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Currículos Diferenciados Das Escolas Indígenas, Quilombolas e Caiçaras

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CURRÍCULOS DIFERENCIADOS

DAS ESCOLAS INDÍGENAS,


QUILOMBOLAS E CAIÇARAS:
POLÍTICA
E METODOLOGIA
CURRÍCULOS DIFERENCIADOS
DAS ESCOLAS INDÍGENAS,
QUILOMBOLAS E CAIÇARAS:
POLÍTICA
E METODOLOGIA

Domingos Nobre
(IEAR/UFF)

Anna Vecchia, Diogo Marçal, Edileia Carvalho,


Gabrielle Costa, Licio Monteiro,
Pedro Neves, Rafael Atalah, Rodrigo Cascabulho e
Stephanie Magalhães (Colaboradores)
Currículos diferenciados das escolas indígenas, quilombolas e caiçaras: política e metodologia

Domingos Nobre, 2019

Todos os direitos reservados

Financiando com recursos do Edital PROEXT/MEC UFF 2016


S umário

Prefácio, 7

Apresentação, 15

Capítulo I
O contexto das reformas educacionais neoliberais
e o refluxo nos movimentos de reorientação
curricular progressistas, 19

Capítulo II
Currículos integrados e diferenciados, o que
é isso?, 45

Capítulo III
Etapas da metodologia de construção curricular
pela via do tema gerador em redes temáticas e
da pedagogia de projetos, 123

Capítulo IV
Implicações político-pedagógicas de um
movimento de reorientação curricular no
enfrentamento ao neoliberalismo na
educação, 263

Referências bibliográficas, 273


P REF ÁCIO

Convidamos pra prefaciar este livro quatro grandes mestres


com quem temos muito aprendido nestes anos de luta nos terri-
tórios. São exemplos de intelectuais orgânicos comprometidos
politicamente com as questões da educação diferenciada de seus
povos tradicionais e em quem esta experiência, que aqui será
relatada, se espelha e se orgulha de tê-los como protagonistas.

Francisco Xavier Sobrinho, o TicoteI


Liderança comunitária caiçara da Praia do Pouso da Cajaíba
(Paraty – Rio de Janeiro)

“O currículo de educação diferenciada para as comunidades


caiçaras foi muito importante. Pelo fato de que quando cobrávamos
o segundo segmento para as comunidades, o poder público alegava
que não poderia fazer nada, porque precisava-se de 8 professores na
Costeira e eles não teriam condições de atender essa necessidade.
Quando fizemos a Educação Diferenciada, mostramos pra eles, que
seria possível sim, fazer com 4 professores e bem feito. Não precisá-
vamos de 8 professores para uma educação boa. Isso é um ponto que
7

para nós, como comunidade, foi muito importante.


E a presença da universidade, da UFF, em ter assumido esse papel
de construir esse currículo diferenciado junto com a comunidade, foi

I. Membro do FCT – Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba; Pes-
quisador comunitário em saneamento ecológico do OTSS – Observatório de Territórios Sustentáveis
e Saudáveis da Bocaina. Fundador do IPECA – Instituto de Permacultura e Educação Caiçara.
um fato muito importante. E acho que pra nós foi um ganho, impor-
tante mesmo, para a educação pública. Porque eles queriam, como
sempre, privatizar, colocar a educação com os institutos privados,
como a Fundação Roberto Marinho, entre outros. A UFF teve esse
papel importante, junto à comunidade e ao Coletivo de Educação
Diferenciada. Não aceitamos a privatização da educação, queremos
fazer um ensino regular nas comunidades com a Universidade, nas
formações de professores.
Outro ponto importante, é que mesmo fazendo tudo isso com a
colaboração da UFF, a Secretaria Municipal de Educação não cumpre
com o dever deles e não dão o suporte que deveríamos ter. E sabemos
que nesses anos que a gente está nessa luta, a Secretaria de Educação
tem se omitido em cumprir o acordo que ela fez. O acordo que fez
com a UFF, com o Coletivo, inclusive com o Ministério Público. Ainda
temos então essa defasagem da Prefeitura, da Secretaria Municpal
de Educação. Esse é ainda um dos grandes entraves que temos com o
Poder Público. A gente precisa avançar”.

Jardson dos Santos, o Jadson, ou o JadII


Liderança comunitária caiçara da Praia do Sono (Paraty – Rio de Janeiro)

Em relação aos processos de construção da formação dos profes-


sores, em nível nacional, estadual, como também, municipal, ela se dá
8

a partir de uma lógica conceituada e projetada para a reprodução do


sistema capitalista, selvagem e excludente. E assim, nosso povo tem

II. Membro do FCT – Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba; Pes-
quisadorcomunitário em saneamento ecológico do OTSS – Observatório de Territórios Sustentáveis
e Saudáveis da Bocaina. Presidente e membro da Diretoria da Associação de Moradores Originários
da Praia do Sono, por diversas gestões, desde 2002.
sofrido essas ameaças a partir dos projetos políticos das escolas, que
nada mais são do que um projeto que sonega e nega a informação.
Nega àquelas pessoas que deveriam ter seus direitos garantidos, de
várias formas, principalmente na área de uma educação crítica,
emancipadora e libertadora.
O nosso município o tempo todo sonega essas informações, refle-
tindo na formação dos nossos professores, deformando o profissional
da educação, consequentemente, deformam também a consciência dos
alunos em sala de aula. E com isso, os alunos formam uma consciência
capitalista, apenas de reprodução do sistema, em que a importância é
somente acúmulo de riqueza e bens materiais. E quando falamos da
construção do nosso currículo, da nossa metodologia diferenciada e
do nosso projeto político pedagógico dos movimentos sociais, é uma
construção de uma formação na qual se estabeleçam todas as divisões
de uma sociedade que nós queremos combater. De um sistema que
queremos derrubar a todo custo. Porque esse sistema não é criado por
nós e nem para nós, ele é imposto, apenas para que sigamos, repro-
duzindo a imagem dele. Precisamos combater a isso, e que possamos
construir uma sociedade muito mais equilibrada, uma sociedade que
tenha argumento e senso crítico, não isso que vemos hoje em dia. Isso
reflete muito na educação das comunidade tradicionais, as comuni-
dades infelizmente estão debaixo desse sistema altamente negativo.
A metodologia diferenciada, é feita com o nosso território, cons-
truído aqui em suas bases. Ela é muito importante. Porque nós con-
9

seguimos nos ver dentro desse projeto, dessa pedagogia diferenciada.


Estamos construindo ela de sua base. Não encontramos um projeto
pronto, estamos construindo ela aos poucos, juntos, vivenciando cada
dia mais o território e suas adversidades e peculiaridades. Por isso
temos o dever de não abrir mão dessa metodologia diferenciada, para
dentro das escolas.
Outro desafio que temos é conseguir mais apoiadores de outros
territórios para que comprem essa luta conosco, pois a luta é de todos.
Só a luta por uma educação libertadora emancipadora e diferenciada
que vai garantir o território tradicional. Que vai garantir as diretrizes
públicas com recurso, para que possamos aperfeiçoar territorialmente o
nosso projeto para uma educação de qualidade. Esse é o desafio nosso
para levar aos territórios,ser construído com o territórios.
Quanto ao currículo, é muito importante. Porque naturalmente
recebemos um pacotefechado das prefeituras, da Secretaria de Estado
ou do MEC, de como a gente vai reproduzir isso dentro da escola.
Precisamos contrariar o poder público e lutarmos pelo que queremos
e precisamos; esse direito é inegociável, esse poder de criarmos nosso
próprio projeto.
Nós, enquanto comunidades tradicionais, temos o dever de
contrariar o sistema, para cada dia estarmos com todas as forças pra
que essa escola seja nossa, das comunidades tradicionais. E que essa
escola seja a base, o norte daquela comunidade.
Então quando começamos a pensar o currículo, a forma de poli-
tização, a forma de graduação e de emancipação através dessa escola,
que é do povo, construída para ele, pensamos que essa escola tem que
ser a cara daquele povo. Como diz o nosso querido Luiz Perequê, “a
cara do povo é seu exercício cultural”.
Acredito que se a escola do território, seja ela quilombola, indígena,
caiçara, ou qualquer outro território diferenciado, tradicional, ela tem
10

que ter a sua própria face. Seus próprios dizeres, sua linguagem, sua
forma de ver o mundo, suas críticas, complexidades e sua diferença.
Não podemos seguir essa estrutura velha, em que não podemos criar
algo em torno da educação própria para o nosso povo. Temos que lutar
para que essas resoluções possam garantir isso para nós.
Estamos em um território diferenciado que tem esse direito.
Não podemos continuar aceitando essa velha política de apenas re-
produção do sistema. A escola é da comunidade e se a comunidade
não estivesse ali, garantindo a estadia desta escola, talvez ela hoje ela
nem existisse, quando começamos a dialogar sobre este projeto que
alcance esses nossos anseios.
Ela deve ser protagonizada por toda comunidade escolar. E
a prefeitura apenas tem o dever enquanto estado de garantir as
políticas públicas”.

Ronaldo dos Santos, o NaldoIII


Liderança comunitária quilombola do Quilombo do Campinho da
Independência (Paraty – Rio de Janeiro)

Mais do que importante, eu acho fundamental a participação da


comunidade. O projeto precisa ter um rebatimento direto com o que
a comunidade precisa e propõe, ou seja, que caminhos a comunidade
almeja trilhar. O que é uma dificuldade também apresentada nesse
contexto, pois temos várias lideranças comunitárias acompanhando,
entendendo e fomentando o debate sobre educação diferenciada, mas
o conjunto da comunidade não comparece, por uma série de questões
subjetivas, que podem estar colocadas. Mas eu acho que tem um
fator que pode ser determinante para os que vieram para o debate,
11

que é o momento em que a conversa fica técnica e direcionada aos

III. Educador popular e músico ativista. Membro do FCT – Fórum de Comunidades Tradicionais de
Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba; Presidente da AMOQC – Associação de Moradores do Quilom-
bo do Campinho. Coordenador Nacional da CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas; Foi Presidente fundador da ACQUILERJ – Associação de
Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro; Ex-Secretário Municipal
de Cultura de Paraty.
professores. Quando falamos de construção de projeto de currículo,
a comunidade fica aquém dessa compreensão. Acho importante es-
tabelecer dois momentos que podem se encontrar, mas são distintos;
um de formação de professores e outro, formação para pais e mães
da comunidade. Para que a comunidade não fique fora dessa cons-
trução, fora desse debate. Em resumo, acho que o acompanhamento
e direcionamento da comunidade é o que realmente “dá liga” nessa
história, nessa construção.
Acho fundamental divulgar essa metodologia de trabalho. Lá atrás
quando o Fórum de Comunidades Tradicionais disse para o poder
público que não queria consultoria privada para nossos processos de
formação, na nossa construção do projeto; nós fizemos uma aposta
com a Universidade Federal Fluminense, que além de conhecer a
instituição, que é pública, relevante, nós conhecíamos os atores en-
volvidos. Foi uma aposta que fizemos e acho ter sido muito positiva.
As dificuldades que estamos tendo não é de metodologia e sim de
gestão. Algo em como se constróem condições efetivas, para o professor
que atua ou também em como conquistamos o professor. Um projeto
político, precisa não só alcançar a mente, mas também o coração e
às vezes o professorado está um pouco distante da proposta política.
Acho que este projeto, esta proposta metodológica, se consolidando
aqui no território, é vanguarda para ser disseminada e levado a outros
espaços, outras experiências. É fundamental.
Em minha opinião, há bastante tempo que as gestões municipais
12

de educação, desenvolvem programas de formação, ao que me parece


ser somente para cumprir metas e dizer que realizou tantas horas em
diferentes áreas de conhecimento e algumas não necessariamente
dialogam com o projeto educacional. São demandas que chegam ou
a SME 3 busca, que são implementadas e isso me parece fora de um
programa, de uma estratégia educacional. A equipe e o corpo docen-
te, começam a reagir a isso com desdém e se digo isso, foi por já ter
trabalhado na rede de 2000 a 2005. Se isso não faz parte de nenhuma
estratégia, sendo isso só para cumprir, o corpo docente entra em uma
de “ finjo que faço, você finge que me forma e eu finjo que me formo”.
Temos de udo, “tem professor que fica o dia inteiro na formação e tem
um aproveitamento ruim e tem professor que vai só para assinar a lista
de presença e vai embora” e isso existe a bastante tempo. A formação
para as comunidades tradicionais, é muito importante para nossa luta,
uma luta histórica, uma resposta a uma demanda que o movimento
vem construindo ao longo dos anos, mas na prática, possui a mesma
lógica e é claro que to falando de uma forma generalizada, mas sempre
tem aqueles que levam a sério e que extraem algum resultado, ficando
um pouco daquela questão: que há uma parcela do corpo docente que
encara apenas como mais uma formação.
E falando de educação quilombola, há também outras barreiras,
como a imposta pelo racismo institucional. Eu vejo como desafiador,
porém muito importante que esteja acontecendo nesse momento
e nesse local”.

Algemiro da Silva Karai Mirim, o MiroIV


Professor e liderança comunitária indígena Guarani Mbya da Aldeia Sapukai
(Angra dos Reis – Rio de Janeiro)

“Há muitos problemas com a educação escolar indígena no Es-


13

tado do Rio de Janeiro, principalmente quando se trata da formação


de professores indígenas Guarani, quilombolas e caiçaras. Grandes

IV. Educador Guarani desde 1983, fundador e diretor da Escola Indígena Guarani Kyringue Yvotyty, hoje:
Colégio Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda; Cursou Magistério Indígena, pela SEE-SC
e Licenciatura em Educação do Campo, pela UFRRJ. Presidente indígena do CEEEI-RJ – Conselho
Estadual de Educação Escolar Indígena do Rio de Janeiro.
problemas existem e o Estado não age para melhorar ou sequer tentar
resolver essa situação que nos encontramos. Além disso temos outros
problemas como construção de escolas, falta de concurso público, etc.
Em relação a metodologia, a comunidade, mais especificamente,
nossos professores indígenas em conjunto com a UFF, nos encontramos
ainda em processo de adequação ao método. Mas acho interessante,
temos que divulgar e usar no nosso trabalho. Precisamos nos apri-
morar ainda mais com essa proposta, que é muito legal, porque não
existe, ao meu ver, uma escola no Brasil ainda realmente adequada
nessa questão de metodologia de educação diferenciada e de fato vem
acontecendo no Rio de Janeiro.
O MEC e a Constituição Federal garante isso, mas dificilmente
construímos sozinhos e digo isso como professor. Os professores Guarani
ainda não estão preparados e aprimorados como queremos, pois ainda
não temos um curso superior, uma Licenciatura Indígena e por isso
é tão difícil. Mas graças a UFF, que vem trabalhando a muito tempo
conosco, embora com todas as dificuldades e problemas, pois uns não
aceitam, podemos conseguir. Em geral a metodologia é muito bacana.
O currículo da escola com a comunidade é importantíssimo. Em
geral esse currículo deve ser construído com a comunidade inteira,
para ser bem elaborado. Currículo não é uma coisa simples, nem
fácil ou rápido de se fazer e por isso deve ser discutido com todos da
comunidade educativa. No Rio de Janeiro não temos ainda currículo
específico diferenciado, não temos calendário próprio. E esse calen-
14

dário depende muito do currículo da escola Guarani, que estamos


construindo”.
A presentação

Este livro surgiu da necessidade de sistematizar experiências


(Holliday, 2006) de formação de professores que estão em curso,
mas que já possuem alguns anos de reflexão teórica acumulada
no campo da elaboração participativa de Projetos Políticos Peda-
gógicos que contemplem currículos integrados, interdisciplinares
e diferenciados para escolas localizadas em territórios de comu-
nidades tradicionais.
Programas de formação continuada voltados pra reorientação
curricular, de caráter progressista, ficaram abafados depois da
reforma educacional neoliberal implementada por FHC nos anos
90 e vigente até hoje. As últimas experiências deram-se em nível
municipal, no período pós-ditadura e a maior referência, com
maior volume de produção teórica e influência no campo das
práticas pedagógicas e da formulação de políticas curriculares
continua sendo a da SME-SP, sob a gestão Paulo Freire, de 1989 a
1992, pioneira na implantação do chamado: “Movimento de Re-
orientação Curricular” – MRC – pela via da Interdiciplinaridade
e do Tema Gerador.
Hoje vivemos momentos de golpes político-jurídico-midiáti-
15

cos, ascenção da extrema direita ao poder e crises econômicas em


que o movimento: “Escola Sem Partido” cresce assustadoramente
ameaçando a autonomia e independência da docência e as políticas
públicas em educação estão sob a influência ideológica dos grupos
econômicos privados, que tomaram o aparelho de Estado e nele
atuam em seu benefício próprio.
A sistematização de experiências, na perspectiva de Holliday
(2006), que aqui se apresenta, constitui-se, portanto, num exer-
cício de resistência político ideológica, no campo progressista
contra-hegemônico à tendência neoliberal vigente na educação,
que busca ampliar as possibilidades de formulação de políticas
públicas de formação permanente de professores visando a cons-
trução de Projetos Político Pedagógicos autônomos que contenham
currículos integrados, interdisciplinares e diferenciados voltados
pra escolas imersas em territórios tradicionais, assim como para
escolas da rede pública em geral.
São objetivos desta obra:
a) Analisar criticamente o contexto político atual de crise
na educação imposto pelas reformas educacionais de caráter
neoliberal implantadas por FHC, agravado pelo golpe de 2016 e
pela ascensão da extrema direita ao poder em 2018 e provocando
um refluxo nos movimentos de reorientação curricular das redes
públicas, desde início dos anos 2000, acentuado pelo contínuo e
histórico abandono do Estado em relação às demandas básicas
por educação das classes populares e desvalorização crescente
da profissão docente;
b) Discutir politicamente a Formação de Professores numa
perspectiva progressista de construção de Projetos Político Peda-
gógicos (PPPs) com currículos diferenciados em escolas imersas em
territórios de comunidades tradicionais, como indígenas, caiçaras
16

e quilombolas; o razoável avanço no campo legal mas o difícil


regime de colaboração no campo da implementação de políticas
públicas básicas, tidas como universais: o direito à educação básica
também pra povos e comunidades tradicionais;
c) Socializar uma metodologia de formação continuada de
professores pra construção de PPPs que contemplem currículos
integrados, diferenciados, interdisciplinares, pela via da rede de
temas geradores e da pedagogia de projetos, em escolas locali-
zadas em comunidades tradicionais, e que se utiliza também de
linguagem audiovisual.
Este livro é fruto de práticas de assessorias e acompanha-
mento regular à redes públicas na região da Costa Verde (Sul
Fluminense), através de projetos de pesquisa, ensino e extensão
do IEAR – Instituto de Educação de Angra dos Reis da UFF –
Universidade Federal Fluminense, desenvolvidos nos Municípios
de Angra dos Reis e Paraty.
É baseado em experiências de formação continuada com
professores do Colégio Indígena Estadual Guarani Karai Kuery
Renda (em Angra e Paraty), com as Escolas Municipais Martim de
Sá (da Praia do Sono) e Cajaíba (da Praia do Pouso da Cajaíba) e
da Escola Municipal Campinho da Independência (do Quilombo
do Campinho) e da Escola Municipal José de Melo (do Quilombo
do Cabral), assim como das escolas de toda a Zona Costeira, em
Paraty, em parceria com a SEEDUC-RJ e SME de Paraty, respecti-
vamente. Integram a equipe de pesquisadores os Profs. Domingos
Nobre, Licio Monteiro, Mara Edilara (até 2017), Diogo Cirqueira
(do IEAR/UFF) e Ediléia Carvalho (Novamérica), Anna Vecchia,
as professoras Inês Sá, Marina Novaes, Ana Claudia Martinez,
Jacqueline Teixeira, Kate Benedict, Cecília Marafelli, Flávia Lino
e Mônica Teixeira (do NEPEDIF – Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Educação Diferenciada do CPII – Colégio Pedro II, Campus
17

Humaitá I); além dos alunos bolsistas (PIBIC, PIBID, Licenciaturas,


PROEX e PROEXT): Gabrielle Costa, Stephanie Magalhães, Pedro
Neves e Rafael Atalah, estes autores de textos neste livro, além de:
Juliana de Andrade, Ana Carolina Gouvea, Rodrigo Cascabulho,
Pedro Ribeiro, Thalita Vieira, Brenda Souza, Gabriel Oliveiras,
Franteo Aguilar e Wiliam Souza, que acompanharam as 3 expe-
riências até dezembro de 2018.
É também fruto de reflexão teórica coletiva produzida no
Grupo de Pesquisa: “Espaços Educativos e Diversidade Cultural”,
através do Projeto de Pesquisa (PIBIC/CNPQ): “A Construção de
Currículos Diferenciados Indígenas, Caiçaras e Quilombolas na
Costa Verde”; de trabalho no Programa de Extensão (PRO-EXT):
“Escolarização e Cultura Guarani Mbya Rumo à Universidade”
(2016 a 2018); no Projeto de Ensino (PIBID): “Magistério Indígena
e Escolarização Guarani Mbya” (2015 a 2017) e no Projeto de En-
sino do Programa Licenciaturas (2018): “Formação de Professores
na Educação Escolar Indígena Guarani Mbya”, com professoras
do NEPEDIF/CPII, professores da rede pública e bolsistas PIBIC,
PIBID, Licenciaturas e PROEXT.
Todo esse trabalho tem uma estreita e orgânica ligação com os
movimentos sociais da região, representados pelo FCT – Fórum de
Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba e
seu Coletivo de Apoio à Educação Diferenciada, que integramos,
além da CGY – Comissão Guarani Yvyrupa, além do apoio in-
stitucional do OTSS – Observatório de Territórios Sustentáveis e
Saudáveis da Bocaina, Programa que nasceu da parceria entre o
Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty
e Ubatuba (FCT) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apoiado
pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e pela Fiotec, com o
objetivo de promover o bem viver e ampliar o desenvolvimento
sustentável nos territórios tradicionais da região da Bocaina.
18
C apítulo I

O contexto das reformas educacionais neoliberais


e o refluxo nos movimentos de reorientação
curricular progressistas

A ditadura civil-militar no Brasil que perdurou de 1964 a
1989 teve como marcas na sua transição democrática, três fatos
históricos importantes para a construção da democracia no Brasil,
conforme Cunha (2009): a eleição de Tancredo Neves para Presi-
dente da República, em janeiro de 1985; a instalação da Assembleia
Nacional Constituinte, em março de 1987; e as eleições presidenciais
de novembro de 1989 (p. 22). Entretanto, a formulação de políticas
educacionais voltadas para os interesses populares não esperaram
pelo fim do regime militar. Iniciativas de mudança nestas políticas
tiveram sucesso em alguns municípios, no período 1977/83 e em
alguns estados, em 1983/87 (Idem, p. 105).
Assim, forças partidárias que buscavam novas posturas
políticas, ganharam as eleições pra prefeito em 1976. Segundo
Cunha (2009), em três deles, essas posturas vieram a ser divulga-
das por todo o país como modelos de administração municipal
democrática: Boa Esperança (ES); Lages (SC) e Piracicaba (SP),
que introduziram novidades como planejamento participativo,
19

Planos Municipais de Educação, reformas curriculares, enfim,


políticas de ensino público voltadas para crianças e jovens das
classes populares.
Com as eleições diretas pra Governador em 1982, assiste-se à
implantação, numa dimensão estadual, de experiências curriculares
e de gestão inovadoras até então, tais como: o Congresso e o Plano
Mineiro de Educação, com o Ciclo Básico de Alfabetização, de
Tancredo Neves e Helio Garcia, liderada por Neidson Rodrigues,
em Minas Gerais; o Fórum Estadual de Educação, o Ciclo Básico
de Alfabetização, a escola integral, dos CIEPS de Leonel Brizola e
Darci Ribeiro, no Rio de Janeiro; o Congresso e o Plano Mineiro
de Educação, com o Ciclo Básico de Alfabetização, de Tancre-
do Neves e Helio Garcia, liderada por Neidson Rodrigues, em
Minas Gerais; o Fórum Estadual de Educação, o Ciclo Básico de
Alfabetização, a escola de tempo integral e formação integral, de
Franco Montoro, e com Guimar Namo de Mello e Mário Covas,
em São Paulo.
Tais experiências tinham, apesar de distintas politica e his-
toricamente, algumas características comuns, numa perspectiva
humanista liberal: uma crítica aos modelos tradicionais de ges-
tão e às práticas curriculares tradicionais; busca de melhoria da
qualidade do ensino; uma preocupação em adequar o currículo
às especificidades e necessidades dos novos setores populares
que chegavam maciçamente à escola, assim como incentivar a
participação da comunidade escolar nas decisões.
Segundo Moreira (2000) as propostas alternativas de mudanças
curriculares ocorridas nos anos 1980 tiveram como referências
teóricas predominantes a pedagogia crítico-social dos conteúdos
e a educação popular, importantes na configuração do campo do
currículo naquela década. Entretanto, o resultado das reformas
ficou aquém dos esperados, pois não afetou de modo significativo
20

as questões estruturais dos sistemas públicos, em grande parte


responsáveis pelo fracasso escolar, pois chegou-se aos anos 1990
sem que os índices de evasão e repetência se alterassem signifi-
cativamente. (p. 117). Mas com conquistas históricas que devem
ser reconhecidas, como a busca pela democratização da escola e
a revalorização dos conteúdos escolares.
Já na década de 1990 as novas tendências que conformaram
o campo do currículo, influenciadas pelos Estudos Culturais,
pelo Pós-Modernismo e pelo Pós-Estruturalismo, não parecem
ter subsidiado as reformas curriculares na década. (Idem) O
que as análises sugerem é que o discurso curricular elaborado
no Brasil, nos anos 1990, por seu caráter complexo e abstrato e
pela escassez de proposições, não chegou a guiar novas práticas
e reformas. (Idem, p. 118)
Para Moreira (2000): A penetração do que vem sendo chamado
de teorização pós-crítica nas propostas curriculares dos anos 1990
limitou-se a algumas sugestões sobre multiculturalismo, gênero e
sexualidade. (p. 118) Assim, foi na pedagogia crítica, principalmente
na de Paulo Freire, que setores da esquerda encontraram mais
afinidades ideológicas e mais sugestões para a prática. (Idem)
Assim, em 1989, o Movimento de Reorientação Curricular da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que influenciou
historicamente diversos outros municípios, como Angra dos Reis,
Ipatinga, Mauá, Porto Alegre, Belo Horizonte, Gravataí, etc. na
década de 1990 e num exemplo histórico-prático do movimento
de circulação intracoletiva e intercoletiva de ideias (aplicando os
critérios histórico-epistemológicos de Ludwik Fleck), tornou-se
o referencial teórico adotado pelo grupo da SME-SP.
A história do chamado Movimento de Reorientação Curricular
numa perspectiva de pedagogia crítica, progressista e freireana,
21

começa quando um grupo de físicos (os professores: João Zanetic,


Luiz Carlos de Menezes e Amélia Hamburquer; e os então pós-
graduandos: Demétrio Delizoicov, José Angotti e Mário Tekeia)
começou a discutir uma metodologia de inspiração freireana para
modificar o ensino escolar de Física (Menezes, 1996). Tem assim
seu início propriamente com o desenvolvimento do Projeto de
Ensino de Ciências Naturais na Guiné-Bissau (Delizoicov, 1980;
Angotti, 1981), onde foi possível estabelecer o que hoje se denomi-
na de 3MP (três momentos pedagógicos: Problematização Inicial,
Organização do Conhecimento e Aplicação do Conhecimento),
inicialmente denominado “Roteiro Pedagógico” (Delizoicov,
1982, 1991), componentes essenciais da estrutura metodológica
que sustenta a proposta.
Esse roteiro já era utilizado pelo Centro de Educação Popular
Integrada (CEPI), coordenado pelo Institut de Recherché, For-
mation e Developpement (IRFED) em parceria com o Ministério
da Educação da Guiné Bissau. Esse Centro, criado em 1977, era
um modelo de escola de 5ª e 6ª séries do 1° grau, voltada para
o meio rural e também um centro de formação de professores.
Dentre suas preocupações estavam a ligação com a comunidade
e a vinculação dos alunos ao seu meio sociocultural (Muenchen
& Delizoicov, 2012).
O trabalho na Guiné Bissau, teve em seguida um desdobra-
mento em São Paulo do Potengi, na periferia de Natal, no Rio
Grande do Norte, onde as físicas Maria Pernambuco e Cristina
Dal Pian – docentes da UFRGN – desenvolveram um projeto de
educação comunitária em torno da problemática nordestina da
água e da seca, onde a problematização, os temas geradores, enfim,
todo arsenal teórico-metodológico freireano foi retrabalhado em
estratégias específicas, foi aparelhado e reinventado para uma
aplicação regular no ensino de Ciências de uma escola oficial
22

(Menezes, 2012).
Luiz Carlos de Menezes coordenava na USP o órgão de coo-
peração com a comunidade – a Coordenadoria Executiva de Coo-
peração e de Atividades Especiais (CECAE) quando, mais adiante,
Paulo Freire assumiu a Secretaria Municipal de Educação de São
Paulo (SME-SP), em 1989, na gestão de Luiza Erundina do PT e
assinou um convênio de cooperação entre a SME-SP e a Univer-
sidade. A Equipe do Projeto da Inter, como foi chamada, agregou
diversos físicos, como: Alice Pierson, Demétrio Delizoicov, João
Zanetic, José Angotti, Marta Pernambuco e Rubens Camargo.
Muenchen & Delizoicov (2012) afirmam, em pesquisa reali-
zada sobre os três momentos metodológicos (3 MP) do processo
de apropriação e incorporação dos elementos freireanos nos
projetos de ensino de Ciências/Física desenvolvidos e discutidos
na Guiné Bissau (Delizoicov, 1982), no Rio Grande do Norte
(Pernambuco, 1981; 1993; 1994) e no município de São Paulo (São
Paulo, 1990; 1992), que eles (os 3MP) possibilitaram efetivamente
a construção de processos didático-pedagógicos dialógicos na
elaboração curricular.
Outros pesquisadores, como Pernambuco (1993, 1994), Deli-
zoicov, Angotti e Pernambuco (2002a) aprofundam e exemplificam
o papel dos 3MP como estruturador do planejamento de ações
que envolvem coletivos em seções de trabalho que se ocupam de
processos formativos, particularmente de professores em servi-
ço, e na elaboração de planos de ensino e de aula, como indicam
Muenchen & Delizoicov (2012).
Conforme apontou Aguiar (2008), foram propostas da admi-
nistração de Freire, à frente da SME-SP, além do Movimento de
Orientação Curricular: o Projeto Interdisciplinar, os Grupos de
Formação para Professores, Coordenadores Pedagógicos e Diretores
de Escola; o Projeto Gênese (Programa voltado para a informática
23

na escola para a melhoria do processo ensino-aprendizagem), e o


MOVA – Movimento de Alfabetização de Adultos – que é bastante
difundido entre diversas secretarias municipais de educação.
Os eixos básicos da reorientação curricular implementada
foram, segundo a SME-S.P. (1989):
a) A construção coletiva, através de um amplo processo par-
ticipativo nas decisões e ações sobre o currículo;
b) Respeito ao princípio da autonomia da escola, favorecendo
a diversidade na unidade;
c) Valorização da unidade teoria-prática que se traduz na
ação-reflexão-ação sobre experiências curriculares;
d) Formação permanente dos profissionais de ensino, com
análise crítica do currículo em ação.
O contexto político nacional era favorável, pois o momento
histórico era de retomada da democracia no país, de reorganização
partidária, com o surgimento do PT como principal força políti-
co-partidária de esquerda; de cooptação dos quadros politizados
dos movimentos sociais e Ongs para ocupar cargos de gestão das
políticas no aparelho de Estado; de implantação de propostas
progressistas de gestão educacional e de políticas curriculares
inovadoras em diversos municípios.
Entretanto, todo esse histórico movimento, sofreu um revés
profundo com a eleição de FHC em janeiro de 1995 e cuja ges-
tão em dois mandatos, foi até dezembro de 2002. FHC consegue
implementar uma profunda reforma educacional de caráter ne-
oliberal que atinge todos os segmentos de ensino. A reforma foi
inicialmente preparada no campo jurídico pela aprovação de uma
nova legislação, a LDBEN no 9.394/96 e em seguida pela publicação
de uma série de currículos nacionais, eufemisticamente chama-
dos de: Parâmetros, Diretrizes ou Referenciais, nos anos 1997 a
20001. Paralelo a isso, um elaborado sistema de avaliação externo,
24

implantado a partir de 1995, coordenado pelo INEP, que vai do


Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), do
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) até o Exame Nacional
de Cursos (ENC), conhecido como “Provão”.

1 PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais (1997); RCNEInf. – Referencial Curricular Nacional para
a Educação Infantil (1998); Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (1998), entre
outros.
Uma característica importante dessa reforma educacional
empreendida pelo Governo Federal nas gestões do então Ministro
Paulo Renato de Souza: uma descentralização centralizadora, ou
uma desconcentração (Oliveira, 1999). Nobre explica:

As tarefas político pedagógicas, como elaboração de currículos


e controle sobre o sistema de avaliação, foram centralizadas no
MEC, enquanto que as tarefas executivas e administrativas, onde
se encontram os ônus, foram descentralizadas ficando por conta
dos estados e municípios. (2007, p. 173)

Tal desconcentração se revelou nos programas como: “Di-


nheiro Direto na Escola”, FUNDESCOLA e FUNDEF – Fundo Para
o Desenvolvimento e Valorização do Ensino Fundamental – que
constituiu-se indutor do processo de municipalização empreen-
dido, mas que deixou de fora os segmentos de ensino: Educação
Infantil e Ensino Médio, só incorporados depois, já na gestão Lula
da Silva, com o FUNDEB, ainda vigente.
Essa profunda reforma educacional, sob a orientação de
organismos internacionais como: Banco Mundial, BID – Banco
Interamericano de Desenvolvimento, Comunidade Européia
(CE), Organização de Cooperação e DesenvolvimentoEconômico
(OCDE), Organização dos Estados Americanos (OEA), Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e Programa
25

de Promoção das Reformas Educativas da América Latina e Ca-


ribe (PREAL) inseriu-se no contexto de ajuste macroeconômico
e redefinição do papel do Estado, que é regida pelo pressuposto
da contenção do gasto social público. (Nobre, 2007)
A reforma educacional seguiu as orientações comuns das
outras políticas sociais: a) focalização dos gastos no ensino bá-
sico – leia-se: ensino fundamental de crianças e adolescentes; b)
descentralização através da municipalização; c) privatização,pela
constituição de um mercado de consumo de serviços educacionais
e d) desregulamentação pelo ajuste da legislação e dos métodos
de gestão e re-regulamentação por meio do controle do sistema
educacional (Di Pierro, 1997, p. 1).
Todas as inovações curriculares experimentadas em diversas
gestões municipais progressistas foram lentamente abandonadas e
o velho discurso tecnicista retorna com fôlego, maquiado hoje de
“pedagogia das competências”, e atinge todas as instâncias das po-
líticas educacionais e curriculares, incluindo agora a recente BNCC.
Para Ramos (2001), na sociedade contemporânea tende a
predominar uma profissionalidade de tipo liberal. Portanto,

a pedagogia das competências é um meio de construção des-


saprofissionalidade e a forma pela qual a educação reconstitui,
na contemporaneidade, sua função integradora dos sujeitos às
relações sociais de produção reconfiguradas no plano econô-
mico – pela reestruturação produtiva, no plano político – pelo
neoliberalismo, e no plano cultural – pela pós-modernidade.
Dito de outra forma, a pedagogia das competências é na contem-
poraneidade, a pedagogia da Sociedade do Conhecimento, da
Sociedade Pós-Industrial ou da Sociedade Pós-Moderna (p. 273)

Daí, experiências inovadoras como a “Escola Plural”, em Belo


26

Horizonte (1993 a 1996); a “Escola Cidadã”, em Porto Alegre (1995


a 2000) e em Uberaba, MG (1993); a “Escola Mínima” em Grava-
taí, RS (1997 a 1999); a “Escola Candanga”, no DF (1997); a “Escola
Cabana”, em Belém (1997 a 2004); “Escola Democrática e Popular”,
no Estado do Rio Grande do Sul (1999) foram desdobramentos
históricos importantes daquela primeira inciativa de Paulo Freire
em São Paulo, que Gadotti (2002) chamou-as de “Escola Cidadã”
e que experimentaram, por exemplo, a organização curricular em
Ciclos, mas que foram esquecidas e interrompidas na década de 2010.
Silva (2004) também analisou algumas dessas iniciativas, pois
desde 1989, acompanhou a implementação de políticas curriculares
de reorientação curricular em diversos municípios comprometidos
com uma administração popular, a saber: São Paulo-SP (1989-1992
e 2001), Angra dos Reis-RJ (1994-2000), Porto Alegre-RS (1995-2000),
Chapecó-SC (1998-2003), Caxias do Sul-RS (1998-2003), Gravataí-RS
(1997-1999), Vitória da Conquista-BA (1998–2000), Esteio-RS (1999-
2003), Belém-PA (2000-2002), Maceió-AL (2000-2003), Dourados-MS
(2001-2003), Goiânia-GO (2001-2003), Criciúma-SC (2001-2003),
Constituinte Escolar no Estado do Rio Grande do Sul (1998-2001)
e implementação da proposta curricular por ciclos de formação
no Estado de Alagoas (2001–2003).
Delizoicov, N. C.; Stuani, G. M. & Delizoicov, D. (2013), em
pesquisa que analisou dissertações sobre Movimentos de Reo-
rientação Curricular (MRC) baseados na concepção freireana de
educação e defendidas em programas de pós-graduação de uni-
versidades localizadas na região sul do Brasil, apontam que entre
os avanços detectados pelos autores das dissertações no processo
de reorientação curricular, encontram-se:

novas formas implementadas pelas administrações populares para o


27

conhecer e o agir pedagogicamente; a participação da comunidade


escolar, particularmente dos educadores e educandos no processo
de organização do currículo; a realidade social da comunidade
como ponto de partida para o desencadeamento do processo ensino
aprendizagem, bem como para a apropriação do conhecimento
sistematizado e a busca da articulação teoria e prática. (p. 21)
Entre as dificuldades para a continuidade da perspectiva da
frente popular de educação, em reformas curriculares na atuali-
dade, foram apontadas:

a abertura para a pesquisa com a comunidade, acompanhamento


pedagógico com momentos de estudos e aprofundamento, apoio
das direções escolares, coletivo de professores coeso e resistente.
Há a recomendação sobre a necessidade de políticas mais amplas e
continuadas e que sejam políticas de Estado e não de governo. (Idem)

Cunha (2009) tece uma crítica ácida a essas interrupções


nas políticas educacionais de governo, chamando esse padrão de
gestão da rede pública de: administração “zig-zag” em que, pelas
mais diferentes razões, cada secretário de educação tem seu plano
de carreira, a sua proposta curricular, o seu tipo de arquitetura
escolar, as suas prioridades, trazendo duas consequências danosas
para a escola pública:
a) impossibilidade de se avaliar as políticas educacionais, o
que só se pode fazer após um certo tempo de maturação, nem sem-
pre curto; b) a desconfiança que os professores desenvolvem diante
das mudanças que lhes acenam a cada início de gestão. E aponta
três razões pra essa administração “zig-zag”: o eleitorismo, o expe-
rimentalismo pedagógico e o voluntarismo ideológico (pp. 474-475)
Entretanto, mais que fruto de eleitorismos, experimentalismos
28

ou voluntarismos o que se nota, numa análise histórica crítica


de longo prazo mais atualizada, é a disputa ideológica no campo
educacional, a disputa de projetos de futuro e de sociedade, que
se refletem nas eleições em geral (Presidenciais, Estaduais ou
Municipais) e nas políticas educacionais em particular, e que se
refletiram lá na ponta em reformas curriculares. O currículo é
um território em disputa e na construção espacial do sistema es-
colar, o currículo é o núcleo e o espaço central mais estruturante
da função da escola, e por causa disso é o território mais cercado,
mais normatizado, mais disputado. Mas também o mais politiza-
do, inovado e ressignificado (Arroyo, 2011, p. 13).
São indicadores da centralidade do currículo, segundo Arroyo
(2011): a) O campo do conhecimento se tornou mais dinâmico,
mais complexo e mais disputado; b) A produção e apropriação
do conhecimento sempre entrou nas disputas das relações so-
ciais e políticas de dominação-subordinação; c) Há uma estreita
relação entre currículo e trabalho docente. Controlar o trabalho
e resistir a esses controles sempre foi o centro de todo o processo
de produção; d) Essas centralidades históricas do currículo vêm
tornando-o um território que concentra as disputas políticas: da
sociedade, do Estado e de suas instituições, como também de suas
políticas e diretrizes (pp. 14-17).
Por isso, e não à toa, é que vivemos atualmente um verdadeiro
refluxo da discussão política nas escolas, de desânimo por grande
parte de professores e gestores, de desmobilização política nas
escolas, num estado de aviltamento das condições de trabalho,
da pauperização da carreira docente, sob diversos mecanismos da
precarização das relações de trabalho, do descaso do poder público
com setores mais economicamente desfavorecidos da sociedade,
como os indígenas, os quilombolas, os caiçaras, os ribeirinhos,
os camponeses, os portadores de necessidades especiais, os priva-
29

dos de liberdade, jovens oriundos das classes trabalhadoras, etc.


Porque vivemos tempos de perda de direitos sociais adquiridos;
de autoritarismo e de meritocracia, com aumento gradativo de
mecanismos de controle do trabalho docente, em que a ideologia
da extrema direita encontrou vazão no descontentamento popular
em geral e se externou no resultado das últimas eleições de 2018
com a vitória de candidatos (incluindo o Presidente) reconhe-
cidamente homofóbicos, misóginos, anti-democráticos porque
defensores da tortura e da ditadura, preconceituosos e racistas.
Assim, a ideologia neoliberal hegemônica e em ascenção im-
pede o crescimento de um movimento de reflexão política mais
séria, permanente e profunda nas escolas. Os pacotes de avaliações
externas, com os rankings de classificação de turmas, alunos e
professores, o sistema perverso das premiações, os cursinhos de
“atualização” ou “reciclagem”, alteram de tal forma o cotidiano
dos professores da escola pública, que aliado à precarização do
trabalho docente, que obriga o professor a trabalhar em 3 ou até 4
escolas, produzem uma apatia, uma ausência de reflexão política
crítica, autônoma que deveria se expressar na revisão/atualização
permanente dos PPPs e num movimento de reorientação curricular.
Brigeiro (2012), ao analisar esse impacto das políticas neoli-
berais na SME do Rio de Janeiro, no período 2009-2012, ápice da
implantação da pedagogia das competências numa das maiores redes
públicas de ensino fundamental da América Latina, afirma que:

O período é caracterizado por um forte investimento em um


discurso de qualidade do ensino e por mudanças ainda em
processo no governo da educação pública operada pela atual-
representação política da SME-RJ, tem formulado e direcionado
exigentes demandas aos agentes do sistema educativo em função
30

de novas expectativas de desempenho de estudantes do ensino


público da cidade do Rio de Janeiro. Nessa nova coordenada
histórica, a práxis política municipal de reestruturação do siste-
ma de ensino, traduzida em determinadas ações de intervenção
pedagógica e administrativa, ultrapassa a soleira da porta de
entrada das escolas e estabelece diferentes modalidades e dis-
positivos de regulação. (p. 9)
Para essa política neoliberal, aprofundada na década de
2010 em diversos grandes municípios e estados do país, que se
configura em uma multirregulação baseada, conforme Brigeiro
(2012), em privatização indireta, estandardização curricular,
multiavaliações, obrigação de resultados e responsabilização dos
atores escolares, a meta é

[…] converter as escolas públicas, enfim, em verdadeiras “unidades


escolares”, desestabilizadas continuamente em sua cultura e em
sua “capacidade decontrarregulação” (FREITAS, 2005), em prol
da emergência de outra “estabilidade”: a dos objetivos políticos
formulados pelo governo do sistema de ensino da qual fazem
parte. Nessa nova dinâmica de mudança educativa, a ordem é,
portanto, intervir deliberadamente na flutuante estabilidade
escolar que costuma rodear todo o fervor de mudança política
do campo educativo (p. 188).

De forma profundamente objetiva e crítica, Brigeiro (2012)


questiona:

• Vale a pena o fato de as escolas públicas municipais se sentirem


particularmente submetidas a fortes pressões e desconfianças
externas, quer da parte do governo, quer da parte da sociedade
em geral, como exigem muitos críticos neoconservadores?
31

• Vale a pena reduzir a escola a um sistema meritocrático de per-


formances de resultados gerenciais e pedagógicos em contínua
melhora, considerando-a como uma organização produtiva,
orientada para objetivos mensuráveis?
• Vale a pena aumentar a pressão por resultados dos níveis
centrais para os níveis intermediários e destas para as escolas,
fiscalizando e controlando a gestão de diretores(as) que passam
a ser “gerentes” representantes mais da administração central
na escola do que da comunidade escolar?
• Vale a pena o “retorno ao básico” em matéria curricular e a
um controle mais firme, em nome de sua “claridade” para a
equipe docente saber o que “deve” ensinar e os jovens e crianças
saberem o que “devem” aprender?
• Vale a pena reforçar práticas tradicionais em avaliação, em
que multiexames de efeito placebo empobrecem a relação
pedagógica e se consagram como guia maior do ensino, do
currículo e, por redução, da “melhora” da/na educação?
• Vale a pena, em resumo, a política educacional carioca con-
tinuar a se alinhar a experiências de políticas internacionais
fracassadas que, transcorridas mais de três décadas de imple-
mentação, não têm aumentado substantivamenteos níveis de
conhecimento dos seus estudantes, nem contribuído para a tão
desejada melhoria da qualidade da/na educação? (pp. 201-202)

Isto sim, é o que explica o refluxo no debate das questões


centrais que afetam a escola pública nessa última década de 2010.
Assim, historicamente tivemos um estímulo às iniciativas
de inovação nas políticas curriculares durante o curto período
de democratização pós ditadura, tanto por parte de governos
estaduais, como municipais, assim como dos movimentos so-
32

ciais, sindicatos, ONGs, etc. com o surgimento de modalidades


de projetos curriculares integrados, mas numa perspectiva social
crítica, mesmo que apresentando diferentes modalidades e com
fundamentações teóricas distintas, sejam de filiação à pedagogia
crítico-social dos conteúdos, seja pela pedagogia crítica da edu-
cação popular de base freireana.
Entretanto, com a implantação das reformas neoliberais a partir
de meados da década de 1990, tivemos um refluxo no debate crítico
e o regresso da direita na educação e na sociedade em geral, que
Apple & Nóvoa (1998) denominou de restauração conservadora:
resultado da vitoriosa luta travada pela direita para formar uma
vasta aliança. Para ele, o triunfo desta nova aliança deve-se em parte
à sua crescente capacidade de vencer a batalha com o senso comum
e ter conseguido de forma criativa reunir diferentes tendências
sociais e compromissos, tendo-as organizado sob sua liderança
geral em questões relativas ao bem-estar social, cultura, economia
e educação, num processo de ‘modernização conservadora’ (p. 29).
Há uma assustadora atualidade numa afirmação de Apple
(1995): Todo o projeto de neoliberalismo está ligado a um vasto
processo em que se transfere a responsabilidade das decisões dos
grupos dominantes para o Estado, para os trabalhadores e para
os pobres (apud Apple & Nóvoa, 1998). A crise econômica que
atravessamos hoje, além da corrupção generalizada, vem servin-
do de álibi para que os grupos econômicos dominantes, nesse
período pós-golpe, retirem sistematicamente os direitos sociais
adquiridos pelas classes trabalhadoras ao longo de muitos anos
de lutas e conquistas. Utilizam-se hoje do aparelho de Estado
(vide a bancada “BBB”2 com maioria absoluta na Câmara e Sena-
do brasileiros), do aparelho midiático (em especial TV, jornais e
revistas) e do aparelho judiciário (incluindo o MP e os Tribunais
33

de Justiça Superiores) para aprovar medidas danosas à população


trabalhadora, incluindo a Educação.

2 BBB = “Bancada do Boi, da Bala e da Bíblia” – referindo-se ao loby político-partidário dos latifun-
diários do agro-negócio, dos fabricantes e comerciantes de armas e dos evangélicos, organizados
hoje em frentes e bancadas parlamentares hegemônicas na Câmara e no Senado.
Segundo Moreira (2000):

há um movimento universal destinado a reestruturar os sistemas


educativos das sociedades ocidentais de bem-estar (Carlgren, 1998),
que desempenham importante papel nos processos de legitimação
que ocorrem nessas sociedades (Popkewitz, Pitman e Barry, 1998)
e que expressam os interesses conservadores de grupos de direita
que procuram aplicar às escolas as leis do livre mercado (Apple,
1993; Whitty, Power e Halpin, 1998) e se concretizam em práticas
globais cujas implicações são produzir sistemas de inclusão e de
exclusão (Burbules, 1998). (pp. 109-110)

No Brasil estamos vivenciando a implantação de mais uma


proposta curricular nacional pós-PCNs: a adoção da BNCC – Base
Nacional Curricular Comum, que sob o argumento de padronizar
os conteúdos mínimos necessários à aprendizagem na Educação
Básica, assumem a “Pedagogia das Competências” como matriz
também pra Educação Infantil e Ensino Fundamental, o que an-
tes era explícito apenas para o Ensino Médio, com a já conhecida
matriz do ENEM.
O aprofundamento da crise econômica mundial e seus re-
flexos internamente tornaram insuportáveis à classe dominante
local pequenas, mas significativas, conquistas de direitos sociais
ligados às lutas das classes trabalhadoras. Essa classe dominante
34

não admitiu abrir mão de suas altas margens de lucros e dos


privilégios (Frigotto, 2017, p. 23). E não suportou ver: o aumento
real do salário mínimo com mais distribuição de renda; a criação
de quase duas dezenas de Universidades públicas e centenas de
Escolas Técnicas Federais, a ampliação do Bolsa Família; as po-
líticas afirmativas para negros, indígenas, pobres e camponeses;
a liberdade de organização e expressão dos movimentos sociais e
culturais do país; o crescimento dos BRICS com a diminuição do
poder do império norte-americano, etc. (Idem)
Frigotto (2017) afirma que: “No campo de educação, o núcleo
empresarial golpista e seus intelectuais aninham-se sob a aparência
cívica do “Todos Pela Educação” e do ‘Escola sem Partido’ ” (p. 24).
O movimento “Todos Pela Educação”3 é mantido pela Fun-
dação Bradesco, Itaú Social, Gerdau, Fundação Roberto Marinho/
Canal Futura, Instituto Unibanco, Fundação Lemann, Instituto
Natura, Instituto Votorantin, Fundação Victor Civita, entre outros
e defende o cumprimento de 5 metas, até 2022, a saber:
1. Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; 2. Toda
criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; 3. Todo aluno com
aprendizado adequado ao seu ano; 4. Todo jovem de 19 anos com
Ensino Médio concluído e 5. Investimento em Educação ampliado
e bem gerido.
Não temos nenhum problema com o estabelecimento de me-
tas paralelas ao PNE, num esforço coletivo de alavancar políticas
públicas universais, mas o que se discute é que o debate político
sobre o Regime de Colaboração, através de Consórcios Públicos,
e de uma necessária definição em legislação regulamentar ainda
inexistente, esteja sendo substituído pelo modelo empresarial de
gestão, tal como os ADEs – Arranjos de Desenvolvimento da Edu-
35

3 “A origem do Movimento Todos Pela Educação se deu através de outro movimento, o chamado
“Faça Parte”, cujos objetivos se assemelham aos do “Todos Pela Educação”, ou seja, pensar a
melhoria da qualidade da educação nacional, através de programas e projetos relacionados à
formação de professores, gestão eficiente, materiais didáticos, etc. Formalmente, o “Todos Pela
Educação” nasce em setembro de 2006 através de um esforço concentrado de seus associados
em atuar mais diretamente em projetos educacionais.” (Malini, 2009 apud Araujo, 2012).
cação.4 Além disso há vultosos recursos públicos sendo transferidos
para a iniciativa privada através de Institutos, Fundações e ONGs,
o que despolitiza o debate sobre a necessidade de regulamentação
do regime de colaboração e ignora a problemática da dinâmica
federativa quanto à oferta da escolarização obrigatória (Araújo,
2012). O problema é que talvez essa nebulosidade tenha permiti-
do que setores do empresariado paulista ligados ao movimento
TPE – “Todos pela Educação”, ocupando lugares estratégicos no
Governo (como é o caso do CNE) imprimissem a lógica de mer-
cado dos ADEs, numa perspectiva empresarial de territorialidade,
redes entre municípios, protagonismo dos atores locais e visão
estratégica que despolitiza o regime de colaboração. (Idem, p. 527)
Araújo (2012) analisa criticamente o significado da

regulamentação dos ADE’s como sinônimo de regulamentação do


regime de colaboração, apontando os equívocos jurídicos e políticos
dessa alternativa, além de ressaltarmos que os ADE’s apresentam
um potencial maior de fragmentação do que de integração e
desenvolvimento nacional, requeridos para a constituição de um
sistema nacional de educação. As conclusões indicam que é preciso
reafirmar a necessidade de regulamentar o regime de colaboração
por Lei Complementar, tal como preconizado pelo Parágrafo único
do Artigo 23 da Constituição Federal de 1988. (p. 517)
36

4 Em 30 de agosto de 2011, a Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação


(CNE) aprovou Parecer, de número 9, “[...] sobre proposta de fortalecimento e implementação do
regime de colaboração mediante arranjos de desenvolvimento da educação”. Posteriormente, em
23 de janeiro de 2012, a Resolução no 1 regulamentou a proposta do Parecer, dispondo sobre a
“[...] implementação do regime de colaboração mediante Arranjo de Desenvolvimento da Educação
(ADE), como instrumento para a melhoria da qualidade social da educação”. (Araujo, 2012, p. 516)
Já o movimento “Escola sem Partido”, cartografado por Fri-
gotto (2017), possui vínculos com o Imil (Instituto Milenium), o
Foro de Brasília, o “Revoltados On Line” e o MBL – Movimento
Brasil Livre, que buscam consolidar uma pauta na agenda pública
nacional de cunho altamente conservador e retrógrado (Espinosa
& Queiroz, 2017) como o combate à chamada “ideologia de gênero”
e a apresentação de vários PLs – Projetos de Lei que correm nos
legislativos estaduais, municipais, além do PL nº 867/2015 e do PL
nº 7180/2014 que buscam inserir na LDBEN “entre os princípios
de ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou res-
ponsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre
a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral,
sexual e religiosa”. (Idem, p. 52)
Mas nem tudo é tragédia! Há que se identificar outros inéditos
viáveis (Freire, 1981) potenciais na escola e nas redes, aquilo que
não é, mas pode ser, que é diferente de se desejar coisas impossí-
veis. Pois o contexto da prática, conforme aponta Brigeiro (2012)
é um espaço ativo de leituras variadas onde é possível verificar
determinados processos de tradução (apropriações, interpretações
e recontextualizações) dessa política pública (e suas pressões ins-
titucionais) em práticas metodológicas, curriculares e avaliativas
dos docentes em âmbitos escolares, a partir da identificação dos
dilemas e táticas envolvidos nas ações docentes que tecem a vida
cotidiana das escolas (p. 192).
37

Segundo ele:

A riqueza analítica é admitir a práxis docente como elemento


constituído e constituinte da cultura escolar em movimento,
chamando atenção para as apropriações de professores e profes-
soras nas tensões entre “normas” e “usos” geradores de dilemas
e táticas no trabalho escolar. (Idem)
Há que se mergulhar nas diferentes culturas das escolas enten-
dendo-as, dialeticamente no contexto da escola, como constituídas
pelos seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus
modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio
de produção e de gestão de símbolos (Forquin, 1993).
Há que se investir na rebeldia ainda possível, no inédito viável,
na criatividade, na indignação, na ocupação da escola pelos alunos,
como vimos recentemente (2015, 2016), na ocupação da escola pela
comunidade, com pais alunos e professores estabelecendo novas
relações com a experiência da aprendizagem e comunidade, com
pais alunos e professores estabelecendo novas relações com a ex-
periência da aprendizagem e com o conhecimento. Uma escola
verdadeiramente cidadã, como lhe chamou Freire. Que forma pra
vida, pra luta, pra reflexão sobre um projeto de futuro, um projeto
de sociedade, num novo projeto de escola.
Uma escola cidadã, como demonstrou recentemente o movi-
mento de ocupação das escolas que acabou influenciando novas
gestões democráticas em escolas públicas de todo o país.
No Brasil, esse movimento de ocupação de escolas públicas
organizado por estudantes, como tática de resistência a ações do
poder público, teve início no segundo semestre de 2015 no estado
de São Paulo, segundo Macedo; Espíndola & Rodrigues (2016)
quando estudantes secundaristas da capital e de outros municípios
paulistas ocuparam escolas em protesto contra a denominada
38

“reorganização curricular” encaminhada pelo governador Geraldo


Alckmin (PSDB), que redundaria no fechamento de escolas e na
transferência de estudantes e de professores para as unidades que
seriam mantidas em funcionamento. Após um período de tensão
entre governo e estudantes, chamando a atenção da sociedade e
colocando o assunto em pauta na grande mídia, a ocupação levou
o governo a rever a política de reorganização proposta, que acabou
por não se concretizar. (Idem)
Em 2016, conforme Macedo; Espíndola & Rodrigues (2016),
ocupações também ocorreram no estado de Goiás, contra a transfe-
rência de gestão de escolas para organizações sociais (OS); em Mato
Grosso, contra a proposta de parcerias público-privadas (PPP); no
Rio Grande do Sul, por melhor infraestrutura; no Rio de Janeiro
e no Ceará, em apoio às greves de professores, por uma educação
de qualidade (o que se desdobrou em outras reivindicações).

Os estudantes brasileiros organizaram-se por meio das redes sociais


e inspiraram-se no movimento dos “pinguins” (assim chamados
pelo uniforme no estilo do século passado) realizado também por
estudantes, por motivos bastante similares, em 2006, no Chile.
Outra raiz mais próxima do movimento nos parece ser, assim como
para a socióloga Maria Virgínia de Freitas (2016), as manifestações
de rua de junho de 2013, momento em que milhares de pessoas,
em várias partes do país, organizadas a partir de redes sociais,
foram às ruas, inicialmente contra um reajuste nas passagens de
ônibus, e, posteriormente, reivindicando amplas melhorias nos
serviços públicos e o fim da corrupção. (Idem, p. 1360)

As experiências tecidas com as ocupações nos permitem


interrogar o que podem os currículos criados no cotidiano, ou
39

o que emerge dos currículos como criação cotidiana? (Oliveira,


2012 apud Macedo; Espíndola & Rodrigues, 2016) O protagonismo
dos jovens materializado nas ocupações mostrou que diferentes
currículos, daqueles a que chamamos de instituídos, pode-se
perceber instituintes e que em seu desenvolvimento também
estão circulando outros saberes, valores e sentidos que se fazem
presentes através dos sujeitos que vivem na escola.
Silva (2004) aponta algumas condições necessárias para or-
denar e auxiliar a viabilização da reorganização curricular numa
perspectiva popular e crítica:
1. Opção por uma política institucional constituinte;
2. Delimitar o espaço escolar como unidade político-peda-
gógica e sociocultural de construção curricular permanente;
3. Estabelecer foros escolares participativos como instâncias
decisórias;
4. Promover formação permanente dos profissionais da
educação;
5. Articular a organização dinâmica das políticas escolares;
6. Adotar referências processuais como parâmetros de uma
racionalidade problematizadora no movimento de construção do
projeto educacional. (pp. 371-378)
Precisamos reconstituir essas condições de trabalho pra uma
retomada dos MRCs nas redes públicas, em busca de experiências
inovadoras e instituintes.
São também experiências curriculares instituintes as que aqui
sistematizamos e socializamos. Experiências que ainda estão em
andamento em comunidades tradicionais na região de Angra e
Paraty, como os Guarani Mbya da Aldeia Sapukai e Aldeia Itaxi;
os caiçaras da Praia do Sono e do Pouso da Cajaíba, assim como
as demais comunidades da Zona Costeira e os quilombolas do
Quilombo do Campinho da Independência e do Cabral, em Paraty,
40

que integram o Programa: “Escolas do Território”, do IEAR/UFF


na Costa Verde, abaixo diagramado.
Quadro 1: Programa “Escolas do Território”.

41
Tal Programa foi iniciado em 2015 através da formação con-
tinuada dos professores indígenas e não indígenas do Colégio
Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda, em parceria
com a SEEDUC-RJ; agrega-se em 2016 a implantação do segundo
segmento nas escolas caiçaras nas praias do Sono e do Pouso da
Cajaíba, em Paraty; inicia-se em 2017 a formação continuada com
os professores em educacão escolar quilombola, do Quilombo do
Campinho e do Cabral (Paraty) e recentemente em 2018, incorpo-
ra-se a formação continuada do primeiro segmento em educação
escolar caiçara em toda a Zona Costeira de Paraty, este, em parceria
com o NEPEDIF – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
Diferenciada do CPII – Colégio Pedro II, Unidade Humaitá. Os
programas em Educação Escolar Caiçara e Quilombola são todos
iniciativas da Secretaria Municipal de Educação de Paraty, que o
IEAR/UFF coordena, a partir de Acordos de Cooperação Técni-
ca. Finalmente, em julho de 2018, é implantado o Ensino Médio
com Habilitação em Magistério Indígena Guarani, através de um
Acordo de Cooperação Técnica entre o IEAR/UFF e a SEEDUC-RJ.
O Programa estabeleceu uma parceria com os movimentos
sociais através do FCT – “Fórum de Comunidades Tradicionais
de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba” e de seu “Coletivo de Apoio
à Educação Diferenciada” – duas organizações populares que
atuam há muitos anos na região na luta pela defesa do território
das comunidades tradicionais e suas demandas sociais:
42

O Fórum de Comunidades Tradicionais – FCT é um movimento


social de base comunitária que surgiu a partir da união de indí-
genas, quilombolas e caiçaras da região da Bocaina – Angra dos
Reis, Paraty e Ubatuba, em busca de fortalecimento e solução
para problemas comuns relacionados a direitos básicos e princi-
palmente, para assegurar o direito ao território. O FCT foi criado
em 2007, a partir do surgimento de políticas importantes para os
Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, como o Decreto
6040/2007 que institui a Política Nacional de Povos e Comunidades
Tradicionais e tem como principal objetivo: promover o desen-
volvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais,
com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos
seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e cul-
turais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas
de organização e suas instituições. (Coletivo de Apoio à Educação
Diferenciada, 2018, p. 4)

Essa parceria, garante que a direção política dada às ações


oriundas de acordos de cooperação técnicos assinados entre a
Universidade e o poder público atenda aos interesses reais dessas
comunidades e que sejam discutidas coletivamente. Isso mantém
a reflexão política atualizada, horizontalizada e coletiva, o que
faz com que o trabalho de formação pedagógica coordenado pela
Universidade esteja ancorado nos princípios de uma educação
bilingue, intercultural e diferenciada que fortaleça a identidade
étnica e cultural dos Guarani e sua língua materna, assim como
dos caiçaras e quilombolas, defendida pelo FCT e pelo Coletivo:

O FCT se articula em rede de associações comunitárias e enti-


dades parceiras, buscando o fortalecimento das comunidades
43

tradicionais. Exerce o controle social, pressão participativa e luta


pela democracia, atuando em espaços colegiados como conselhos,
redes e fóruns regionais. Promove defesa dos direitos essenciais
e territoriais das populações tradicionais por meio de articula-
ção, mobilização e diálogo com instituições governamentais e
não governamentais que atuam na defesa desses povos, como
Ministério Público, Defensoria Pública, universidades, centros
de pesquisa e ONGs. O FCT exerce ainda atuação importante
como criador e indutor de políticas públicas a representantes do
poder legislativo. (Idem.)

Há também representantes indígenas no recém criado Con-


selho Estadual de Educação Escolar Indígena do Rio de Janeiro
– CEEEI-RJ (com 50% de representatividade), instalado em 2018
e cujo presidente indígena é o professor Algemiro da Silva Karai
Mirim, também professor do Curso de Magistério Indígena, e
indígenas também atuando no FCT, como Júlio Garcia (Aldeia
Sapukai – Angra dos Reis) e Alexandre Kuaray Mirim (Aldeia
Yakã Porã – Ubatuba-SP) além de jovens indígenas no Grupo de
Jovens do Coletivo.
44
C apítulo I I

Currículos integrados e diferenciados,


o que é isso?

[…] toda investigação temática de caráter


conscientizador se faz pedagógica e tôda autêntica
educação se faz investigação do pensar.
(Freire, 1981, p. 120)

2.1 As Diferentes Perspectivas Teóricas da


Integração Curricular

Há diferentes enfoques teóricos orientando experiências de


integração curricular, algumas com fundamentos político ideoló-
gicos até antagônicos. Até as políticas curriculares oficiais também
incorporaram no Brasil o discurso da integração curricular, como
apontam Matos & Paiva (2009):

Na década de 1990, o discurso sobre integração curricular foi


retomado no Brasil e em muitos países, no âmbito de propostas
oficiais e de organismos internacionais como o Banco Mundial,
a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
45

Cultura – UNESCO – e o Banco Interamericano de Desenvolvi-


mento – BID – e como parte da literatura divulgada por autores
estrangeiros e brasileiros. As diretrizes curriculares, elaboradas
no movimento de reformas educacionais da época, preveem várias
modalidades de integração para a Educação Básica e a Formação
Docente. Como demonstram as análises de Lopes (2002) e de Ma-
cedo (2002), essas normas mesclam diferentes concepções teóricas
e distintos mecanismos de organização curricular integrada. (p. 2)
Quando são apropriadas em diferentes agências institucionais
por diferentes atores sociais em contextos históricos diferentes,
essas propostas são ressignificadas, recontextualizadas e hibridi-
zadas com as práticas já correntes. Isso produz resultados às vezes
ambivalentes e contraditórios.
Matos & Paiva (2009), baseadas em Pinar et al. (1996) e Lopes
(2002, 2008), abordando o pensamento curricular clássico sobre
organização do conhecimento escolar, distinguem três grandes
matrizes voltadas a distintas finalidades sociais e partindo de prin-
cípios teóricos diferentes. São elas: a) currículo por competências,
organizado em módulos; b) currículo centrado nas disciplinas
escolares de referência; e c) currículo centrado nas disciplinas ou
matérias escolares (p. 7).
a) Na organização do currículo por competências, surgido
nos anos de 1970, a ideia de competências substitui a concepção
de objetivos comportamentais como princípio de organização
curricular. Buscando associar o comportamentalismo a dimensões
humanistas mais amplas, a centralidade da organização curri-
cular passa das disciplinas acadêmicas para módulos de ensino,
direcionados por conjuntos de saberes, conforme as competências
esperadas. Esse currículo constituiu-se na tradição do pensamento
dos eficientistas sociais (Bobbit e Charters) e voltava-se para o
atendimento às demandas dos processos de produção tayloristas
e fordistas (Matos & Paiva, 2009, p. 7).
46

b) A organização curricular centrada nas disciplinas de refe-


rência tem suas bases em Herbart e Bruner. Enfatiza as disciplinas
de referência e o conhecimento especializado como fontes para
o currículo e para as finalidades da escolarização; o processo de
ensino deve transmitir aos alunos a lógica do conhecimento de
referência, seus conceitos e princípios. (Idem, p. 8) Ela está presente
na noção de interdisciplinaridade também.
c) Já a organização curricular centrada nas disciplinas esco-
lares tem referência em autores como Dewey, Decroly, Kilpatrick
e progressivistas em geral, mesmo com suas diferenças. Deter-
minadas finalidades sociais definem as disciplinas. Os princípios
integradores são buscados no conhecimento escolar. A integração é
também pensada a partir de princípios derivados das experiências
e interesses dos alunos. (Idem).
Entretanto, buscando superar as bases liberais do pensamento
curricular clássico, expressos nestas três matrizes citadas, uma
teoria crítica do currículo emerge da terceira matriz, mas a partir
de trabalhos de Young (1981), Giroux (1997, 2003), Torres Santomé
(1998, 2004), Hernandez (1998) e Freire (1981, 1982) apontando que
a organização integrada do currículo, mais que uma estratégia
didática, traduz uma filosofia sociopolítica, tem implícita uma
concepção de socialização das novas gerações, um ideal de so-
ciedade, do sentido e do valor do conhecimento e como se pode
facilitar os processos de ensino e aprendizagem (Idem p. 9)
Para uma integração curricular numa perspectiva crítica,

A integração de campos do conhecimento e experiência teria


em vista facilitar uma compreensão mais reflexiva e crítica da
realidade, ressaltando não só dimensões centradas nos conteúdos
culturais, mas também o domínio dos processos necessários ao
alcance de conhecimentos concretos, a compreensão de como o
47

conhecimento é produzido e as dimensões éticas inerentes a essa


tarefa (Torres Santomé, 1998 apud Matos & Paiva, 2009).

É nessa potencialidade crítica associada à valorização dos


saberes e das experiências dos alunos, que apostamos em nossas
experiências que aqui serão apresentadas e teorizadas.
Assim, a perspectiva crítica de currículo que adotamos se
afasta do cunho cientificista do pensamento de Dewey, com sua
concepção liberal de democracia e situa os saberes dos alunos
como saberes de classe, problematizando sua associação com a
cultura e o cotidiano. Os trabalhos de Michael Apple e Henry
Giroux são exemplos dessa perspectiva, assim como os de Paulo
Freire (Matos & Paiva, 2009, p. 10), referência teórica fundamental
de nossa metodologia de construção de PPPs, que toma a via do
tema gerador (em redes temáticas) aliada à pedagogia de projetos
de caráter interdisciplinar.
Há, portanto, diferenças significativas historicamente cons-
truídas, entre as experiências com currículo integrado. Segundo
Torres Santomé (1998) existem duas modalidades mais clássicas
de integração de currículo, que ainda hoje são bastante utilizadas
em diferentes instituições: os centros de interesse, de Decroly e o
método de projetos, de Kilpatrick. (p. 193).
Os centro de interesse de Decroly, tem uma metodologia
puerocêntrica que subordina a intervenção didática aos interesses
infantis, que segundo ele, estão condicionados por suas “neces-
sidades naturais” e, portanto, são comuns e inamovíveis para
todas as crianças, o que para Torres Santomé (1998) é aqui que
se localizam os pontos mais fracos da metodologia decrolyana,
neste estabelecimento a priori das necessidades da infância, em
sua relação com um impulso biológico, nessa detalhada e pré-
48

fixada relação de interesses (p. 194). Entretanto, sabemos que os


interesses não tem esse caráter de universalidade já que eles são
fruto de condições sócio-históricas concretas, de experiências e
situações específicas. (idem, p. 195)
O método de projetos, de Kilpatrick segundo Torres Santomé
(1998) trata-se de uma filosofia curricular que tem similaridades
com a dos centros de interesse, só que agora ressaltam-se mais
as dimensões utilitaristas do conhecimento e são destacadas as
dimensões práticas do conhecimento. Neste sentido, ela se apro-
xima das idéias de Dewey, e ao mesmo tempo se contradiz, no
aspecto que se relaciona à concepção de aprendizagem, com bases
comportamentalistas, oposta ao referencial deweyano e também
no aspecto de não levar em conta a história sócio-cultural de cada
sociedade (Torres Santomé, 1998).
A partir destes dois modelos clássicos as propostas práticas de
integração curricular serão bastante numerosas e diferentes. Torres
Santomé (1998, pp. 206-207) adota a classificação de Pring (1976):
1. Integração correlacionando diversas disciplinas;
2. Integração através de temas, tópicos ou idéias;
3. Integração em torno de uma questão da vida prática e diária;
4. Integração a partir de temas e pesquisas decididos pelos
estudantes.
E acrescenta outras formas:
1. Integração através de conceitos;
2. Integração em torno de períodos históricos e/ou espaços
geográficos;
3. Integração mediante áreas do conhecimento.
Nossa metodologia faz uso de elementos de integração através
de temas, tópicos ou idéias, pois toma como referência a via do
Tema Gerador, proposta por Freire (1981), mas também utiliza-se
da integração através de conceitos, pois toma os conceitos integra-
49

dores de cada área de conhecimento/disciplina como indicador


pra seleção de conteúdos programáticos a serem trabalhados em
cada projeto pedagógico.
A via do Tema Gerador não se encontra nos homens isolados
da realidade, nem tão pouco na realidade separada dos homens,
pois só pode ser compreendida nas relações homens-mundo
(Freire, 1981, p. 113). Segundo ele, o que se pretende pesquisar não
são os homens propriamente, como se fossem peças anatômicas,
mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, a sua
visão de mundo, em que se encontram envolvidos seus “temas
geradores” (Idem, p. 103).
Feita a delimitação temática, caberá a cada especialista (profes-
sor de cada disciplina), dentro de seu campo, apresentar à equipe
interdisciplinar o projeto de “redução” de seu tema, onde o espe-
cialista busca seus núcleos fundamentais que, constituindo-se em
unidades de aprendizagem e estabelecendo uma sequência entre
si, dão a visao geral do tema “reduzido”. (Idem, p. 135)
Entretanto, assim como que para Freire se, na etapa da alfa-
betização a educação problematizadora e da comunicação busca
e investiga a “palavra geradora” e na pós-alfabetização, busca e
investiga o “tema gerador” (p. 120), para nós, na etapa escolar do
segundo segmento (60 ao 90 Anos) e do ensino médio, busca e
investiga a “rede temática”, num universo temático com um grau
de complexidade maior, envolvendo diversos temas geradores
articulados dialeticamente entre si. Uma rede temática construída
tal como um mapa conceitual, como veremos em seguida.
Essa metodologia visa a construção coletiva de uma nova pro-
posta pedagógica, na perspectiva de garantir, segundo Saul (1998):

– respeito à identidade cultural do aluno;


– a apropriação e produção de conhecimentos relevantes e sig-
50

nificativos para o aluno, de modo crítico, na perspectiva da


compreensão e transformação da realidade social;
– a mudança da compreensão do que é ensinar e aprender;
– o estímulo à curiosidade e criatividade do aluno;
– a democratização das relações na escolar;
– o resgate da identidade do educador;
– a integração comunidade/escolar como espaço de valorização
e recriação da cultura popular. (p. 157)
No primeiro momento do processo de reorientação curricular,
definido como problematização do currículo, busca-se a descrição
e a expressão das expectativas dos interlocutores do processo:
alunos, pais e comunidade, que confirmam que os educandos
tem muito a dizer sobre a escola; os educandos querem melhorar a
escola e que os educandos querem participar do processo educativo.
(Saul, 1998, pp. 161-162)
Em seguida, discutiremos o que caracteriza um currículo
diferenciado para os três tipos de comunidades tradicionais que
acompanhamos.

2.2- O Que é Currículo Diferenciado Para Educação Escolar


Indígena, Caiçara e Quilombola5

Falar de uma escola que admite um currículo diferenciado


é um desafio, visto que as escolas têm um padrão de ensino que
busca homogeneizar, normalizar. Quando uma cultura outra é
incluída em um sistema de ensino, existe uma tendência de com-
pará-la com a cultura dominante.

As situações mais frequentes de interculturalismo são caracteri-


zadas pela intenção de pura assimilação ou de integração de uma
subcultura a partir de outra cultura e de outra prática que são
dominantes. Muito raramente se parte de um biculturalismo, no
51

qual as culturas tenham a mesma importância, peso e prestígio nas


instituições, nas práticas e nos valores da população, razão pela qual
se modifica a forma de entender e praticar a cultura dominante

5 Extraído e adaptado de: “A Construção de Currículos Diferenciados Indígenas e Caiçaras na Costa


Verde”, Monografia de Conclusão de Curso de Graduação em Pedagogia de: Anna Beatriz Vecchia,
bolsista PIBIC IEAR/UFF (2015-2017).
no ensino ou a integração de outras culturas não dominantes será
muito difícil, senão impossível. (SACRISTÁN, 1995, p. 83)

A diversidade de fato ocorre quando existe variedade e o


currículo escolar tradicional dificilmente admite essa variação.
Antes de tudo, precisamos entender de que currículo estamos
falando, pois, existem diferentes concepções acerca desta palavra
e que podem ser aplicadas em diferentes contextos.

O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um univer-


so mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela
parte que vai constituir, precisamente, o currículo. As teorias
do currículo, tendo decidido quais conhecimentos devem ser
selecionados, buscam justificar por que “esses conhecimentos”
e não “aqueles” devem ser selecionados. (SILVA, 1999, p. 15)

O currículo que nos referimos, não é simplesmente a seleção


de conteúdo de uma grade curricular, nos referimos ao currículo
real, que são as práticas pedagógicas que acontecem dentro de
uma sala de aula que, muitas vezes, diferem do que está no papel.

Isto é, o currículo real é mais amplo que qualquer documento


no qual se reflitam ao objetivos e planos que temos. Na situação
escolar se aprendem mais coisas, dependendo da experiência de
52

interação entre alunos e professores, ou entre os próprios alunos,


dependendo dos materiais com os quais o aluno se relaciona,
dependendo das atividades concretas que são desenvolvidas. Por
isso, se diz que o currículo real, na prática, é consequência de se
viver uma experiência e um ambiente prolongados que propõem
e impõem – todo um sistema de comportamentoe de valores e
não apenas de conteúdos de conhecimento a assimilar. Essa é a
razão pela qual aquele primeiro significado de currículo como
documento ou plano explícito se desloca para um outro, que
considere a experiência real do aluno na situação de escolarização.
(SACRISTÁN, 1995, p. 86)

Quando um docente traça objetivos para sua aula, ele recorre


a estratégias que não estão no papel, como a linguagem, atitudes
e os exemplos que são usados. São o que chamamos de “saberes
docentes” (Nóvoa, 1995). Para que a escola seja mais diversa, não
basta simplesmente mudar os conteúdos do currículo, é preciso
que se atente à postura dos alunos e dos docentes na sala de aula.
“Um currículo multicultural no ensino implica mudar não ape-
nas as intenções do que queremos transmitir, mas os processos
internos que são desenvolvidos na educação institucionalizada.”
(SACRISTÁN, 1995, p. 88)

2.2.1- O Multiculturalismo

Quando nos referimos ao multiculturalismo, assim como o


termo currículo, ele prevê significados diversos e é conformado
por fundamentos teóricos distintos. Uma educação multicultural
pode acontecer de forma que uma cultura minoritária seja sempre
subordinada à cultura dominante, em condições desiguais. Por
isso, “A opção que pode ser instrumentalizada em um sistema de
53

uma decisão política e social prévia.” (SACRISTÁN, 1995, p. 92)


Cada indivíduo que está dentro de uma cultura a absorve de
maneira distinta, e o que é comum entre eles é apenas a descrição
desta, ou seja, aquilo que se entende.
Aquilo que se apresenta como mais homogêneo dentro de cada
cultura é o “relato” que faz cada grupo cultural – os indivíduos
que podem e estão capacitados para fazê-lo – daquilo que entende
como sendo sua cultura, a forma como um grupo representa para
si próprio sua identidade cultural; (SACRISTÁN, 1995, p. 96)

Isso acontece com o currículo escolar, que é a homogeneida-


de, a sintetização de uma cultura, ou seja, ele não representa nem
sequer a cultura dominante, pois, se trata apenas de uma seleção
simplificada de elementos culturais.

A cultura escolar delimitada pelo currículo explícito e por esse


currículo real que se plasma nas práticas escolares ou por aquele
que vemos refletindo nos materiais pedagógicos – especialmente
nos livros didáticos – está longe de ser um resumo representativo
de todos os aspectos, dimensões ou invariantes da cultura da
sociedade na qual surge o sistema escolar. O currículo seleciona
elementos, valoriza certos componentes em relação a outros e
também oculta dos alunos aspectos da cultura que rodeia a es-
cola. [...] Os conteúdos selecionados dificilmente têm o mesmo
significado para cada um dos indivíduos. (SACRISTÁN, 1995, p. 99)

Quando há essa seleção de conteúdo, eles acabam se distan-


ciando da vida do aluno e isso se torna pior com educandos que
54

estão socialmente em desvantagem. Geralmente, o que é selecio-


nado, se distancia do aspecto social, humano, afetivo do aluno
e se aproxima da lógica racional dominante, pois cultiva certas
dimensões em detrimento de outras.

Essa ideologia tem duas projeções na educação: por um lado, na


seleção que faz dos conteúdos que formam currículos cada vez
mais ligados às atividades econômicas e profissionais, o que se
traduz em ir privilegiando, desde muito cedo, os conhecimentos
que são considerados mais pragmáticos: as ciências e os idiomas
modernos, em detrimento das humanidades, do conhecimento
social em geral, das artes, etc. As necessidades dos indivíduos
ficarão relegadas a um segundo plano, a não ser que essas sejam
estudadas, também nesse caso, pela “ciência” psicológica. (SA-
CRISTÁN, 1995, p. 100)

Enquanto não houver uma reforma do currículo pensada a


partir de uma formação contínua de professores, com materiais
para uso pedagógico adequados, planejamento curricular e a
reflexão e análise das práticas pedagógicas, o currículo estará
longe de ser multicultural. Não podemos deixar de lado que seria
ilusório pensar um currículo que englobe todas as culturas, já que
a escola acompanha o modelo de sociedade dominante e que a
partir dela os educandos desenvolvem habilidades para viverem
nesta sociedade, e este modelo não representa todas as culturas.
Segundo McLaren (1997), ao pensar o multiculturalismo a
partir dos Estados Unidos, existem concepções de multicultura-
lismo diferentes: multiculturalismo conservador ou empresarial,
multiculturalismo humanista liberal, multiculturalismo liberal de
esquerda e o multiculturalismo crítico.
O multiculturalismo conservador apoia a supremacia branca e
caracteriza as populações africanas como selvagens, comparando-as
55

como as primeiras do estágio do desenvolvimento humano. Como


se todas as culturas fossem categorizadas a partir da cultura branca.

Em primeiro lugar, ele recusa a tratar a branquidade como uma


forma de etnicidade e, ao fazê-lo, situa a branquidade como uma
norma invisível através da qual outras etnicidades são julgadas.
Em segundo lugar, o multiculturalismo conservador [...] utiliza o
termo “diversidade” para encobrir a ideologia de assimilação que
sustenta sua posição. Nesta visão, os grupos étnicos são reduzidos
a “acréscimos” à cultura dominante. [...] Quarto, multicultura-
listas conservadores definem padrões de desempenho, que estão
previstos no capital cultural da classe média anglo-americana,
para toda juventude. Quinto, o multiculturalismo conservador
não questiona o conhecimento elitizado – conhecimento que é
mais valorizado pela classe média branca norte-americana – para
quem o sistema educacional é direcionado. Em outras palavras,
ele também não interroga regimes dominantes de discurso e prá-
ticas culturais e sociais que estão vinculadas à dominação global
que estão inscritas em convicções racistas, classistas, sexistas e
homófobas. (MCLAREN, 1997, p. 115)

Para o multiculturalismo humanista liberal, entre as pessoas


brancas, negras, asiáticas, latinas e etc., existe uma igualdade
natural e podem competir igualmente num sistema capitalista,
embora compreenda que faltam oportunidades sociais e culturais
para que possa competir de forma igual neste sistema. Diferente
do multiculturalismo conservador, esta concepção admite que os
problemas sociais e econômicos podem ser modificados a fim de
alcançar a igualdade.
O multiculturalismo liberal de esquerda admite as diferenças
culturais, entretanto, ignora a história e a cultura que são respon-
56

sáveis pelos comportamentos e práticas sociais existentes.

Isto é, há uma tendência a ignorar a diferença como uma constru-


ção histórica e social que é constitutiva do poder de representar
significados. [...] O multiculturalismo liberal de esquerda trata
a diferença como uma “essência” que existe independente de
história, cultura e poder.” (MCLAREN, 1997, p. 120)
O multiculturalismo crítico e de resistência, diferente das ou-
tras concepções, avança para um projeto de transformação social.
“O multiculturalismo sem uma agenda política de transformação
pode apenas ser outra forma de acomodação a uma ordem social
maior.” (MCLAREN, 1997, p. 122). Esta concepção entende que
aforma como a raça, classe e gênero são representadas, é resultado
de lutas históricas de significados. Ou seja, os signos e significa-
dos, os sentidos, são construídos historicamente. “Os signos são
parte de uma luta ideológica que cria um regime particular de
representação que serve para legitimar certa realidade cultural.”
(MCLAREN, 1997, p. 128) Como por exemplo, o termo “menor”
hoje é utilizado, principalmente pela mídia, quando se refere ao
negro, jovem, morador de periferia.
O currículo possibilita a criação e produção de significados.

Esses significados, entretanto, não são simplesmente significados


que se situam no nível da consciência pessoal ou individual. Eles
estão estritamente ligados a relações sociais de poder e desigual-
dade. Trata-se de significados em disputa, de significados que são
impostos, mas também contestados. (SILVA, 1999, p. 56)

O multiculturalismo crítico admite que a diferença é um


resultado histórico, neste caso, a diferença deve ser estabelecida
dentro de uma política crítica e compromisso com a justiça social.
57

(MCLAREN, 1997, p. 123) Diferente da visão liberal que compreende


esta diferença ignorando as ações de poder e privilégio.

O currículo multiculturalista crítico pode ajudar as educadoras


a explorarem as maneiras pelas quais alunas e alunos são dife-
rencialmente sujeitados às inscrições ideológicas e aos discursos
de desejo multiplamente organizados, por meio de uma política
de significação. (MCLAREN, 1997, p. 131)
Esta concepção não apenas interroga a diferença, reduzindo-a.
Ela desconstrói o significado ao perceber as condições históricas
e sociais em que ele é construído.

Uma práxis multicultural crítica não rejeita simplesmente o de-
coro burguês que consignou o Outro imperalizado ao domínio
grotesco, mas tenta efetivamente remapear ao lutar por uma
cultura multivalenciada linguisticamente e por novas estruturas
de experiência nas quais os indivíduos recusam o papel do nar-
rador onisciente e concebem a identidade como uma montagem
polivalente de posições de sujeitos (contraditórias e sobre deter-
minadas). Os sistemas de diferença existentes que organizam
a vida social em padrões de dominação e subordinação devem
ser reconstruídos. Precisamos fazer mais do que problematizar
incansavelmente a diferença como uma condição de retórica ou
interrogar incessantemente o status de todo reconhecimento
como uma inscrição discursiva. [...] Em vez disso, precisamos de
uma reescrita da diferença como diferença-em-relação, seguida
por tentativas de mudança dramática das condições materiais
que permitem que as relações de dominação prevaleçam sobre
as relações de igualdade e justiça social. (MCLAREN, 1997, p. 134)

Peter McLaren (1997) aponta que os educadores que estão


trabalhando com reformas curriculares precisam tratar a diferença
58

com responsabilidade, e desafiar criticamente aquilo que nega a


diferença, afirmando a voz dos sujeitos historicamente oprimidos.

Em primeiro lugar, precisamos ir além da aceitação de um ou


dois livros latino-americanos ou afro-americanos dentro dos
cânones das grandes obras. Em vez disso, precisamos legitimar
múltiplas tradições de conhecimento. Ao focalizarmos direta-
mente a “diversidade”, estamos, na realidade, reforçando o poder
de discurso das tradições ocidentais que ocupa os contextos e
privilégios sociais. Em segundo lugar, reformas curriculares
exigem que as educadoras interroguem as pressuposições dis-
cursivas que informam suas práticas curriculares com respeito
a raça, classe, gênero e orientação sexual. Além disso, as pessoas
que estão trabalhando com o currículo precisam desafiar suas
complacências com relação ao eurocentrismo. Em terceiro, o
que é percebido como superioridade inerente à branquidade e
racionalidade ocidental precisa ser superado. [...] Quarto, reforma
curricular significa reconhecer que grupos estão diferencialmente
situados na produção do conhecimento superior ocidental. Como
determinados grupos são representados no conhecimento oficial
que se faz o currículo? (p. 145)

Os educadores multiculturais críticos precisam fazer com que


os educandos produzam análises críticas e políticas da realidade
dentro de uma perspectiva de luta histórica e social.

2.2.2- A Teoria Curricular Crítica

Os estudos curriculares começaram nos Estados Unidos por


volta do século XIX por conta da imigração estrangeira resultante
do crescimento da economia americana. Uma nova lógica de viver
59

em um mundo industrial tomava conta da sociedade na época e era


preciso manter os costumes e culturas daquela sociedade diante
de tanto crescimento e aumento de empregados estrangeiros nas
indústrias. Coube a escola, dar conta deste controle social, ensi-
nando valores e condutas, restaurando a homogeneidade. Todavia,
o papel da escola numa sociedade capitalista não era questionado .
As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e
transformação radical. Para as teorias críticas o importante não é
desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver
conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz.
(SILVA, 1999, p. 30)

A partir da década de 1970, alguns especialistas em currículo


deram início a reconceituação do campo (SILVA; TADEU, 1994, p.
14) rejeitando toda essa visão americana sobre o currículo. Dentre
esses especialistas, os autores neomarxistas, voltaram os estudos
para a Sociologia do Currículo.

Reintere-se a preocupação maior do novo enfoque: entender a


favor de quem o currículo trabalha e como fazê-lo trabalhar a
favor dos grupos e classes oprimidos. Para isso, discute-se o que
contribui, tanto no currículo formal como no currículo em ação e
no currículo oculto, para a reprodução das desigualdades sociais.
Identificam-se e valorizam-se, por outro lado, as contradições
e as resistências presentes no processo, buscando-se formas de
desenvolver seu potencial libertador. (SILVA; TADEU, 1994, p. 16)

A Nova Sociologia da Educação, na década de 1970, começa


a criticar o que ocorria nos Estados Unidos, onde o currículo
tradicional era considerado como dado e aceitável, portanto, não
60

era questionado.

Por que se atribui mais prestígio a certas disciplinas do que a


outras? Por que alguns currículos são caracterizados por uma
rígida separação entre as diversas disciplinas enquanto outros
permitem uma maior integração? Quais são as relações e princípios
de poder? Quais interesses de classe, profissionais e institucio-
nais estão envolvidos nessas diferentes formas de estruturação
e organização? (SILVA, 1999, p. 68)

Para Giroux (apud Silva, 1999, p. 51), a análise burocrática


presente, da eficiência e racionalidade presentes nos currículos até
então dominantes, não levavam em consideração a sua condição
histórica, ética e política das ações sociais e humanas, no caso do
currículo e do conhecimento.
Segundo Moreira (1990), em 1980, o Brasil passava por um
período conturbado. Após a crise econômica, o fim da ditadura
militar e a primeira experiência do país como “Nova República”,
as desigualdades sociais cada vez mais acentuadas, a escola e os
serviços públicos estavam se deteriorando e os diversos fatores
que contribuíram para que a oposição política se fortalecesse as-
sim como o movimento dos trabalhadores rurais e urbanos que
se fortalecia nos sindicatos e em associação de moradores, uma
discussão sobre a pedagogia crítica surgiu, promovida por debates
sobre a educação brasileira neste período. Agora, os modelos edu-
cacionais atuantes durante o regime militar eram desvalorizados,
seguindo a ideia de que a influência dos autores americanos foi
perdendo lugar para os autores europeus.
Os debates sobre a preocupação com o currículo escolar deram
início à discussão sobre a tendência curricular crítica, em que se
61

destacam duas orientações principais: a Pedagogia Crítico-Social


dos Conteúdos e a Educação Popular, que tentavam superar as
tendências anteriores.
A pedagogia crítico-social dos conteúdos, segundo Moreira
(1990), tentava resgatar o valor dos conteúdos e a transmissão de
conhecimento; eles achavam que esta era a função da escola e
rejeitavam a visão escolanovista de dar ênfase na metodologia; os
conteudistas criticavam bastante as outras tendências, diminuindo
a possibilidade de diálogo entre elas. Os conteudistas defendiam
as disciplinas, valorizavam mais os conteúdos do que os outros
elementos curriculares, como os objetivos, metodologia e avaliação;
não davam tanta importância aos aspectos que estavam implícitos
no currículo. Esta tendência era voltada para o contexto do país,
elaborada por teóricos brasileiros; predominava a preocupação
com a emancipação, pois, buscava preparar o aluno para uma
participação ativa numa sociedade democrática.
A educação popular também se preocupava com a emancipa-
ção, “as camadas populares devem desenvolver um conhecimento
que reforce seu poder de resistência e luta”. (MOREIRA, 1990, p.
173). O currículo, nesta tendência, é composto pelas necessidades
e exigências da vida social dos alunos, deixando as disciplinas de
lado. Da mesma forma que a tendência crítica-social dos conteúdos,
procura-se pensar a partir da realidade brasileira, com práticas
pedagógicas alternativas.
Segundo Moreira (1990), por um lado, os conteudistas criticam
os educadores populares de manifestarem práticas pedagógicas
que não seriam viáveis nos modelos de educação formais, de
desvalorizarem a escola ao privilegiarem os espaços educativos
informais. E por outro, os educadores populares criticam os
conteudistas por darem muita ênfase ao saber sistematizado e a
cultura dominante, de não considerar a metodologia e avaliação,
62

não destacar o desenvolvimento da consciência crítica, e de não


questionarem o papel da escola burguesa na emancipação das
camadas populares.

Os primeiros privilegiam a cultura erudita e defendem a sociali-


zação do conhecimento objetivo, produzido por todos e reservado
a uns poucos. Os educadores populares, por outro lado, preferem
valorizar o saber popular e utilizá-lo como instrumento de cons-
cientização da situação de opressão das camadas subalternas.
(MOREIRA, 1990, p. 176)

Podemos ver que tanto os conteudistas como os educadores


populares, se declinavam diante dos autores americanos, pois,
não admitiam a ênfase aos métodos e técnicas tradicionais. Os
problemas da educação do país passaram a ser analisados por
um viés dialético, ao mesmo tempo em que se tentava superar as
tendências anteriores.

Estamos sugerindo que as teorias anteriormente influentes no


Brasil foram fundamentais, tanto no contexto da descoberta
como no da justificativa, para a formulação da tendência cur-
ricular crítica, o que explica um relativo grau de autonomia face
à influência estrangeira, bem como o caráter autóctone dessa
tendência. (MOREIRA, 1990, p. 196)

Não é possível analisar o currículo fora da sua história e nem


acreditar que este seja neutro. Silva & Tadeu (1994) nos convidam
a compreender a Teoria Crítica a partir de três eixos: ideologia,
cultura e poder.
Em primeiro lugar, a ideologia a qual nos referimos, é um
conceito central da teoria crítica, pois é na perspectiva de que é
63

partir dela que a classe dominante transmite suas ideias de forma


eficaz pra que assegure sua reprodução.

O que caracteriza a ideologia não é a falsidade ou verdade das


ideias que veicula, mas o fato de que essas ideias são interessadas,
transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses
dos grupos situados em uma posição de vantagem na organização
social. A ideologia é essencial na luta desses grupos pela manu-
tenção das vantagens que lhes advêm dessa posição privilegiada.
(SILVA; TADEU, 1994, p. 24)

A ideologia conta com uma espécie de consentimento ativo


dos oprimidos, como diria Gramsci, ela é construída com elemen-
tos que já existem na cultura, no senso comum; é constituída por
elementos de diferentes naturezas e conhecimentos distintos, não
é uniforme e nem regular e é interpretada de formas diferentes.

Além disso, a ideologia atua de forma discriminatória: ela inclina


as pessoas das classes subordinadas à submissão e à obediência,
enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a comandar
e a controlar. Essa diferenciação é garantida pelos mecanismos
seletivos que fazem com que as crianças das classes dominadas
sejam expelidas da escola antes de chegarem àqueles níveis onde
se aprendem os hábitos e habilidades próprios das classes domi-
nantes. (SILVA, 1999, p. 32)

Em segundo lugar, é impossível falar de currículo se não men-


cionarmos a cultura. O currículo é “uma forma institucionalizada
de transmitir a cultura de uma sociedade”. (SILVA; TADEU, 1994,
p. 26) Ela não é estática, unitária ou transmitida de forma passiva.
64

[...] O currículo e a educação estão profundamente envolvidos


em uma política cultural, o que significa que são tanto campos
de produção ativa de cultura quanto campos contestados. [...]
A educação e o currículo não atuam, nessa visão, apenas como
correias transmissoras de uma cultura produzida em um outro
local, por outros agentes, mas são partes integrantes e ativas de
um processo de produção e criação de sentidos, de significações,
de sujeitos. (idem, p. 26)
O currículo é um campo onde se manifesta os conflitos das
divisões sociais, aspecto que é inseparável da ideia de cultura. Ele
não é local para transmitir passivamente uma cultura unitária “mas
o terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura” (idem)

[...] é nessa força original que permite que a classe dominante possa
definir a sua cultura como a cultura, mas nesse mesmo ato de
definição oculta-se a força que torna possível que ela possa impor
essa definição arbitrária. Há, portanto, aqui, dois processos em
funcionamento: de um lado, a imposição e, de outro, a ocultação,
que aparece, então como natural. (SILVA, 1999, p. 35)

Em terceiro lugar, precisamos compreender que o currículo


estará sempre ligado à uma relação de poder, compondo a dimen-
são política da teoria crítica. O currículo expressa os interesses
da cultura dominante e as relações de poder. Entretanto, o poder
não se manifesta de uma maneira clara, cabendo uma reflexão.

No caso do currículo, cabe perguntar: que forças fazem com que o


currículo oficial seja hegemônico e que forças fazem com que esse
currículo aja para produzir identidades sociais que ajudam a pro-
longar as relações de poder existentes? (SILVA; TADEU, 1994, p. 30)

Estes três elementos centrais sintetizam a teoria crítica; Silva


65

& Tadeu (1994) apontam que o currículo oculto que mencionamos


anteriormente também tem um papel central na teoria crítica.
Contudo, o frequente uso deste termo contribuiu para aliviar o
currículo oficial do seu papel na construção dos sujeitos sociais.

O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos


do ambiente escolar, que, sem fazer parte do currículo oficial,
explícito, contribuem de forma implícita, para aprendizagens
sociais relevantes. Precisamos especificar melhor, pois, quais
são esses aspectos e quais são essas aprendizagens. Em outras
palavras, precisamos saber “o que” se aprende no currículo oculto
e através de quais “meios”. Para a perspectiva crítica, o que se
aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes,
comportamentos, valores e orientações que permitem crianças
e jovens se ajustem da forma mais conveniente às estruturas e às
pautas de funcionamento, consideradas injustas e antidemocráticas
e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista. Entre outras
coisas, o currículo oculto ensina, em geral, o conformismo, a
obediência, o individualismo. (SILVA, 1999, p. 79)

O currículo oficial ao lado do currículo oculto tem um papel


na reprodução cultural e social, dentro de uma perspectiva histó-
rica. É a partir da história que se torna possível criar currículos
alternativos e que seja possível questionar o currículo existente.
A Pedagogia de Projetos (Hernandez & Ventura, 1998), meto-
dologia utilizada na construção curricular diferenciada, possibilita
um currículo diferenciado e significativo para o aluno na medida
em que as atividades do currículo são realizadas de forma globali-
zada, pois, os projetos podem superar as barreiras epistemológicas
impostas pelas disciplinas. Os alunos se tornam conscientes do
seu processo de ensino e aprendizagem diante dos conteúdos,
porque a participação deles na elaboração e no desenvolvimento
66

do projeto pedagógico é fundamental, permitindo que os novos


conhecimentos se relacionem com os conhecimentos prévios que
o educando possui. A partir dos projetos de trabalho, os docentes
podem pensar em uma outra postura frente à sua prática pedagó-
gica. A escola é um espaço privilegiado na troca de conhecimentos
por parte dos docentes e dos educandos, os projetos pedagógicos
possibilitam que essa troca seja significativa para ambos, abrindo
múltiplas possibilidades de aprendizagem.
[...] O que se coloca, portanto, não é a organização de projetos em
detrimento dos conteúdos das disciplinas, e, sim a construção de
uma prática pedagógica centrada na formação global dos alunos. O
desenvolvimento de projetos, com o objetivo de resolver questões
relevantes para o grupo, vai gerar necessidade de aprendizagem,
e, nesse processo, os alunos irão se defrontar com os conteúdos
das diversas disciplinas, entendidos como “instrumentos cul-
turais” valiosos para a compreensão da realidade e intervenção
em sua dinâmica. Com os projetos de trabalho, os alunos não
entram em contato com os conteúdos disciplinares a partir de
conceitos abstratos e de modo teórico., como, muitas vezes, tem
acontecido nas práticas escolares. Nessa mudança de perspectiva,
os conteúdos deixam de ser um fim em si mesmos e passam a
ser meios para ampliar a formação dos alunos e sua interação
com a realidade, de forma crítica e dinâmica. (LEITE, 1996, p. 4)

2.3- O Que Diferencia um Currículo Indígena, Caiçara


ou Quilombola?

Um currículo diferenciado de escolas situadas em comuni-


dades tradicionais deve atender e considerar as especificidades da
escola e de suas comunidades, pois, é isso que o torna diferenciado.
Existem leis que garantem essa especificidade, como será apre-
sentado aqui mais adiante. Nas comunidades indígenas, caiçaras
67

e quilombolas a organização social é dada de forma diferente e o


currículo precisa se adequar à esta diferença; a organização esco-
lar precisa se adequar ao contexto em que a escola está inserida,
além de possibilitar a participação da comunidade, conforme os
Parâmetros Curriculares Nacionais: “mostrar a importância da
participação da comunidade na escola, de forma que o conheci-
mento apreendido gere maior compreensão, integração e inserção
do mundo”. (BRASIL, 1998, p. 10)
A cosmovisão da comunidade caiçara deve estar presente na
escola. Os professores precisam compreender que o tempo nessas
comunidades é diferente do tempo das escolas da cidade, e isso
interfere no processo de aprendizagem. Não de uma maneira ruim.
Nas escolas caiçaras onde nossa pesquisa acontece, foi possível
notar mudanças ocorridas no campo da cultura em decorrência
de alguns fatores, como a proximidade com a cidade e o turis-
mo predatório nas comunidades. Esses fatores podem nos fazer
entender como ali a cultura caiçara está se transformando com
as novas gerações. Cabe a um currículo diferenciado reconhecer
este desafio e realizar atividades que sejam capazes de trazer a
cultura tradicional para dentro da escola, dessa forma, tornando
os alunos conhecedores de sua própria identidade, possibilitando
que se posicionem politicamente.
Segundo o Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas – RCNEEInd (1998), a escola indígena deve ser:

Comunitária:
Porque conduzida pela comunidade indígena, de acordo com
seus projetos, suas concepções e seus princípios. Isto se refere
tanto ao currículo quanto aos modos de administrá-la. Inclui
liberdade de decisão quanto ao calendário escolar, à pedagogia,
aos objetivos, aos conteúdos, aos espaços e momentos utilizados
para a educação escolarizada.
68

Intercultural:
Porque deve reconhecer e manter a diversidade cultural e lingüís-
tica; promover uma situação de comunicação entre experiências
socioculturais, lingüísticas e históricas diferentes, não conside-
rando uma cultura superior à outra; estimular o entendimento e
o respeito entre seres humanos de identidades étnicas diferentes,
ainda que se reconheça que tais relações vêm ocorrendo históri-
camente em contextos de desigualdade social e política.
Bilingue/multilingue:
Porque as tradições culturais, os conhecimentos acumulados, a
educação das gerações mais novas, as crenças, o pensamento e
a prática religiosos, as representações simbólicas, a organização
política, os projetos de futuro, enfim, a reprodução sociocultural
das sociedades indígenas são, na maioria dos casos, manifestados
através do uso de mais de uma língua. Mesmo os povos indígenas
que são hoje monolingues em língua portuguesa continuam a usar
a língua de seus ancestrais como um símbolo poderoso para onde
confluem muitos de seus traços identificatórios, constituindo,
assim, um quadro de bilingüismo simbólico importante.
Específica e diferenciada:
Porque concebida e planejada como reflexo das aspirações par-
ticulares de povo indígena e com autonomia em relação a deter-
minados aspectos que regem o funcionamento e orientação da
escola não-indígena. (p. 25)

As categorias acima descritas pelo RCNEEInd. servem também


pra pensar as demais escolas inseridas em territórios habitados
por populações tradicionais, sejam caiçaras ou quilombolas.
O bilinguismo nas escolas indígenas é um fator muito im-
portante para que um currículo seja diferenciado. A língua é a
representação da identidade de um povo e ela deve estar presente
nas escolas. Segundo Miranda (2016):
69

[...] a escola indígena alcançou certo grau de desenvolvimento


em se tratando de direitos assegurados pela legislação, porém
na prática ainda há muito por fazer. Hoje a escola tem sido um
espaço onde a comunidade indígena obtém contribuições, rei-
vindicando seus direitos, buscando novos conhecimentos e em
muitas etnias até em processo de recuperação de suas línguas.
No entanto, é importante enfatizar que, para que a escola seja de
fato uma escola pensada para atender as necessidades dos povos
indígenas, faz-se necessário a plena participação dos indígenas
na construção de um ensino diferenciado e bilíngue [...]. (p. 29)

Embora materiais didáticos específicos para Escola Indígena


estejam sendo produzidos, ainda é insuficiente. Esta crítica também
cabe para a Escola Caiçara ou Quilombola. Os materiais que são
usados nas escolas, em geral, pouco têm a ver com o contexto e
dificilmente a realidade destas comunidades será abordada se o
material não for específico e produzido pelos próprios professores
em programas de formação continuada voltados pra construção
coletiva de PPPs e inseridos em movimentos de reorientação cur-
ricular. O material didático deve atender as especificidades das
escolas situadas em comunidades tradicionais e deve estar coerente
com o Projeto Político Pedagógico (PPP) em construção na escola.
Segundo Nobre (2016b), nas escolas indígenas a produção de mate-
rial didático dever seguir alguns princípios político-pedagógicos
e teórico-metodológicos, que podem também ser aplicados às
escolas caiçaras e quilombolas, a saber:

I. Princípios Político-pedagógicos:
a) A produção de material didático deve estar inserida no âmbito
de um processo maior de discussão do PPP – Projeto Político
70

Pedagógico da Escola, no sentido de que ele cumpra o papel


de fortalecer os princípios educativos elegidos e seja coerente
com a tendência pedagógica adotada;
b) A produção deve estar atrelada a uma Política Linguística
definida pela comunidade educativa e pela escola no seu Cur-
rículo, onde esteja claro o papel da Língua Indígena (ou da
comunidade) e da Língua Portuguesa nesse processo;
c) Deve estar também condicionada à manutenção e fortaleci-
mento da Língua Indígena no ambiente escolar e fora dele;
d) Deve também ser um elemento fundamental no processo de for
ação continuada dos professores envolvidos na sua produção;
e) Os produtos construídos devem preservar o caráter sócio-cul-
tural de uso da Língua na escola ou na comunidade, garantindo
serventia e valor social ao material.
f) Devem privilegiar a autoria coletiva, e mesmo que reconheça as
autorias individuais, que o seja pra valorizar a função coletiva
e social do material produzido

II. Princípios Teórico-metodológicos:


a) A produção de material didático deve estar condizente com as
estratégias metodológicas adotadas pelos professores no seu
processo de construção curricular;
b) A produção deve ser coerente com os princípios de construção
coletiva do currículo da escola, expressando dialeticamente
a articulação entre produção de conhecimento e conteúdo
escolar;
c) Deve privilegiar conceitos integradores/unificadores de cada
área do Currículo, valorizando processos inter e supradisci-
plinares fundamentais na produção de conhecimento, e não
priorizar conteúdos escolares programáticos;
d) Deve se sustentar em processos coletivos de produção, como
71

em Oficinas formativas, com assessoria pedagógica, linguística


e antropológica. (p. 15)
Estes são alguns aspectos que diferenciam um currículo
voltado para comunidades tradicionais. Portanto, a escola precisa
ser um espaço em que as identidades sejam reforçadas, para isso
todas as suas demandas devem fazer parte de um currículo dife-
renciado. Desde a gestão da escola, que deve ser comprometida
com a comunidade, que deve ser composta por pelo menos um
membro da comunidade na equipe gestora, até o calendário escolar
deve se basear conforme a comunidade está organizada, sempre
valorizando os saberes e as práticas do cotidiano da comunidade
na qual a escola está inserida.

2.4- Princípios de uma Educação Diferenciada Crítica:

Tal como Freire perseguiu em sua obra, uma educação di-


ferenciada numa perspectiva crítica e emancipadora, tem alguns
princípios fundamentais, sintetizados por Nóvoa (1998):

Os problemas educativos não são pedagógicos, mas antes políticos,


o que dá uma pertinência acrescida ao conceito de mudança social;
A educação é produto de uma relação histórica, que só pode ser com-
preendida através do desenvolvimento de uma consciência crítica;
Toda ação educativa deve ser dialógica, baseada nos conhecimen-
tos e na praxis dos educandos e fortemente enraizada nos seus
contextos culturais;
72

Uma pedagogia da libertação implica a adoção de atitudes demo-


cráticas, no âmbito de acões coletivamente partilhadas. (pp. 174-175)

A seguir vamos detalhar esses princípios para a escola de cada


comunidade tradicional que aqui abordamos: a escola indígena,
a caiçara e a quilombola.
2.4.1 – Educação Escolar Indígena6

O Censo Escolar de 2015 indica a existência, no Brasil, de 3.085


escolas indígenas, presentes em todos os estados da federação,
das quais 1.948 estão localizadas na região Norte (63%), 601 no
Nordeste (19%), 82 na região Sudeste (3%), 181 no Sul (6%) e 273
(9%) na região Centro-Oeste. (BRASIL, 2018)
Foram registradas 285.303 matrículas de estudantes indígenas
para 17.707 professores, sendo 27.358 (9%) em educação infantil para
1.986 professores; 180.059 no ensino fundamental (63%) para 9.328
professores; 27.415 (10%) no ensino médio para 3.617 professores;
1.827 (1%) em educação profissional para 121 professores; 25.318
(9%) em Educação de Jovens e Adultos (EJA) para 2.655 professores,
totalizando 261.977 matrículas, acrescidas por 23.326 matrículas
em educação integral ou atividade complementar (8%). (Idem)
A educação escolar indígena é regulamentada por um conjunto
de leis criadas a partir da Constituição Federal de 1988 e Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. É de direito dos
povos indígenas uma educação escolar específica, intercultural,
bilíngue, comunitária e diferenciada. Cabe ao estado e aos mu-
nicípios garantir estes direitos enquanto a coordenação de ações
referentes às políticas de educação escolar indígena compete ao
Ministério da Educação, conforme o Decreto número 26 de 4 de
fevereiro de 1991.
73

Na Constituição Federal existem dois artigos que contem-


plam a educação escolar indígena. O artigo 231 reconhece os
costumes, línguas, crenças, tradições e organização social dos

6 Extraído e adaptado de: “A Construção de Currículos Diferenciados Indígenas e Caiçaras na Costa


Verde”, Monografia de Conclusão de Curso de Graduação em Pedagogia de: Anna Beatriz Vecchia,
bolsita PIBIC (2015-2017).
povos indígenas e o artigo 210, parágrafo segundo, determina que
o ensino nas comunidades indígenas deve ser dado em língua
portuguesa desde que respeite a língua materna e seus próprios
processos de aprendizagem.
Além da Constituição Federal, existe o artigo 78 da LDB
que estabelece dois objetivos da educação indígena a partir de
programas integrados de ensino: resgatar as memórias históri-
cas de suas comunidades e reafirmar a identidade e valorizar a
sua cultura, língua e ciência, garantir à comunidade o acesso às
informações, conhecimentos científicos e técnicos da sociedade
indígena e não-indígena nacional. O artigo 79 da mesma lei con-
templa as comunidades indígenas estabelecendo o apoio técnico
e financeiro da União aos sistemas de ensino para desenvolverem
programas integrados de ensino para uma educação intercultural
das comunidades indígenas.
Em 10 março de 2008, foi criada a Lei nº 11.645, que obriga a
inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”
no currículo das escolas públicas e privadas. O conteúdo que se
refere a lei deve contemplar os diversos aspectos da história brasi-
leira, reconhecendo a importância do estudo da história e luta dos
negros e dos indígenas e das suas contribuições nas áreas sociais,
políticas e econômicas para a formação da sociedade brasileira.
Em 2009, através do Decreto nº 6.861, foram estabelecidos os
Territórios Etnoeducacionais – TEEs que organizam a educação
74

escolar indígena, que segundo a FUNAI, é

Um espaço de articulação das políticas públicas voltadas à Educa-


ção Escolar Indígena, envolvendo seus diferentes atores e agentes
(MEC, FUNAI, estados, municípios, Universidades, Institutos
Federais, ONGs) na discussão e planejamento conjunto das ações.
(...) isso pode se dar a partir do diálogo de gestores da educação
com povos ou grupos de povos com identidades ou processos
históricos e culturais articulados, para além do alcance das di-
visões territoriais de unidades federativas ou municipais. (2009)

Deste modo, através do artigo primeiro deste mesmo decreto,


determina que a organização escolar indígena seja feita com a
participação das comunidades, respeitando as suas necessidades.
Além dos objetivos para educação do povo indígena estabelecidos
na LDB/1996 o artigo segundo deste mesmo Decreto estabelece
mais alguns: valorizar as culturas e sua diversidade étnica, afirmar
a identidade étnica e considerar os projetos sociais elaborados
pelas próprias comunidades.
O artigo terceiro do Decreto nº 6.861 reconhece as demandas
próprias das escolas nas comunidades indígenas como diretrizes
curriculares voltadas para a cultura através de um ensino inter-
cultural, bilíngue, como também a organização do calendário
escolar respeitando as atividades econômicas, sociais, religiosas
e culturais específicas de cada comunidade.
Para a organização, funcionamento e estrutura o artigo quarto
deste decreto, estabelece que as escolas devem ser organizadas
de maneira própria e localizadas em terras habitadas por povos
indígenas, com atendimento exclusivo destas comunidades. O
ensino deve ser ministrado nas línguas maternas das respectivas
comunidades e estabelece que as escolas serão criadas a partir
75

das reivindicações das comunidades, respeitando seus modos de


representação. O artigo sexto dispõe que esta organização se dará
a partir das definições dos territórios etnoeducacionais estabele-
cidas pelas comunidades indígenas envolvidas, entes federativos,
Fundação Nacional do Índio – FUNAI, Comissão Nacional de
Educação Escolar Indígena, Conselhos Estaduais de Educação
Escolar Indígena e Comissão Nacional de Política Indigenista
– CNPI. O artigo quinto estabelece que a União prestará apoio
técnico e financeiro para a construção de escolas, formação inicial
e continuada de professores indígenas e outros profissionais da
educação, produção de material didático, alimentação e ensino
médio integrado à formação profissional. Este apoio técnico e
financeiro deve ser orientado a partir das ações do plano de cada
território etnoeducacional e devem estar conforme as diretrizes
curriculares nacionais da educação escolar indígena. Este plano
de ações deve conter, segundo o artigo oitavo, um diagnóstico
incluindo a descrição dos povos, população, aspectos da cultura
e da língua e das demandas educacionais do respectivo território
etnoeducacional. Um plano de ações para o cumprimento destas
demandas e uma descrição de cada responsabilidade e informa-
ções dos que participam da educação escolar indígena, como a
construção das escolas, contratação de professores e profissionais
indígenas da educação, produção de material didático e alimen-
tação escolar.
Este decreto também aborda a formação de professores, que
segundo seu artigo nove, deverá ser orientada pelas diretrizes
curriculares indígenas e oferecida pelas instituições formadoras,
nas quais se destaca as seguintes atribuições: A) formação de com-
petências que referenciam os conhecimentos, valores, habilidades
e atitudes da educação indígena; B) desenvolvimento e avaliação
de currículos próprios; C) produção de material didático; e D)
76

metodologias adequadas de ensino e pesquisa. Segundo o pará-


grafo segundo, esta formação poderá ser realizada concomitante
à escolarização e atuação como professores.
A produção de material didático, segundo o artigo 11, de-
verá ser específica, bilíngue ou na língua materna, e apresentar
conteúdos referentes às comunidades envolvidas respeitando a
tradição oral.
Entretanto, segundo Nobre (2018) os dados que obtemos
em relação ao acesso às escolas indígenas, incluindo a estrutura
demonstram uma situação delicada quando se trata de políticas
públicas universalizantes.
Segundo o próprio MEC, através da SECADI e do INEP, embora
tenha havido investimentos financeiros na construção, reforma e
ampliação de estabelecimentos escolares em terras indígenas nos
últimos anos, há ainda uma demanda expressiva para ser atendida
em termos de melhorar a estrutura física das escolas. O percentual
de escolas em funcionamento que não possuem prédio próprio é
muito alto e revela a precariedade das condições em que o ensino
é oferecido nas aldeias. (Idem, p. 22)
A tentativa de generalizar a discussão, afeta principalmente
na prática, assim como os Sateré-Mawé na Amazônia, os Guarani
Mbya do sul e do sudeste do país, pois

Seus professores ficam submetidos a diferentes relações de tra-


balho, planos de cargos e salários, orientações pedagógicas,
regimes administrativos, etc. Quando se encontram nos espaços
de formação (único espaço em que se reúnem) têm dificuldades
de analisar criticamente tão diferenciadas situações e buscam a
todo custo unificar suas lutas. (p. 19)

O resultado da implantação dos TEEs está longe de ser sa-


77

tisfatório, pois, não existe uma regulamentação do regime de


colaboração, presentes na Contituição e na LDB, prejudicando
as comunidades indígenas de diferentes cidades, como aponta o
próprio MEC

I) a falta de regulamentação sobre o regime de colaboração que


rege a relação entre as três esferas de governo; II) a descontinuidade
da ação dos sistemas de ensino, a dificuldade de estabelecer um
diálogo intercultural, ouvindo e compreendendo as perspectivas
indígenas; III) problemas de gestão que mantêm as escolas indíge-
nas sem receber insumos básicos para seu funcionamento, como
merenda escolar e material didático; IV) falta de transparência
na aplicação dos recursos públicos. (Brasil, 2007)

Para que a implantação dos TEEs seja efetiva, é necessário


que haja a regulamentação do regime de colaboração e que seja
definido claramente a responsabilidade entre as três esferas de
governo, como aponta Nobre:

Entretanto, não podemos achar que num território que envolve


inúmeras etnias, alguns estados e dezenas de municípios, se não
houver mecanismos efetivos que obriguem a colaboração entre os
entes, regulamentação específica que determine o cumprimento
das obrigações privativas e comuns de cada ente federativo, a
supressão das dubiedades no marco regulatório atual, com a
determinação clara da responsabilidade partilhada com a oferta
de educação escolar indígena, o quadro de precariedades e o ver-
gonhoso descumprimento da lei perdurará. Isto só será possível
com a criação de um Sistema de Educação Escolar Indígena, que
defina claramente as responsabilidades de sua oferta, mas com
presença efetiva da União. (2018, p. 20)
78

Como a emissão de pareceres sobre a oferta de serviços públi-


cos de educação é uma das competências do Conselho Nacional
de Educação, em 2012, a Resolução nº 5 de 22 de junho do CNE
definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação In-
dígena na educação básica, que tem como objetivos:
a) orientar os sistemas de ensino o desenvolvimento e cons-
trução dos instrumentos normativos pertencentes às escolas e
sistemas de ensino assegurando as especificidades dos processos
educativos indígenas; b) garantir e valorizar a especificidade no
bilinguismo e multilinguismo e conhecimentos tradicionais;
c) assegurar que a gestão e organização das escolas levem em
consideração as práticas socioculturais das comunidades; d)
orientar a organização da educação escolar indígena no âmbito
dos territórios nacionais e fortalecer o regime colaborativo dos
sistemas de ensino da União, Estados e Municípios, e também
orienta estes sistemas quanto à inclusão e colaboração de espe-
cialistas em saberes tradicionais, como contadores de histórias,
de instrumentos musicais, rezadores, parteiras, organizadores de
rituais, conselheiros e demais funções necessárias; e) garantir a
normatização dos meios de comunicação e educação com consulta
livre, prévia e informada de acordo, conforme a Convenção 169,
da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada no
Brasil, por meio do Decreto Legislativo nº 143/2003; e por último
f) certificar que os direitos à educação escolar diferenciadas sejam
garantidos às comunidades com qualidade social, pedagógica,
cultural, linguística, ambiental e territorial respeitando as espe-
cificidades dos povos indígenas. (p. 2)

Estes objetivos, segundo o artigo 3º, visam proporcionar aos


79

povos indígenas recuperar as memórias e reforçar suas identidades


valorizando a cultura e a língua.
Esta Resolução define, segundo o Artigo 7º, a organização
escolar indígena que pode ser organizada de diferentes maneiras,
como séries anuais, ciclos, períodos, com grupos não seriados,
com base na idade, critérios e etc.
Os saberes das práticas indígenas devem ser a base para o
acesso a outros conhecimentos valorizando os próprios modos
do conhecer de cada comunidade, assim como a oralidade e a
sua história.
Segundo o Artigo 8º, a educação infantil nas escolas indígenas
deve promover a participação das mães e dos especialistas dos
conhecimentos tradicionais, considerar as práticas de educação
e cuidados de cada comunidade indígena como base da educação
escolar, devem elaborar materiais didáticos e apoios pedagógicos
específicos e contextualizados para a comunidade, reconhecer
as práticas sociais e culturais destes povos. Quanto ao ensino
fundamental, o Artigo 9 º prevê como direito humano, social e
público subjetivo de obrigação do Estado, assegurando o direito à
diferença e à igualdade, garantindo condições favoráveis e acesso
aos conhecimentos científicos: ciências humanas e da natureza,
códigos da leitura e escrita, e conhecimentos tradicionais próprios.
Promovendo o desenvolvimento das capacidades necessárias ao
convívio sociocultural. O Artigo 10º define que cada comunida-
de indígena deve decidir o tipo de Ensino Médio adequado, por
meio dos projetos de educação escolar, assim, cabe aos sistemas de
ensino promover a consulta nas comunidades sobre tal demanda.
Assim como as outras modalidades, a educação de jovens e
adultos deve atender às realidades e especificidades de cada comu-
nidade. Não deve substituir a oferta regular, independentemente
80

da idade, deve favorecer o desenvolvimento de uma educação


profissional visando a construção da identidade indígena e a
sustentabilidade de seus territórios.
Quanto à proposta educacional da escola, o Artigo 14º define
que o PPP – Projeto Político Pedagógico, deve ser elaborado pelos
professores indígenas, articulados com toda a comunidade, po-
dendo contar com a assessoria dos sistemas de ensino, que deverão
oferecer suporte até para o funcionamento dos projetos. Deve ser
construído de forma autônoma e coletiva e estar relacionado com
os modos de viver das respectivas comunidades, valorizando-os,
respeitando a oralidade e a história, baseados na interculturali-
dade, bilinguismo, na especificidade e na sustentabilidade destes
povos de forma que contemple a gestão territorial e ambiental
das terras indígenas.
Os currículos devem ser construídos respeitando os valores
e interesses etnopolíticos de cada comunidade, de acordo com
seus projetos de sociedade e escola, definido no projeto político
pedagógico. Pode ser organizado a partir de eixos temáticos ou
geradores, projetos de pesquisa, matrizes conceituais, contemplando
uma perspectiva interdisciplinar articulando os diferentes campos
de conhecimento, fazendo uso de materiais didáticos próprios e
específicos feitos na língua materna ou bilíngues.
As especificidades das escolas indígenas devem ser reco-
nhecidas, como a organização dos tempos e espaços que deve
incluir os saberes tradicionais. O calendário deverá ter a duração
mínima de duzentos dias letivos e poderá ser organizado de forma
diferente do ano civil, respeitando as atividades culturais. Como
parte do currículo, a avaliação é uma estratégia didática que deve
estar de acordo com o PPP da escola, associada aos processos de
aprendizagens próprios dos indígenas, capaz de desenvolver a
reflexão de ações pedagógicas que atenda às especificidades das
81

comunidades. Quanto às avaliações externas:

Art. 18º A inserção da Educação Escolar Indígena nos processos


de avaliação institucional das redes da Educação Básica deve estar
condicionada à adequação desses processos às especificidades
da Educação Escolar Indígena. Parágrafo Único. A avaliação
institucional da Educação Escolar Indígena deve contar neces-
sariamente com a participação e contribuição de professores e
lideranças indígenas e conter instrumentos avaliativos específi-
cos que atendam aos projetos político-pedagógicos das escolas
indígenas (p. 10)

Para que a Educação Indígena seja conduzida com qualidade,


segundo o Artigo 20º, os professores e gestores indígenas são parte
fundamental neste processo, pois, são capazes de construir um
diálogo intercultural incluindo os interesses da sua comunidade
em discussão e entrelaçam, durante as aulas, os conhecimentos
tradicionais com os saberes científicos

Art. 20 º Formar indígenas para serem professores e gestores das


escolas indígenas deve ser uma das prioridades dos sistemas de
ensino e de suas instituições formadoras, visando consolidar a
Educação Escolar Indígena como um compromisso público do
Estado brasileiro. (p. 10)

A formação dos professores indígenas deve ser focada nos


conhecimentos e valores próprios, deve estar voltada para o desen-
volvimento, avaliação e produção de materiais didáticos dos seus
respectivos currículos específicos para que utilizem metodologias
de ensino adequadas. Para isso, as instituições formadoras devem
oferecer acesso e permanência com elaboração de planos estratégi-
82

cos para que formem os profissionais com qualidade. Esta formação


pode ser realizada à distância ou na modalidade presencial e suas
propostas deverão ser reconhecidas nos Conselhos Estaduais de
Educação. Quanto à valorização dos professores indígenas:
Art. 21º A profissionalização dos professores indígenas, compro-
misso ético e político do Estado brasileiro, deve ser promovida
por meio da formação inicial e continuada, bem como pela im-
plementação de estratégias de reconhecimento e valorização da
função sociopolítica e cultural dos professores indígenas, tais
como: I – criação da categoria professor indígena como carreira
específica do magistério público de cada sistema de ensino; II
– promoção de concurso público adequado às particularidades
linguísticas e culturais das comunidades indígenas; III – garantia
das condições de remuneração, compatível com sua formação e
isonomia salarial; IV – garantia da jornada de trabalho, nos ter-
mos da Lei n° 11.738/2008; V – garantia de condições condignas
de trabalho. (p. 11)

Segundo o parágrafo primeiro deste mesmo artigo, esses


direitos são aplicados também aos profissionais que atuam nas
escolas indígenas não só como docentes, como também para ges-
tores, onde os sistemas de ensino da mesma forma, devem oferecer
formação continuada para gestão democrática e diferenciada. Os
representantes das Secretarias de Educação, das comunidades e
dos professores podem criar uma comissão para regularizar a
carreira de magistério indígena e sua implantação, elaborando
a implementação de políticas públicas voltadas para a Educação
Escolar Indígena, que serão efetivadas por meio dos territórios
83

etnoeducacionais, segundo o artigo 22º.


Em 1998, chegou nas escolas indígenas o Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas (RCNE/Indígena) contendo
fundamentações gerais das séries iniciais do Ensino Fundamental,
que orientava os professores indígenas a um currículo que não seja
diferente da sua realidade, capaz de diminuir a distância entre a
legislação que respaldam as comunidades indígenas o direito de
um currículo diferenciado e a prática em sala de aula. Para que
as Políticas Públicas referentes à Educação Indígena estejam de
acordo com as demandas das comunidades, é fundamental con-
siderar a diversidade cultural dos povos indígenas.
Este documento, se propõe a servir como base para que cada
escola crie seu próprio currículo, além de

oferecer subsídios para: a) a elaboração e implementação de


programas de educação escolar que melhor atendam aos an-
seios e interesses das comunidades indígenas, b) a formação de
educadores capazes de assumir essas tarefas e de técnicos aptos
a apoiá-las e viabilizálas. (BRASIL , 1998, p. 13)

Este Referencial está dividido entre: os “Fundamentos Polí-


ticos”, como as leis, histórico das propostas de Educação Escolar
Indígena e a segunda parte, que tem o objetivo de oferecer ele-
mentos da prática pedagógica dos professores ligados às escolas
indígenas, é composta por “Orientações Pedagógicas” para pensar
no currículo, como a orientação do trabalho escolar, implicações
para formação do professor, e capítulos sobre as disciplinas com
perguntas como: para que estudar Português?
Contudo, o Referencial coloca questões muito gerais, sendo
que no Brasil existem mais de 300 etnias completamente diferentes.
Como dar conta, numa proposta curricular “nacional”, da enorme
84

variedade de povos indígenas do país? Como, por exemplo, pode-


mos unificar o ensino de História na escola indígena englobando
a perspectiva histórica de diferentes etnias?

Os educadores guarani, de forma geral, argumentavam que gos-


tariam de “ensinar a verdadeira história guarani, a história dos
antigos”, em contraposição à história narrada e confirmada pelos
mais diversos livros didáticos que lhes caíam nas mãos. Nestes, no
mais das vezes, pouca ou nenhuma referência se fazia à temática
indígena, e, quando havia alguma, freqüentemente não era muito
específica e sequer se fazia a tão necessária diferenciação entre os
povos indígenas do Brasil, caracterizando os mais de 200 povos,
cada qual com sua tradição e seus costumes, referindo-os apenas
como índios. (BORGES, 1999, p. 93)

O ensino escolar de uma aldeia deve estar associado ao modo


de vida do grupo indígena do qual pertence. Na prática, entram
em conflito a educação escolar e a tradição dos povos indígenas,
como aponta Borges numa perspectiva histórica

Como trabalhar o ensino de História sem ameaçar a velha tradi-


ção oral e seus grandes narradores: os sacerdotes da palavra, os
mais idosos do grupo, que, por sua vivência acumulada, ainda
possuem a magnífica função de resguardar a memória de seu
povo. (BORGES, 1999, p. 94)

Bittencourt (1994) indica que na década de 1990 houve uma


redefinição dos paradigmas que sustentam o conhecimento his-
tórico, com a abolição de temas legitimadores de determinados
setores da sociedade, cujas seleções temáticas se fundamentavam
em concepções positivistas sobre o tempo e seus referenciais de
85

mudanças. (p. 100)


A História, enquanto área científica do conhecimento, vem
sofrendo transformações que se transpõe para o ensino.
2.4.1.1 – Educação Escolar Indígena Bilíngue e Intercultural7

O Bilinguismo e a Interculturalidade são princípios defendi-


dos na legislação brasileira, estando presente desde os RCNEInd.
– Referenciais Curriculares Nacionais Para as Escolas Indígenas,
publicado pelo MEC em 1998, assim como nos atuais: Parecer
13/12 e Resolução 4/12 do Conselho Nacional de Educação que
estabeleceram as Diretrizes Curriculares Nacionais Para a Edu-
cação Escolar Indígena na Educação Básica.
O bilinguismo não é novidade na Educação Escolar Indígena
no Brasil. Ele vem sofrendo ressignificacões, mas continua sendo
um conceito ambíguo. Historicamente inicia-se nos anos 70, na
ditadura militar, sua adoção, mas numa perspectiva integracionista.
Em relação ao bilinguismo, D’Angelis (2001) aponta três
modelos de ensino bilíngue, a saber:

a) “Bilinguismo de Transição” para a língua majoritária, onde a


língua minoritária é usada apenas inicialmente para depois
ser completamente substituída pela língua majoritária;
b) “Bilinguismo de Manutenção ou de Resistência”, onde a língua
minoritária é estimulada e empregada efetivamente em todo
o ensino escolar;
c) “Bilinguismo de Imersão”, onde o convívio total com a língua
majoritária (ou a língua alvo) leva ao desuso da língua mino-
86

ritária. (p. 17)

Nobre (2005) discute esses modelos de ensino bilíngue a partir


das três categorias de análise propostas por D’Angelis (2001): quanto

7 Extraído de: “Proposta Curricular do Segundo Segmento de Educação Escolar Indígena do Colégio
Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda” – SEEDUC-RJ, Nobre (Org.), 2016a.
aos objetivos, quanto ao espaço dedicado para a língua indígena e
quanto ao valor dado ao bilingüismo e à língua indígena.
O objetivo do “bilinguismo de transição para a língua majo-
ritária” é inserir o educando na língua e na cultura majoritarian,
enquanto que o objetivo do “bilinguismo de manutenção ou de
resistência”, desenvolvido nos programas de vitalização da língua
minoritária é preparar o educando para as relações com a sociedade
majoritária, incluindo o domínio da língua, ao mesmo tempo em
que fortalece a língua minoritária.
O espaço dedicado por cada modelo de bilinguismo para a
língua indígena, no caso do “bilinguismo de transição” é menor
a cada ano, pois é de instrução nos dois primeiros anos, e passa a
“aula de língua” nos modelos adaptados, enquanto que no “bilin-
guismo de resistência” a língua indígena é a língua de instrução
em todo o curso.
Quanto ao valor dado por cada modelo ao bilinguismo e à
língua indígena, para o “bilinguismo de transição” o bilinguismo
é uma dificuldade e a língua indígena tem papel na escola até que
não seja mais necessária, enquanto que para o “bilinguismo de
resistência” o bilinguismo é uma riqueza e a escola trabalha com
estratégias para sua valorização e para a ampliação das compe-
tências do falante nas duas línguas.
É preciso então discutir com mais profundidade qual o mo-
delo de bilinguismo que efetivamente vem sendo desenvolvido
87

nos projetos de educação escolar indígena e depreender daí qual


a política linguística a ser adotada nos currículos de primeiro e de
segundo segmento, assim como no ensino médio nas comunidades
Guarani Mbya, em geral.
A opção por um modelo de bilinguismo é uma opção política
e leva necessariamente à definição de uma planificação linguística,
que D’Angelis (2002), refletindo em relação ao caso kaingang, mas
que podemos ampliar para os demais casos, incluindo o nosso,
explica: que é fundamental adotar medidas planejadas para re-
vigorar, fortalecer, dinamizar e atualizar a língua indígena para
que ela possa fazer frente à força da língua portuguesa. Para ele as
formas de fazer isso são dar um lugar de verdade para a leitura e a
escrita na lingual indígena, assim como dar espaços considerados
nobres, para o uso oral da língua indígena.
Segundo D’Angelis (2002) isso pode ser tentado de três ma-
neiras ao mesmo tempo:

1. pela ocupação de espaços ainda não ocupados pela leitura e


escrita em Português;
2. pela tomada de “lugares” hoje ocupados pela escrita do Portu-
guês para a escrita em Kaingang (em nosso caso, em Guarani);
3. pela tomada ou criação de lugares “nobres” de veiculação da
língua Kaingang (ou Guarani) falada. (p. 119)

Cabe aqui um questionamento: a escola bilíngue indígena


tem tentado construir essas estratégias? Enquanto espaço inter
cultural por natureza, a escola precisa se posicionar em relação
aos espaços que ela dedica e constrói para a língua indígena. Mas
cabe também outra questão: de que interculturalismo estamos
falando no Currículo?
88
O Bilinguismo no âmbito do Interculturalismo
Crítico (Nobre, 2012)
É necessário qualificar o debate sobre o bilinguismo na esco-
larização indígena à luz do conceito de Interculturalismo Funcional
(Neo-Liberal) ou Interculturalismo Crítico proposto por Tubino
(2004). No interculturalismo funcional se substitui o discurso sobre
a pobreza pelo discurso sobre a cultura ignorando a importância
que tem – para compreender as relações interculturais – a injustiça
distributiva, as desigualdades econômicas, as relações de poder e
os desníveis culturais internos. (p. 5). No interculturalismo crítico
busca-se uma teoria crítica do reconhecimento de uma política
cultural da diferença aliada a uma política social de igualdade.
Enquanto que o interculturalismo neoliberal busca promover o
diálogo sem tocar nas causas da assimetria cultural, o intercul-
turalismo crítico busca suprimi-las. (p. 6)
Bem, cabe nos perguntarmos: se queremos uma escola bilín-
güe intercultural, de qual interculturalidade estamos falando?
(Nobre, 2007)
Será aquela expressa no Referencial Curricular Nacional para
Escolas Indígenas onde, conforme Paladino (2001) os conheci-
mentos dos índios devem ajustar-se e circunscrever-se às ‘velhas
disciplinas’ de português, matemática, geografia, história, ciências
e educação física?
Será aquela que pretende que o conhecimento se objetive in-
89

dependentemente de suas formas próprias de produção e de seus


mecanismos de transmissão e deva adequar-se aos moldes do método
científico positivista? (Idem)
Ou será aquela que só propõem incluir indígenas no Ensino
Superior sem discutir as condições de acesso, permanência e
compromissos de retorno às Aldeias? Ou propõem elaborar cursos
de Ensino Superior Indígena específicos e diferenciados, com a
participação dos índios em seu planejamento, execução e avaliação?
Ou aquela que busca implantar Ensino Médio propedêutico
nas Aldeias, só com professores não índios, só em língua por-
tuguesa, preparatórios para a Universidade, sem vínculos com
as reais necessidades formativas da comunidade e que acabam
estimulando os jovens a sair da Aldeia em busca de mercado de
trabalho nas cidades. (Idem)88
É fundamental, portanto, que se inclua no rol de preocupações
desta metodologia de construção curricular, o debate sobre algu-
mas questões político-pedagógicas que qualifiquem o processo de
escolarização acelerado pelo qual vêm passando as comunidades
indígenas. Uma delas é a qualidade da escolarização em relação às
formas de produção e transmissão dos conhecimentos indígenas.
(Nobre, 2007)
Nota-se um descompasso entre as experiências de escola-
rização implantadas precariamente nas aldeias e as práticas de
produção social de conhecimentos indígenas tradicionais, cons-
tituindo um distanciamento da escola em relação aos espaços e
atores sociais produtores desse conhecimento tradicional, como
os xamãs, os xeramoi, as xerajyi, as parteiras, as rezadeiras e os
rezadores, etc

O Bilinguismo no Currículo
90

O fato do professor indígena do primeiro segmento ser bilín-


gue em Língua Indígena-Português não assegura que o método
de educação bilíngue seja aplicado nem que seja bem aplicado,

8 Para compreender esse fenômeno numa escala mundial, assistir o documentário: “Escolarizando
o Mundo. O Último Fardo do Homem Branco”, de Carol Black, 2011.
afirma Chiodi (1993), pelo contrário, pois podem continuar a atuar
como agentes de castelhanização (pra nós, aportuguesamento) e
deslocamento das línguas maternas indígenas. Ele aponta o limi-
tado alcance que as oficinas de capacitação tem frente às enormes
demandas de formação do magistério indígena, assim como as
políticas educacionais nacionais que continuam a ignorar a exi-
gência de implementar escolas normais para professores bilíngues.
A responsabilidade do professor bilíngue no compromisso de
um trabalho de promoção e revitalização das línguas e culturas
indígenas não é tão simples assim, já que ele, muitas vezes, foi
formado sob a influência de um sistema educativo que implícita
ou explicitamente inculca valores de desprestígio, mesmo quando
o discurso oficial se pronuncia pelo respeito. (Idem)
Chiodi (1993) defende a tese de que a teoria da educação bilín-
gue se sustenta no suposto de que quanto maior seja o nível de
competência oral e escrita no idioma materno, tanto mais rápida e
eficazmente se produzirá no segundo, portanto nos anos iniciais,
a educação bilíngue consiste, entre outras coisas, no ensino da
leitura e escrita em língua vernácula, na aprendizagem oral do
Português (pra nós) e na transferência à escrita desta língua das
habilidades já desenvolvidas em L1.(p. 177)
Ele descreve que é frequente encontrar professores bilíngues
que por insegurança ou falta de orientação metodológica ensinam
castelhano como primeira língua, seguindo os procedimentos
91

usuais nas escolas do sistema tradicional donde os meninos estu-


daram. É comum que o professor não aceite que se alfabetiza só
uma vez, e volta a ensinar a leitura e escrita (em espanhol) como
se as crianças não tivessem passado por esta etapa em sua língua
materna. Em outros casos, quando os professores se encontram
com crianças bilíngues, ainda incipientes, optam por retornar à
educação monolíngue em espanhol.
Além do fato de que os pais exigem que as crianças sejam
alfabetizadas rápida e diretamente em castelhano. (pp. 177-178)
Nós conhecemos essa realidade também no Brasil, onde, para
agravar, o ensino de gramática prevalece sobre a leitura e produção
textuais. Mesmo sabendo que em nossas comunidades Guarani
Mbya do Rio de Janeiro, o Guarani é a L1, e que as crianças fa-
lam guarani em casa nas suas relações interpessoais, os riscos de
enfraquecimento são permanentes e atuais.
Chiodi (1993) alerta para que o êxito dos projetos de educação
bilíngüe intercultural, no que diz respeito à escrita da língua ma-
terna, está condicionado pela criação de hábitos de comunicação
escrita entre as comunidades indígenas. Para ele é uma situação
paradoxal que talvez seja o principal obstáculo ao desenvolvimento
da educação bilíngüe: cabe ao Estado promover social e politica-
mente as línguas indígenas, mas somente os grupos étnicos podem
reivindicar e realizar as políticas de revitalização lingüística que os
projetos de educação bilíngüe intercultural estão implementando
limitadamente no âmbito educativo. (p. 201)
Para Monserrat (2001) o Estado brasileiro não tem realmente
uma política lingüística específica para as sociedades indígenas. Ele
tem, sim, no nível do discurso, uma política de educação escolar
indígena, qualificada como “bilíngüe, intercultural, específica e
diferenciada” (p. 137) E explica que pode-se agir sobre a língua
de duas maneiras diferentes: uma é planificando o corpus – quer
92

dizer, intervindo sobre a forma da língua, como a criação de uma


escrita, tratamento dos empréstimos, dos neologismos, estandar-
dização, normatização, etc; e outra é planificando o status – quer
dizer, intervindo sobre as funções da língua, seu status social e
relações com outras línguas. (p. 138).
Se concordamos com Maher (2005) de que a escola sozinha,
não consegue, infelizmente, reverter tendências sociolingüísticas
(p. 106), o que a escola tem feito com o corpus e com o status da
língua indígena?
Ou de que bilinguismo falamos neste Currículo? Ele precisa
se constituir em mais um esforço de manu tenção e resistência da
língua guarani. O Currículo pretende criar estratégias ao longo de
todo o seu percurso formativo de subsídios que contribuam para
o fortalecimento da Língua e Cultura Guarani Mbya.
Daí os espaços para o exercício da língua guarani, em todas
as suas modalidades, no Currículo devem ser privilegiados. Todos
os professores ministrantes devem permitir de forma regular e
sistemática a discussão em sala de aula em língua guarani nos
intervalos das explicações/explanações de conteúdos/temas, assim
como criar alternativas de produção escrita em guarani. A produ-
ção de material didático que acompanhará diversos componentes
curriculares e disciplinas deve manter estas preocupações vivas.
Os cursistas devem encontrar espaços próprios de comunicação
e reflexão em Guarani e construir portadores de texto “nobres”
para sua língua – como: apresentações em Power Point, vídeos,
filmes documentários ou de ficção, músicas, livros didáticos, etc.
Em relação às políticas linguísticas, medidas práticas podem
ser tomadas por uma comunidade para fortalecer a língua, com
as perguntas:
93

– O que a escola pode fazer para fortalecer a língua? E a co-


munidade?
Algumas medidas que a escola pode tomar:
• Alfabetizar com a língua materna indígena (no caso do Rio
de Janeiro, o Guarani)
• Abordar temas da cultura indígena
• Produzir textos em língua materna indígena
Algumas medidas que a comunidade pode tomar:
• Só permitir professores indígenas na escola
• Manter acompanhamento dos mais experientes (os mais
velhos, os xeramoi) à escola
• Manter a língua indígena como língua de uso social
• Manter a prática religiosa, em especial, na Opy (no caso
Guarani)
Finalmente, podemos registrar, quanto às especificidades de
uma escola indígena, que, além de bilingue e intercultural, como
já descrito anteriormente, a escola indígena deve ser diferenciada.

2.4.2- Educação Escolar Caiçara9

Diferente da educação indígena, não existe legislação específica


que respalde a educação escolar caiçara; entretanto, esta se baseia
nas leis que regulamentam a Educação do Campo.
As políticas específicas de Educação do Campo se iniciam
com a Resolução nº 1, de 3 de abril de 2002 e o Parecer CNE/CEB
36/2001 que estabelecem Diretrizes Operacionais para a Educa-
ção Básica nas Escolas do Campo, a universalização da educação
escolar com qualidade social, baseada na LDB/1996:

A orientação estabelecida por essas diretrizes, no que se refere


às responsabilidades dos diversos sistemas de ensino com o
94

atendimento escolar sob a ótica do direito, implica o respeito


às diferenças e a política de igualdade, tratando a qualidade da
educação escolar na perspectiva da inclusão. Nessa mesma linha,

9 Extraído e adaptado de: “A Construção de Currículos Diferenciados Indígenas e Caiçaras na Costa


Verde”, Monografia de Conclusão de Curso de Graduação em Pedagogia de: Anna Beatriz Vecchia
(bolsista PIBIC 2015-2017)
o presente Parecer, provocado pelo artigo 28 da LDB, propõe
medidas de adequação da escola à vida do campo. (p. 1)

A Resolução estabelece a identidade da escola do campo atra-


vés de questões voltadas para a realidade, saberes dos estudantes,
memórias e movimentos sociais em defesa de seus projetos rela-
cionados à qualidade de vida. As propostas pedagógicas definidas
nesta modalidade serão orientadas pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica e a Educação Profissio-nal de
Nível Técnico. A educação básica do campo deve ser oferecida
pelos Estados, Distrito Federal e Municípios em seus respectivos
âmbitos.
Como forma de organizar e assegurar o desenvolvimento
da educação do campo, foi criado, fruto da luta dos movimentos
sociais do campo organizados, em especial, do MST – Movimento
dos Sem Terra – o PRONERA – Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária, que foi desenvolvido nas áreas de reforma
agrária e prevê a democratização de acesso ao conhecimento no
campo apoiando os projetos de educação voltados para esta área.
O Decreto nº 7.352 de 04 de novembro de 2010 dispõe sobre a
política de educação do campo e o PRONERA:

A política de educação do campo destina-­se à ampliação e quali-


ficação da oferta de educação básica e superior às populações do
95

campo e será desenvolvida pela União em regime de colaboração


com os Estados, o Distrito Federam e os Municípios, de acordo
com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de
Educação e o disposto neste Decreto. (p. 1)
A formação poderá ocorrer simultaneamente à atuação pro-
fissional e o Artigo 5º ainda dispõe que as instituições públicas
de ensino superior terão que incluir nos cursos de licenciatura
processos de interação entre o campo e a cidade.
Segundo o artigo 10º, o governo poderá contar com o apoio de
outros órgãos e entidades de ação conjunta para apoiar os projetos
e outras iniciativas para educação, assim como o PRONERA que
integra a política de educação do campo.
Em 2012, o FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvol-
vimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação passa atender às escolas do campo através da Lei nº
12.695, de 25 de julho de 2012, onde “na educação do campo ofe-
recida em instituições credenciadas que tenham como proposta
pedagógica a formação por alternância, observado o disposto em
regulamento.” (BRASIL, 2012)
As escolas caiçaras aqui acompanhadas estão localizadas
na região costeira de Paraty. O município dispõe de um Plano
Municipal de Educação que tem como uma das metas:

Garantir a oferta da Educação Básica, em especial dos anos ini-


ciais do Ensino Fundamental, para as comunidades tradicionais
e populações do campo nas próprias comunidades, articulando
o seu currículo com o contexto rural, étnico, e com as tradições
locais, atendendo às determinações legais vigentes e respeitando
96

a articulação entre os ambientes escolares e comunitários. (p. 21)

O Plano visa garantir o acesso e permanência dos alunos da


educação básica nas escolas localizadas nas comunidades tradicio-
nais e de populações do campo, atendendo as especificidades das
respectivas comunidades, em especial às comunidades costeiras,
como estas observadas nesta pesquisa. A identidade cultural das
comunidades tradicionais deve ser respeitada, assim, a comunidade
deve participar da definição do modelo de organização pedagógica.
Quanto ao currículo específico, o Plano dispõe:

Promover a elaboração de currículos e propostas pedagógicas


específicas para educação escolar nas escolas do campo e das
comunidades tradicionais, em conjunto com as comunidades,
com abordagens interdisciplinares que organizem de maneira
flexível conteúdos teóricos e práticos articulados, respeitando
todos os seus aspectos e incluindo os conteúdos culturais, sociais,
políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia, correspondentes
às respectivas comunidades, considerando o fortalecimento das
práticas socioculturais e da língua materna de cada comunidade
indígena, garantindo a produção e a disponibilização de materiais
didáticos específicos; (p. 23)

Os professores que vão atuar nas escolas dessas comunidades


devem ser, preferencialmente, oriundos das mesmas comunidades,
a gestão da educação deve ser democrática e o calendário diferen-
ciado deve respeitar os tempos e atividades de cada comunidade.
A partir do artigo 230 da LDB, que vale para todas as mo
dalidades a educação básica pode ser organizada de diferentes
maneiras, em séries anuais, períodos, ciclos, alternância e para
97

estas comunidades deve atender as especificidades e demandas,


independente do número de crianças, garantindo a escolarização
em nível fundamental.
2.4.3- Educação Escolar Quilombola10

O presente tópico pretende discutir os princípios da Educa-


ção Escolar Quilombola, mas a partir de uma apresentação dos
processos de formação de professores e reorientação curricular
em duas escolas quilombolas na região da Costa Verde (Sul Flu-
minense), especificamente na Escola Municipal Campinho da
Independência e na Escola Municipal José de Melo, localizadas
respectivamente no Quilombo do Campinho e no Quilombo
do Cabral, em Paraty. Enfatizamos a dimensão do “processo”
que se expressa nesse texto, pois, primeiro, as atividades estão
acontecendo. Assim, o que apresentaremos aqui é o que já foi e o
que está por ser realizado para a reorientação dos currículos nas
escolas. Do mesmo modo, como o próprio significado da palavra
“processo” implica uma sequência contínua de ações, destacamos
que esse projeto não se reduz a si. Este tenta estabelecer uma am-
plificação e desdobramento, tanto das lutas e reivindicações por
uma educação diferenciada protagonizada há tempos por essas
comunidades, quanto das experiências pedagógicas já desenvol-
vidas pelos próprios quilombolas.
Nossas atividades estão ancoradas nas Diretrizes Curricula-
res Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação
Básica (Resolução CNE/CEB 08/2012). A resolução assegura aos
quilombolas uma educação diferenciada baseada em aspectos como
98

“memória coletiva”, “marcos civilizatórios”, “práticas cultu rais”,


“tecnologias e formas de produção do trabalho”, “territorialidade”
etc., existentes nas comunidades. Como enfatiza o documento

10 Texto dos professores Diogo M. Cirqueira (IEAR/UFF) e Ediléia Carvalho (Novamerica) com Rafael
Atalah (Boslsista de Extensão PROEX, 2018) e Pedro Neves (Bolsista de Extensão PROEXT, 2016-2018)
também, a despeito da generalidade da Resolução, as propostas
em Educação Escolar Quilombola devem ser contextualizadas e
condizentes com a realidade e anseios de cada comunidade, tendo
em vista a diversidade destas no território brasileiro. Assim, como
veremos, há a tentativa de agenciar o cotidiano e as práticas cul-
turais dos quilombos do Campinho e do Cabral como princípios
norteadores na construção dos currículos.
Deve ser ressaltado que o projeto em desenvolvimento nos
quilombos se articula como outras ações de reorientação curri-
cular em comunidades caiçaras e indígenas, todos abrigados em
um Programa “guarda-chuva” denominado: “Escolas do Territó-
rio”. Como já dito anteriormente na apresentação deste livro, o
Programa “Escolas do Território” tem por objetivo implementar
um programa de formação continuada com os professores nessas
comunidades, subsidiando pedagogicamente o processo de cons-
trução de currículos diferenciados e um movimento de reorien-
tação curricular na rede municipal de Paraty-RJ e na Educação
Escolar Indígena. Assim, ainda que o foco aqui sejam as escolas
quilombolas, deve-se tem em mente a influência mútua e a troca
de experiências que envolvem esses três grupos de população
tradicional na região da Costa Verde.
O texto deste tópico está organizado da seguinte forma: pri-
meiramente apresentaremos uma interpretação das diretrizes da
Educação Escolar Quilombola; posteriormente será descrita a luta
99

do Quilombo do Campinho por uma educação diferenciada; por


fim, narraremos o processo de reorientação curricular em curso
nas Escolas Quilombolas do Campinho e do Cabral; seguido das
considerações finais.
2.4.3.1- Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Quilombola e outras normativas vigentes

Entendemos que as políticas educacionais diferenciadas, tal


como é a política para quilombos, surgem em meio a inúmeros
fatores, no entanto, antes, emergem de um processo desencadeado
por questões que tendem a desafiar os contextos escolares. Fruto
da luta e do posicionamento político de diferentes atores sociais,
essas políticas visam ao entendimento e/ou ao menos à atenuação
das diferentes demandas que emergem desse cenário de lutas e
disputas políticas cada vez mais acirradas. É nesse contexto, por
exemplo, que compreendo à proporção que o tema da diversidade
e das diferenças culturais tem ganhado em âmbito educacional,
sobretudo no contexto de formulação das políticas públicas.
Mas, não há como falar dessas políticas sem mencionarmos o
momento político complexo que estamos atravessando. Tomando
emprestada a máxima do sociólogo Boaventura de Sousa Santos,
um momento de “incerteza entre o medo e a esperança”, de incer-
tezas abissais11, que não deixam dúvidas quanto à arquitetura de
um golpe contra o Estado de Direitos. Um período marcado por
retrocessos de toda ordem, afetando diretamente os direitos sociais.
Tal constatação traz implicações que reverberam diretamente na
promoção de políticas públicas contra-hegemônicas, como é o
caso das políticas de reconhecimento das diferenças, atingindo
100

diretamente os grupos minoritários, movimentos e coletivos sociais.


Neste cenário político instaurado, percebe-se que os povos
tradicionais e do campo, por exemplo, se configuram como obs-

11 Conceitos utilizados pelo autor em artigo publicado na Revista Eletrônica Carta Maior do dia 21/09/16.
táculos à mercantilização da terra, aos avanços da monocultura e
do capitalismo de uma forma geral. Questões estas, implicitamente
vinculadas à luta política e simbólica em torno da educação, uma
vez que é cada vez mais recorrente percebermos a fórmulação de
projetos de lei que visam projetar sobre a escola a mesma lógica
mercantilista, monocultural, homogeneizadora e acrítica.
Contrapondo a toda esta lógica, Carpenedo (2011) afirma que
as políticas educacionais que nascem da premissa do reconheci-
mento das diferenças representam uma conquista que resulta de
inúmeras iniciativas e lutas de movimentos e organizações sociais.
Entretanto, chama atenção para o quanto ainda é necessário
avançar. Essa constatação desloca a ideia de que essas conquistas
foram delegadas pelo Estado ou pela situação política, para a
afirmação de que estas resultam de importantes movimentos de
lutas. Desse modo, é fundamental compreendermos como essas
políticas educacionais foram se constituindo em forma de leis
e pareceres como garantia de manter as tradições culturais, os
costumes e modos de vida historicamente construídos.
Podemos citar como exemplo dessas políticas, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola
(Brasil, 2012), nova modalidade de educação no Brasil. Esta ini-
ciativa, em conjunto com outras ações12 e circunstâncias – ainda
que atualmente algumas se encontrem em estado de extinção,
contribuiu/contribui para a ampliação do debate público e acadê-
101

mico acerca da educação escolar em comunidades quilombolas,


subsidiando reflexões no intuito de trazer legitimidade para a
entrada de seus saberes, culturas e tradições nos currículos esco-
lares (CARVALHO, 2014).

12 Como a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 2003, e


a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) criada em 2004, atual
Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), de 2011 a 2018.
Segundo dados do relatório da Educação Escolar Quilombola
no Censo da Educação Básica, produzido pelo INEP em 2015 (re-
latório mais recente), a educação escolar em áreas remanescentes
de quilombo esteve e, em certa medida, é contemplada também
na modalidade de educação do campo, com a qual comunga em
princípios e questões comuns. Entretanto, por existirem elementos
distintivos importantes, atrelados aos direitos étnicos desses grupos,
ou seja, traços culturais que os diferenciam, foi preciso negar este
viés homogeneizante das populações rurais, como até então era
concebido na educação do campo e iniciar uma agenda pública
e política sobre as especificidades das comunidades quilombolas
que deveriam ser contempladas, também no campo da educação.
Diante deste reconhecimento acerca das especificidades destes
grupos, segmentos dos movimentos sociais negros iniciam, a partir
da década de 1980, uma série de debates onde já se discutia a fun-
ção social das escolas que atendem essas comunidades. Com base
nesta premissa, o I Encontro Nacional Quilombola que ocorreu
no ano de 199513, apresentou em sua pauta as primeiras demandas
por uma educação escolar quilombola, calcada na pedagogia dos
seus territórios. Mas foi a partir da gestão do governo Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, que houve uma intensificação dessas
políticas sociais, com a criação de inúmeros programas e ações
que visavam/visam contemplar as comunidades quilombolas.
Deve-se enfatizar, assim, que a Educação Escolar Quilombola
102

possui uma ancoragem legal: a Lei Federal nº. 10.639/2003, cuja


orientação consiste em que a Educação Básica adote nos conteúdos
programáticos o estudo da história e da cultura afro-brasileira; a

13 O I Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas foi realizado durante a Marcha
Zumbi dos Palmares de 17 a 20 de novembro em Brasília-DF onde foi criada a Comissão Nacional
Provisória das Comunidades Rurais Negras Quilombolas.
Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho),
promulgada pelo decreto 5.051, de 2004, que garante o direito a
uma educação apropriada às diferenças das populações étnicas;
o Plano Nacional de Desenvolvimento de Populações Tradicio-
nais (Decreto 6.040, 2007), que aponta para a necessidade de se
produzir modalidades de educação adequadas aos modos de vida
das populações tradicionais; e a Resolução nº 7 de 2010 do CNE
(Conselho Nacional de Educação), que avança na garantia de uma
educação diferenciada ao mencionar a necessidade de respeito por
parte das escolas que atendem às populações do campo, direitos
humanos às comunidades quilombolas e aos povos indígenas, bem
como às populações das áreas rurais e ribeirinhas, assegurando
condições de ensino e aprendizagem adequadas e específicas aos
educadores e educandos e a consolidação de ações afirmativas de
inclusão da população afrodescendente e de reconhecimento dos
direitos quilombolas no Programa Nacional de Direitos Huma-
nos (Decreto nº 7.037 de 21 de dezembro de 2009, atualizado pelo
Decreto nº 7.177 de 12 de maio de 2010).
Outros importantes marcadores desse processo de constru-
ção das políticas se deram no ano de 2010. Em maio se realizou
a Conferência Nacional de Educação (CONAE, 2010) na qual se
discutiu a necessidade de formulação de políticas específicas na
educação para atender às especificidades das comunidades qui-
lombolas, visto que a Lei 10.639/03 e suas respectivas diretrizes
103

não contemplavam tais demandas. Essa pauta exigiu a formação


de um Grupo de Trabalho de Educação Quilombola no Conselho
Nacional de Educação (CNE) com vistas à elaboração das Diretri-
zes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.
No dia 13 de julho de 2010, a Câmara de Educação Básica do
CNE publicou a resolução nº 4/2010, definindo Diretrizes Curri-
culares Nacionais Gerais para a Educação Básica. A Resolução
institucionaliza a Educação Escolar Quilombola como modalidade
de educação, cuja definição é a seguinte:

Art. 41. A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em uni-


dades educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo
pedagogia própria em respeito à especificidade étnico-cultural de
cada comunidade e formação específica de seu quadro docente,
observados os princípios constitucionais, a base nacional comum e
os princípios que orientam a Educação Básica brasileira. Parágrafo
único. Na estruturação e no funcionamento das escolas quilom-
bolas, bem como nas demais, deve ser reconhecida e valorizada a
diversidade cultural (Seção VII, Resolução nº 4, CEB/CNE, 2010).

No ano de 2011, outros importantes documentos produzi-


dos foram os textos do Plano Nacional de Desenvolvimento da
Educação (PNDE) 2011-2020 (que visa a implementar políticas
específicas para a formação de professores para as comunidades
quilombolas; expandir as matrículas de Ensino Médio destas; e
ampliar a Educação Escolar Quilombola por meio de uma visão
articulada ao desenvolvimento sustentável e à preservação da iden-
tidade cultural) e, por fim, as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Escolar Quilombola (BRASIL, 2012), aprovadas e
anunciadas pela presidenta Dilma Rousseff, no dia 21 de novem-
bro de 2012, em cerimônia no Palácio do Planalto, em alusão ao
104

dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Esta última traz


em seu texto a seguinte recomendação quanto à organização do
ensino ministrado nas instituições educacionais inscritas em suas
terras e/ou que atendam estudantes quilombolas:

[...] fundamentar-se, informar-se e alimentar-se: a) da memória


coletiva; b) das línguas reminiscentes; c) dos marcos civiliza-
tórios; d) das práticas culturais; e) das tecnologias e formas de
produção do trabalho; f) dos acervos e repertórios orais; g) dos
festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o
patrimônio cultural das comunidades quilombolas de todo o país;
h) da territorialidade. (BRASIL , 2012, p. 3) Desta forma, objetiva:
I – orientar os sistemas de ensino e as escolas de Educação Básica
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na
elaboração, desenvolvimento e avaliação de seus projetos educa-
tivos; II – orientar os processos de construção de instrumentos
normativos dos sistemas de ensino visando garantir a Educação
Escolar Quilombola nas diferentes etapas e modalidades, da
Educação Básica, sendo respeitadas as suas especificidades; ; III
– assegurar que as escolas quilombolas e as escolas que atendem
estudantes oriundos dos territórios quilombolas considerem as
práticas socioculturais, políticas e econômicas das comunidades
quilombolas, bem como os seus processos próprios de ensino
-aprendizagem e as suas formas de produção e de conhecimento
tecnológico; IV – assegurar que o modelo de organização e gestão
das escolas quilombolas e das escolas que atendem estudantes
oriundos desses territórios considerem o direito de consulta e
a participação da comunidade e suas lideranças, conforme o
disposto na Convenção 169 da OIT; V – fortalecer o regime de
colaboração entre os sistemas de ensino da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios na oferta da Educação Escolar
Quilombola; VI -zelar pela garantia do direito à Educação Esco-
105

lar Quilombola às comunidades quilombolas rurais e urbanas,


respeitando a história, o território, a memória, a ancestralidade
e os conhecimentos tradicionais; VII – subsidiar a abordagem
da temática quilombola em todas as etapas da Educação Bási-
ca, pública e privada, compreendida como parte integrante da
cultura e do patrimônio afro-brasileiro, cujo conhecimento é
imprescindível para a compreensão da história, da cultura e da
realidade brasileira. (BRASIL , 2012, p. 4).
Assim, podemos afirmar que as Diretrizes aprovadas em
junho de 2012 e homologadas pelo Ministro da Educação em
novembro do mesmo ano, tem a função de orientar os sistemas
de ensino para que eles possam implementar a Educação Escolar
Quilombola, mantendo um diálogo com a realidade sociocultural
e política das comunidades e dos movimentos quilombolas.
Deste contexto de formulação da política de educação escolar
quilombola, que hoje se encontra sob a coordenação da Secreta-
ria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), bem
como do conjunto de legislações que esta considera é importante
ressaltarmos que estas se desdobram em duas importantes esferas
de atuação que, ao menos em tese, deveriam se complementar:
As políticas de financiamento voltadas para a atenuação das de-
sigualdades físicas e estruturais, relacionadas à distribuição de
recursos financeiros para as escolas situadas em comunidades
quilombolas e legislações específicas que subsidiam ações para
uma escola diferenciada, que dialogue com as especificidades
dos territórios tradicionais das comunidades remanescentes de
quilombo, contrapondo a hegemonia da forma escolar dominante
(ARRUTI, 2009; CANÁRIO, 2006).
Ao discutir sobre as políticas de terra e educação para quilom-
bos, Arruti (2011) chama atenção para o trânsito entre estas duas
formas de se pensar a educação escolar quilombola, tal como foi
pensada a própria política: aquela que busca ampliar e melhorar
106

as condições da rede de educação nestas comunidades; e aquela


que tende a falar em uma educação pensada a partir e para as
especificidades socioculturais desta população. Uma educação
diferenciada, a exemplo da Educação Indígena e da Educação do
Campo (ARRUTI, 2011, p. 292). Neste sentido, o autor adverte-nos
que estar classificada no Censo escolar como escola localizada em
áreas identificadas como de comunidades remanescentes de qui-
lombo, beneficiando-se da política de educação escolar quilombola
existente, não implica necessariamente na existência de qualquer
diferenciação em sua forma física, processos pedagógicos, gestão,
composição e formação dos professores ou nos materiais didáticos
utilizados. Arruti (2011) afirma ainda que:

A classificação é atribuída no momento do preenchimento de for-


mulário pelo diretor/a da escola, o que nos coloca o problema desta
classificação não se dar nem por auto-atribuição da comunidade,
nem pelo reconhecimento prévio e oficial desta comunidade e seu
território pelo Estado brasileiro. Temos exemplos interessantes
de como isso produz variações importantes no cômputo geral,
seja pela simples negação de que a escola seja quilombola, mesmo
quando se trata de comunidade de notoriedade nacional, como
acontece na Ilha da Marambaia (RJ), seja, ao contrário, quando tal
classificação da escola ocorre sem ela encontre correspondência
em uma comunidade quilombola. (ARRUTI, 2011, p. 293)

Tais considerações nos interpelam a pensar até que ponto as


políticas de reconhecimento das diferenças têm, de fato, contem-
plado as diferenças, ou se não representam mais uma tentativa
assimilacionista da cultura das minorias étnicas à cultura hege-
mônica, dita universal e dominante. Leva-nos a questionar, no
plano prático, que tipo de relações tem firmado com aquilo que
107

orienta as suas diretrizes:

Uma proposta de educação quilombola necessita fazer parte da


construção de um currículo escolar aberto, flexível e de caráter
interdisciplinar, elaborado de modo a articular o conhecimento
escolar e os conhecimentos construídos pelas comunidades
quilombolas. Isso significa que o próprio projeto político-peda-
gógico da instituição escolar ou das organizações educacionais
deve considerar as especificidades históricas, culturais, sociais,
políticas, econômicas e identitárias das comunidades quilombolas,
o que implica numa gestão democrática da escola que envolve a
participação das comunidades escolares, sociais e quilombolas
e suas lideranças. (BRASIL , 2012, p. 26)

Ainda na esteira dessas reflexões, considerando todos os


aspectos trazidos até aqui, não podemos perder de vistas algumas
ponderações sob o risco de sustentarmos um discurso ingênuo
e superficial acerca da formulação e atuação dessas políticas. A
primeira é a afirmação feita por Maroun (2013) quanto à relação
das diretrizes e das demais ações com as realidades locais serem
complexas e pouco lineares, embora consideremos também o
quão recente são estas políticas. Como afirma a autora os textos
das políticas já são, por si mesmo, resultado de disputas que,
muitas vezes, expressam posições concretas e experiências locais
(MAINARDES, 2006 apud MAROUN, 2013). Nesse caso, “depois
de definidos os textos das políticas, a aplicação destas estará
submetida a reinterpretações e novas disputas, que poderão vir a
refletir outros embates locais” (MAROUN, 2013, p. 82).
A segunda é que as políticas de reconhecimento das dife-
renças emergem de um processo desencadeado por questões que
tendem a desafiar o chão da escola. Neste sentido, encontram
108

enfrentamentos e resistências não apenas burocráticas, bem como


ideológicas. São caracterizadas por pressões e conflitos, se modi-
ficam, são reinterpretadas, de têm contradições, logo podem gerar
resultados diferentes do esperado (MAINARDES, 2006). Ainda de
acordo com o pensamento de Mainardes (2006), entendemos que
as políticas públicas voltadas para as comunidades quilombolas
são marcadas pela presença do ordenamento do Estado, o que
leva as comunidades a terem que se adequar e a apreender as ca-
tegorias que estão em jogo. Entretanto, é interessante pensarmos,
sobretudo, dentro do nosso contexto de análise, que as políticas
não são apenas o que está previsto na lei, as políticas são também
todas essas dinâmicas, jogo de forças, interpretações feitas pelo
local, pelo modo como as populações tradicionais lidam com elas.
Não pretendemos aqui tecer um olhar celebratório para a
existência das políticas diferenciadas, embora reconhecer a sua
importância seja, de algum modo, celebrá-las, entretanto, não
podemos deixar de reconhecer que estas se concretizaram em
um cenário de avanços significativos. O reflexo da existência de
toda a legislação específica tem provocado uma mobilização das
comunidades quilombolas, ações e estratégias de luta que buscam
estabelecer uma educação diferenciada, condizente com a cultura
e realidade dessas comunidades junto às escolas inscritas em seus
territórios e/ou que atendam educandos oriundos das comunidades.
Trata-se de movimentos internos de reivindicação de um projeto
educacional e de uma escola “outra” que contemple sua cultura
e lutas políticas os projetos que têm como norte as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola. Um
adendo importante a trazer é que, antes mesmo da implementação
de políticas governamentais e da legislação específica, já havia ações
em comunidades quilombolas direcionadas a experimentar uma
nova proposta de educação escolar culturalmente referenciada e/
109

ou diferenciada. Um exemplo dessas ações é o Projeto “Educando


com Arte: Vivência de Saberes” (2008), elaborado pelo Quilombo na
escola local, tendo como base a cultura, as tradições e a memória
coletiva da comunidade. Discorreremos sobre tal experiência pos-
teriormente, para ilustrar os processos socio-históricos específicos
de tal construção.
2.4.3.2- O movimento de luta por uma educação diferencia-
da: o caso do Quilombo do Campinho

A luta do Quilombo do Campinho por uma educação di-


ferenciada não se encontra à parte da luta pelo território, pois
estas questões estão diretamente interligadas. A cosmovisão da
comunidade compreende que esses dois espaços se relacionam o
tempo todo. Nesse sentido, apresentam outras referências episte-
mológicas e organizações do pensamento. É a partir da perspectiva
do território que se percebem enquanto grupos formadores deste;
identificam as apropriações desiguais no/do território das quais
emergem conflitos e injustiças invisibilizadas pelas relações de
poder. A escola como uma instituição construída e perpetuada
nessa lógica de relações desiguais de poder, tem sua importância,
por isso, defender uma escola que esteja atrelada às lutas políticas
das comunidades quilombolas, cujo projeto educacional reafirme
a importância do território é essencial.
O debate sobre uma educação escolar quilombola no Qui-
lombo do Campinho, bem como a construção de um projeto de
educação baseada na cultura quilombola, com especificidades de
seu território, teve como marco fundamental a implantação do
Ponto de Cultura Manoel Martins em 2003, que recebeu este nome
devido ao Griô que nasceu e viveu por muitos anos no Campinho
da Independência.
110

O Ponto de Cultura desenvolveu um novo parâmetro de


organização no Campinho abrindo o debate sobre uma educação
diferenciada na comunidade. Essa importante iniciativa fomentou
a desconstrução e desnaturalização da hierarquização racial im-
pregnada no imaginário social e nas relações sociais estabelecidas,
sobretudo, introjetada pelos próprios sujeitos que vivenciam os
efeitos perversos desse racismo, inclusive no espaço escolar.
Assim, as lideranças perceberam uma contradição: as crianças
apresentavam rendimento e desenvolturas distintas nas atividades
desenvolvidas pelo Ponto de Cultura e na Escola. De acordo com o
relato de uma liderança sobre as reuniões de pais, “(...) a sensação
que eu tinha é que estavam falando de crianças diferentes, nem
pareciam as mesmas que estavam aqui mergulhadas nas atividades
das oficinas”. (Laura, julho de 2013).
Diante dessa problemática e visando acabar com a lacuna
escola-quilombo, o Ponto de Cultura foi mobilizado para desen-
volver projetos pedagógicos condizentes com as especificidades
da comunidade quilombola. Uma das premissas dos projetos era,
por exemplo, tornar os conteúdos escolares mais significativos
para os alunos através da utilização de conhecimentos do local
nas oficinas.
A quilombola Laura dos Santos, nesse sentido, elaborou com
o apoio de uma pedagoga da região o Projeto Educando com Artes,
que foi experimentado na escola local. De 2005 até aproximada-
mente início de 2010 houve uma série de atividades que tinham
como cerne “uma pedagogia quilombola” que visava à articulação
dos saberes escolares com os não escolares. Uma forma de inserir a
cultura quilombola na escola. Desenvolvidas com base na cultura,
nas tradições e na memória coletiva da comunidade, as oficinas,
no âmbito escolar, trouxeram elementos da vida cotidiana das
crianças e jovens quilombolas para dentro do currículo.
111

Antes de adentrarmos na experiência do Projeto Educando com


Artes, é importante ressaltarmos, tal como vimos anteriormente,
a centralidade dos mediadores políticos neste processo de resis-
tência, mas, também, de re-existência na luta por uma educação
escolar quilombola. Como podemos perceber, o Ponto de cultura
compreendido aqui como um mediador, atrelado de múltiplas e
diferenciadas possibilidades de práticas educativas, foi um “divisor
de águas” na história da comunidade no sentido de desenvolver
um novo parâmetro de organização no Campinho, sobretudo,
de significar um marco fundamental que veio legitimar o debate
sobre uma educação diferenciada na comunidade. Nesta mesma
direção, consideramos significativo enfatizar a importância do
protagonismo exercido pela liderança de Laura dos Santos neste
processo de mediação política. Sua mediação contribuiu para o
reavivamento dos processos educativos de formação identitária,
da autoestima, da valorização e resgate da cultura negra na co-
munidade. Por conseguinte, destacamos também a importância
do seu protagonismo frente à luta nacional de articulação das
comunidades negras e rurais e ao Movimento: Fórum de Comuni-
dades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba (parceiro
do “Escolas do Território”) no que diz respeito à formulação e
implementação de políticas educacionais específicas para esses
grupos. Laura participou como interlocutora das comunidades
de todo o processo de elaboração das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Quilombola. Dessa forma,
falar do Educando com Arte é também falar da importância de
sua luta frente ao debate sobre as questões educacionais dentro e
fora da comunidade.
O Educando com Artes foi pensado em um momento onde
a relação da escola com a comunidade já havia sido estremecida.
Houve uma forte resistência na implantação do projeto na escola,
112

o que levou as lideranças do Campinho a irem diretamente pedir


autorização a Secretaria Municipal de Educação de Paraty-RJ
para implementação do projeto. O pedido então foi aceito e dessa
forma o Educando com Artes foi incorporado à escola. Através
de reuniões sistematizadas, escola e comunidade organizaram
e planejaram todos os eixos e temas abordados nas oficinas, as
ações foram articuladas aos conteúdos programáticos da escola.
A incorporação do projeto na escola não se deu de forma
aberta, receptiva e dialógica, mas com pressão exercida pela pró-
pria comunidade, que agora tinha em mãos uma declaração da
SME. No entanto, a resistência por parte da direção e dos próprios
professores foi minada, com o passar do tempo e o projeto fez com
que se invertesse a lógica de hierarquização na qual colocou todos
(professores, alunos, demais funcionários) numa posição horizontal
aos griôs, artesãos, lideranças políticas, crianças. Nesse contexto,
não havia quem soubesse mais e quem soubesse menos, haviam
saberes, conhecimentos, ciências diferentes. Laura lembra que a
repercussão do projeto foi muito positiva em relação às crianças que
moravam na comunidade. “[...] Um momento de fortalecimento,
de autoestima, de orgulho de ser negro” (Laura, julho de 2013). Os
estudantes passaram a se interessar pelas atividades, a participar
expressivamente, a ter entusiasmo pelas tarefas, sentiam-se mais
seguras para falar, para se expor diante da resolução de problemas.
Tratava-se da difusão do conhecimento que tinha como base os
saberes próprios da comunidade. Vejamos o que nos relata:

[...] A gente recebia muita reclamação. As crianças mal sabiam ler
e escrever, diziam que não tinham interesse, que não aprendiam
de jeito nenhum. E nem iam aprender, não naquele formato de
escola. A prática ela deixa a criança tão feliz, entende? Quando
ela está fazendo alguma coisa que ela vê o sentido, ela compreen-
113

de. Então quando você pede a ela para escrever sobre aquilo ela
escreve, entendeu? Então a gente acha que a escola ela tem que
valorizar a cultura, ela tem que reconhecer, entender, reconhecer
e valorizar a cultura, porque a criança quando chega na escola
os valores dela deveriam ser o mais importante, a escola deveria
reconhecer isso, mas a escola é um outro mundo, eu digo que
uma criança tipo a Lalá... (Lalá aparece onde estávamos e fica
um bom tempo atenta, ouvindo a nossa entrevista) Lalá pula
em árvore, corre, come fruta, vê passarinho, ela tem uma série
de conhecimentos, agora quando ela chega dentro da escola...
Primeiro que a escola é um espaço confinado, uma sala confi-
nada, um regime militar e de cárcere privado, você põe a criança
ali, um atrás do outro, não pode falar, não pode se mexer você
está no final da quarta série, falei para a escola: “Vocês têm seus
alunos mortos, de corpo presente, que se mata para passar de
ano e quando ele termina não se lembra mais de nada do que ele
aprendeu.” (Laura, julho de 2013).

A reflexão feita por Laura acerca do distanciamento da cultura


da criança quilombola em detrimento da cultura privilegiada na
escola nos remete ao que explicita Walsh (2011) ao trazer o contexto
de luta dos povos afrodescentes pelo reconhecimento dos seus di-
reitos no campo da educação. Para a autora, esse reconhecimento
é traduzido da seguinte forma:

É o valor de ensinar sobre o que muitos anos nos ensinaram que


não teria valor, os conhecimentos que não haviam nos dito que
eram conhecimentos, a luta é voltar a esta forma de conhecimento,
a esta maneira de entender a vida, de entender nossos próprios
saberes como também envolver os processos educativos nesta
nossa visão de história e conhecimento. (GARCIA & WALSH,
114

2004, p. 342 apud WALSH, 2011, p. 4).

Cerca de um ano depois da implementação do Educando


com Artes, houve substituição na gestão da SME e o projeto foi
retirado da escola por solicitação da própria direção escolar. Esta
iniciativa foi tomada sem que ao menos fosse feito um comunica-
do à comunidade. O resultado foi então a pressão das lideranças
por uma “escola quilombola”. Migra-se de uma proposta inicial
de pedagogia multicultural, na qual não haveria supremacia de
uma cultura sobre a outra (CANDAU, 2008), para uma proposta
pedagógica especificamente voltada para a questão quilombola
(MAROUN, NORONHA & CARVALHO, 2013). Nessa perspectiva,
há um deslocamento da ideia de um Projeto Político Pedagógico
da escola que venha a contemplar a comunidade, para a escola
incorporada ao Projeto Político Comunitário. “[...] Acreditamos [a
partir desse momento] que a escola quilombola deva ser construída
por nós mesmos” (SANTOS, 2013), enfatizou uma das lideranças.
Toda essa vivência da comunidade junto à escola local nos
remete à discussão trazida por Arroyo (2012). Para o autor, grupos
como as comunidades quilombolas, ao se afirmarem sujeitos de
saberes próprios, de outros processos de aprendizagem, de for-
mação, de conscientização política e cultural, passam a resistir
a esse modelo educacional hegemônico predominante, sobre o
qual a instituição escolar ainda está fundamentada. Isso ocorre
justamente porque eles se afirmam por meio de suas diferenças.
Nesse sentido, entendem que ao longo da história de formação da
sociedade foram submetidos a relações desiguais de poder/saber/
dominação; submetidos à destruição de seus modos de pensar e de
pensarem-se. Além disso, por não terem suas culturas, identidades
e memórias reconhecidas, não se reconhecem como produtores da
história da produção intelectual e cultural. Assim, a articulação
115

política das lideranças reflete o esforço dos povos excluídos para


visualizar, construir e aplicar um projeto onde às aspirações e os
critérios culturais próprios são o fundamento.
Sem dúvida, a experiência do Projeto Educando com Artes
no Quilombo do Campinho significou muito mais do que propor
ações diferenciadas para serem realizadas na/pela escola. Como
afirma a liderança quilombola Laura dos Santos: “o projeto nos
possibilitou fazer um diagnóstico” (SANTOS, 2013). Neste segundo
momento então, a AMOQC (Associação de Moradores do Quilombo
Campinho) passa a compreender que uma “escola quilombola” se
fundamenta num processo de construção coletiva, algo que seja
pensado pela própria comunidade, ainda que em parceria com a
escola. Tal perspectiva de educação e de escola aponta para, dentre
outras coisas, a contemplação e legitimação tanto dos seus saberes
tradicionais, como de suas pedagogias próprias.
Um primeiro ponto desta proposta de “escola quilombola”
remete à articulação dos ambientes educativos formais e não-
formais: a própria escola deveria compreender e trabalhar com a
ideia de que a educação acontece não apenas no seu interior, mas
também fora dos seus muros. Nessa concepção, a ideia de que
a a educação acontece não apenas no seu interior, mas também
fora dos seus muros. Nessa concepção, os espaços localizados
nas dependências da comunidade, tais como a casa de farinha, o
viveiro de mudas da Juçara, a casa de artesanato e tantos outros,
passam a ser considerados importantes espaços de aprendizagem,
que deveriam ser apropriados. Quanto à importância atrelada a
esses espaços de vivências comuns, Arroyo (2012, p. 85-86) diz
que estes são o que dão “força formadora aos símbolos”. É o que
faz pensar, produzir identidades, valores, leituras e interpretações
de mundo e de si mesmos como coletivos. Portanto, não se trata
apenas de destacar o “caráter didático desses rituais e símbolos”,
116

pois isso não daria conta de suas virtualidades formadoras. São


mais do que didáticas. A sua força está em “fazer presente a força
pedagógica do real”, por isso a necessidade dessa virtualidade
formadora da vida produtiva chegar à escola formal e não apenas
nos espaços informais de educação.
Outro ponto relevante na fala das lideranças é o engessamento
da escola tradicional no que se refere, dentre outras coisas, aos
horários inflexíveis, aos calendários e às metodologias aplica-
das. Reivindicam a necessidade de um olhar diferenciado para
o contexto no qual a escola está inserida no momento em que se
constrói o planejamento escolar:

[...] As escolas urbanas têm de ser diferentes porque as questões


urbanas são específicas daquele local. As escolas rurais têm que
ser diferenciadas porque elas têm questões específicas, rurais,
o seu tempo é diferente da área urbana que não precisa ter um
tempo do plantio. A escola quilombola, além de ter a questão
rural tem a questão da etnia, da tradicionalidade, que precisa
ser respeitada. Isso tem que ser levado para dentro da escola,
e é por isso que afirmo com tanta veracidade que é a cultura
quem forma, a cultura é esse preenchimento, a cultura centra
o ser humano, ela organiza a cabeça do ser humano. E quando
a escola compreende o seu verdadeiro papel e função dentro de
uma sociedade específica, ela passa a valorizar o contexto do
aluno, os seus saberes e costumes. (SANTOS, 2012)

Ao trazerem à tona todas essas questões, as lideranças do


Campinho enfatizam que a escola precisa ser “ressignificada”.
Segundo Brandão (1984), a leitura da realidade local proporcionada
117

por este novo formato de escola seria feita com as categorias de


que dispõem os próprios sujeitos, que pertencem ao seu universo.
Esta mesma ideia é expressa por Candau (2000) quando afirma
a necessidade de “reinventar a escola”. Esse é um debate que não
deve ocorrer apenas dentro da escola, mas nos espaços de discus-
são da comunidade
Tudo o que vem de cima para baixo é complicado, há um proble-
ma de sistema. É complicado discutir essas questões na escola.
Tem de ser à base de enfrentamento mesmo, não tem jeito. A
escola manipula e de que forma a gente garante um mínimo de
discussão que não seja manipulada? É aqui neste espaço. É entre
nós. (SANTOS, 2012)

A tomada de posição política explicitada na fala das lideranças


do Campinho remete ao que afirma Walsh (2012) sobre as lutas,
avanços e desafios recentes e atuais que visam “interculturalizar”
e “decolonizar” as estruturas e às instituições do Estado. É impor-
tante ressaltarmos que, ao criticarem os saberes legitimados pela
escola, as suas práticas descontextualizadas da realidade local, o
racismo ainda presente no contexto escolar, as incipientes políti-
cas públicas que reconheçam, reparem e garantam o direito das
comunidades a uma educação voltada para suas especificidades,
as lideranças visibilizam o desrespeito aos processos sociais, eco-
nômicos, políticos, culturais em que formam e são formados na/
pela comunidade. Nesse caso, trazem consigo todo pensamento
nas experiências sociais em que este é produzido. Como afirma
Arroyo (2012, p. 10), trata-se de “outros sujeitos, que trazem consigo
outras pedagogias de sua formação” e são essas pedagogiasque
passam a interrogar a escola, tal como observamos nos relatos
apresentados.
118

Outra questão que gerou recusa da comunidade por esse


modelo educacional hegemônico ou por qualquer tentativa de
diálogo com a escola local (nesse segundo momento) pode ser
explicada, também, pela forma como a SME de Paraty vinha
concebendo a Escola Municipal localizada em um território di-
ferenciado. Embora dentro de um território quilombola a mesma
se encontra subordinada à coordenação do Setor da “Educação
Rural” de Paraty, que, por sua vez, à época dos debates e confli-
tos, não trazia em seu projeto político pedagógico – aplicado de
forma única em todas as escolas inseridas no contexto rural – as
questões históricas, políticas, sociais e culturais da população
afrobrasileira, tão pouco as especificidades dos remanescentes de
quilombo. Em Paraty não havia nenhuma atenção diferenciada para
as escolas em territórios quilombolas, o que trazia sérios desafios
para a comunidade Campinho da Independência à implementação
de uma educação escolar quilombola. Por outro lado, toda essa
experiência vivida pela comunidade em sua relação com a escola
e com a SME provocou nas lideranças um novo posicionamento
crítico e político. Na concepção de Laura dos Santos:

Eu não acredito numa escola que o governo implante e dê o nome


de escola quilombola. Não acredito nisso. Eu creio que a escola que
nós queremos é a que reconheça nossos valores tal como somos.
Apesar dos avanços na educação do quilombo, ainda estamos
num campo de luta muito grande, porque primeiro a escola tem
que estar na cabeça de cada um. Eu já ouvi falar de experiências,
nas quais se conseguiram e depois se desfizeram. Então, penso
que a concepção de escola deva estar em nós para que não se
acabe. Essa concepção de escola tem que estar dentro da gente,
porque senão ela se acaba. Ou seja, ela tem que ser construída
mesmo, passo a passo. Devemos enxergar essa construção como
119

uma luta da sociedade e não como benefício do governo. Mesmo


porque os governantes não estão vivendo o nosso dia a dia, onde
acontecem as maiores lutas. Acredito que, somente reivindicando
é que as conquistas perdurarão. (Julho, 2013).
A SME de Paraty só iniciou uma reestruturação curricular
na educação escolar quilombola em 2017, com o Acordo de Coo-
peração Técnica com o IEAR/UFF para a formação de professores
com vistas à construção de um currículo diferenciado.
O modelo de educação escolar quilombola denota uma epis-
temologia que é de resistência. Uma experiência que pode ser
entendida como “uma maneira de enfrentar a colonialidade do
poder, do ser e também do saber dominantes” (WALSH, 2011, p. 5).
É, pelo viés da resistência a uma escola branca, vertical, ao saber
dominante, eurocêntrico e homogeneizante que a luta por uma
educação escolar quilombola no Campinho ganhou corpo e se
sustenta como um projeto político “outro”, que busca descolonizar
o modelo de educação escolar vigente.
A experiência vivenciada pelo Quilombo do Campinho, no
primeiro momento, na relação entre escola-comunidade, e, no que
concerne à luta por uma escola com perspectivas quilombolas,
apresenta dilemas e opções singulares para a reflexão acerca de
como essa modalidade de educação tem sido pensada e construída
pelos próprios quilombolas. Isso antes mesmo da publicação dos
respectivos textos legais. Outra questão de extrema importância
que emerge nesse contexto é a reflexão sobre a forma como políticas
educacionais específicas têm sido pensadas e elaboradas e, em que
medida, podemos perceber diálogos, embates e/ou aproximações
destas com as experiências pontuais vivenciadas pelas próprias
120

comunidades. Acreditamos que, somente a partir de um olhar


apurado sobre essas problemáticas e experiências poderemos ter
uma compreensão mais ampla dos principais avanços, limites e
lacunas presentes nos textos legais, sobretudo na implementação
dessas políticas no âmbito das escolas situadas em áreas quilom-
bolas e/ou que atendam alunos quilombolas. As comunidades
tradicionais têm avançado na questão da mobilização e dos proces-
sos próprios de mediação na luta por uma educação diferenciada
que reconheça a epistemologia dos seus saberes próprios e do
seu território étnico. Portanto, é com base nessa constatação que
conferimos a importância dos mediadores políticos no âmbito
das lutas vivenciadas pelas comunidades quilombolas, tal como
percebemos a centralidade na participação lideranças comunitá-
rias ligadas ao FCT – Fórum de Comunidades Tradicionais, como
Laura dos Santos, Daniele Elias, Ronaldo dos Santos14, e outros,
responsáveis hoje pela pauta da educação no Quilombo do Cam-
pinho. Tal tomada de posição política das lideranças comunitárias
reflete o esforço dos povos excluídos para visualizar, construir e
aplicar um projeto onde as aspirações e os seus critérios culturais
próprios são o fundamento educativo. Algo que seja pensado de/
desde os sujeitos e não apenas para os sujeitos.
A educação escolar quilombola é uma categoria recente, ainda
em desenvolvimento e em disputa pelos principais atores sociais
envolvidos, o que pressupõe que a elaboração de políticas específi-
cas para esta modalidade de educação representa um aprendizado
em processo tanto para os quilombolas, quanto para os gestores
e professores. Com tudo isso, , não podemos perder de vistas que
apesar de toda complexidade observada, tais políticas imprimem
grande importância no âmbito da luta por uma educação escolar
quilombola pleiteada pelas comunidades. Importância que se dá,
121

sobretudo, no âmbito do empoderamento dos próprios sujeitos


e/ou grupos sociais que tiveram suas identidades invisibilizadas
histórica e socialmente e agora passam a interrogar a escola e a
se afirmar enquanto sujeitos de direitos.

14 Ronaldo dos Santos e Daniele Elias foram eleitos pra Diretoria da AMOQC no final de 2018.
Em linhas gerais, compreendemos que é pelo viés da resistên-
cia a uma escola branca, monocultural e homogeneizante que a
luta por uma escola quilombola no Campinho da Independência
ganha corpo e se sustenta, abrindo caminhos e inaugurando outras
possibilidades neste histórico de relação entre escola-comunidade,
ao protagonizar uma experiência outra de construção de educação
e de escola no presente momento.
122
C apítulo I I I

Etapas da metodologia de construção curricular


pela via do tema gerador em redes temáticas e da
pedagogia de projetos

Durante o processo de construção curricular, das experi-


ências aqui descritas e analisadas, foi adotada uma metodologia
que divide o trabalho pedagógico de construção curricular em
sete etapas, que foram acompanhadas na formação continuada
dos professores.

3.1- I Etapa – Sensibilização

Nesta etapa, os professores realizam oficinas junto com as


comunidades para discutir a temática da educação diferenciada e
das relações étnico-raciais. Durante as oficinas nas comunidades,
discute-se o papel da escola dentro de uma comunidade indígena,
caiçara ou quilombola, ou seja, a sua relação com os projetos de
futuro das comunidades.
Os professores começam a conhecer a comunidade nesta pri-
meira etapa, as lideranças das comunidades costumam frequentar
as oficinas juntamente com os pais dos alunos.
Durante esta etapa, as comunidades puderam falar sobre a
123

sua visão da escola e sobre as dificuldades da falta de um currículo


específico que fortaleça as culturas. Nas comunidades tradicionais,
antes da implantação do 6º ao 9º ano, os alunos tinham que dar
continuidade nos estudos em alguma escola da cidade, ou seja, fora
da sua comunidade. Nessa escola, os alunos ficavam deslocados
porque não se sentiam representados no currículo tradicional. Isso
pode ser considerado como um fator que distancia os jovens da
sua cultura. Essas falas são comuns durante a etapa de sensibili-
zação, porque a comunidade fala o que pensa sobre um currículo
diferenciado e a sua importância ou não.
O discurso da educação diferenciada, assim como não é con-
senso entre os pesquisadores de currículo e de políticas curricu-
lares, também não é consensual entre as diferentes comunidades
tradicionais e mesmo entre os moradores da mesma comunidade.
Assim como é muito diferenciado o conhecimento que as classes
trabalhadoras tem sobre currículos e políticas curriculares. Há um
senso comum bastante acentuado entre alguns setores comunitá-
rios, grupos familiares, grupos geracionais, grupos políticos, etc.
reforçado também pelo discurso conservador das classes médias
das cidades e de um discurso escolar tradicional, de que um currí-
culo diferenciado é um currículo “menor” ou menos qualificado,
em relação a um currículo “oficial padronizado” da cidade, tido
como de melhor qualidade, para o contexto atual globalizado.
Há portanto, algumas lideranças indígenas e caiçaras defen-
dendo um currículo padronizado tanto para a cidade, pro campo
ou pra aldeia, com o argumento, não menos conservador, de que
todos, indígenas ou juruá, tem que ter acesso ao mesmo conteúdo
escolar. Mas sem discutir, o que é conteúdo? Que conteúdo inte-
ressa à classe trabalhadora? Aos indígenas, caiçaras e quilombolas?
Quem define isso é a escola, que deve conhecer bem as opi-
niões da comunidade escolar. Há que se conversar abertamente
124

primeiro sobre temas da educação diferenciada e das relações


etnico raciais mais gerais. Alguns destes temas ainda são polê-
micos, como: casos de preconceito racial, bulling, assédio moral,
discriminação, homosexualismo, LGBT, Nazismo, Fascismo. O
debate sobre essas questões, ajuda o grupo a se conhecer melhor,
criando sua própria dinâmica de trabalho na escola.
Como exemplo, descreveremos abaixo a experiência dessa
etapa nas escolas dos Quilombos15.
Na primeira etapa, “Etapa de Sensibilização de professores
e comunidade”, as atividades tiveram um caráter lúdico e refle-
xivo. Buscou-se, principalmente, envolver a comunidade escolar
– professores, gestores, funcionários, pais e mães – no e com o
projeto. Nesse sentido, o significado de sensibilizar aqui envolveu
tanto demonstrar a relevância de um currículo diferenciado e da
educação escolar quilombola para a comunidade, quanto tocar
professores, funcionários e mães/pais para o cotidiano dos ter-
ritórios quilombolas como princípio e mobilizador educativo. É
importante ressaltar que a comunidade quilombola (pais, mães
e lideranças) participou diretamente dos encontros de formação,
o que nos ajudou a meditar sobre articulações que poderiam ser
feitas entre o cotidiano e a construção do currículo. Do mesmo
modo, nos permitiu observar a dimensão política da escola me-
diante as reivindicações da própria comunidade por uma educação
articulada com seu contexto e necessidades.
Os encontros da Primeira Etapa se desdobraram em três
oficinas: I) “Memórias e Processo de Escolarização”; II) “Dife-
rença, Racismo e Práticas Pedagógicas” e III) “História e Cultura
Afro-Brasileira”.
O objetivo da primeira oficina – “Memórias e Processo de
Escolarização” – foi realizar uma reflexão coletiva sobre a im-
125

portância e a influência da instituição escola em nossas vidas.


Os participantes foram estimulados a produzir e compartilhar
suas narrativas sobre trajetória escolar. A partir dessas narrativas,
debatemos a importância política da escola em um território qui-
lombola e, consequentemente, a necessidade de a agenciarmos para

15 Texto dos professores Diogo M. Cirqueira (IEAR/UFF) e Ediléia Carvalho (Novamerica) com Rafael
Atalah (Bolsista de Extensão PROEX, 2018) e Pedro Neves (Bolsista de Extensão PROEXT, 2016-2018)
cumprir os anseios da comunidade por uma educação diferenciada.
Concluiu-se que a escola como um espaço de subjetivação pode
ser um instrumento importante na luta pela defesa dos territórios
quilombolas.
Na oficina “Diferença, Racismo e Práticas Pedagógicas” foi
debatido as problemáticas da diferença e do racismo no espaço
escolar, bem como as probabilidades de mobilização dessas questões
no processo pedagógico. O objetivo foi refletir sobre a necessidade
de se pensar a identidade cultural como um condicionante dos
processos educativos. Assim, pensar a identidade, bem como, as
diferenças, é importante, pois nos leva a pensar sobre as espe-
cificidades e necessidades dos sujeitos e grupos no processo de
ensino-aprendizado. Como ficou explícito no debate, isso não é um
processo simples, mas, marcado por conflitos e contradições – o
que também deve ser incorporado como mobilizador pedagógico.
O debate também permitiu a desconstrução de idealizações de
uma identidade única acerca das comunidades quilombolas. Os
quilombos são diversos, complexos, e para se pensar um currículo
diferenciado, é fundamental ponderar tanto sobre as especificidades
quanto sobre diversidade interna e externa dessas comunidades.
Na terceira oficina – “História e Cultura Afro-Brasileira”, o
objetivo foi debater o sentido dessa História e Cultura Afro-Bra-
sileira e refletir sobre como essa cultura/história tem ressonância
em nossa sociedade e na escola. Um dos princípios norteadores
126

desse encontro foi a não existência de uma história e cultura afro


-brasileiras únicas. A partir da construção coletiva de uma linha
do tempo sobre fatos históricos protagonizado por afro-brasileiros,
notou-se que a experiência negra-africana no Brasil e na Diáspora
é bastante complexa. A história quilombola deve ser pensada como
um dos elementos da história e cultura afro-brasileira, ainda que
tenha que ser pensada as suas peculiaridades locais e regionais”.
3.2- II Etapa – Estudo de uma nova Visão das Áreas

Nesta etapa, os professores realizam estudos sobre as áreas


de conhecimento do Currículo tomando como referência a ex-
periência do Movimento de Reorientação Curricular implantado
na gestão de Paulo Freire, em 1992, na SME-SP.
O estudo de uma nova visão das áreas é feito aqui a partir
de quatro elementos:
• A Epistemologia de cada Disciplina/Área;
• As Tendências Pedagógicas da Área;
• Os Conceitos Integradores/Unificadores de cada Área;
• Princípios da Educação Diferenciada:
-> Educação Escolar Indígena;
-> Educação do Campo;
-> Educação Quilombola.
Durante o estudo da Epistemologia de cada disciplina ou
área, o professor pesquisa a história da sua disciplina, ou seja,
como ela se constituiu no currículo escolar, o caminho discursivo
percorrido até hoje.

O currículo é uma construção sócio-histórica e nesse sentido,


há uma trajetória epistemológica historicamente construída por
cada área do conhecimento científico na sua transformação em
conteúdo escolar. É importante que os professores conheçam essa
127

trajetória e identifiquem os processos pelos quais passaram, as


etapas transcorridas, as mudanças ocorridas, as incorporações e
os abandonos de conceitos, as mediações pedagógicas operadas.
Enfim, conhecer a história da formação discursiva curricular de
sua área de conhecimento.
Isso se deve ao fato de que é fundamental compreender que os
conteúdos escolares presentes no currículo, não são universais,
não são a-históricos, não são absolutos e permanentes. Eles pas-
sam por processos discursivos de luta e de poder, construídos
sócio-historicamente. (NOBRE, 2016b, p. 8)

No estudo das Tendências Pedagógicas, os professores estu-


dam as tendências de cada área dentro do contexto histórico e das
concepções históricas de homem e mundo. Não há neutralidade
em nenhuma aula, os professores seguem uma prática que inse-
rem-se em tendências progressistas ou liberais (conservadoras).

Na escola, as práticas pedagógicas se configuram também sócio


-historicamente, conformando e sendo conformadas por deter-
minadas tendências ou correntes pedagógicas identificadas como
Liberais ou Progressistas. As liberais caracterizam-se por acreditar
que o papel social da escola é adaptar os sujeitos à sociedade,
tal como ela está posta pra nós; enquanto que as progressistas
caracterizam-se por defender que a sociedade é injusta e desigual
e o papel social da escola é formar sujeitos críticos e conscientes
dessas desigualdades, capazes de transformá-la.
Assim, é fundamental o professor conhecer estas tendências em
sua área de conhecimento e assumir uma postura progressista
frente aos desafios político-ideológicos que uma educação escolar
caiçara nos coloca, se objetiva a autonomia e sustentabilidade
destas comunidades. (NOBRE, 2016b, p. 8)
128

De acordo com Miranda (2016), o estudo das tendências peda-


gógicas é relevante para o professor entender as visões do trabalho
docente. “É importante que os professores tenham conhecimento
das tendências pedagógicas, para que o ensino desenvolvido por
ele, responda a questionamentos como: O que ensinar? Para quem?
Como? Para quê? E Por quê?” (p.51)
Segundo a Proposta Curricular Caiçara (2016a), as principais
tendências pedagógicas (Figura 1) são:

Figura 1 – Tendências Pedagógicas

Tradicional

Liberais Tecnicista

Construtivismo Piagetiano

Libertadora

Progressistas Libertária

Crítica Social dos Conteúdos ou Histórico-Crítica

Fonte: Proposta Curricular do Fundamental II em Educação do Campo das Escolas


Caiçaras da Praia do Sono e Pouso da Cajaíba. SME de Paraty.

Os professores realizaram o estudo das tendências pedagógicas


em cada área e apresentaram para os demais docentes na formação
continuada. Nesse estudo, os docentes puderam acompanhar as
mudanças da sua área de acordo com o contexto em que o país
129

se encontrava e onde se encontra até os dias atuais.


Em seguida, os professores estudam os Conceitos Unificado-
res de cada área. Os Conceitos Unificadores ou Integradores são
conhecimentos que perpassam por toda vida acadêmica do aluno,
desde a escola, até a universidade. São conteúdos essenciais que
integram os conhecimentos de cada área, sempre de forma crítica.
Em educação é necessário, do ponto de vista pedagógico, discernir
entre o que é conhecimento e o que é informação; entre um con-
teúdo essencial e um acessório; entre um conceito fundamental
e um mero conteúdo programático. Neste sentido os conceitos
integradores são pistas para se construir novos critérios de seleção
e ordenação sequencial de conteúdos, baseados agora nos objeti-
vos dos projetos pedagógicos ou das pesquisas e nos chamados
conceitos integradores, que são macro-conceitos, estruturantes
de cada área, que independem da série escolar e tem uma marca
interdisciplinar, pois são integradores, unificadores. Eles vão
apenas se complexificando à medida que o aluno vai avançando
nas séries anuais. Como exemplos clássicos de conceitos integra-
dores, temos os conceitos de tempo, em História; o de espaço e
território, em Geografia; o de ser vivo e energia, em Ciências; o
de operações fundamentais, em Matemática; o de ler, escrever
e produzir conhecimentos linguísticos, em Português e Inglês,
etc. (NOBRE, 2016b, p. 9)

Durante o estudo dos conceitos unificadores, foi possível


perceber que existem áreas que dialogam mais entre si, por terem
conceitos unificadores de mesma natureza epistemológica, como
as disciplinas Língua Portuguesa, Artes e Educação Física, da
área das Linguagens, que possuem como conceitos integradores:
Produção, Reflexão e Fruição.
130

Três professores que atualmente (2018) dão aula para o 6º ao


9 º Ano Guarani, deram aula também pra turma de EJA Guarani
até 2014. Esses professores, estão a mais tempo na formação (em
torno de 5 anos) e assim demonstraram mais facilidade e domí-
nio sobre concepções mais progressistas em suas áreas, o que os
possibilitou melhor relacionar os conceitos integradores com os
conteúdos programáticos do currículo. Nas áreas mais “rígidas”
do currículo, os professores dessa experiência acompanhada,
demonstraram um pouco mais de dificuldade na apropriação
dos conceitos integradores no currículo de suas disciplinas, con-
fundindo às vezes, eixos ou blocos de conteúdos programáticos
com conceitos integradores; também por serem acostumados com
um currículo mais tradicional, mais conservador, pois cheio de
conteúdos programáticos muito segmentados, ou seja, conteúdos
estanques que não dialogam entre si e não são essenciais para o
processo de aprendizagem do educando.

3.2.1- Uma releitura na Visão das Áreas:

A seguir, apresentamos uma releitura da Visão das Áreas


discutidas com os professores na formação continuada, nos en-
contros do grupo de estudos e pesquisa, a partir de textos-base de
cada Disciplina do Fundamental I e II, contendo os três primeiros
componentes já descritos acima: A Epistemologia de cada Disci-
plina/Área; as Tendências Pedagógicas da Área e os Conceitos
Integradores/Unificadores de cada Área16.

2.1.1- Ciências17

Epistemologia:
O Ensino de Ciências no Brasil ainda é algo relativamente
131

novo na história curricular. Em um documento de reorientação


curricular, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
(1992) nos convida a acompanhar a história do ensino desta área
por duas perspectivas:

16 Os Princípios da Educação Diferenciada (Indígena, Caiçara e Quilombola), também objeto de estudo


da Visão de Áreas, já foram apresentados no Capítulo anterior.
17 Texto de: Anna Beatriz Vecchia, bolsista PIBIC (2016-2017)
[...] interna, estrutural, vinculado à economia e política brasilei-
ras; o segundo, de caráter externo, de ordem mundial, pautado
principalmente pela influência da comunidade científica inter-
nacional. (p. 3)

Desta forma, o ensino de Ciências no Brasil teve três fases


históricas: Início do século XX até 1950; de 1950 até o início de 1970
e de 1970 até os dias atuais. A partir da década de 1930, ocorreram
mudanças no processo educacional com expansão da demanda
escolar graças ao aumento do processo de industrialização e urba-
nização. Durante a segunda fase, em 1950, o Brasil passa a ser um
país desenvolvimentista com base na industrialização, e ocorre a
interferência do Estado na educação e ocorre uma expansão da rede
pública de ensino. Neste período, o ensino de Ciências passou a ser
representado por “projetos de ensino”, com referência aos Estados
Unidos, no período da Guerra Fria. “Esses projetos de Ensino se
caracterizavam principalmente pela produção de textos, material
experimental e treinamento para professores.” (p. 5)
Os projetos sofreram críticas por educadores cientistas do
Brasil, pois era difícil adequá-los ao contexto do país. A partir de
1960 os projetos começaram a serem produzidos aqui.
Na década de 1970, com a evolução das indústrias, a preocupa-
ção ambiental tomou destaque no Ensino de Ciências. Com a LDB
Nº 5692/71 promulgada, a educação sofreu alterações acentuando-se
132

a chamada dualidade do ensino. Agora, a escola secundária de-


veria formar trabalhadores e não cientistas, devido às demandas
do desenvolvimento do país. As disciplinas profissionalizantes e
instrumentais tomaram lugar das disciplinas científicas.
Segundo a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
(1992), existem três principais tendências pedagógicas do Ensino
de Ciências no Brasil:
• Tecnicista: Ensino realizado por módulos, ênfase na avalia-
ção, aplicação de testes e análise de tarefas. Baseadas em concepções
comportamentalistas. (behavioristas.)
• Escolanovista: Valorização das atividades experimentais,
preocupação em ensinar métodos científicos, realização de ativi-
dades em que os alunos deveriam imitar o trabalho dos cientistas.
• Ciência Integrada: Integração das ciências naturais mesmo
tendo seus objetos de investigação distintos, excluindo as ciên-
cias sociais. O professor deve ter o conhecimento instrucional e
não necessariamente conhecer profundamente o conteúdo a ser
ensinado. (p. 7)

Concepção da área
Como já mencionado anteriormente, as etapas históricas do
ensino de Ciências são reflexo das concepções de cada época, das
exigências sociais, políticas e econômicas. Existem duas caracte-
rísticas da Ciência: a primeira é que se trata de uma investigação
humana que nunca acaba, e é influenciada pelos pensamentos da
sua época, construindo um conhecimento partilhado e constante-
mente revisto. A segunda é a sua não linearidade e que, apresenta
contradições, pois o desenvolvimento da ciência não foi linear
133

e ocorreu em épocas alternadas durante as rupturas de teorias


denominadas “revoluções científicas”.
Embora existam diferenças do pensamento das diferentes
épocas e existam também rupturas, é possível identificar traços
comuns em trabalhos científicos distintos nas Ciências Naturais
segundo a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1992):
a Conceitos e definições operacionais, como carga elétrica,
elemento químico e proteína;
b) Relações entre os conceitos que descrevem desde simples fatos
ou observações de fenômenos como a fusão de gelo a 0 ºC sob
pressão normal;
c) Um conjunto de leis gerais que são bases para as teorias, como
a da gravitação universal;
d) A utilização de uma gramática ou código próprio que inclui
tanto a lógica da linguagem como a lógica matemática, de
modo a obter clareza e objetividade;
e) A explicação e a previsão de fenômenos. (p. 9)

Não é possível investigar um objeto sem delimitar ou fazer


um recorte da realidade, pois não existe uma Ciência que consiga
trabalhar uma realidade dentro de uma totalidade, por isso as
Ciências são divididas em três áreas: Biologia, Química e Física.
Esta divisão também é histórica e fragmentada pela própria Ciência
ao longo de seu desenvolvimento.
O conhecimento científico e tecnológico é usado no dia a
dia, mas quando fazemos uso de algum produto tecnológico e
científico não procuramos saber os processos envolvidos desde
sua criação até sua distribuição. Dessa forma, não questionamos e
somos subordinados às influências do mercado e da mídia; essa é
a visão típica do senso comum. O senso comum e o conhecimento
134

científico vêm de processos históricos e coletivos, pois a diferença


é que o primeiro é processual e constantemente revisto; o segundo
é caracterizado pela prática e é menos teórico. É possível apreender
o conhecimento cientifico através da problematização do senso
comum, transitando pelos dois conhecimentos.
Portanto, pode-se concluir que o Ensino de Ciências tem a
função de conscientizar o aluno sobre a realidade que ele está
inserido ao ajudá-lo a entender melhor o mundo, pois ao mesmo
tempo ele conhece como o processo científico e reflete e age sobre
o mundo em que vive e na relação com os outros indivíduos e no
meio natural e tecnológico.

Conceitos Unificadores
Estes conteúdos escolares significativos e bastante úteis nas
séries iniciais do ensino fundamental nos ajudam a superar o
problema da fragmentação, pois superam as áreas específicas
das Ciências Naturais e os chamamos de conceitos unificadores.

A proposta que defendo apresenta, para discussão das bases do


ensino-aprendizagem em Ciências Naturais, a inserção da vertente
epistêmica associada à presença sistemática da ênfase conceitual
unificadora e supradisciplinar, na busca dos universais, muito
ausentes nas discussões sobre conteúdos. Ela não elimina o debate
sobre os conteúdos, mas acrescenta elementos, que ao nosso ver,
não podem ser mais negligenciados. Conceitos unificadores que
apontam para totalidades parciais organizadas, apesar de não
desprezarem necessários recortes. Conceitos que estão presentes
em várias teorias, disciplinas e campos de conhecimentos, daí
unificadores. (Angotti, 1991, p. 113)
135

Segundo a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo


(1992), os conceitos unificadores podem:

– Servir de quadro de referência onde se apoiam e se articulam


conhecimentos específicos e amplos, em evolução e revolução,
mesmo os de natureza epistemológica, auxiliando a tão desejada
formação contínua dos professores;
– Constituir referência para a implantação de programas curri-
culares uma vez que podem fornecer dados e indicar aspectos
relevantes, facilitando uma abordagem em espiral, delimitando
a forma com que conhecimentos correlatos podem ser, em dife-
rentes séries, abordados de diferentes formas;
– Nortear aproveitamento de livros didáticos para subsidiar o trabalho
de sala de aula, sempre de maneira crítica, o mesmo ocorrendo
quando da utilização de textos paradidáticos, artigos e informação
científica veiculada por órgãos de comunicação, divulgações que
vêm correndo em profusão em tempos recentes no Brasil.
– Superar barreiras rígidas impostas pelos distintos escopos das
Ciências Naturais, ou seja: conteúdos escolares ensinados encer-
ram unidades que, para os estudantes, são fechadas, dificultando
transposições de um campo de estudos para outro. Os conceitos
unificadores podem facilitar a construção de unidades estruturais
do conhecimento aprendido. (p. 15)

Além de garantir uma sequência no processo de construção


de conhecimento e fornecem para os educandos:

Um instrumental básico, constantemente retomado, que, de


forma real e concreta, lhes permite aproximarem-se de diferentes
conteúdos de Ciências Naturais. Facilitam a apreensão de conhe-
cimentos mais amplos, formulados de forma mais dinâmica, que
136

os ajudem a romper com o imediatismo e o pragmatismo do senso


comum e buscar relações mais complexas. (p. 15)

Os conceitos unificadores precisam acompanhar os processos


cognitivos dos educandos e estar ligados às experiências de vida,
além de não seguirem uma linearidade. Diante disto, a Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo (1992), separou os conceitos
unificadores do Ensino de Ciências em ciclos:
Quadro 2: Mapa Conceitual dos Conceitos Unificadores de Ciências

São exemplos
Origem da vida Sistemas

Saúde/doença Pirâmide Alimentar

Evolução e revolução
Reações químicas

Escala
Regulações e equilíbrio Divisão celular

Escala
Sol, água e ar em movimento

Pressão, calor e temperatura Energia Ocorre


Escala

Mudança de estado físico

Regulações e invariâncias Acontece no

Composição química da água e do ar Ciclo da vida, ciclo da água


Escala

Ocorrem nos
Elementos químicos Processos de transformação

Fotossíntese Ocorre

Produção Cadeia alimentar


Escala

Consumo

Produção
137

Espaço/Tempo Se relacionam Matéria viva e não viva

Biosfera São exemplos Minerais e rochas

Velocidade Animais

Movimento São exemplos Vegetais

Adaptado de: Prefeitura Municipal de São Paulo. SME. Visão de Área. 1992, pela profª
Nelza Galosse
No primeiro ciclo – durante o 2º, 3º e 4º anos – os conceitos
unificadores que aparecem, vão inserir o aluno no estágio inicial
do processo de aprendizagem na área de Ciências com os conceitos
primários. São eles: Espaço, Tempo, Matéria Viva e Não Viva –
com os quais o aluno começa a perceber a realidade e estabelecer
relações com o mundo externo. O Ensino de Ciências vai desen-
volver essas habilidades e capacidades que serão trabalhadas em
conjunto com a formação da noção de número no educando e no
ensino de leitura e escrita, não sendo esgotados e retornando em
formas mais complexas ao longo do processo de aprendizagem.
Processos de Transformações – este conceito é o que marca o
primeiro ciclo, compreendendo as transformações de um objeto
em estudo no espaço e no tempo, como a diferença da tempera-
tura; forma; tamanho; cor e aspecto, pois todos os objetos estão
em constantes transformações e a investigação científica tem a
função de sistematiza-los, classifica-los e regulariza-los.
Na transição do primeiro para o segundo ciclo temos o
conceito integrador Regularidades e Invariâncias em que as
regularidades potencializam a busca pelas invariâncias, possibili-
tando a busca. Possibilita a busca de comportamento, facilitando
o estudo dos assuntos científicos. Este conceito está presente em
todos os ramos das Ciências Naturais, pois interpretam proces-
sos. Nesta etapa, o educando começa a perceber os ciclos como
sequências de transformações. Os ciclos são uma continuidade
138

de transformações que obedecem uma sequência permitindo


identificar regularidades ou relevâncias. Os ciclos que poderão
ser explorados são como: o da água, do estado da matéria, da vida,
das doenças, do oxigênio, cadeia alimentar, ciclos de consumo,
movimentos de estrelas e planetas em relação a Terra. Quando o
educando passa a identificar as regularidades, pode-se trabalhar
as noções básicas de conservação, como de massa. Com isso, as
medidas que estão sendo trabalhadas desde o 1º ciclo se tornam
indispensáveis.
Ainda no segundo ciclo, que corresponde aos 5º, 6º e 7º anos,
temos o conceito integrador Energia. Este conceito está aliado ao
de conservação e se trata de uma grandeza abstrata. Os educandos
precisam estar aptos a trabalhar com abstrações e com lingua-
gem matemática, por isso está introduzido no final do segundo
ciclo. Ele deve ser trabalhado de forma específica, como agente
de transformações, agindo com suas formas de medida e sua
conservação. Definido por luz (energia luminosa), calor (energia
calorífica), movimento (energia cinética).
No terceiro e último ciclo, correspondentes aos anos 8º e 9º
anos, é feita uma recuperação e um aprofundamento dos conceitos
integradores trabalhados anteriormente nos outros ciclos. Sendo
assim, o professor pode trabalhar com o pensamento totalmente
abstrato dos alunos. O professor retoma o conceito de Energia e
a partir dele trabalha suas regulações, com o conceito unificador
chamado: Regulações e Dinâmicas de Equilíbrio.

É o estudo dos sistemas do ponto e vista das perdas envolvidas,


dos esquemas de equilíbrio e controle. Os limites e ineficiências
de situações particulares, uma vez entendidos e olhados agora
dentro de relações mais amplas, criam novas regulações, repre-
sentam fatores de equilíbrio e desequilíbrio de sistemas mais
139

complexos. (p. 23)

Neste momento, as noções de continuidade de regulações


podem ajudar a compreender os níveis organizacionais do ecossis-
tema, as relações reguladoras. Aqui se completa as noções de ciclo
no qual o educando deve compreender o efeito da interferência
humana nos diferentes ciclos.
No terceiro ciclo, também aparece o conceito unificador Revo-
lução e Evolução. Esta etapa se caracteriza pelo lado da Filosofia da
Ciência, os conteúdos já vistos podem ser retomados e conteúdos
novos podem ser trabalhados, mas agora ambos buscando a sua
origem. É uma reflexão sistematizada do conhecimento cientifico
em que devem ser priorizadas as transformações conceituais que
ocorreram ao longo da história nela o foco é o limite das Ciências
Naturais para enfrentar os problemas que são determinados e
construídos nas relações sociais.
Durante os três ciclos, o conceito unificador Escala aparece.
As escalas são “entendidas como ordens de grandeza que possi-
bilitam o tratamento de eventos de dimensão e de duração no
cotidiano” (p. 26). Este conceito participa da construção de noção
de quantidade e de variações qualitativas.
Estas ações devem se exercitar ao longo de uma prática edu-
cacional libertadora, o que não combina com as listas de conteúdo
programático, em que a realidade do aluno não é inserida de forma
concreta.
Angotti (1991), completa que as Ciências Naturais são frag-
mentadas e os conceitos unificadores podem unir, articular e
organizar os conhecimentos no campo cognitivo. A discussão
dos conteúdos escolares nunca se esgota e o docente pode abordar
cada tema com uma profundidade diferente.
Os conceitos unificadores auxiliam o professor a compreender
140

que existem conhecimentos essenciais e conhecimentos acessórios


dentro de uma grade curricular. Os conceitos unificadores não
se limitam a disciplinas e acompanham o percurso do educando
ao longo da sua vida escolar.

Conceitos unificadores facilitam a conexão entre os estudos de


Ciências Naturais e rompem com a rigidez entre as fronteiras das
áreas de conhecimento. Podem ser também facilitadores para a
transição entre dois níveis de cultura, o primeiro e o elaborado.
Privilegiam a conquista de unidades estruturadas de saber en-
quanto potenciais instrumentos de aplicação na vida cultural.
(ANGOTTI, 1991, p. 107)

Como podemos ver, a Ciência se destaca pela sua fragmentação


e os conceitos unificadores são pistas para a interdisciplinaridade
e para os conteúdos mais significativos e dependemdo grau de
aprofundamento e da complexidade de uma questão concreta, que
se relacione de uma forma dialética com a realidade do educando.
Os conceitos unificadores podem assegurar um conhecimento
crítico das Ciências enquanto possibilita o educando transitar
pelo campo do senso comum e do conhecimento cientifico, en-
riquecendo a prática pedagógica.

3.2.1.2- Língua Portuguesa

Epistemologia:
Segundo Soares (2002), a disciplina Língua Portuguesa tem
sua inclusão tardia no currículo escolar brasileiro, o que só ocorreu
nas últimas décadas do século XIX.
No Brasil colonial, segundo a autora, conviviam o Português,
a Língua Geral (prevalente no cotidiano e provinda de línguas
141

do tronco tupi) e o Latim. O Português era aprendido na escola


não como componente curricular, mas como instrumento para a
alfabetização. Desta passava-se direto ao latim, que fundamentava
as práticas, no ensino secundário e superior, para o estudo da
gramática latina e da retórica (com base em autores latinos e em
Aristóteles). Até o século XVII, apesar da produção de gramáticas
e dicionários, o português ainda não se constituíra em área de
conhecimento em condições de gerar uma disciplina curricular,
o que também decorria de seu pouco uso no intercurso verbal e
de seu pouco valor como bem cultural (Pietri, 2010).
Na segunda metade do século XVIII, as reformas pombalinas,
com o objetivo de garantir o poder sobre as colônias, intervêm
nas condições de constituição da disciplina ao tornar obrigatório
o uso da língua portuguesa no Brasil e proibir o uso de outras
línguas. Porém, tal como concebido pela reforma, o objetivo de
saber ler e escrever em português, bem como de conhecer sua
gramática, tinha ainda caráter instrumental, isto é, tornar possível
o aprendizado da gramática latina. (Pietri, 2010)
Ainda segundo Soares (2002), gramática e retórica prevale-
ceram do século XVI ao século XIX na área de estudos da língua.
A retórica, no período em questão, passou a ser progressivamente
estudada também em autores da língua portuguesa e incluiu, ini-
cialmente, a poética, que depois se tornou componente curricular
independente.
Durante as primeiras quatro décadas do século XX, com a
progressiva perda do valor do ensino de latim, assumiu autonomia
o ensino da gramática do português (Soares, 2002). Conforme
Pietri (2010), a retórica também sofreu modificações no período,
quando se substituiu como objetivo da disciplina o “falar bem”
que já não era tão valorizado socialmente como o “escrever bem,
então exigência social.
142

A partir dos anos 1950, começou a ocorrer real modificação


no conteúdo da disciplina língua portuguesa em função da pro-
gressiva transformação nas condições sociais e culturais e das
possibilidades de acesso à escola, o que exigiu reformulação das
funções e objetivos dessa instituição. Segundo Pietri (2010), teria
se iniciado, a partir desse momento, a modificação das caracterís-
ticas do alunado, em razão da democratização do acesso à escola.
Se até então, durante as quatro primeiras décadas do século XX,
gramática e coletânea de textos constituíam dois materiais didá-
ticos independentes, a partir da década de 1950, gramática e texto,
estudo sobre a língua e estudo da língua começam, afirma Soares
(2002), a constituir realmente uma disciplina com conteúdo arti-
culado. Assim, a fusão de gramática e livro de textos, iniciada em
1950 e consolidada na década de 1960, faz-se de forma progressiva,
e os manuais passam a apresentar exercícios de vocabulário, de
interpretação, de redação e de gramática (Pietri, 2010). Estuda-se
gramática a partir do texto e vice-versa, com primazia conferida
àquela. Nesse momento, em que começa a ser transferida ao livro
didático (ao seu autor) a tarefa de preparar aulas e exercícios, teria
se intensificado, segundo a autora, o processo de depreciação da
função docente. (Pietri, 2010)
A gramática passa a adquirir primazia em relação aos demais
conteúdos da disciplina e aumenta a dependência cada vez maior
do professor em relação ao autor do livro didático. (Idem)
Essas condições são amplificadas na década de 1970 quando,
pela Lei n. 5.692/71, o oferecimento de oito anos de escolarização
passa a ser obrigatório. Segundo Soares (2002), quando a ditadura
militar interveio, nas décadas de 1960 e 1970, algumas mudanças
importantes teriam sido operadas em relação ao ensino em geral
e ao ensino de língua portuguesa em particular. Assim, no perí-
odo, segundo a autora, a educação foi colocada a serviço do que
143

se nomeou desenvolvimento. O ensino teria assumido caráter


pragmático e utilitarista, e seu objetivo seria o desenvolvimento
do uso da língua, o que se conseguiria com alterações na disci-
plina, que se fundamentaria a partir de então em elementos da
teoria da comunicação. Nesse novo contexto, o aluno seria visto
como um emissor-receptor de códigos os mais diversos, e não
mais apenas do verbal.
Segundo Soares (2002):

A concepção de língua como sistema, prevalente até então no


ensino da gramática, e a concepção de língua como expressão
estética, prevalente inicialmente no ensino da retórica e da poé-
tica e, posteriormente, no estudo de textos, são substituídas pela
concepção da língua como comunicação. Os objetivos passam
a ser pragmáticos e utilitários: trata-se de desenvolver e aperfei-
çoar os comportamentos do aluno como emissor e recebedor
de mensagens, através da utilização e compreensão de códigos
diversos – verbais e não-verbais. (p. 169)

A presença da gramática nos livros didáticos teria sido mini-


mizada, fazendo surgir a polêmica (que se mantém atual) quanto
a ensinar ou não gramática. Teria havido também, segundo Pietri
(2010), a ampliação do conceito de leitura (não mais apenas voltada
para a recepção do texto verbal, mas também do não verbal), e a
escolha dos textos para uso no ensino não mais se faria exclusiva-
mente segundo critérios literários, mas segundo a intensidade de
sua presença nas práticas sociais. Seria um momento, portanto, em
que não se encontraria em plena vigência o que se convencionou
denominar ensino tradicional, isto é, o ensino fundamentado
numa variedade única da língua (a escrita, literária), representa-
da na gramática normativa da língua portuguesa. O período em
144

questão caracterizar-se-ia, em relação ao trabalho escolar com a


linguagem, pela busca do desenvolvimento da modalidade oral,
com objetivos de promover a capacidade de comunicação do
indivíduo para sua inserção social, principalmente no campo do
trabalho. Haveria, para Pietri (2010), nesse momento histórico, um
hiato na primazia conferida à gramática no ensino de português.
Segundo Soares (idem), essas mudanças permaneceriam até
meados dos anos 1980, quando, com o processo de redemocrati-
zação do país, a disciplina voltaria a ser denominada Português
e teorias da área das Ciências Linguísticas, ainda que já previstas
nos currículos de formação de professores desde a década de 1960,
chegariam finalmente ao campo do ensino de Língua Materna.
(Pietri, 2010)
Soares (2002) aponta que a gramática normativa tradicional
teria deixado de ser, no período em questão, a base do ensino de
Língua Portuguesa na escola que passaria a se fundamentar, como
referido, em elementos próprios à teoria da comunicação.
Entretanto, apesar dessa visão de língua ser hegemônica nos
cursos de Letras e, consequentemente, nas salas de aula de Língua
Materna, sobretudo a partir da segunda metade do século XX,
autores como Mendes (2012) afirmam que também a partir dessa
época começou a ser germinado um outro modo de se conceber
a língua, agora ancorado nas tendências sociointeracionistas e
enunciativas de estudo da linguagem.

Os desenvolvimentos de áreas como a sociolinguística, a prag-


mática, a linguística da enunciação, a análise do discurso, a
linguística textual, a linguística aplicada, para citar as mais
influentes, provocaram um deslocamento das visões sistêmicas
de língua, já naturalizadas, para trazer para o foco a língua como
145

lugar de interação, como dimensão através da qual os indivíduos


atuam no mundo e se constituem como sujeitos – a língua é,
mais do que tudo, ação entre sujeitos situados social, histórica e
culturalmente. Nos últimos dez anos, sobretudo, e a partir das
contribuições e avanços desses campos de referência, as visões
sociointeracionistas e discursivas da língua adquiriram grande
força, influenciando uma gama de estudos sobre os diferentes
usos da linguagem, em contextos diversificados. (p. 671)
A metodologia de trabalho de construção de currículos di-
ferenciados que vimos desenvolvendo com os professores de Por-
tuguês, por se pautar nos temas geradores articulados em redes
temáticas e por se sustentar em projetos pedagógicos de produção
textual, apontam para uma maior aderência à concepções peda-
gógicas sociointeracionistas ou sociohistóricas de linguagem e de
ensino de língua, que serão detalhadas a seguir.

Tendências Pedagógicas:
Em síntese, os PCNs apresentam 4 grandes tendências peda-
gógicas no Ensino de Português no Brasil:
• Conservadora
Pressupõe que o aluno quando entra na escola não sabe nada
sobre a língua que fala. E parte da orientação de que ele deve
substituir seu dialeto pela norma culta, representada pelo estudo
da gramática. Todo erro deve ser evitado a qualquer custo com
exercícios estruturais de cópia, treino ortográfico, regras gra-
maticais, etc. A concepção da tendência Conservadora é de que
alguém pra usar bem a língua deve primeiro dominar as regras
de seu funcionamento. Daí as aulas são no modelo tradicional de
ensino das regras gramaticais primeiro, em seguida exercícios de
fixação e só por último alguma produção textual.
• Nacionalista.
Esta tendência propõe uma norma culta oral, como um falar
146

correto para todo o país. O aluno quando entra na escola já sabe


sua língua, mas carece de repetições de exercícios de gramática
também. Ao nivelar por baixo e na falta de horizontes culturais
acaba negando ao aluno a língua padrão.
• Diglóssica.
Segundo esta tendência não deve haver discriminação lin-
guística, pois todas as variações sociolinguísticas são válidas, pois
haveria uma linguagem para cada situação de comunicação. O
erro transforma-se em inadequação.
• Integralizadora.
Esta tendência reforça a sensibilidade para diferentes usos
sociais da linguagem. Ela busca conscientizar da existência dos
usos da linguagem de prestígio e valorizar a comunicação da
criança, buscando desenvolver a oralidade, a leitura e a escrita.
Aqui localizamos as perspectivas teóricas da Linguística Textual
ou da Enunciação, a Sociolinguística, os estudos Socio-Históricos
e Sociointeracionistas.

Concepção de Área18:
Segundo Geraldi (1984) fundamentalmente, três concep-
ções de linguagem podem ser apontadas no campo do Ensino
de Português:

A linguagem é a expressão do pensamento: essa concepção ilu-


mina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a
linguagem como tal, somos levados a firmações – correntes – de
que pessoas que não conseguem se expressar não pensam.
A linguagem é instrumento de comunicação: essa concepção
está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como código(-
conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de
transmitir ao receptor certa mensagem. Em livros didáticos, é a
147

concepção confessada nas instruções ao professor, nas introdu-


ções, nos títulos, embora em geral seja abandonada nos exercícios
gramaticais. A linguagem é uma forma de interação: mais do que

18 Baseado e adaptado de: NOBRE, Domingos. “Alfabetização: Revisões e Avanços Sobre o Processo de
Aquisição da Escrita”, trabalho apresentado na 19a Reunião Anual da ANPEd, Caxambu. MG. 1996
possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a
um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação
humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não
conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o falante age
sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não
preexistiam à fala.

Ainda segundo o linguista do IEL, a grosso modo, essas três


concepções correspondem às três grandes correntes dos estudos
linguísticos: a gramática tradicional; o estruturalismo e o trans-
formacionalismo; a linguística da enunciação.
Destas, a gramática tradicional tem sido hegemônica na
influência às práticas pedagógicas de ensino de Português e na
formação de professores no Brasil. Ela se manifesta no ensino
predominante de gramática normativa em detrimento do uso
regular e permanente da língua na escola. Mas há um reconhecido
equívoco e confusão entre o que seja saber uma língua e saber sua
gramática, o que traz consequências nefastas para o ensino regular
de Português para falantes de Português (Britto, 2002, p. 30). Há
também uma confusão entre norma culta oral – entendida como a
variedade linguística efetivamente falada pelos segmentos sociais
privilegiados, e a norma escrita, adotada como padrão pela escola.
A escola tradicional e conservadora sempre nos ensinou a
corrigir todos os erros dos alunos e evitá-los na sala de aula. As
148

intervenções reiteradamente propostas sempre foram baseadas em


exercícios mecânicos como cópias, ditados de fixação e treinos
ortográficos. Pouco se estudou sobre o que se passa no processo de
aquisição da escrita que leva os alunos a cometê-los. Recentemente
os estudos de Sociolinguística, Psicolinguística e de Linguística
Aplicada ao ensino de Português têm nos ajudado a rever práticas
tradicionais de ensino de ortografia e pensar novas alternativas de
intervenção pedagógica no campo da aquisição da escrita.
Assim, do ponto de vista conceitual, a sociolinguística veio a
influenciar a ampliação do conceito de língua – de algo fechado,
acabado, imutável e cristalizado, para algo aberto, inacabado,
mutável e sócio-historicamente em construção.
Decorrentes dessa concepção estão os conceitos de norma e
de gramática. A norma define um conjunto de regras de funciona-
mento de determinada variação linguística. Como a língua sofre
variações históricas (no tempo), geográficas (no espaço), sociais
(nos homens) e discursivas (nela mesma), teremos um conjunto de
normas explicando o funcionamento da cada variação linguística,
portanto teremos várias normas, calcadas em várias gramáticas,
e uma delas é a padrão.
Dentre as normas que mais interferem no trabalho de alfa-
betização destaco: norma de espaço físico (variação dialetal), de
modalidade (oral e escrita), de situação (formal e informal), de
discurso (literário, pedagógico, jornalístico, etc.) e a tão prestigiada
norma “padrão”.
A compreensão dessas variações e normas que a língua possui,
traz implicações pedagógicas bastante diferenciadas das resultan-
tes de uma concepção idealista sobre a língua: o compromisso do
ensino de Português, é o de desenvolver no aluno a consciência
destas variações linguísticas e torná-lo um usuário proficiente no
149

maior número possível de normas.


Do ponto de vista sóciolinguístico, o bom usuário da língua
é aquele que conhece e usa muitas variedades e normas, sabendo
adequá-las aos seus objetivos, às condições de produção e aos seus
interlocutores.
Dentro dessa perspectiva a norma “padrão”, “culta” ou de
“prestígio”, deixa de ser a única a ser trabalhada pela escola e im-
posta às classes populares como a melhor forma de se expressar
na língua materna, e passa-se a explorar a língua em todas as suas
possibilidades e com as transformações que ela sofre enquanto
objeto sóciocultural real.
O aluno é usuário de uma determinada variação geográfica
e social, pertencendo a uma comunidade linguística qualquer.
A visão tradicional de língua, entranhada em nossa formação
e cultura escolar, privilegia a norma de prestígio e marginaliza
as manifestações dialetais “minoritárias” que fogem do eixo
de influência RJ-SP-BH, criando o estigma da fala errada e a
conclusão equivocada e falaciosa de que o aluno escreve errado
porque fala errado.
Outro compromisso do ensino de Português é o respeitar a
fala do aluno em seu dialeto de origem e continuar ministrando o
ensino da norma de padrão escrita, mostrando a não correspon-
dência entre fala e escrita. A não ministração da norma “padrão”
(como querem os “pseudoconstrutivistas”) ou a sua imposição
(como querem os “puristas”), são posturas que não interessam
às classes trabalhadoras. A primeira marginaliza por manter o
aluno sem acesso a níveis superiores de instrução; a segunda por
ignorar a sua bagagem linguística, as variações da língua e por
impor uma norma rígida e única.
150

A linguística aplicada ao ensino de Português veio mostrar que


em qualquer língua não há uma correspondência biunívoca entre
o que se fala e o que se escreve, pois os fonemas não correspon-
dem necessariamente a um só grafema e vice-versa, já que variam
dependendo da posição que ocupam na palavra em cada dialeto
utilizado. Apenas 07 letras segundo Lemle (1990) – “A, P, B, T, D,
F e V” – mantém a correspondência letra/som, já as demais não
guardam essa relação, o que traz dificuldades naturais no processo
inicial de aquisição da base alfabética da língua na alfabetização.
O conhecimento dessas relações é fundamental sob vários
aspectos:
– Desmistificar a relação entre oralidade e escrita, diferen-
ciando-as;
– Compreender melhor as dificuldades ortográficas dos
alunos, analizando as hipóteses formuladas pelos alunos;
– Distinguir os erros de escrita que são oriundos dessa
relação e melhor orientar as intervenções pedagógicas.
A linguística tem também ajudado bastante a compreender-
se a natureza dos erros ortográficos cometidos pelos alunos em
seus textos, buscando interpretar as hipóteses ortográficas que
justificam cada erro. Algumas “taxonomias de erros” já propostas,
como a de Oliveira & Nascimento (1990), são boas contribuições
nesse sentido, uma vez que ao interpretar os erros quanto à sua
natureza linguística – como os de: violação do tipo de escrita,
indiscriminação visual/auditiva, influência das relações fonema/
grafema, nasalidade, influência das falas padrão/não padrão,
segmentação, diagramação, formas dicionarizadas, etc. – sugere
aos educadores formas de intervenção mais eficientes para mini-
mizar tais erros, pois partem da compreensão das hipóteses que
os fundamentam e não da preocupação em eliminar seu produto
(o erro) a qualquer custo.
151

Conceitos Unificadores:
Há um relativo consenso no campo dos estudos sobre ensino
de Português de que os objetivos da área são: Ler e escrever com
proficiência e refletir sobre a língua, portanto: ler textos, produzir
textos e refletir linguisticamente sobre a língua e a linguagem, são
também os conceitos integradores da Disciplina, que se confundem
com seus objetivos.
Nos PCNs de Português estes objetivos aparecem como: Eixos.
Nos RCNEInd., os objetivos são:

Reconhecer e valorizar a diversidade lingüística existente no


país; Compreender que o uso da linguagem verbal é um meio de
comunicação e de manifestação dos pensamentos e sentimentos
das pessoas e dos povos; Usar a(s) língua(s) do seu repertório
lingüístico para expressar-se oralmente, de forma eficiente e
adequada às diferentes situações e contextos comunicativos; Ser
leitor e escritor competente na(s) língua(s) onde essas competências
for(em) julgada(s) necessária(s) e relevante(s).

Nestes objetivos, estão fundidos os três conceitos unificado-


res ou integradores da área da linguagem: a leitura, a escrita e a
reflexão linguística, que se manifestam não apenas na disciplina
Português, como também nas disciplinas: Artes e Educação Física,
como veremos a seguir.

3.2.1.2- Artes19

Epistemologia:
A história do Ensino de Arte no Brasil inicia-se com os Padres
152

Jesuítas em processos informais pelas oficinas de artesões. Era o uso


das técnicas artísticas como instrumento pedagógico para a catequese
e integração dos povos indígenas ao projeto colonial português.

19 Extraído e adaptado de: “Proposta Curricular do Ensino Fundamental II do Colégio Indígena Estadual
Guarani Karai Kuery Renda”, com texto originalmente elaborado pela Profa Elaine Cristina Senemo.
2015.
Com a presença da família imperial portuguesa no Brasil,
inicia-se o ensino formal das Artes com a implantação da Academia
Imperial de Belas Artes em 1816, sob a tutela da Missão Artística
Francesa. Predominava o ensino do exercício do desenho dos
modelos vivos, da estamparia e a produção de retratos, sempre
obedecendo a um conjunto de regras rigorosamente técnicas. O
ingresso ao estudo das artes era permitido somente a uma pequena
elite. Principalmente na década de 1870 o ensino de Arte voltou-se
apenas para a formação de desenhistas.
A Proclamação da República (1889) dá lugar a transformações
sociais, políticas e econômicas no cenário brasileiro e a educação
passa a ser um campo estratégico de efetivação dessas mudanças aos
olhos dos liberais e dos positivistas. O ensino de arte concentra-se
no desenho como linguagem da técnica e da ciência, valorizadas
como meio de redenção econômica do país e da classe obreira, que
engrossara suas fileiras como recém-libertos. (BARBOSA, 2002c. p. 30).
A partir dos anos 1920 o ensino de Arte foi incluído no cur-
rículo escolar como atividade de apoio a outras disciplinas es-
colares, porém prevaleceu o exercício das cópias. O ano de 1922
tornou-se o marco transformador do ensino de Arte na escola com
a Semana de Arte Moderna que trazia o ideal da livre expressão
preconizado por Mário de Andrade e Anita Malfatti. Esse ideário
transformava a atividade de arte em expressão dos sentimentos
da criança; a arte não precisava ser ensinada, mas expressada
153

livremente pelos alunos.


Em 1948, Augusto Rodrigues, Margaret Spencer e Lucia Va-
lentim fundaram no Rio de Janeiro a Escolinha de Arte do Brasil
– EAB, que posteriormente seria transformada no Movimento de
Escolinhas de Arte – MEA, um conjunto de 140 escolinhas de arte
espalhado por todo e território nacional e se expandindo para as
cidades de Assunção/Paraguai, Lisboa/Portugal e Buenos Aires
e Rosário/Argentina. (AZEVEDO, 2000, p. 25). O MEA tinha a
proposta de educar através da Arte.
Nos anos 1950/60 o desenho permanece como conteúdo, mas
são acrescentadas ao currículo escolar o canto orfeônico, a música
e os trabalhos manuais tendo como metodologia a transmissão de
conteúdos a serem reproduzidos, próprios da pedagogia tradicional.
A Lei 5692/71, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de
Arte na escola com a rubrica de Educação Artística, tinha como
fundamento dar ao currículo um caráter humanista. Durante
toda a vigência da Lei 5692/71 as aulas de Educação Artística fo-
ram ministradas por professores de outras áreas de ensino sem o
devido conhecimento que o ensino de Arte exige e desprovidos de
quaisquer aparatos de uma matriz teórica que fundamentasse suas
práticas. Era a concepção de arte como atividade. Essa concepção
teve sua trajetória baseada no fazer artístico devido à ausência de
conteúdos, o que conseqüentemente relegou o ensino da Arte a
um lugar de inferioridade diante das demais disciplinas escolares.
Os anos de 1980 foram repletos de discussões sobre os novos
rumos que seriam tomados no cenário educacional brasileiro,
estando o ensino de Arte como um dos pontos de culminância
dos arte-educadores do país que ergueram uma luta política e
epistemológica em favor do ensino de arte na escola. A obrigatorie-
dade do ensino de Artes enquanto disciplina do currículo escolar
é conquistada a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
154

Nacional, Lei 9394/96 de 20 de Dezembro de 1996, que em seu Ar-


tigo 22 – § 2º prescreve: O ensino de Arte constituirá componente
curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de
forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.
Para orientar as bases curriculares dessa modalidade de
ensino, o Ministério da Educação e Cultura – MEC elaborou e
divulgou os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (1997)
que em sua introdução dá ênfase ao papel e lugar da disciplina
ao afirmar: (...) “Arte tem uma função tão importante quanto a
dos outros conhecimentos no processo de ensino aprendizagem.
A área de Arte está relacionada com as demais áreas e tem suas
especificidades”. (p. 19)

Tendências Pedagógicas
O ensino de Arte no Brasil possui três grandes tendências
conceituais, que, didaticamente, classificamos em: (1) Ensino de
Arte Pré-Modernista; (2) Ensino de Arte Modernista; e (3) Ensino
de Arte Pós Modernista ou Pós-Moderno.
Na Tendência Pré-Modernista, encontraremos a concepção
de Ensino da Arte como Técnica; já na Tendência Modernista,
vamos encontrar a concepção de Ensino da Arte como Expres-
são e também como Atividade; e finalmente na Tendência Pós
Modernista, a concepção de ensino da Arte como Conhecimento.
O Ensino de Arte como técnica (Pré-Modernista): A ideia
de ensino de Arte como técnica está ligada à origem do ensino de
Arte no Brasil. Com a presença dos Jesuítas, em 1549, iniciou-se o
ensino de Arte na Educação Brasileira através de processos infor-
mais, caracterizados pelo ensino da Arte em oficinas de artesões.
O objetivo era catequizar os povos da terra nova, utilizando-se,
como um dos instrumentos, o ensino de técnicas artísticas. Na
educação formal, o ensino de Arte tem a sua gênese marcada pela
155

criação da Academia Imperial de Belas Artes, em 1816, com a che-


gada da Missão Artística Francesa, formada por grandes nomes da
arte da Europa. Todos os membros da Missão Francesa possuíam
uma orientação neoclássica, que marcou o seu modo de ensinar
Arte. Predominava o exercício formal da produção de figuras,
do desenho do modelo vivo, do retrato, da cópia de estamparias,
obedecendo a um conjunto de regras rígidas.
O Ensino de Arte como expressão (Modernista): A con-
cepção de ensino de Arte como o desenvolvimento da expressão
e da criatividade tem as suas bases conceituais e metodológicas
ligadas ao Movimento de Escolinhas de Arte (MEA). O MEA foi
o primeiro importante movimento que possibilitou o processo de
transformação filosófica e metodológica de nossa Arte/Educação
(AZEVEDO, 2000). Um outro fator foi que o MEA, ficou sendo o
responsável pela formação inicial e continuada dos arte/educa-
dores de diferentes regiões brasileiras, conforme apresentado nos
estudos de Varela.
O Ensino de Arte como atividade (Modernista): A concep-
ção de ensino da arte baseada na simples realização de atividades
artísticas é resultado do esvaziamento dos conteúdos específicos
da área de Arte na educação escolar. Essa concepção de ensino
foi legitimada através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), de n° 5.692, promulgada em 11 de agosto de
1971, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de Arte nos cur-
rículos das escolas de Ensino Fundamental e Médio.
O Ensino de Arte como conhecimento (Pós-Modernista):
A concepção de ensino de Arte como conhecimento, ao contrário
das teses liberais, positivistas e modernistas, defende a ideia da
Arte na educação com ênfase na própria Arte. Segundo Rizzi, “a
Arte importante por si mesma e não por ser instrumento para
fins de outra natureza.” Compreende a Arte como uma área de
156

conhecimento, como uma construção social, histórica e cultural é


trazer a arte para o domínio da cognição, como um dos elementos
de manifestação da razão.
Concepção da Área:
Durante aproximadamente quatro séculos, o ensino de Arte
no Brasil foi baseado na concepção de Arte como técnica com o
intuito de preparar para o trabalho e como ferramenta pedagógica
para o ensino das disciplinas mais importantes do currículo; por
aproximadamente seis décadas, predominou a concepção de Arte
como expressão da criatividade onde o processo é mais importante
que o produto; já na concepção de arte como atividade, observa-se
a ausência de conteúdos artísticos, mas cristalizou praticas que
ainda hoje são efetivadas nas aulas de arte nas escolas como é o
exemplo das apresentações artísticas meramente preparadas para
as comemorações e festividades.
Enquanto a concepção de ensino como técnica valorizava o
produto e a concepção de ensino como expressão valorizava apenas
o processo em detrimento do produto artístico, a concepção de
ensino como conhecimento valoriza os processos, o produto e o
meio cultural dos alunos.
Considera-se hoje diversas Modalidades Artísticas ou Con-
teúdos para o ensino de Arte: Artes Visuais ou Plásticas; Dança;
Música, Teatro e Audiovisual ou Cinema.

Conceitos Integradores:
Os conteúdos de Arte estão articulados em três eixos norte-
adores de aprendizagem: a produção, a fruição e a reflexão, que
157

também se identificam como Conceitos Integradores e que são


comuns à Área das Linguagens , como já vimos na disciplina:
Português. Eles têm origem na chamada metodologia triangular
proposta por Ana Mae Barbosa (2002):
• Produção refere-se ao fazer artístico;
• Fruição refere-se à apreciação do universo relacionado a arte;
• Reflexão refere-se ao conhecimento construído pelo próprio
aluno sobre sua produção, a produção dos colegas e as artes como
produto histórico.
A Produção artística, conceituada como expressão e criação
de ideias, movimentos, sons, sentimentos e subjtividades. Com-
preende a criação artística nas diferentes linguagens por meio da
manipulação de elementos da dança, da música, do teatro ou das
artes visuais. Envolve pesquisa e experimentação com diversos re-
cursos e materiais, sejam tradicionais, alternativos ou tecnológicos.
Apreciação estética, refere à leitura de textos, seja uma cena
teatral, uma coreografia, uma música ou imagens. A apreciação fa-
vorece o desenvolvimento de competências para ler não só a obra de
arte, mais também sua realidade, estabelecendo inúmeras relações.
A Contextualização, ou Reflexão, ou História da Arte,
destaca-se pela metodologia que se privilegia, situa um objeto ou
produção artística em seu tempo e espaço, permitindo conhecer
quando, quem, como e em que circunstâncias foi realizado. Inclui
conhecimento de artistas, obras, movimentos artísticos e estéticos,
periodização da História das Artes, estudos de transformação e
rupturas na História das Artes. Inclui a compreensão das Artes
como construção cultural e social, que alavanca o entendimento
das vinculações entre artes, as vivências do dia a dia, outros cam-
pos do conhecimento, encaminhando os estudantes para atitudes
interdisciplinares. Trata-se das relações e conexões possíveis de co-
158

nhecimentos diversos num processo que busca teorizar sobre a Arte.


3.2.1.3- Educação Física19

Epistemologia:
A Educação Física escolar teve início no Brasil com a Reforma
Couto Ferraz, em 1851, nas escolas da Corte. Em 1882, Rui Barbosa,
um dos patronos da Educação Física, defendeu a obrigatoriedade
da disciplina nas instituições de ensino. Entretanto, somente a
partir de 1920 que alguns estados incluíram-na em suas reformas
educacionais, com o nome de Ginástica.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) indicam que a
disciplina sofre ao longo do tempo influências de diferentes cor-
rentes de pensamento filosófico, tendências políticas, científicas
e pedagógicas. Como explica Darido (2001, p. 7): “Os conteúdos
escolares não existiam na sua forma atual, eles têm um caráter
histórico, eles vão sendo elaborados e reelaborados conforme as
necessidades de cada época e dos interesses sociais vigentes”.
E, como nos aponta o estudo de Reorientação Curricular da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1992), os interes-
ses da época eram totalmente relacionados ao tema do cuidado
físico com o corpo:

No que se refere à prática de atividade física em nosso país, o


corpo dos indivíduos, concebido como corpo instrumento foi
utilizado pela classe dominante ao longo de várias décadas: na
159

valorização de um modelo específico de corpo ( o corpo branco,


higienizado e eugenizado desde a época da escravidão); quando
colocados a serviço da pátria (2ª guerra mundial) ou quando
tornou-se um importante elemento para o mundo da produção,

19 Texto de: Stephanie Magalhães (Bolsista PIBIC – 2017-2019)


visando o desenvolvimento da incipiente indústria nacional
(anos 50). (SME-SP, 1992, p. 13)

Bracht (1999, p. 72) nos diz que no Brasil a “constituição da


Educação Física, ou seja, a instalação dessa prática pedagógica na
instituição escolar emergente dos séculos XVIII e XIX, foi fortemen-
te influenciada pela instituição militar e pela medicina.” Assim,
dos finais de 1800 até 1930, prevaleceu o que se convencionou
chamar como período higienista da Educação Física, o qual sofria
forte influência da área médica. Preocupava-se prioritariamente
com a questão da saúde do corpo e com a prevenção de doenças.
Segundo Ghiraldelli (1991):

[...] cabe à Educação Física um papel fundamental na formação


de homens e mulheres sadios, fortes, dispostos à ação. Mais do
que isso, a Educação Física Higienista não se responsabiliza
somente pela saúde individual das pessoas. Em verdade, ela age
como protagonista num projeto de “assepsia social”. Desta forma,
para tal concepção a ginástica, o desporto, os jogos recreativos
etc. devem, antes de qualquer coisa, disciplinar os hábitos das
pessoas no sentido de levá-las a se afastarem de práticas capazes
de provocar a deterioração da saúde e da moral, o que “compro-
meteria a vida coletiva”. (p. 17)
160

A educação sexual também se enquadrou dentro desta pers-


pectiva, já que a preocupação com a eugenia naquele momento
histórico era grande, devido ao contingente de escravos e o medo
da “mistura” das raças branca e negra. As aulas eram ministradas
pelos mesmos instrutores físicos do Exército, ou seja, não havia
relação de professor e aluno e os rígidos métodos militares de
disciplina, ordem e hierarquia eram trazidos para dentro das
instituições escolares.
De 1930, com o início da era Vargas, até 1945 vive-se o perí-
odo militarista da Educação Física. Em linhas gerais, tinha como
proposta o fortalecimento físico da classe trabalhadora para a
obtenção da melhoria da produtividade nas indústrias. A relação
nas escolas passou a ser entre o instrutor (que seria o professor)
e o recruta (aluno). As aulas eram ministradas por militares que
focavam as atividades em exercícios físicos como, por exemplo,
polichinelos, flexões, abdominais, corridas, defesa pessoal e etc.
Ghiraldelli (1991, p. 18) nos explica que:
Todavia, o objetivo fundamental da Educação Física Milita-
rista é a obtenção de uma juventude capaz de suportar o combate,
a luta, a guerra. Para tal concepção, a Educação Física deve ser
suficientemente rígida para “elevar a Nação” à condição de “ser-
vidora e defensora da Pátria”.
De 1945 até 1964 adentra-se ao período pedagógico, quando
nasceram as primeiras escolas de formação civil de professores de
Educação Física e quando os militares começaram a ser substituídos
por pedagogos. Com o fim da 2ª Guerra, o Brasil passou a sofrer
forte influência política e ideológica do liberalismo americano.
Com isso, importou-se o modelo de educação física existente nos
EUA incorporando torneios, desfiles, bandas musicais, ginástica,
dança, luta, entre outras atividades, às aulas e ao ensino de educação
física. Temas como saúde, primeiros socorros, higiene, prevenção
de doenças e alimentação saudável também foram gradativamente
161

incorporados às discussões em sala.


De acordo com a SME-SP (1992):

O final dos anos 70 e início dos anos 80 trazem à cena uma outra
concepção de corpo: a de corpo objeto. Esse é o momento no qual
podemos apreender o corpo, apropriado por um sistema que o
torna “coisa” e o transforma assim através de diferentes práticas
corporais, esportivas ou não, em elemento fomentador de toda
uma “indústria corporal”. O corpo é consumido em modelos,
em formas de movimentar-se, em adereços. O corpo objeto é
consumo, é venda, é lucro. (p. 13)

Desse modo, podemos ver que foi no período pedagógico


que o culto ao corpo iniciou-se, mesmo que essa ideia não tenha
sido amplamente difundida. No regime militar, que vai de 1964 a
1985, vigorou no Brasil o período esportivista ou competitivista.
Como apontado no documento da SME-SP (1992) os códigos da
instituição desportiva entraram na escola, tendo seus princípios
pautados em rendimento atlético/esportivo, competição, compa-
ração de rendimentos e recordes, regulamentação rígida, sucesso
esportivo como sinônimo de vitória, racionalização de meios e
técnicas, etc. Ou seja:

Aqui a Educação Física fica reduzida ao “desporto de alto nível”.


A prática desportiva deve ser “massificada”, para daí poder brotar
os expoentes capazes de brindar o país com medalhas olímpicas.
No âmbito da Educação Física Competitivista, a ginástica, o trei-
namento, os jogos recreativos etc. ficam submetidos ao desporto
de elite. Desenvolve-se assim o Treinamento Desportivo baseado
nos avançados estudos da Fisiologia do Esforço e da Biomecânica,
capazes de melhorar a técnica desportiva. A Educação Física é
sinônimo de desporto, e este, sinônimo de verificação de per-
162

formance. (GHIRALDELLI, 1991, p. 20)

Ou seja, nesse período, a relação entre professor e aluno, no


contexto da educação física, muda novamente, assumindo então
uma conotação de relação entre treinador e atleta. A partir de 1985,
com a eleição de um presidente civil e a retomada da democracia,
a Educação Física adentra então ao que chamamos de período
popular. Surgiram neste contexto muitos movimentos populares
e a disciplina passou a incluir nas aulas conceitos de inclusão,
participação, cooperação, afetividade, lazer e qualidade de vida.

A Educação Física Popular não está preocupada com a saúde


pública, pois entende que tal questão não pode ser discutida
independentemente do levantamento da problemática forjada
pela atual organização econômico-social e política do país. A
Educação Física Popular também não se pretende disciplinadora
de homens e muito menos está voltada para o incentivo da busca
de medalhas. Ela é, antes de tudo, ludicidade e cooperação, e aí o
desporto, a dança, a ginástica etc. assumem um papel de promo-
tores da organização e mobilização dos trabalhadores. E, mais que
isso, a Educação Física serve então aos interesses daquilo que os
trabalhadores historicamente vêm chamando de “solidariedade
operária”. A Educação Física Popular não se pretende “educativa”,
no sentido em que tal palavra é usada pelas demais concepções.
Ela entende que a educação dos trabalhadores está intimamente
ligada ao movimento de organização das classes populares para
o embate da prática social, ou seja, para o confronto cotidiano
imposto pela luta de classes. (GHIRALDELLI, 1991, p. 21)

Desse modo, o documento da SME-SP (1992) mostra que fo-


ram duas vertentes, militar e desporto, que determinaram e ainda
163

determinam fortemente a Educação Física escolar, concluindo que:

[...] a ausência de uma identidade pedagógica deixa um vazio. Sua


ocupação tem se dado por temas da cultura de movimento que
estão na “moda”, o que sem dúvida tem dificultado enormemente
a possibilidade de entendermos a Educação Física escolar como
uma disciplina curricular. (SME-SP, 1992, p. 8)
Tendências Pedagógicas:
Ao final da década de 70, como nos revela os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998, p. 22), surgiram no Brasil novas
abordagens na Educação Física escolar. Darido (2001, p. 8) esclarece
que, em função do novo momento político, o modelo de esporte
de alto rendimento nas escolas passa a ser fortemente criticado,
e surgem novas formas de se pensar a Educação Física escolar.
Essas condições sócio-históricas resultaram num período
de crise da Educação Física que culminou com o lançamento de
diversos livros e artigos que buscavam além de criticar as carac-
terísticas reinantes da área, elaborar propostas, pressupostos e a
enfatizar conteúdos que viessem a tornar a Educação Física mais
próxima da realidade e da função escolar. (DARIDO, 2001, p. 8)
A partir deste debate, segundo Darido (2012), surgiram as
principais tendências contemporâneas:
I- Psicomotricidade: essa tendência visa a inclusão e valoriza-
ção do conhecimento psicológico para a área da Educação Física,
extrapolando os limites biológicos e de rendimento corporal. Tem
a Educação Física como meio de assegurar o desenvolvimento
funcional das crianças, auxiliando na expansão e no equilíbrio
da sua afetividade. Proporciona também a tomada da consciência
corporal e da lateralidade, a consciência do lugar no espaço, o
domínio de tempo, além da habilidade de coordenação de gestos
e movimentos.
164

II- Desenvolvimentista: o movimento é tido como o prin-


cipal meio e fim da Educação Física, por isso sua aprendizagem
é privilegiada. A Educação Física deve proporcionar aos alunos
condições de desenvolvimento das habilidades motoras através
da diversidade e da complexidade dos movimentos, sendo esses
adequados ao seu nível de crescimento.
III- Construtivista: resgate da cultura de jogos e brincadeiras
e valorização das experiências que compõem o universo cultural
dos alunos, envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Na
tendência construtivista o jogo se torna um instrumento peda-
gógico, um meio de ensino no qual a criança aprende brincando.
O ambiente de aprendizado deve ser lúdico e prazeroso.
IV- Crítico Superadora: valorização da contextualização dos
fatos e do resgate histórico. Essa tendência propõem que se con-
sidere a relevância social dos conteúdos abordados nas aulas, sua
contemporaneidade e sua adequação às características sociocog-
nitivas dos alunos. O professor deve oferecer possibilidades para
que os sujeitos confrontem os conhecimentos do senso comum
com o conhecimento científico, resultando na ampliação de seus
conhecimentos. Visa a transformação da sociedade.
V- Saúde Renovada: essa tendência objetiva relacionar ati-
vidade física, aptidão física e saúde, atendendo a todos os alunos,
principalmente os sedentários, com baixa aptidão física, obesos e
portadores de deficiências. Incentiva que os alunos adotem hábitos
saudáveis de atividade física ao longo de toda vida perpassando
a vida escolar.

Apesar de tantas novas tendências emergirem no Brasil,


Darido (2001, p. 8) nos faz um alerta:
165

“é preciso ressaltar que a discussão e o surgimento destas aborda-


gens não significou o abandono de práticas vinculadas ao modelo
Esportivo, Biológico ou ainda, ao Recreacionista, que podem
ser considerados os mais frequentes na prática do professor de
Educação Física escolar”.
Concepção da Área:
A Educação Física, como indica a Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo (1992), tem como objeto de conhecimento
as manifestações culturais que compõem a cultura corporal, na
qual as formas de representação do mundo são expressas através
do corpo, nos jogos, esportes, danças, ginastica, lutas e outras
práticas. Ela tem como proposta a formação e conscientização dos
sujeitos através da vivencia das práticas corporais, objetivando
a transformação social. Nesse sentido, a Educação Física deve
construir sua prática não pela ótica da aptidão física, mas sim
em uma direção que conduza à percepção das práticas corporais
enquanto componente cultural de um povo.
Os pontos abordados abaixo apontam para essa prática trans-
formadora, a qual será efetivada somente quando as atividades
corporais planejadas forem significativas para os alunos, dialo-
gando diretamente com a realidade em que vivem.

Conceitos Integradores:
I. Reflexão sobre o Movimento / Teoria dos Esportes e Jo-
gos: Ter consciência do corpo não passa apenas pela percepção de
aspectos anatômicos, biomecânicos, fisiológicos ou biológicos, o
que a define, essencialmente, é a sua compreensão a respeito dos
signos tatuados em nosso corpo pelos aspectos sócio-culturais de
momentos históricos determinados. (SME-SP, 1992, p. 12)
166

Esse conceito integrador que acompanha o educando ao


longo de sua vida escolar objetiva a reflexão histórica e crítica
dos signos corporais, mas sobretudo da teoria dos jogos, espor-
tes, das danças e da ginástica, proporcionando que os sujeitos
compreendam, reflitam e questionem modelos, normas e regras
já estabelecidos, e até mesmo que repensem e reinventem regras
para sua própria prática.
II. Produção de Movimento / Exercícios Físicos / Prática
Esportiva: objetiva-se que os educandos, pautados na reflexão e
discussão teórica dos conceitos da Educação Física, possam ex-
pressar e vivenciar intencionalmente seus próprios movimentos
corporais na prática, ou seja, nos jogos e brincadeiras, na ginástica,
na dança ou na prática esportiva.
III. Fruição / Lazer / Jogos e Brincadeiras: esse conceito visa
proporcionar aos educandos momentos de lazer, possibilitando-os
de assistir a uma partida de esporte ou um espetáculo de dança, e
até mesmo praticarem partidas recreativas de esportes, com regras
livres, como por exemplo, a famosa “pelada” no futebol, ativando
seu senso crítico e possibilitando novas criações.
Percebe-se aqui, uma equivalência epistemológica entre os
conceitos integradores das Disciplinas da Área da Linguagem:
Português, Artes e Educação Física, conforme quadro abaixo:

Quadro 3: Relações entre os conceitos integradores da Área da


Linguagem

Disciplinas Conceitos integralizadores


Língua portuguesa Apreciação Produção Reflexão linguística
Língua guarani de leitura de leitura Prod. conhecim.
Língua Escrita Escrita linguísticos
estrangeira Gramática
Metalinguagem
167

Artes Fruição Produção Reflexão artística


Apreciação Fazer artístico Contextualização
Leitura da História da arte
obra de arte

Educação física Lazer Produção de Reflexão s/movimento


Jogos e movimento Teoria dos esportes
brincadeiras Exercícios físicos e jogos
Prática esportiva

Fonte: Relatório do Grupo de Pesquisa: “Espaços Educativos e Diversidade Cultural”.


3.2.1.4- Matemática21

Epistemologia:
A história do Ensino da Matemática é um elemento funda-
mental para se compreender e analisar como teorias e práticas da
área foram criadas, desenvolvidas e utilizadas ao longo dos tempos.

Uma percepção da história da Matemática é essencial em


qualquer discussão sobre a matemática e o seu ensino. Ter uma
ideia, embora imprecisa e incompleta, sobre por que e quando
se resolveu levar o ensino da matemática à importância que tem
hoje são elementos fundamentais para se fazer qualquer proposta
de inovação em educação matemática e educação em geral. Isso
é particularmente notado no que se refere a conteúdos. A maior
parte dos programas consiste de coisas acabadas, mortas e ab-
solutamente fora de contexto moderno. Torna-se cada vez mais
difícil motivar alunos para uma ciência cristalizada. Não é sem
razão que a história vem aparecendo como elemento motivador
de grande importância. (D’AMBRÓSIO, 1996, p. 29).

As primeiras referências que encontramos na história sobre


o Ensino da Matemática no Brasil começaram com os jesuítas, no
Período Colonial. O ensino dos colégios jesuíticos criados como
instrumento de formação para jovens de classe dominante, centra-
168

va-se no ato de “ler, escrever e contar”. “Nas escolas elementares, no


que diz respeito aos conhecimentos matemáticos, contemplava-se
o ensino da escrita dos números no sistema de numeração decimal
e o estudo das operações de adição, subtração, multiplicação e
divisão de números naturais”. (GOMES, 2012, p. 14)

21 Texto de: Gabriellle Costa (bolsista PIBID – IEAR/UFF – 2015-2017).


Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal,
quando ordenou a expulsão dos jesuítas de todas as colônias em
1758, as mesmas ficaram sem nenhum sistema organizativo de en-
sino, mas com apenas alguns cursos avulsos, que eram ministrados
por professores que vinham de tempo em tempo da metrópole.
Dentre esses cursos, houve uma proposta de introduzir o ensino
de Álgebra, que ocorre com a Carta Régia de 1799.
Durante o período imperial, a Constituição de 1824 afirmou
a gratuidade da instrução primária para todos os brasileiros. Em
1827, após a votação da Assembleia Legislativa da primeira lei de
instrução pública nacional, as escolas de primeiras letras22 foram
distribuídas em todas as cidades, vilas e lugares populosos. A
lei diferenciava a educação para meninos e meninas, prevendo
escolas separadas.

O currículo para as escolas de meninos envolvia “ler, escrever,


as quatro operações aritméticas, prática de quebrados , decimais
e proporções, noções gerais de geometria, gramática da língua
nacional, moral cristã e doutrina católica”. As escolas para meninas
existiriam nas localidades mais populosas, seriam dirigidas por
professoras e em seu currículo eliminava-se a geometria e a prática
de quebrados23, incluindo-se o ensino de práticas importantes
para a economia doméstica. (GOMES, 2012, p. 15-16)
169

Em 1834, o Colégio Pedro II foi fundado, tornando-se um


modelo para o ensino secundário no Brasil. Ficou estabelecido
em seu currículo que o ensino da Matemática fosse dividido por

22 As primeiras letras significavam “ler, escrever e contar”.


23 Trata-se do estudo das frações ordinárias.
disciplinas autônomas: Aritmética, Álgebra, Geometria, e, pos-
teriormente a Trigonometria. De acordo com Secretaria Munici-
pal de Educação de São Paulo – SME-SP (1992), por conta destas
disciplinas, surgiram textos didáticos traduzidos do francês do
final do século XVIII ou neles inspirados.
No Período Republicano até os anos de 1930, o ensino da
Matemática, continuou a ser ministrado nos padrões do Império.
A Aritmética e a Álgebra eram compostas por uma sucessão de
regras e fórmulas não justificadas com problemas matemáticos
totalmente artificiais. A Geometria, por outro lado, era justificada
e ensinada de maneira dedutiva. Esta por sua vez, era valorizada
pela classe dominante, pois “ensinava a pensar”. Contudo, a mesma
acabava se reduzindo a sucessões de regras arbitrárias, não sendo
compreendido pelos alunos as deduções.
A chamada Reforma Francisco Campos (1931), redefiniu o
ensino secundário brasileiro, trazendo a primeira organização
nacional dos sistemas de ensino. (GOMES, 2012). As disciplinas de
Matemática que antes eram isoladas, com a reforma são unificadas
por uma única disciplina denominada Matemática. Neste período,
surgiram os livros didáticos de Matemática “(...) com figuras ou
desenhos sob uma abordagem mais pragmática”. (FIORENTINI,
1995, p. 10). Os livros didáticos foram inspirados nos escritos e
trabalhos da França e Itália, do século XX, desaparecendo os
velhos textos de Aritmética, Álgebra e Geometria.
170

No I Congresso Brasileiro de Ensino da Matemática (SALVA-


DOR, 1995) reconheceu-se que o currículo do ensino secundário
necessitava passar por algumas modificações, tendo que dialogar
mais com os conteúdos universitários. Esta preocupação não era só
vista no Brasil, mas em outros países também. Sob influência dos
trabalhos franceses, educadores propuseram a reorganizar os currí-
culos, aproximando a Matemática elementar da Matemática superior.
A Matemática precisava passar por um processo de refor-
mulação e modernização do currículo escolar. Segundo Fio-
rentini (1995), foi na década de 1960 que um grande número de
matemáticos e professores brasileiros se reuniram no movimento
internacional de Matemática, denominado de Movimento da
Matemática Moderna (MMM). O autor afirma que o MMM surgiu
após a Segunda Guerra Mundial, no momento que perceberam
a defasagem que havia entre o progresso científico-tecnológico e
o currículo escolar, sobretudo nas áreas de Ciências e Matemá-
tica. O movimento ganhou força política com o lançamento do
“Sputnik” pelos soviéticos em 1957, fazendo com que o governo
norte-americano injetasse grandes recursos financeiros para
inovação/modernização dos currículos escolares.
Como consequência, surgiram nos EUA inúmeros grupos de
estudo/pesquisa, com objetivo de atender a essa convocação, e,
também, foram publicados livros didáticos, espalhando o ideário
modernista para além das fronteiras norte-americanas, atingindo,
inclusive, o Brasil. (FIORENTINI, 1995). Este movimento “(...) pro-
punha-se a eliminar o ensino de Matemática baseado na memo-
rização de regras e no treino de algoritmos”. (SME-SP, 1992, p. 6).
Aqui no Brasil, a Matemática “moderna” buscou, junta-
mente com o Ministério da Educação e Cultura, uma postura
progressista; grupos de Estudo de Ensino da Matemática foram
constituídos em diversos estados e surgiram os primeiros livros
171

didáticos brasileiros da Matemática moderna. Entretanto, mesmo


com todas essas mudanças, não houve investimentos na formação
dos professores. O ensino da Matemática dito moderno procurava
unificar a Teoria dos Conjuntos, Estruturas Algébricas e Relações
e Funções, assim como dar mais ênfase aos aspectos estruturais
e lógicos da matemática (FIORENTINI, 1995).
Com o fracasso da Matemática Moderna

bem como as dificuldades apresentadas quanto à aprendizagem


da Matemática por alunos das classes economicamente menos
favorecidas, fez com que alguns estudiosos, a partir da década de
60, voltassem a atenção aos aspectos socioculturais da Educação
Matemática. Inicialmente, acreditava-se – e a pesquisa educacional
das décadas de 50, 60 (nos EUA) e 70 (no Brasil) contribuem para
isso – que os alunos oriundos dessas classes sociais apresentavam
carências culturais que os impediam de acompanhar a escola ou
obter sucesso na educação formal. (FIORENTINI, 1995, p. 24).

Com intuito de superar a Matemática moderna, houve um


aumento nas pesquisas sobre a Educação Matemática, que eram
voltadas para questões socioculturais e emocionais, que influenciam
diretamente no processo de aprendizagem. Nesta nova tendência
a disciplina de Matemática torna-se mais integrada ao aluno,
buscando que este crie e construa o seu próprio conhecimento.
(SME-SP, 1992). Autores e professores brasileiros trouxeram grandes
contribuições no âmbito pedagógico. Dentre essas contribuições
destacaremos a Etnomatemática24, que trouxe, segundo Fioren-
tini “(...) uma nova visão de Matemática e Educação Matemática
de feição antropológica, social e política, que passam a ser vistas
como atividades humanas determinadas socioculturalmente pelo
172

contexto em que são realizadas”. (1995, p. 25). O autor afirma que


a Matemática só se torna significativa e válida, no interior de um
grupo cultural – pode ser tanto uma classe de alunos, como uma

24 O matemático Ubiratan D’Ambrosio é um idealizador/precursor da Etnomatemática no Brasil, que


significa “(...) que há várias maneiras, técnicas, habilidades (tica) de explicar, de entender, de lidar
e de conviver (matema) com distintos contextos naturais e socioeconômicos da realidade (etno)”.
(1996, p. 11).
comunidade indígena, quilombola, caiçara ou até mesmo uma
comunidade científica –, pois há distintas práticas socioculturais.
(FIORENTINI, 1995). A Etnomatemática, portanto, valoriza e legi-
tima os conhecimentos construídos pelo aluno, em seus diversos
contextos socioculturais.

Tendências Pedagógicas:
De acordo com Fiorentini (1995), por trás dos diferentes modos
de ensinar a Matemática há uma concepção particular de aprendi-
zagem, ensino, Matemática e Educação, sofrendo influência “(...)
dos valores e das finalidades que o professor atribui ao ensino da
matemática, da forma como concebe a relação professor-aluno
e, além disso, da visão que tem de mundo, de sociedade e de
homem”. (p. 4).
Com base nos estudos de Fiorentini (1995) apontaremos seis
tendências pedagógicas do Ensino da Matemática, historicamente
produzidos no Brasil:
• Formalista Clássica: caracteriza-se pela ênfase nas ideias
e formas da Matemática clássica, principalmente ao modelo eu-
clidiano e à concepção platônica. O primeiro caracteriza-se pela
sistematização lógica do conhecimento matemático a partir de
elementos primitivos (definições, axiomas e postulados); o segundo
pela visão estática, a-histórica e dogmática das ideias matemáticas.
Didaticamente, o ensino era acentuadamente livresco e centrado
173

no professor como transmissor do conteúdo. A aprendizagem


do aluno, por sua vez, era considerada passiva, consistindo na
memorização e reprodução daquilo que estava nos livros, dos
raciocínios ou procedimentos ditados pelo professor.
• Empírico-Ativista: surge como oposição à escola clássica
tradicional. Na Pedagogia Nova busca-se atender à natureza do
aluno como um ser ativo ele é o centro da aprendizagem. Logo, o
currículo deve ser organizado a partir de seus interesses. O profes-
sor deixa de ser o elemento fundamental do ensino, tornando-se
apenas um facilitador da aprendizagem. Esta tendência não rompe
com a concepção idealista de conhecimento, sendo as ideias mate-
máticas obtidas por descobertas. Surgem as propostas pedagógicas
que privilegiam os materiais manipulativos e atividades lúdicas.
• Formalista Moderna: influenciada pelo Movimento da
Matemática Moderna, acentua-se a abordagem internalista da
matemática; enfatiza o uso da linguagem matemática, o rigor e
também as justificativas das transformações algébricas por meio
das propriedades estruturais; promove um retorno ao formalis-
mo matemático. Quanto ao ensino, é autoritário e centrado no
professor, sendo o aluno considerado passivo.
• Tecnicista: a matemática é reduzida a um conjunto de
técnicas, regras e algoritmos, sem grande preocupação em fun-
damentá-los ou justificá-los. O seu ensino nesta tendência teria
como finalidade “(...) desenvolver habilidades e atitudes compu-
tacionais e manipulativas, capacitando o aluno para a resolução
de exercícios ou de problemas-padrão. (FIORENTINI, 1995, p. 17).
Busca-se, portanto, cumprir com os objetivos instrucionais, nos
recursos e nas técnicas de ensino.
• Construtivista: parte do pressuposto que o conhecimento
matemático resulta da ação interativa/reflexiva do homem com
o meio que o circunda, ou seja, o conhecimento é construído. “O
174

construtivismo vê a Matemática como uma construção humana


constituída por estruturas e relações abstratas entre formas e gran-
dezas reais ou possíveis”. (FIORENTINI, 1995, p. 17). O processo
aqui é mais importante que o produto do conhecimento e o erro
do aluno “(...) é visto como uma manifestação positiva de grande
valor pedagógico”. (p. 21).
• Socioetnocultural: esta tendência pedagógica traz uma
visão de feição antropológica, social e política. A Matemática não
é mais vista como uma ciência pronta e acabada, mas sim como
uma atividade humana, determinada historicamente e socio-
culturalmente pelo contexto em que são produzidas. O ensino é
voltado para à realidade do aluno. Esta tendência tem por base
teórico-metodológica a Etnomatemática, que segundo D’Ambrósio
(1998) traz grandes contribuições “(...) do ponto de vista cultural,
em que a análise histórica aparece como instrumento importante,
e do ponto de vista pedagógico, pois lidam diretamente com o
processo de aprendizagem” (p. 7)
• Histórico-crítica: nesta tendência a Matemática não é vista
como saber pronto e acabado, segundo Fiorentini (1995), mas como
um saber dinâmico e vivo que vem sendo construído historica-
mente “(...) atendendo a estímulos externos (necessidades sociais) e
internos (necessidades teóricas de ampliação de conceitos)”. (p. 31)
Fiorentini (1995) afirma que algumas dessas tendências pedagó-
gicas apresentadas foram dominantes num determinado momento
histórico, contudo permanecem inalteradas até os dias de hoje.
Entendemos que há contribuições teórico-metodológicas,
conceituais e epistemológicas importantes oriundas das tendên-
cias: construtivista, socioetnocultural e histórico-crítica para a
construção de uma prática pedagógica no ensino de Matemática
que atenda aos objetivos de uma formação cidadã integral, crítica
175

e democrática. São diferentes dimensões do processo de apren-


dizado dos conceitos matemáticos integradores, que devem ser
objeto de estudo da formação de professores e precisam ser leva-
dos em conta na busca de se superar uma prática conservadora,
tradicional, conteudista, a-histórica, autoritária e discriminatória
que continua ainda excluindo ou retardando a trajetória escolar
de muitos alunos das classes trabalhadoras.
Concepção da Área:
Direta ou indiretamente, os conhecimentos matemáticos estão
presentes no dia a dia, nas diversas atividades humanas, auxiliando
o sujeito a compreender, descrever e modificar a realidade. Por-
tanto, se faz necessário ter o domínio desses conhecimentos para
o exercício da cidadania. No decorrer da história, a Matemática
serviu como apoio para o avanço das Ciências Físicas, auxiliando
até mesmo as Ciências Humanas e Ciências Biológicas.
A SME-SP (1992, p. 14) destaca três aspectos da natureza da
Matemática: “(...) o da Ciência ou de corpo de conhecimentos, o de
instrumento para ler e agir, sobre a realidade, o de jogo ou saber
dinâmico e vivo que vem sendo construído historicamente “(...)
atendendo a estímulos externos (necessidades sociais) e internos
(necessidades teóricas de ampliação de conceitos)”. (p. 31)
Fiorentini (1995) afirma que algumas dessas tendências pedagó-
gicas apresentadas foram dominantes num determinado momento
histórico, contudo permanecem inalteradas até os dias de hoje.
Entendemos que há contribuições teórico-metodológicas,
conceituais e epistemológicas importantes oriundas das tendên-
cias: construtivista, socioetnocultural e histórico-crítica para a
construção de uma prática pedagógica no ensino de Matemática
que atenda aos objetivos de uma formação cidadã integral, crítica
e democrática. São diferentes dimensões do processo de apren-
dizado dos conceitos matemáticos integradores, que devem ser
176

objeto de estudo da formação de professores e precisam ser leva-


dos em conta na busca de se superar uma prática conservadora,
tradicional, conteudista, a-histórica, autoritária e discriminatória
que continua ainda excluindo ou retardando a trajetória escolar
de muitos alunos das classes trabalhadoras.
Concepção da Área:
Direta ou indiretamente, os conhecimentos matemáticos estão
presentes no dia a dia, nas diversas atividades humanas, auxiliando
o sujeito a compreender, descrever e modificar a realidade. Por-
tanto, se faz necessário ter o domínio desses conhecimentos para
o exercício da cidadania. No decorrer da história, a Matemática
serviu como apoio para o avanço das Ciências Físicas, auxiliando
até mesmo as Ciências Humanas e Ciências Biológicas.
A SME-SP (1992, p. 14) destaca três aspectos da natureza da
Matemática: “(...) o da Ciência ou de corpo de conhecimentos, o
de instrumento para ler e agir, sobre a realidade, o de jogo ou arte
com certa dose de gratuidade”. A SME-SP (1992) afirma ainda que
a Matemática tem duas finalidades: contribuir para o exercício
crítico da cidadania e desenvolver conhecimentos e habilidades
matemáticas de forma que favoreça o progresso intelectual do
aluno, sendo de suma importância, que o ensino esteja adequado
para o desenvolvimento desta finalidade.

Conceitos Unificadores:
Os conceitos unificadores dão pistas para se estabelecer novos
critérios de seleção e ordenação sequencial dos conteúdos de Ma-
temática que sejam essenciais para a compreensão e organização
da área/disciplina. Os conceitos unificadores aparecem ao longo
da vida escolar se complexificando à medida que o aluno avança
177

nas séries anuais.


Os conceitos unificadores na área da Matemática já foram
identificados nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1998)
como sendo: “Bloco de Conteúdos”, e aparecem organizados da
seguinte forma:
Números e Operações – O aluno compreenderá que existe
diversos tipos de números (naturais, negativos, racionais e irracio-
nais) e os seus diferentes significados à medida que estiver diante
de uma situação-problema que envolva operações ou medidas de
grandezas. Com relação às operações, o aluno terá de compreen-
der os diferentes significados de cada uma delas, assim como as
relações existentes entre elas e o estudo do cálculo, contemplando
os tipos: exato e aproximado, mental e escrito.
Espaço e Forma – É desenvolvido noções geométricas no
pensamento do aluno, que lhe permite compreender, representar
e descrever, de maneira organizada, o mundo em que vive. Estas
noções podem estimular o aluno a observar, perceber semelhanças
e diferenças, identificar regularidades, permitindo que se explore
os objetos do mundo físico, desenhos, artesanato, etc.
Grandezas e Medidas – Com forte relevância social, carac-
teriza-se por seu caráter prático e utilitário. As atividades que
envolvem grandezas e medidas melhoram a compreensão de
conceitos relativos ao espaço e às formas e também dos signifi-
cados dos números e das operações, incluindo a ideia de propor-
cionalidade e escalas.
Tratamento da Informação – Está voltado para noções de
Estatística e Probabilidade. Contudo, não se pretende desenvol-
ver um trabalho baseado apenas em definições de termos ou de
fórmulas. A ideia é que o aluno, por meio da Estatística, cons-
178

trua procedimentos para organizar, coletar e interpretar dados e


com a Probabilidade consiga compreender que grande parte dos
acontecimentos do cotidiano é de natureza aleatória, portanto é
possível identificar prováveis resultados desses acontecimentos.
3.2.1.6- História

Epistemologia:
A História passou a existir como disciplina escolar no Brasil
com a criação do Colégio Pedro II em 1837. No mesmo ano, foi
criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que
instituiu a História como disciplina acadêmica. Alguns professo-
res do Colégio Pedro II faziam parte do IHGB e construíram os
programas escolares, os manuais didáticos e as orientações dos
conteúdos que seriam ensinados. (SEE-PR, 2009)
Essas produções foram elaboradas sob influência da Histó-
ria metódica e do positivismo, caracterizadas, em linhas gerais,
por uma racionalidade histórica orientada pela linearidade dos
fatos, pelo uso restrito dos documentos oficiais como fonte e
verdade histórica e, por fim, pela perspectiva da valorização
política dos heróis.
A narrativa histórica produzida justificava o modelo de nação
brasileira, vista como extensão da História da Europa Ociden-
tal. Propunha uma nacionalidade expressa na síntese das raças
branca, indígena e negra, com o predomínio da ideologia do
branqueamento. Nesse modelo conservador de sociedade, o cur-
rículo oficial de História tinha como objetivo legitimar os valores
aristocráticos, no qual o processo histórico conduzido por líderes
excluía a possibilidade das pessoas comuns serem entendidas
179

como sujeitos históricos.


Este modelo de ensino de História foi mantido no início da
República e o Colégio Pedro II continuava a ter o papel de referên-
cia para a organização educacional brasileira. Em 1901, o corpo
docente alterou o currículo do colégio e propôs que a História do
Brasil passasse a compor a cadeira de História Universal. Nessa
nova configuração, o conteúdo de História do Brasil ficou relega-
do a um espaço restrito do currículo que, devido à sua extensão,
dificilmente era tratado pelos professores nas aulas de História.
Assim mantinha-se a produção do modelo de nação brasileira
mencionado anteriormente.
O retorno da História do Brasil nos currículos escolares
deu-se apenas no período autoritário do governo de Getúlio Var-
gas, vinculado ao projeto político nacionalista do Estado Novo
(1937-1945), e se ocupava em reforçar o caráter moral e cívico dos
conteúdos escolares.
Bittencourt (1997), ao historicizar o ensino de História no
Brasil, aponta que foi publicado na Revista de Pedagogia da Facul-
dade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, o artigo: “A História
no Curso Secundário Brasileiro”, de Amélia Domingues de Castro
(1955), no qual ela apresenta um estudo evolutivo da disciplina
no ensino secundário, incluindo-se no debate que então ocorria
sobre a cientificidade da História e sua presença nos currículos
como estudo obrigatório para a formação intelectual dos alunos
(Castro, 1955). Um outro trabalho do período, de Guy de Hollan-
da (1957): “Um quarto de século de programas e compêndios de
História para o ensino secundário brasileiro (1931-1956)”, mostra
o percurso do ensino da História a partir da reforma Francisco
de Campos de 1931.
Bittencourt (2011) indica também que na década de 1950,
180

período de intensos embates em torno elaboração da Lei de Di-


retrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), havia uma disputa
entre intelectuais e educadores em torno da criação dos Estudos
Sociais que substituiriam a História e a Geografia nos currículos
do nível secundário.
Os Estudos Sociais eram uma das preferências de intelectuais
ligados à denominada Escola Nova, como o caso de Delgado de
Carvalho, professor pertencente aos quadros do Colégio Pedro
II e do Instituto de Educação, dentre outras instituições, e muito
próximo ao círculo de Anísio Teixeira nas esferas de poder do
INEP (Munakata, 2004). Em defesa dessa nova disciplina, Delgado
de Carvalho (1970) apresentou um capítulo no livro “Introdução
Metodológica aos Estudos Sociais” sobre a trajetória da História
e da Geografia em currículos nacionais e internacionais. O histó-
rico pretendia demonstrar o esgotamento e os limites do ensino
de História e de Geografia para as novas gerações, defendendo,
nessa perspectiva, a tendência de se efetivar uma síntese das
Ciências Sociais por intermédio de uma nova disciplina escolar,
os Estudos Sociais. (p. 3)

A retomada de pesquisas sobre a história do ensino de História


ocorreu apenas na década de 1980, desta vez no contexto da am-
pliação dos cursos de pós-graduação das universidades brasileiras,
mas novamente relacionadas aos Estudos Sociais. O ensino da
História, incluindo as análises sob perspectivas históricas, passou
a fazer parte das pesquisas criadas em meio aos debates sobre as
reformas curriculares que, então, ocorriam em vários estados do
país. (Bittencourt, 2011)
A tipologia apresentada por Cardoso (2012) para a epistemolo-
181

gia da História, contendo três modalidades: o reconstrucionismo,


o construcionismo e o desconstrucionismo:

[…] constitui-se num quadro de referência bastante útil para se


pensar três modalidades possíveis – sem dúvida as principais –
da epistemologia da História: o reconstrucionismo, entendido
como a reconstrução do passado a partir das evidências factuais
e documentais, de maneira indutiva, de modo a alcançá-lo na
sua feição a mais verdadeira possível ou, quando menos, com
ótima verossimilhança; o construcionismo, que atribui ao sujeito
historiador o papel de produzir um conhecimento possível acerca
do passado, sempre à luz do presente e a partir de hipóteses hi-
potético-dedutivas ancoradas em modelos teóricos; e o descons-
trucionismo, que desloca o foco para as estruturas discursivas,
consideradas a única ou a principal matéria de estudo, do que
resulta a sub-valorização, ou mesmo eliminação, das evidências e
realidades históricas por si mesmas, na medida em que a história
é concebida somente como texto ou narrativa. (Vainfas, 2012)

Tendências Historiográficas25

I- Nova História
A Nova História surge nos anos de 1960, influenciada pelos
acontecimentos de maio de 1968 em Paris, da Primavera de Praga,
dos movimentos feministas, pelas lutas contra as desigualdades
raciais nos Estados Unidos da América, entre outros. Jacques Le
Goff (1970) torna-se um marco no pensamento historiográfico,
trazendo novas abordagens, novos problemas e novos objetos.
A noção de mentalidades se referia aos modos de pensar e
de se comportar dos sujeitos em determinadas épocas e locais.
182

A mentalidade geralmente se articulava a uma temporalidade de


A mentalidade geralmente se articulava a uma temporalidade de
longa duração em relação aos acontecimentos. O seu método se
fundamentava em uma abordagem serial das fontes, ou seja, os

25 Extraído e adaptado de: “Diretrizes Curriculares da Educação Básica – História”. SEED-PR. 2008
historiadores problematizavam e seriavam um conjunto imenso
de documentos produzidos por uma sociedade num período de
longa duração.
A partir desta seriação, os historiadores decifravam e anali-
savam as grandes estruturas sociais, econômicas ou culturais e as
suas respectivas relações e transformações, construindo, assim,
grandes contextos espaço-temporais para a demarcação de seus
múltiplos objetos. Dentre esses objetos podem ser incluídas ins-
tituições como a família, as profissões, fenômenos como a morte,
os sentimentos, os imaginários, organizações sociais como vilas,
cidades e regiões. Para abordá-los, os historiadores seriavam novos
conjuntos de documentos como objetos arqueológicos, imagens,
registros oficiais e não-oficiais, tabelas, gráficos, registros orais
entre outros.
Uma contribuição para o pensamento histórico moderno foi
a abertura para novos problemas, novas perspectivas teóricas e
novos objetos desenvolvidos a partir das propostas historiográficas
das gerações anteriores dos Annales. Outra foi a contraposição
à uma racionalidade histórica linear com a introdução de novas
temporalidades ligadas às durações (curtas, médias e longas) e
à valorização das estruturas que determinam a ação humana
e suas relações, bem como suas transformações. Isso permitiu
a construção de contextos espaço- temporais que delimitam os
objetos de estudo abordados sem levar em conta uma linha do
183

tempo sequencial e universal.


Os limites desta historiografia estão relacionados, primeira-
mente, à desvalorização das investigações ligadas às ações produ-
zidas pelos sujeitos e às suas respectivas significações históricas e
o consequente abandono da análise das estruturas políticas. Além
disso, essa historiografia, ao criar grandes contextos espaço-tem-
porais, acabou reforçando a divisão quadripartite europeia. Outro
limite foi a fragmentação dos objetos, métodos e perspectivas
teóricas ligadas ao pensamento histórico com poucas tentativas
de articulação e organização de sínteses entre a história local e
a história global.

II- Nova História Cultural


A Nova História Cultural despontou na primeira metade
da década de 1980, a partir dos trabalhos reunidos pela historia-
dora Lynn Hunt na Universidade da Califórnia em Berkeley, no
ano de 1987.
Para Peter Burke (1992, p. 9-16), tanto a Nova História Cultu-
ral como a Nova História da década de 1970 recorrem à palavra
“nova” para distinguir estas produções historiográficas das formas
anteriores. Por sua vez, a palavra “cultura” é aplicada para dife-
renciá-la da História intelectual, campo que abrange o conjunto
das formas de pensamento, antiga história das ideias, e também
da História social.
Além do viés antropológico e dos trabalhos do antropólogo
estadunidense Clifford Geertz (1926-2006), as principais influências
dessa corrente historiográfica são as contribuições do filósofo da
linguagem russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), do sociólogo alemão
Norbert Elias (1897–1990), do filósofo francês Michel Foucault
(1926-1984) e do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002).
Os quatro teóricos abriram perspectivas para que os histo-
184

riadores culturais passassem a adotar conceitos como: descrição


densa, dialogismo, representações, práticas culturais, desconti-
nuidades culturais, rupturas, habitus, entre outros. As influências
Roger Chartier (1945) e ao historiador italiano Carlo Ginzburg
(1939), respectivamente.
Roger Chartier considera as categorias de representação e
apropriação para produzir o conhecimento histórico. A represen-
tação é entendida como as diferentes formas pelas quais as comu-
nidades, a partir de suas diferenças sociais e culturais, percebem
e compreendem sua sociedade e a própria História.
O historiador Carlo Ginzburg também abandonou a noção de
mentalidade e optou pelos conceitos de filtro cultural e de cultura
popular. A partir de Mikhail Bakhtin, Ginzburg criou a noção
de circularidade cultural, que se apresenta na sua obra O queijo e
os vermes (1976). Enquanto Bakhtin examinava a cultura popular
filtrada por um intelectual renascentista (Rabelais), Ginzburg re-
alizou a operação inversa por meio de um moleiro (Menocchio).
A cultura oficial nessa concepção é filtrada pela cultura popular.
A contribuição da Nova História Cultural está na possibili-
dade de empreender a leitura de uma cultura a partir de outra,
pois ela se beneficia de uma leitura dialógica de suas fontes, pois
busca identificar as diferentes vozes nelas presentes.
Ao se opor à ideia da História como gênero literário, Ginz-
burg critica a tendência relativista da História das mentalidades
e propõe um método indiciário que insiste no rigor da pesquisa
documental, baseado em provas factuais a partir da decifração
dos indícios proporcionados pelos documentos.
Tal abordagem se concretiza na sua proposta de microanálise,
ou seja, na micro-história que propõe uma reavaliação da macro
-história, pela redução da escala de observação do historiador
com recortes que valorizam sujeitos como indivíduos, famílias,
185

comunidades que sofrem e enfrentam os condicionamentos do


processo histórico mais amplo.
Quais foram então as contribuições desta historiografia para
a formação do pensamento histórico? Uma delas foi a valorização
das ações e concepções de mundo dos sujeitos das classes popu-
lares em seu contexto espaço-temporal. Outra contribuição foi a
introdução de novas temporalidades nas formas de constituição
do pensamento histórico a partir do momento em que novos e
múltiplos sujeitos com seus respectivos pontos de vista foram
introduzidos nas análises historiográficas.
Com as abordagens propostas pela Nova História Cultural,
como a micro-história, a antropologia histórica e a história do
cotidiano, o passado vivido foi interpretado como um tempo
distinto do contexto do presente. Sustentou-se, com isso, um
procedimento metodológico fundamental para a racionalidade
histórica não-linear: a distinção entre o presente e o passado.
Ginzburg, como outros historiadores, analisa relações múl-
tiplas de temporalidade, tais como as permanências e mudanças
entre as experiências do passado, as ações e interpretações do
presente e as perspectivas de futuro dos sujeitos.
A História, no ensino Fundamental e Médio, pode se beneficiar
dessa corrente historiográfica, porque ela valoriza a diversificação
de documentos como imagens, canções, objetos arqueológicos,
entre outros, na construção do conhecimento histórico. Tal di-
versidade permite relações interdisciplinares com outras áreas
do conhecimento.
A abordagem local e os conceitos de representação, prática
cultural, apropriação, circularidade cultural e dialogismo possi-
bilitam aos alunos e aos professores tratarem esses documentos
sob problematizações mais complexas em relação à racionalidade
histórica linear. Desse modo, podem desenvolver uma consciên-
186

cia histórica que leve em conta as diversas práticas culturais dos


sujeitos sem o abandono do rigor do conhecimento histórico.

III- Nova Esquerda Inglesa


A Nova Esquerda Inglesa surgiu em 1956 com historia dores
britânicos vinculados ao Partido Comunista Inglês que, desconten-
tes com o regime stalinista, romperam com o partido e acabaram
por influenciar fortemente a historiografia britânica.
Nesse movimento, participaram Raymond Williams (1921-
1988), Eric Hobsbawm (1917), Christopher Hill (1912-2003), Perry
Anderson (1938), Maurice Dobb (1900-1976) e Edward Thompson
(1923-1993), entre outros, que na década de 1950, contribuíram mais
especificamente para os estudos de História Social.
Raymond Williams questionou como os marxistas ortodoxos
e alguns estruturalistas tratavam o conceito de cultura e também
resgatou os estudos de Mikhail Bakhtin, que define a linguagem
como atividade social prática resultante de uma relação social e
dialógica. A linguagem, vista pelo autor russo, é o diálogo entre
a experiência ativa em constante mudança, com a ideia de que a
consciência é social; ou seja, é entendida como processo dialético
e dialógico.
A concepção de hegemonia proposta pelo filósofo italiano
Antônio Gramsci (1891-1937) também foi resgatada por esses
intelectuais. Gramsci afirmou que a existência de um discurso
ou prática hegemônica de uma determinada classe domina sig-
nificados, valores, crenças e a impõe a outras classes. Para ele, a
hegemonia produz também contra-hegemonias, de modo que
a cultura deixa de ser reflexo de uma determinada base, isto é,
torna-se elemento constitutivo do processo social.
A divisão entre superestrutura e infraestrutura, comum nos
estudos economicistas, foi superada pela Nova Esquerda Inglesa.
De acordo com Barros (2004), a cultura está integrada aos modos
187

de produção e não é mero reflexo da infraestrutura econômica de


uma sociedade. Isso significa que há uma relação dialética entre
a cultura e as estruturas sociais. Para Raymond Williams, a cul-
tura comum é relacional, ou seja, a cultura é comum a todos, no
entanto o acesso a ela se dá de forma diferenciada.
Outro conceito relevante para superação dos estudos eco-
nomicistas é o de experiência histórica proposto por Edward P.
Thompson ao apontar que as tradições culturais ligadas às festas
populares, à religiosidade, ao cotidiano das classes trabalhadoras
constituem historicamente a formação dessas classes. Este historia-
dor defende que a experiência histórica se expressa na consciência
social dos sujeitos históricos.
Os historiadores dessa corrente consideram a subjetividade,
as relações entre as classes e a cultura. Defendem ainda que a
consciência de classe se constrói nas experiências cotidianas co-
muns, a partir das quais são tratados os comportamentos, valores,
condutas, costumes e culturas.
O conceito de poder também é fundamental, em que a Nova
Esquerda Inglesa busca superar as visões mecânicas e reducionistas
da corrente tradicional marxista, a qual prescrevia uma raciona-
lidade histórica linear em direção a uma revolução inexorável, e
da História metódica, calcada em fatos históricos determinados
e aliados a figuras de heróis. Os historiadores da Nova Esquerda
Inglesa procuraram analisar a concepção de poder de forma a
apresentar outros atores sociais e outros espaços de poder, o que
ficou conhecido como a “história vista de baixo”.
A Nova Esquerda Inglesa elegeu os sujeitos da classe traba-
lhadora como personagens centrais de seus estudos empíricos.
Os conceitos de classe social e de luta de classes, fundamentais
no pensamento materialista histórico dialético, foram ampliados
por essa corrente, visto que seus estudos expandem a explicação
188

histórica para além do aspecto econômico. Os historiadores desta


corrente adotam conceitos materialistas sob uma nova perspectiva
como, por exemplo, o de luta de classes, que passou a reconhecê-la
no interior de uma mesma classe e não somente entre as classes.
Quais foram as contribuições da Nova Esquerda Inglesa para
a formação do pensamento histórico e a constituição de uma
nova racionalidade? Uma delas foi a superação da racionalidade
histórica linear ligada ao marxismo clássico pautada na sucessão
dos modos de produção. É claro que o conceito relacionado aos
modos de produção continuou como um dos fundamentos dessa
historiografia, contudo passou a privilegiar as ações dos múltiplos
sujeitos na construção dessas formações sócio-históricas.
Com a introdução de novos sujeitos pertencentes às classes
trabalhadoras e novas temporalidades, novas formas de consciência
passaram a ser incorporadas pelas pesquisas historiográficas, tais
como as ligadas aos costumes, às tradições populares e às contra
-hegemonias. Isso mesmo no interior de um modo de produção
hegemônico como o capitalismo.
Os modelos teóricos propostos pelo materialismo histórico
dialético foram submetidos a uma crítica radical articulada ao
método empírico do confronto de documentos e experiências
históricas; confronto este que permitiu a elaboração de novas
explicações e interpretações históricas relativas à especificidade
de cada formação sócio-histórica. Os historiadores da Nova Es-
querda Inglesa pautam seus estudos na experiência do historiador,
na sua dimensão social e investigativa, o que possibilita novos
questionamentos sobre o passado, a partir dos quais têm surgido
novos métodos de pesquisa histórica.
189

Outra contribuição importante desta corrente, assim como no


marxismo clássico, é que ela continua a defender uma concepção
de História entendida como experiência do passado de homens
e mulheres e sua relação dialética com a produção material, va-
lorizando as possibilidades de luta e transformação social e a
construção de novos projetos de futuro.
Tendências Pedagógicas

I- Positivismo (Pragmatismo e Historicismo):


Corrente desenvolvida no século XIX, que concebe o co nhe-
cimento com reflexo do objeto ou dos fatos sociais. Para essa
tendência há possibilidade do produto do processo cognitivo
(Correto: cognitivo) ser uma cópia do objeto, desde que o sujeito
desse processo seja imparcial, controlando suas emoções,
simpatias e antipatias. O que garantiria a cópia fiel do objeto
seria a neutralidade. (Basso, 2001) Tal tese se baseia no princípio
de separação entre sujeito do conhecimento e objeto de estudo a
conhecer, defendida na Física clássica, tomada como referência
de cientificidade.
Para os positivistas a História, como objeto de estudo, é uma
estrutura já dada da fatos, que para ser conhecida basta recolher
os acontecimentos com base em documentos confiáveis (Basso,
2001). Essa corrente enfatiza a ordem, a integração, o consenso
procurando eliminar as tensões, os conflitos e qualquer ma-
nifestação da vida social que não contribua com essa ordem e
funcionalidade da sociedade. A fazê-lo ela privilegia a ordem
burguesa – hegemônica na sociedade capitalista, justificando-a
e legitimando-a. (Idem, p. 36)
Nessa abordagem pedagógica da História opta-se por uma
metodologia de ensino baseada na aula expositiva, onde alunos
190

são passivos e contemplativos e os conteúdos – que geralmente


são os “grandes acontecimentos históricos e políticos” – conforme
Marx & Engels (1965, p. 33), são apresentados como fatos prontos
e acabados (Basso, 2001) o que lhe confere um caráter abstrato,
alienante e ideológico.
II- Presentismo (Idealismo)
Em oposição ao Positivismo, surge a partir do final do século
XIX e início do século XX, uma corrente irracionalista que acre-
dita que há uma identidade entre o sujeito e o objeto nas ciências
históricas, valorizando sobremaneira o fator subjetivo do processo
cognitivo (Basso, 2001). Para o Presentismo não existe distinção entre
o processo histórico objetivo e a descrição desse processo que é a
historiografia, pois a história (o processo) equivale ao pensamento
sobre a história. Haveriam então diversas Histórias diferentes e
contraditórias, mas todas verdadeira do ponto de vista de cada
historiador. Daí o caráter relativista e subjetivista dessa tendência
pedagógica, apontado por Basso (2001) e que inclui clui a concepção
Pragmatista de Dewey e James e o Historicismo de Dilthey.
Segundo Lowy (1985, p. 76 apud Basso, 2001, p. 39) Dilthey
consegue formular muito bem a questão, mas não consegue res-
pondê-la: Sua pergunta foi: como é que um conhecimento da his-
tória ou da sociedade pode ser, ao mesmo tempo, historicamente
limitado, unilateral, relativo, e objetivo, universalmente válido?
A metodologia de ensino defendida pelas correntes relati-
vistas e subjetivistas toma os educandos como eixo principal,
pois elas valorizam excessivamente o sujeito do conhecimento,
tendo os conteúdos cognitivos um valor secundário. Valoriza-se
o desenvolvimento do aluno a partir da interação entre os alunos
e professores. Recomenda-se a utiloização de recursos variados
191

como apoio ao ensino, tais como bibliotecas, laboratórios, excur-


sões, etc. (Basso, 2001).
A pesquisa é valorizada em seu processo e o resultado dela
pode ser o mais variado possível, devido à perspectiva relativista
dessa corrente. Assim o produto da “pesquisa” é pouco conside-
rado, nem sempre corrigido e discutido, já que admitem tantas
verdades quanto o número de “indivíduos pensantes” que “criam”
a história. (Idem, p. 40)

Materialismo Histórico (Histórico-Social)


Elaborada por Marx e Engels, vê a ciência da História como o
conhecimento do processo objetivo do desenvolvimento histórico
e aponta dois conceitos fundamentais: o indvíduo como histórico e
aponta dois conceitos fundamentais: o indvíduo como ser social e o
conhecimento como atividade prática, concreta, sensível do homem.
Segundo essa concepção há interesses de classe que possi-
bilitam uma apreensão objetiva da realidade social, pois a classe
revolucionária que tem interesse na transformação da ordem
social, é que representa a tendência do desenvolvimento histórico
(Basso, 2001).
Assim, é a contradição entre as forças produtivas e as relações
de produção que é o motor da história e a análise deve se dar so-
bre a sociedade burguesa, a sociedade mais desenvolvida. (Idem)

A metodologia de ensino coerente com essa tendência pedagógica
buscam levar o aluno a entender a sociedade em que se vive como
histórica, ou seja, como construção dos homens no processo
contínuo de apropriação e objetivação em relação à natureza e ao
mundo cultural produzido pelos indivíduos reais. Ao compreender
192

a sociedade em que vive, o aluno poderá ter consciência da sua


situação na sociedade. (Basso, 2001, p. 43)

Nessa tendência, entender a sociedade burguesa como his-


tórica é o caminho para compreender as sociedades anteriores,
o passado. (Idem)
Concepção da Área
Bittencourt (1994) afirma que a aproximação da História
com as demais Ciências Sociais, em especial com a Antroplogia e
a Etnologia, tem sido estimulante e enriquecedora, notadamente
no decorrer do processo da luta anticolonial promovida por vários
povos colonizados pelos europeus após a Segunda Guerra Mundial.
Isso colocou o problema da própria concepção de História como
uma área de conhecimento que abrangia unicamente determinados
povos detentores de cultura escrita. (p. 107).

A luta dos povos dominados por se fazerem reconhecer como


sociedades portadoras de uma história própria, voltando a ter
posse sobre si mesmas, obrigou a uma revisão dos limites que
uma concepção europeizante impunha ao próprio avanço do
conhecimento histórico das sociedades. (Idem.)

Assim, pesquisadores, historiadores, etnólogos e antropólogos


passaram a se defrontar não mais com povos “primitivos”, arcai-
cos, de um passado distante, em estado sempre “tradicional”, mas
sim com grupos sociais contemporâneos, vivenciando intensos
momentos de conflito, com problemas atuais de acesso à saúde, à
educação, à terra, etc. lutando por direitos sociais e se organizando.
Isso trouxe, segundo Bittencourt (1994), novos enfrenta-
mentos diante de fontes de investigação que não mais recorriam
193

apenas ao registro escrito, mas devendo-se considerar as tradições


orais e a memória como fontes privilegiadas de pesquisa para
estas sociedades.
Davies (2001) aponta alguns princípios que devem guiar a
seleção, organização e tratamento dos conteúdos no Ensino de
História e indica que eles devem guardar coerência com a con-
cepção de História adotada no currículo: a) Os diversos elementos
(social, econômico, político, ideológico, etc) de um fato, processo,
estrutura, conjuntura devem ser caracterizados e hierarquizados.
Segundo ele, o materialismo histórico é uma teoria que dá conta da
complexidade do processo histórico, pois privilegia a produção ma-
terial da existência humana e os conflitos em torno da apropriação
da riqueza social pelos diferentes grupos sociais; b) Os conteúdos
devem procurar integrar fatos de curta, media e longa duração
ou combinar a dimensão estrutural, conjuntural e episódica dos
fatos históricos; c) relacionar o particular com o geral; d) aliar a
dimensão objetiva à subjetiva do processo histórico (pp. 81-84)

Conceitos Unificadores
Segundo Bittencourt (1994), há algumas noções básicas no
ensino de História, que devem ser consideradas em suas dimensões
mais amplas e perpassar os vários temas, enfoques e abordagens
históricos, como: Tempo e Espaço; e Identidade e Diferença – que
aqui chamamos de Conceitos Unificadores ou Integradores e in-
cluímos Temporalidades; Relações de Trabalho, Poder e Cultura
e finalmente, Memória.

I) Tempo e Espaço
A noção de tempo, base do ensino de História e que segundo
Bittencourt (1994), não pode ser concebida separadamente da noção
de Espaço, tem que ser enfrentada em toda a sua complexidade, pois
194

a concepção de tempo disseminada histórica e hegemônicamente


no ensino tem se baseado na noção de tempo cronológico, numa
visão evolutiva sob paradigmas positivistas. É um tempo histórico
homogêneo, determinado pelo eurocentrismo e sua lógica de pe-
riodização baseada no sujeito histórico Estado-nação. (Bittencourt,
1997, p. 23) Entretanto, as tendências pedagógicas progressistas de
base sócio-histórica e crítico-social tem introduzido mais recen-
temente as noções de temporalidades – que indicam, conforme
Bittencourt (1994), a relação entre tempo vivido individualmente
e o tempo social inserido em durações diversas, como: tempo de
permanências e de mudanças, os acontecimentos do dia-a-dia e
acontecimentos conjunturais e estruturais.
O procedimento metodológico ligado à categoria histórica
tempo foi construído historicamente e modificou-se de acordo
com o surgimento e a transformação das sociedades. A orienta-
ção do sentido da experiência do tempo, ou seja, como os sujeitos
percebem seu passado por meio do significado que estabelecem
com o mesmo, articula-se com a sua consciência histórica.
A articulação entre as dimensões temporais se expressa nas
relações detemporalidade, tais como: processos, mudanças, rup-
turas, permanências, simultaneidades, transformações, descon-
tinuidades, deslocamentos e recorrências. (SEED-PR, 2008)
Essas temporalidades podem ser periodizadas, o que consiste em
classificar arbitrariamente a sucessão ou as rupturas entre processos
e acontecimentos criados pelas diferentes sociedades históricas.

II) Temporalidades: Acontecimento, Conjuntura e Estrutura


A idéia de processo, que busca captar o movimento da história
é, segundo Davies (2001), incompreensível sem o domínio dos dife-
rentes níveis de temporalidade, pois um episódio (Acontecimento)
só pode ser planamente elucidado dentro de uma conjuntura, a
195

qual, por sua vez, remete aos movimentos mais lentos da história,
à estrutura. (p. 83).
Há que se tomar cuidado em não se reduzir o episódio ao
conjuntural e este ao estrutural. O episódio tem sua particula-
ridade, sua singularidade, porém não se resume a ela, trazendo
também indiretamente, as dimensões conjuntural e estrutural.
Davies (2001) aponta que aqui reside uma das maiores dificuldades
no tratamento dos conteúdos de História: como compatibilizar o
episódio com a conjuntura e a estrutura sem diluir qualquer uma
destas temporalidades? E afirma:

Não podemos retroceder à História episódica, tão comum nos


livros didáticos de pouco tempo atrás, mas também não deve-
mos reduzir a História a movimentos estruturais, na obsessão
de ressaltar apenas as linhas gerais do processo histórico. […] é
pelo movimento do episódico para o conjuntural e o estrutu-
ral, capacitar o aluno a se mover do particular para o geral, em
suma, a desenvolver a sua abstração, um dos objetivos maiores
do ensino. (p. 84)

O desenvolvimento da abstração no campo do conhecimento


histórico é fundamental para a formação política do aluno, pois
na compreensão da relação existente entre o particular e o geral,
desenvolve-se um maior entendimento da realidade, guiando
assim a intervenção sobre ela, para modificá-la.

III) Relações de Trabalho: Classe Social e Luta de Classes;
Relações de Poder: Mudança Social e Relações de Cultura:
Identidade e Diferença
O documento Diretrizes Curriculares de História da SEED-PR
(2008) aponta como “conteúdos estruturantes”: Relações de Tra-
196

balho, Relações de Poder e Relações de Cultura, numa tentativa


de superar a racionalidade linear e temática que predominava
nas propostas curriculares. Estes “conteúdos estruturantes” são
equivalentes ao que aqui chamamos de conceitos integradores ou
unificadores. Dentro deste bloco localizamos os seguintes conceitos
integradores de segunda ordem: Classe Social e Luta de Classes;
Mudança Social; Identidade e Diferença.
Pelo trabalho expressam-se as relações que os seres huma-
nos estabelecem entre si e com a natureza, seja no que se refere à
produção material como à produção simbólica.
As relações de trabalho permitem diversas formas de orga-
nização social. No mundo capitalista, o trabalho assumiu histo-
ricamente um estatuto muito específico, qual seja, do emprego
assalariado (SEED-PR, 2008).
Assim, Classe Social e Luta de Classes são conceitos integra-
dores derivados de Relações de Poder, que chamamos de conceitos
de segunda ordem, expressos no Mapa Conceitual abaixo.
Segundo Bobbio, pode-se definir poder como: “a capacidade
ou possibilidade de agir ou de produzir efeitos” e “pode ser referida
a indivíduos e a grupos humanos” (Bobbio In: Bobbio et. al., 2000,
p. 993). O poder não apresenta forma de coisa ou de objeto, mas se
manifesta como relações sociais e ideológicas estabelecidas entre
aquele que exerce e aquele que se submete; portanto, de poder.
Entender que as relações de poder são exercidas nas diversas
instâncias sócio-históricas como o mundo do trabalho, as políticas
públicas e as diversas instituições, permite ao aluno perceber que
tais relações estão em seu cotidiano. Assim ele poderá identificar
onde estão os espaços decisórios, porque determinada decisão foi
tomada; de que forma foi executada ou implementada, e como,
quando e onde reagir a ela. (SEED-PR, 2008)
No tocante ao conceito Relações de Cultura, entende-se a
197

cultura como aquela que permite conhecer os conjuntos de sig-


nificados que os homens conferiram à sua realidade para explicar
o mundo. (Idem)
O conceito de cultura é polissêmico, tal a quantidade de con-
tribuições e reinterpretações articuladas com as ciências sociais,
ao longo dos séculos XIX e XX, as quais ampliaram e permitiram
mudar um campo que se preocupava de modo exclusivo com a
cultura das elites.
Ainda conforme a SEED-PR (2008), com as mudanças ocorri-
das nos últimos trinta anos, os modelos de explicação do passado
têm sido questionados. Essa crise dos paradigmas explicativos
ocasionou rupturas profundas na História e permitiu a inclusão
de diferentes propostas e abordagens que incluíam a cultura como
ponto de partida para a análise histórica.
Entretanto, as sociedades contemporâneas não são tão dife-
rentes em sua organização político-econômica, pois são poucas
as que destoam do padrão cultural próprio do capitalismo con-
temporâneo. Em outras palavras, as classes dominadas existem
numa relação de poder com as classes dominantes, de tal modo
que ambas partilham um processo social comum. Portanto, com-
partilham de uma experiência histórica comum, produto dessa
história coletiva. No entanto, os benefícios produzidos por esta
sociedade e seu controle se repartem desigualmente (SEED-PR, 2008)

IV) Memória: Narrativa Histórica e Consciência Histórica


Memória é um conceito integrador muito caro às popula-
ções tradicionais, pois suas tradições culturais, sua produção e
transmisão de conhecimentos é baseada na oralidade, o que faz
da memória um instrumento privilegiado para sua compreensão
e representação do mundo. Segundo Bittencourt (1994), a identi-
dade histórica de grupos sociais tradicionais, como os indígenas,
por exemplo, tem sido preservada com registros orais, sendo o
198

componente linguístico fundamental para a transmissão de um


passado, de uma forma de pensar o tempo, as raízes culturais,
suas origens, as visões de mundo e das relações sociais (p. 113).
Através da memória produz-se a narrativa histórica, que
para autores como Rüsen (2012), constitui-se como a forma e a
função da aprendizagem histórica, pois a capacidade de contar
histórias é uma conquista cultural vital que demonstra o domínio
da humanidade sobre o tempo passado, presente e futuro. É a
criação de significados e experiências temporais que caracterizam
a espécie humana.
Para Schmidt (2017):

Esses princípios levam à especificidade da narrativa histórica e


da história como um conteúdo específico do pensamento, que é
formado pelas três qualidades simbólicas da experiência temporal:
a memória, a continuidade e a intencionalidade. Assim, torna-se
compreensível que a aprendizagem histórica precisa reconhecer
a consciência histórica como um processo, além de vê-la no seu
próprio conteúdo. (p. 66)

Assim, através da narrativa histórica, possibilitada pela me-


mória, é que se constrói consciência histórica, que é um processo,
e um dos objetivos do ensino de História.

199
Quadro 4: Mapa Conceitual dos Conceitos Unificadores de História

Fato histórico

Sujeito histórico
Memória
Tempo histórico
Narrativa histórica

Tempo Espaço Consciência histórica

Temporalidades

Acontecimentos Conjuntura Estrutura

Relações Relações Relações


de trabalho de poder de cultura

Classe social Mudança Identidade


social
Luta de Diferença
classes
200

Fonte: Relatório do Grupo de Pesquisa: “Espaços Educativos e Diversidade Cultural”.


3.2.1.7- Geografia26

A Geografia no Brasil é uma disciplina que esteve presente


nos currículos escolares desde o século XIX e permanece até hoje,
depois de sucessivas renovações. Até os anos 1920, a disciplina era
baseada na mera descrição e memorização como a enumeração
de nomes de rios, serras, montanhas, capitais, cidades etc. A
memorização pura e simples consistia no referencial básico para
que o estudante garantisse suas notas nas provas. Além disso,
os professores não eram formados na universidade, ou seja, não
existia no Brasil o professor licenciado em Geografia.
A modernização da Geografia nas salas de aula ocorreu nos
anos 1920 e 1930. A reforma Luís Alves-Rocha Vaz (1925) buscou
unificar o currículo nacional a partir da adoção obrigatória do
modelo do Colégio Pedro II (CPII), situado no Rio de Janeiro, então
capital federal. No CPII, a Geografia fazia parte do currículo e o
eminente professor Delgado de Carvalho lançava as primeiras
tentativas de formalização de uma geografia escolar moderna.
O ensino da Geografia no currículo escolar antecedeu a
organização da universidade brasileira, que ocorreu a partir dos
anos 1930. A chegada da geografia à universidade impulsionou
um novo momento, em que a influência da geografia moderna
europeia, principalmente francesa, se fez presente. O estudante
era formado e habilitado para lecionar Geografia e História, duas
201

disciplinas que permaneceram muito associadas nesses primeiros


tempos. Paralelamente, na mesma década, era fundado o IBGE,
que passou a consolidar o conhecimento sobre o território e a po-

26 Texto do Prof. Lício Monteiro (IEAR/UFF), com contribuições de Rodrigo Cascabulho (Bolsista
PROEXT – Licenciatura Geografia).
pulação através de trabalhos de campo, levantamentos estatísticos
e produção cartográfica que vieram a incrementar os conteúdos
escolares, muitas vezes com cursos promovidos pelo próprio IBGE
para professores. Por fim, em 1934 foi fundada a Associação dos
Geógrafos Brasileiros (AGB), que vem a completar a instituciona-
lidade adquirida pela Geografia nos anos 1930.
A Geografia brasileira acompanhou a partir de então os
desdobramentos da Geografia nos centros tradicionais da difusão
acadêmica, como a França, a Alemanha, a Inglaterra e os EUA, mas
com as peculiaridades próprias ao panorama intelectual nacional. A
evolução da geografia acadêmica seguiu as demandas de formação
de professores para as escolas, dentro de um sistema de ensino que
se nacionalizou a partir dos anos 1930, num país extremamente
diverso e que se pretendia unificado e coeso, com uma demanda
enorme de crianças e jovens pela entrada nos diferentes níveis de
ensino, o que se cumpriu em ritmo bem lento ao longo do século
XX. Outra importante aplicação do conhecimento geográfico foi
no planejamento e na gestão estatal, nos quais o saber técnico
dos geógrafos contribuíram para o reconhecimento, a produção
e a reprodução de uma imagem do país, de seu território e de sua
natureza. Entre os anos 1930 e os anos 1970, a visão predominante
dentro da geografia foi marcada pela construção dos quadros
regionais estabelecidos pelas características da geografia física
de cada região e lugar, identificada pelas paisagens e pelas classi-
202

ficações das áreas naturais e humanas.


Epistemologia
A história do pensamento geográfico tem buscado transitar
de uma narrativa evolutiva, baseada na sucessão de nomes, ten-
dências e “escolas nacionais” que se excluem e competem entre si,
para um estudo que reconhece os contextos internos e externos ao
desenvolvimento da ciência geográfica, o papel das instituições e
as estratégias de validação e reconhecimento do que é Geografia
e como deve ser praticada.
Na história mais conhecida da Geografia, os primeiros tem-
pos da Geografia moderna, na segunda metade do século XIX,
opunham o determinismo geográfico, associado à chamada Escola
Alemã, tendo Ratzel como expoente, ao possibilismo da Escola
Francesa, capitaneada por Paul Vidal de la Blache. A questão a
ser respondida era sobre as influências que a natureza exercia
sobre o homem e como elas configuravam as diferentes porções
da superfície terrestre. As recentes revisões históricas buscaram
superar essa narrativa dicotômica da geografia moderna.
Independentemente das diferentes matrizes teóricas, é possível
registrar que a geografia até a metade do século XX manteve um
destaque predominante para a geografia regional, de base descri-
tiva, com ênfase nos quadros naturais e uma geografia humana
marcada pelos condicionamentos dos aspectos físicos. O efeito
dessa abordagem na geografia escolar foi marcante, tendo sobre-
vivido nas escolas mesmo com as renovações teóricas posteriores
203

no âmbito da geografia universitária.


Três grandes renovações podem ser identificadas na segunda
metade do século XX: a geografia teorética-quantitativa, a geografia
crítica ou radical e a geografia humanista.
A Geografia Teorética-Quantitativa surge num contexto em
que as visões sistêmicas, o uso de modelos e a submissão à lógica
matemática passam a afetar as ciências de um modo geral a partir
dos anos 1950 (Gomes, 1996, p. 254). A renovação metodológica
que advém desse movimento será rotulada de New Geography,
confrontando as tradições geográficas e associando a geografia às
teorias analíticas com modelos matemáticos para orientar deci-
sões, prever fenômenos e conferir um acréscimo de objetividade
ao conhecimento geográfico.
A Geografia Crítica se alimentou principalmente da influência
marxista, num contexto marcado pelas lutas anticoloniais, mo-
vimentos revolucionários e contestações sociais que marcaram o
ambiente acadêmico e cultural nos anos 1960. A crítica se dirigia
tanto à geografia tradicional quanto à geografia quantitativa, com
seus modelos que diluíam as diferenças sociais entre as classes
sociais. Alguns como Yves Lacoste, passaram a demonstrar como
a geografia serviu ao poder do Estado e das grandes potências nas
guerras e nas conquistas coloniais. Outros enfocaram a produ-
ção e a reprodução do espaço, aplicando os conceitos marxistas
de análise da realidade social para compreenderem o papel do
espaço na sociedade capitalista. Em ambos os casos, os geógrafos
buscaram se envolver de forma ativa nas transformações sociais,
estimuladas por movimentos políticos urbanos, de libertação
nacional e de reformas sociais de um modo geral.
A Geografia Humanista, por sua vez, teve como principal en-
foque os aspectos subjetivos da relação entre os homens e o espaço,
a dimensão simbólica dos fatos sociais, aproximando a geografia
204

da fenomenologia. Os métodos de pesquisa passam a incorporar


abordagens mais interpretativas do que objetivas, a valorização
das identidades e espaços vividos e diferentes subjetividades na
produção do conhecimento.
Tendências pedagógicas
Conhecer as tendências pedagógicas de uma área tem grande
importância para formar um docente mais consciente de suas
práticas e mais atuante no processo de aproximação da comuni-
dade para o ambiente escolar. Na geografia brasileira, podemos
distinguir, de forma resumida, uma tendência tradicional, uma
tendência crítica e uma diversidade contemporânea de tendências.
A tendência tradicional é baseada na descrição, na memori-
zação e numa construção sucessiva do conhecimento que vai do
quadro natural ao humano/cultural e econômico. Essa geografia
se apresentava de modo fragmentado, cobrindo as diferentes
regiões do planeta que se somavam em capítulos exaustivos so-
bre as características físicas e os atributos culturais típicos que
reforçavam uma visão homogênea e estática da região em face
da totalidade mundial.
A tendência crítica, a partir dos anos 1980, passou a discutir
o caráter político e ideológico da pratica pedagógica e desenvolver
uma visão crítica do aluno para compreender o mundo e pensar
as futuras soluções. A geografia crítica questionou frontalmente
a versão tradicional da geografia que se ensinava nas escolas, que
contornava as desigualdades e os conflitos sociais. Num contexto
de redemocratização e retomada das lutas sociais, a geografia
crítica ganhou espaço nas escolas, renovando a maneira de dar
aula de geografia.
205

Por fim, a diversidade contemporânea de tendências é mar-


cada por uma crítica tanto à geografia tradicional quanto às insu-
ficiências metodológicas da geografia crítica, que trouxe conteúdos
renovados, mas manteve práticas pedagógicas pouco inovadoras. As
pesquisas no âmbito do ensino de Geografia têm estimulado uma
maior diversidade de enfoques, que são trazidos para a formação
dos professores nas licenciaturas e para os currículos escolares.
Conceitos integradores
Nos tempos atuais, qualquer aluno recém-formado de Geogra-
fia responderia que as principais conceitos são: espaço, território,
região, paisagem e lugar. Essa é uma convenção tácita entre os
geógrafos, sendo difícil identificar as origens ou os autores em
torno dos quais essa construção se deu. Alguns expandem um
pouco mais a lista, acrescentando conceitos como rede e escala,
outros trazem o conceito de ambiente ou meio ambiente. Seria
impossível encontrar uma lista definitiva, mas podemos mapear
algumas das principais referências da Geografia brasileira mais
recente para observar como são colocados esses conceitos-chave.
Na década de 1990, dois importantes livros se destacaram
com essa proposta de cobrir o amplo espectro conceitual da Geo-
grafia. Milton Santos lançou o importante A Natureza do Espaço
(1996), que tomava o espaço como principal conceito estruturante
do pensamento geográfico, mas o explorava em relação a outros
como paisagem, tempo, técnica, totalidade, redes, meio e lugar.
Já Iná Castro, Roberto Correa e Paulo Cesar Gomes organiza-
ram a coletânea Geografia: Conceitos e Temas (1996), que também
ganhou bastante repercussão, enfocando os conceitos de espaço,
território, região, desterritorialização e redes. Nos anos mais
recentes, dois autores propuseram uma atualização do conjunto
de conceitos da Geografia. Marcelo Lopes de Souza trouxe Os
Conceitos Fundamentais da Pesquisa Sócio-espacial (2013), agre-
206

gando além dos cinco conceitos-chave alguns outros derivados


como práticas espaciais, desenvolvimento sócio-espacial, substrato
espacial material, organização espacial, produção do espaço, (des)
territorialização, (re[s])significação espacial, construção social
da escala e política de escalas, bairro e setor geográfico, além da
discussão sobre “termos nativos”. Já Rogério Haesbaert, em Viver
no Limite (2014), desenvolve o que ele chama de “constelação de
conceitos”. Além dos cinco, o autor traz espaço-tempo, regio-
nalização, zona, aglomerado, ambiente, des-re-territorialização.
Apesar das diferenças é possível notar que não há grandes
divergências na escolha do vocabulário conceitual comum aos
geógrafos. Cada um dos conceitos e as relações entre eles podem
trazer discussões e polêmicas que se desdobram nos livros e textos
dos geógrafos com diferentes enfoques e filiações teóricas. Aqui
buscamos apresentar as definições conceituais mais aceitas e,
quando possível, identificar as principais polêmicas na discussão
de cada conceito.
• Espaço: categoria que ultrapassa a geografia, um conceito
mais abrangente do qual derivam os demais conceitos geográfi-
cos e com o qual eles se relacionam. O espaço para os geógrafos
corresponde à materialidade da extensão e das formas espaciais
que se articula com a trama espacial das relações sociais. Essa
dialética entre sociedade e espaço se expressa na síntese propos-
ta por Milton Santos: “o espaço é um conjunto indissociado de
sistemas de objetos e sistemas de ações”.
• Lugar: num sentido banal, lugar se refere a uma escala
bastante aproximada de apreensão do espaço, um recorte espacial
sem uma abrangência definida. Uma localização pontual num
mapa é um lugar, considerado enquanto espaço absoluto. Mas
cada lugar, ao estabelecer relação com outros, passa a ser definido
não somente por aquilo que está nele contido, mas pela posição
207

geográfica que lhe corresponde. Por fim, cada lugar expressa


um sentido que resulta dos vínculos simbólicos e afetivos que se
estabelecem entre as pessoas e o lugar. Numa versão humanista,
o lugar remete à nostalgia e à autenticidade, às relações afetivas e
duradouras. Já Doreen Massey enfatiza o senso global de lugar,
os encontros e confluências múltiplas que configuram os lugares.
• Paisagem: é a representação visível de aspectos do espaço
geográfico. Está relacionada a tudo que os sentidos humanos
podem perceber e apreender da realidade de determinado espaço
geográfico ou parte dele. Está diretamente relacionado à sensi-
bilidade humana. A dimensão material e sensível da paisagem é
analisada a partir das formas que a compõem, sejam elas naturais
ou artificiais. Mas o conceito de paisagem pode ser abordado tam-
bém através dos processos de transformação da paisagem, pelas
dinâmicas da natureza, pelas técnicas e pelo trabalho humano.
Por fim, um aspecto fundamental é a dimensão simbólica da
paisagem e a compreensão dos significados.
• Região: é a divisão de um espaço em áreas menores, que
apresentam internamente características semelhantes, de acordo
com variados critérios. O conceito de região já foi considerado
central na geografia. Num primeiro momento, a geografia se apro-
pria da região natural, utilizada pelos geólogos, para estabelecer
a região geográfica como conceito chave da geografia. A região
geográfica, na versão lablacheana, pressupunha o resultado sinté-
tico das interferências mútuas entre ação humana e da natureza.
Hartshorne (1997), por sua vez, dá destaque à diferenciação em
relação à visão tradicional lablacheana, enfatizando a região como
resultado de uma construção intelectual, que poderia variar con-
forme os objetivos do pesquisador (Haesbaert, 1999) mais do que
uma realidade reconehcida por sua personalidade. Sua ênfase no
208

“caráter singular e localização única” foi objeto da crítica de que


sem teoria nem método todos os fenômenos pareceriam únicos e
o máximo a se fazer era a descrição. A geografia quantitativa traz
a regionalização como uma técnica da geografia, concepção que
ganhou importância no planejamento regional e nas teorias de
desenvolvimento regional que ganham impulso a partir dos anos
1960. Os métodos quantitativos e modelos abstratos auxiliavam
a representação espacial de regiões homogêneas e funcionais (ou
polarizadas), produzidas pelas forças de mercado ou pela ação
planificadora do Estado. No entanto, neutralidade das técnicas
de regionalização almejada pelos quantitativistas não demorou
também a ser questionada pela geografia crítica. As desigualdades
regionais passam a ser vistas como resultado de uma divisão espa-
cial do trabalho (Doreen Massey). Lacoste, por sua vez, considera a
região um conceito-obstáculo por escamotear os conflitos espaciais.
• Território: o conceito de território tem sido intensamente
explorado na geografia brasileira, num debate que ganha um
interesse difuso em diversos campos profissionais e áreas de
conhecimento. A abordagem contemporânea mais utilizada é a
que condena o caráter exclusivamente estatal ou administrativo
do conceito de território para pensá-lo como dimensão espacial
das relações de poder. Marcelo Lopes de Souza traz uma definição
concisa de território como “um espaço definido e delimitado por
e a partir de relações de poder”. O autor atribui à tradicional geo-
grafia política uma definição de território como “espaço concreto
em si” apropriado por um grupo social. Essa definição aponta a
necessidade de ultrapassar o limite conceitual que remete território
ao território estatal. O território “não precisa e nem deve ser redu-
zido a essa escala ou à associação com a figura do Estado” (Souza,
1996). Retirar o conceito de território desse enquadramento estatal
abre caminhos para pensar outras escalas e durações.
209

• Escala: a escala cartográfica é um recurso matemático para


representação dos espaços e objetos num mapa, de modo a manter
a proporção adequada entre os fenômenos representados. Mas a
escala geográfica corresponde a uma estratégia de apreensão da
realidade (Castro, 1996), que não se esgota somente na relação
cartográfica. A escala do fenômeno corresponde sua abrangência
física no mundo real, independentemente da representação. A
escala de análise é definida pela abrangência do foco dado pelo
pesquisador ou pelo professor no estudo ou na explicação de um
fenômeno. A escala de ação, por sua vez, é a abrangência da prá-
tica dos atores sociais, o raio de atuação, que pode transcender a
esfera local através de conexões em rede que deslocam conflitos e
cooperação para escalas mais amplas, nacionais e internacionais.
• Rede: é um conceito-chave para a compreensão dos fenô-
menos da globalização, pois qualifica o processo de superação
das distâncias físicas e aproximação virtual de lugares distantes.
As redes têm sido uma forma privilegiada de representar o mo-
vimento e a circulação no mundo contemporâneo, considerando
os fluxos de pessoas, mercadorias, informação e dinheiro (Dias,
2005) As redes são identificadas a partir de sua realidade material,
correspondente à infra-estrutura onde circulam matéria, ener-
gia e informação, e seu dado social, considerando aí as pessoas,
mensagens e valores (Santos, 2000). Castells chega a caracterizar
as redes como o aspecto fundamental da sociedade atual – uma
sociedade de redes. Segundo o autor, os fluxos “não representam
apenas um elemento da organização social: são a expressão dos
processos que dominam nossa vida econômica, política e simbó-
lica (1999, p. 436).

Dentro desse estudo sobre uma nova “Visão de Área”, os


professores realizam estudos sobre os Princípios da Educação
210

Diferenciada a partir de leituras das Diretrizes Curriculares para


Educação Indígena, Diretrizes Curriculares para Educação Prin-
cípios do Campo e Diretrizes Curriculares para Educação Escolar
Quilombola, pois o currículo diferenciado está garantido por lei.
Tais princípios já foram aqui descritos anteriormente no Capítulo 2.
3.3- III Etapa – Elaboração de um Diagnóstico
Sociocultural

Nesta etapa os professores das escolas juntamente com os


professores do IEAR/UFF e bolsistas elaboram um diagnóstico
social a partir de duas ferramentas: o questionário aplicado aos
alunos e a FOFA (Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas e Ame-
aças), uma técnica de diagnóstico participativo, da comunidade
e da escola, realizado com os pais. Em algumas comunidades
indígenas, acrescentamos a Cartografia Social como ferramenta
de diagnóstico sociocultural também. Esta etapa tem o objetivo de
conhecer a realidade dos educandos, o contexto em que a escola
está inserida, além dos dados obtidos servirem como ferramenta
para as próximas etapas da construção curricular.
O questionário possui perguntas sobre: dados pessoais, dados
materiais, visão de futuro, trabalho, lazer e cultura. Os dados ob-
tidos serão utilizados para a elaboração da Rede Temática, que é a
próxima etapa. Abaixo (Quadro 5), segue um exemplo de um bloco
do questionário aplicado para os alunos das Escolas Indígenas.

211
Quadro 5 – Exemplo de um bloco do questionário

13) Quais são os jogos e brincadeiras tradicionais que você pratica?


Bracuhy Paraty
Mandi’o 10 7 Não pratica
Corrida de tora
Cabo de guerra 9 1
Brincadeira de fruta
Pular corda 2 Tangara
Guyrapa 1 1 Xondaro
Guyrapa
Xondaro 3 1
Pular corda
Tangara 1 3 Cabo de guerra
Brincadeira de fruta 1 Mandi’o
0 2 4 6 8 10 12
Corrida de tora 1
Não pratica 5 1 Paraty Bracuhy

14) Quais são os jogos e brincadeiras juriá que você mais pratica?
Bracuhy Paraty
Futebol 18 11 Corrida
Esconde-esconde
Quemada 5 2
Pique pega
Basquete 2 Handball
Vôlei 3 Vídeo game
Vôlei
Vídeo game 2 1
Basquete
Handball 1 Queimado
Pique pega 1 Futebol
0 5 10 15 20
Esconde-esconde 1
Corrida 1 Paraty Bracuhy

Fonte: Relatório da Formação Continuada de Profs. do 6º ao 9º ano Guarani. (2016)


212
Na escola indígena, os professores aplicaram o questionário
para os alunos, os entrevistando, com a presença de um Guarani
traduzindo para a língua materna indígena. Nas escolas caiçaras
os professores também entrevistaram os alunos.
Após todos os alunos responderem o questionário, as respostas
foram tabuladas e transformadas em gráficos para a elaboração
da Rede Temática, que será descrita na próxima etapa.
Outro exemplo na Educação Escolar Quilombola27:
“Na experiência com as Escolas dos Quilombos nesta etapa do
projeto as atividades se dividiram em dois âmbitos: nas oficinas de
formação que envolveram o “Estudo das Leis, Diretrizes e Bases
da Educação Escolar Quilombola”; e na “Pesquisa e Elaboração de
Diagnóstico Sociocultural” das escolas localizadas nos Quilombos
do Campinho e do Cabral através da aplicação de questionários
junto aos alunos e a realização da técnica de diagnóstico partici-
pativo, chamada de “FOFA”28 junto a comunidade escolar.
Referente ao “Estudo das Diretrizes Curriculares Nacionais
para uma Educação Escolar Quilombola”, foram realizadas três
oficinas com professores e comunidade: I) “Construindo a Linha
do Tempo da Comunidade”; II) “Cartografia Social da Escola e do
Quilombo”; III) e, “Leis e Diretrizes para uma Educação Escolar
Quilombola”. O objetivo foi produzir conteúdos que pudessem
auxiliar na compreensão das realidades quilombolas, bem como,
criar instrumentos e parâmetros para a reorientação curricular
213

das escolas.

27 Texto dos professores Diogo M. Cirqueira (IEAR/UFF) e Ediléia Carvalho (PUC-RJ) com Rafael Atalah
(Bolsista de Extensão PROEX) e Pedro Neves (Bolsista de Extensão PROEXT)
28 FOFA – Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças. Técnica de diagnóstico participativo
popular, muito difundida na Educação Popular, na EJA e em projetos sociais que demandam
Planejamento Estratégico.
Nas duas primeiras oficinas, buscou-se compreender e discutir
a história e o território dos quilombos do Campinho e do Cabral.
No primeiro encontro foram realizadas reflexões sobre as ideias de
tempo e história como construções humanas e instâncias passíveis
de transformação e ressignificação. Nesse sentido, as histórias dos
quilombos não estão prontas e acabadas, além disso, qualquer
modificação subjetiva no presente altera a forma de se conceber
e significar o passado dessas comunidades. Como produto dessa
oficina, foram construídas linhas do tempo que articulavam a
história dos quilombos do Campinho e do Cabral com as histórias
municipal, estadual e nacional. O objetivo foi demonstrar que a
história das comunidades estava ligada (afetando e sendo afetada)
a outras escalas da produção histórica.
214
Quadro 6: Linha do Tempo das Escolas dos Quilombos

História do · Diretas já · Primeiros Povoados · Instituição dos · Ditadura


Brasil · Olimpíadas · Chegada dos Europeus quilombos: Palmares · Golpe
· Copa do · Chegada dos Africanos · Lutas/Insurreição
Mundo · Brasil · “Lei áurea”
· Colônia · Proclamação da
· Império República
· Velha República · Diretas já
· Era Vargas · Eleições diretas
· Ditadura
· Nova República

História de · Flip · Terra da Capitania · Paraty Mirim · Doação de terras


Paraty · Paraty-Cunha hereditária · Vila de Paraty, Forte indígenas (Mª
· Dona Maria J. Melo Defensor Jacome de Mello)
· Extinção dos índios · Caminho do ouro/ouro · Abertura do
· Interpostos negro Caminho do Ouro
· Trilha do ouro · Ciclo da cana de · Fim da Escravidão
açucar/café (fazenda) · Novo caminho para
· Cachaça Minas Gerais
· Centro Histórico · Abertura da
Rio-Santos
· Tombamento do
Centro Histórico

História do · Reforma da · Parte da Fazenda · As três mulheres · Abertura da


Campinho/ Escola Independência · Constituição do Rio-Santos (1970)
Cabral · Título · Abertura da BR-101 quilombo · Titulação do
quilombola · Resistência e luta pela · Luta pela terra (1970) Campinho
titulação da terra · Chegada da Rio-Santos
· AMOC · A eletrificação
· Projeto de · As mudanças
agroreflorestamento · Processo de luta
· Turismo/Trilha/ contínua
Restaurante · A criação da AMOC
· A titulação do quilombo
· 1º Encontro da
Cultura Negra
· Os primeiros projetos
(primeiro emprego,
turismo étnico e ponto
de cultura)
· Restaurante do
Quilombo
· Viveiro agroflorestal
· Casa do artesanato
· AMOQ
· Posto de saúde tia
215

Bernada

História da · Reforma da · Tio Leandro como · Necessidade de · Formação educação


Escola escola professor em casa alfabetização/ escolar diferenciada
· Valorização (1970) letramento
da merenda · Profª Dona Irene em · Doação do espaço
escolar Pedra Azuis em casa pelo Domingos para
· Flexibilidade (1970) construir a escola
do currículo · Construção do Grupo · Chegada de Dona Irene
escolar Escolar (1980) e a primeira professora
· Luta pela melhoria da da escola
escola (2016) · Escola como Centro de
· Implementação da Referência para
escola quilombola reuniões da
(2017) comunidade


Fonte: Relatório de Formação Continuada de Profs. do 1º ao 5º ano Quilombola. 2018
No segundo encontro foi realizado uma Oficina de Carto-
grafia Social com professores e comunidade escolar. Tal oficina
primeiramente buscou constatar os aspectos estruturais e simbó-
licos do território: os lugares importantes, os núcleos, os locais de
trabalho e lazer, os caminhos etc. Posteriormente foi mapeado as
localidades de residência dos alunos e a trajetória realizada por
eles até as escolas. Os produtos dessas oficinas foram: a confecção
de croquis dos territórios quilombolas e mapas com a localização
216


Croquis produzidos pelas professoras/es sobre as escolas nos territórios do Quilombo do
Cabral e do Campinho respectivamente. Registro: Cirqueira, D. M., 2017.

Na terceira oficina, após a consolidação do conhecimentos so-


217

bre a história e o território das comunidades, realizamos estudos


sobre as leis e diretrizes que institucionalizam a Educação Escolar
Quilombola. O foco foi dado às Diretrizes Curriculares Nacionais
da Educação Escolar Quilombola (2012), no entanto, nas discussões
pretendeu-se pensar o caráter conceitual e o caráter organizacional
das várias leis e diretrizes à luz dos contextos do Quilombo do Cam-
pinho e do Cabral. Os professores e comunidade foram incentivados
a pensar como as diretrizes e leis poderiam ser mobilizados e apli-
cados em cada contexto, bem como, quais seriam os obstáculos e as
formas de transpô-los. Concomitantemente às oficinas, foi realizado
um Diagnóstico Sociocultural das comunidades. Foram aplicados
questionários nas turmas de pré ao quinto ano na Escola M. do
Campinho da Independência e nas duas turmas multisseriadas
da Escola M. José de Melo (Quilombo do Cabral) num total de
150 questionários. A partir dos questionários buscou-se compor o
perfil do alunado nas escolas e vislumbrar suas concepções sobre
cultura quilombola, território, lazer e escolarização. Do mesmo
modo, com a realização da técnica de diagnóstico participativo
“FOFA” junto a comunidade escolar, foi-se levantando as “Forta-
lezas”, “Oportunidades”, “Fraquezas” e “Ameaças” em torno da
organização e do currículo das escolas. A dinâmica da técnica
“FOFA” nos apresentou os anseios e desejos da comunidade sobre
a escola, o que permitiu uma reflexão crítica sobre o passado e
o presente, bem como sobre um futuro possível para as escolas.
Ambos os processos – a aplicação de questionários e a realização
da “FOFA” – geraram uma série de informações sobre a escola e
a comunidade escolar que nos subsidiarão na próxima etapa para
uma reorientação curricular da escola.”
218
Quadro: 7 – Exemplo de resultado da “FOFA” nas
Escolas dos Quilombos:
Escola M. do Quilombo do Campinho

Fortalezas
Professores eficientes/ Espaço muito rico para Muita famílias estão atentas
atenciosos aproveitar à educação em casa

Comunidade A história da cultura da Boa qualidade na merenda


escolar unida comunidade

Artesanato Aulas de reforço escolar Futebol na comunidade

Confiança na relação
Escola no território Participação dos pais mães/pais-professores

Luta da comunidade
Restaurante do quilombo Resistência da comunidade
pela escola

Oportunidades
Mai educação (capoeira
O TBC
e outro)

A discussão sobre o currículo Creche

Incentivo pela prática


Ter um bom PME
esportiva
Abertura da sala de estudo
Aulas de informática
dirigido (6º ao 9º)
Aulas de músicas de Educação de jovens e
instrumento adultos

Restaurante e viveiro Variedade de oficinas


219

Fraquezas
Ausência de 2º Não informação dos pais
Baixos salários
segmento sobre a sala de estudo dirigido
Não aceitar orientações Falta de discussão e socialização
Falta do EJA na escola
de professores do calendário escolar
Falta de equipe
A rodovia Evasão escolar no Campinho
multidisciplinar
Falta de uma Falta de mais inspetores
biblioteca de alunos
Ameaças
Mudanças de leis que, Turistas que querem morar na
imponham conteúdos polêmicos comunidade (sem ligação)

Falta de segurança na cidade Discriminação racial

Falta de acompanhamento
As drogas
no ônibus na BR
Sair da comunidade para Violência de facções nos
estudar na cidade bairros
Defasagem de
A rodovia
aprendizagem

Bullyng na escola Preconceito

Escola M. José de Melo (Quilombo do Cabral)

Fortalezas
Oferta de aula no turno Boa qualidade da merenda Atuação da madrinha da
da manhã escolar escola “Escola de comer”
Boa presença na Abertura da comunidade para Presença dos pais na escola,
reunião de pais ouvir a escola quando solicitados
Permanência do Bom vínculo com a
Boa frequência dos alunos
professor na escola merendeira
Existência de um posto Escola dentro da
de saúde na escola comunidade

Oportunidades
Realização de dois turnos Possibilidade de trabalhar na
na escola comunidade, no Alambique
220

Curso de observação de Possibilidade de ter uma caçamba


aves na escola de depósito de lixo
Projeto de oficinas na comunidade
Haver aulas de reforço escolar
no contra-turno
Possibilidade de aproveitar o turismo Permanência da madrinha
na comunidade através do Alambique na escola
Fraquezas
Os pais trabalham fora
Rodízio dos professores na escola
da comunidade

Falta de transporte escolar Falta de serviço telefônico

Influência negativa simbólica Falta de professores de área


do Alambique (Educação física) e recreadores
Falta de aula de reforço Falta de estrutura na captação da
escolar água da escola

Poucos horários de ônibus Falta de coleta de lixo

Ameaças

Funcionar dois turnos na escola Falta de manutenção da estrada

Vulnerabilidade das crianças (falta de Influência negativa simbólica


acompanhamento dos pais) no trajeto da escola do Alambique

Falta de água na escola Poucos horários de ônibus

Falta de respeito dos passageiros


Abandono escolar no 2º segmento
(estudantes) na BR

Queima de lixo Falta de serviço telefônico

Fonte: Relatório da Formação Continuada de Profs. do 1º ao 5º ano Quilombola. (2018)

221
3.4- IV Etapa – Elaboração da Rede Temática

As redes temáticas são elaboradas a partir do Diagnóstico


que apontou os temas diferentes ou semelhantes que deverão ser
apresentados ao longo do ano letivo. A rede temática é composta
por temas geradores de 1ª, 2ª ou de 3ª ordem.

A Rede Temática se mantém por uns dois anos, até que novo diag-
nóstico sócio cultural se imponha. Ao realizar novo Diagnóstico,
uma nova Rede será construída, servindo de base pra elaboração
de novos Projetos Pedagógicos/Pesquisas. (NOBRE, 2016b, p. 10)

No Quadro 8 temos como exemplo uma rede temática elaborada


a partir do Diagnóstico Sócio Cultural realizado nas escolas caiçaras.

Quadro 8 – Rede Temática Elaborada a partir do Diagnóstico Socio-


cultural
222

Fonte: Relatório da Formação Continuada de Profs. do 6º ao 9º ano das Escolas Caiça-


ras. (2016)
Os professores elaboraram a rede temática na formação con-
tinuada, procurando diferenças e semelhanças nos resultados
apontados; dessa forma foi criado um perfil da turma, a partir
destes resultados os professores tiveram o desafio de pensar em
Temas Geradores, na perspectiva de Paulo Freire, para a elabo-
ração da rede temática. Esta rede temática foi usada ao longo do
ano letivo de 2016.

3.5- V Etapa – Elaboração de Projetos Pedagógicos

A partir de um recorte da rede temática os professores ela-


boraram um projeto pedagógico (Hernández & Ventura, 1998);
esse recorte se chama bloco temático.
A pedagogia de projetos possibilita um currículo diferenciado
e significativo para o aluno na medida em que as atividades do
currículo são realizadas de forma globalizada, logo os projetos
podem superar as barreiras impostas pelas disciplinas. Os alunos
se tornam conscientes do seu processo de ensino e aprendizagem
diante dos conteúdos porque a participação deles na elaboração e
no desenvolvimento do projeto é fundamental. Permitindo que
os novos conhecimentos se relacionam com os conhecimentos
prévios que o educando possui. A partir dos projetos de trabalho,
os docentes podem pensar em uma outra postura frente à sua
prática pedagógica. A escola é um espaço privilegiado na troca
223

de conhecimentos por parte dos docentes e dos educandos, os


projetos pedagógicos possibilitam que essa troca seja significativa
para ambos, abrindo múltiplas possibilidades de aprendizagem.
[...] O que se coloca, portanto, não é a organização de projetos em
detrimento dos conteúdos das disciplinas, e, sim a construção de
uma prática pedagógica centrada na formação global dos alunos. O
desenvolvimento de projetos, com o objetivo de resolver questões
relevantes para o grupo, vai gerar necessidade de aprendizagem, e,
nesse processo, os alunos irão se defrontar com os conteúdos das
diversas disciplinas, entendidos como “instrumentos culturais”
valiosos para a compreensão da realidade e intervenção em sua
dinâmica. Com os projetos de trabalho, os alunos não entram
em contato com os conteúdos disciplinares a partir de conceitos
abstratos e de modo teórico, como, muitas vezes, tem acontecido
nas práticas escolares. Nessa mudança de perspectiva, os conteúdos
deixam de ser um fim em si mesmos e passam a ser meios para
ampliar a formação dos alunos e sua interação com a realidade,
de forma crítica e dinâmica. (LEITE, 1996, p. 4)

Abaixo temos um recorte da rede temática elaborada por pro-


fessores das Escolas Caiçaras. Podemos ver que os temas que apare-
cem na vida dos alunos são considerados e aparecem no currículo.

[...] este currículo baseado em Projetos Pedagógicos e Temas Gera-


dores, utiliza-se, para abertura das problemáticas (pesquisas) e das
práticas investigativas, o mapa conceitual, composto por uma Rede
Temática, que consiste em representações gráficas semelhantes
224

a diagramas, que indicam relações entre conceitos ligados por


palavras ou perguntas. Representam uma estrutura que vai desde
os conceitos mais abrangentes até os menos inclusivos. Assim, os
mapas conceituais são utilizados para auxiliar a ordenação e a
sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino, de forma
a oferecer estímulos adequados ao aluno. (NOBRE, 2016b, p. 9)
Nesta etapa, os professores escolhem quais temas da rede
devem ser abordados ao longo do bimestre, a partir do recorte,
como vemos no Quadro 9 a seguir:

Quadro 9 – Bloco Temático: Organização Social/Família

Fonte: Relatório da Formação Continuada de Profs. do 6º ao 9º ano das Escolas Caiçaras.

A partir deste recorte, é elaborada uma Matriz de Planeja-


mento, que será descrita na próxima etapa.
225

3.6- VI Etapa – Elaboração de uma Matriz de Planejamento


de Projetos Pedagógicos

Nesta etapa, os professores elaboram uma matriz de planeja-


mento de um projeto pedagógico, o projeto possibilita ao professor,
a partir dos temas geradores, pensar os tópicos de conhecimento e
os objetivos que serão trabalhados ao longo do bimestre, ou até o
projeto se esgotar. No Quadro 10 temos, como exemplo, o projeto
pedagógico elaborado a partir do bloco temático “organização
social e família”, das escolas caiçaras.

Quadro 10 – Matriz de Planejamento de Projeto Pedagógico

Eixos temáticos Objetivos Tópicos de


conhecimento

· Organização · Compreender os processos · Compreender os processos


social/família históricos de formação das históricos de formação das
famílias famílias
· União
· Discutir fatores que favorecem · Discutir fatores que favorecem
· Liberdade ou não a união entre as ou não a união entre as
famílias famílias
· Orientação/Valores
· Problematizar as questões · Problematizar as questões
· Drogas nas dimensões mprivadas, nas dimensões mprivadas,
individuais, subjetivas e nas individuais, subjetivas e nas
· Violência dimensões públicas sociais. dimensões públicas sociais.

· Identificar valores
· Identificar valores transmitidos transmitidos pela família e as
pela família e as influências influências contemporâneas
contemporâneas de sua de sua vivência
vivência
· Refletir criticamente sobre
· Refletir criticamente sobre os limites da liberdade a
os limites da liberdade a autonomia
autonomia

Fonte: Relatório da Formação Continuada de Profs. do 6º ao 9º ano das Escolas Caiça-


ras. (2016)

Os conteúdos programáticos, no currículo diferenciado, não


226

são centrais, eles são adicionados conforme a demanda do projeto.

Os conteúdos programáticos de cada área do conhecimento vão


sendo acionados na medida em que os projetos pedagógicos/
pesquisas demandam estudos interdisciplinares. Cada área/
disciplina então contribui com seus conceitos para o desenvol-
vimento do projeto em curso. O roteiro vai se renovando a cada
projeto pedagógico planejado. (NOBRE, 2016b, p. 10)

Quando os professores elaboram o projeto pedagógico, eles


sistematizam a experiência curricular, criam uma forma de “ín-
dice” (Hernandez, 1998) o que possibilita organizar e ter uma
visualização dos conteúdos que foram ou não trabalhados.

A sistematização é aquela interpretação crítica de uma ou várias


experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução,
descobre ou explicita a lógica do processo vivido, os fatores que
intervieram no dito processo, como se relacionaram entre si e
porque o fizeram desse modo. (HOLLIDAY, 2006, p. 24)

Ainda segundo Holliday (2006), a sistematização produz um


novo conhecimento na medida em que nos permite abstrair as
etapas de um processo e poder considerá-las dentro de um todo,
uma forma geral. A sistematização permite que nós objetivemos
o vivido.

Uma primeira afirmação elementar é que sempre sistematizamos


para algo. Não tem sentido sistematizar por sistematizar, só para
“fazer uma sistematização” e ponto. A sistematização é sempre
um meio em função de determinados objetivos que a orientam e
227

lhe dão sentido. Quer dizer, em função de uma utilidade concreta


que vamos lhe dar, em relação com as experiências que estamos
realizando. (Idem, p. 29)

Assim, como parte integrante da sistematização do projeto


nos encontros de formação continuada, os professores criam ma-
pas conceituais, como instrumentos que segundo Moreira (1997):
[…] são diagramas de significados, de relações significativas; de
hierarquias conceituais, se for o caso. Isso também os diferencia
das redes semânticas que não necessariamente se organizam por
níveis hierárquicos e não obrigatoriamente incluem apenas con-
ceitos. [...] O importante é que o mapa seja um instrumento capaz
de evidenciar significados atribuídos a conceitos e relações entre
conceitos no contexto de um corpo de conhecimentos, de uma
disciplina, de uma matéria de ensino. Por exemplo, se o indivíduo
que faz um mapa, seja ele, digamos, professor ou aluno, une dois
conceitos, através de uma linha, ele deve ser capaz de explicar
o significado da relação que vê entre esses conceitos. (pp. 1-2)

Os mapas conceituais utilizam a Aprendizagem Significativa


de David Ausubel como base teórica.

Aprendizagem significativa é o processo através do qual uma nova


informação (um novo conhecimento) se relaciona de maneira
não arbitrária e substantiva (não-literal) à estrutura cognitiva
do aprendiz. É no curso da aprendizagem significativa que o
significado lógico do material de aprendizagem se transforma em
significado psicológico para o sujeito. (MOREIRA et al., 1997, p. 1)

Antes de prosseguir com a descrição das demais etapas da me-


todologia de construção curricular, um parêntesis aqui para estudar
228

melhor o papel da utilização dos Mapas Conceituais na formação


continuada de professores com vistas à reorientação curricular.
Ao se buscar a sistematização da experiência coletiva de
construção curricular toma-se o percurso de análise escolhido
pelo grupo e através de matrizes de planejamento recuperam-se
os objetivos do projeto pedagógico de trabalho e escolhem-se os
conhecimentos escolares que deverão ser produzidos.
3.6.1- A Elaboração de mapas conceituais sobre os conceitos
integradores como instrumento de planejamento, avaliação e
sistematização do currículo integrado29

A técnica de mapeamento conceitual foi desenvolvida em
meados de 1970 por Joseph Novak30 e colaboradores, da Univer-
sidade de Cornell, nos Estados Unidos. Trata-se de diagramas
de significados que apresentam uma organização hierárquica,
enfatizando conceitos e relações entre conceitos. O diagrama
parte de conceitos mais gerais, mais inclusivos, para conceitos
mais específicos, menos inclusivos, como mostra o quadro 11.

Quadro 11 – Diagrama: organização hierárquica dos conceitos

229

29 Texto de: Gabrielle Costa (bolsista PIBID do IEAR/UFF – 2015 a 2017)


30 Nascido em 1930, o educador norte-americano com formação inicial em Biologia, teve como referencial
teórico para as suas pesquisas à teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel. Passou a
ser um grande divulgador desta teoria dando a ela uma conotação humanista. (MOREIRA, 1997)
No mapa conceitual as relações entre os conceitos são repre-
sentadas por linhas com uma ou mais palavras-chave. Os conjuntos
dos conceitos e das palavras-chaves devem sugerir uma proposição
que evidencie o significado da relação entre os conceitos. Segundo
Cavellucci (2009, p. 3)

não existe uma única forma de representar um conhecimento ou


uma estrutura conceitual, porque cada representação, depende da
estrutura cognitiva do autor, da representação, da forma como ele
percebe e representa o mundo, dos conceitos e relações escolhidos
naquele contexto e do critério usado por ele para organizá-los.

É importante ressaltar que os mapas conceituais se diferenciam


de outras representações gráficas tais como diagramas de fluxo,
organogramas, quadro sinótico e mapa mental. Os organogramas
ou diagramas de fluxo

(...) não implicam sequência, temporalidade ou direcionalidade,


nem hierarquias organizacionais ou de poder. [os] mapas men-
tais que são livres, associacionistas, não se ocupam de relações
entre conceitos, incluem coisas que não são conceitos e não es-
tão organizados hierarquicamente. [os] quadros sinópticos (...)
são diagramas classificatórios. Mapas conceituais não buscam
classificar conceitos, mas sim relacioná-los e hierarquizá-los.
230

(MOREIRA, 1998, p. 1)

O mapa conceitual tem por fundamento a teoria cognitiva da


aprendizagem, de David Ausubel31. O conceito central desta teoria

31 David Paul Ausubel foi o criador do conceito de aprendizagem significativa. Nasceu em Nova Iorque
em 1918 e graduou-se em Psicologia e Medicina. Nos últimos anos de vida dedicou-se a escrever
sobre Psicologia Educacional: uma visão cognitiva. Faleceu em 2008. (MOREIRA, 1997)
é a aprendizagem significativa, que em definição, “(...) é o processo
através do qual uma nova informação (um novo conhecimento
se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva (não-literal)
à estrutura cognitiva32 do aprendiz”. (MOREIRA et al., 1997, p. 1).
Ou seja, a aprendizagem é significativa quando o novo conheci-
mento passa a significar algo para o aprendiz e ele é incorporado
(ancorado) à aspectos relevantes da estrutura cognitiva do aluno,
interagindo com o conhecimento prévio que este possui.
Os conhecimentos preexistentes na estrutura cognitiva do
indivíduo, que servem de ancoragem para novas informações, é
chamado por Ausubel de “subsunçores”. O processo é dinâmico,
pois na medida em que essa interação cognitiva ocorre, entre o
novo conhecimento e o já existente, ambos se modificam. “(...)
os subsunçores vão adquirindo novos significados, se tornando
mais diferenciados, mais estáveis (...). A estrutura cognitiva está
constantemente se reestruturando durante a aprendizagem sig-
nificativa”. (MOREIRA, 1998, p. 5)
Existem três formas de aprendizagem significativa, segundo
Moreira (2013). A forma mais comum é a aprendizagem significativa
subordinada. O novo conhecimento se ancora nos conhecimentos
existentes. Na aprendizagem significativa superordenada há uma
reorganização cognitiva, de modo que um conhecimento passa a
ser hierarquicamente superior a outro. Por fim na aprendizagem
significativa combinatória o novo conhecimento exigirá um con-
231

junto de conhecimentos prévios.


Além dessas três formas de aprendizagem significativas, há
também três tipos: representacional, conceitual e proposicional.
A aprendizagem significativa se contrapõe a aprendizagem
mecânica. Para Moreira (1998) enquanto a primeira aprendiza-

32 Estrutura cognitiva: conceitos, ideias, proposições, representações.


gem implica em atribuição de significados para quem aprende,
na segunda, esta atribuição é inexistente, não há relação com os
conhecimentos preexistentes na estrutura cognitiva, sendo o novo
conhecimento armazenado de maneira arbitrária e literal, par-
tindo da memorização. Este autor afirma que ambas as aprende,
na segunda, esta atribuição é inexistente, não há relação com os
conhecimentos preexistentes na estrutura cognitiva, sendo o novo
conhecimento armazenado de maneira arbitrária e literal, partindo
da memorização. Este autor afirma que ambas as aprendizagens
não são dicotômicas, mas há um contínuo, uma zona intermediá-
ria, denominado por Ausubel de “zona cinza” (de progressividade,
aprendizagem pelo o erro, captação de significados, etc.), como
ilustrado na Quadro 12. Portanto, por meio desta zona é possível
sair da aprendizagem mecânica para a aprendizagem significativa.

Quadro 12 – Zona Cinza (Zona de Progressividade)


232

Fonte: Adaptado de Moreira (2013).


Para Ausubel são necessárias três condições para que a apren-
dizagem seja significativa: a) Ter predisposição para aprender:
o aprendiz deve querer aprender, relacionando o novo conheci-
mento de modo não arbitrário e substantivo a sua estrutura de
conhecimento, e também, deve ter uma experiência afetiva com o
evento educativo, segundo a teoria de Novak (MOREIRA, 1997); b)
Existência dos subsunçores (conhecimentos prévios adequados): se
aprende a partir daquilo que já sabe; e, c) Materiais potencialmente
significativos: os materiais (por exemplo, um livro) devidamente
estruturados, organizados, trazem o aprendível que será poten-
cialmente significativo.
A estrutura cognitiva preexistente é a que mais influencia
na aprendizagem significativa. Moreira (2013) afirma que esta
influência pode ser construtiva, quando serve de ancouradouro
para novos conhecimentos, entretanto, também pode ser um obs-
táculo epistemológico. Por exemplo, na disciplina de Geografia,
para captar o significado da transformação da paisagem natural
devemos já ter construído um conceito de paisagem. Se o conceito
estiver na estrutura cognitiva, o subsunçor (paisagem) ficará mais
rico, mais elaborado, ao captar o significado da transformação da
paisagem natural. Contudo, se nosso conceito prévio de paisagem
for muito rígido, inflexível, ele dificultará a captação do significado
de transformação da paisagem natural.
No curso da aprendizagem significativa ocorrem a diferen-
233

ciação progressiva e a reconciliação integrativa que são processos


relacionados (Quadro 13). Ausubel acreditava que na prática
ambos os processos são princípios programáticos da matéria de
ensino. Neste sentido,

(...) começa-se com o mais geral, mais inclusivo, mas, logo em


seguida apresenta-se algo mais específico, relacionando-o com
o geral, chamando atenção para diferenças e semelhanças, mos-
trando como o novo se relaciona com o inicial geral e com outros
tópicos abordados. É um descer e subir nas hierarquias conceituais
da matéria de ensino. (...) Nossa estrutura cognitiva é dinâmica e
a estamos permanentemente organizando fazendo a diferenciação
progressiva e a reconciliação integrativa de novos conhecimen-
tos. Se diferenciarmos indefinidamente nossos conhecimentos
ficarão compartimentalizados, sem nenhuma relação uns com
os outros. Se integrarmos permanentemente, os conhecimentos
ficarão aglutinados, como se não se diferenciassem uns dos outros.
Ao invés disso, usamos dois processos ao mesmo tempo, ou seja,
diferenciamos e integramos os conhecimentos e, com isso, vamos
organizando hierarquicamente nossa estrutura cognitiva. (1963
apud MOREIRA, 2013, p. 13)

Quadro 13 – Diferenciação progressiva (setas para baixo) e Reconci-


liação integrativa (setas para cima)
234
Na ausência de conhecimentos prévios (subsunçores) na
estrutura cognitiva, Ausubel propõe um organizador prévio ex-
positivo, que servirá como ponte entre o que o aprendiz já sabe e
o que deveria aprender. Segundo Moreira (2013) os organizadores
prévios podem tanto “suprir a ausência de subsunçores ou expli-
citar sua relacionabilidade com os novos conhecimentos”. (p. 16).
Até aqui, apresentamos os conceitos-chaves da teoria da
aprendizagem significativa de Ausubel. O Quadro 14 apresenta
esses conceitos utilizando o recurso do mapa conceitual.

Quadro 14 – Mapa conceitual: Aprendizagem Significativa

235

Fonte: Moreira (1998, p. 7)


Os mapas conceituais, enquanto aplicação prática da teoria
de aprendizagem significativa, são instrumentos que negociam
significados, potencializando a aprendizagem e a prática docente.
Há diferentes aplicações do mapeamento conceitual: organizar e
analisar o currículo (organizando tanto os conteúdos como os
conceitos a serem trabalhados); construção de rede de conceitos;
levantamento de conhecimentos prévios; recursos de aprendi-
zagem; planejamento; técnicas didáticas; avaliação; diagnóstico.
Dependendo do grau de generalidade e inclusividade dos conceitos
colocados no mapa, o mesmo pode ser traçado “para uma única
aula, para uma unidade de estudo, para um curso ou, até mesmo,
para um programa educacional completo”. (MOREIRA, 2013, p. 3).
Diante de tantas aplicações, focaremos aqui a elaboração
de mapas conceituais, como auxilio ao professor na seleção de
conteúdos essenciais, por meio dos conceitos integradores/unifi-
cadores das áreas/disciplinas, ao longo da construção de projetos
pedagógicos a partir da rede temática Nossa experiência de for-
mação continuada vem mostrando que os mapas conceituais são
de grande serventia para o processo de planejamento e avaliação
dos projetos pedagógicos em programas de formação continuada.
Em cada área/disciplina existem conjuntos de conteúdos
que são essenciais ou acessórios; conhecimento ou informação;
conceitos fundamentais ou mero conteúdo programático. Saber
discernir o que é fundamental e o que é suplementar requer um
236

esforço. (ANGOTTI, 1993).


Neste sentido os conceitos integradores

(...) são pistas pra se construir novos critérios de seleção e orde-


nação sequencial de conteúdos, (...) que são macro-conceitos,
estruturantes de cada área, que independem da série escolar e tem
uma marca interdisciplinar, pois são integradores, unificadores.
Eles vão apenas se complexificando à medida que o aluno vai
avançando nas séries anuais. Como exemplos clássicos de con-
ceitos integradores, temos os conceitos de tempo, em História; o
de espaço e território, em Geografia; o de ser vivo e energia, em
Ciências; o de operações fundamentais, em Matemática; o de ler,
escrever e produzir conhecimentos linguísticos, em Português
e Inglês, etc. (PROPOSTA CURRICULAR CAIÇARA, 2016, p. 9)

Portanto, neste viés, apresentaremos alguns mapas concei-


tuais, sobre conceitos integradores, elaborados por professores
do 6º ao 9 º Ano Guarani33 e Caiçara34, no âmbito do Curso de
Formação Continuada, ministrado pelo IEAR/UFF em parceria
com a SEEDUC-RJ e Secretaria Municipal de Educação de Paraty,
respectivamente. O curso tem como objetivo a capacitação desses
profissionais, visando a construção de uma Proposta Curricular
diferenciada do Segundo Segmento do Ensino Fundamental, que
potencialize o papel da escola na preservação e no fortalecimento
da língua e cultura Guarani e Caiçara.
É importante ressaltar que os mapas conceituais em si não
são autoexplicativos, isso significa dizer, que devem ser explicados
por quem os faz, pois, ao explicá-lo, a pessoa externaliza signi-
ficados. Segundo Moreira “(...) a externalização de significados
pode ser obtida de outras maneiras, porém mapas conceituais
são particularmente adequados para essa finalidade”. (1998, p. 2)
237

Dos mapas conceituais elaborados pelos professores, selecio-


namos aqui duas áreas/disciplinas: Geografia e Língua Portuguesa.

33 São professores não indígenas que assumiram em 2015 a implantação do Segundo Segmento de
Ensino Fundamental (6º/9º Ano Guarani).
34 Professores da Zona Costeira de Paraty, que assumiram em 2016 a implantação do Segundo
Segmento do Ensino Fundamental
Os dois primeiros mapas que apresentaremos a seguir, foram
elaborados pela professora não indígena do 6º ao 9º Ano Guarani,
do Colégio Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda, da
Aldeia Sapukai, em Angra dos Reis e pela professora das Escolas
Municipais Martin de Sá, na Praia do Sono e Cajaíba, na Praia
do Pouso da Cajaíba, na Zona Costeira de Paraty.
O primeiro mapa (Quadro 15) faz referência aos Conceitos
Integradores da área da Geografia, que são os conceitos mais
inclusivos: Lugar – Território – Espaço Geográfico – Paisagem.
238
Quadro 15 – Mapa Conceitual dos Conceitos Integradores da área
de Geografia

239

Autora: Profa Ana Carla, do Colégio Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda: 2015
Observamos no mapa que a professora Ana Carla fez uma
associação dos Conceitos Integradores: o conceito de Lugar
está associado diretamente ao conceito de Território; este por
sua vez está associado aos conceitos de Espaço Geográfico e
Paisagem; e o conceito de Espaço Geográfico é composto pelo
conceito de Paisagem.
O Conceito Integrador de Lugar expressa uma realidade de
escala local ou regional, sendo entendido como um espaço onde
se estabelecem as relações sociais e de afetividade com o ambiente.
(LISBOA, 2002). Observamos no mapa conceitual que o conceito
de lugar está relacionado ao da Identidade, pois cada localidade
possui características próprias, ou seja, com identidade própria,
produzindo assim uma Cultura.
As relações sociais podem ser complementares e conflitantes,
estando associadas as relações de poder. Isto pode ser identificado
no mapa conceitual quando a professora associa o conceito de
Lugar com o Conceito Integrador de Território, que é entendido
por relações de poder de um determinado agente, de apropriação.
De acordo com Lisboa o Conceito Integrador de Espaço Ge-
ográfico é resultado da ação humana e “(...) o mais abrangente,
apresentando-se como ‘um todo’ do qual derivam os demais con-
ceitos e com o qual eles se relacionam”. (2002, p. 26). Sendo assim,
o Conceito Integrador de Paisagem está relacionado a tudo que a
percepção humana pode perceber e apreender da realidade desse
240

espaço geográfico ou parte dele. Para a autora este conceito está


diretamente relacionado à sensibilidade humana. Na concepção
da professora Ana Carla a paisagem é modificada pelo Trabalho,
relacionado tanto a Agricultura como a Indústria, que são conte-
údos programáticos.
Para finalizarmos a leitura deste mapa, percebemos que o
conceito de Cartografia (conceito intermediário) se relaciona com
todos os conceitos integradores, seja por meio de representações
ou ajudando na leitura e entendimento do espaço geográfico.
Nota-se que este conceito está ligado diretamente ao conceito da
Cartografia Social, que é vista como um processo de construção
coletiva, onde se representam a cultura, os saberes, as formas de
vida de uma comunidade, aquilo que os identifica. Para Santos
(2016) a cartografia social permite que os discentes sejam prota-
gonistas da construção do próprio conhecimento, na medida que
elaboram seus próprios mapas.
O segundo mapa conceitual que apresentaremos abaixo
(Quadro 16) faz referência aos Conceitos Integradores da área da
Língua Portuguesa que se relacionam entre si: Apreciação Leitu-
ra/Escrita – Reflexão Linguística – Produção Leitura/Escrita.

Quadro 16 – Mapa Conceitual dos Conceitos Integradores da área


de Língua Portuguesa

241

Autora: Professora Iaci Sagnore das Escolas Municipais Pouso da Cajaíba (Praia do
Pouso da Cajaíba) e Martins de Sá (Praia do Sono), em Paraty: 2016
Os três conceitos que estão localizados em cima, dentro dos
círculos, são os conceitos integradores da Língua Portuguesa, os
conceitos que estão dentro do retângulo, à esquerda, são as ativida-
des que serão realizadas ao longo do projeto, e os conceitos à direita
são os conteúdos que serão trabalhados a partir destas atividades.
Os Conceitos Integradores de Apreciação Leitura/Escrita e
Produção Leitura/Escrita, na concepção da professora Iaci, per-
mitem que se trabalhe os diferentes Modelos de Gênero Textual.
Dentro do conceito Reflexão Linguística é possível estudar a Gramá-
tica Normativa, que prescreve as normas da língua, padronizando
a mesma, e sendo composta pela Ortografia, Sintaxe e Morfologia.
Este conceito permite também estudar a Tipologia Textual, que é
a forma como um texto se apresenta, ou seja, como os textos são
classificados quanto às suas estruturas textuais. Segundo a pro-
fessora Iaci, a tipologia textual é composta por textos: Injuntivo,
Argumentativo, Descritivo e Narrativo. (Poderia ser – Gêneros
de Discurso: Discursos Literário, Científico, Jurídico, Religioso,
Político, etc e diferentes tipos de textos de cada gênero discursivo).
Quando um professor é capaz de criar um mapa conceitual
do projeto, ele consegue ter uma visualização completa a partir
dos conceitos e das relações entre esses conceitos, de tudo que foi
trabalhado no projeto e consegue relacionar os conteúdos progra-
máticos com os conceitos integradores da sua área.
Concluímos que a técnica de utilização dos Mapas Conceituais
242

possibilita que o docente expresse a sua autonomia na construção


do currículo; visualize qual a relação que há entre os Conceitos
Integradores, os Conteúdos Programáticos e as Atividades do
Projeto Pedagógico; e serve para que o mesmo possa avaliar, numa
perspectiva macro, as relações entre os Conceitos Integradores e
os Conteúdos Programáticos. O que seria uma tarefa cognitiva
com alto grau de abstração, mas fundamental pra selecionar no
currículo o que é essencial (Conceitos Integradores) do que é
acessório (Conteúdos Programáticos).
Voltemos agora às etapas de construção curricular, chegamos
na sétima Etapa.

3.7. VII ETAPA: Elaboração de uma “Aula Guia”

Na última etapa, os professores elaboram uma “aula guia”


para a detonação do projeto, o seu início, um “start”. Na aula
guia, eles trabalham juntos, com atividades que envolvam todas
as disciplinas. No quadro 17 abaixo, temos a aula guia do projeto:
“Organização Social e Família”, como foi falado na etapa anterior.

Quadro 17 – Aula Guia do Projeto: “Organização Social e Família”

Eixos/Blocos Tópicos/ Aula Guia (Detonação


Objetivos Projeto
Temáticos índice do Projeto)

ORGANIZAÇãO · Compreender · Histórias · Detonação 1 DETONAÇãO:


SOCIAL / os processos das · Exibição do vídeo
FAMÍLIA históricos de famílias · Desenvolvi- “Carta Caiçara”
formação das mento · Debate sobre o video
· União famílias · Valores e · Apresentação do projeto
atitudes · Sistematização (índice)
· Liberdade · Discutir fatores (“índice”) · Leitura do poema
que favorecem ou · Conceitos “Credo Caiçara”
· Orientação/ não a união entre de tempo · Identificação dos
Valores as famílias. elementos do texto
(Universo vocabular) –
· Drogas O que conhecem e o
que não conhecem.
· Violência · Pesquisar em casa os
objetos que não conhecem
243

e trazer objetos com a sua


história.

2 DESENVOLVIMENTO
· Elaboração do auto retrato
· Pinturas
· Vídeo
Poema do M. Quintana
– Produção artística
– Produção textual
– Debate sobre a produ-
ção (sistematização)
– árvore Genealógica

Fonte: Relatório do Programa de Formação em Educação Escolar Caiçara II.


SME Paraty. 2016
Embora trabalhar dentro da perspectiva de projetos de tra-
balho demande um ambiente escolar de interdisciplinaridade,
notamos, a partir dos relatórios da formação continuada, que
alguns professores, ao longo de um processo de média duração,
demonstraram encontrar certa dificuldade para relacionar sua
área com as demais, e que muitas vezes só trabalham de forma
interdisciplinar na “aula guia”, mas no decorrer do projeto voltam
a se fechar em suas disciplinas, apresentando insegurança quanto
ao “cumprimento” do programa curricular oficial da disciplina
para cada série.
Nos encontros de formação continuada do 6º ao 9 º Ano
Guarani, diversos professores salientaram que é extremamente
importante que os professores se reúnam em outro momento, de
planejamento coletivo, para um melhor desenvolvimento de seus
trabalhos, no sentido de haver mais interação entre as disciplinas
e com intuito de melhor concretizar a interdisciplinaridade ne-
cessária à pedagogia de projetos.
Quando há muitos obstáculos ao trabalho coletivo na escola,
quando as condições de trabalho são precárias ou quando as po-
líticas públicas em curso nos Municípios, lhes negam o acesso ao
estudo numa formação continuada de qualidade, os professores
encontram dificuldades em trabalhar de forma interdisciplinar,
por consequência, o trabalho com projetos pedagógicos fica li-
mitado ou superficial.
244

Diante disso, podemos salientar que o trabalho fica restrito, não


sendo explorado de maneira suficiente. Este é empobrecido quando
as atividades da “aula guia” se encerram não havendo uma proble-
mática levantada em torno das atividades e dos resultados dessas
atividades. A aula guia é entendida como uma série de atividades
que abrem o projeto. Os professores se articulam, pensam juntos
em atividades, porém, depois, há uma distinção entre uma etapa
do projeto e as aulas cotidianas. (MIRANDA, 2016, p. 58)

Quando os docentes trabalham de forma realmente inter-


disciplinar, planejando aulas articuladas no período inteiro em
que o projeto decorre, o projeto não se realizará somente durante
as atividades diversificadas planejadas pra “aula guia”, enquanto
o restante das aulas voltam a ser de conteúdos programáticos da
grade isolados de qualquer contexto significativo. Não há sepa-
ração entre a aula e o projeto, pois o projeto é a aula e a aula é um
projeto de trabalho. A seguir, um exemplo de projeto pedagógico
dos professores da Costeira de Paraty: o Projeto Guia Turístico.

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3.8- Um currículo em permanente construção

Finalmente, cabem algumas considerações a respeito do pro-


cesso longitudinal de construção dos currículos integrados, dife-
renciados e construídos coletivamente a partir de temas geradores
em redes temáticas e com projetos pedagógicos. A implantação
de um Movimento de Reorientação Curricular numa unidade
escolar ou numa rede pública pressupõe pelo menos quatro anos
de experimentação, num programa de formação continuada até
que os ciclos de ensino-aprendizagem do ensino fundamental se
completem. Os resultados só podem ser completamente avaliados
ao final desses quatro anos, pois há que se avaliar os processos
de apropriação da pedagogia de projetos e da rede temática por
parte do professores, o nível de interdisciplinaridade do currículo
construído, o grau de relações expressas entre os conceitos integra-
dores e os conteúdos programáticos, enfim, o nível de autonomia
em construção curricular dos professores.
O currículo construído desse jeito, formula-se no decorrer
do próprio ano letivo, assim, este modo de construção curricular,
acima descrito, tem sido chamado de “Currículo Post-Factum”, na
medida em que somente ao final dos Ciclos, cumprida uma carga
horária anual pré-estabelecida, tem-se uma descrição completa
do currículo produzido. Os componentes curriculares para côm-
puto e organização da carga horária são: projetos pedagógicos,
259

pesquisas, práticas investigativas, trabalhos de campo, produções


coletivas, oficinas, etc.
Desta forma, o currículo é construído à medida em que ele
se desenvolve, por meio dos projetos e problemáticas definidas
coletivamente pelos discentes, a partir de seu cotidiano e con-
texto sociocultural e econômico, sobremaneira que este nunca
se repete pois os discentes não serão os mesmos nas próximas
turmas. (UFAM, 2012)
Assim como os currículos Via Pesquisa, este currículo base-
ado em Projetos Pedagógicos e Temas Geradores, utiliza-se, para
abertura das problemáticas (pesquisas) e das práticas investiga-
tivas, o mapa conceitual, composto por uma Rede Temática, que
consiste em representações gráficas semelhantes a diagramas, que
indicam relações entre conceitos ligados por palavras ou pergun-
tas. Representam uma estrutura que vai desde os conceitos mais
abrangentes até os menos inclusivos. Assim, os mapas conceituais
são utilizados para auxiliar a ordenação e a sequenciação hierar-
quizada dos conteúdos de ensino, de forma a oferecer estímulos
adequados ao aluno. (UFAM, 2012)
A abordagem utilizando os mapas conceituais/redes temáticas
está embasada em uma teoria histórico-crítica de base construti-
vista sócio-interacionista, pois entende que o indivíduo constrói
seu conhecimento e significados a partir da sua predisposição
para realizar esta construção. Servem como instrumentos para
facilitar o aprendizado do conteúdo sistematizado em conteúdo
significativo para o aprendiz.

(…) trata-se de uma forma de ensino amigável aos contextos


locais, flexível, capaz de refletir as preocupações e interesses dos
grupos étnicos específicos envolvidos no processo de formação.
Vale a pena ressaltar que o Ensino via Pesquisa trata-se de uma
proposta não-disciplinar que considera um fato muito impor-
260

tante: o conhecimento não está organizado em todas as culturas


nas mesmas chaves cognitivas e epistemológicas com que foram
organizados na tradição disciplinar Ocidental moderna, tradição
esta que divide (pretensamente e claramente) o que é a matemática
do que é a física ou a química. (UFAM, 2012, p. 29)
Trabalhar apenas com disciplinas implicaria em formatar
os conhecimentos caiçaras, indígenas ou quilombolas, dentro de
princípios ideológicos e matrizes epistemológicas ocidentais de
pensamento, dentro dos quais eles perderiam totalmente sua fun-
cionalidade e sua operatividade, transformando-se em arremedos
folclóricos das suas próprias possibilidades. (Idem)
Apesar de a metodologia ser a mesma nas três experiências
(Caiçaras, Indígenas e Quilombolas), os resultados são distintos
em cada coletivo de escolas e professores, por cada grupo trazer
uma história diferente de implantação do projeto, contextos ins-
titucionais diferentes, formas de relações de trabalho, equipes
diferenciadas, etc.
Os programas de formação desenvolvidos tem a duração
mínima de 4 anos, tempo mínimo necessário para se obter uma
avaliação qualitativa razoável do processo de implantação de um
ciclo de aprendizagem de uma reorientação curricular numa rede
pública de educação básica.

261
C apítulo I V

Implicações político-pedagógicas de um
movimento de reorientação curricular no
enfrentamento ao neoliberalismo na educação

A experiência de construção curricular aqui sistematizada
reveste-se de uma adicional importância nesse momento histórico
de crises, ilegalidades e retrocessos no campo dos direitos sociais
básicos que atravessamos.
Nesse sentido, a sistematização da metodologia que vem
sendo experimentada, aponta pra algumas implicações políticas,
epistemológicas e pedagógicas do trabalho.
São implicações políticas, o fato de a proposta inserir-se
num movimento de reorientação curricular de base progressista
articulado a um programa de formação continuada de professores,
o que, portanto, indica uma política de formação de professores e
um planejamento educacional voltado pra mudanças curriculares
que estimulam a autonomia pedagógica dos professores.
Tal perspectiva vai de encontro à tendência neoliberal he-
gemônica estimulada pelo MEC hoje, que propõe a BNCC – Base
Nacional Curricular Comum, as avaliações externas, os rankings
entre as escolas, o sistema de premiação meritocrático, etc., ou
263

seja, princípios político-pedagógicos que nossa proposta se opõe


frontalmente.
A experiência indica uma política curricular crítica, que
toma como referência a metodologia dos temas geradores em
redes temáticas de base freireana, aliada ao estudo dos conceitos
integradores e através da pedagogia de projetos, para a construção
coletiva de PPPs que contenham propostas curriculares integradas
e diferenciadas.
São também implicações epistemológicas as consequên-
cias de se assumir uma perspectiva decolonial de produção de
conhecimento na medida em que leva em conta o diálogo dos
conhecimentos científicos produzidos ocidentalmente pela aca-
demia com os conhecimentos tradicionais indígenas, caiçaras ou
quilombolas, na construção dos conteúdos escolares, elaborados a
partir de um diagnóstico sociocultural e de um perfil da turma,
num processo permanente de estudo da realidade.
Além disso, busca a construção de uma nova visão, uma nova
concepção das áreas de conhecimento ou disciplinas, apontando
para uma revisão dos seus fundamentos epistemológicos, através
do estudo de suas epistemologias, do estudo das tendências peda-
gógicas que atravessam e constituem o ensino dessas disciplinas
e o estudo dos conceitos integradores das áreas de conhecimento.
Nobre (2016) afirmou que:

Conhecer a epistemologia da área/disciplina permite ao pro-


fessor reconhecer o processo histórico social de construção da
formação discursiva (Foucault, 1970) que estrutura o campo de
conhecimento da disciplina contemporaneamente. Conhecer as
tendências pedagógicas que envolvem a área/disciplina permite
ao professor reconhecer elementos de sua prática pedagógica
que se enquadrem ou não nas Pedagogias Liberais ou Progres-
sistas que permeiam o ensino, e fazer opções numa perspectiva
264

curricular autônoma e crítica. Estudar os conceitos integradores


de cada área/disciplina possibilita ao professor distinguir o rol
de conhecimentos essenciais daquilo que são apenas conteúdos
programáticos de uma grade curricular, portanto acessórios.
Conceitos integradores são como a categoria marxista de totali-
dade no processo de produção dialético do conhecimento, para
o Currículo. (p. 18)
São implicações pedagógicas, o fato de apresentarmos uma
proposta metodológica contra-hegemônica à pedagogia das com-
petências, implantada pela reforma educacional neoliberal em
curso. Pedagogicamente buscamos mostrar que a aprendizagem
é muito mais significativa quando os conteúdos escolares são
referenciados socialmente e trabalhados a partir do estudo da
realidade dos alunos, das contradições socioculturais presentes
e dos seus interesses e expectativas.
A metodologia que faz uso da pedagogia de projetos, mas
ancorada nos temas geradores dispostos em redes temáticas numa
perspectiva freireana, possibilita uma autonomia pedagógica ao
professor na construção de seu currículo diferenciado e integra-
do, adequado ao perfil sociocultural de suas turmas, em especial
aquelas de escolas inseridas em territórios tradicionais.
Entretanto, a proposta metodológica de construção curricular
aqui discutida não é uma técnica neutra, aplicável em qualquer
situação educacional ou em qualquer contexto sociocultural, como
uma receita genérica e asséptica. Não é uma cartilha com um
método de elaboração de currículos, pois ela parte do estudo da
realidade escolar. Portanto, em cada unidade escolar, coletivo de
professores, ou rede, o diagnóstico sociocultural obriga a produzir
redes temáticas diferentes, frutos da análise local da realidade.
Logo, os projetos pedagógicos elaborados com essa metodologia,
refletem as características específicas de cada contexto sociocultu-
265

ral local, com seus conflitos e contradições próprios e conduzidos


pelos atores locais.
No nosso Grupo de Pesquisa, ao refletir sobre as diferenças
nos processos de implantação da reorientação curricular que es-
tamos coordenando em diferentes redes públicas de ensino e em
distintas escolas com grupos variados de professores aqui descritas,
vimos que cada uma das experiências em curso têm suas marcas
próprias que as caracterizam e diferenciam; marcas construídas
no curso da experiência local com os atores sociais locais.
Essas distintas marcas que caracterizam cada experiência
em curso, constituem também muitas diferenças na organização
pedagógica das etapas de implantação planejadas e executadas
dentro da metodologia adotada. As etapas: “Sensibilização”; “Fun-
damentação Teórica” e “Reorientação Curricular” vêm aconte-
cendo de forma diferente em cada comunidade trabalhada. A
etapa “Sensibilização” foi fundamental nas Escolas Quilombolas
e Caiçaras de Fundamental I, mas foi dispensável no Colégio In-
dígena, pois o grupo de professores já estava mobilizado para as
mudanças, tendo em vista a experiência inovadora anterior com
a turma de EJA Guarani, o que completou 4 anos de formação
contínua para um “núcleo duro” de professores que manteve a
experiência viva até 2017.
Outra marca da diversidade de experiências que interfere
na aplicação adequada da metodologia são os tipos de matrizes
de planejamento elaboradas e aplicadas: as distintas matrizes
produzidas se adequam à dinâmica de trabalho e às necessidades
específicas de sistematização coletiva do trabalho curricular, assim
como aos diferentes níveis e tipos de apropriação da metodologia
de construção curricular.
Há três tipos e níveis de apropriação pedagógica de construção
de currículo por parte dos professores: um primeiro nível, que
266

chamo de reprodução, caracteriza-se por uma aplicação acrítica de


um elemento ou componente curricular da pedagogia tradicional
sem a necessária adequação ao contexto da turma. Um segundo
nível, o de ressignificação, que caracteriza-se por uma adaptação,
modificação de um elemento ou componente curricular da peda-
gogia tradicional, feita pelo professor para ajustar-se aos objetivos
por ele definidos. E finalmente, um terceiro nível de apropriação
pedagógica, a criação, que é quando o professor cria, inventa
um elemento ou componente curricular novo para se ajustar aos
seus objetivos. No nosso caso, pesquisamos: quais os elementos
curriculares, apropriados pelos professores, que contribuam com
o fortalecimento da cultura (e da língua ou linguagens) tradicio-
nal (caiçara, quilombola ou indígena)? A partir desse critério,
dessa categoria de análise, desvendamos o grau e a natureza de
apropriação pedagógica dos professores envolvidos na formação
e radiografamos suas estratégias autônomas de construção do
currículo diferenciado.
Finalmente, a organização do currículo por Ciclos tem sido
outra característica comum das experiências acompanhadas. A
estrutura de séries/anos não contribui para a necessária flexi-
bilização nos critérios de seleção e de ordenação sequencial de
conteúdos na elaboração de projetos pedagógicos. Os ciclos (na
Educação Infantil e no Ensino Fundamental I e II) permitem or-
ganizar melhor o Currículo por projetos pedagógicos baseados em
temas geradores, organizados em redes temáticas e centrados nos
conceitos unificadores/integradores. Isso permite o rompimento
com a divisão estanque dos conteúdos programáticos por séries/
anos de estudo da pedagogia tradicional.
Notamos, em todas as experiências, que a maior dificuldade
pedagógica, por parte dos professores, é estabelecer a relação
entre os conceitos integradores/unificadores com os conteúdos
267

programáticos no desenvolvimento dos projetos pedagógicos.


Assim, o exercício permanente de reflexão teórica sobre o
processo permite indagar a metodologia a partir de cada experi-
ência específica num movimento histórico e dialético.
A sistematização (Holliday, 2006) dessa metodologia de ela-
boração de projetos político pedagógicos (onde o currículo se
insere) que vem sendo aplicada e que foi aqui apresentada, é então,
uma pequena, mas importante contribuição crítica ao debate no
campo teórico do Currículo, da Didática, do Planejamento Edu-
cacional, da Política Curricular e da Formação de Professores,
pois configura-se como uma estratégia de resistência político-i-
deológica ao neoliberalismo hegemônico na educação que tanto
criticamos, mas feita a partir de um engajamento e militância
política da universidade pública com movimentos sociais e por
dentro da escola pública.
Já afirmei, em relação à educação escolar indígena guarani, que:

[…] o ciclo docente que envolve a formação contínua, a construção


curricular e a produção de material didático se apoia no tripé:
Ensino, Pesquisa e Extensão e vice-versa.
A Pesquisa busca qualificar a construção curricular quando cria
uma categoria de análise para se pensar a prática pedagógica
dos professores: componentes curriculares que potencializem o
papel da escola na preservação/fortalecimento da língua e da
cultura guarani.
O Ensino busca tomar a ‘aula’ dos professores como objeto de
estudo e reflexão teórica ao analisá-las didaticamente.
A Extensão busca sustentar as tarefas de registro das aulas pra
análise didática assim como subsidiar o processo de produção
de material didático, que se dá, também numa perspectiva de
formação. (Nobre, 2016b, p. 19)
268

Isso foi uma grande lição pra nós na universidade: integrar


os programas PIBIC, o PIBID, o Licenciaturas e o PROEXT/PROEX
– que são fontes de financiamento a bolsas estudantis e a projetos
acadêmicos de iniciação científica, iniciação à docência e extensão,
respectivamente – num conjunto de ações articuladas, mas com o
mesmo objetivo: formação continuada de professores para cons-
trução de currículos integrados e diferenciados para comunidades
tradicionais. Essa convergência de esforços, recursos públicos e
envolvimento de alunos foi fundamental para manter as tarefas
exigidas por diversos projetos em que nos comprometemos com as
redes públicas da região. Configuram no seu conjunto articulado,
em espaços privilegiados de formação acadêmica, que apontam
pistas também pra uma necessária reestruturação do estágio
supervisionado acadêmico obrigatório.
Além disso, trata-se de trazer para o debate dentro da uni-
versidade o nosso papel político de compromisso com a melhoria
da qualidade da escola pública, mas na perspectiva do “chão de
sala” também, com boas alternativas pedagógicas de substituição
à pedagogia das competências que estão nos empurrando pela
goela abaixo e que tanto criticamos. (Na verdade nem todos,
pois parte da universidade já embarcou também nessa onda de
meritocracia, mercado, polivalência, empreendedorismo, etc.). Há
que se convencer os professores e os técnicos das redes públicas
a lutar no campo pedagógico também, mas numa perspectiva de
autonomia pedagógica curricular do professor e na dimensão do
fazer pedagógico refletido criticamente.
Não basta só criticarmos a BNCC, é preciso instrumentalizar-
mo-nos, de forma coletiva, nas unidades escolares, com técnicas,
instrumentos e metodologias mais adequadas à elaboração de
projetos político pedagógicos com uma construção curricular
269

crítica numa perspectiva político ideológica progressista. Não é


suficiente a disputa ideológica dos conceitos de Educação Dife-
renciada, Intercultural ou Bilingue apenas em nossas reuniões de
grupos de pesquisa ou em nossos textos. A sala de aula é também
um campo de disputas: disputas curriculares, discursivas e políti-
co-ideológicas. Mas para tal, são necessários instrumentos peda-
gógicos adequados, metodologias coerentes com a perspectiva de
construção da autonomia do professor, tecnologia social passível de
replicação em qualquer rede, para se propor a construção coletiva
de currículos diferenciados, interculturais, integrados, bilingues
e interdisciplinares. E esse deve ser um dos papéis político-peda-
gógicos, da universidade: construir esses conhecimentos junto
aos professores envolvidos em processos coletivos de formação
permanente ou continuada.
Trata-se de fazer uma profunda auto-crítica em relação ao
necessário mas ainda, efetivamente, pouco envolvimento da uni-
versidade com as redes públicas de ensino, em especial dos nossos
cursos de licenciatura. O refluxo, a que me referi no início deste
livro, encontrado nas redes públicas, com desmobilização do debate
político e desânimo por parte de muitos professores é presente
na universidade também, pois manifesta-se no distanciamento,
no apartamento, no divórcio entre o currículo, as práticas peda-
gógicas das licenciaturas e o cotidiano da sala de aula na escola
pública, com seus inúmeros problemas estruturais, pedagógicos
e administrativos. Esse distanciamento exige um enfrentamento
intelectual, teórico da universidade na formulação e assessora-
mento de programas de formação continuada de educadores em
parceria com os municípios e estados, com vistas a apoiar inciativas
coletivas de revisão e reelaboração de novos PPPs, mais próximos
da realidade de nossos alunos.
E isso envolve necessariamente distintos enfrentamentos
270

com governos municipais e estaduais, cuja orientação não busca


sempre atender, através de políticas públicas sociais universais, o
básico à população em idade escolar. E enfrenta-se uma tendência
crescente dos governos municipais e estaduais em recorrer a Insti-
tutos, ONGs e Fundações para executar, através de terceirização, as
tarefas de planejamento, formação de professores e avaliação das
redes públicas, mas dentro de perspectivas educacionais privatis-
tas, racionalistas de mercado, predominantemente quantitativas,
baseadas na meritocracia e na pedagogia das competências.
Zéphiro (2017), aponta que, na medida em que a metodologia
de construção curricular, baseada no tema gerador e nas redes
temáticas trabalhada a partir do diagnóstico da realidade local,
possibilita o diálogo com os conhecimentos tradicionais (sejam
indígenas, caiçaras ou quilombolas), consegue-se imprimir uma
perspectiva decolonial na formação de professores:

Portanto, devemos pensar que os conteúdos a serem trabalha-


dos a partir do tema gerador e das redes temáticas devem ter o
pressuposto de estarem relacionados as questões apresentadas e
num diálogo entre conhecimentos indígenas e não-indígenas,
sem hierarquizações ou medidas de valor que levem os saberes
de matriz ocidental terem prioridade ou prevalência sobre os
demais. (p. 46)

A experimentação de metodologias participativas de constru-


ção curricular, como: pedagogia de projetos, redes temáticas em
temas geradores, estudando os conceitos integradores/unificadores
numa perspectiva crítica, com os professores das redes, é tarefa
político-pedagógica atual da universidade pública, muito além da
simples crítica teórica e da mera denúncia.
271
R EFER ÊNCI A S B I B LI OGRÁ F I CAS:

AGUIAR, Denise Regina da Costa. O movimento de reorientação curri-


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do FUNDEB as instituições comunitárias que atuam na educação do
campo; altera a Lei no 10.880, de 9 de junho de 2004, para dispor
sobre a assistência financeira da União no âmbito do Programa de
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