasanha, o que é necessário é avaliar objetos e situações segundo
certos valores (juízo de valor).
Isto é, um valor é uma qualidade ou característica que torna um objeto preferível
ou indesejável, permitindo ao indivíduo orientar a sua ação. Por exemplo, valores
estéticos: bonito/feio; valores religiosos: sagrado/profano; valores éticos: justo/injusto.
Estes são alguns dos valores que utilizamos para justificar as nossas escolhas e
opções, como “eu vou defender o meu amigo”, porque a lealdade e a amizade são
importantes para mim; ou “eu ouço esta música”, porque acho que é muito bonita.
Quando justificamos as nossas ações através de valores, estamos a emitir um juízo
de valor, isto é, um juízo (apreciação) que avalia ou atribui valor à realidade. Quando,
somente, descrevemos a realidade, emitimos um juízo de facto.
Estudaremos, em específico, os juízos de valor ético/moral, isto é, juízos que
avaliam moralmente situações e ações (avaliativos), exemplo: “matar animais é errado”,
e definem uma orientação sobre como é que as coisas deveriam ser (normativo), exemplo:
“não devemos matar animais”.
Como é, de imediato, possível notar, estes valores dependem das nossas opiniões,
ou seja, se acho que o aborto é imoral ou roubar é errado, isso são juízos subjetivos, que
derivam da avaliação particular de cada um.
Contudo, podemos constatar que muitos dos nossos valores derivam da nossa
cultura e da sociedade em que nos encontramos, o que significa que os nossos valores não
são necessariamente independentes e inteiramente nossos. É por esta razão que julgamos
outras sociedades por não serem tão livres como a nossa ou a forma como tratam os
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direitos humanos, ou mesmo, quando julgamos sociedades de outros séculos,
promovendo a ideia de que os valores da nossa sociedade prevalecem perante os outros.
Por outro lado, este relativismo de valores pode ser contrariado com uma visão
objetivista dos valores, isto é, talvez existam valores que são necessariamente corretos,
independentemente do sujeito ou da sociedade, que são universais e transversais, por
exemplo, que a Mona Lisa é uma obra-prima ou que é errado matar ou torturar pessoas.
Como é possível compreender, estas três posições (subjetivismo, relativismo
cultural e objetivismo) são possíveis respostas ao problema filosófico e ético-político dos
juízos morais: qual é a natureza dos juízos morais? O valor de verdade dos juízos morais
é subjetivo, relativo ou objetivo?
Definição Avalia situações e objetos de Avalia situações ou objetos de Avalia e prescreve situações ou ações
âmbito religioso. âmbito estético. morais ou imorais.
Exemplo A Bíblia é um livro sagrado. Os quadros de Picasso são belos. O aborto é imoral, porque é uma vida
humana.
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2. Posições sobre os juízos éticos
2.1 Subjetivismo
Cada um faz o que quer com a sua vida, se achas que deves estudar, estuda; se
achas que é importante tratares bem o outro, trata, senão não tratas. Cada um tem a sua
verdade, e como nós somos os únicos responsáveis pela nossa vida, aquilo que
consideremos certo ou errado depende unicamente da nossa visão.
Depois da Morte de Deus, depois do fim das Verdades absolutas, depois da
diversidade e multiculturalismo das sociedades atuais, não é possível afirmar que existe
uma única forma válida de agir ou que uma ação é mais correta que outra, pelo menos é
esta tese que advogam os apoiantes do subjetivismo, isto é, a posição que afirma que a
verdade ou falsidade dos juízos morais depende do raciocínio, emoções e valores de cada
um.
Protágoras (490 a.C – 415 a.C) foi um dos primeiros filósofos a defender esta
posição, negando a existência de um critério absoluto que discrimine o verdadeiro e falso,
o certo e o errado, afirmando: “Tal como cada coisa aparece para mim, tal ela é para mim;
tal como para aparece para ti, tal é para ti”. Por exemplo, se está frio ou quente depende
da perceção de cada um, se devo dar esmola a um sem abrigo depende dos valores de
cada um. É neste sentido que o filósofo afirmou o conhecido aforismo: O Homem é a
medida de todas as coisas.
Assim, se é o sujeito a conferir valor moral à ação, então nenhum juízo moral é
objetivamente verdadeiro ou falso (não há um critério universal), é somente subjetivo.
Contudo, se não há critérios universais, então qualquer juízo moral pode ser
verdadeiro e falso, o que leva a contradições. E se depende de cada um, então não é
possível discutir nem ter nenhuma conclusão em relação aos juízos morais.
Ou seja, o subjetivismo, a ser verdade, impossibilita a vida em sociedade ou o seu
progresso, se cada um tem a sua opinião, é impossível chegar a um consenso. Se cada um
tem a sua verdade, então de nada serve ouvir a opinião dos outros ou conhecer outras
“verdades”.
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2.2 Relativismo cultural
Em alternativa ao subjetivismo, desenvolveu-se o relativismo cultural, isto é, a
verdade ou falsidade dos juízos morais depende da sociedade e da sua cultura.
Como as nossas ações implicam o outro, então devemos partilhar os mesmos
valores para que a nossa coexistência em sociedade seja possível, por isso, aquilo que
consideramos certo ou errado, ou justo e injusto, fundamenta-se na educação da nossa
família, na nossa cultura e nas leis da nossa sociedade, que são referências sólida para
orientar a nossa ação.
A tourada é moralmente correta, porque faz parte da nossa tradição. É legítimo
comer carne, porque faz parte da nossa cultura. Devemos ir à escola, porque a sociedade
assim o dita. A pena de morte é errada, porque a nossa Constituição o proíbe.
Deste modo, os nossos valores justificam-se pela cultura e leis da nossa sociedade
e, como tal, se cada sociedade tem os seus valores, então cada uma está certa à sua
maneira.
O problema é que se cada sociedade tem os seus valores, então não podemos
discutir e concluir que ações são corretas, por exemplo, em alguns países as mulheres não
têm direito à educação, mas se é a cultura deles, que direito temos nós de afirmar que
estão errados?
Outro problema é que quando dizemos “valores da sociedade” ou “a nossa
cultura” isto não corresponde a todos aquele que fazem parte da sociedade, porque a
diversidade de culturas e de opiniões não permite afirmar que existam efetivamente
valores desta ou daquela sociedade. Por exemplo, as mulheres dessas sociedades têm que
aceitar a discriminação só porque é tradicional ou cultural na sua sociedade?
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2.3 Objetivismo
Por fim, podemos adotar uma posição objetiva acerca dos valores éticos, isto é, a
sua verdade ou falsidade é universal e transversal, não depende do sujeito, das suas
emoções ou opiniões, nem da sociedade, da sua cultura ou das suas leis.
Os objetivistas defendem que a moralidade das situações é intrínseca a elas, isto
é, há situações que são, devido às suas características, necessariamente morais ou imorais.
Por exemplo, matar ou torturar alguém, independentemente da causa, é sempre imoral,
assim como é sempre imoral discriminar pessoas com base na sua etnia ou género, visto
que estamos a atentar à dignidade humana, que é um valor intrínseco a todas as pessoas.
Contudo, coloca-se um problema: se anularmos o contexto dos juízos morais,
dificilmente poderemos aplicá-los aos indivíduos e às sociedades (visto tornarem-se
demasiado abstratos e irrealistas). Por exemplo: mentir é sempre errado?
Por outro lado, o objetivismo anula a diversidade cultural e individual, exigindo
uma só lei moral aplicada a todos.
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Ficha nº 19
Tema: Ética
Ética kantiana
1. Introdução
Agi corretamente? Aquilo que fiz foi uma boa ação? Fui imoral? O que devo
fazer? Estas perguntas são exemplos do que, por vezes, questionamos quando agimos, já
todos questionamos o que deveríamos ter feito, se aquilo que fizemos foi uma boa ação,
mas também já nos arrependemos de ações passadas, porque consideramos que erramos.
Estas questões são investigadas na Filosofia Moral ou Ética, e têm que ver com a
moralidade das nossas ações.
Em Ética temos duas principais linhas de pensamento que nos permitem
compreender o que devemos fazer ou o que é uma ação moralmente correta e
incorreta, são elas as éticas deontológicas e as éticas consequencialistas/utilitaristas.
As primeiras defendem que a moralidade das nossas ações depende do dever e da sua
universalidade, enquanto que as segundas afirmam que a moralidade da nossa ação
depende das circunstâncias e consequências.
As éticas deontológicas, como o caso da ética de Immanuel Kant (1724-1804),
defendem que a moralidade das nossas ações depende de um dever universal (exemplo:
todos devemos dizer a verdade, porque o nosso dever é dizer a verdade,
independentemente das consequências), ou seja, só se a nossa intenção for cumprir o
dever moral é que é moralmente correta.
Assim, a moralidade de uma ação apenas se encontra na intenção do agente que
pratica a ação, porque só a intenção indica que o agente quis agir bem ou mal, visto que,
se as consequências de uma ação não dependem unicamente da pessoa que a pratica, então
não pode responsabilizar-se completamente pelas consequências das suas ações. Isto é,
há situações em que intencionamos ajudar alguém, mas se a consequência da nossa ação
não for positiva, não significa que não tínhamos praticado uma boa ação.
Estudaremos, em específico, a ética deontológica de Immanuel Kant desenvolvida
na Crítica da Razão Prática e na Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
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2. Ética kantiana
Desde logo, Kant argumenta que só é possível agir moralmente se o agente, isto
é, aquele que pratica a ação, é capaz de agir, é racional e livre para agir. Isto significa agir
com autonomia, o que por estas condições só se aplica ao ser humano, visto que só ele é
racional e livre (autonomia – agente autónomo).
Pelo contrário, um agente que apenas age por necessidade, por imposição ou
inconscientemente, e que, por isso, não pode ser responsável pela sua ação, age de forma
heterónoma, logo a sua ação não tem valor moral, porque não lhe pode ser imputada
responsabilidade (heteronomia – agente heterónomo).
Mas Kant acrescenta mais uma situação em que as nossas ações não são livres e,
por isso, não têm valor moral, é a situação em que agimos movidos pelas nossas emoções
ou sentimentos. Isto é, se agirmos pela emoção da raiva ou pelo sentimento de pena, não
estamos em total controlo das nossas ações, estamos apenas a seguir as nossas
inclinações, em vez de agirmos racionalmente.
É importante referir a importância da racionalidade nas ações morais, porque
vejamos, o que nos distingue dos outros animais é a nossa racionalidade, o que permite
dizer que somos livres e que os outros animais irracionais não o são, porque agem apenas
segundo os instintos ou emoções.
Se somos livres porque somos racionais, então só é possível agir livremente
quando a nossa ação é puramente racional, isto é, que não é movida pelas nossas
inclinações (instintos, emoções e sentimentos). Neste sentido, só uma ação que toma um
princípio racional é que pode ter valor moral.
Quando Kant fala em princípio racional está-se a referir ao dever, isto é, quando
agimos segundo uma lei moral - e, por isso, racional - que orienta a nossa ação, e não por
uma inclinação ou pelas consequências da nossa ação.
Este conceito de dever em Kant permite distinguir três tipos de ação:
1) ações contrárias ao dever, por exemplo quando fazemos mal a alguém
movidos pela vingança;
2) ações conforme o dever, por exemplo quando ajudamos alguém só porque
sentimos pena dessa pessoa;
3) ações por dever, por exemplo quando ajudamos alguém porque consideramos
que é o nosso e o dever de todos se ajudarem mutuamente.
A ação contrária ao dever é uma ação imoral, visto que não é uma ação que não
se segue de um princípio racional e tem a intenção de provocar o mal no outro;
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A ação conforme o dever é uma ação amoral, ou seja, não tem conteúdo moral,
porque apesar de ser uma ação movida por “boas intenções”, é orientada pelas inclinações
e não por uma intenção desinteressada, isto é, uma intenção que não tenha outros
interesses do que simplesmente agir de forma correta;
A ação por dever é a única ação moral e racional, visto que não depende das
inclinações e age segundo um princípio moral e racional que não depende das
consequências da ação.
Como, então, identificamos que agimos moralmente, isto é, que agimos por dever?
Kant dirá que depende exclusivamente da nossa intenção em cumprir a lei moral,
isto é, quando agimos exclusivamente por dever, respeitando a lei moral sem tomar em
consideração as consequências da ação ou das inclinações de quem age.
Esta intenção ética ou este querer sem outra intenção que não cumprir a lei moral,
é o que Kant denomina de vontade boa, isto é, quando a nossa vontade para agir é apenas
e só cumprir a lei moral. Ou seja, quando a nossa vontade na ação moral é determinada
pela nossa razão (autónoma) e não por princípios externos, como as inclinações.
A questão que agora se levanta é o que Kant considera ser a lei moral. O que é
então a lei moral? Uma lei, por definição, é uma regra que se aplica a todos
independentemente das circunstâncias. Uma lei moral será, pois, uma regra que consiste
em orientar as nossas ações com um fim ético e universal ao mesmo tempo que nos
permite distinguir uma ação moralmente correta de uma ação moralmente errada.
A lei moral, sendo racional e universal, serve como único princípio à nossa
vontade e expressa-se através de uma fórmula denominada imperativo categórico em
oposição ao imperativo hipotético.
O imperativo hipotético formula uma regra que deve ser comprida para atingir um
certo fim ou produzir uma certa consequência, por exemplo, devo dizer a verdade se quero
ser socialmente aceite ou devo cumprir uma promessa para não ser recriminado.
Enquanto que o imperativo categórico representa uma máxima que é válida para
todas as situações independentemente das consequências que a ação possa produzir, por
exemplo deve-se dizer a verdade ou cumprir uma promessa, não por causa das
consequências, mas porque são ações que em si estão corretas.
Por essa razão, será o imperativo categórico a representar a lei moral, como
sendo o princípio ou máxima que devemos cumprir para que as nossas ações sejam
consideradas moralmente corretas.
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Se, como já dissemos, o imperativo categórico é universal, não depende das
inclinações e é aplicável a todos os seres racionais como princípio das suas ações, então
podemos defini-lo como o imperativo que afirma: age apenas segundo uma máxima tal
que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.
Nesta primeira formulação do imperativo categórico é afirmado que a nossa ação
só é boa se a máxima dessa ação for universalizável. Isto é, o princípio que orienta a nossa
ação deve ser aplicável a todos os seres racionais como uma lei universal. Significa isto
que se eu ajudar uma pessoa porque considero que todos devem ajudar aqueles que mais
precisam e, por isso, quereria que todos agissem cumprindo a máxima “deves ajudar todos
aqueles que precisam de ajuda”, então a minha ação pode ser considera boa devido ao
cumprimento da lei moral, ou seja, da minha vontade boa.
Mas imaginemos outra situação: o vosso colega não teve tempo para estudar para
o teste e vocês, porque são amigos dele, permitem que ele copie por vocês. Acham que
esta seria uma boa ação? É certo que o estão a ajudar, mas a máxima da vossa ação aqui
seria “devo ajudar a copiar sempre que uma pessoa não tenha estudado”. Acham que
poderiam tornar esta máxima numa lei universal? Concordariam que todos deveriam
poder copiar quando não estudaram? A resposta parece ser negativa, e como o imperativo
categórico não admite exceções, porque é universal, então não podemos considerar que a
máxima que corresponde ao ato de copiar um teste, que seria o mesmo que mentir ou
falsear, não pode ser considera uma boa ação, mesmo que tenha tido a finalidade de ajudar
o outro.
Assim, para facilmente identificarmos uma boa ação, ou seja, ações por dever,
devemos sempre perguntar: Quero que a máxima da minha ação se torne uma lei
universal? Se a resposta for negativa, então é porque a nossa ação será imoral, se a
resposta for positiva então é porque a nossa ação é boa, independentemente das
consequências.
É a partir desta ideia de querer que a máxima da nossa ação se torne numa lei
universal, que Kant apresenta a segunda formulação ou variável do imperativo categórico
como sendo age de tal forma que a tua vontade se possa encarar a si mesma, em
simultâneo, como um legislador universal através de suas máximas.
Assim, a lei moral deve ser interpretada como se tu quisesses (vontade) que a tua
lei moral fosse uma Lei Universal, ou seja, devemos sempre considerar que as máximas
das nossas ações possam ser legisladoras universais, como se em cada ação carregássemos
o peso da humanidade aos ombros ou como se a cada ação que fizéssemos, devêssemos
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sempre pensar se gostaríamos que a máxima pela qual agimos deveria ser uma lei para
toda a humanidade.
Por fim, devemos compreender que o conceito de humanidade é de extrema
importância, visto que só o ser humano, porque racional, é que pode formular leis morais
e cumpri-las, sendo assim, o filósofo apresenta uma terceira formulação sobre a dignidade
da pessoa humana, formulando-a deste modo: age de tal maneira que uses a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.
Quer isto dizer que não podemos usar as pessoas como um meio para atingir os
nossos fins, porque isto seria tratar os outros como coisas e destituí-las da sua dignidade,
ou seja, considerar que as pessoas são comercializáveis ou negociáveis.
É, pois, a dignidade que se associa à liberdade e racionalidade do ser humano,
como a qualidade que impede que qualquer pessoa seja tratada como um objeto porque,
como afirma, Kant, a pessoa humana tem dignidade porque “está acima de qualquer
preço”.
Contudo, podem ser apresentadas algumas críticas à ética deontológica de Kant,
tais como:
1. Uma moral fundamentada somente no sentimento de dever contraria a própria
ocorrência de como o agente se comporta, porque maioritariamente este age por motivos
emocionais ou pelos desejos, e não é por esta razão que poderemos considerar que a sua
ação é imoral;
2. Apesar do motivo e a intenção ser parte integrante e importante no valor do
agente, não é suficiente para avaliar moralmente a ação, porque, por exemplo, o ato de
salvar uma pessoa não deixaria de ter valor moral se executado por um sentimento de
oportunismo;
3. A elaboração de uma fundamentação sem equacionar o indivíduo concreto
contraria a finalidade da moral, que consiste na reflexão sobre o comportamento moral
do ser humano concreto, e não da sua projeção abstrata ou universal. Ou seja, se não
compreendermos, primeiro, como age naturalmente o ser humano, que Kant ignora,
nunca conseguiremos desenvolver um código moral ou fundamentar uma moral
direcionada para o ser humano, mas somente uma moral para deuses e santos. É por esta
razão que se diz que Kant tem as mãos limpas (uma ética perfeitamente racional), porque
não tem mãos (mas impossível de se aplicar ao ser humano).
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Ficha nº 20
Tema: Ética
Ética utilitarista (Stuart Mill)
1. Introdução
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2. Ética consequencialista/utilitarista (John Stuart Mill)
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Mill afirmará que “Vale mais ser um homem insatisfeito do que um porco satisfeito; vale mais ser Sócrates
insatisfeito do que um imbecil satisfeito.”.
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humanos, que nos possibilitam uma existência mais digna do que a existência só pela
sobrevivência, como a nossa dedicação ao conhecimento, ao sentimento, à imaginação,
ao amor, à liberdade, à solidariedade, entre outros.
Importa salientar que a única prova que Mill apresenta para defender esta
distinção entre prazeres inferiores e superiores, é a menção aos juízes competentes
(como Sócrates e Jesus), os quais correspondem aos indivíduos que já
experienciaram os dois tipos de prazeres e sabem distinguir entre aqueles que nos
enriquecem espiritualmente e aqueles que apenas satisfazem as nossas
necessidades mais básicas, sendo que as suas palavras neste assunto servem como
argumento de autoridade na distinção dos prazeres.
Contudo, não nos enganemos, o utilitarismo não é uma ética hedonista com
perfil individualista ou egoísta9, isto é, a promoção da felicidade não é a do indivíduo
em si, mas do maior número de pessoas, isto é, a felicidade geral.
Como o critério para a moralidade é a aferição das consequências, então estas só
podem estar relacionadas com outros sujeitos concretos. Isto é, se eu disser “Vou ajudar
a humanidade” ou “A minha ação é motivada por um sentimento universal e
humanitário”, o que estou realmente a dizer? É possível ajudar a humanidade, sendo a
humanidade um conceito abstrato? E se o tornarmos concreto, ou seja, considerar que a
humanidade corresponde a todas as pessoas, é possível ajudar ou contribuir para a
felicidade de todas as pessoas? Por experiência e também por condições físicas
percebemos que é impossível.
Então a questão que se deve fazer é: “Quem podemos ajudar? A quem podemos
agir moralmente? Quem podemos alcançar com a nossa ação?”; o que Mill defenderá é
que se não podemos ajudar todas as pessoas, então a regra que devemos tomar na nossa
ação e equacionar na previsão que fazemos do alcance das nossas consequências, é que
as consequências da nossa ação sejam para o maior número de pessoas possíveis, e não
para todas as pessoas (que seria impossível).
Por maior número de pessoas possível Mill quer dizer a nossa sociedade, ou
seja, o maior número de pessoas que se inscreve na nossa circunstância, que está ao
nosso alcance, isto é, a sociedade ou o coletivo em que estamos inseridos.
Por esta razão, a ética utilitarista tem por fim promover a felicidade das
pessoas na sociedade a que pertencemos (princípio da utilidade ou da maior
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Hedonismo é a perspetiva de que devemos viver a nossa vida unicamente para nos satisfazeremos através
do prazer. Um hedonista é alguém que vive apenas para se satisfazer.
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felicidade), ou seja, aquelas que estão ao alcance das consequências da nossa ação, e
não a humanidade inteira que, para além de ser um conceito abstrato é também uma
impossibilidade física.
Assim, a perspetiva ética de Mill, ao contrário do imperativo categórico de Kant,
é fundamentada pelo critério moral do princípio da maior felicidade, que afirma que
as nossas ações são boas se promoverem a felicidade do maior número de pessoas,
sendo que as más ações despromovem essa mesma.
Significa então que a sociedade, como o conjunto de indivíduos concretos e
passíveis de serem influenciados pela nossa ação, é que se constitui como o objeto
último da promoção da felicidade geral, o que o levará, mais tarde, a desenvolver a sua
perspetiva política em Sobre a Liberdade, defendendo que a sociedade deve
proporcionar que todos os indivíduos possam procurar, por si, a felicidade ao mesmo
tempo que a possam promover para um bem geral, ou seja, que cada indivíduo possa
agir de acordo com o princípio da utilidade ou da máxima felicidade.
Por causa deste compromisso com a felicidade dos outros, Mill advogará que
perante o sofrimento humano generalizado, e que pode ser derrotada por “obra do
cuidado e do esforço humanos”, deve ser empreendido na sociedade um combate no
qual resulte uma “nobre fruição”, não caindo nem cedendo a uma tentação “meramente
egoísta”.
3. Críticas
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Ficha nº 21
Tema: Justiça como equidade (John Rawls)
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justiça como equidade, ou seja, uma conceção de justiça que é acordada por todos em
situação igual e aplicada, também de forma igual, a todos os cidadãos.
A base desta conceção é, pois, um acordo sobre os princípios que as partes
(cidadãos) celebram com o objetivo de orientar as ações das instituições e dos cidadãos
numa sociedade de cooperação.
Este acordo é necessário por duas razões:
1) numa sociedade livre, os cidadãos têm o direito a escolher os princípios pelos
quais essa mesma se deve regular, e não que haja uma imposição de um, alguns ou uma
maioria que imponha uma conceção específica de justiça que seja prejudicial à liberdade
ou à igualdade de direitos;
2) o acordo é, também, necessário, porque cada indivíduo é um ser particular com
valores, caráter e ideias próprias, ou seja, aquilo que Rawls designa como pluralismo
razoável10, e nesse sentido não pode existir uma conceção de justiça sem que essa tenha
sido acordada em condições justas por todos os cidadãos.
Para chegar a este hipotético acordo ou contrato que nos revela os princípios de
justiça, Rawls desenvolve uma experiência mental em que os cidadãos se encontram em
condições equitativas e elaboram um acordo mútuo para a elaboração desses princípios
de justiça.
Rawls propõe que imaginemos uma assembleia de cidadãos que se reúne para
selecionar, a partir de uma lista ordenada de princípios políticos conhecidos, os princípios
de justiça básicos que uma sociedade justa deveria ter. Esta situação hipotética, designada
posição original, é composta de indivíduos livres e iguais, isto é, que se encontram nas
mesmas condições.
Contudo, se elaborássemos um contrato conhecendo a nossa posição social ou os
nossos talentos, procuraríamos celebrar um acordo que fosse favorável à nossa situação
ou àqueles que representamos, ou seja, não seria uma decisão imparcial e neutra e, por
isso, dificilmente chegaríamos a um acordo que fosse aceitável para todos, por exemplo,
um indivíduo rico poderia defender que uma sociedade deveria ter uma mínima tributação
para que os seus rendimentos não fossem afetados, enquanto que um indivíduo pobre
defenderia uma maior tributação para os ricos e que essa parte do seu rendimento fosse
redistribuído para aqueles mais desfavorecidos.
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O pluralismo razoável é um facto das sociedades democráticas pela evidência da diversidade de
doutrinas.
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Assim, com o objetivo de elaborarmos um acordo sobre os princípios de justiça,
Rawls propõe que nesta posição original, os indivíduos estivessem sob o designado véu
de ignorância, isto é, no momento da discussão e deliberação (hipotética) do contrato,
nenhum dos indivíduos conheceria a sua posição social atual ou futura, os seus talentos
naturais ou artificiais, as suas expectativas, a sua raça ou etnia, o género, a inteligência
ou a força; deste modo, sob um véu de ignorância, a posição original ao abstrair as
contingências, elimina posições vantajosas de negociação e permite que o acordo seja
equitativo e celebrado entre pessoas livres e iguais.
Considerando esta situação equitativa entre partes livres e iguais, é necessário
compreender como podem estas decidir os princípios de justiça que devem regular uma
sociedade justa, ou seja, como poderão esses agentes escolher uma conceção de justiça?
Que raciocínio devem aplicar nessa seleção?
Segundo John Rawls, os agentes deverão adotar uma regra que lhes indique qual
a conceção de justiça que proporcionará uma sociedade mais justa e mais equitativa, isto
é, uma sociedade que não permita um enorme desfasamento entre os mais favorecidos e
os menos favorecidos, visto que se não sabemos o que poderemos vir a ser nessa
sociedade futura, podemos calhar no grupo dos mais desfavorecidos, deveremos, então,
ser precavidos e cautelosos; ao mesmo tempo que essa sociedade não deverá pôr em causa
a liberdade individual de cada um em detrimento de uma igualdade social e económica
entre todos – como mais à frente será esclarecido na apresentação dos princípios da justiça
equitativa.
Deste modo, o que Rawls defende é que devemos aplicar a regra maximin, ou
seja, devemos “identificar o pior resultado de cada alternativa disponível e então adotar a
alternativa cujo pior resultado é melhor do que os piores resultados de todas as outras
alternativas”.
É, pois, uma regra que procura minimizar as possíveis perdas ao selecionar o
melhor do pior das alternativas possíveis ou, noutro, sentido, a maximizar os nossos
interesses, ao forçarmo-nos a escolher aqueles que são, de facto, os nossos interesses
fundamentais quando se trata de configurar a estrutura básica.
Assim, ignorando as probabilidades do que nos poderá acontecer nessa sociedade
e tendo um certo receio ou aversão aos possíveis resultados negativos, o agente deve
escolher uma sociedade em que os mais desfavorecidos estão em melhores condições que
os mais desfavorecidos de outra sociedade, apesar desta apresentar melhores condições
para aqueles que são mais favorecidos.
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Por exemplo, imaginemos que nos são apresentadas três sociedades (S1, S2 e S3)
com três pessoas (P1, P2 e P3), e que a distribuição de bens sociais (riqueza) é feita do
seguinte modo:
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O primeiro princípio será o da igual liberdade que afirma que “cada pessoa tem o
direito irrevogável a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que
seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos”.
Isto é, o princípio que seria primeiramente formulado seria o de assegurar ou
garantir a todos os cidadãos de igual forma as liberdades básicas, como a liberdade de
pensamento e consciência, as liberdades políticas (direito de voto e de participação
política), a liberdade de associação, os direitos e liberdades assentes na integridade (física
e psicológica) da pessoa, os direitos e liberdades associados ao estado de direito, como o
direito à propriedade privada.
O segundo princípio, igualdade equitativa de oportunidades, é deduzido da
conceção de sociedade como sistema de cooperação entre cidadãos e da interpretação de
que a desigualdade económica e social dos cidadãos pode ser um impedimento a que aos
mais desfavorecidos não tenham acesso (prático e concreto) às liberdades básicas
formuladas no primeiro princípio.
Sobre estas duas razões, podemos argumentar que se a sociedade é um sistema de
cooperação, e não um conjunto de pessoas que perseguem os seus interesses pessoais sem
consideração com os interesses dos outros, então será aceitável (moral e politicamente)
que a orientação política de uma sociedade seja a de promover, o quanto possível, os
interesses de todos, principalmente os bens primários essenciais11.
A questão torna-se mais clara pela segunda razão, ou seja, quando a desigualdade
social não advém do mérito pessoal do indivíduo, mas quando é proporcionada pelo
contexto socioeconómico ou pelas características desses mesmo que não são da sua
responsabilidade ou mérito.
Quer isto dizer que quando nascemos, nascemos em determinadas condições, boas
ou más, que não são da nossa responsabilidade e, logo à partida, prejudicam ou
beneficiam o nosso sucesso pessoal sem que tenhamos tido qualquer participação
voluntária neste sentido.
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Os bens primários essenciais são as condições sociais necessárias para que os cidadãos se consigam
desenvolver de forma adequada e possam exercer as suas faculdades morais, isto é, bens que os cidadãos
necessitam como pessoas livres e iguais numa vida plena, como os direitos e liberdades básicas, as
liberdades de movimento e de livre escolha, os poderes e prerrogativas de cargos e posições sociais, a
renda e riqueza, perspetivadas como necessárias para atingir objetivos pessoais, e as bases sociais de
autorrespeito.
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A esta aleatoriedade de condições e características, Rawls designa de lotaria
natural e, por não ter uma justificação moralmente válida, deve então ser objetivo de uma
sociedade diminuir estas desigualdades de forma a que todos possam ter as mesmas
oportunidades na persecução dos seus interesses pessoais.
Deste modo, o princípio de igualdade equitativa de oportunidades afirma que as
desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas segundo duas condições:
1) “devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições
de igualdade equitativa de oportunidades” e
2) “têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade
(princípio de diferença)”.
A primeira condição exige que todos deverão ter acesso aos cargos públicos e
posições sociais, isto é, que não haja uma discriminação de acesso que tenha por base a
pessoa em si, e, ainda, que todos deverão ter uma chance ou oportunidade equitativa de
acesso a esses cargos, por exemplo, aqueles que têm o mesmo nível de talento e a mesma
disposição para o usar, deverão ter as mesmas perspetivas de sucesso, independentemente
da sua classe social.
A segunda condição correspondente à justiça redistributiva, denominada princípio
de diferença, exige que a desigualdade, ao existir, deve beneficiar ao máximo os
membros menos favorecidos, de modo a criar condições para que tenham as mesmas
oportunidades de sucesso e não fiquem determinados pelas suas características
particulares ou pelas condições sociais e económicas em que nasceram (lotaria natural)
e pelas quais não têm nenhuma responsabilidade, ou seja, se o indivíduo não é responsável
pelas suas condições iniciais, então não deve ser afetado arbitrariamente por algo que não
é da sua responsabilidade.
Deste modo, por exemplo, o Estado deverá assegurar que o Ensino seja acessível
a todos, de modo a promover a mobilidade social e a minimizar os efeitos da lotaria
natural.
Estes dois princípios, acima mencionados, vinculam-se ao debate da tradição
política sobre a relação e, possível conciliação, entre liberdade e igualdade, em que a
primazia do primeiro sobre o segundo fundamenta as posições liberais e libertárias (como
é o caso de Rawls e Nozick, respetivamente), e quando se atribui maior importância e
prioridade da igualdade em detrimento da liberdade, encontramos a conceção igualitarista
de, por exemplo, Karl Marx.
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Neste sentido, Rawls, posicionando-se no liberalismo social, advoga o primado da
liberdade sobre a igualdade, ou na sua terminologia, a prioridade do primeiro princípio
sobre o segundo, visto que a garantia das liberdades individuais seriam a primeira das
exigências num hipotético contrato social, visto que os cidadãos se encontram em
sociedade primeiro como indivíduos e, depois, como coletivo. Assim, por exemplo,
segundo este primado, não podem ser negadas a certos grupos as liberdades políticas pela
justificação de que estas poderiam obstaculizar o crescimento económico da sociedade.
Em resumo, Rawls a partir da experiência mental da posição original e do véu da
ignorância, em que imagina pessoas em igual condição a elaborarem um contrato sobre
os princípios políticos que deverão orientar a estrutura básica de uma sociedade justa,
deduz dois princípios: o princípio da igual liberdade, que afirma que todos deverão ter
os mesmos direitos e deveres, e o princípio equitativo de oportunidades, que afirma que
todos deverão ter as mesmas oportunidades de acesso a cargos públicos e que a
desigualdade económica, ao existir, deverá beneficiar os mais desfavorecidos, ou seja, a
redistribuição de riqueza deverá beneficiar os mais prejudicados na lotaria natural
(princípio da diferença).
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Ficha nº 22
Tema: Críticas
Justiça como equidade (John Rawls)
1. Críticas gerais
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2. Críticas de Robert Nozick
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assegurar a existência daqueles que não trabalham. Não só os primeiros estão a ser
punidos por trabalharem, como estão a ser instrumentalizados, ou seja, usados pelo
Estado para fins que lhes são alheios, o que viola, novamente, a liberdade individual
(mesmo que o objetivo seja nobre e solidário, continua a violar o primeiro princípio).
Apresentadas estas duas críticas, Nozick apresenta uma alternativa à teoria de
justiça de Rawls, considerando que, se os impostos são injustos e que a redistribuição de
riqueza não deve punir os que trabalham nem beneficiar aqueles que não trabalham, então
a sociedade deverá ter um Estado que tenha apenas as mínimas competências (Estado
mínimo) para garantir a segurança da sociedade e os impostos, se existirem, deverão
apenas ser cobrados para financiar essa segurança e não para serem redistribuídos pelos
mais desfavorecidos, não violando, deste modo, os direitos individuais.
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3. Críticas de Michael Sandel
No caso de Sandel, o filósofo não discorda dos dois princípios de Rawls e considera-
os fundamentais para uma sociedade justa, contudo, considera que o procedimento
utilizado por Rawls (experiência mental da posição original e do véu de ignorância e a
regra maximin) não nos permite justificar os princípios de uma sociedade justa.
Primeiro, Sandel considera que nós somos seres profundamente comunitários, isto é,
a nossa identidade, valores, aspirações, entre outras características que nos formam como
pessoas, estão enraizadas na sociedade em que vivemos, nos grupos que frequentemos,
na família que temos, por isso, abstrairmo-nos de todas essas características que nos
fazem humanos impossibilita que cheguemos a um consenso quanto a uma sociedade
justa, como defendeu Rawls na sua experiência mental.
Assim, a forma como devemos chegar a esses princípios só pode ser no diálogo e na
deliberação conjunta com as outras pessoas da nossa sociedade e nunca a partir de uma
reflexão solitária e abstrata ou mesmo nunca a partir de um cálculo matemático, como é
o caso da regra maximin.
Deste modo, o filósofo defende que só através deste diálogo com pessoas reais é
possível chegar a certos consensos fundamentais de uma sociedade justa, tais como:
1. Como somos seres comunitários e sociais, e não isolados do resto do mundo,
desejamos que a nossa sociedade garanta o mínimo de qualidade de vida de todos, nesse
sentido, o filósofo advoga o dever de solidariedade, ou seja, devemos ser solidários e
altruístas em relação aos outros membros da nossa sociedade, tendo como objetivo apoiar
aqueles que são mais desfavorecidos;
2. Por fim, a redistribuição de riqueza para os mais desfavorecidos e a cobrança mais
alta para os mais ricos, que é o segundo princípio de Rawls, não deve ser justificada pela
regra maximin, mas por uma orientação comunitária, isto é, se queremos uma sociedade
justa - e isto significa aumentar o sentido de pertença à nossa comunidade e diminuir a
segregação entre grupos e classes sociais - então o dinheiro dos impostos deverá ser
dirigido para investir em infraestruturas públicas, como as escolas, hospitais, meios de
transporte, entre outras fundamentais para uma sociedade menos desigual e com
igualdade de oportunidades.
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