Decolonialidade e Arte
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Decolonialidade e Arte
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DECOLONIALIDADE E ARTE:
RESISTÊNCIA DOS POVOS INDÍGENAS1
DECOLONIALITY AND ART:
INDIGENOUS PEOPLES’ RESISTANCE
RESUMO
Este artigo busca construir uma relação entre trabalhos de arte indígena
contemporânea e a decolonialidade do ser a partir de Nelson Maldonado-Torres.
Pretende-se abordar relações entre práticas artísticas indígenas contemporâneas
que se utilizam da arte como forma de resistência para tornar visíveis as questões
decoloniais e ambientais, comunicar de forma poética, incentivar ações
micropolíticas e questionar a lógica eurocentrada. Para essa articulação, o corpus da
pesquisa parte da análise de três artistas indígenas contemporâneos, Daiara
Tukano, Jaider Esbell e Denílson Baniwa, cujos trabalhos estruturam discussões
voltadas a criar fissuras no modelo capitalista que o “povo da mercadoria”
(KOPENAWA, 2015) elegeu para viver e que resulta em crise ambiental e genocídio
dos povos originários. A metodologia escolhida para análise desse corpus é a
abordagem das extremidades, de Christine Mello (2007), que se vale das noções de
desconstrução (da ideia de índio e de colonização), contaminação (da cultura
ameríndia pela cultura eurocentrada) e compartilhamento (ideias e arte) para
explorar os tensionamentos e as situações limítrofes entre espaços artísticos e a
colonialidade. A estrutura teórica tem caráter interdisciplinar entre os campos da
filosofia e da comunicação: Nelson Maldonado-Torres (2018) aborda algumas
dimensões analíticas da colonialidade; Aílton Krenak (2019, 2020), o conceito de
redes de afetos para transpor os muros da colonialidade; e Norval Baitello Júnior
(2018), o conceito da comunicação pela expansão de afetos.
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ABSTRACT
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INTRODUÇÃO
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direito à memória e à verdade dos povos indígenas. Eles entenderam que seria
preciso fazer um “giro decolonial” a fim de se contrapor à dominação e formaram
atitudes decoloniais.
O ativismo social está sendo usado como uma arma para a decolonialidade
do poder. Na década de 1980, quando Aílton Krenak foi à Assembleia Constituinte
vestido de terno branco e fez seu discurso para que os direitos dos povos indígenas
fossem contemplados na Constituição, durante o qual pintou seu rosto com tinta
preta de jenipapo – muito utilizada pelos indígenas nas pinturas corporais –, essa já
era uma atitude decolonial. Os povos indígenas se uniram e perceberam que, juntos,
teriam mais força nesta luta.
A Aliança dos Povos da Floresta surgiu em meados dos anos 1980, quando
algumas das mais importantes lideranças dos povos indígenas e
seringueiros do Brasil se uniram para reivindicar demarcações de territórios
e a criação de reservas extrativistas. Era o momento de abertura
democrática e a assembleia constituinte começava seus trabalhos. O
encontro e a pressão destas lideranças foi fundamental para a inclusão na
constituição de direitos em defesa dos povos indígenas e proteção do meio
ambiente. (INFOAMAZONIA, 2020).
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“Não existe na nossa língua uma palavra para Arte, talvez a mais próxima
seja Hori: a miração, a visão espiritual, da cerimônia, do sonho, e que está
presente em todo o mundo à nossa volta”, conceitua a paulistana Daiara
Tukano. “Hori também são nossos grafismos, que são um elo com a própria
natureza. Pintamos com Hori nossos rostos, nossos corpos, nossas casas,
cerâmicas, cestarias: nosso mundo também é feito de Hori. Existe muito
mais no Hori além daquilo que possa ser visto ou compreendido, ali se tece
a grande linguagem da arquitetura do universo” (MEDEIROS, 2021).
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Mundo”, trabalho do amigo Jaider Esbell, quando a exposição visitou a cidade do Rio
de Janeiro.
“As peças indígenas mais antigas que existem estão todas na Europa, entre
elas esses mantos Tupinambás, que viraram um patrimônio europeu (e não
brasileiro). Elas não podem sequer voltar para cá, pois são muito frágeis,
estão engaioladas, dentro de vidros... para mim fica muito marcado esse
sentimento de prisão em que se encontram” - comenta Daiara. “Quem se
enxerga no espelho fica do tamanho que a gente é: bem pequenininho, para
poder enxergar o horizonte de uma forma mais ampla. É muito forte que a
gente, enquanto indígena, se depare com toda essa história num só objeto,
que é mais que um objeto: é encantado, tem alma” (BIENAL SÃO PAULO,
2021).
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sua produção:
Meus avós foram escravos nas fazendas dos invasores, então nasci em
dois mundos, literalmente. Percebo que, fora as pressões e imposições do
mundo branco sobre meu mundo ancestral, o indígena, há um duplo
interesse entre estes. Com meu trabalho de arte, acredito que posso auxiliar
ambos nesse entendimento mínimo. As artes podem aproximar mundos,
isso para mim é um fato. A minha pesquisa também me leva a crer que,
mesmo aparentemente mesclados, esses mundos não se confundem ou se
fundem. Como tenho acesso a ambos os mundos, busco construir uma
consciência de que “naturalmente” estou sendo educado por ambos para
ser cada vez mais um veículo, um meio, um canal de fruição e distinção.
(GONZATTO, 2021).
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Quando Jaider escolheu quais obras enviaria ao museu francês, fez questão
de incluir “Carta ao Velho Mundo”, uma vez que o trabalho, desde a sua produção,
pensava em dialogar criticamente com a Europa e o pensamento eurocentrado.
“Carta ao Velho Mundo” é uma resposta e uma crítica à colonialidade, em que Jaider
rasura, com intervenções escritas e pictóricas, o livro Galeria Delta da Pintura
Universal – enciclopédia ilustrada da história da arte ocidental – e questiona a
produção cultural eurocentrada, reivindicando a restituição dos saques que foram
feitos em Abya Yala – que, “na língua do povo Kuna, significa Terra Madura, Terra
Viva ou Terra em florescimento e é sinônimo de América” (PORTO-GONÇALVES,
2009).
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