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Ods À Luz Dos Direitos Humanos

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EXPEDIENTE
ODS à luz dos Direitos humanos é uma publicação do PAD - Processo de Articulação e Diálogo em parceria com:
Ação Educativa
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH)
Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)
Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB)
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG)
ASA- Articulação no Semiárido Brasileiro
Centro Sabiá
Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP)
Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP)
Centro de Estudos e Defesa do negro do Pará (Cedenpa)
Centro Dom Helder Câmara (CENDHEC)
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP)
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)
FASE – Solidariedade e Educação
Fórum Ecumênico Act Brasil (FEACT)
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental
Fundação Luterana de Diaconia (FLD)
GT Agenda 2030
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE)
Instituto Terramar
Movimento dos Atingidos e Atingidas por barragens (MAB)
Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP)
SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia
Brasil, Dezembro de 2020
Secretária Executiva: Júlia Esther Castro França
Coordenação Executiva:
Júlia Fernandes - Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Mércia Alves - SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia
Renê Ivo Gonçalves - Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Sônia G. Mota - Coordenadoria Ecumênica de Serviço - CESE
Vicente Puhl - Heks-Eper
Comunicação: Kátia Visentainer
Revisão de Texto: Paulo César Carbonari
Diagramação e Arte: Mayra Souza
GT ODS/PAD:
Ação Educativa: Marcos José Pereira da Silva
Centro Sabiá: Carlos Magno
Fundação Luterana: Cibele Kuss
IBASE: Athayde Mota.
Autores: Francisco Menezes - IBASE; Alexandre Pires - Centro Sabiá; Diana A.Mores e Maria da Conceição Paiva -
CNMP; Valdevir Both - CEAP; Roberto Catelli Júnior, Denise Carreira e Edneia Gonçalves - Ação Educativa; Verônica
Ferreira - AMB; Valdecir Nascimento - AMNB; Mércia Alves - Instituto Feminista SOS Corpo; Aécio Oliveira e
Caroline Rodrigues - Fase; Alexandre Pires - ASA; Júlia Fernandes - MAB; Fausto Junior - DIEESE; Adhemar Mineiro
- Rebrip; Enéias da Rosa - AMDH; Nilma Bentes - CENDENPA; Vera Orange - CENDHEC, Cibele Kuss - FLD;
Daniele Tofo - CAMP; Ivo Poleto - FMCIS; Ana Luísa Lisboa N Pereira e Cristiane Faustino - Instituto Terramar; Paulo
Petersen e Flávia Londres - ANA; Romi Bencke - FEACT; Pedro P. Bocca - ABONG; Claudio Fernandes - GT 2030.
PAD – Processo de Articulação e Diálogo

www.pad.org.br twitter.com/padbrazil instagram.com/padbrasil facebook.com/PADBrasil
7

APRESENTAÇÃO 8

ODS 1: ERRADICAÇÃO DA POBREZA 9

ODS 2: FOME ZERO E AGRICULTURA SUSTENTÁVEL 12

ODS 3: SAÚDE E BEM-ESTAR 16

ODS 4: EDUCAÇÃO DE QUALIDADE 20

ODS 5: IGUALDADE DE GÈNERO 25

ODS 6: ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO 29

ODS 7: ENERGIA ACESSÍVEL E LIMPA 32

ODS 8: TRABALHO DECENTE E CRESCIMENTO 35

ODS 9: INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRAESTRUTURA 38

ODS 10: REDUÇÃO DE DESIGUALDADES 42

ODS 11: CIDADES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS 45

ODS 12: CONSUMO E PRODUÇÃO RESPONSÁVEIS 49

ODS 13: AÇÃO CONTRA A MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA 53

ODS 14: VIDA NA ÁGUA 57

ODS 15: VIDA TERRESTRE 60

ODS 16: PAZ, JUSTIÇA E INSTITUIÇÕES EFICAZES 63

ODS 17: PARCERIAS E MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO 68

CONCLUSÃO 71
8

APRESENTAÇÃO

“O racismo latino-americano é suficientemente sofisticado para manter


negros e indígenas na condição de segmentos subordinados no interior
das classes mais exploradas, graças a sua formação ideológica mais eficaz:
a ideologia do branqueamento.” (Lélia Gonzalez, Por um feminismo afro-
latino americano. 1988)

No momento em que apresentamos a publicação, “Os ODS à Luz dos


Direitos Humanos”, organizada pelo PAD, o Brasil vive um tempo de
desesperança. E é justa e corajosamente neste momento desalenta-dor
que a análise crítica dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
(ODS), realizada a partir da defesa de direitos humanos e da atuação
de organizações, redes e movimentos sociais no campo de defesa e
garantias de direitos, se faz uma iniciativa necessária de atualização
e monitoramento da agenda proposta pela ONU no Brasil.

O racismo, o patriarcado e a financeirização dos bens comuns são


vetores de desigualdades históricas e naturalizadas pelas marcas
irreparáveis da violência contra o povo negro, as mulheres, os povos
indígenas, povos e comunidades tradicionais.

A publicação que aqui se apresenta é uma possibilidade insurgente


de dialogar com a Agenda 2030, à sombra de um Jequitibá-rosa
em extinção, às margens das nascentes dos rios ameaçados pela
mineração, nas manifestações antirracistas contra os assassinatos
de negras e negros, nas lutas feministas em defesa dos corpos e
vidas das meninas e mulheres, e em destemida oposição a governos
fundamentalistas e conversadores que ataca e reduz políticas sociais
em nome de uma ideologia de branqueamento, como afirma Lélia
Gonzales.

A esperança brota da existência persistente e resiliente das


organizações, redes, fóruns e movimentos sociais que atuam
diretamente na execução de programas e projetos junto a pessoas,
grupos e territórios - no enfrentamento à fome, ao racismo e à
misoginia, à devastação socioambiental, ao desmonte da educação
e saúde pública, da agricultura familiar agroecológica, da economia
popular solidária, da laicidade do estado, e do direito à participação
social.

Há décadas essas organizações atuam e incidem pela garantia e


implementação de políticas públicas e por mudanças profundas na
estrutura colonial produtora de desigualdades no Brasil. Há décadas
também incidem junto a parceiros internacionais para que os acordos
comerciais entre os países não sejam pactuados em detrimentos da
dignidade das pessoas e dos bens comuns. É a partir desse lugar, que
a leitora e o leitor terão a possiblidade de analisar o contexto político
dos ODS nas entranhas da sociedade brasileira. Esperançando,
porque da luta: não se desiste jamais.

GT ODS/PAD - Cibele Kuss - FLD


9
10

ODS 1: ERRADICAÇÃO DA POBREZA

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE)

O primeiro dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável


aponta para “Erradicar a pobreza em todas as suas formas, em todos
os lugares”. Contém sete metas com indicadores que permitem
acompanhar os avanços ou recuos logrados a cada ano.

O ODS transversaliza vários dos direitos humanos, particularmente


direitos econômicos e sociais previstos no Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ratificado pelo
Brasil e incorporados à Constituição Federal 1988, especialmente
no artigo 6º, e sendo que “erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais” (artigo 3º, III), constitui
um dos objetivos fundamentais da República. Por outro lado, se
poderia dizer que viver livre da pobreza se constitui um dos direitos
humanos, já que se trata de uma das liberdades fundamentais
tratadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A pobreza
extrema também contribui para que o direito à não discriminação
seja violado, visto que atinge com mais força aos pobres, mulheres e
negros/as e é desigualmente distribuído nas regiões do País, com mais
presença nas regiões Norte e Nordeste. Em termos gerais, como já se
pronunciaram as Nações Unidas1, a extrema pobreza indica violação
sistemática de um conjunto de direitos humanos.

No caso brasileiro, é grande a apreensão das organizações da


sociedade que acompanham este objetivo, em virtude dos fortes
retrocessos que vem sendo observados há quatro anos. O Relatório
Luz 2020, que é elaborado e publicado anualmente pelo Grupo de
Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GTSC A2030)2
alertou sobre o elevado número de pessoas em condição de pobreza,
estimado em 24,8% da população brasileira e, mais ainda, sobre o
acelerado crescimento do número de pessoas extremamente pobres,
estimado em 6,6% da população, segundo dados divulgados pela
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C),
do IBGE, para o ano de 20193. Também mostrou que cerca de 4,5
milhões de crianças entre zero e catorze anos viviam em extrema
pobreza, chamando atenção para o fato de que 72,7% das pessoas
em situação de pobreza eram pretas ou pardas, sendo que 27,2
milhões eram mulheres. As organizações que monitoram os ODS vêm

1
Ver, entre outras, a Resolução E/CN.4/RES/1999/26, reafirmado pela Resolução E/CN.4/RES/2004/23
e também a posição da Assembleia Geral na Resolução A/RES/57/211, entre outras. Para um mapa mais
amplo ver o artigo disponível em www.scielo.br/pdf/sur/v5n9/v5n9a06.pdf
2
O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GTSC A2030) é uma coalizão que reúne
51 organizações não governamentais, movimentos sociais, fóruns, redes, universidades, fundações e
federações brasileiras
3
Ver https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/
releases/27594-pnad-continua-2019-rendimento-do-1-que-ganha-mais-equivale-a-33-7-vezes-o-da-
metade-da-populacao-que-ganha-menos
11

denunciando a inversão de uma tendência que perdurou até 2015,


quando os índices de pobreza e extrema pobreza reduziram-se
pronunciadamente. Consideram que é insuficiente justificar os
retrocessos apenas como consequência da crise econômica, tornando-
se necessário abordar as escolhas feitas para o enfrentamento da
crise. Entra em cena a Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, do
Teto de Gastos, visto que gera enormes restrições aos investimentos
sociais. Somam-se a isso as reformas trabalhista e previdenciária, que
subtraíram fortemente os direitos dos trabalhadores. As promessas
de que essas reformas fariam o país voltar a crescer e que cresceria
a oferta de emprego não se cumpriram. O desemprego fechou o
ano de 2019 em 11,9% da população economicamente ativa e a
informalidade chegou a 41,1% das trabalhadoras e trabalhadores.

O Relatório Luz apresenta recomendações para a melhoria de


políticas públicas relacionadas com esta agenda. A revogação da EC
nº 95, do Teto de Gastos é uma das mais fundamentais. Além dessa
recomendação, reivindica-se a revisão da reforma trabalhista e
previdenciária, a construção de um sistema tributário progressivo
e a implementação de uma Renda Básica permanente, medidas
necessárias para reduzir as desigualdades, preservar e fortalecer
os sistemas universais de proteção social, entre os quais o Sistema
Único de Assistência Social.

A epidemia da Covid-19, que castigou tão seriamente o país,


escancarou as desigualdades e a dimensão da pobreza no Brasil. Gerou
desdobramentos de tamanha intensidade, como a multiplicação
de pessoas sem renda e o fechamento de pequenas empresas, que
obriga a uma profunda revisão dos caminhos que foram tomados até
aqui. A Agenda 2030, por sua abrangência e pela relevância de seus
dezessete objetivos deve ser uma referência importante para essa
revisão, no qual a pobreza exige urgência em seu enfrentamento.
As Nações Unidas4 alertaram (em julho de 2020) que o Brasil deve
terminar 2020 com 9,5% de sua população na condição de extrema
pobreza, aumentando drasticamente as previsões de taxa de 6% em
2019. A entidade estima que a pobreza também aumentará, passando
para 26,5% da população.

Assim, o não atingimento do ODS 01 significa uma contribuição para


a violação dos direitos humanos de significativos contingentes de
brasileiras e brasileiros e, sobretudo, a inviabilização das condições
para sua integração à sociedade a fim de que possam viver com
oportunidades para desenvolver ao máximo sua condição humana.

4
Ver: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/07/09/pobreza-extrema-no-brasil-dobrara-
e-pandemia-pode-fazer-eclodir-protestos.htm
12
13

ODS 2: FOME ZERO E AGRICULTURA


SUSTENTÁVEL
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE)
Centro Sabiá

O segundo dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável aponta


para “Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria
da nutrição e promover a agricultura sustentável”. Para tal, trabalha
com oito metas e seus respectivos indicadores, que permitem a
avaliação para cada país de seus progressos ou retrocessos obtidos
a cada ano.

O ODS 02 está estreitamente relacionado com a garantia do direito


humano à alimentação adequada, previsto no Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ratificado
pelo Brasil, e incorporado ao artigo 6º da Constituição Federal. Este é
um direito que se realiza como garantia de um conjunto de condições
adequadas de vida, para o que é fundamental que seja realizado de
modo interdependente com indivisibilidade em relação a outros
direitos. O Brasil tem inclusive uma Lei Orgânica de Segurança
Alimentar e Nutricional (Lei Federal nº 11.346/2006), com o objetivo
de assegurar o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e
constitui o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(SISAN). Foi parcialmente desmontado pelo atual governo, ao
destituir o Consea1.

As perspectivas de que o Brasil venha a cumprir o Objetivo 2 vão se


tornando a cada ano mais pessimistas. Em 2017, o Grupo de Trabalho
da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GTSC A2030)2 advertia para
o risco de o Brasil voltar ao Mapa da Fome, divulgado periodicamente
pelas Nações Unidas. O IBGE3 divulgou estudo no qual informa que
10,3 milhões de brasileiras/os viviam em domicílios com privação
severa de alimentação; e 84,9 milhões estavam em domicílios com
algum grau de insegurança alimentar; sendo que metade das crianças
menores de cinco anos (6,5 milhões) viviam em domicílios com algum
grau de insegurança alimentar; e mais da metade dos domicílios com
pessoas autodeclaradas pardas estavam em algum nível de insegurança
alimentar, o que mostra que o Brasil voltou ao Mapa da Fome. Em
2014 houve o reconhecimento de que o Brasil teria superado essa

1
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea): Medida Provisória nº 870/2019,
convertida na Lei Federal nº 13.844/2019.
2
O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GTSC A2030) é uma coalizão que reúne
51 organizações não governamentais, movimentos sociais, fóruns, redes, universidades, fundações e
federações brasileiras.
3
IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no
Brasil. Para acesso as dados https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-
de-noticias/noticias/28903-10-3-milhoes-de-pessoas-moram-em-domicilios-com-inseguranca-
alimentar-grave#:~:text=A%20inseguran%C3%A7a%20alimentar%20grave%20esteve,84%2C9%20
milh%C3%B5es%20de%20pessoas. Ver também https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/09/17/
ibge-confirma-que-pas-voltou-ao-mapa-da-fome-em-2018-diz-pesquisador.ghtml
14

marca lamentável de nossa realidade social com políticas públicas


que possibilitaram a melhoria de vários indicadores utilizados
para essa avaliação. Mas, a partir de 2015, e mais acentuadamente
nos anos seguintes, assistiu-se a uma inflexão nessa tendência de
redução da subalimentação por força de retrocessos em dois níveis
que lhe são determinantes. De um lado, o agravamento do quadro
social, com crescimento do desemprego e redução da renda dos mais
vulneráveis, tendo como consequência a expansão da pobreza e da
extrema pobreza. De outro, com o desmonte de políticas públicas de
segurança alimentar e nutricional, através de cortes orçamentários
drásticos em diversos programas que haviam demonstrado sua
efetividade ao longo de pouco mais do que uma década. Exemplo
disto foi o que aconteceu com o Programa de Aquisição de Alimentos
da Agricultura Familiar (PAA), cujo orçamento de 2019 (R$ 41 mi)
correspondeu a 50% do orçamento de 2003 (R$ 81 mi), ano de início
do programa, e que teve seu maior orçamento em 2012 com R$ 586
mi. O PAA foi tomado como referência em diversos países da América
Latina e Caribe e da África por unir as pontas de produção e consumo,
garantindo alimentos saudáveis para grupos em vulnerabilidade
alimentar. Junto com ele, o Programa de Cisternas que, desde 2017,
perdeu grande parte do orçamento que dispunha.

Deve-se destacar também os grandes retrocessos em relação à


implementação de uma agricultura familiar sustentável, a exemplo
da desconstrução da Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica (PNAPO) e de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER).
Soma-se a isso a desestruturação dos mecanismos de participação
e controle social decretando a extinção de conselhos e comissões.
Também houve redução dos investimentos, a exemplo da ATER, cujo
orçamento para 2020 (de R$ 51 mi) corresponde a 57% a menos do
que o previsto em 2019 (R$ 118 mi). Além da redução dos recursos
previstos, há ineficiência na execução do orçamento, já que, por
exemplo, o orçamento da Política Nacional de Assistência Técnica
e Extensão Rural (PNATER) que, entre 2016 e 2019, teve uma
execução média de apenas 21%, sendo que em 2019 a execução foi
zero. Distancia-se ainda o alcance desse objetivo o fato do governo
brasileiro estimular o uso de agrotóxicos por meio de incentivos
fiscais. Segundo relatório da Abrasco4 , os incentivos foram da ordem
de R$ 10 bi em 2017. Essa política contraria o ODS 2 na medida em
que favorece maior acesso a agrotóxicos e, consequentemente, à
contaminação dos alimentos, fontes de água e solos.

4
Relatório produzido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), através do GT Saúde e
Ambiente, com o apoio do Instituto Ibirapitanga, uma política de Incentivo fiscal a agrotóxicos no Brasil é
injustificável e insustentável.
15

O relatório divulgado pelo GTSC A2030, neste ano, enumerou


algumas recomendações no sentido de reverter o atual quadro
contrário ao Objetivo 2. Entre elas, a referente aos determinantes
econômico-sociais, como é o caso da revogação da Emenda
Constitucional nº 95/2016, do Teto de Gastos, responsável em
grande medida pelas fortes restrições orçamentárias. Além destas, as
recomendações que reivindicam o fortalecimento do Plano Nacional
de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), a correção do
valor per capita da alimentação escolar, a recuperação orçamentária
do PAA e a reabertura do Conselho Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional (CONSEA), que foi extinto desde o início do atual
governo.

O não atingimento do ODS 02 demarcado pelo retorno do Brasil


ao Mapa da Fome indica a não realização do direito humano à
alimentação adequada. São mais de dez milhões de brasileiras e
brasileiros que estão em situação de violação do direito humano
à alimentação adequada, atingindo mais a crianças, mulheres e
negros/as, consequência da grave desigualdade sob os mais diversos
aspectos.

Por...
16
17

ODS 3: SAÚDE E BEM-ESTAR

Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP)


Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP)

As metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS


3), no que tange a “assegurar uma vida saudável e promover o
bem-estar para todas as pessoas, em todas as idades”, são focadas,
prioritariamente, na atenção médica ao tratamento de doenças.

O Objetivo não trata da importância e necessidade de se construir


sistemas universais de saúde, que possam garantir o direito humano
à saúde. Essa ausência de sistema universal pode abrir caminho
para a violação desse direito fundamental para todos e todas e
abrir inclusive espaço para retrocessos no Brasil. As temáticas
metas também não relacionam políticas de saúde com participação
popular e democrática. Consideramos que tais políticas devem ser
formuladas, implementadas e fiscalizadas com ampla participação,
partindo das comunidades e das organizações políticas específicas,
tanto em Conselhos, quanto em Conferências e outros espaços.

O ODS 03 tem relação com o direito humano à saúde, previsto no


Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(PIDESC) e também está garantido na Constituição Federal 1988 nos
artigos 6º e 196 a 200. O Brasil é um dos poucos países cuja atenção
à saúde é por um sistema universal, o Sistema Único de Saúde (SUS).

A acelerada implantação da agenda neoliberal efetivada a partir do


golpe de 2016, teve efeitos imediatos que resultaram em violação
do direito humano à saúde. A primeira medida foi a Emenda
Constitucional nº 95/2016. Seu impacto para a saúde significou uma
perda de R$ 10,2 bilhões em 20181 e R$ 20,2 bilhões de reais em
20192, sendo que pode chegar a R$ 35 bilhões de reais em 20203. A
nova Política Nacional de Atenção Básica (NOVA PNAB), aprovada
pelo governo federal em 2017, promoveu a abertura aos chamados
Planos Populares de Saúde, incentivando a comercialização ainda
maior da saúde em detrimento do direito previsto na Constituição4.

A alteração na Atenção Básica foi continuada e aprofundada pelo


governo Bolsonaro, que publicou a Portaria nº 2.979/2019, através
da qual criou o Programa Previne Brasil, que alterou o financiamento
da atenção básica. Essa Portaria passa a valer em 2021, quebra o

1
Ver https://relatoriodhsaude.blogs.rs/wp-content/uploads/sites/5/2020/10/relatoriodhsaude2019.pdf
2
Ver https://relatoriodhsaude.blogs.rs/wp-content/uploads/sites/5/2020/10/relatoriodhsaude2019.pdf
3
Ver http://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1297-peticao-publica-voce-vai-deixar-o-sus-
perder-mais-r-35-bilhoes-em-2021.
4
Ver www.scielosp.org/article/sdeb/2018.v42nspe1/38-51/
18

princípio da universalidade da saúde, uma vez que define o repasse


dos recursos da saúde aos Municípios, não mais pela regra per capita,
mas pelo número de pessoas cadastradas em Programas definidos
pelo Ministério da Saúde. A iniciativa dá consequência ao prometido
pelo governo Bolsonaro de que, em nome do princípio da equidade
alteraria a normativa infralegal, com o intuito de reduzir o gasto
público em saúde. O efeito dessas medidas, aliadas a várias outras,
foi imediato nos indicadores da saúde: se de 1996 até 2017 houve
uma queda na mortalidade infantil, a partir de então o Brasil volta a
assistir o aumento da mortalidade infantil5 .

No início de 2019, o governo federal anunciou, em discurso público aos


empresários, que acabaria com 90% das Normas Regulamentadoras
(NRs) que garantem a proteção dos trabalhadores brasileiros
e imediatamente iniciou uma agenda de sua revisão6 . O governo
também facilitou o uso indiscriminado de agrotóxicos, perfazendo
um total de 653 autorizações no período de 2019 a maio de 2020,
entre os quais agrotóxicos proibidos na União Europeia, todos
extremamente nocivos à saúde humana7.

Os fatores “determinantes” da saúde, originados da condição


socioeconômica e pessoal também não são considerados. É sabido
e constatado que os fatores políticos, econômicos, sociais, culturais,
ambientais, comportamentais e biológicos podem favorecer – bem
como podem prejudicar – a saúde. As metas também não tratam da
prevenção e da promoção da saúde por meio de políticas públicas,
bem articuladas em cidades e campos saudáveis, estilo de vida e
educação para saúde, terapias complementares e integrativas.
Ademais, no quesito saúde da mulher, por exemplo, o foco se restringe
ao ciclo reprodutivo, desconsiderando uma abordagem mais ampla,
envolvendo o ciclo integral de sua vida, os idosos. Observamos
também que o que está previsto neste objetivo não se articula com
os outros ODS, numa estratégia de intersetorialidade entre os ODS
e suas metas, de forma contínua e articulada, para que se possa
alcançar os resultados e efeitos previstos.

O direito humano à saúde tem sido estruturalmente violado nos


últimos anos, conforme apresentado. Mas, o cenário é ainda mais
preocupante para o período da pandemia da Covid-19, sobretudo
pela “incapacidade” do governo federal em apresentar um plano
de ação condizente. Destaca-se a inexistência de coordenação das
ações de enfrentamento da pandemia pelo governo federal junto aos
Estados e Municípios. Essa ausência explicita-se no fato de não haver
iniciativa coordenada e respeitosa para a aquisição e distribuição da
vacina para a imunização em massa, tendo sido o assunto inclusive

5
Ver www.abrasco.org.br/site/noticias/institucional/especial-abrasco-sobre-o-aumento-da-mortalidade-
infantil-e-materna-no-brasil/36777/
6
Ver https://relatoriodhsaude.blogs.rs/wp-content/uploads/sites/5/2020/10/relatoriodhsaude2019.pdf
7
Ver https://relatoriodhsaude.blogs.rs/wp-content/uploads/sites/5/2020/10/relatoriodhsaude2019.pdf
19

judicializado (STF decidirá sobre obrigatoriedade de vacinação)8.


O governo federal deixou de gastar mais de dois terços do dinheiro
previsto para o combate à Covid-19. Um absurdo que indica a falta
de ação concreta para a área e a sua desincumbência em face dos
governos estaduais e municipais. O próprio ministro interino da
saúde, que ficou nesta condição por mais de três meses, admitiu em
audiência no Senado Federal, no final junho de 2020, que o governo
tinha gasto R$ 10,9 bilhões, o equivalente a 27,2% do total previsto
para o período (que era de R$ 34,49 bilhões)9.

O quadro indica que, ainda que o Brasil tenha o Sistema Único de


Saúde (SUS), um sistema universal para a efetivação do direito
humano à saúde, o que se tem visto é seu permanente desmonte,
o que colabora para que não se realize o direito humano à saúde e,
assim, não está garantindo o atingimento do ODS 3, resultando que
um contingente muito alto de brasileiras e brasileiros ainda vive em
situação de violação do direito humano à saúde.

A epidemia da Covid-19, que castigou tão seriamente o país,


escancarou as desigualdades e a dimensão da pobreza no Brasil. Gerou
desdobramentos de tamanha intensidade, como a multiplicação
de pessoas sem renda e o fechamento de pequenas empresas, que
obriga a uma profunda revisão dos caminhos que foram tomados até
aqui. A Agenda 2030, por sua abrangência e pela relevância de seus
dezessete objetivos deve ser uma referência importante para essa
revisão, no qual a pobreza exige urgência em seu enfrentamento.
As Nações Unidas4 alertaram (em julho de 2020) que o Brasil deve
terminar 2020 com 9,5% de sua população na condição de extrema
pobreza, aumentando drasticamente as previsões de taxa de 6% em
2019. A entidade estima que a pobreza também aumentará, passando
para 26,5% da população.

8
Ver https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,obrigatoriedade-de-vacina-contra-covid-19-vai-ao-
plenario-do-stf,70003486947
9
Ver Agência Senado. Disponível em www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/06/23/ministerio-
so-gastou-27-2-do-dinheiro-para-combater-pandemia-admite-pazuello
20
21

ODS 4: EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

Ação Educativa

O ODS 4 trata da garantia do direito humano à educação, previsto


no Pacto Internacional dos Direitos, Econômicos, Sociais e Culturais
(PIDESC) e também no artigo 6º e 205 a 214 da Constituição Federal.
Trata-se de um dos mais importantes direitos sociais que é também
interdependente aos demais e condição para o exercício de outros
direitos.

A luta por uma política pública que garanta o direito humano à
educação de qualidade no Brasil é muito antiga, remontando ao
tempo da escravização colonial. Comparado a outros países da
América Latina, o país se caracterizou por uma política educacional
tardia, profundamente desigual, que se configura somente a partir
dos anos de 1930. Essa política é marcada por avanços em momentos
democráticos e grandes retrocessos em períodos autoritários - ao
longo do século XX e até os dias atuais. Após o golpe institucional
de 2016, o país vive um novo ciclo de destruição das políticas
educacionais e inúmeros ataques ao Estado Democrático de Direito,
que são acirrados violentamente com a eleição de Jair Bolsonaro.

O momento se caracteriza pelo total esvaziamento do Plano


Nacional de Educação (PNE – Lei Federal nº 13.005/2014), fruto
da luta da sociedade civil, o Plano estabeleceu metas para que o
país avançasse na garantia do direito à educação de qualidade nos
dez anos seguintes. Esse esvaziamento vem ocorrendo por meio de
profundos cortes do financiamento da educação e de outras políticas
sociais e ambientais em decorrência de o país ter adotado a política
econômica de austeridade mais drástica do mundo, segundo a ONU.
Também decorre da atuação de grupos ultraconservadores, como o
movimento Escola Sem Partido e grupos religiosos fundamentalistas,
que promovem a censura e perseguições nas escolas, mudanças
curriculares de viés autoritário, interdição do debate sobre gênero,
sexualidade e raça na educação e militarização de escolas. Uma
educação para obediência a uma ordem desigual.

Para dar alguns indicadores, o balanço do Orçamento Geral da União


em 2019 aponta1 redução dos recursos investidos na educação, que
caíram de R$ 109 bilhões em 2018 para R$ 106 bilhões em 2019.
O PNE prevê, para 2019 e 2020, a destinação de 7% e 10% do PIB,
respectivamente. Com o corte orçamentário, esse percentual não
deve passar os 5% de 2018. A Educação de Jovens e Adultos (EJA)
teve aplicação de R$ 40 milhões em 2019, apenas 3,6% do valor
aplicado em 2011. Segundo o Censo Escolar 2019, as matrículas para

1
Estudo do INESC disponível em www.inesc.org.br/obrasilcombaixaimunidade/
22

essa etapa do ensino diminuíram em 7,7% no período, o que


compromete a chance de se cumprir as metas de redução do
analfabetismo funcional e do aumento da escolaridade da população
adulta. Estudo da Campanha Direitos Valem Mais2 indicam que a
queda na função educação (MDE) foi de R$ 20 bilhões (entre 2014 e
2019), sendo que, depois da Emenda Constitucional nº 95/2016, de
2017 para 2019, ocorreu uma perda de R$ 15 bilhões nas despesas
na função educação. O Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE), que tem enorme impacto social e atinge 40 milhões de
crianças, adolescentes e jovens da rede pública e conveniada na
educação básica teve uma queda de R$ 1,1 bilhão (21%) entre 2013
e 2019, sendo que, depois da emenda Constitucional, entre 2017 e
2019, foram R$ 200 milhões a menos.

O IBGE na PNAD Contínua 20193 mostrou que houve um leve


aumento na proporção de pessoas de 25 anos ou mais com ensino
médio completo, que passou de 45,0% em 2016, para 47,4% em 2018,
e 48,8% em 2019. Todavia, mais da metade (51,2% ou 69,5 milhões)
dos adultos não concluíram essa etapa educacional. No Nordeste,
três em cada cinco adultos (60,1%) não completaram o ensino médio.
Entre as pessoas brancas, 57,0% tinham concluído esse nível no país,
enquanto essa proporção foi de 41,8% entre pretos ou pardos.

A pesquisa também divulgou dados sobre abandono escolar: das 50


milhões de pessoas de 14 a 29 anos do país, 20,2% (ou 10,1 milhões)
não completaram alguma das etapas da educação básica, seja por
terem abandonado a escola, seja por nunca a terem frequentado.
Desse total, 71,7% eram pretos ou pardos. Na passagem do ensino
fundamental para o médio se acentua o abandono escolar, uma vez
que aos 15 anos o percentual de jovens quase dobra em relação à
faixa etária anterior, passando de 8,1% aos 14 anos, para 14,1% aos
15 anos. Os maiores percentuais, porém, se deram a partir dos 16
anos, chegando a 18,0% aos 19 anos ou mais.

Entre os principais motivos para a evasão escolar, os mais apontados


foram a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse
(29,2%). Entre as mulheres, destaca-se ainda gravidez (23,8%) e
afazeres domésticos (11,5%). A taxa de escolarização foi de 35,6%
(3,6 milhões) para crianças de 0 a 3 anos; de 92,9% (5 milhões) na
faixa de 4 e 5 anos; de 99,7% (25,8 milhões) dos 6 aos 14 anos, bem
próximo à universalização; de 89,2% (8,5 milhões) de 15 a 17 anos; de
32,4% (7,3 milhões) de 18 a 24 anos; e de 4,5% (6,1 milhões) para 25
anos ou mais.

O estudo também mostrou que, entre as pessoas de 15 a 17 anos de

2
DIREITOS VALEM MAIS - Coalizão pelo fim da Emenda Constitucional 95. Documento apresentado
ao STF em 07/05/2020. Disponível em https://direitosvalemmais.org.br/wp-content/uploads/2020/05/
DOCUMENTO_STF_Maio_2020.pdf
3
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua 2019)
23

idade, 78,8% se dedicavam exclusivamente ao estudo. Observe-se


que, do total das pessoas de 15 a 29 anos de idade (46,9 milhões),
22,1% não trabalhavam, não estudavam, nem se qualificavam, sendo
que entre as mulheres esse percentual foi de 27,5% e entre pessoas
pretas e pardas de 25,3%.

A pesquisa mostrou ainda que a taxa de analfabetismo está em 6,6%,


11 milhões de pessoas, das quais, mais da metade (56,2% ou 6,2 milhões)
vive na região Nordeste; a taxa é de 5,3 pontos percentuais maior
do que para brancos, sendo 8,9% para pretos e pardos e 3,6% para
brancos.

A pesquisa “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus”4, realizada


pelo Conselho Nacional da Juventude (Conjuve) mostrou que quase
30% dos jovens pensam em deixar a escola e, entre os que planejam
fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), 49% já pensaram
em desistir, particularmente em razão da grande dificuldade de
estudar em casa. Segundo a OCDE5 somente metade dos estudantes
teriam acessado toda ou a maior parte dos conteúdos oferecidos por
atividades remotas. A pandemia também agravou as desigualdades
educacionais, sobretudo porque o impacto da suspensão das aulas
e do acesso remoto, além das condições de estudo no ambiente
doméstico são muito desiguais, afetando sobretudo aos mais pobres.
Um estudo6 mostra que 89% dos professores não tinha experiência
anterior à pandemia para dar aulas remotas e 42% ainda não tinham
recebido treinamento para tal, aprendendo tudo por conta própria;
e, para 21%, é difícil ou muito difícil lidar com tecnologias digitais.
Estes dados, que são apenas indicativos, mostram o agravamento
das condições educacionais para os mais pobres em consequência da
pandemia.

O Brasil ainda não atingiu a qualidade educacional desejada nos


mais diversos níveis, além de estar longe do acesso satisfatório.
Dessa forma, ainda tem dificuldades de atingir o estabelecido pelo
ODS 4 e dessa forma de realizar o direito humano à educação.
A implementação do ODS4 enfrenta inúmeros obstáculos, mas
a atuação da sociedade civil tem sido decisiva para denunciar os
retrocessos, resistir às recorrentes ameaças e anunciar possibilidades
que semeiem horizontes para ação política.

4
Ver o relatório completo em www.juventudeseapandemia.com/
5
Ver “Education at a Glance 2020”, disponível em https://read.oecd-ilibrary.org/education/education-at-
a-glance-2020_69096873-en#page2 e “The Impact of Covid-19 on Education”, disponível em www.oecd.
org/education/the-impact-of-covid-19-on-education-insights-education-at-a-glance-2020.pdf
6
Pesquisa “Trabalho Docente em Tempos de Pandemia”, foi feita pelo Grupo de Estudos sobre Política
Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG) e a
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Ver http://abet-trabalho.org.br/wp-
content/uploads/2020/07/cnte_relatorio_da_pesquisa_covid_gestrado_v02.pdf
24

A Ação Educativa tem liderado desde 2018 uma articulação de


organizações, entidades sindicais e instituições acadêmicas que
desenvolve ações comprometidas com a defesa de profissionais de
educação, estudantes e escolas e o litígio estratégico junto ao Supremo
Tribunal Federal (STF) pela inconstitucionalidade de leis municipais
e estaduais baseadas em propostas do Movimento Escola Sem Partido
e que proíbem o debate sobre gênero e sexualidade nas escolas. No
primeiro semestre de 2020, o STF decidiu pela inconstitucionalidade
de dez das quinze ações que tratam do assunto, afirmando ser dever
do Estado brasileiro a abordagem de gênero e sexualidade nas escolas
como forma de prevenção da violência e discriminação sofrida por
crianças, adolescentes, mulheres e população LGBT. Tal decisão
representa uma vitória histórica. A Ação Educativa lidera – como
parte da coordenação executiva da Plataforma DHESCA – a “Coalizão
Direitos Valem Mais”, um esforço intersetorial que tem por objetivo
o fim da Emenda Constitucional nº 95/2016 e a construção de uma
nova economia comprometida com os direitos humanos e direitos
da natureza. A Ação Educativa teve forte atuação pela aprovação,
em agosto de 2020, da Proposta de Emenda Constitucional do novo
Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais de Educação) como parte da “Campanha Nacional pelo
Direito à Educação”, da Iniciativa “De Olho nos Planos” e do “Capítulo
Brasil do Fundo Malala”.

A Ação Educativa segue na formulação, disseminação e


implementação de suas metodologias participativas voltadas para
escolas e comunidades, baseadas em princípios da educação popular
e de direitos humanos. Também promove a educação antirracista
nas escolas: “Educação e Relações Raciais” é uma coleção de
materiais de apoio disponibilizada gratuitamente para escolas. Tem
propostas e metodologias de autoavaliação participativa escolar,
consolidadas na coleção Indique. Estimula a abordagem intersetorial
e territorializada, fortalecendo a relação de escolas com serviços
públicos e organizações e coletivos das comunidades populares por
meio da metodologia “A Escola na Rede de Proteção”. Promove o
debate e a disseminação de propostas educativas por meio do site
“Gênero e Educação” sobre os direitos das meninas, mulheres e da
população LGBT. Essas e outras metodologias participativas da Ação
Educativa também vêm sendo disseminadas por meio do Centro de
Formação Educação Popular e Direitos Humanos da instituição, criado
ao final de 2017.
25
26

ODS 5: IGUALDADE DE GÊNERO

SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia


Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)
Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB)1

O ODS recolhe e articula vários direitos humanos das mulheres,


sobretudo a necessidade da não-discriminação de gênero prevista
nos vários instrumentos 2 de proteção dos direitos humanos aos
quais o Brasil é signatário e também as previsões constitucionais.
Por isso, o alcance deste ODS implica na necessária realização dos
direitos humanos das mulheres e das meninas.

No Brasil, o cenário instalado é de ameaça permanente de


retrocessos, assim como de retrocessos já instaurados, aos direitos
de mulheres e meninas. Os retrocessos aprofundam desigualdades
de gênero, de raça, etnia e classe que são estruturais e históricas,
nunca suficientemente enfrentadas e nesse momento agravadas e
reforçadas pela ação necropolítica do Estado. A cada medida adotada
pelo atual governo federal ocorre distanciamento das metas dos
objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e, mais ainda, dos
objetivos de luta construídos pelos movimentos de mulheres negras
e feministas em nosso país. Os retrocessos em políticas e direitos
conquistados se instauram desde o golpe de 2016, são agravados
no governo Bolsonaro e exponenciados durante a pandemia de
Covid-19, que escancara as desigualdades estruturais vivenciadas
pelas mulheres pobres e negras.

Os direitos das mulheres e meninas, da população negra, dos povos


indígenas, da população LGBTI se encontram sob ataque direto das
forças conservadoras, fundamentalistas e neoliberais organizadas
na sociedade e hoje atuantes nas políticas do Estado brasileiro, que
implementa uma política conservadora de caráter abertamente
racista, misógino, baseada no desprezo de classe e na violência contra
toda forma de organização e expressão política de organizações que
defendem os direitos humanos.

Declarações absurdas de representantes deste governo levam


a implementar uma política deliberada de redomesticação das
mulheres, dos corpos femininos, e de aniquilação da população
negra e indígena - seja pela via do encarceramento ou do genocídio
praticado pela violência estatal, pela militarização nos territórios que

1
Texto elaborado por Mércia Alves, do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia; Valdecir
Nascimento da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB)/Odara Instituto da
Mulher Negra e Verônica Ferreira, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)/SOS Corpo.
2
Entre eles o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), do Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), entre outras.
27

aprisionam e se apossam dos corpos das mulheres, negras, jovens,


como dominação do patriarcado-racista, promovendo violências
sexistas, abuso e exploração sexual, feminicídio.

Segundo dados do Fórum de Segurança Pública de abril de 2020, há


um crescimento no número de feminicídos no contexto da pandemia
Covid-19 com repercussão sobre a vida e os corpos políticos das
mulheres negras. A violência doméstica contra mulheres e meninas
vem se acentuado no contexto de isolamento. A rede de proteção
e atendimento às mulheres vítimas de violência está em completo
desmantelamento desde o golpe de 2016. Dados revelam um
crescimento da violência doméstica na ordem de 30 a 50 % em alguns
estados brasileiros (SP, RJ, AC). Houve um recuo de 8,6%, no número
de denúncias pelo Disque 180, o que revela descrédito na estrutura de
proteção e medo. Mas, no meio virtual há relatos de briga de casal que
registra um aumento de 431% (FBSP, 2020).

A autonomia sexual e a justiça reprodutiva estão ameaçadas tanto


por iniciativas do governo federal, como pela atuação das forças
fundamentalistas no parlamento, direcionadas sobretudo a restringir,
inviabilizar e criminalizar a atenção ao aborto, nos casos previstos
em lei, submetendo mulheres e meninas à tortura de uma gravidez
resultante da violência dos homens e, por essas medidas, pela
violência do Estado. Tais medidas violam e retrocedem em garantias
já existentes e ferem compromissos internacionais assumidos pelo
país. No contexto em que a violência doméstica, o feminicídio e a
violência sexual recrudescem, o Estado desestrutura políticas e
serviços públicos voltados para a atenção das mulheres em situação
de violência. A ação das forças fundamentalistas no parlamento, do
nível federal ao municipal, faz uma investida contra as possibilidades de
prevenção e proteção contra a violência e o abuso sexual, ao tentarem
interditar o debate sobre educação sexual sob o discurso de ataque à
“ideologia de gênero”, artifício utilizado em toda a América Latina por
grupos fundamentalistas para restringir as possibilidades de avançar
nos direitos sexuais e na justiça reprodutiva. No plano internacional,
o governo brasileiro se alinha a outros governos conservadores para
atuar contra o direito ao aborto nos espaços do sistema ONU, o que
representa uma ameaça para a autonomia das mulheres para além
das fronteiras do país.
28

A pandemia tem revelado e agravado uma situação estrutural de


sobrecarga no trabalho doméstico e a desproteção social em que
se encontram majoritariamente as mulheres negras. A reforma da
previdência aprovada em 2018 eliminou, na prática, as possibilidades
de acesso à aposentadoria e outros benefícios da previdência social
para as mulheres na informalidade. A sobrecarga no trabalho
doméstico e de cuidados, já crítica num país em que apenas cerca
de 21% das crianças de 0 a 3 anos de idade tem acesso à creche, se
aprofundou no contexto da pandemia. As trabalhadoras domésticas
remuneradas, em que pese as garantias constitucionais de direitos
resultantes de décadas de luta e organização, enfrentam violações de
direitos e práticas de exploração eivadas de violência racista, herança
do patriarcado-colonial. São uma das categorias mais afetadas pelo
desemprego, segundo dados do DIEESE e no contexto da pandemia
foram alvo de práticas discriminatórias de empregadores/as e até
mesmo de governos locais, que lhes retiraram o direito à quarentena.
A primeira vítima da Covid-19 no Brasil, foi uma trabalhadora
doméstica, negra. As mulheres brasileiras sustentam o cotidiano e
suas famílias, sem direitos e sem proteção social. As condições para
sua autonomia financeira estão sendo cotidianamente solapadas
pelas reformas trabalhista e previdenciária, pelo desemprego,
pela precarização e pela desestruturação das políticas de apoio à
agricultura familiar e camponesa. O agravamento das injustiças
socioambientais e a ação deliberada contra territórios de povos e
populações tradicionais colocam em ameaça modos de vida e as
condições de existência material e imaterial das mulheres indígenas,
quilombolas, ribeirinhas, camponesas e dos povos que vivem do mar.

As condições para resistir, denunciar e lutar contra estes retrocessos


também se encontram ameaçadas por iniciativas de criminalização
contra as organizações e defensoras de direitos humanos e da
repressão violenta contra lideranças e movimentos, principalmente
daqueles(as) que se insurgem em defesa de seus territórios na luta
por direitos.

No atual cenário, as condições para avançar nos direitos de meninas


e mulheres exigem a derrubada deste governo conservador e de
seu projeto ultraneoliberal, racista e misógino que tem amparo no
crescimento conservador em nível internacional.

Fortalecer os movimentos e organizações de mulheres e suas lutas


para fazer frente às forças conservadoras organizadas no Estado e
na sociedade contra os direitos de meninas e mulheres e instaurar o
enfrentamento ao patriarcado, ao racismo e ao projeto neoliberal no
centro das resistências democráticas são o nosso desafio.

Superar o patriarcado, racismo e o capitalismo e construir as


possibilidades para o bem viver: estes são os nossos objetivos.
29
30

ODS 6: ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO

FASE – Solidariedade e Educação1


ASA- Articulação no Semiárido Brasileiro2

O Brasil tem o compromisso de até 2030 garantir que o acesso à água


potável e o tratamento de esgoto seja universalizado.

Água potável e saneamento compõem parte dos direitos sociais


previstos no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais (PIDESC), compondo a garantia de um nível de vida
adequada, do direito humano à alimentação e do direito social à
moradia adequada. O direito à água3 é explicitado como um dos
grandes desafios para toda a humanidade na atualidade.

Somos o país com a maior quantidade de água doce do mundo, com


12% do total existente. Em território nacional estão os aquíferos Alter
do Chão, na região Norte, e, no Sul, o multinacional Guarani; temos
extensos corpos hídricos e um fluxo regular de recarga natural dos
mananciais. Mesmo com o agravamento dos efeitos das mudanças
climáticas – secas prolongadas e interrupções de abastecimento
de água – e o avanço da produção agroindustrial; contamos com
empresas públicas estaduais responsáveis pela provisão de água e
tratamento de esgoto bem estruturadas – essas são responsáveis
por 72% desses serviços; existem tecnologias sociais bem sucedidas
responsáveis pela captação e o armazenamento da água da chuva, que
precisariam de investimento para ampliar a escala da sua aplicação.

No entanto, os indicadores mostram que o Brasil ainda está longe de


alcançar a meta 6 dos ODS no prazo acordado. Em 2018, conforme o
SNIS4 , registrava-se que 40,4 milhões de pessoas não tinham acesso
à água potável e 102 milhões não tinham seu esgoto tratado. O
governo atual, equivocadamente, como nos mostram as experiências
malsucedidas de privatização em países de diferentes continentes
e rendas, aposta no mercado e quer usar recursos públicos para
alavancar a privatização desses serviços. Faz uma radical alteração no
marco regulatório do saneamento com a instituição da Lei Federal nº
14.026/2020, que visa privatizar os serviços de água e saneamento,
acompanhado de meios para passar o patrimônio das empresas
públicas para o setor privado.

1
Escrito por Aercio Barbosa de Oliveira, assessor da FASE – Solidariedade e Educação e mestre em filosofia
da ciência e Caroline Rodrigues da Silva, assistente social e educadora da FASE – Solidariedade e Educação.
2
Escrito por Alexandre Henrique Bezerra Pires, biólogo, mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local
(UFRPE), coordenador Geral do Centro Sabiá, coordenador Executivo da ASA e membro do Núcleo Executivo
da ANA
3
Ver o Comentário Geral nº 15 (2002) do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.
Disponível em http://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler. Ver também o Manual Prática para
a realização do direito humano à água e saneamento. Ver www.ohchr.org/Documents/Issues/Water/
Handbook/Book1_intro
4
Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
31

Seguindo a lógica da mercantilização dos bens e serviços públicos,


desresponsabilizando o Estado de reduzir as desigualdades
socioeconômicas, o que mostra efeitos perversos com diferentes
configurações, o governo federal, com o apoio da maioria de
legisladores, governos estaduais e municipais, ameaça transformar a
água em mais uma commodity.

Os serviços públicos de abastecimento e saneamentos são quase


inexistentes para as populações rurais. Especialmente para o
Semiárido rural, o alcance do Objetivo torna-se ainda mais distante.
Segundo boletim do Ministério da Cidadania, os investimentos no
Programa Cisternas5 no ano de 2019 foram menores que em 2005
quando o programa passou a ter previsão no Orçamento Geral
da União, R$ 67 milhões e R$ 68,5 milhões, respectivamente. O
Programa Cisternas atingiu maior investimento nos anos de 2011
a 2014, com um orçamento médio de R$ 719 milhões. Segundo
dados da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), cerca de 350
mil famílias agricultoras não têm acesso à água potável e outras 800
mil famílias não têm fontes de água para a produção de alimentos
durante as estiagens.

Não obstante, movimentos sociais do campo, das cidades e das


florestas, povos tradicionais, pescadoras artesanais, indígenas e
quilombolas e tantos outros que se opõem a essa prática perversa,
que acentua desigualdades e elimina o patrimônio público, se
mobilizam para defender a universalização do serviço de saneamento
público e do acesso à água como um bem comum, essencial à vida,
para redução das desigualdades socioambientais e para o equilíbrio
dos ecossistemas.

As decisões de mercantilização do saneamento e cada vez mais


crescente da água, comprometem o atingimento do ODS e da garantia
do direito humano à água e ao saneamento como parte dos direitos
sociais a um nível de vida adequado. Afasta-se o Brasil da garantia
deste direito e deste ODS.

5
Iniciativa recebeu o Prêmio Internacional de Política para o Futuro de 2017 (Future PolicyAward)
durante a 13ª sessão da Conferência das Partes da UNCCD em Ordos, na China.
32
33

ODS 7: ENERGIA ACESSÍVEL E LIMPA

Movimento dos Atingidos e Atingidas por barragens (MAB)

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7: “Assegurar o acesso


confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para
todas e todos”, parece resumir bem a necessidade de acesso à
energia enfrentada por milhões de pessoas no mundo todo. Porém,
a realidade é mais complexa do que esse objetivo e seus indicadores
sugerem.

O acesso à energia no Brasil está limitado a regiões e cidades


urbanizadas e nas quais se apresenta uma perspectiva de lucro,
visto que é essa lógica que orienta a atuação da política energética, a
partir, principalmente dos anos 1990. Até então, o Estado brasileiro
estava desenvolvendo e investindo no setor, principalmente com
a construção de grandes usinas hidrelétricas em todas as regiões.
Barragens forçaram a remoção de milhares de pessoas, sendo
que a grande maioria não recebeu qualquer tipo de compensação
ou indenização pelas perdas. Essas comunidades, que tiveram
seus direitos humanos negados, principalmente o direito à
informação e participação na tomada de decisão, também foram
aquelas que arcaram - e continuam arcando com os impactos dos
empreendimentos e que continuam tendo seus direitos violados,
particularmente o direito à água, como um bem comum, e à energia
de forma confiável e acessível. Nesse cenário, as mulheres são ainda
mais atingidas, visto o papel social ainda designado a elas pelo
patriarcado em nossa sociedade, o do cuidado e reprodução, além de
suas particularidades e dificuldades para reconstruírem suas vidas.
Essa contradição da política energética brasileira ilustra como sua
lógica é perversa e viola direitos. Pessoas que foram retiradas de sua
casa para que se produzisse energia, não acessam essa energia. E,
quando acessam, pagam tarifas extraordinárias e desproporcionais.

Além da população atingida pelos empreendimentos energéticos, a


população dos grandes centros urbanos, principalmente da periferia
destas cidades, sofrem com a qualidade ruim do acesso à energia e
também pagam uma das tarifas mais altas do mundo, visto o domínio
de empresas transnacionais no setor, levando a indexação da tarifa
de energia ao dólar e ao mercado internacional. O Brasil possui uma
base natural de elevada produtividade hidroelétrica (62% da matriz
energética do país provém dessa fonte), porém, o baixo custo de
produção não é utilizado para garantir energia a preços acessíveis ao
povo, muito pelo contrário. O baixo custo e a oferta de extraordinárias
taxas de lucro atraem os grupos econômicos internacionais e
transforma a energia em uma mercadoria, longe da concepção da
energia como um direito.

O ODS 7 e seus indicadores infelizmente seguem essa mesma lógica


da política energética voltada para o lucro, o que afeta particularmente
34

países da periferia capitalista - como os países da América Latina e


África. Neles é onde a população tem o acesso limitado à energia, seja
pela falta de estrutura e/ou pelo seu custo. As metas do Objetivo só
estimulam e ampliam mercados privados, reforçando a perspectiva da
energia como mercadoria e não como direito. A conhecida “economia
verde”, que vende alternativas renováveis e “limpas” para produção
de energia, mas que simplifica o conceito de renováveis e limpas, não
considera (ou pouco considera) os impactos sociais e ambientais dessas
alternativas, visto que também segue a lógica do lucro. Nesse sentido, o
ODS 7 só poderá ser alcançado com sucesso se for construído focando
na participação e apropriação social dos resultados, assim como
respeitando a soberania dos povos, distribuindo as riquezas geradas e
tendo o acesso à energia como um direito.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) constrói a iniciativa da Plataforma


Operária e Camponesa da Água e Energia (POCAE) junto com 22 organizações, entre
elas sindicatos de trabalhadores do setor da energia, da educação e movimentos e
organizações sociais do campo e da cidade. A POCAE estuda o atual modelo de produção,
distribuição e comercialização de energia e discute o que seria um novo modelo ambiental
e socialmente sustentável. A proposta é aprender como a política do setor funciona
através da perceptiva de diversos setores da sociedade, aprender com as iniciativas
de produção alternativa de energia e construir a proposta de um Projeto Energético
Popular para o Estado brasileiro. Os princípios desse Projeto são: soberania, distribuição
da riqueza e controle popular. Sendo um projeto para todo o setor energético, não apenas
para energia elétrica. Uma experiência do MAB na produção alternativa de energia com
uma fonte renovável e com controle popular que visa garantir o acesso à energia elétrica
de comunidades vulneráveis está no Norte de Minas Gerais. O Projeto de Pesquisa
e Desenvolvimento Tecnológico Veredas Sol e Lares, coordenado pela Associação
Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS), tem a PUC Minas, Efficientia e Axxiom
como entidades executoras e a CEMIG como propositora e gestora. “O ‘Veredas’ tem
a premissa da participação direta dos atingidos e atingidas na concepção, implantação,
como entidades executoras e a CEMIG como propositora e gestora. “O ‘Veredas’ tem
a premissa da participação direta dos atingidos e atingidas na concepção, implantação,
operação e gestão de uma usina solar flutuante a ser construída sobre o reservatório da
PCH Santa Marta em Grão Mongol (MG),
e através deste processo, construir
um formato de apropriação social
dos resultados gerados e indução do
desenvolvimento regional, a partir das
comunidades diretamente envolvidas”.
A geração de energia da usina é
destinada a 1.250 famílias inseridas em
21 municípios do Jequitinhonha e Rio
Pardo, totalizando uma abrangência
de aproximadamente 4.000 pessoas
diretamente beneficiadas.

Autores
35
36

ODS 8: TRABALHO DECENTE E CRESCIMENTO

Departamento Intersindical de Estatística e


Estudos Socioeconômicos (DIEESE)1

Para que o Brasil se aproxime do oitavo dos “Objetivos do


Desenvolvimento Sustentável”, enunciado como “crescimento
econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno
e produtivo e trabalho decente para todas e todos”, é necessária
uma mudança drástica nos rumos da economia e das propostas de
mudança da legislação trabalhista do país, o que não vai ocorrer no
momento atual.

O trabalho decente é parte dos direitos econômicos e sociais previstos


no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(PIDESC), também previsto no artigo 6º da Constituição Federal. O
direito ao desenvolvimento como direito humano está previsto na
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas.

O mercado de trabalho brasileiro sempre foi heterogêneo e


excludente, configurado a partir de um processo de industrialização
tardia, que utilizou tecnologia importada, aceleração da urbanização
e superexploração da força de trabalho disponível. Esses fatores,
somados às escolhas políticas do Brasil ao longo de várias décadas,
fizeram com que milhares de trabalhadores permanecessem fora
do chamado assalariamento com carteira assinada ou mercado de
trabalho formal, protegido pela legislação trabalhista e previdenciária.

A perda da renda e do trabalho é crescente, com registro de aumento


do desemprego, da informalidade e da precarização das relações de
trabalho - particularmente ainda mais grave para negros e negras
e para mulheres. Segundo o IBGE, em junho de 2020: 39% dos
trabalhadores pretos e pardos estavam em regime de informalidade,
ante 29,9% dos brancos; 18,3% das mulheres estavam paradas, ante
11,1% dos homens. O total de desempregados é superior a 13 milhões,
aos quais se somam 15,4 milhões que não procuraram trabalho na
terceira semana de setembro/2020 e 21,8 milhões tiveram renda
menor por causa da pandemia em agosto de 2020. A mesma pesquisa
mostra que até a segunda semana de agosto/2020 havia 8,3 milhões
de pessoas trabalhando remotamente, em torno de 10% das pessoas
ocupadas no país, um aumento significativo, já que, em 2018, quando
foi registrado um recorde nesse contingente, era de 3,8 milhões.

O IBGE também revela as desigualdades no mundo do trabalho, visto


que, em 2019, o rendimento médio mensal real do trabalho do 1% da

1
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) é uma entidade
criada e mantida pelo movimento sindical brasileiro. Foi fundado em 1955, com o objetivo de
desenvolver pesquisas que subsidiassem as demandas dos trabalhadores
37

população com os rendimentos mais elevados era de R$ 28.659, o


que significava 33,7 vezes o rendimento dos 50% da população com
os menores rendimentos (R$ 850). No mesmo ano, a parcela dos
10% com os menores rendimentos da população detinha 0,8% dessa
massa, enquanto os 10% com os maiores rendimentos detinham
42,9% dela. A dimensão racial desta desigualdade aparece no fato de
que o rendimento médio mensal real de todos os trabalhos era muito
diferente, sendo que para as pessoas brancas era de R$ 2.999), para
as pardas de R$ 1.719 e para as pretas d R$ 1.673, o que significa que
as pessoas brancas apresentaram rendimentos 29,9% superiores
à média nacional (que foi de R$ 2.308), enquanto para as pardas foi
25,5% inferior à média e para as pretas, 27,5% inferior. Na dimensão
gênero também aparece a desigualdade com o rendimento de todos
os trabalhos dos homens em R$ 2.555, que é 28,7% mais alto que o
das mulheres, de R$ 1.985.

O movimento neoliberal, que clamou pela flexibilização da legislação


do trabalho, afirmando que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)
foi responsável pelo alto custo da mão de obra, pela informalidade e
pela ausência de emprego, conseguiu colocar em prática seu projeto
por meio da Reforma Trabalhista (Lei Federal nº 13.467/2017) e da
liberação irrestrita da terceirização (Lei Federal nº 13.429/2017).

Desde então, o Brasil vive uma realidade que o distancia cada vez
mais do conceito de trabalho decente, da inclusão social, do emprego
pleno e produtivo. O número de pessoas que trabalham menos horas
do que gostariam, assim como o de desalentados e desempregados,
vem crescendo. Também aumenta a quantidade de contratos
intermitentes, criados pela Reforma Trabalhista, que não garantem
renda digna mensal ao trabalhador e o deixa à mercê da demanda
empresarial, sendo os jovens, as mulheres e os negros que mais
sofrem com este cenário desfavorável.

O mercado não tem capacidade de promover mudanças e traçar as


diretrizes e políticas capazes de resolver os problemas que impedem
que o país caminhe rumo à meta 8 dos “Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável”. Faz-se necessário um Estado que planeje o crescimento
com desenvolvimento social, olhando a questão do trabalho não
apenas como mero custo a ser reduzido para gerar mais lucro, mas
sim como garantidor de vidas e de direitos sociais. Os trabalhadores
merecem condições dignas de trabalho e renda suficiente para uma
vida decente.
38
39

ODS 9: INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E


INFRAESTRUTURA
Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP)

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 9 diz respeito ao


desenvolvimento, focado na indústria, especialmente baseado
em inovação e apoiado em infraestrutura. Mais especificamente:
“Construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização
inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação.”

Na leitura da visão da ONU sobre o ODS 9, comparada à adequação


brasileira2, salta aos olhos uma diferenciação clara de conteúdo. A
visão da ONU parece indicar a importância do crescimento do setor
industrial dentro de uma estratégia de desenvolvimento, aí realçada
também a pequena e média indústria, e em um caminho que seja
inclusivo do ponto de vista da população e sustentável. Dentro dessa
estratégia, a inovação dá a dinâmica do crescimento industrial e a
infraestrutura é um importante coadjuvante desse processo, dando a
base que viabiliza o processo de desenvolvimento industrial.

O Brasil passa, desde os anos 1980, por um longo processo


em que o desenvolvimento industrial foi se apequenando. Nos
anos 1990 começou a ficar claro o processo que se chamaria de
“desindustrialização”, com a indústria perdendo peso relativo e,
no momento seguinte, até absoluto, em relação a outros setores
da economia. A “globalização”, com a estruturação de cadeias
internacionais de produção objetivando privilegiar vantagens de
localização para cada momento da produção (setores intensivos em
mão de obra se instalam onde a mão de obra é mais barata, setores
intensivos em consumo de energia onde energia é mais barata, e por
aí vai), somada a liberalização comercial, abrindo espaço tanto para
a importação de componentes quanto de produtos finais, acabou
resultando no Brasil em uma estrutura produtiva que se decompôs,
quebrando as cadeias internas de fornecedores. É em meio a esse
processo que precisamos entender e localizar a discussão sobre o
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 9 no Brasil.

Ao invés de reconhecer esse processo e apontar para mecanismos de


defesa e adensamento do que restou da estrutura industrial brasileira,
articulando isso com um novo salto em direção ao atendimento da
demanda interna, incorporação de mais trabalhadores, e tomando em
consideração fundamentalmente a sustentabilidade, em um processo
em que uma política industrial ativa e o planejamento pudessem ter
papéis essenciais, a releitura brasileira focou em um papel passivo do

1
A comparação entre as duas visões pode ser vista, por exemplo, na página web do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPES), órgão público oficial de pesquisa brasileiro, em www.ipea.gov.br/ods/ods9.
html, em 29/08/2020.
40

Estado, mais no sentido de criar algum ambiente favorável para que


nele se dessem decisões privadas de investimento que pudessem
alavancar o crescimento industrial. Além disso, em muitos momentos,
a visão de desenvolvimento industrial oscila para uma visão de
desenvolvimento de diversos setores econômicos (incluindo outros,
que não a indústria), movimento que ao ser feito retira o foco dado
nesse ODS à indústria, abrindo margem para que o crescimento a
que se refere a discussão possa se dar em outros setores que não a
indústria em si, não apenas abrindo margem, mas podendo dar como
cumpridos os objetivos a que se refere o ODS 9 mesmo que não haja
ativação da produção industrial, ou em outras palavras, mesmo que
siga no país o processo de “desindustrialização”.

A meta 9.1 se reduz de uma melhoria geral da infraestrutura para


uma leitura em que essa melhoria se limita à logística de transportes
(“aprimorar o sistema viário”), reforçando a visão de que os
investimentos em ampliação da malha de transportes (sem dúvida
importantes, mas muitas vezes contraditórios com a preocupação
de sustentabilidade). Como se a melhoria do sistema de transportes
em si, e a possibilidade de integração regional e internacional da
malha de transportes pudesse por si só gerar importante estímulo ao
desenvolvimento industrial.

A meta 9.2, que na leitura da ONU é quase o pilar desse ODS, a


promoção de uma “industrialização inclusiva e sustentável e, até
2030, aumentar significativamente a participação da indústria no
emprego e no produto interno bruto”, se transforma quase que por
inteiro em uma melhoria da produtividade industrial, o que é ainda
mais complexo quando se tem como referência que melhorias
significativas de produtividade se ligam fortemente com aumentos
de demanda (crescimento dos mercados). No fundo, do ponto de
vista de pensar uma indústria inclusiva e sustentável, onde uma
política industrial ativa teria um papel extremamente relevante,
acaba em uma visão bastante limitada, focando em um debate interno
(orientado pela oferta) para o crescimento da indústria (o que, no
caso brasileiro, acaba levando historicamente a menos empregos,
rebaixamento de salários e da qualidade dos empregos industriais).

No que diz respeito à meta 9.3 (acesso a crédito para pequenas e média
empresas), a prevalência nos formuladores de política econômica no
Brasil de uma visão “financista” (expressão dos interesses do setor
financeiro) relê a visão da ONU de “crédito acessível” (que poderia
ser lido como crédito mais barato) para uma interpretação de “crédito
em condições adequadas à realidade dessas empresas”, onde fica
menos clara a ideia de créditos mais baratos, embora a formulação
ainda possa dar margem a esse entendimento. Nos indicadores
sugeridos, entretanto, isso fica mais claro, quando não aparece
nenhum indicador relativo a custo dos créditos.

Na meta 9.4, a releitura brasileira novamente, como na meta 9.2,


ao invés de focar na indústria, amplia para “atividades econômicas”,
voltando a retirar a ênfase desse ODS em indústria. Além disso, ao
41

invés de utilizar a linguagem “limpos e ambientalmente adequados”,


aponta apenas a utilização de recursos renováveis, reduzindo a força
na sustentabilidade ambiental da formulação da ONU.

No que diz respeito a meta 9.5, a indústria novamente é substituída


por um genérico “empresas”, que evidentemente podem não ser
industriais. Enquanto a leitura brasileira é muito específica em
objetivos numéricos a serem alcançados, perde a força da definição da
ONU de um aumento “substancial” de trabalhadores, pesquisadores
e recursos público e privados, embora um genérico dispêndio em
pesquisa e desenvolvimento volte nos indicadores, sem especificar
um aumento substancial do gasto público, como está na formulação
da ONU.

No geral, se observa que a releitura brasileira reduz a preocupação


com a indústria, com a política industrial e o gasto público no sentido
de ajudá-la, e com a conexão entre o desenvolvimento industrial e a
reversão do processo de “desindustrialização” em curso no país com
um novo processo de desenvolvimento que, para além da indústria,
seja fundamentalmente e como um todo, inclusivo e sustentável. A
releitura e o reenquadramento das preocupações expressas pela ONU
no que diz respeito a esse objetivo de desenvolvimento sustentável
podem contribuir no sentido de alterar fundamentalmente o foco
industrial que colocava esse setor como pilar importante de um
processo de desenvolvimento com preocupações sociais e ambientais.
42
43

ODS 10: REDUÇÃO DE DESIGUALDADES

Articulação para o Monitoramento dos


Direitos Humanos no Brasil (AMDH)
Centro de Estudos e Defesa do negro do Pará (Cedenpa)

As desigualdades entre os brasileiros não diminuíram como pretende


o 10º ODS. Conforme destaca o Relatório Luz do GT 2030, “a renda
da população mais pobre está em declínio no Brasil desde 2015”,
com destaque para o fato de que “na variação 2016/2017, os 40%
mais pobres, na verdade, acabaram perdendo mais do que a média
dos brasileiros”.1 Em contrapartida, dados do IBGE2 , apontam que
a concentração de renda aumenta no país. Só no ano de 2018, por
exemplo, o estudo mostra que a renda dos 5% mais pobres caiu
em 3%, enquanto a renda dos 1% mais ricos aumentou em 8%. A
equação entre estes dois aspectos é simples, ao invés de reduzir a
desigualdade, o país caminha para sua ampliação.

O enfrentamento da desigualdade é fundamental como uma maneira


de realização dos diversos direitos humanos. Vários dos instrumentos
internacionais preveem a necessidade de mecanismos para a não-
discriminação.3 Na Constituição Federal considerando serem dois
objetivos fundamentais da República nesta direção (artigo 3º,
incisos III e IV), sendo, respectivamente “erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Na contramão do que vinha ocorrendo no país até 2012, a ampliação


da desigualdade se expressa também no aumento da extrema
pobreza (abaixo de U$S 1,9 por dia) no país, que, em 2018, chegou ao
maior nível nos últimos sete anos, com 13,5 milhões de pessoas nesta
situação.4 Merece atenção especial o fato de que, como diz o mesmo
estudo, “a pobreza atinge sobretudo a população preta ou parda, que
representa 72,7% dos pobres, em números absolutos - 38,1 milhões
de pessoas. E as mulheres pretas ou pardas compõem o maior
contingente, 27,2 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza.” A
situação da não redução das desigualdades caracteriza que direitos
humanos estão sendo violados no Brasil, seja porque boa parte da
população brasileira não acessa direitos, mas também porque não
acessa oportunidades para garantir seus direitos.

1
Relatório Luz GT 2030. Ver https://gtagenda2030.org.br/relatorio-luz/relatorio-luz-2019/ Acesso em
24.08.2020.
2
Ver https://www.anfip.org.br/geral/aumenta-desigualdade-social-no-pais-revela-pesquisa-do-ibge/
Acesso dia 19.08.2020
3
Entre eles o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), do Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).
4
Conforme https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/
noticias/25882-extrema-pobreza-atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-ao-maior-nivel-em-7-anos
Acesso dia 19.08.2020.
44

A percepção de que o ODS 10 não é garantido e não se caminha


para que seja alcançado nos próximos anos fica ainda mais explícita
quando se leva em conta a questão racial e de gênero no Brasil.
As discriminações raciais e entre mulheres e homens estruturam
as desigualdades, que se interpenetram com a pobreza e outras
discriminações. Os dados da realidade evidenciam que as populações
negras (54% do total da população brasileira) e indígena e, mais
ainda, as mulheres negras e indígenas são as mais violentadas pelas
desigualdades. Alguns dados são reveladores5: 1) Analfabetismo:
pessoas de 15 anos ou mais: 9,1%; em pessoas brancas é 3,9 %;
2) Ensino Superior: de 2000 a 2017 cresceram concluintes de
graduação: pessoas negras de 2,2% para 9,3%; brancas de 9,9% para
22%; 3) Salário médio em 2018: pessoas negras é R$ 934,00; Brancas
é de R$ 1.846,00 4) Desemprego em 2018: entre pessoas negras
de 14,1%; brancas de 9,5%; 5) Extrema pobreza: 70% são pessoas
negras; 70% das famílias de pessoas brancas têm máquina de lavar e
só cerca 27% das famílias negras; 6) Internet: mais de 50% de pessoas
negras não têm acesso; 7) Saúde: quase 40% das pessoas negras não
têm rede de esgoto; das pessoas que dependem do SUS, 70% são
negras; 8) Feminicídios de mulheres negras aumentou de 48% a 62%
e de mulheres brancas caiu de 44% para 22%; 9) Assassinatos: 75%
eram de pessoas negras (2018); 10) Morte pela polícia: 75% pessoas
negras; 11) Encarceramento: 67% pessoas negras; 32% brancas 12)
Saúde-Covid19/SDRAG: do total de hospitalizados, 23,1% eram
pessoas negras, mas 32,8% estão entre as que morreram.

Outro aspecto que ajuda a aprofundar a desigualdade no país uma


vez que tem relação direta com geração e acesso à renda é o alto
índice da informalidade do trabalho e do desemprego persistente no
país nestes últimos anos. Também vale lembrar que o Brasil tem uma
política tributária regressiva, que onera os mais pobres a partir do
consumo básico e tributa pouco a renda e o patrimônio que está nas
mãos dos mais ricos.

Por fim, para elucidar e coroar o caminho de descumprimento da


superação das desigualdades, dados recentes compilados pela Oxfam
mostram que entre 18 de março e 12 de julho de 2020, em pleno
período da pandemia, 42 bilionários brasileiros ficaram mais ricos do
que já eram: “Juntos, tiveram suas fortunas aumentadas em US$ 34
bilhões. O patrimônio líquido deles subiu de US$ 123,1 bilhões, em
março, para R$ 157,1 bilhões, em julho.”6

A persistência de várias formas de desigualdade aponta a existência


de discriminação como fator de não garantia de direitos e a efetivação
de violações dos direitos daquelas e daqueles que estão em pior
situação. Este é fator determinante para que não se avance também
no atingimento do ODS 10, sobretudo não atingindo os objetivos
fundamentais da República.

5
Dados compilados e estruturados a partir de várias fontes de instituições oficiais.
6
Ver www.oxfam.org.br/noticias/bilionarios-da-america-latina-e-do-caribe-aumentaram-fortuna-em-us-
482-bilhoes-durante-a-pandemia-enquanto-maioria-da-populacao-perdeu-emprego-e-renda/
Acesso dia 24.08.2020
45
46

ODS 11: CIDADES E COMUNIDADES


SUSTENTÁVEIS
Centro Dom Helder Câmara (CENDHEC)
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos (CGGDH)

São das comunidades e territórios dos assentamentos de onde virá a


maior parcela da população economicamente ativa no espaço urbano
pensado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para o
Ano de 2030. A construção de cidades resilientes e sustentáveis
encontraria diversos percalços, em especial em sua necessidade de
aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e a capacidade para
o planejamento e a gestão participativa, integrada e sustentável dos
assentamentos humanos.

Os espaços institucionais de políticas de gestão do solo e


planejamento urbano revelam o cerne da disputa inclusão/exclusão
no território das cidades. Em tempos de financeirização do capital
sobrepondo-se a extração da renda sob o capital produtivo, as terras
urbanas e rurais convertem-se em ativos cada vez mais disputados.
A liberalização do mercado se estende também para terra com
consequências especialmente drásticas para economias emergentes
onde as comunidades mais pobres, despidas da segurança da posse,
encontram-se sobre a constante ameaça da tomada forçada de seus
territórios1.

Ainda que não haja uma previsão normativa expressa como direitos
humanos, o direito à cidade é reconhecido no Brasil, sobretudo
conforme o previsto no Estatuto da Cidade: “direito à cidades
sustentáveis, compreendendo o direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras
gerações” (art. 2º, I da Lei Federal nº 10.257/2001).

Mas, a partir de 2015, a exemplo dos demais direitos sociais, também


o Direito à Cidade e a Agenda de Reforma Urbana passam a sentir a
desconstrução pelo modelo de gestão franqueado pelo Golpe. Antes
mesmo do governo Temer, as pressões políticas que recaiam sobre a
presidenta Dilma Rousseff a fazem aprovar o controverso Estatuto
da Metrópole (Lei Federal nº 13.089/2015) e já sob a caneta de Temer
é aprovada a Lei Federal nº 13.465 que, dentre outros descaminhos,
comina a desconstrução do marco progressista da Regularização
Fundiária.

A mercantilização dos espaços urbanos favorecendo os negócios e


interesses especulativos têm sido maléfica para a vida dos trabalhadores

1
Ver Raquel Rolnik. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo:
Boitempo, 2015
47

de baixa renda que vão viver nas aglomerações urbanas em condições


de extrema precariedade e sem o acesso ao saneamento ambiental
como água potável, preservação dos mananciais, esgotamento
sanitário, coleta de resíduos, manejo das águas pluviais.

Para ter acesso ao direito à cidade e uma cidade saudável não basta
o crescimento do PIB ou a melhoria de renda dos trabalhadores,
porque o custo do acesso à compra ou locação da moradia tem
índices superiores aos rendimentos dos trabalhadores. Essa lógica
perversa especulativa do solo urbano faz com que áreas que
recebem investimentos públicos se valorizem, tornando impeditivo
a que os antigos moradores de menor renda se mantenham nessas
áreas, conduzindo-os a morar em locais menos valorizados e
ambientalmente inadequados.

O problema da mobilidade urbana atinge todas as cidades do Brasil.


Nas pequenas e médias cidades, a questão da mobilidade é bastante
grave pela falta e/ou alto custo do transporte público. Nas metrópoles,
grande parcela dos trabalhadores de baixa renda gasta diariamente
em média três horas na locomoção entre moradia e trabalho. Por
outro lado, quando os trabalhadores de baixa renda buscam morar
nas áreas centrais, tornam-se reféns dos exploradores de cortiços –
pagando valores elevados de aluguéis por pequenos quartos bastante
precários. E o modelo de transporte fundado na utilização individual
de veículos tem colocado uma frota diária automóveis na rua muito
maior do que a capacidade das vias, tornando o trânsito insuportável
com dezenas de quilômetros de engarrafamento. Como consequência
do uso individual do carro temos o aumento da emissão de gás
carbônico com aumento da temperatura e das mudanças climáticas,
o agravamento de doenças psicológicas e somáticas em prejuízo da
saúde mental e o distanciamento das pessoas que perdem horas de
convivência familiar e comunitária.

Se era de percalços o caminho das cidades sustentáveis projetado


pela agenda 2030 até os idos relatados, num Brasil de baixa densidade
democrática, acentuada a desdemocratização pelo governo
Bolsonaro, o ano de 2020 e seu cenário pandêmico demarcam a
necessidade de uma reflexão muito mais basilar para o destino dos
assentamentos urbanos e das cidades: poder popular ou barbárie. O
índice de letalidade da Covid-19 é já 5 vezes maior para a população
negra, consequência das condições socioeconômicas, de habitação
e de acesso à infraestrutura precária que amplia a vulnerabilidade
socioespacial de contaminação2.

O coronavírus esfacela as outrora abertas veias da América Latina.


“Fique em casa”, “lave as mãos”, “use álcool em gel”. Mas que casa, com

2
IPEA. Nota Técnica nº 15. Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais – DIRUR.
Apontamentos sobre a dimensão territorial da pandemia da covid-19 e os fatores que contribuem para
aumentar a vulnerabilidade socioespacial nas unidades de desenvolvimento humano de áreas metropolitanas
brasileiras. Abril de 2020
48

que água e que dinheiro? A realidade dos adensamentos é a da coabitação,


da falta de água e de saneamento. Trata-se da hipocrisia autorizada, mais
uma vez neste país, pelo autoritarismo. O Poder Popular é o recurso
elementar das cidades e apenas através dele será possível, de fato, a
consecução dos objetivos da ODS 11 da Agenda 2030 da Organização
Mundial das Nações Unidas (ONU), dificilmente, no Brasil, ainda para
daqui a 10 (dez) anos. Sempre se tratou da luta por cidades produzidas
democraticamente.

Na perspectiva de cidades e comunidades saudáveis, que também


assegure justiça social, temos atuado em diferentes frentes a
partir das necessidades das populações vulnerabilidades. As quais
destacamos: a) defesa da moradia digna e organização social das
comunidades; b) melhorias urbanas das áreas degradadas ou sem
infraestrutura com a manutenção das famílias; c) função social da
propriedade e da cidade, contra cidade como negócio; d) melhoria
do saneamento ambiental das comunidades populares; e) programas
estruturantes e emancipatórios para a população em situação de rua;
f) ações para melhoria da renda de catadores de materiais recicláveis
e seu reconhecimento como agentes ambientais; g) reconhecimento
do trabalhadores ambulantes; e h) luta por políticas públicas e
participação social a todos os setores vulnerabilizados.
49
50

ODS 12: CONSUMO E PRODUÇÃO


RESPONSÁVEIS
Fundação Luterana de Diaconia (FLD)¹
Centro de Assessoria Multiprofissional(CAMP)²

O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 12 visa assegurar


padrões de produção e consumo sustentáveis. Entre as metas
está alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos
naturais, reduzir substancialmente a geração de resíduos e garantir
que as pessoas em todos os lugares tenham informação relevante
e conscientização para o desenvolvimento sustentável e estilos de
vida em harmonia com a natureza.

No modelo de desenvolvimento em vigor no Brasil, nos últimos


anos, os interesses do capital têm supremacia sobre os direitos das
trabalhadoras e dos trabalhadores. A expansão do agronegócio e
dos grandes projetos de mineração e energia têm enormes impactos
sociais, ambientais e culturais, e geram violações de direitos
humanos, principalmente dos povos e comunidades tradicionais e
das populações em situação de pobreza. Os altos lucros do sistema
financeiro e de grandes empresas aumentam a desigualdade.
Enquanto isso, a maioria da população perdeu emprego e renda (hoje
são cerca de 13 milhões de pessoas desempregadas e 40 milhões de
trabalhadoras e trabalhadores informais) e mais de 600 mil micros,
pequenas e médias empresas fecharam. Um consumo responsável
somente é possível se o direito ao trabalho, com a possibilidade
de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou
aceito (PIDESC, artigo 6) e o direito a condições de trabalho justas
e favoráveis com uma remuneração que proporcione uma existência
decente das pessoas trabalhadoras e suas famílias (PIDESC, artigo 7)
são garantidos. A flexibilização e redução dos direitos trabalhistas, o
alto nível de desemprego, o crescimento da pobreza e da desigualdade
nos últimos anos violam os direitos humanos e inviabilizam o acesso
ao consumo responsável, principalmente da população em situação
de pobreza.

As Organizações da Sociedade Civil (OSCs) baseiam suas atuações


na garantia dos direitos humanos, afirmação da democracia, justiça
socioambiental e justiça econômica. A justiça socioambiental promove
relações justas entre os diferentes grupos sociais e o ambiente onde
se inserem, como base para a construção de modelos de sociedades
capazes de garantir a plena forma de vida de todos os seres do planeta.
A justiça econômica significa o direito e a capacidade de todas as
pessoas viverem livres de pobreza, de forma justa, humana e digna.

1
Escrito por Angelique van Zeeland, economista, doutora em Economia do Desenvolvimento, assessora
programática da FLD.
² Escrito por Daniela Tolfo, socióloga, secretária executiva do CAMP.
51

As OSCs têm trabalhado na perspectiva de assegurar padrões de


produção e consumo sustentáveis, por meio da promoção da agricultura
familiar e agroecologia e da economia popular solidária. A economia
popular solidária tem como objetivo a sustentação da vida das pessoas
trabalhadoras e suas famílias, se orienta pelos princípios de viabilidade
econômica associativa, autogestão, cooperação e solidariedade, e é
baseado no uso sustentável da biodiversidade. São construídas relações
equitativas de produção e práticas de consumo responsável. A economia
popular solidária é constituída por cooperativas populares, associações
e grupos informais que atuam em segmentos como agricultura familiar,
alimentação, artesanato, confecção, reciclagem e serviços.

As grandes empresas nos diversos segmentos, agronegócio, indústria,


financeiro têm recebido sistematicamente subsídios governamentais.
No Brasil dos últimos anos temos vivenciado a completa ausência -
tanto de subsídios, quanto uma redução drástica de implementação de
políticas públicas de fomento a empreendimentos econômicos solidários.
A sustentabilidade destes empreendimentos, que garantem trabalho e
renda para as famílias, muitas vezes depende de apoio e articulação pelas
OSCs, redes e fóruns de economia solidária.

Processos de formação e capacitação em economia solidária, que


incluem temas técnicos como viabilidade econômica e gestão
democrática e agora com a Pandemia, o uso das redes sociais para
comercialização virtual, são exemplos destes processos. Além
disso, as OSCs promovem o fomento por meio de apoio a pequenos
projetos, estímulo a criação de fundos solidários - que são ferramentas
importantes na geração da sustentabilidade financeira dos
empreendimentos, fortalecimento de coletivos e redes de cooperação
e solidariedade, criação de bancos e moedas comunitárias são algumas
das ações das OSCs. Estas ações, conforme o segundo Mapeamento
Nacional da Economia Solidária no Brasil (2013), alcançam cerca de
1,4 milhão de pessoas, gerando renda, trabalho, desenvolvimento
local comunitário e, principalmente, cidadania e direitos.
A proposta de Política Nacional de Economia Solidária, que
cria o Sistema Nacional de Economia Solidária para promover
empreendimentos econômicos solidários e autogestionários e o
trabalho associado e cooperativado tramita no parlamento desde
2012. A aprovação desta lei, bem como leis ao nível dos estados,
que acontecerá somente por meio de incidência política e pressão
popular, dará condições para o fomento e para compras públicas dos
empreendimentos econômicos solidários. São necessários estratégias
e processos de incidência política ao nível nacional e internacional para
que padrões de produção e consumo sustentável, com distribuição de
renda e garantia dos direitos humanos, sejam assegurados.

2
IPEA. Nota Técnica nº 15. Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais – DIRUR.
Apontamentos sobre a dimensão territorial da pandemia da covid-19 e os fatores que contribuem para
aumentar a vulnerabilidade socioespacial nas unidades de desenvolvimento humano de áreas metropolitanas
brasileiras. Abril de 2020
52

O ODS 12 tem como meta, entre outras, reduzir substancialmente


a geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem
e reuso, e promover práticas de compras públicas sustentáveis, de
acordo com as políticas e prioridades nacionais. As OSCs realizam
incidência política e controle social, para influenciar em processos de
formulação, avaliação e financiamento de políticas públicas, por meio
de fóruns e conselhos.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010) estabelece a gestão


integrada de resíduos sólidos com a inclusão socioeconômica das
catadoras e catadores de materiais recicláveis. Contudo, na maioria
dos municípios a lei não é aplicada. As catadoras e catadores ficam
à margem do processo de reciclagem. É necessário a pressão da
sociedade civil para garantir a inclusão socioeconômica das catadoras
e catadores.
53
54

ODS 13: AÇÃO CONTRA A MUDANÇA


GLOBAL DO CLIMA
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental¹

Pelo lado dos governos, pouco ou nada foi feito para alcançar esse
objetivo. Alguns anúncios, ligados à pós-pandemia, não passam de
anúncios genéricos de priorizar a “economia verde”, que podem
morrer no mar dos anúncios-marketing. A depender de quem ou de
que poderão tornar-se efetivos? Das pressões populares nas ruas ou
de mais alguns eventos climáticos extremos que afetem os países
mais ricos.

O impacto das mudanças climáticas afeta o conjunto dos direitos


humanos, particularmente o direito a um ambiente sadio. A
Constituição Federal (Artigo 225) determina que “todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, como um “bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Enfrentar a
mudança climática é operar para a garantia do direito constitucional.

Estudos mostram que, no Brasil, quase metade das emissões de gases


de efeito estufa vem do desmatamento, sendo previsto um aumento
de 10 a 20% nas emissões em 2020. Segundo dados de 2018 do
Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa
(SEEG) e do Observatório do Clima, a agropecuária é responsável
por 25% das emissões; a mudança no uso da terra, responsável
por 44%, e a energia, por 21%, são os maiores vilões, sendo que os
processos industriais e os resíduos são responsáveis por 5% cada
um. As emissões per capita brutas no Brasil eram de 9,3 toneladas/
ano, em 2018, bem acima da média mundial, de 7,2 toneladas/ano. A
devastação das florestas contribui com cerca de 45% das emissões
de gás carbono, reduzindo os canais de umidade.

Um Grupo de Trabalho da Sociedade Brasileira para o Progresso da


Ciência (SBPC) publicou em 2019 um Diagnóstico Brasileiro sobre
Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.² Entre as conclusões,
destaca-se que “as mudanças climáticas se agravarão como fator de
impacto negativo sobre a biodiversidade e os serviços associados ao
longo deste século. Os sistemas naturais são muito vulneráveis e o
aumento de eventos extremos já causa perdas humanas e impactos
socioeconômicos”. O Diagnóstico também mostrou que o Brasil é
o quarto país no ranking dos que mais têm espécies em perigo de
extinção. Também revelou a existência de pontos de desertificação
e bolsões de pobreza.

1
Escrito por Ivo Poletto, educador popular, atuando no Fórum Mudanças Climáticas e Justiça
Socioambiental.
² Disponível em www.bpbes.net.br/wp-content/uploads/2019/09/BPBES_Completo_VF-1.pdf. Sobre a
Plataforma ver http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/plataforma-brasileira-de-biodiversidade-e-servicos-
ecossistemicos-completa-tres-anos/
55

Estes dados mostram o agravamento da situação em razão da


atuação que não faz o enfrentamento da mudança climática e sim
promove práticas e políticas que incentivam os fatores que são por
ela responsáveis. Ou seja, as ações têm sido não somente de omissão,
mas de ação favorável ao agravamento da mudança climática.

No Brasil, a tentativa de mobilização alcançou a Rede Globo. “Se


todos sabem – referindo-se ao que deve ser feito para alcançar cada
ODS, por que não é feito?” Pelas dicas concretas, para a empresa
de comunicação e para as grandes empresas que a financiam, os
telespectadores/as seriam responsáveis para que um país e o mundo
alcance o “combate às mudanças climáticas e aos seus impactos”.

E isso ocorre nos mesmos dias em que uma centena de superricos


empresários lançaram carta pública pedindo: cobrem, cobrem,
cobrem mais impostos de nós para dar conta dos custos do
enfrentamento da pandemia do coronavírus! Pedem aos governos
que, por favor, cobrem mais impostos. E vale lembrar que essa é, pelo
menos, a segunda iniciativa pública e coletiva de empresários com
igual pedido.

Por que fazem isso: por tomarem consciência, num instante de lucidez,
de que tudo, tudo mesmo, pode ser diferente se a renda e a riqueza
concentradas forem democratizadas? Ou estão se prevenindo para
que a democratização seja limitada, via impostos, e para que os
mecanismos de exploração capitalista e de especulação que drenam
a riqueza para suas mãos e bolsas não sofram mudanças radicais?

A realidade é essa: estão se multiplicando as ações de movimentos


sociais, entidades e organizações da sociedade civil, entre elas as
promovidas pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental,
visando combater o que causa as mudanças climáticas, e não apenas a
adaptação aos seus efeitos, que afetam mais as pessoas, comunidades
e povos empobrecidos, mas não serão suficientes para alcançar o
ODS 13. E pouco ou quase nada impactam práticas periféricas de
empresas, quase sempre voltadas para pintar de verde a manutenção
dos processos que causaram e mantém em expansão a contaminação
da atmosfera, o uso predatório do solo, o consumismo, a concentração
da riqueza e a manutenção da miséria.

O que falta? A existência de governos que tenham vontade política


de enfrentar as causas das mudanças climáticas, e que o façam
radicalizando a democracia: democratizando a riqueza e os frutos do
trabalho humano e da Terra, deixando o petróleo, o carvão e o gás no
subsolo e promovendo fontes mais limpas de energia, promovendo
quem cultiva com cuidado a Terra e penalizando quem a explora e
contamina os solos, a água, a atmosfera.
56

É grande o desafio de reeducação das pessoas para mudar o seu modo


de vida e de conquista de governos efetivamente democratizadores.

Como pistas de mobilização nacional e mundial, vale ressaltar a


recente autoconvocação para a Assembleia Mundial pela Amazônia,
bem como a Articulação pelos Direitos da Natureza – a Mae Terra
no Brasil. Quem as apoiará: a ONU? O Banco Mundial? O FMI?
Os grandes empresários, participando apenas como cidadãos e
dispostos a acolher as decisões democráticas também em relação
a eles?

Só uma Assembleia Mundial dos Povos – e não de governos -


será capaz de liderar a humanidade para enfrentar as mudanças
climáticas,
57
58

ODS 14: VIDA NA ÁGUA

Instituto Terramar

O ODS 14, à luz dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais,


Culturais e Ambientais (DhESCAs) e das experiências da Sociedade
Civil Organizada (OSC), é um marco na construção de metas,
alianças e entendimentos globais - sobretudo, frente às urgências
socioambientais planetárias. Um conceito chave aqui é o do
Desenvolvimento Sustentável (DS), adotado em diferentes medidas pela
sociedade civil, Estados e Corporações e que, não necessariamente
harmoniza com os DhESCA, dados os antagonismos práticos dos
modelos econômicos frente aos direitos dos povos e à conservação
ambiental.

Desde a realidade brasileira, o princípio orientador de que as


gerações atuais se comprometam com o futuro das próximas e do
planeta impulsiona olhar o passado escravagista e a permanecia do
patriarcado racista nas estruturas políticas, econômicas, jurídicas
e socioculturais, onde violações de direitos humano se sobre-
exploração ambiental são estruturais e metodológicas.

Nesses marcos, as conquistas formais ficam submetidas a


modernos modelos colonizadores, cujos sujeitos dominantes não
se comprometem com diferentes gerações presentes e futuras,
tampouco com a vida nos mares e oceanos.

Contudo, uma diversidade de população quilombolas, indígenas,


caiçaras e pesqueiras que mantem relações vitais com os ambientes
marinhos e formam os povos do mar resistem, em situação dramáticas
desigualdades, a esses passados e presentes que levam a futuros
sombrios. Tais populações desenvolvem formas de ocupação e uso
considerados sustentáveis, e, portanto, potentes para efetivar o
ODS 14. Mas, apesar da potência dos povos das águas, que convive
com os ciclos ecológicos, seus portadores são ao mesmo tempo
violentados em seus direitos, e destino direto e imediato dos danos
socioambientais que afetam a vida nas águas e no planeta.

Setores como indústria portuária, do petróleo, energia eólica,


turismo de massa e outras cadeias produtivas de larga escala,
poluem, contaminam, destroem ecossistemas e biodiversidade;
afetam espaços de trabalho e moradia; promovem militarização
e violência contra ativistas comunitários; descumprem marcos
jurídicos e acordos nacionais e internacionais. Porém mantem-
se privilegiados nas definições sobre os direitos de acesso, uso e
ocupação dos territórios.
59

É nesse contexto, que ocorrem as tragédias extremas como o


derramamento de petróleo na costa do Nordeste brasileiro em 2019
um “crime no mar”¹ que até agora segue sem um esclarecimento. O
dano chegou a nove Estados do Nordeste e dois do Sudeste. O número
de municípios atingidos é superior a 130. O vazamento de óleo
matou animais marinhos, poluiu praias e prejudicou mais de 300 mil
pescadores.

O Laboratório de Avaliação, Recuperação e Restauração de


Ecossistemas Aquáticos da UFPE diz que foi o maior impacto ambiental
por derramamento de óleo no Brasil em termos de extensão. Um ano
depois, a Marinha do Brasil finalizou a primeira etapa da investigação,
mas não chegou a conclusão sobre os possíveis responsáveis pela
tragédia ambiental.²

Contudo, vivenciamos perdas profundas dos direitos ambientais,


desfazimento das políticas de conservação, com a ascensão de um
governo declaradamente antiambiental e contra as conquistas
de direitos. Exemplo mais recente disso, foram as sucessivas e
autoritárias tentativas do próprio Ministério do Meio Ambiente, de
revogar as Resoluções 302 e 303 do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), que protegem mangues e restingas, ambientes
fundamentais para proteção e conservação da vida dos mares,
oceanos e zonas costeiras.

No que se refere à solidariedade e cooperação internacionais,


destaque-se sua importância no reconhecimento e fortalecimento
dos sujeitos, e do exercício dos direitos dos povos e comunidades.
Num contexto de retrocessos dilacerantes e aumento da violência e
perdas democráticas, para as relações de parcerias está o desafio de
fortalecer o enfrentamento às injustiças ambientais e a visibilidade
positiva dos povos e seus direitos junto à sociedade. Isso pressupõe
reorganizar os compassos entre as exigências oficiais e a complexidade
das demandas em horizonte de mais longo prazo do que o previsto
nas metas do ODS 14

1
Ver a publicação “Derramamento de petróleo na costa Nordestina – Crime e Tragédia Ambiental”.
Disponível em https://issuu.com/signin?onLogin=%2Finstituto.terramar.ce%2Fdocs%2Fpetroleo_crime_
tragedia&issuu_product=document_page&issuu_context=action&issuu_cta=follow_publisher
² Ver Notas da Marinha em www.marinha.mil.br/sites/default/files/nota_a_imprensa_oleo_26ago.pdf e
www.marinha.mil.br/sites/default/files/nota_a_imprensa_-_investigacao_derramamento_de_oleo_-
_04set_0.pdf e
www.marinha.mil.br/sites/default/files/nota-esclarecimento-oglobo1908.pdf.
Ver também www.brasildefato.com.br/2020/08/30/um-ano-apos-vazamento-de-oleo-no-nordeste-
nenhum-responsavel-foi-identificado
60
61

ODS 15: VIDA TERRESTRE

Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) ¹

O ODS 15 pretende “Proteger, recuperar e promover o uso sustentável


dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas,
combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e
deter a perda de biodiversidade”. Inclui o direito ao meio ambiente
saudável, previsto nos mais diversos instrumentos de proteção dos
direitos humanos e particularmente como direito na Constituição
Federal 1988 que define que: “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado”, como um “bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida”.

Os sistemas agroalimentares despontam como a principal força


motriz por trás das transformações biofísicas do planeta, ao mesmo
tempo em que se apresentam como o setor econômico mais afetado
por essas mesmas transformações. As condições ecológicas para a
agricultura (solos férteis, biodiversidade, água limpa, clima estável)
deterioram-se de maneira alarmante devido ao atual padrão de
produção, processamento, distribuição e consumo de alimentos.

As corporações transnacionais buscam atualizar antigas narrativas


em resposta ao agravamento da fome e da degradação dos recursos
naturais gerada pelas monoculturas e criatórios industriais
buscando, retoricamente, conciliar o produtivismo economicista à
sustentabilidade ecológica. Para tanto, recorrem a propostas como
agricultura climaticamente inteligente e intensificação sustentável, que
não passam de nova roupagem narrativa para a manutenção da lógica
de privatização e mercantilização dos bens naturais e consequente
domínio das grandes corporações sobre a agricultura e a alimentação.

Em outro caminho, ao desenvolver novas formas de produção,


processamento, distribuição e consumo de alimentos, uma infinidade
de iniciativas agroecológicas protagonizadas por comunidades
camponesas em todo o mundo contribui para a relocalização dos
sistemas agroalimentares e para a reapropriação de crescentes
porções do poder político e dos valores econômicos expropriados
pelos impérios alimentares.

Redes de inovação agroecológica emergem, fomentando ambientes


de diálogo de saberes e contribuindo para a criação de trajetórias que
combinam a conservação dos recursos naturais com a emancipação
econômica e política dos diferentes sujeitos do campo.

1
Texto escrito por Paulo Petersen e Flavia Londres.
62

Um aspecto recorrente e cada vez mais visível nesses processos


de transformação social é o papel determinante que as mulheres
desempenham ao acionarem seus conhecimentos, habilidades
e valores socialmente construídos em direção aos cuidados e à
sustentabilidade da vida. Embora quando analisadas individualmente
essas experiências possam parecer irrelevantes, em conjunto revelam
a grande potência do enfoque agroecológico.

As metas associadas ao ODS 15, de acordo com o enfoque da


Agroecologia, não serão alcançadas de forma desvinculada daquelas
relacionadas a outros ODS. Note-se que, além de contribuir para
a proteção dos ecossistemas terrestres e da biodiversidade, a
promoção de sistemas agroalimentares biodiversificados, base da
agroecologia, gera efeitos positivos sobre construção da Soberania
e Segurança Alimentar e Nutricional e a superação da pobreza, assim
como a redução das desigualdades e a igualdade de gênero, focos de
outros ODS.

Também contribuem para a mitigação e adaptação às mudanças


climáticas e para a proteção da biodiversidade e dos ciclos hidrológicos,
focos de três ODS independentes. Crises estruturais, tais como a que
atravessamos, cobram soluções estruturais e não soluções setoriais,
em geral promovidas pela via da inovação científica comandada
pelas corporações ou pelos mercados, também crescentemente
controlados pelas grandes corporações oligopolistas.

Objetivamente, é necessário considerar que a agroecologia supõe


uma nova geração de políticas públicas que reconheçam e fortaleçam
o papel das instituições locais e organizações da agricultura
familiar camponesa na regulação dos sistemas agroalimentares e
no desenvolvimento territorial, formuladas e implementadas em
ambientes institucionais democráticos e que possam incentivar a
conformação e/ou o fortalecimento de redes alimentares alternativas
que envolvam agricultores/as e outros atores locais.
63
64

ODS 16: PAZ, JUSTIÇA E


INSTITUIÇÕES EFICAZES
Fórum Ecumênico Act Brasil (FEACT)

O ODS 16 trata das questões relativas ao sistema de justiça e


segurança e também sobre o Estado de Direito. Em linhas gerais, este
ODS engloba os direitos humanos, particularmente os direitos civis
e políticos previstos no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos (PIDCP) e os direitos previstos no artigo 5º da Constituição
Federal. A garantia destes direitos passa por uma série de medidas
necessárias para um ambiente favorável à promoção da liberdade e
das condições de vida adequadas para todos e todas.

Segundo o Anuário 2020¹ do Fórum Brasileiro de Segurança Pública


(FBSP), a violência letal atingiu a 47.773 pessoas por morte violenta
intencional em 2019, numa taxa de 22,7 por 100 mil habitantes – o
que indica uma redução de 17,7% em relação a 2018. No mesmo
ano houve 6.357 mortes por intervenções policiais, um crescimento
de 13,3%. Do total das vítimas, 74,4% eram pessoas negras (25,3%
brancas e 0,4% amarelas e indígenas), 51,6% jovens até 29 anos; 8,8%
mulheres; e 10,3% crianças e adolescentes - sendo que do total, 72,5%
dos crimes foram cometidos por arma de fogo. O Anuário também
registrou que a cada dois minutos, uma mulher sofre agressão física.

Foram registradas, em 2019, 266.310 lesões corporais dolosas em


decorrência de violência doméstica, crescimento de 5,2%. Segundo
o Anuário, a cada oito minutos ocorre um estupro, sendo 66.123
vítimas de estupro (57,9% tinham máximo de 13 anos e 85,7% do sexo
feminino. No caso de feminicídio, foram 1.326 vítimas, um crescimento
de 7,1% em relação a 2018. Das vítimas, 66,6% eram negras; 56,2%
tinham entre 20 e 39 anos e 89,9% foram mortas pelo companheiro
ou ex-companheiro.

A violência contra a mulher indica uma queda de 9,9% no registro de


agressões de violência doméstica, mas houve aumento de 3,8% de
chamadas para o 190 – o feminicídio aumentou, tendo havido 648
vítimas (aumento de 1,9% em relação a 2019).

As agressões contra LGBTQI+ cresceu 7,7% de 2018 para 2019. No


caso do sistema prisional, em 2019 havia 755.274 pessoas privadas
de liberdade, sendo 66,7% negros – o déficit de vagas era de 305.660.
No primeiro semestre de 2020, no contexto da Covid-19, o FBSO
registrou um aumento de 7,1% de mortes violentas em relação a
2019.

1
Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Disponível em https://forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-final.pdf. Para o Infográfico ver https://forumseguranca.
org.br/wp-content/uploads/2020/10/infografico-2020-anuario-14-final.pdf
65

Isso significa que em 2020 ocorreram 25.712 mortes, ou seja, a


cada dez minutos, uma pessoa é assassinada no Brasil. Das mortes
violentas, 3.181 mortes foram decorrentes de intervenções policiais
(aumento de 6% em relação a 2019). Foram registrados 27.207 casos
de Covid-19 no sistema prisional (abr-set), com um índice de 3.637
casos para cada 100 mil presos.

Mulheres, LGBTQI+ e negros/as, especialmente ,jovens estão


seriamente ameaçados no Brasil, por causa do racismo, da misoginia
e da LGBTfobia - o que nos leva a afirmar que uma país desigual é um
país sem paz e justiça e não garantidor de equidade. Junto com isso, a
sobrevivência dos modos de vida e da existência dos povos indígenas
seguem sendo permanentemente ameaçadas, algo perceptível nas
mudanças ocorridas na política indigenista brasileira.

As condições para a ação de prevenção e combate à tortura têm sido


prejudicadas e ainda estão longe de serem as necessárias para dotar
o País de um efetivo Sistema Nacional de Prevenção e Combate
à Tortura³, visto que o governo atual baixou normas (como o Decreto
Federal nº 9.831/2019) que ferem a autonomia do Mecanismo e geram
retrocesso nesta política. A implementação nas unidades federativas
também é baixa, sendo que a implementação dos Mecanismos
Estaduais não chega a um terço das unidades da federação.

Há também um desmonte da institucionalidade democrática,


sobretudo pelo ataque e desmonte dos espaços de participação,
o que ocorreu com a edição do Decreto Federal nº 9.759, de
11/04/2019, que extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações
para colegiados da administração pública federal. Foram dezenas
de colegiados extintos e reestruturados, sempre orientados pela
restrição e redução da participação da representação da sociedade
civil e aumento da representação governamental.

Ademais, a cultura de ódio tem crescido na sociedade, por vezes


incentivada por pronunciamentos de altas autoridades. Entre suas bases
estão os sérios avanços de diversos fundamentalismos que resultam em
ataques aos direitos e em fragrante desrespeito ao “pluralismo político”
como um dos fundamentos do Estado (CF artigo 1º, V).

Entre as razões para que os fundamentalismos avancem estão as


seguintes questões: a) a não existência de um dispositivo constitucional
que determine expressamente que a República Federativa do Brasil
é um Estado laico, já que o princípio da laicidade não é uma norma
constitucional de eficácia plena, mas um princípio tensionado com
a igualdade e a liberdade religiosas. A forte presença de confissões
religiosas cristãs hegemônicas nos espaços públicos, particularmente
de grupos fundamentalistas que dão base e orientação para ações de

1
Ainda que este tenha sido criado pela Lei Federal nº 12.847/2013 e regulamentada pelo Decreto
Federal nº 8.154/2013, implementando o Protocolo Facultativo OPCAT, que foi adotado pelo
Decreto Federal nº 6.085/2007.
66

São exemplos:

a) o slogan do governo federal: “Brasil acima de tudo, Deus acima de


todos” que orienta, entre outras, a ação do Itamaraty – Ministério das
Relações Exteriores, que vetou a utilização do termo gênero para além
do sexo biológico;

b) o veto à educação sexual para prevenir o abuso sexual contra


meninas;

c) tentativas de interferência por parte do Ministério da Mulher, da


Família e dos Direitos Humanos no caso da menina que engravidou
em razão de estupro e que estava autorizada a fazer interrupção da
gravidez;

d) a Lei Federal nº 14.021/2020, de 07/07/2020,que permite presença


de religiosos junto aos povos indígenas isolados e de recente contato.

O quadro apresentado indica que a institucionalidade não tem sido


organizada adequadamente para fazer frente às violências e para a
promoção da paz. Há desafios imensos a serem superados para que
efetivamente se constituam numa institucionalidade protetora dos
direitos humanos.

No Rio de Janeiro, grupos fundamentalistas associados ao crime


organizado que controla um determinado território, impedem
a realização das celebrações, bem como, o uso de símbolos e
vestimentas características dos e das fiéis das tradições matriz
africana. Emblemático o caso ocorrido em 07 de agosto de 2020
em que uma mãe perdeu a guarda de sua filha de 12 anos, porque a
menina optou por realizar a sua iniciação religiosa no Candomblé.

O caso é um exemplo de que as instituições estão sob influência dos


fundamentalismos. Isso porque, caberia à promotoria garantir o
direito da jovem e sua mãe escolher a religião com a qual se identificam.
A liberdade religiosa de mãe e filha optarem por sua pertença não foi
garantida pela instituição que deveria zelar por este direito.

4
Ver www.justificando.com/2019/06/28/lawfare-e-igualdade-de-genero-itamaraty-veda-o-uso-do-
termo-genero-para-alem-do-sexo-biologico/vetou
5
Ver www.hypeness.com.br/2020/07/brasil-e-arabia-saudita-vetam-educacao-sexual-para-combater-
violencia-contra-meninas/
6
Ver https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/08/15/menina-de-dez-anos-engravida-apos-ser-
estuprada-no-espirito-santo.ghtml
7
Ver https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/22/projeto-de-lei-voltado-a-proteger-
povos-indigenas-permite-presenca-de-missionarios-religiosos-em-areas-de-isolados.ghtml
67

Estratégias para o enfrentamento dos fundamentalismos:

a) compreender mais adequadamente o papel da religião e a relação


dela com a sociedade;

b) desnudar o campo conservador e os fundamentalismos;

c) compreender mais profundamente a complexidade das demandas


sociais;

d) rever o discurso de defesa do Estado Laico como oposição aos


fundamentalismos;

e) atenção à juventude, um dos principais alvos dos grupos


fundamentalistas;

f) realização de campanhas de promoção à diversidade religiosa;

g) realização de campanha que afirme que a liberdade religiosa não é


direito absoluto, sendo vinculada aos direitos humanos;

h) implementação de ações concretas como reconstrução de casa de


reza indígenas e de terreiros de candomblé
68
69

ODS 17: PARCERIAS E


MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO
Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG)
GT Agenda 2030

O princípio da progressividade na garantia dos direitos humanos e


em consequência de proibição de retrocessos está sob ataque nos
últimos anos. Mas é fundamental afirmar sua vigência. Está previsto
expressamente como necessidade no Pacto Internacional sobre
Direitos Civil e Políticos (art. 5º, §§ 1º e 2º) e no Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 5º, §§ 1º e 2º),
sendo, portanto uma necessidade para todos os Direitos.

A postura isolacionista em âmbito internacional do governo federal,


altamente ideologizado, e a subserviência aos Estados Unidos
da América afetaram as parcerias globais do Brasil, política e
economicamente. Há cinco anos os recursos dedicados à cooperação
internacional, que já não eram significantes considerando o tamanho
da economia do país, só têm diminuído, com grandes reveses nos
anos de 2018 e 2019. Entre outras questões, estes movimentos vêm
causado impactos negativos nas metas propostas para o ODS 17 –
Parcerias e meios de implementação.

Segundo o Relatório Luz 2020 do Grupo de Trabalho da Agenda 2030,


dentre as 19 metas, seis delas estão em condição insuficiente (17.1,
17.3, 17.6, 17.8, 17.17 e 17.18), sete estão estagnadas (17.2, 17.5, 17.7,
17.10, 17.11, 17.12 e 17.19) e outras seis se encontram em momento
de retrocesso (17.1, 17.9, 17.13, 17.14, 17.15 e 17.16). Além de tudo
isso, não há esforço concentrado de adequação de políticas públicas
e legislação para aproximar o país dos princípios fundamentais da
Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

Ao contrário, em 2019 e 2020, aumentou o retrocesso de direitos das


populações indígenas e quilombolas, o desmatamento, o orçamento
para programas de combate à violência contra a mulher, diversas
políticas voltadas à segurança alimentar e nutricional foram extintas.
Após análise conjunta e integrada dos dados, informações e análises
expostas no Relatório Luz 2020, pode-se perceber que o Brasil não
deve alcançar diversos objetivos e metas da Agenda 2030.

Em algumas situações há retrocessos a estágios pré-2015,


particularmente nos relacionados à erradicação da pobreza, redução

1
Para o conhecimento de cada meta específica ver www.ipea.gov.br/ods/ods17.html
2
Ver o pedido de suspensão do teto de gastos apresentado pela sociedade civil ao Supremo Tribunal Federal nas
ADI 5715, ADI 5658 E ADI 5680. Ver texto em https://media.campanha.org.br/acervo/documentos/Pedido_
urgente_suspens%C3%A3o_EC95_1FINAL.pdf
3
Ver https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,guedes-quer-novo-direito,70003085721 e www1.folha.
uol.com.br/mercado/2019/11/governo-propoe-condicionar-direitos-sociais-dos-cidadaos-a-situacao-fiscal.
shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb
70

das desigualdades, democratização da governança, acesso a serviços


públicos universalizados, contenção da devastação ambiental
e estabelecimento de parcerias para a capacitação humana e o
financiamento voltados ao desenvolvimento sustentável.

Mas há diversos progressos em setores isolados, sem dúvida.


Iniciativas exitosas da sociedade civil organizada, cumprindo seu
mandato do parágrafo 89 da declaração política da Agenda 2030,
reportando sobre o monitoramento da implementação; de entes
subnacionais como prefeituras alinhadas com soluções para os
problemas históricos, sistêmicos e estruturais do país.

Por fim, pode-se salientar que o Brasil já tem as instituições que


podem facilitar o financiamento para o desenvolvimento sustentável
e alavancar a economia de sua estagnação investindo em soluções
inovadoras e circulares, reduzindo gradualmente o financiamento de
iniciativas com alta externalidade negativa tanto ambiental quanto
social.

É de se salientar a função crucial dos bancos de desenvolvimento,


como o BNDES e os regionais BNB, BRB, da Amazônia e de Minas
Gerais; e dos bancos públicos comerciais, Banco do Brasil e Caixa,
como agentes basilares do financiamento para o desenvolvimento
que seja sustentável e permanente, a fim de resolver de vez problemas
insistentes que há muito nos envergonham.

Aparecem como medidas fundamentais de consagração de retrocessos


a Emenda Constitucional nº 95/2016 2 e suas consequências na
implementação dos direitos em razão do estabelecimento de teto de
gastos. Junto com ela, a Proposta de Emenda Constitucional do Pacto
Federativo (PEC 188/2019), apresentada pelo governo Bolsonaro e
em tramitação no Congresso Nacional, na qual há a previsão de um
“novíssimo direito”, o “direito ao equilíbrio fiscal intergeracional” 3 ,
uma completa inversão do sentido de direitos. Em suma, o que vem
ocorrendo é um processo de inviabilização das condições de garantia
dos direitos e de busca da realização dos ODS, num movimento
contrário à busca de condições para sua implementação.
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CONCLUSÃO

Inicialmente, agrademos imensamente as valiosas contribuições das


organizações e redes parceiras, que tornaram esta publicação possível
e nos alimentam com suas reflexões e experiências, na lida cotidiana
com persistente ação em defesa e garantia dos direitos humanos.

A leitura dos textos desta publicação reafirma que, o compromisso


global assinado em 2015 por 193 países, estão vinculados aos
compromissos assumidos nos pactos, convenções e tratados
estabelecidos pelo sistema ONU. Assim, o PAD ao desafiar
organizações e redes parceiras a fazerem a análise crítica dos ODS à
luz dos Direitos Humanos, propõe um outro olhar sobre os ODS aliado
a práxis da sociedade civil na contínua ação de garantia de direitos. Ao
mesmo tempo pretende chamar atenção para que o monitoramento
da eficácia da Agenda 2030 considere este olhar aliado ao contexto
brasileiro e às medidas institucionais, públicas e governamentais
implementadas pelo governo brasileiro, considerando a estrutura
federativa do país – municípios, estados e nacional.

Esta agenda, os ODS, estabelece compromissos mundiais que norteiam


as políticas de relações de cooperação para o desenvolvimento e o
Brasil é parte destes compromissos e, portanto suas relações devem
ser pautadas por tal agenda. Entretanto ao finalizarmos a leitura das
análises dos 17 ODS identificamos uma total falta de compromisso e a
adoção de medidas como a PEC 95/2016, que estabeleceu o limite de
gastos com políticas públicas e que consequentemente inviabilizam o
cumprimento e alcance dos objetivos no país.

Pois, como enfrentar as desigualdades, como implementar políticas de


geração de emprego e renda, assegurar o direito à saúde e à educação,
investir em pesquisa e capacitação para a produção de energia e
prover a população de saneamento, sem prover recurso públicos?
Como assegurar a participação da sociedade civil nos espaços
institucionais de formulação e monitoramento das políticas públicas;
superar a violência causada pelo racismo, o fundamentalismo, o
machismo, quando o governo federal investiu no desmonte de todos
os espaços de participação e controle social, desmontou o arcabouço
institucional de políticas de garantia de direitos para as populações
indígenas, povos e comunidades tradicionais, mulheres e jovens?

Ao considerarmos que os ODS são norteadores de uma compreensão


de sociedade, de políticas e programas de desenvolvimento
para presentes e futuras gerações, para a constituição de pactos
civilizatórios entre nações e estabelecem princípios para as políticas
de cooperação para o desenvolvimento, como assegurar a sua
implementação considerando o contexto adverso no país?
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Assim, o PAD pretende apoiar a reflexão coletiva para que agentes


oficiais e não oficiais responsáveis pela implementação de políticas de
cooperação internacional para o desenvolvimento considerem que
não há e não haverá eficácia do alcance dos ODS sem a participação
da sociedade civil, sem a garantia dos direitos humanos em sua
integralidade e universalidade.

Coordenação Executiva / Júlia Esther Castro França


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