Modernidade Colonialidade Patrimonio
Modernidade Colonialidade Patrimonio
Modernidade Colonialidade Patrimonio
Resumo: Abstract:
1Importa destacar que tais países enquadrados no que se entende como “Norte global” são aqueles que
não estão abarcados no processo de cooperação Sul-Sul, ou seja, tratam-se de países hegemônicos no
capitalismo global, geolocalizados no hemisfério Norte, em especial os países da Europa e os Estados
Unidos, e onde se concentram os recursos intelectuais e científicos, em oposição aos países que
anteriormente eram classificados como “Terceiro Mundo” e hoje são comumente denominados como
Sul global (SANTOS, 2010).
(BOURDIEU, 1983: p.88). Sendo assim, recorre-se a Bourdieu para pensar a nossa
própria sócio-análise enquanto pesquisadores do patrimônio, considerando as
influências de uma estrutura social que antecede o indivíduo e contribui na
construção de suas disposições no mundo.
Adotando a perspectiva bourdieuana de que todas as produções culturais – aqui
destaca-se a produção acadêmica como uma produção cultural, tal qual a arte, a
literatura, etc. – são objetos de análises com pretensões científicas (BOURDIEU,
2004b), é possível operacionalizar a dinâmica do campo científico pensada por Pierre
Bourdieu na análise do campo do patrimônio, considerando as diferentes disciplinas
acadêmicas que marcaram a construção discursiva sobre o patrimônio na história do
Ocidente.
Mas tal exercício nos exige um posicionamento crítico/autocrítico, a partir do
qual remetermos à autora australiana Raewyn Connell (2010) quando a mesma
chama a atenção para o expressivo desequilíbrio na produção das Ciências Sociais no
mundo inteiro: as ideias que fundamentam os trabalhos, os argumentos de
autoridade, os conceitos fundamentais, as leituras consideradas imprescindíveis para
a realização de pesquisas referem-se ao Norte global. Os programas de curso,
segundo ela, têm uma bibliografia europeia e norte-americana, o que indica uma
necessidade urgente de reorganização intelectual. Segundo ela, uma sociologia crítica
das ciências sociais para que todo mundo possa falar com autoridade epistêmica de
qualquer lugar global (HAMLIM & VANDENBERGHE, 2013).
Nesse sentido, “falar sobre o patrimônio” também nos remete a essa hegemonia
europeia mencionada por Connell. A literatura conhecida marca a origem do termo e
do tema na Europa, o que nos conduz à reflexão sobre os dispositivos ocidentais de
pensamento que atuam sobre a própria experiência de temporalidade atravessada nas
iniciativas de preservação de bens culturais. Falamos de um variado leque de agentes
institucionais do Estado em suas ramificações burocráticas (órgãos, institutos,
universidades, etc.), falamos dos organismos supranacionais, de empresas privadas e
de economia mista, enfim, de agentes que atuam no âmbito – ainda que nem sempre
com dedicação exclusiva – do patrimônio e que exercem poder sobre as dinâmicas
patrimoniais.
Essas relações em jogo parecem afirmar a agenda da modernidade, sugerindo,
ou mesmo reificando, a importância de mecanismos, instituições, normas e valores,
voltados ao desenvolvimento científico e tecnológico. O mundo, por essa perspectiva,
que reflete: ainda que a América Latina tenha muitos traços europeus, ela é, todavia,
profundamente distinta. Nesse sentido, segundo ele, o conhecimento que não
identifica e não se identifica às particularidades reais dos problemas desse território,
acaba tendo dificuldades de construir soluções particulares a ele.
Daí que quando olhamos nosso espelho eurocêntrico, a imagem que vemos
seja necessariamente parcial e distorcida. Aqui a tragédia é que todos fomos
conduzidos, sabendo ou não, querendo ou não, a ver e aceitar aquela imagem
como nossa e como pertencente unicamente a nós. Dessa maneira seguimos
sendo o que não somos. E como resultado não podemos nunca identificar
nossos verdadeiros problemas, muito menos resolvê-los, a não ser de uma
maneira parcial e distorcida (QUIJANO, 2005: p.118).
2 A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura foi criada em 1946 em
acordo de cooperação de diferentes países na ocasião da Segunda Guerra Mundial. O Conselho
Internacional de Museus (ICOM), organização internacional sem fins lucrativos, foi fundado naquele
mesmo ano por profissionais de museus oriundos de diversos países, estabelecendo relações formais
com a UNESCO em atividades de discussão, produção e divulgação de conhecimento sobre museus e
Museologia. O Comitê Internacional de Museologia (ICOFOM), por sua vez, foi criado em 1976 e desde
a sua fundação foi formado por membros de todos os continentes que se encarregam de pesquisar e
estudar as bases teóricas da Museologia enquanto disciplina científica independente. Ainda que não
seja a intenção deste artigo, interessa questionar a relação de países que as compõe, a presença de
agentes do Sul global e o poder decisório/consultivo de cada um deles frente a situações variadas,
principalmente aquelas que digam respeito ao trato de patrimônios de países vítimas de processos de
colonização.
3 No campo profissional, a confiabilidade dos laboratórios depende das metodologias que ele utiliza e
dos resultados que ele produz. Daí a importância atribuída à relação entre o analista e o equipamento
que ele opera, uma vez que os resultados são produto das leituras estabelecidas dessa relação: trata-se
de respostas oferecidas pelo maquinário que precisam ser interpretadas à luz da linguagem técnica. As
informações obtidas dessa análise contribuem para o conhecimento do objeto analisado, agregando
dados quantitativos e qualitativos que servem como referência para as intervenções a serem realizadas
nos bens.
2 - Patrimônio e legitimidade
No bojo desse debate sobre modernidade e patrimônio, observa-se que o tema
vem ocupando a agenda de algumas disciplinas, mobilizando esforços nos debates
que envolvem as definições conceituais e a operacionalização do termo. São muitas as
áreas e os agentes mobilizados nessa expansão extraordinária de sentidos sobre o
patrimônio; expansão atravessada por interesses e modos de compreender que
conduzem e são conduzidos por modos de ser, fazer e ver o mundo: o termo
patrimônio evoca as disputas disciplinares e institucionais, os discursos negociados
ou suplantados que reivindicam o poder – ou até mesmo exclusividade – de definir e
decidir sobre nomeação de bens culturais como patrimônio de coletividades.
Como escolher, portanto, o que “merece” ser patrimonializado e,
consequentemente, preservado? Quem é “capaz” de definir o que merece ser legado
às próximas gerações? Seria possível escolher, selecionar um bem para nomeá-lo
como patrimônio sem que o processo de institucionalização passe pelo crivo do
agente especialista? Esse processo institucional depende exclusivamente da
existência da figura desse especialista?
4 Importa ressaltar a contraposição que Choay (2006) faz da prática francesa com a prática inglesa: a
primeira com foco nas responsabilidades do Estado e a segunda articulada às responsabilidades e
iniciativas individuais e privadas. Márcia Chuva (2009), por sua vez, destaca a legislação francesa
como inspiradora de projetos de lei brasileiros que antecederam o Decreto-lei n°25, os quais tiveram
como referência o Estado enquanto figura responsável pela tutela do patrimônio cultural nacional.
5 Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o qual tornou-se posteriormente Instituto do
Referências Bibliográficas
_______. Razões Práticas – sobre a teoria da ação. Campinas, São Paulo: Papirus,
1996.
_______. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico.
São Paulo: Editora UNESP, 2004.
CONNELL, Raewyn. A iminente revolução na teoria social. São Paulo: Rev. bras. Ci.
Soc., v. 27, n. 80, p. 09-20, out. 2012.
***
***
***
Como Citar: