Texto 1. PSICOLOGIA SOCIAL E O ESTUDO DA DESIGUALDADE
Texto 1. PSICOLOGIA SOCIAL E O ESTUDO DA DESIGUALDADE
Texto 1. PSICOLOGIA SOCIAL E O ESTUDO DA DESIGUALDADE
RESUMO
Este artigo reflete sobre a abordagem da desigualdade social no corpo
teórico e nas pesquisas em Psicologia social, defendendo que esta deve passar
do papel de variável independente a objeto de estudo. Apresenta os riscos
epistemológicos e sociais do uso do conceito no plural e, nesse sentido,
seguimos indagando sobre a concepção de desigualdade social e expondo
algumas reflexões para que: a) ela não se torne um conceito bonde que
facilite sua redução a diferenças e diversidades, favorecendo o relativismo e,
ou, tornando-se elemento catalizador do ódio e da segregação; e b) para a
(re)criação de conceitos e categorias analíticas que nos permitam alcançá-la
em sua complexidade ético-política. Busca na filosofia monista de Espinosa
e na dialética marxista pressupostos para orientar tais reflexões.
Palavras-chave: Psicologia social. Desigualdade social. Relativismo.
ABSTRACT
This paper deals with the approach of social inequality in the theoretical
body and in social Psychology researches, arguing that it should move
from the role of independent variable to object of study. It presents the
epistemological and social risks of the use of the concept in the plural and
in this sense we keep on asking about the concept of social inequality and
exposing some reflections so that: a) it does not become a certain concept
that facilitates its reduction to differences and diversities, favoring relativism
and, or, becoming a catalyzing producer of hatred and segregation and b)
for the (re) creation of concepts and analytical categories that allow us to
achieve it in its ethical-political complexity. The study searches in Spinoza’s
monistic philosophy and in the Marxist dialectic presuppositions to guide
such reflections.
Keywords: Social Psychology. Social inequality. Relativism.
1
*
Doutorado em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professora titular da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, coordenadora do Núcleo de Estudos da Dialética Exclusão/Inclusão Social (Nexin-PUC-
SP).
2
**
Doutorado em Psicologia Social pela PUC-SP, professora adjunta da Universidade Federal do Piauí (UFPI), pesquisadora do
Nexin-PUC-SP.
RESUMEN
Este artículo reflexiona sobre el enfoque de la desigualdad social en el cuerpo
teórico y en la investigación en Psicología Social, argumentando que debe
pasar del papel de variable independiente al objeto de estudio. Presenta los
riesgos epistemológicos y sociales de la utilización del concepto en plural y,
en ese sentido, seguimos preguntando por el diseño de la desigualdad social
y exponiendo algunas reflexiones que: a) no se convierta en un concepto
de tranvía que facilita su reducción a las diferencias y a la diversidad,
favoreciendo el relativismo y, o, se convirtiendo en un catalizador para el
odio y la segregación y, b) para la (re) creación de conceptos y categorías
analíticas que nos permitan alcanzarlo en su complejidad ético-política.
Busca en la filosofía monista de Spinoza y en las presuposiciones dialécticas
marxistas para guiar tales reflexiones.
Palabras clave: Psicología social. Desigualdad social. Relativismo.
1. INTRODUÇÃO
N
ão é novidade para ninguém o fato de vivermos em um mundo
extremamente desigual onde apenas 1% da população detém a maior
parte da riqueza material e imaterial produzidas pela humanidade. O fosso
é monumental! No entanto ela ainda se constitui como enigma ou se mostra
imperceptível na produção psicossocial. Basta ver o número de produções a
respeito do tema e, quando surgem, apresentam a sociedade como uma entidade
“harmônica que infelizmente passa por crises, mas que não é contraditória em
sua essência, que paira acima e além dos homens e à qual estes se adaptam aos
seus ambientes naturais” (Patto, 2012, p. 1).
Entendemos que esse processo de supressão/negligência do estudo sobre
desigualdade não é contingente, mas sustentado por pilares epistemológicos
e ontológicos forjados dentro de um sistema de produção que condiciona a
reprodução da vida e se alimenta da desigualdade, da degradação ambiental,
do medo e da tristeza que desmobiliza e apequena a vida. O conceito de
hegemonia em Gramsci (uma alternativa ao conceito de ideologia como fonte da
manutenção da dominação) ajuda-nos a entender a complexidade do fenômeno
e a necessidade de permanente atualização de nossos saberes e práticas, bem
como do fortalecimento do conceito de desigualdade para não continuarmos
acreditando em ações conscientizadoras, modeladoras de comportamento e
campanhistas, em que “a razão ‘vai ao povo’ para educar sua sensibilidade tosca e
o sentimento ‘vai às elites’ para humanizá-las” (Chauí, 2018, p. 24).
Podemos dizer que, para o referido autor, hegemonia não é um sistema,
mas um conjunto de ideias, movimentos e sentimentos que operam o controle
660 Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 25, n. 2, p. 659-670, ago. 2019
PSICOLOGIA SOCIAL E O ESTUDO DA DESIGUALDADE: REFLEXÕES PARA O DEBATE
históricos reclamam sempre uma atualização. Por isso nos perguntamos: como
entendemos hoje a desigualdade social? Para onde apontam nossos saberes
e práticas? Quais as possibilidades e desafios postos à Psicologia social na
Contemporaneidade? Embora não possamos atender a todas essas indagações
em um único trabalho, é de fundamental importância explicitarmos nossas
diferentes formas de compreensão da desigualdade social e sua sustentação no
imaginário coletivo para pôr em debate e análise a repercussão política de nossas
produções e as potencialidades e riscos de nossas práxis psicossocial.
É nesse sentido que pretendemos aqui seguir indagando sobre a concepção de
desigualdade social e expondo algumas reflexões para que:
a) ela não se torne um conceito bonde que facilite sua redução a diferenças
e diversidades, favorecendo o relativismo e, ou, tornando-se elemento
catalizador do ódio e da segregação; e
2. DESIGUALDADE OU DESIGUALDADES?
Alguns questionamentos a respeito da desigualdade nos inquietam neste
momento marcado pela fragilização dos vínculos sociais, políticos, afetivos
e também pela construção de narrativas e movimentos relativizantes: são
desigualdades? No plural? Se sim, como se relacionam? Intersecionalidade,
consubstancialidade, transversalidade? Ou ela se localiza na tradição da crítica
total em que são compreendidas como necessárias para se atingir as raízes dos
perversos mecanismos do capitalismo? (Triantafillou & Dyrberg, 2019).
Olhando o fenômeno pela vertente do pensamento marxista, Frederico (2016)
afirma que a ampliação do conceito de desigualdade centrado no capitalismo
veio da guerra anticolonialista da Argélia (1954-1962), que levou ao universo
intelectual as ideias de Abert Memmi e Franz Fanon. Estes afirmavam que as
principais armas levadas pelos franceses era a imposição de uma imagem de povo
colonizado, inferior, primitivo, atrasado que, internalizada, bloqueava a luta pela
emancipação, ou seja, segundo esses autores, a colonização do imaginário foi/é a
arma mais letal e promoveu/promove a servidão voluntária.
Nesse sentido, é um erro negar ou desconsiderar a colonialidade,
compreendendo-a como um processo histórico de reposição do colonialismo
atravessado pelo capitalismo. No Brasil, esse processo apresenta uma
Os danos causados não são erros pedindo reparações. Eles são da ordem da
dialética exclusão/inclusão, que sustenta a ordem social ao longo da história.
Um processo em constante devir, que, na atualidade, está pautado pelo “valor
de troca”, cujo fundamento e razão de ser é o lucro. Inspirado em Rancière
(2006), podemos dizer que esse incomensurável não rompe somente a igualdade
da distribuição das riquezas acumuladas; ele rompe a cosmologia tradicional
ordenada segundo a ontologia do comum e a origem da comunidade.
A desigualdade mata, deprime, impõe sofrimento (ético-político), fecha o
futuro e impede a abertura de horizontes, o acesso à educação e à saúde, fomenta
injustiças, reforça o individualismo e a banalização dos males provocados aos
homens, a natureza e culpabiliza as pessoas e grupos pelo seu próprio infortúnio.
A desigualdade social, portanto, tem sua gênese na distribuição desigual de
poder. Com diferenças históricas sempre atualizadas, não se relaciona à moral
nem é da ordem do estranhamento do diferente. Está radicada na busca do
lucro e do poder determinada por um projeto de sociedade hierarquizante, que
prioriza a saúde do capital em detrimento da saúde de seu povo, a ponto de
definir o que Agamben (2007) denominou de Hommo saccer, o que pode ser
morto, sem penalização de seus algozes, o “matável”.
Com efeito, a desigualdade não é inédita no capitalismo. Vem de longe a
polarização entre ricos e pobres, é antiquíssima a desigual apropriação e fruição
dos bens sociais. O que é inédito é a dinâmica da pobreza e as formas utilizadas
para justificá-la. Hoje, por exemplo, propaga-se a ideia de escassez como fonte
da pobreza quando, na verdade, o seu aumento não está ligado à escassez e sim à
privatização dos bens e concentração das riquezas produzidas.
Pela primeira vez na história registrada, a pobreza cresce na razão direta em que aumenta a
capacidade social de produzir riquezas (grifo nosso). Tanto mais a sociedade se revela capaz de
progressivamente produzir mais bens e serviços, tanto mais aumenta o contingente dos seus
membros que, além de não terem acesso efetivo a tais bens e serviços, veem-se despossuídos
até das condições materiais de vida de que dispunham anteriormente [. . .]. Este pauperismo
marca a emergência imediatamente visível da dimensão mais evidente da moderna barbárie,
a capitalista (Paulo Netto, 2001, p. 46).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Defendemos, assim, que existem diferentes formas de expressão da desigualdade
e não diferentes desigualdades. Todas elas, perversas em suas particularidades de
objetivação, exigem ações políticas especificas e o fortalecimento de identidades
coletivas para enfrentar as formas de inserção perversa mediadas pela raça, pelo
gênero, como a necropolítica e o feminicídio, só para citar as mais cruciais que
elege o Hommo saccer. Mas não devemos esquecer que a desigualdade social é
elemento estruturante da questão social, base do discurso de ódio, do populismo,
da cisão da nação, da exploração, do sofrimento ético-político e da manutenção
da ideia de assujeitamento de determinadas camadas da população.
Assim, para que a Psicologia não se mantenha, em boa parte de suas práticas,
como guardiã da ordem social, cometendo violência epistemológica (Patto,
2012), é preciso atentar para algumas características fundamentais relativas a
desigualdade social na Contemporaneidade:
REFERÊNCIAS
Agamben, G. (2007). Homo saccer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte:
Editora UFMG.
Boff, L. (1999). Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis:
Vozes.
Sawaia, B. B. (2016). Silvia Lane: grandes mestres da PUC-SP. São Paulo: Educ.