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Ebook - Analise Textual Discursiva PDF

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Análise Textual Discursiva

(ATD): teoria na prática


Arthur Rezende da Silva
Valéria de Souza Marcelino
(Org.)

Prefácio escrito pela Professora Maria do Carmo Galiazzi


Copyright © 2022 Encontrografia Editora. Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem a expressa autorização dos
autores e/ou organizadores.

Editor científico
Décio Nascimento Guimarães

Editora adjunta
Gisele Pessin

Coordenadoria técnica
Gisele Pessin
Fernanda Castro Manhães

Design
Nadini Mádhava
Foto de capa: Nadini Mádhava

Assistente de revisão
Tassiane Ribeiro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Análise Textual Discursiva (ATD) [livro


eletrônico] : teoria na prática / Arthur Rezende
da Silva, Valéria de Souza Marcelino, (org.). --
Campos dos Goytacazes, RJ : Encontrografia
Editora, 2022.
PDF

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-88977-79-8

1. Crítica textual 2. Metodologia 3. Pesquisa


qualitativa I. Silva, Arthur Rezende da.
II. Marcelino, Valéria de Souza.

22-116777 CDD-401.41
Índices para catálogo sistemático:

1. Análise Textual Discursiva : Pesquisa qualitativa


401.41

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8

Encontrografia Editora Comunicação e Acessibilidade Ltda.


Av. Alberto Torres, 371 - Sala 1101 - Centro - Campos dos Goytacazes - RJ
28035-581 - Tel: (22) 2030-7746
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Comitê científico/editorial

Prof. Dr. Antonio Hernández Fernández – UNIVERSIDAD DE JAÉN (ESPANHA)

Prof. Dr. Carlos Henrique Medeiros de Souza – UENF (BRASIL)

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Prof. Dr. Cássius Guimarães Chai – MPMA (BRASIL)

Prof. Dr. Daniel González – UNIVERSIDAD DE GRANADA (ESPANHA)

Prof. Dr. Douglas Christian Ferrari de Melo – UFES (BRASIL)

Prof. Dr. Eduardo Shimoda – UCAM (BRASIL)

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Prof.ª Dr.ª Fabiana Alvarenga Rangel – UFES (BRASIL)

Prof. Dr. Fabrício Moraes de Almeida – UNIR (BRASIL)

Prof. Dr. Francisco Antonio Pereira Fialho – UFSC (BRASIL)

Prof. Dr. Francisco Elias Simão Merçon – FAFIA (BRASIL)

Prof. Dr. Iêdo de Oliveira Paes – UFRPE (BRASIL)

Prof. Dr. Javier Vergara Núñez – UNIVERSIDAD DE PLAYA ANCHA (CHILE)

Prof. Dr. José Antonio Torres González – UNIVERSIDAD DE JAÉN (ESPANHA)

Prof. Dr. José Pereira da Silva – UERJ (BRASIL)

Prof.ª Dr.ª Magda Bahia Schlee – UERJ (BRASIL)

Prof.ª Dr.ª Margareth Vetis Zaganelli – UFES (BRASIL)

Prof.ª Dr.ª Martha Vergara Fregoso – UNIVERSIDAD DE GUADALAJARA (MÉXICO)

Prof.ª Dr.ª Patricia Teles Alvaro – IFRJ (BRASIL)

Prof.ª Dr.ª Rita de Cássia Barbosa Paiva Magalhães – UFRN (BRASIL)

Prof. Dr. Rogério Drago – UFES (BRASIL)

Prof.ª Dr.ª Shirlena Campos de Souza Amaral – UENF (BRASIL)

Prof. Dr. Wilson Madeira Filho – UFF (BRASIL)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
Sumário

Prefácio............................................................................................................10
Maria do Carmo Galiazzi

Apresentação................................................................................................ 15

Parte 1......................................................................................................... 17

1. Procedimentos da Análise Textual Discursiva: considerações


iniciais.............................................................................................................. 18
Arthur Rezende da Silva
Valéria de Souza Marcelino

2. A Análise Textual Discursiva e as pesquisas na área de


educação: apontamentos e reflexões..................................................... 36
Arthur Rezende da Silva
Valéria de Souza Marcelino

Parte 2: Produções dos cursistas............................................................. 54

3. Atividades produzidas a partir do corpus de pesquisas em


andamento ......................................................................................................55

3.1 A educação escolar para formação da consciência crítica......... 56


Andréa de Souza Brito
Nilcimar dos Santos Souza

7
3.2 Diretrizes e direitos: uma análise textual discursiva da Lei
Berenice Piana................................................................................................72
Ariane Alves Gutierrez
Danilo Almeida Souza

3.3 A análise textual discursiva de um discurso inverossímil.......... 84


Denise Lima Rabelo
Octávio Cavalari Júnior

3.4 Câmara temática de educação ambiental: nascer do


esperançar ou do temer?............................................................................ 98
Gabriela Albuquerque

3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva a partir


de entrevistas com professores de física da rede estadual do
Rio de Janeiro acerca de um produto didático .................................. 117
Gedmar S. Carvalho
Priscila dos S. Caetano de Freitas

3.6 Uma busca pelas entrelinhas da interpretação: ensino-


aprendizagem sob mediação................................................................... 145
Flávio Pereira Bastos
Tiago Vieira Pinto

3.7 A formação exigida do professor do atendimento


educacional especializado em Minas Gerais....................................... 157
Heloisa Fernanda Francisco Batista

3.8 Práticas e sinuosidades na articulação Estado-sociedade


civil na gestão de políticas públicas em Moçambique...................... 174
Reginaldo Ernesto Nhachengo

3.9 Imersão no ir e vir da Análise Textual Discursiva: por entre


sentidos, argumentos e diálogos educacionais.................................. 187
Sebastião Rodrigues-Moura

8
3.10 A importância da valorização da pergunta do educando
como desveladora da realidade..............................................................200
Thaís Andressa Lopes de Oliveira

3.11 A escrita de si no Instagram – o momento de ruptura.............. 212


Vanessa Franco
Analice de Oliveira Martins

4. Produções dos cursistas a partir de corpus escolhidos


especificamente como um exercício prático de ATD........................ 224

4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo redes de significados..... 225


Geraldo Bull da Silva Júnior

4.2 Aplicação da ATD à epistolografia medieval: estudo de uma


correspondência de Henrique IV (1082).............................................. 242
Paulo Henrique dos Santos Oliveira

4.3 “Fetiches por estatais”: uma análise textual discursiva............ 258


Renata Freitas

4.4 O mundo não deve sobreviver, tem que viver!............................ 271


Renato Troian

4.5 Cartas pedagógicas: possibilidades da escrita de si


construindo mosaicos de aprendizado professoral com a
compreensão nos pressupostos da Análise Textual Discursiva
(ATD).............................................................................................................. 278
Rosimeire Montanuci

Sobre autores e autoras............................................................................ 293

9
Prefácio

Recebi com muita alegria a notícia que a Análise Textual Discursiva


(ATD) estava em discussão pela Professora Valéria Marcelino em um curso
de formação de pesquisadores. Valéria fez a disciplina à distância quando
ainda nem imaginávamos o que tornaria as lives síncronas, momentos de
reuniões cotidianas nestes últimos tempos. Valéria se desafiou em sua tese a
usar a metodologia de análise aprendida naquela disciplina, isso faz uma dé-
cada. A ela, aliou-se o Prof. Arthur com a intenção de democratizar o acesso
à ATD. Quando leio sobre o lugar dos participantes do curso, me encanto
com a obra. Do norte ao sul, os ventos levam a ATD como possibilidade de
analisar pesquisas em que a autoria do pesquisador é condição. Ou, dito de
outra forma, se a pesquisa não transformar o pesquisador, qual seu sentido?
A ATD tem, por se amparar em uma abordagem filosófica fenomenológica e
hermenêutica, a componente ontológica como estruturante.

Este livro traz elementos autorais importantes, seja dos pesquisadores que
abordaram os procedimentos da ATD, seja por trazerem experiências inten-
samente vividas com o Prof. Roque Moraes. O modo como os organizadores
apresentam o e-book é um convite à leitura. As figuras com precisão mar-
cando as etapas, ilustrações exemplificadoras dos movimentos mostram o
zelo dos autores no processo. Sim, se a ATD é um processo ontológico, exige
imersão e cuidado.

10
O livro também traz o estado da arte em teses que formam pesquisadores
em que os autores expressam a dialética do movimento de que nada será
como está ou será, lembrando de Heráclito. O que chama atenção, também
em um viés próximo do que o Prof. Roque Moraes desenvolvia, era o ensejo
à escrita, e a segunda parte do livro a isso se dedica. Se a primeira parte esta-
belece um diálogo com autores que se inserem no aprofundamento desta me-
todologia a segunda parte vai trazer o exercício de escrita dos participantes.

Nesta parte é o que o livro se abre em paisagens, que, para quem pro-
pôs a metodologia juntamente com o Prof. Roque — e esta história já contei
em outros textos, por isso não cabe aqui repeti-la —, inicia com a escrita
de uma autora pertencente a uma comunidade quilombola. As questões de
pesquisa apresentadas são instigantes, como também todo o detalhamento
dos procedimentos da pesquisa. Na leitura deste texto, existe uma afirmativa
de um estudante que diz que todos nós temos as mesmas coisas por dentro
se referindo a órgãos e sistemas. O mesmo estudante afirma que tudo que
aprendeu foi por causa da professora. Para quem é professora, esta afirmativa
é encantadora, embora saibamos que nem de perto temos este poder de tudo
o que uma pessoa sabe a um professor se dever. Claro, sei ao que se refere o
estudante, mas remeto à crítica que a autora faz sobre o ensino desse corpo
nas aulas de Ciências em Biologia, um ensino que precisa avançar em direção
às contribuições do povo e da cultura africana, bem como dos povos originá-
rios, para a formação do Brasil.

O segundo texto foca na Lei Berenice Piana. Eu, antes de ler este livro,
não sabia dessa lei. Quem me lê neste diálogo com a obra sabe ao que ela se
refere e a quem pretende proteger? Cumpre-se minimante o que está prescri-
to na lei? Não vou dar a resposta, pois o texto leva a pensar sobre as políticas
públicas importantes e que merecem muita atenção. E como algumas políti-
cas públicas têm sido desmontadas neste período sombrio que vivemos!

O texto seguinte vai tratar do inverossímil pela ATD em que os proce-


dimentos estão explicitados. Os autores discutem a função social da esco-
la. Texto importante a quem quer aprender a fazer pesquisa, mas não só,
também para quem, como professor, atua na educação básica. Uma crítica
potente está no texto. Não há mais volta, afirmam os autores, a se enxergar
diferente quando se utiliza uma metodologia de análise que pretende fa-
bricar óculos a partir do que enxerga o pesquisador e sua ontologia e não

11
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

ao contrário, a partir de um óculos pronto, adequar a distância do óculos


para poder enxergar.

Outro texto vindo da Bahia mostra duas palavras dissonantes. De um lado,


o esperançar freiriano, e do outro, o temer. O que são as pedras no caminho de
uma unidade de conservação? Gente! Quem não está, como eu, acostumado
aos desafios de uma unidade de conservação, precisa ler este texto. Que bom
saber que a ATD ajudou a compreender esta pesquisa na Educação Ambiental.

A leitura deste e-book é um configurar de paisagens educativas. Não foi


diferente quando encontro o texto que analisa entrevistas com professores de
Física. Estão detalhados os procedimentos de pesquisa, as perguntas elabora-
das aos entrevistados e as respostas. Eu diria que da leitura até aqui, cada um
é de um jeito, mais ou menos lembrando o que me surpreendeu na resposta
de um estudante sobre o corpo em que foi dito que todos somos iguais por
dentro, e na verdade, embora eu nunca tenha visto nenhum corpo humano
por dentro, só em livro didático, penso que todos somos diferentes dentro e
fora e também se outra dimensão houver. Aqui também a ATD de cada um
foi diferente, ainda que os procedimentos possam ter sido os mesmos. Real-
mente ensinar Ciências não é nada fácil.

O próximo texto traz a palavra entrelinhas. Não nos chama à leitura essa
linda palavra que leva a mergulhar na hermenêutica? Aproveito para reme-
morar este trecho da ATD:

Realizar uma ATD é pôr-se no movimento das ver-


dades, dos pensamentos. Sendo processo fundado na
liberdade e na criatividade, não possibilita que exista
nada fixo e previamente definido. Exige desfazer-se
de âncoras seguras para se libertar e navegar em para-
gens nunca antes navegadas. É criar os caminhos e as
rotas enquanto se prossegue, com toda a insegurança
e incerteza que isso acarreta. Ainda que o caminho
finalmente resultante seja linear, por força da lin-
guagem em que precisa ser expresso, em cada ponto
há sempre infinitas possibilidades de percursos. Daí
mais uma razão de segurança e angústia. Envolver-
-se com a ATD requer do pesquisador assumir uma
viagem sem mapa, aceitar o desafio de acompanhar
o movimento de um pensamento livre e criativo, de

12
Prefácio

romper com os caminhos já prontos para construir os


próprios [...] (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 188).1

Os autores finalizam o texto afirmando que os desafios e as ambiguidades


vivenciados no nosso cotidiano não podem apagar o sentido de uma educação
promotora de maior equidade entre os seres humanos, maior justiça socioam-
biental, melhor bem viver.

E assim a leitura segue, ora discutindo o atendimento educacional espe-


cializado, ora as políticas públicas em Moçambique, produzindo, pela ATD,
argumentos e diálogos no campo da Educação. E se a ATD é uma metodolo-
gia de análise inserida em uma abordagem fenomenológica-hermenêutica, é
claro que a pergunta é seu nó górdio. Se responder pode parecer difícil, fazer
a pergunta é ainda mais. E isso remete a nossas aulas. Quem pergunta e que
pergunta faz? Será essa pergunta sua ou aquela que o professor quer que o
aluno faça, pois a essa está acostumado a responder?

Que conjunto interessante! O próximo texto trata da escritura no Insta-


gram! Um texto com narrativas que contam que o mundo desmoronou, virou
de ponta-cabeça e de que tudo mudou depois de um diagnóstico. Como des-
crever a dor do outro? Pergunta a autora em seu metatexto.

O livro ainda traz um conjunto de escritas sobre o exercício de ATD.


Como a ATD pode ajudar na percepção e elementos de uma rede de signifi-
cados? Uma alegria na leitura deste texto é encontrar amigos nas referências
dos mais queridos, alunos, muitos deles professores em universidades públi-
cas atualmente. Os textos apresentados remetem à elaboração de mosaicos
dos mais potentes, seja pelas temáticas de análise, seja pelo referencial teóri-
co, seja pelo detalhamento da metodologia, seja pelas referências.

Para mim, um encontro ainda mais potente com pesquisas sobre cartas
em seu nome acadêmico: epistelografia! O texto da epístola 17 merece aten-
ção. “Não deveis rejeitar tal proposta”, está na epístola. E depois a análise.
Um deleite, e vocês podem ver a prova disto, copiando aqui parte da carta,
para dizer o que eu quero, é que o e-book seja lido atentamente. Terá Hilde-
brando cometido todos aqueles pecados? Eu diria que não.

1 MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise Textual Discursiva. 3. ed. Ijuí:
Unijuí, 2016. 264 p. (Coleção Educação em Ciências)

13
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Ai! E tem um texto que analisa as falas de um ministro! Já teve em texto


anterior as falas de quem ocupou o lugar de Ministro da Educação, mas que
foi pouco ministro, e há outro texto que discute as falas de quem se ocupa de
decidir sobre as finanças! A ATD se metendo em campos que atualmente são
disputas ferrenhas e que decidem por muitos destinos. De onde se pode dizer
que temos fetiche pelas estatais? Na cabeça de quem, Sr. Guedes? Como con-
cluem os autores, o Brasil não tem fetiches por estatais, o que temos tido sim
foram períodos de muita privatização de estatais. E o ganho? O texto remete
a essa visão crítica pela ATD!

Não poderia deixar de mencionar um texto em que o título chama muito


atenção: O mundo não deve sobreviver, tem que viver! O autor descreve seus
percursos pela ATD em uma inserção na pesquisa em que os diálogos com
os professores da disciplina marcam o encaminhamento da ATD. O texto
mostra este processo, embora não se configure como um metatexto ainda.
Bom ver o processo inicial.

O último texto parece que conversa comigo, não só pela ATD, mas me ensi-
na sobre as cartas pedagógicas que venho escrevendo em processos de formação
continuada há uma década. Está no texto a metáfora do mosaico sobre aprender
a ser professor. O texto vai ensinando o que são as cartas pedagógicas e analisa
uma das 13 cartas recebidas como proposição em uma disciplina ministrada
pela autora do texto: a carta de Attilio, futuro professor de Química. Texto que
unitariza e categoriza de um modo original como se pretende que a ATD seja.
Que cada autor faça a sua ATD de modo que seja diferente dos processos analí-
ticos de outros autores, no entanto, que conserve os elementos estruturantes de
unitarização e categorização, sem esquecer da produção de metatextos.

Com a descrição mesmo que breve de cada texto, tive por objetivo mostrar
as paisagens que se estruturaram como imagens das mais diversas. Foram ao
longo da leitura sendo compostos mosaicos densos, ricos, alguns mostrando
detalhadamente as buscas pelas peças para compor as paisagens, outros den-
samente articulados a referenciais teóricos. Em todos eles se expressa essa
autoria, em que a escrita se constitui em artefato que mostra os diferentes
exercícios de ATD desenvolvidos por seus autores. Parabéns aos professores
Arthur e Valéria e aos estudantes, que somos todos, de ATD!

Maio de 2022
Prof.ª Maria do Carmo Galiazzi

14
Apresentação

A presente obra surge do anseio destes dois professores pesquisadores


pela democratização do acesso à envolvente Análise Textual Discursiva, a
ATD. Inspirados nos autores, os professores doutores Roque Moraes e Maria
do Carmo Galiazzi, nos desafiamos a planejar um curso on-line, cujo objetivo
foi o de apresentar a potencialidade da ATD enquanto metodologia de análise
de informações qualitativas, que oportuniza a produção de novas compreen-
sões sobre os fenômenos e discursos (MORAES; GALIAZZI, 2016). 

Sendo assim, movidos também pelas experiências adquiridas, enquanto


professores que somos, do ensino remoto emergencial decorrente da pande-
mia da COVID-19, nos desafiamos a ministrar um curso on-line com encon-
tros síncronos e assíncronos, em que dialogamos sobre as características da
ATD, destacando suas etapas como a desmontagem do texto, o estabeleci-
mento de relações e a captação do novo emergente. Surpreendentemente para
nós, organizadores da obra, o curso on-line obteve uma procura significativa,
alcançando 47 matriculados, oriundos dos mais diversos estados brasileiros,
dentre eles o Amazonas, o Acre, Pará, Rio Grande do Sul, Espírito Santo,
Mato Grosso, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, dentre outros. E, como
resultado do curso, temos a presente obra!

Guiados por todo o entusiasmo dos cursistas, a quem muito agradecemos


pela confiança depositada nestes professores, materializamos nossas aprendi-
zagens neste livro, assim planejado: o primeiro capítulo descreve uma síntese

15
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

das características da ATD, de forma sistematizada e exemplificada, possibili-


tando um contato inicial dos leitores com a ATD; o segundo capítulo apresenta
o resultado de um estado da arte sobre o uso da ATD no campo das pesquisas
em educação, fruto da impregnação e aprofundamento dos organizadores desta
obra; o terceiro e quarto capítulos discorrem das produções dos cursistas que
aceitaram o desafio de se impregnarem intensamente com a ATD.

Logo, os textos dos cursistas são repletos de carga autoral, na melhor


utilização da ATD, havendo textos mais próximos da estrutura tradicional
de um artigo científico; outros, com uma estrutura mais de uma atividade
prática de ATD. Assim, os cursistas-pesquisadores aceitaram o convite da
ATD de desconstruírem e reconstruírem conceitos, utilizando a unitarização,
a categorização e as produções escritas oriundas de suas compreensões e sín-
teses, enfim, os cursistas-pesquisadores mergulharam no processo auto-or-
ganizado e emergente com intenso envolvimento, imaginação e criatividade
(MORAES; GALIAZZI, 2016).

Espera-se que esta obra seja um convite à ação e à reflexão sobre as múl-
tiplas possibilidades advindas da ATD, esta metodologia envolvente em que
“o próprio pesquisador é afetado e transformado, fazendo com que se assuma
cada vez mais sujeito e autor ao longo de sua pesquisa e análise” (MORAES;
GALIAZZI, 2016, p. 214). E aí, aceitam o convite? Desejosos de que a res-
posta seja um entoante “sim”, fica registrado nosso agradecimento a todos
que integram esta presente obra!
Os organizadores.
Fevereiro de 2022.

16
Parte 1

A primeira parte desta obra preconiza informações teóricas sobre a ATD.


Os organizadores apresentam um texto sistematizado a fim de possibilitar
que os leitores se impregnem da discussão, por meio de uma linguagem o
mais didática possível. Além disso, há um texto em que os organizadores
exploram o potencial da ATD no campo da Educação, a partir de um estado
da arte cuja análise foi por meio da própria ATD. Dessa forma, essa primeira
parte situa o leitor nas possibilidades do uso da ATD enquanto metodologia
de cunho qualitativo e conforme nos anunciam seus idealizadores: a ATD é
um processo de produção de novas compreensões, em que a recursividade
está presente o tempo todo, com movimentos em ciclos e espirais, conduzin-
do a entendimentos cada vez mais complexos. Boa leitura!

17
1. Procedimentos da Análise Textual
Discursiva: considerações iniciais
Arthur Rezende da Silva
Valéria de Souza Marcelino
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.1

A Análise Textual Discursiva: a teoria


No processo da ATD os pesquisadores são convida-
dos a desconstruírem e reconstruírem conceitos, com
unitarização, categorização e produções escritas deri-
vadas de suas análises e sínteses. Nesse desconstruir e
esforço reconstrutivo explodem novas compreensões,
sempre com intensa participação e autoria (MORAES,
2020, p. 600).

Pesquisas de caráter qualitativo podem se valer de uma análise textual.


A Análise Textual Discursiva – ATD (MORAES; GALIAZZI, 2007), por
exemplo, pode nos auxiliar na análise de dados textuais coletados por meio
dos questionários, entrevistas, além de textos de documentos e cartas.

18
Quadro 1 – Exemplo de análise textual discursiva de um livro

Vejam um exemplo de análise de um livro:


Compreensões Acerca da Hermenêutica na Análise Textual Discursiva Marcas Teóri-
co-Metodológicas à Investigação (Robson Simplicio de Sousa; Maria do Carmo Galiazzi).
“Neste artigo apresentamos elaborações textuais acerca da influência da herme-
nêutica na Análise Textual Discursiva (ATD). Constitui-se em um exercício de me-
ta-análise da obra Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2007) em busca
daquilo que se mostra em relação aos aspectos interpretativos desta metodologia
de análise”.
https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoeducacao/article/view/6395

Fonte: Elaboração dos autores com base em Souza e Galiazzi (2017).

Moraes e Galiazzi (2007, p. 160) explicam que a ATD, a Análise de Con-


teúdo (AC) e a Análise do Discurso (AD) constituem metodologias que se
encontram num único domínio, a Análise Textual. Os autores estabelecem
semelhanças e diferenças entre estas metodologias.

A ATD assume pressupostos que a localizam entre os extremos da AC e


da AD. Os autores da ATD, professor Roque Moraes e professora Galizzi,
afirmam que as diversificadas metodologias têm suas finalidades e objetivos
dentro da pesquisa qualitativa, têm seus espaços e não se excluem. Guima-
rães e Paula (2020, p. 704) consideraram “que a ATD insere-se no entrelugar
da Análise de Conteúdo de Bardin, e da Análise de Discurso de Pêcheux, e
que, em relação a ambas, apresenta várias singularidades.”

Como afirmam Moraes e Galiazzi (2007, p. 11) a pesquisa qualitativa visa


a aprofundar a compreensão dos fenômenos que investiga a partir de uma
análise rigorosa e criteriosa, esta pode partir de textos existentes ou de textos
produzidos especificamente para a pesquisa em questão – esses textos são
chamados corpus. Ainda segundo os mesmos autores, esse tipo de pesquisa
não tem a pretensão de testar hipóteses, tem como objetivo a compreensão. A
ATD propõe-se a “descrever e interpretar alguns dos sentidos que a leitura de
um conjunto de textos pode suscitar” (MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 14),
visto que “toda leitura já é uma interpretação; não existe uma leitura única
e objetiva. Diferentes sentidos podem ser lidos em um mesmo texto” (MO-
RAES, 2003, p. 192) e todo olhar já acontece impregnado de teoria. Dessa
forma, temos a possibilidade de uma outra análise, com diferentes visões e
categorias, a partir de referenciais e posturas teóricas distintas.

19
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

A ATD se estrutura a partir de três etapas que compõem um processo


cíclico: i) desmontagem dos textos ou unitarização; ii) estabelecimento de
relações ou categorização; iii) comunicação ou produção de metatextos.

Desmontagem dos textos ou unitarização


Segundo Moraes e Galiazzi (2007, p. 11) essa primeira etapa “implica
examinar os textos em seus detalhes, fragmentando-os no sentido de atin-
gir unidades constituintes, enunciados referentes aos fenômenos estudados”,
tendo o cuidado de se manter o contexto de onde o fragmento foi retirado.
Nessa etapa, deve-se dar atenção aos detalhes e nas partes dos componentes
dos textos, uma fase de decomposição necessária a toda análise. É o próprio
pesquisador quem decide em que medida fragmentará seus textos.

Dessa desconstrução dos textos surgem as unidades de análise, também


chamadas de unidades de significado ou sentido (MORAES; GALIAZZI,
2007, p. 18), as quais podem ser oriundas do corpus (unidades empíricas) ou
dos interlocutores teóricos (unidades teóricas). Cada unidade de análise deve
receber título que represente a ideia principal da unidade e código, a fim de
identificar seu texto de origem, bem como sua localização dentro desse texto.
Nas figuras 1 e 2, apresentamos os passos iniciais da análise, passos 1 e 2.

Figura 1 – Primeiro passo da ATD

Unidades de
Exame detalhado análise ou de
do texto (corpus) e significado =
1º Unidades
Passo fragmentação do
mesmo Empíricas

Cada unidade
O pesquisador deve receber um
escolhe até que código e um
ponto irá �tulo que
fragmentar represente bem a
ideia

A unidade pode
ser reescrita

Fonte: elaboração própria.

20
1. Procedimentos da Análise Textual Discursiva: considerações iniciais

Figura 2 – Segundo passo da ATD

A par�r das
2º unidades ob�das ir Unidades teóricas
Passo à procura de
interlocutores teóricos

As unidades
Produzir “fichas” devem ser
para cada autor: reescritas e esta
referência/ nova unidade
unidade com receberá código
código/página indicando isto

Fonte: elaboração própria.

Estabelecimento de relações ou categorização


Consiste na construção de relações entre as unidades de análise, faze-
mos isso num processo recursivo de leitura e comparação entre elas, resul-
tando em conjuntos que apresentam elementos semelhantes, daí surgem as
categorias. Segundo Moraes e Galiazzi (2007), o processo de categorização
na ATD é longo e exige do pesquisador uma impregnação aprofundada nas
informações e, ao mesmo tempo, a eliminação do excesso de informações,
apresentando o fenômeno de modo sintético e ordenado.
Podemos afirmar que a categorização é um processo de
criação, ordenamento, organização e síntese. Consti-
tui, ao mesmo tempo, processo de construção de com-
preensão de fenômenos investigados, aliada à comuni-
cação dessa compreensão por meio de uma estrutura
de categorias. (MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 78).

Importante ressaltar que diante das múltiplas leituras de um texto, a mes-


ma unidade pode ser lida de diferentes perspectivas, resultando em diferentes
sentidos, sendo permitido dessa forma que a mesma unidade possa ser acei-
ta em mais de uma categoria. Os autores afirmam que “isso representa um
movimento positivo no sentido da superação da fragmentação” (MORAES;
GALIAZZI, 2007, p. 27).

21
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Outra característica referente à categorização reside no fato da ATD


aceitar tanto o estabelecimento de categorias a priori quanto de categorias
emergentes ou, ainda, categorias mistas (a priori e emergentes). Na figura 3,
apresentamos o terceiro passo da análise.

Figura 3 – Terceiro passo da ATD

Estabelecer relações
3º entre as unidades Categorias
empíricas e teóricas emergentes
Passo
e organizá-las
separadamente

As categorias categorias a priori,


podem ser sub emergentes ou
divididas em mistas (a priori e
sub categorias emergentes)

Fonte: elaboração própria.

Comunicação ou produção de metatextos


Nessa etapa, percebe-se uma nova compreensão do todo, possibilitada
pelo intenso envolvimento nas etapas anteriores. O objetivo agora será ela-
borar um texto descritivo e interpretativo, o qual se denomina metatexto, a
partir das categorias. Segundo Moraes e Galliazzi (2007), saber empregar as
categorias construídas na análise para organizar a produção escrita é uma
forma de atingir descrições e interpretações válidas dos fenômenos investi-
gados. Afirmam ainda que “a qualidade dos textos resultantes das análises
não depende apenas de sua validade e confiabilidade, mas é, também, con-
sequência do fato de o pesquisador assumir-se autor de seus argumentos”
(MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 32).

22
1. Procedimentos da Análise Textual Discursiva: considerações iniciais

Quadro 3 – Reflexão sobre o processo da ATD


feita pela segunda autora deste capítulo

Essa foi uma reflexão (feita por mim) sobre o processo de construção de um meta-
texto. Está no livro Aprendentes do Aprender (GALIAZZI, RAMOS, ROQUE, 2021, p.
145), originalmente foi escrito em um e-mail para a prof Maria do Carmo, quando eu
cursei a disciplina na FURG.
Para construir o metatexto segui os seguintes passos:
Li e reli todas as unidades que ficaram sob minha responsabilidade, aprender por
construção e reconstrução;
percebi que havia entre essas unidades algumas que abordavam assuntos ou aspec-
tos diferentes e, então, separei em 3 grupos:
- unidades que falavam da ideia de aprender por construção e reconstrução somen-
te, - - - unidades que falavam de aprender por construção e reconstrução em espa-
ços formais de ensino (escola) e
- unidades que falavam de aprender por construção e reconstrução especificamente
no ensino de Ciências ou Química;
li as outras unidades das categorias dos outros colegas e encontrei algumas que me
interessavam, fui incluindo essas unidades nos 3 grupos que havia separado;
juntei e reorganizei as unidades de forma que elas se estruturassem como um texto
(parte mais demorada e recursiva). Escrevi uma introdução explicando minha or-
ganização do texto em 3 partes. Escrevi cada uma dessas 3 partes com as unidades
reorganizadas, reescritas e entrelaçadas, de forma que surgisse sentido e justifica-
tivas para o texto. Cada argumento foi sustentado com as unidades de colegas e de
autores, que usei algumas vezes como citação. No final fiz uma conclusão do traba-
lho revendo os principais pontos abordados no texto. Esse longo processo me levou
a ficar alguns dias envolvida exclusivamente com esse trabalho e tenho a certeza de
que se for reler tudo vou mudar muitas coisas.
Minha impressão do processo foi a de que é necessário um envolvimento muito in-
tenso e exclusivo, se for de outra forma, penso que o resultado não será satisfatório.
É necessário reler e reescrever muitas vezes as unidades e o texto produzido e ainda
refletir muito sobre o tema e o processo. Diversas vezes acordei à noite pensando
no texto e anotei as ideias. Por fim, achei o processo desafiador (escrever é difícil) e
envolvente (não dá vontade de parar).
Valéria de Souza Marcelino

Fonte: Galiazzi, Maurivan e Moraes (2021, p.145).

Apresentamos a seguir um esquema ilustrando as etapas da ATD (Figura 4):

23
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Figura 4 –Representação esquemática das etapas da ATD

ANÁLISE
TEXTUAL
DISCURSIVA
processo realizado a par�r
de três momentos recursivos

UNITARIZAÇÃO
DO CORPUS

unidades empíricas e teóricas

CATEGORIZAÇÃO
movimento recursivo

categorias emergentes que


cons�tuirão os metatextos

COMUNICAÇÃO

Fonte: elaboração própria.

Desse modo, a ATD pode ser compreendida “como um processo auto


organizado de construção de novos significados em relação a determinados
objetos de estudo, a partir de materiais textuais referentes a esses fenômenos”
(MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 45)

A Análise Textual Discursiva: o passo a passo da análise


Para que pudéssemos aprender a utilizar a Análise Textual Discursiva –
ATD e utilizá-la como metodologia de análise nesta pesquisa, foi necessária
a minha participação, à distância, na disciplina Aprendentes do Aprender,
organizada durante a permanência do professor Roque Moraes como pesqui-
sador sênior da Capes na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) no
ano de 2011. A seguir, descrevemos o passo a passo de nossa análise.

24
1. Procedimentos da Análise Textual Discursiva: considerações iniciais

A desconstrução dos textos que compunham nosso corpus


Na primeira parte da análise, o nosso corpus, o qual foi composto pelas
respostas dos questionários e pelas entrevistas, é totalmente desconstruído em
unidades. As unidades resultantes dessa desconstrução são arrumadas em ou-
tro arquivo de texto; é comum utilizar também uma tabela do Excel para colo-
car todas as unidades. Apresentamos um recorte no quadro 4 abaixo.

Quadro 4 – Exemplo de unidades codificadas e com título

Observamos que as unidades estão precedidas de códigos e apresentam um título.


Q01GC01 Formar para auxiliar no cotidiano
Q01GC01 Bastante, pois o aluno que compreende a Química não só como um
simples conteúdo para sua formação, mas o verdadeiro sentido prático, como nos
auxilia no dia a dia em nossas atividades domésticas,
Q01GC02 Formar para uma nova visão do mundo
Q01GC02 em experiências que podem nos modificar certos hábitos e um novo
olhar para tudo que nos rodeia,
Q01GC03 Formar para respeitar a natureza
Q01GC03 principalmente respeitando a natureza e valorizando o que ela nos
proporciona,
Q01GC04 Formar para exercer cidadania
Q01GC04 estaremos construindo um cidadão consciente que muito vai contribuir
para o nosso futuro

Fonte: elaboração própria.

No exemplo apresentado, vemos o código Q01GC01. Este código indica


a qual questão se refere a unidade, questão 01; a qual professor pertence a
resposta, professora GC; e o número da unidade, primeira unidade extraí-
da das questões respondidas pela professora GC. Dessa forma, em qualquer
momento da análise é possível voltar ao texto inicial (entrevista) completo de
onde foi extraída a unidade.

São também produzidos títulos para as unidades, que devem representar


a ideia da unidade em uma ou duas palavras. Essas unidades foram todas
reescritas, e, nesse processo, as diversas releituras das unidades nos possibi-
litaram um grande envolvimento com elas, facilitando, assim, a realização da
próxima etapa, que é a categorização.

25
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

O próximo passo consiste na pesquisa a autores e fontes bibliográficas, a


partir do envolvimento inicial com o tema que está sendo trabalhado, visan-
do questionamentos, reconstruções e aprendizagens sobre ele, definir alguns
autores, livros, artigos, sites ou outras fontes de consulta que se considerem
válidas para ampliar conhecimentos sobre o tema pesquisado. Explorar, uma
a uma, estas fontes, preparando “fichas de leitura” (grupos de unidades teó-
ricas de cada referência utilizada) com citações consideradas importantes
e significativas para o encaminhamento da análise. Cada “ficha de leitura”
corresponde a um parágrafo de uma fonte pesquisada, transcrita literalmente
com as devidas referências de autor, ano e página. Sugere-se, a modo de sim-
plificação, que se dê um código numérico crescente aos autores na medida
em que são trabalhados, identificando cada ficha com o código do autor e a
página da qual saiu o texto da citação.

As unidades teóricas devem receber títulos e posteriormente devem ser


reescritas pelo pesquisador, estas novas unidades trazem a teoria nas palavras
do pesquisador. Além de não ser adequado termos apenas citações diretas.

Exemplo de duas fichas de autores com exemplos de unidades teóricas nos


quadros 5 e 6. Ressaltamos que colocamos apenas uma unidade de cada autor
(referência) para efeito de exemplificação.

26
1. Procedimentos da Análise Textual Discursiva: considerações iniciais

Quadro 5 – Exemplo de unidade teórica, codificada e com


título e a sua reescrita, de um autor ou uma referência

Autor 06 - SCHÖN, D.A. Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Ua06.01CD - Problemas dos professores Unidade teórica - citação direta

Na topografia irregular da prá�ca profissional, há um terreno alto e firme, de onde se


pode ver um pântano. No plano elevado, problemas possíveis de serem administra-
dos prestam-se a soluções através da aplicação de teorias e técnicas baseadas em
pesquisa. Na parte mais baixa, pantanosa, problemas caó�cos e confusos desafiam as
soluções técnicas. (p. 15).
Unidade teórica reescrita-citação indireta

Ua06.01CI - Problemas do co�diano dos professores.

Os problemas do co�diano dos professores vão muito além do que eles conseguem
administrar baseados naquilo que aprenderam na sua formação inicial, além das
questões salariais e das más condições de trabalho, ainda precisam lidar com a falta de
mo�vação por parte dos alunos; com as crescentes inovações tecnológicas e cien�ficas,
que exigem uma constante atualização de seus conhecimentos; com alunos que têm
acesso à informações em rede/globalizadas, muitas vezes mais rapidamente do que o
próprio professor; Como eles têm conseguido conviver com esses problemas em sua
profissão? O que eles fazem (ou não fazem) para tentar resolver esses problemas?

Legenda: Ua06=unidade do autor 06; 01=primeira unidade.

Fonte: elaboração própria.

27
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 6 – Exemplo de unidade teórica, codificada e


com título e a sua reescrita

Autor 02 - GUIMARÃES, G. M. A.; ECHEVERRÍA, A. R.; MORAES, I. J. Modelos didá�cos no


discurso de professores de ciências. Inves�gações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 11,
n. 3, p. 303-322, 2006.

Ua02.01 - Melhorar a formação inicial Unidade teórica - citação direta


Ua02.01CD - "Pensar em melhorar a formação dos professores e dos jovens, considerando que
uma leva à outra, implica, em primeiro lugar, conhecer os professores atuais e reconhecê-los como
sujeitos responsáveis por qualquer mudança significa�va que possa ocorrer na educação escolar.
Nessa perspec�va, é necessário voltar nossos olhares para o professor, não enquanto apêndice
das reformas educacionais (TORRES, 1998a, 1998b), mas enquanto sujeito fundamental do
processo de mudança." (p. 304).

Ua02.01CI - Melhorar a formação inicial Unidade teórica reescrita-citação indireta


Devemos ter como meta a melhoria da formação inicial, para isso precisamos conhecer os
professores, sua prá�ca docente e suas concepções sobre o processo de ensino e aprendizagem.
Devemos, ainda, reconhecê-los como sujeitos responsáveis e fundamentais pelas tão necessárias
mudanças em nosso sistema educacional.

Fonte: elaboração própria.

É necessário reler unidades e títulos para um maior envolvimento com


essas e a certificação de que o título da unidade corresponde ao seu conteú-
do. Esse título vai facilitar a próxima etapa da ATD, a categorização. Essa
categorização se baseia na semelhança do tema abordado em cada unidade.

A categorização das unidades


Inicialmente, definimos as categorias agrupando unidades que se referem
ao mesmo assunto ou ao mesmo tema. Para isso, é importante o conheci-
mento profundo das unidades, a fim de que cada unidade realmente esteja
na devida categoria. Mais para o final do processo, procuramos estabelecer
categorias mais amplas e, dessa forma, buscamos agrupar as unidades em
grandes categorias.

28
1. Procedimentos da Análise Textual Discursiva: considerações iniciais

No exemplo aqui adotado, tivemos a seguinte estrutura de categorização


(Quadros 7 e 8):

Quadro 7 – Os temas nos quais separamos as unidades,


as categorias iniciais e a categoria final

Unidades que falavam


Categoria inicial Categoria final
sobre:

Baixos salários, excesso de A desvalorização dos


trabalho professores

A identidade dos
Insatisfação, crise
professores

Modelo tecnicista, A formação inicial de pro- Os professores


inadequado fessores de química de química e
seus problemas
Desmotivação A relação professor-aluno extraclasse

As condições estruturais
Falta de estrutura, más
e de funcionamento da
condições
escola

Possibilidades de mudanças Professor reflexivo

Fonte: elaboração própria.

29
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 8 – Os temas nos quais separamos as unidades,


as categorias iniciais e a categoria final

Unidades que falavam


Categoria inicial Categoria final
sobre:

Formação para
Finalidade do ensino de
cidadania versus aulas
química
tradicionais

Conteúdos minis-
Conteúdos de química
trados de forma
ministrados
tradicional

Ações pedagógicas dos profes- Modelo de ensino


sores de química tradicional
O ensino de química
praticado em nossas
Pretensão em adotar
Aulas dos futuros professores escolas
prática docente me-
de química
nos tradicional

Baixos resultados em
avaliações de larga
Avaliação nas aulas de química
escala e modelo de
ensino tradicional

Modelo de ensino de química


Educar pela pesquisa
desejável

Fonte: elaboração própria.

Diante dessa divisão, percebemos, então, o surgimento de duas categorias


emergentes, as quais denominamos “Os professores de química e seus pro-
blemas extraclasse” e “O ensino de química praticado em nossas escolas”.

A categoria emergente “Os professores de química e seus problemas ex-


traclasse” foi a minha surpresa! Comecei minha análise e não tinha nenhum
interlocutor teórico que a embasasse. Portanto, uma compreensão nova que
exigiu novas leituras, um novo olhar, algo bem condizente com o caráter
hermenêutico da ATD.

Após definidas as categorias, devemos produzir argumentos aglutina-


dores que sustentem a tese proposta por cada categoria. Esses argumentos

30
1. Procedimentos da Análise Textual Discursiva: considerações iniciais

aglutinadores devem vir na forma de um parágrafo inicial do metatexto cor-


respondente à categoria em questão.

A comunicação da análise ou produção dos metatextos


Os metatextos constituem o resultado da análise. São frutos da interpre-
tação do analista e da escrita recursiva das unidades dos entrevistados e das
unidades teóricas. Dessa forma, um novo texto é escrito partindo de textos
preexistentes (corpus e teóricos). No exemplo aqui adotado, constatamos a
produção de dois metatextos, cada um deles a partir das categorias emer-
gentes. Esse processo produzirá o resultado final de nossa análise, todas as
unidades de cada uma das duas categorias foram reorganizadas, reescritas
e entrelaçadas, de forma que surgisse sentido e justificativas para os nossos
metatextos.

Produzimos os seguintes metatextos:

a. 1º metatexto: Os professores de química e seus diversos problemas


extraclasse;

b. 2º metatexto: O ensino de química praticado em nossas escolas.

Apresentamos na figura 5 um exemplo de como interpretamos as uni-


dades empíricas e teóricas e conferimos um novo sentido ao texto, comuni-
cando, dessa forma, nossos resultados. Esse exemplo se refere ao metatexto
2, “O ensino de química e de ciências praticado em nossas escolas”, e nesse
trecho abordamos a questão da necessidade ou não de um laboratório para
uso de experimentos nas aulas de química.

31
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Figura 5 – Exemplo de elaboração de metatexto

Fonte: Elaboração própria.

Esses trechos acima foram retirados do metatexto “O ensino de química


praticado em nossas escolas”, extraído da tese em questão, que está na figura 6.

32
1. Procedimentos da Análise Textual Discursiva: considerações iniciais

Figura 6 – Parte do metatexto “O ensino de química


praticado em nossas escolas”

"Como professora da rede estadual acho que seria necessário mais acesso às
técnicas experimentais", relata a professora MC, enquanto a professora RC diz:
"penso que a grade deveria abordar aulas experimentais equivalente a grade atual.
Disponibilização de laboratórios nas escolas públicas como também capacitações
de práticas laboratoriais".
Nas escolas estaduais constatamos a existência do espaço físico para o laboratório
de ciências, mas este não possui condições estruturais para que as aulas experimen-
tais sejam ministradas, como relata a professora JA, é "preciso ativar os laboratórios e
disponibilizar material para trabalhar nos mesmos, prática e teoria é o ideal".
A professora F declara
não aqui não tem muito recurso né... parece que tá montando o laboratório de
Química... que vai ser a melhor maneira de explicar a Química do dia a dia... é mais
uma aula tradicional... tem quadro... giz... e trabalho... e prova... (professora F)
Precisamos levar dois aspectos em consideração acerca do uso da experimen-
tação no ensino de química. O primeiro aspecto diz respeito à ideia que os profes-
sores têm sobre laboratório como lugar como o lugar das atividades experimentais,
esse é um entendimento dos professores que precisa ser problematizado, pois as
atividades experimentais escolares não necessitam obrigatoriamente de um es-
paço sofisticado, embora se reconheça sua importância (GONÇALVES et al, 2005).
Muito tem se discutido sobre as atividades experimentais, tendo em vista que a
ideia predominante entre os professores é que esse tipo de atividade é essencial
para um bom ensino, apesar de não existir um consenso acerca dos objetivos des-
tas que podem ser motivacionais, ou desenvolvimento de habilidades de laborató-
rio ou ainda desenvolvimento de atitudes científicas. O que precisamos ressaltar
é que muito tem sido produzido sobre o uso de materiais alternativos e de baixo
custo nas aulas experimentais, sendo assim essa obrigatoriedade da existência de
um laboratório equipado não é fundamentada (ROSITO, 2008).

Fonte: Elaboração própria.

Apresentamos na Figura 7 um esquema apresentando todos os passos da


nossa metodologia de análise textual em todas as suas etapas, conforme des-
crita neste texto.

33
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Figura 7 – Esquema representado todos os passos


da ATD apresentada neste texto

Fonte: elaboração própria.

Referências
GALIAZZI, Maria do Carmo; RAMOS, Maurivan Güntzel; MORAES, Roque. Apren-
dentes do Aprender: Um Exercício de Análise Textual Discursiva. Ijuí: Unijuí, 2021.
GUIMARÃES, Gleny Terezinha Duro; PAULA, Marlúbia Corrêa de. Análise textual dis-
cursiva: entre a análise de conteúdo e a análise de discurso. Pesquisa Qualitativa, [s.
l.], v. 8, n. 19, p. 677-705, 2020. DOI: https://doi.org/10.33361/RPQ.2020.v.8.n.19.380.
Disponível em: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/380/233. Acesso em: 23
jun. 2022.

34
1. Procedimentos da Análise Textual Discursiva: considerações iniciais

MORAES, Roque. Avalanches reconstrutivas: movimentos dialéticos e hermenêuticos de


transformação no envolvimento com a análise textual discursiva. Pesquisa Qualitati-
va, v. 8, n. 19, p. 595–609, 2020. DOI: https://doi.org/10.33361/RPQ.2020.v.8.n.19.372.
Disponível em: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/372/257. Acesso em: 23
jun. 2022.
MORAES, Roque. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise tex-
tual discursiva. Ciência & Educação, [s. l.], v. 9 n. 2, p.191-211, 2003. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ciedu/a/SJKF5m97DHykhL5pM5tXzdj/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em: 01 jun. 2022.
MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva. Ijuí: Uni-
juí, 2007.

35
2. A Análise Textual Discursiva e
as pesquisas na área de educação:
apontamentos e reflexões1
Arthur Rezende da Silva
Valéria de Souza Marcelino
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.2

Introdução
“O que é uma boa pesquisa na área educacional?” “Há um padrão de qua-
lidade?” Essas são algumas das questões que inquietam os pesquisadores na
área de educação. Pautando-nos no pensamento de André (2001), que proble-
matiza o rumo da pesquisa em educação no Brasil, situando as mudanças que
ocorreram no campo, destaca-se, segundo a autora, o crescimento dos estu-
dos qualitativos. Tais estudos buscam se debruçar mais no cotidiano escolar,
havendo, portanto, uma valorização do olhar “de dentro” do pesquisador, a
partir de estudos do tipo etnográfico, pesquisa participante, estudos de caso,
pesquisa-ação, análise de discurso e de narrativas, histórias de vida, dentre
outras. Assim, surgem “muitos trabalhos em que se analisa a experiência do

1 Este capítulo é uma versão ampliada do texto: SILVA, Arthur Rezende; MARCELINO,
Valéria de Souza. A Análise textual discursiva enquanto um cenário viável para as pes-
quisas qualitativas na área de educação. Intersaberes, [s. l.], v. 17, n. 40, p. 114-130, 2022.
Disponível em: https://www.revistasuninter.com/intersaberes/index.php/revista/article/
view/2277. Acesso em: 02 jul. 2022.

36
próprio pesquisador ou em que este desenvolve a pesquisa com a colaboração
dos participantes” (ANDRÉ, 2001, p. 54).

Dentro dessa perspectiva, fica claro que a pesquisa em educação amplia


e diversifica os enfoques, valorizando a multi/inter/transdisciplinaridade, ha-
vendo “quase um consenso sobre os limites que uma única perspectiva ou
área de conhecimento apresentam para a devida exploração e para um co-
nhecimento satisfatório dos problemas educacionais” (ANDRÉ, 2001, p. 53).
Nosso intento, portanto, é trazer à baila uma metodologia qualitativa que vai
ao encontro do que sustenta André (2001) em relação “à proposição de novos
critérios de julgamento, alguns se contrapondo aos já conhecidos e respeita-
dos, outros se referindo aos aspectos dos novos tipos de estudo” (ANDRÉ,
2001, p. 58), qual seja, a Análise Textual Discursiva (ATD).

A ATD busca analisar informações de natureza qualitativa com o obje-


tivo de gerar novas compreensões acerca dos fenômenos e dos discursos,
ajustando-se entre os extremos da análise de conteúdo e da análise do discur-
so, diferenciando destas em virtude da atividade interpretativa e de natureza
hermenêutica (MORAES; GALIAZZI, 2016). Tendo em vista a reflexão que
pretendemos apresentar neste trabalho, destacamos os dizeres do professor
Roque Moraes, autor da ATD, ao justificar o porquê da necessidade de des-
pertar uma nova visão para o campo da pesquisa, o que corrobora com os
anseios de André (2001):
A sensação de incompletude, a percepção de superfi-
cialidade que, aos poucos, foi produzindo em mim o
envolvimento em pesquisas na área da Educação, ao
tentar utilizar o paradigma da ciência natural, até mes-
mo antes do início desta investigação, já me haviam
levado à busca de um paradigma alternativo. Algumas
experiências de pesquisa numa abordagem qualitativa
já haviam produzido a convicção de que uma pesquisa
pode ser eventualmente mais envolvente, mais signi-
ficativa e profunda do que haviam sido alguns estu-
dos realizados no paradigma quantitativo. (MORAES;
GALIAZZI, 2016, p.21).

Nesse sentido, este breve trabalho procura alinhavar considerações a res-


peito do uso da ATD enquanto um horizonte possível para as pesquisas em
Educação. Desenvolveremos este percurso considerando a ATD como uma
possibilidade de superação de pesquisas positivistas, visto que se aproxima da

37
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

hermenêutica, assumindo conjecturas da fenomenologia, além da valorização


da perspectiva do outro, com o objetivo de buscar variadas compreensões dos
fenômenos. Afinal, estão envolvidos nesse movimento da ATD diversos sujei-
tos autores e diversificadas vozes a serem ponderadas no tempo da leitura e da
interpretação de um texto (MORAES; GALIAZZI, 2016).

A questão mobilizadora a que se propõe este capítulo é a seguinte: O que


apontam as pesquisas dos programas de doutorado em Educação cuja escolha
metodológica foi a ATD? Tendo em vista apresentar uma proposta de estu-
do para essa questão, organizamos um possível caminho para sua resposta
nos seguintes tópicos: primeiramente, efetuamos uma breve apresentação das
características da ATD, como a unitarização, a categorização e os metatex-
tos, baseando-nos em Moraes e Galiazzi (2016) e Galiazzi, Ramos e Moraes
(2021). Em seguida, realizamos um estado da arte a partir do Catálogo de
Teses e Dissertações (CTD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior (CAPES), compreendendo o período de 2017 a 2021,
considerando apenas teses dos programas de doutorado em Educação que
utilizaram a ATD enquanto metodologia. Por fim, efetivamos uma ATD do
corpus possibilitado pelo CTD da CAPES.

Percursos metodológicos da Análise Textual Discursiva

Como ponto de partida, é importante considerar que quem se dispõe a


usar ATD em suas pesquisas deve, indubitavelmente, estar disposto a apren-
der. Pode parecer óbvia essa fala anterior, mas essa compreensão é funda-
mental para adentrar a ATD. O que é o aprender? Há os que condicionam a
mera transmissão de saber, caracterizada pela repetição. Há também os que
entendem o aprender como uma construção, como um processo. Os que al-
mejam compreender o processo da ATD se orientam pela segunda resposta,
ou seja: “O aprender exige imitação, reprodução, invenção, reinvenção, em
que se criam interpretações a partir das interações no ambiente” (GALIAZ-
ZI, 2021, p. 123).

A construção desse pensamento sobre o aprender está guiada na ideia


de que a ATD demanda interação e impregnação do corpus, uma vez que
“(...) é um processo de produção de novas compreensões em que a recur-
sividade está presente o tempo todo, com movimentos em ciclos e em es-
pirais, conduzindo entendimentos cada vez mais complexos” (MORAES;

38
2. A Análise Textual Discursiva e as pesquisas na
área de educação: apontamentos e reflexões

GALIAZZI, 2016, p. 253). Por conseguinte, a ATD convida o pesquisador a


aprender, a ouvir, a dialogar, a observar, a problematizar, convida, portanto,
o pesquisador a envolver-se intensamente, “(...) emergindo um investigador
capaz de perceber o potencial criativo e original do escrever dentro de suas
pesquisas. Do envolvimento com a ATD surge um novo pesquisador, apto
a manipular com competência a vara mágica da escrita” (MORAES; GA-
LIAZZI, 2016, p. 204).

Em síntese, os procedimentos da ATD são os seguintes: produção e/ou es-


colha do corpus; unitarização do corpus; organização das categorias iniciais,
intermediárias e finais a partir da aproximação de sentido da unitarização
e, por fim, a produção dos metatextos. Em relação ao corpus, é interessante
ressaltar que sua matéria-prima são as produções textuais, tanto produzidas
especialmente para a pesquisa — podendo compor-se de transcrições de en-
trevistas, registros de observação, depoimentos construídos por escrito, ano-
tações e diários múltiplos — quanto podem ser documentos já existentes,
englobando, assim, relatórios, publicações de natureza variada, como edito-
riais de jornais e revistas, atas de diversos tipos, legislações, dentre outros
tipos de documentos. Lembremo-nos de que os textos não possuem signifi-
cados a serem apenas apresentados, mas sim significantes que requerem do
leitor ou pesquisador a elaboração de significados por meio de suas teorias e
pontos de vista (MORAES; GALIAZZI, 2016).

Em relação à unitarização, é válido frisar que é uma etapa de intenso con-


tato e impregnação com o material da análise, sendo cenário para emergência
de novas compreensões. Esse processo de unitarização compõe-se de um mo-
mento de desmontagem dos textos, em que o pesquisador é quem decide em
que medida fragmentará o corpus, resultando em unidades de maior ou menor
extensão. Essa ação desconstrutiva do corpus é uma tarefa inicial que é seguida
de um esforço de reorganização e reconstrução para o próximo procedimento,
a categorização. A fragmentação é como se fosse utilizar um caldeirão, desses
para cozinhar, e os ingredientes, os “pedaços” seriam os fragmentos do corpus
(MORAES; GALIAZZI, 2016; GALIAZZI; RAMOS; MORAES, 2021).

É oportuno também ressaltar a unitarização dos textos teóricos, que é


um ciclo fundamental, pois leva o pesquisador a construir também as uni-
dades teóricas, que são essenciais para o processo da construção dos meta-
textos, afinal, na ATD há os “encontros teóricos e empíricos, promovendo
interlocuções com a teoria e com a prática em relação ao ser focalizado”

39
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

(GALIAZZI; RAMOS; MORAES, 2021, p. 101). É inconcebível interpretar


sem o campo teórico, já que toda a leitura é realizada por meio de algum
horizonte teórico, quer seja de forma lúcida ou não. Embora as teorias pos-
sam ficam entre parênteses, a leitura acarreta ou obriga algum tipo de teoria
para se consubstanciar (MORAES; GALIAZZI, 2016).

A categorização, por sua vez, representa não só o agrupamento dos itens


da fragmentação do corpus, mas sim, um processo de auto-organização, de
reconstrução, de categorias integradas e inter-relacionadas. É acompanhar
e saborear o que emerge do caldeirão de ideias a partir da fragmentação
do corpus (GALIAZZI; RAMOS; MORAES, 2021). As categorias, portan-
to, equivalem a um processo de classificação das unidades a partir da frag-
mentação do corpus, podendo ser consolidadas em vários níveis: iniciais,
intermediárias ou finais. O pesquisador é quem estabelece a composição dos
níveis das categorias, dependendo, logo, do fenômeno a ser compreendido,
podendo o pesquisador trabalhar com categorias a priori e emergentes. As
categorias a priori originam-se dos pressupostos teóricos do pesquisador, já
as categorias emergentes derivam da atitude mais fenomenológica do pesqui-
sador, permitindo maior criatividade por parte dele, atitude mais esperada na
ATD (MORAES; GALIAZZI, 2016).

Em se tratando do metatexto, é fundamental elucidar que é o prazer da


própria ATD, pois é o próprio sujeito se tornando pesquisador a partir da es-
crita. Em síntese, é uma invenção de quem escreve. No metatexto, inserimos
citações e falas dos fragmentos do corpus analisado, que seriam as “interlo-
cuções empíricas”, uma vez que “os autores dos textos analisados deverão
perceber representados no metatexto o que expressaram mesmo sabendo que
há interpretação do pesquisador” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 147). A
categorização e a unitarização despontam como uma macroestrutura para a
realização de um metatexto, este expressando os elementos preponderantes
do corpus analisado (MORAES; GALIAZZI, 2016).

A auto-organização possibilitada pela ATD permite que o pesquisador se


assuma como sujeito e autor de seus metatextos, concebendo-se, portanto,
enquanto um autor que tenha coragem de se colocar dentro de sua pesquisa,
mergulhando no discurso, como asseveram Moraes e Galiazzi (2016, p. 157):
Assim, uma boa análise conduz o pesquisador a expres-
sar suas construções e convicções sobre os fenômenos
que investiga. Não tem sentido pretender apresentar

40
2. A Análise Textual Discursiva e as pesquisas na
área de educação: apontamentos e reflexões

apenas as ideias de outros, sejam sujeitos empíricos ou


interlocutores teóricos, mesmo que essas vozes devam
ser valorizadas no sentido da validação das próprias
produções. Um bom texto precisa expor as convicções
e teses de seu autor. Mesmo que os argumentos pro-
postos não sejam inteiramente seus, o pesquisador ao
assumir-se autor do que produz, e mostra-se capaz de
expressar opinião própria e apto a intervir nos discur-
sos em que se envolve.

A construção desse pensamento da autoria do pesquisador está guiada pela


ideia de que a ATD oportuniza uma ampliação teórica, em virtude do movi-
mento dialético e hermenêutico característico da metodologia de análise de tex-
tos em questão. É exatamente por isso que o pesquisador necessita compreen-
der que o uso da ATD exige um profundo exercício de subjetividade, questão
que é própria do pensamento. Fato também importante de ser destacado é a
forma como a ATD desafia o pesquisador a ler e escrever sempre mais e, mais
importante, possibilita-o a se conceber como um aprendente do aprender (AN-
TIQUEIRA; MACHADO, 2020; GALIAZZI; RAMOS; MORAES, 2021).

Estado da arte: A ATD nas teses de programas de pós-graduação


em educação entre 2017 e 2021

Com o propósito de dar consistência à proposta deste capítulo, esta seção


objetiva contextualizar o que as teses de doutorado, que utilizaram a ATD en-
quanto metodologia, trazem como seu objeto de estudo. Fato importante a ser
destacado inicialmente é a definição do que seja estado da arte. Baseando-se
em Ferreira (2002), compreende-se que estado da arte é um mapeamento
da produção acadêmica em distintos campos do conhecimento, tendo como
característica uma perspectiva inventariante e descritiva da produção acadê-
mica sobre a qual se investiga.

Esse levantamento, também conhecido como estado do conhecimento, é


uma opção metodológica que privilegia a busca pelo já consolidado em um
determinado tema, buscando o que não foi realizado em termos de objeto
de pesquisa do tema abordado, tendo como tentativa a resposta aos tópicos
e perspectivas que vêm sendo priorizados em distintos tempos e lugares e
em que condições têm sido construídas dissertações de mestrado, teses de
doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de eventos

41
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

(FERREIRA, 2002). As ideias acima expostas corroboram também o que


Romanowski e Ens (2006) esclarecem sobre estado do conhecimento:

Estados da arte podem significar uma contribuição im-


portante na constituição do campo teórico de uma área
de conhecimento, pois procuram identificar os aportes
significativos da construção da teoria e prática peda-
gógica, apontar as restrições sobre o campo em que
se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação,
identificar experiências inovadoras investigadas que
apontem alternativas de solução para os problemas da
prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na
constituição de propostas na área focalizada (ROMA-
NOWSKI; ENS, 2006, p. 39).

Observa-se que as ideias de Romanowski e Ens (2006) estão pautadas


numa perspectiva desbravadora do estado da arte, afinal, tal opção metodo-
lógica auxilia o pesquisador a compreender ao máximo seu objeto de estudo,
como tal objeto tem sido caracterizado, enfim, o estado da arte é um ótimo
exercício para consolidar a unitarização teórica da ATD, fazendo com que
o pesquisador vá além da evidência, ou ainda, como endossam Moraes e
Galiazzi (2016, p. 43): “É preciso desestabilizar a ordem estabelecida, desor-
ganizando o conhecimento existente. (...) A unitarização é um processo que
produz desordem a partir de um conjunto de textos ordenados.”

Como exemplo de textos que utilizam o estado da arte, temos Barcellos,


Borges e Tauchen (2019), que buscaram mapear o Scientific Electronic Li-
brary Online (SciELO) na temática da avaliação da aprendizagem, constatan-
do que os trabalhos englobam a questão das avaliações em larga escala e as
práticas tradicionais de avaliação na educação básica brasileira, meramente
classificatória. Outro exemplo é Bacila (2021), que oportuniza um levanta-
mento de produções bibliográficas sobre o tema de cidades educadoras, no
período entre 1990 e 2020. Por fim, exemplifica-se o trabalho de Souza e
Galiazzi (2018) que analisaram 16 resumos de teses defendidas entre 2012 e
2017 em um programa de pós-graduação em ciências, em que utilizaram a
metodologia da ATD.

Para a realização de uma pesquisa do tipo estado da arte, Ramanowski e


Ens (2006) reforçam os procedimentos necessários, sendo um deles a “defi-
nição de descritores para direcionar as buscas a serem realizadas” (ROMA-

42
2. A Análise Textual Discursiva e as pesquisas na
área de educação: apontamentos e reflexões

NOWSKI; ENS, 2006, p. 43), além do “estabelecimento de critérios para a


seleção do material que compõe o corpus do estado da arte” (ROMANO-
WSKI; ENS, 2006, p. 43). Sendo assim, o descritor escolhido foi “Análise
Textual Discursiva” em teses de doutorado em programas de pós-graduação
em educação no período entre 2018 e 2021.

A escolha por esse período se deve ao fato de que a própria CAPES asseve-
rou que, na área de Educação, o foco foram os cursos de doutorado, uma vez
que a capacitação de doutores é condição essencial para a ampliação do sistema
de pós-graduação como um todo. É válido ressaltar que a quadrienal de 2019
constatou o aumento no número de programas de doutorado. Isso porque a pró-
pria CAPES evidenciou a evolução do número de pós-graduação em educação
em torno de 136% entre os anos de 2017 e 2019 (BRASIL, 2019).

O corpus foi delimitado a partir das teses selecionadas (quadro 1), das
quais escolhemos analisar seus resumos, isso por conta da limitação pró-
pria da pesquisa. Após a análise dos resumos das teses levantadas pelo
BTD da CAPES, verificando a relação das produções acadêmicas com a
ATD, temos a seguir um quadro para organização inicial, que culmina com
a construção dos metatextos:

Quadro 1 – Teses selecionadas para a análise a partir


do BTD da CAPES (continua)

ANO TÍTULO AUTOR

A qualidade social da educação superior no contex- FONTOURA,


2021 to emergente dos institutos federais: uma aborda- Julian Silveira
gem na perspectiva da política pública’ Diogo de Ávila.

Experiência literária no ensino médio: estudo com- BASSO, Elsa


2020
parado brasil-uruguai’ Mônica Bonito.

Por uma educação jurídica: compreendendo a con-


USTARROZ,
2020 cepção de educação subjacente ao modelo de forma-
Elisa.
ção dos bacharéis em direito conformado no brasil

Horizontes da complexidade: a religação dos sabe-


SOAVE,
2020 res cuidado de si e autoética como contribuição à
Cláudia.
atuação docente

43
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 1 – Teses selecionadas para a análise a partir


do BTD da CAPES (continua)

Processos híbridos de ensino-aprendizagem: uma CONCEIÇÃO,


2020
análise por meio do dispositivo ssc. Sheilla Silva da.

Processos educativos e de aprendizagem na biblio-


OLIVEIRA, Flá-
2020 teca universitária: abordagem centrada no estudo
via Reis de.
de usuários’

Docência na educação superior: a importância da


gestão de pessoas para a promoção do bem-estar e PESSANO, Ca-
2020
da qualidade de vida no trabalho à luz da psicologia rolina Schaan.
positiva’

O imaginário do futebol no Brasil: interferências ROTTMANN,


nos modos de viver, projetos de vida e futuro de Hans
2019
jovens adolescentes vinculados a programas sociais
esportivos Gert.

FREITAS, Fla-
Gestão escolar e inclusão: efeitos de um programa
2019 viane Pelloso
de formação’
Molina.

POZZA,
2019 Motivação docente para educação inclusiva
Mariangela

Estágio curricular supervisionado em filosofia:


GABRIEL, Fávio
2019 análises a partir das percepções de licenciandos e
Antônio.
de professores

Professor orientador de estágio curricular da área ROVEDA, Patri-


2019
da saúde: trajetória profissional e modos de atuação cia Oliveira.

A identidade do professor de espanhol: Um estudo MIRANDA, Ana


2019
com foco no estágio curricular Karla Pereira.

O ateliê (auto) (hétero) biográfico de projetos de si:


LEAL, Divane
2019 produzindo narrativas, formação e projetos de si
Floreni Soares.
com trabalhadores-estudantes do proeja

Entrecruzamentos temporais e resiliência no proces- BARROS, Elis-


2019 so de biografização de jovens em situação de risco e maria Catarina
de vulnerabilidade social Pinto.

44
2. A Análise Textual Discursiva e as pesquisas na
área de educação: apontamentos e reflexões

Quadro 1 – Teses selecionadas para a análise a partir


do BTD da CAPES (conclusão)

(Auto) formação e saberes docentes no desenvol- COELHO


2018 vimento profissional do professor administrador: JUNIOR, João
entre as ciências administrativas e da educação Carlos.

Conhecimentos do contexto e estratégias autorre-


gulatórias mobilizadas na resolução de problemas PRANKE,
2018
de matemática por estudantes de uma escola Amanda.
agrícola

Fonte: Elaboração própria.

É importante esclarecer que a seção a seguir é constituída pelos metatex-


tos a partir da unitarização e categorização enquanto caminho metodológico
da ATD, buscando compreender as repercussões da utilização da ATD nas
teses de doutorado selecionadas. Ao realizar uma ATD esses agrupamentos
ou categorizações são, preferencialmente, emergentes. Emergem de um pro-
cesso que busca construir compreensões a partir dos sentidos mais imediatos
e simples dos fenômenos que pesquisa e chegar a sentidos mais distantes e
complexos, visando a construção e reconstrução de realidades (MORAES;
GALIAZZI, 2016). A partir da intensa leitura destas unidades ou fragmentos
do corpus, partimos para a categorização, momento em que separamos as
unidades por semelhança de sentido. Esse momento permite ao pesquisador
exercitar toda sua autoria, uma vez que estes sentidos são percebidos de for-
ma única, que depende de suas leituras e conhecimentos tácitos.

Metatexto: “Nada será como está, amanhã, ou depois de


amanhã”: horizontes e objeções revelados pela ATD no campo da
Educação
Ao juntarmos todos os sentidos encontrados, chegamos a um texto final, por
meio do qual comunicamos nossa análise. Este texto construído com base nos
corpus e em outros oriundos de interlocutores teóricos é o chamado metatexto.

Ainda que as unidades estivessem subdivididas inicialmente, avançando


para um movimento de categorização final, entendemos que estas compu-
nham um tema único, que abarca horizontes e objeções revelados pela ATD.
Isso porque a análise dos resumos das teses nos permitiu “obter informações

45
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

sobre o grau de sucesso das políticas no campo da educação implementadas


ao longo dos anos” (BRASIL, 2019, p. 2).

Nesta categoria final emergente agrupamos unidades de sentido que tra-


tam de quatro aspectos. São estes: i) unidades que evidenciam o quanto a
educação é interdisciplinar; ii) unidades sobre as potencialidades/aspectos
positivos; iii) unidades sobre aspectos negativos/desafios e iv) a pedagogia e
os conhecimentos disciplinares específicos. Apresentamos esse movimento
de categorização no quadro 2.

Quadro 2 – Categorias iniciais e categoria emergente do corpus em análise

Categorias iniciais (compostas por). categoria final emergente

Unidades que evidenciam o quanto a educação é


interdisciplinar.
“nada será como está, ama-
Unidades sobre as potencialidades/aspectos
nhã ou depois de amanhã”:
positivos.
horizontes e objeções reve-
lados pela ATD no campo da
Unidades sobre aspectos negativos/desafios.
educação.
Unidades sobre a pedagogia e os conhecimentos
disciplinares específicos.

Fonte: Elaboração própria.

O que se mostrou como compreensão mais evidente foi o mesmo que nos
indica o documento mais recente produzido pela CAPES (BRASIL, 2019),
o qual afirma que a área de Educação é, por natureza, interdisciplinar, pois
articula diferentes campos de conhecimento em torno de seu objeto. Encon-
tramos estudos sobre: a importância de ações da área de Gestão de Pessoas
para o bem-estar docente (PESSANO, 2020); a relação da prática esportiva,
o futebol, com a prática educativa (ROTTMANN, 2019); a biblioteca como
promotora do conhecimento (OLIVEIRA, 2020); os modelos de formação de
bacharéis (USTARROZ, 2020); os modos de atuação docente dos professores
orientadores dos estágios curriculares supervisionados obrigatórios na área
da saúde (ROVEDA, 2019), narrativas de vida de jovens que que estiveram/
estão expostos à vulnerabilidade social (PINTO, 2019) e a docência na área
específica das Ciências Administrativas (COELHO JUNIOR, 2018).

46
2. A Análise Textual Discursiva e as pesquisas na
área de educação: apontamentos e reflexões

Ainda nos pautando no referido documento (BRASIL, 2019), compreende-


mos melhor a importância destas pesquisas de caráter interdisciplinar. Visto que,

[..] a interdisciplinaridade não é uma área de conheci-


mento em si mesma, mas que aproxima conhecimentos
disciplinares buscando abordar em outra perspectiva
questões advindas da pesquisa, gerando, dessa forma,
novos conhecimentos, procedimentos e critérios de aná-
lise. Configura-se, assim, como uma forma alternativa,
complementar e inovadora de produzir novos saberes,
a eles integrando o ensino e a pesquisa, além de incor-
porar ao conhecimento elementos da vida cotidiana nos
seus aspectos sociais e culturais (BRASIL, 2019, p.7).

Desse modo, entendemos que, por meio destas pesquisas e do documento


citado anteriormente, outros olhares podem ser lançados sobre o objeto pes-
quisado, vislumbrando novos horizontes, onde há construção e reconstrução
do conhecimento, os conceitos são ampliados e o disciplinar é flexibilizado.

Prosseguindo com a ideia de novos horizontes, percebemos potencialida-


des reveladas pela ATD nas pesquisas em questão. Leal (2019) afirma que a
prática das narrativas autobiográficas, associada à reflexividade biográfica,
pode favorecer os respectivos projetos de si, podendo, assim, representar uma
reorientação das práticas curriculares, sendo que a escola pode se constituir
enquanto um espaço que promova as lutas, buscas, interações, colóquios,
dissensos qualificados, proclamando, assim, novos tempos (MOREIRA, A.,
2013). Em consonância com o referendado anteriormente, tem-se o que Mo-
raes (2020) assevera sobre a importância das narrativas na pesquisa e no am-
biente escolar. Para ele, “escrita e pensamento andam juntos e que se escreve
para pensar.” (MORAES, 2020, p. 17).

Novos horizontes também são evidenciados por Pranke, (2018), Basso


(2020) e Oliveira (2020), pois constataram pela ATD em suas pesquisas que
o uso de problemas relativos ao cotidiano; ao ensino da literatura; ao uso
mais efetivo da biblioteca, enquanto espaço que se pode buscar conhecimento
e realizar pesquisas, leva os alunos a se motivarem mais com o ensino, o que
possivelmente facilita a aprendizagem. Ainda que, teoricamente, tenhamos
conhecimento que essas não constituem ações inovadoras no âmbito educa-
cional, na prática, precisamos avançar no sentido desses novos horizontes e
vencer os desafios (MOREIRA, M., 2021).

47
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Podemos entender que os desafios revelados no corpus analisado estão


alinhados com essa perspectiva de superação e melhorias na prática educa-
cional. Ao discutir a educação superior no âmbito dos institutos federais, algo
emergente em nosso cenário educacional, Fontoura (2021) evidenciou a não
existência clara de indicadores de qualidade social da educação e que consti-
tui um desafio mudar o entendimento de qualidade da educação, que hoje se
resume a simples aferição do que foi aprendido, sem considerar as dificulda-
des do contexto. “Implica em acreditar que o trabalho educativo independe
das condições para sua executabilidade” (FONTOURA, 2021, p. 287).

Ao considerarmos os desafios no âmbito da formação docente, depreen-


demos que alunos e professores anseiam por modificações nas práticas peda-
gógicas, que sejam voltadas para uma aprendizagem compartilhada e dialógi-
ca, mediada pelas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC)
(CONCEIÇÃO, 2020).

Entendemos, juntamente com Moreira (2021), que presenciamos um mo-


mento no qual compartilhamos desafios novos, como os que envolvem a
competência digital por parte dos professores, com os desafios mais antigos.
São eles a superação de um ensino tradicional, pautado em memorizações e
aulas descontextualizadas. Isso se insere no que já relatamos sobre o que teo-
ricamente já se sabe há muito tempo que está superado, mas não na prática.

No que se refere ao estágio na formação de professores, Miranda (2019)


esclarece que embora o estágio tenha papel fundamental na construção da
identidade docente, isso não ocorre em toda sua potencialidade, sendo neces-
sária maior atenção ao seu desenvolvimento, especialmente no que tange à
socialização dos professores na profissão e à reflexão sobre sua prática.

Nessa direção, temos o Programa de Residência Pedagógica no âmbito da


Política Nacional de Formação de Professores, coordenada pela Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), o qual visa ao
aperfeiçoamento da formação dos discentes dos cursos de licenciatura, levan-
do-os a exercitar de forma ativa a relação entre teoria e prática profissional
docente (BRASIL, 2018).

Em continuidade ao que percebemos sobre formação docente, mas agora


abordando a docência em áreas específicas do conhecimento, a pesquisa de Us-
tárroz (2020) aborda questões relevantes sobre a profissão docente e constata,
ao entrevistar professores e gestores de cursos de Direito das três universidades

48
2. A Análise Textual Discursiva e as pesquisas na
área de educação: apontamentos e reflexões

da cidade de Porto Alegre, que, apesar de apresentarem compreensões de edu-


cação partilhadas suficientemente ricas e aptas à promoção de uma educação
jurídica, a prática docente revela negligências, o que acarreta um modelo de
formação de bacharéis inadequado. Já a tese de Coelho Junior (2018) assevera
que o conhecimento de como se constitui a docência na área específica das
Ciências Administrativas amplia o saber científico da área de formação e pros-
pecta novas pesquisas no campo. Além de “produzir na base da docência uma
pedagogia específica da área” (COELHO JÚNIOR, 2018, p. 47).

Essas teses promovem inquietações a respeito do tema Formação de Profes-


sores, um tema de relevância. Inspirando-nos em Tardif (2014), é fundamental
nos provocarmos com as seguintes questões sobre o tema: quais os saberes
que dão suporte ao professor? Qual seria a essência desses saberes? Bastariam
os conhecimentos técnicos, oriundos dos currículos universitários, os prove-
nientes da experiência de trabalho, os resultantes do caráter cognitivo e/ou do
discursivo? Ou seria necessário além desses, um estudo das epistemologias da
educação? Como resposta inicial, o próprio Tardif (2014) nos endossa:

Na realidade, no âmbito dos ofícios e profissões, não


creio que se possa falar do saber relacioná-lo com os
condicionantes e com o contexto do trabalho: o saber é
sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no
intuito de realizar um objetivo qualquer. Além disso, o
saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber
dos professores é o saber deles e está relacionado com
a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência
de vida e com a sua história profissional, com as suas
relações com os alunos em sala de aula e com os outros
atores escolares na escola, etc. Por isso, é necessário
estudá-lo relacionando-o com esses elementos consti-
tutivos do trabalho docente (TARDIF, 2014, p.11)

Considerações finais

Este trabalho propôs uma pesquisa do tipo estado da arte a fim de in-
vestigar teses de doutorado no campo da educação que tenham feito uso da
ATD enquanto metodologia qualitativa para análise de dados. Como questão
norteadora, tem-se o seguinte: O que apontam as pesquisas dos programas
de doutorado em Educação cuja escolha metodológica foi a ATD? O percurso
metodológico foi o de realizar o estado do conhecimento de algumas teses

49
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

de doutorado a partir do BTD da CAPES e efetivar uma ATD baseada nos


resumos dessas teses.

Essa ATD, fundamentada em Moraes e Galiazzi (2016) e Galiazzi, Ra-


mos e Moraes (2021), apontou enquanto categoria emergente os desafios e
possibilidades do uso dessa metodologia na área de educação, sendo inti-
tulada como “‘nada será como está, amanhã ou depois de amanhã’: hori-
zontes e objeções revelados pela ATD no campo da educação”. A partir da
unitarização, que é a fragmentação do corpus, constatou-se que os resul-
tados procedentes da ATD nas teses revelaram situações heterogêneas na
área, tanto aspectos positivos quanto negativos, demonstrando o potencial
interdisciplinar do campo da educação.

Assim, concluímos este capítulo evidenciando a amplitude das análises a


partir da ATD na área de educação e a possibilidade de uso da ATD, afinal,
tem seus princípios fincados na fenomenologia e na hermenêutica, prezando
pelos modos de expressão dos fenômenos a partir dos sujeitos da pesquisa.
Em outras palavras, a ATD canaliza seus processos nas redes coletivas de
significados subjetivos, possibilitando que o pesquisador se desafie a com-
preender, a descrever e a interpretar, correspondendo a uma sucessão do pen-
samento em que não há previsão de pontos de chegada com exatidão.

Portanto, fica o convite aos pesquisadores a desbravarem a ATD, que nos


autoriza a direcionar o pensamento à procura de novas verdades, novos per-
cursos, nos autoriza a assumirmos movimentos de nosso próprio pensamen-
to, oportunizando que sejamos autores de novas compreensões, que vamos
constituindo e expressando a partir da impregnação e envolvimento com o
corpus (MORAES; GALIAZZI, 2016).

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312 p. (Coleção Educação em Ciências).
GALIAZZI, Maria do Carmo; RAMOS, Maurivan Güntzel; LIMA, Valderez Marina do
Rosário. Análise Textual discursiva: mosaico de metáforas. Pesquisa Qualitativa,
São Paulo, v. 8. n. 19, p. 4-19, dez. 2020. Disponível em: https://editora.sepq.org.br/
rpq/issue/view/20. Acesso em 12 out. 2021.
LEAL, Divane Floreni Soares. O ateliê (auto) (hetero) biográfico de projetos de si:
produzindo narrativas, formaçãoe projetos de si com trabalhadores-estudantes do
Proeja. 2019. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2019.
MIRANDA, Ana Karla Pereira de. A identidade do professor de espanhol: um estudo
com foco no estágio curricular. 2019 Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.
MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise Textual Discursiva. 3. ed.
Ijuí: Unijuí, 2016. 264 p. (Coleção Educação em Ciências).
Moraes, Roque. Avalanches reconstrutivas: movimentos dialéticos e hermenêuticos de
transformação no envolvimento com a análise textual discursiva. Pesquisa Qualita-
tiva, [s. l.], v. 8, n. 19, p. 595–609, 2020.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. Currículo e gestão: propondo uma parceria. En-
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2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ensaio/a/qtDvYwcsHWLHXzGdWR-
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MOREIRA, Marco Antônio. Desafios no Ensino da Física. Revista Brasileira de Ensino
de Física, [s. l.], v. 43, suppl. 1, 2021.Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbef/a/
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OLIVEIRA, Flavia Reis de. Processos educativos e de aprendizagem na biblioteca
universitária: abordagem centrada no estudo de usuários. 2020. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2020.
PESSANO, Carolina Schaan. Docência Na Educação Superior: a importância da gestão
de pessoas para a promoção do bem-estar e da qualidade de vida no trabalho à luz da
psicologia positiva. 2020. Tese (Doutorado em Educação) –Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.
PINTO, Elismaria Catarina Barros. Entrecruzamentos Temporais e Resiliência No
Processo de biografização de Jovens em Situação de Risco e de Vulnerabilidade
Social. 2019. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, For-
taleza, 2019.

52
2. A Análise Textual Discursiva e as pesquisas na
área de educação: apontamentos e reflexões

PRANKE, Amanda. Conhecimentos do Contexto e Estratégias Autorregulatórias


Mobilizadas na Resolução de Problemas de Matemática Por Estudantes De Uma
Escola Agrícola. 2018. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de
Pelotas, Pelotas, 2018.
ROMANOWSKI, Joana Paulin; ENS, Romilda Teodora. As pesquisas denominadas do
tipo” estado da arte” em educação. Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 19, p.
37-50, 2006. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1891/189116275004.pdf.
Acesso em: 12 out. 2021.
ROTTMANN, Hans Gert. O Imaginário do Futebol no Brasil: interferências nos mo-
dos de viver, projetos de vida e futuro de jovens adolescentes vinculados a programas
sociais esportivos. 2019. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade La Salle,
Canoas, 2019.
ROVEDA, Patricia Oliveira. Professor Orientador de Estágio Curricular da Área da
Saúde: trajetória profissional e modos de atuação. 2019. Tese (Doutorado em Educa-
ção) Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2019.
SOUSA, Robson Simplicio de; GALIAZZI, Maria do Carmo. O jogo da compreensão na
análise textual discursiva em pesquisas na educação em ciências: revisitando quebra-
-cabeças e mosaicos. Ciência & Educação, Bauru, v. 24, p. 799-814, 2018. Disponí-
vel em: https://www.scielo.br/j/ciedu/a/DDKFPVyHQbyhQk6kxCnGKrs/?format=p-
df&lang=pt. Acesso em: 16.out.2021
SOUSA, Robson Simplício; GALIAZZI, Maria do Carmo. Compreensões acerca da her-
menêutica na análise textual discursiva: marcas teórico-metodológicas à investiga-
ção. Contexto & Educação, Ijuí, v. 31, n. 100, p. 33-55, 2017.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Petrópolis: Vozes,
2014.
USTARROZ, Elisa. Por uma Educação Jurídica: compreendendo a concepção de edu-
cação subjacente ao modelo de formação dos bacharéis em direito conformado no
brasil. 2020. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.

53
Parte 2: Produções dos cursistas

Esta segunda parte da obra apresenta as produções dos cursistas-pesqui-


sadores do curso Análise Textual Discursiva: Teoria na prática, ministrado
entre os meses de novembro e dezembro de 2021. 47 alunos de todo o país
aceitaram o desafio de desconstrução, impregnação intensa, reflexão, análi-
se, diálogo, síntese, enfim, a potência da ATD. O primeiro bloco de textos é
oriundo de pesquisas em andamento dos cursistas-pesquisadores, e o segun-
do é derivado de textos escritos enquanto uma atividade prática do curso em
tela. Portanto, esta parte da obra faz jus ao título ATD: Teoria na prática,
em que os cursistas-pesquisadores assumiram o processo árduo, exigente e
rigoroso, recompensando todos nós, leitores, com novas compreensões da
metamorfose oportunizada pela ATD. Fica o convite!

54
3. Atividades produzidas a partir do
corpus de pesquisas em andamento

55
3.1 A educação escolar para formação
da consciência crítica
Andréa de Souza Brito
Nilcimar dos Santos Souza
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.1

O Eu, o Outro, a Escola e o Livro Didático


O livro didático com suas histórias da escravidão,
Onde o negro era animalizado, torturado na carne até
sangrar,
Fazia ainda mais machucar.
Com o eco dos meus amigos da escola no meu caminhar,
“Cabelo de bombril”, “boca grande”.
Busquei me descaracterizar.
Minhas vestes a eles também incomodavam,
Meus sapatos ganhados, surrados, descolados,
Que eu colocava no pé e ia estudar, nomes a eles não
deixaram de dar.
Nos passeios da escola na Fazenda Campos Novos,
Eu sentia minha feição mudar,
Meus passos eram lentos e reflexivos,
Pois como pode o homem o outro escravizar.
Nesse período eu não tive na escola, nem em casa
Uma educação diferenciada, que pudessem me organizar.
Andréa de Souza Brito (2021).

56
Considerações iniciais
Inicio esse tópico colocando-me não somente como pesquisadora, mas
também como pertencente à Comunidade Quilombola Maria Romana e pes-
soa com várias outras identidades construídas ao longo dos anos. Minhas
vivências, crenças, conhecimentos, científicos ou não, andam lado a lado na
construção deste texto.

Eu, por ser remanescente da Comunidade Quilombola Maria Romana,


local onde realizo minha pesquisa, e ter recebido uma educação escolar defi-
citária, que não promove igualdade, observo que a falta de inclusão só repro-
duz e deixa evidentes as características ainda vivas de um sistema colonial
racista. Busquei estudar sobre o que me motiva. Tive receio que minha pes-
quisa fosse vista/colocada num lugar romântico, no lugar do não científico.
No entanto, encontrei, na Análise Textual Discursiva (ATD) e em mim, segu-
rança para ser pesquisadora, estudante quilombola, orientanda e orientadora
quando compartilho meus conhecimentos.

Os intelectuais que apoiam nossa discussão são Abdias Nascimento


(1980), Kabengele Munanga (2012) e Edgar Barrero Cuellar (2015). A análise
escolhida para a compreensão dos dados coletados é a Análise Textual Dis-
cursiva (ATD), de Roque Moraes e Maria do Carmo Galiazzi (2016).

A análise textual discursiva (ATD) é uma análise de natureza qualitativa


com intuito de elaborar novos entendimentos sobre o fenômeno e discurso.
Ela se encontra entre a análise do discurso e do conteúdo, pontuando, de
forma diferente dessas, sua defesa no campo interpretativo de caráter herme-
nêutico. Possui como característica as inúmeras formas de perceber o mesmo
fenômeno (MORAES; GALIAZZI, 2016).

Este texto é um recorte da pesquisa de mestrado em curso, intitulada Me-


mória Social e Identidade: uma Análise da Percepção de Adolescentes Qui-
lombolas Sobre o Livro Didático de Ciências da Natureza. A pesquisa foi
desenvolvida com quatro estudantes da rede pública de ensino do município
de Cabo Frio (RJ) e originários da Comunidade Quilombola Maria Romana.

Dessa maneira, o objetivo deste estudo é analisar a percepção que esses


estudantes quilombolas possuem sobre a temática corpo apresentada nos li-
vros didáticos de Ciência.

57
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

De acordo com Nascimento,


(...) mentores europeus e norte-americanos, fabricou
uma (ciência) histórica ou humana que ajudou a desu-
manização dos africanos e seus descendentes para servir
os interesses dos opressores eurocentristas. Uma ciência
histórica que não serve à história do povo de que trata
está negando-se a si mesma. Trata-se de uma presun-
ção científica e não de uma ciência histórica verdadeira.
Como poderiam as ciências humanas, históricas, etnolo-
gia, economia, antropologia, sociologia, etc., – nascida,
cultivadas e definidas para povos e contextos sócio-eco-
nômicos diferentes, prestar útil e eficaz colaboração ao
conhecimento do negro – sua realidade existencial, seus
problemas e aspirações e projetos? Seria a ciência social
elaborada na Europa ou nos Estados Unidos tão univer-
sal em sua aplicação? A raça negra conhece na própria
carne a falaciosidade do universalismo e da isenção des-
sa (ciência). Aliás, a ideia de uma ciência histórica pura
e universal está ultrapassada. O conhecimento científico
que os negros necessitam é aquele que os ajude a for-
mular teoricamente – de forma sistemática e consistente
– sua experiência de quase 500 anos de opressão (NAS-
CIMENTO, 1980. p. 261-262).

Sabemos que, com o fim regulamentado da escravidão no Brasil, os ne-


gros continuaram às margens do sistema educativo e que, durante anos, a
educação brasileira privilegiou — e privilegia — os saberes europeus (e os
apropriados pela Europa), desqualificando e buscando o apagamento de sa-
beres e culturas tão importantes para um país multicultural como o nosso.

Eu, mulher preta-quilombola, coloco-me também como participante da pes-


quisa, que estive e estou inserida nesse contexto da educação brasileira que des-
qualificou e desqualifica, negando os saberes dos povos não europeus. A escola
e o livro didático foram para mim quando adolescente local/instrumento de con-
flitos e desorganização, pois a história do negro contada nos livros era apenas
a da escravização de corpos negros, contada a partir de óticas eurocêntricas.

Referencial de análise
O referencial escolhido para a análise é o da Análise Textual Discursiva
(ATD) de Roque Moraes e Maria do Carmo Galiazzi (2016). Eles discutem a

58
3.1 A educação escolar para formação da consciência crítica

ATD como uma análise de natureza qualitativa, com intuito de elaborar novos
entendimentos sobre o fenômeno e discurso. Ela se encontra entre a Análise do
Discurso e do Conteúdo, posicionando-se de forma diferente dessas no campo
interpretativo de caráter hermenêutico. Possui como característica as inúmeras
formas de perceber o mesmo fenômeno (MORAES; GALIAZZI, 2016).

O estudo do fenômeno vem da fenomenologia que “fundamenta-se no


encontro entre a consciência e a materialidade, a partir da qual só tem senti-
do falar de um mundo com base nos fenômenos apresentados à consciência”
(MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 22). Ela valoriza a subjetividade e com-
preende o homem através de suas experiências. A “importância do sujeito na
fenomenologia transparece por meio dos conceitos de consciência e inten-
cionalidade. A intencionalidade é uma relação entre o sujeito e a realidade
material, donde surge o sentido” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 24).

A Análise Textual Discursiva (ATD) visa à construção do metatexto. O


metatexto é resultado da análise a partir das categorias e subcategorias da
análise e referencial teórico a priori e emergente. “A pretensão não é o re-
torno aos textos originais, mas a construção de um novo texto, um meta-
texto que tem sua origem nos textos originais, expressando a compreensão
do pesquisador sobre os significados e sentidos construídos a partir deles”
(MORAES; GALIAZZI, 2016. p. 53).

(...) a análise textual discursiva pode ser compreendi-


da como um processo auto-organizado de construção
de compreensão em que os entendimentos emergem a
partir de uma sequência recursiva de três componen-
tes: a desconstrução dos textos o “corpus”, a unitariza-
ção; o estabelecimento de relações entre os elementos
unitários, a categorização; o captar o emergente em
que que a nova compreensão é comunicada e validada
(MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 34).

Metodologia
A pesquisa foi desenvolvida com quatro estudantes, com idade entre 14 e
16 anos, matriculados no 8º e 9º anos do ensino fundamental e no 1º ano do
ensino médio da rede pública de ensino de Cabo Frio (RJ). Esses estudantes
são originários da Comunidade Quilombola Maria Romana e residem dentro
do quilombo ou no seu entorno.

59
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

A escolha por estudantes desses anos escolares se deu em virtude de acre-


ditarmos que eles já tiveram experiências com os conhecimentos escolares
em um nível suficiente para os apontamentos esperados nesta pesquisa.

Os dados foram coletados por meio de questionário com perguntas semies-


truturadas e conversas via o aplicativo de celular WhatsApp. Foram feitas seis
perguntas com as quais buscamos compreender o que é ser quilombola e os
saberes compartilhados entre os moradores do quilombo sobre assuntos gerais
e sobre o corpo humano. Acerca desse último ponto, a ênfase era o que eles
aprenderam sobre corpo humano na escola com e sem o livro didático de Ciên-
cias e sobre suas percepções e visões a respeito do corpo humano.

Na pesquisa de dissertação, foram realizadas seis perguntas. No entanto,


para este recorte, escolhemos apenas quatro que deram origem às unidades
de sentido. Escolhemos apenas quatro, pois consideramos que elas contem-
plam a ideia principal deste trabalho. Algumas respostas foram excluídas,
pois não tinham relação ou estavam fora do contexto do que foi perguntado.
As questões escolhidas foram: Questão 1 – O que é ser quilombola para
você? Questão 4 – O que você aprendeu na escola e no livro didático de
Ciências sobre corpo humano? Questão 5 – Qual é a sua percepção de cor-
po? Questão 6 – Sua percepção tem alguma relação com o que é ensinado na
escola e/ou livro didático de Ciências?

Nosso caminho para a construção do metatexto

Seguindo as orientações de Moraes e Galiazzi (2016) para a construção


da análise, apresentamos abaixo os passos que antecedem a elaboração
do metatexto.

Em posse do corpus (material a ser analisado), fragmentamo-lo (desmonta-


gem do texto) em busca de unidades de sentido. Dessa maneira, construímos o
primeiro passo: a unitarização sobre as questões estabelecidas a priori e emer-
gentes e seu título.

Após, estabelecemos relações entre as unidades empíricas e unidade teó-


rica e criamos as categorias: inicial e intermediária e/ou final. Por fim, ela-
boramos o metatexto. Codificamos no quadro 1 informações relevantes que
aparecerão nos quadros 2 e 3, bem como na análise dos resultados.

60
3.1 A educação escolar para formação da consciência crítica

Quadro 1 – Com código e significado

Código Significado

Q Representa a questão.

1 Corresponde à numeração da questão.

PA Identificação dos participantes (PA = Participante A).

Eu Unidade Empírica do Corpus.

Categoria 1 Identidade e pertencimento quilombola.

Categoria 2 A educação escolar para a formação da consciência crítica.

Fonte: elaboração própria.

Exemplo: Q1.PA.UE= Questão um. Do participante A. Unidade empírica


do corpus.

Desmontagem dos textos e estabelecimento de relações


No quadro 2, organizamos as unidades empíricas e teóricas e criamos o
título após a categoria a priori.

61
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 2 – Unitarização e categorização de questões


construídas a priori (continua)

Código e unidade
Categoria ini-
de sentido do Título e código Unidade teórica
cial (a priori)
corpus

O essencial para
cada povo é reen-
contrar o fio condu-
tor que o liga a seu
passado ancestral
o mais longínquo
possível. A cons-
ciência histórica,
Q1.PA.UE - Eu não pelo sentimento de
sei explicar o que é coesão que ela cria,
ser quilombola, na constitui uma rela-
verdade eu tenho ção de segurança a
muito orgulho de mais certa e a mais
saber que os meus sólida para o povo
ascendentes luta- (MUNANGA, 2012,
ram por tudo o que n. p.). Identidade e
T1- Identidade
temos hoje. pertencimento
quilombola (...) acreditamos na quilombola.
Q1.PB.UE - Ser reinvenção de nós
quilombola é não mesmos e de nossa
negar suas próprias história. Reinven-
raízes e fazer parte ção de um caminho
das atividades afro-brasileiro de
propostas pela vida fundado em
comunidade. experiência histó-
rica, na utilização
do conhecimento
crítico e inventivo
de suas instituições
golpeadas pelo co-
lonialismo e o racis-
mo (NASCIMENTO,
1980, p. 262).

62
3.1 A educação escolar para formação da consciência crítica

Quadro 2 – Unitarização e categorização de questões


construídas a priori (continua)

Os quilombolas
dos séculos XV,
XVI, XVII, XVIII e
XIX nos legaram
um patrimônio de
prática quilombista.
Cumpre aos negros
atuais manter e
ampliar a cultura
afro-brasileira de
Q1.PC.UE - Ser qui-
resistência ao geno-
lombola é motivo
cídio e de afirmação
de muito orgulho.
da sua verdade.
Q1.PD.UE - É ser Um método de
muito honrado. análise, compreen-
Ver o que os são e definição de
antepassados uma experiência
lutaram, que eles concreta, o quilom-
enfrentaram, a bismo expressa a Identidade e
T1- Identidade
coragem. O que ciência do sangue pertencimento
quilombola
eles conquistaram escravo, do suor quilombola
e deixaram para que este derramou
nós hoje. É uma enquanto pés e
honra muito mãos edificadores
grande. Tem da economia deste
muita gente sente país (NASCIMENTO,
vergonha. Mas, eu 1980, p. 264).
me sinto honrado
Haverá erros ou
em ser.
equívocos inevitá-
veis em nossa busca
de racionalidade do
nosso sistema de
valores, em nosso
esforço de auto-
definição de nós
mesmos e de nosso
caminho futuro.
Não importa.

63
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 2 – Unitarização e categorização de questões


construídas a priori (conclusão)

Durante séculos
temos carregado o
peso dos crimes e
dos erros eurocen-
trismo (científico),
os seus dogmas
impostos em nossa
carne como marcas
ígneas da verdade
definitiva. Agora
devolvemos ao
obstinado seg-
mento (branco) da
sociedade brasileira
as suas mentiras, a
sua ideologia de su-
premacia europeu,
a lavagem cerebral
que pretendia tirar a
nossa humanidade,
a nossa identidade,
a nossa dignidade,
a nossa liberdade
(NASCIMENTO,
1980, p. 262).

Fonte: elaboração própria.

No quatro 3, organizamos as unidades empíricas e teóricas e criamos o


título após a categoria mista:

64
3.1 A educação escolar para formação da consciência crítica

Quadro 3 – Unitarização e categoria mista


de questões construídas a priori e emergentes (continua)

Código e unida-
Título e Categoria
de de sentido do Unidade teórica
código final (mistas)
corpus

Q4.PA.UE - Sobre (...) seria a ciência


membros, sobre o social elaborada na
que pode não pode Europa ou nos Estados
ser tocado, sobre Unidos tão universal
as funções de cada em sua aplicação? A
coisa em nosso raça negra conhece na
corpo, etc. própria carne a falacio-
Q4.PB.UE - O corpo sidade do universalis-
humano é formado mo e da isenção dessa
por três tipos mus- (ciência). Aliás, a ideia A educação
culares diferentes: de uma ciência históri- escolar para a
T2- Educa-
o estriado esque- ca pura e universal está formação da
ção escolar
lético, o estriado ultrapassada. O conhe- consciência
cardíaco e o não cimento científico que crítica
estriado, também os negros necessitam é
chamado de liso. aquele que os ajude a
Ele disse que a formular teoricamente
prendeu sobre – de forma sistemática
células, e genética e consistente – sua
como conteúdo as- experiência de quase
sociado ao negro, 500 anos de opressão
mas não lembrava (NASCIMENTO, 1980, p.
para explicar. 261-262).

Q4.PC.UE - Sobre
ossos, músculos e Precisamos e devemos
órgãos. codificar nossa expe-
Q4.PD.UE - Sobre riência por nós mes-
partes intimas, es- mos, sistematizá-las,
A educação
sas coisas, eu tenho interpreta-las e tirar
escolar para a
vergonha de falar. T2- Educa- desse ato todas as li-
formação da
Q5.PB.UE - Que ção escolar ções teóricas e práticas
consciência
cada pessoa tem conforme a perspectiva
crítica
um jeito, diferentes exclusiva dos interes-
origens étnicas, ses das massas negras
mais que devemos e de sua respectiva
lembrar que somos visão de futuro.
todos iguais.

65
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 3 – Unitarização e categoria mista


de questões construídas a priori e emergentes (conclusão)

Q5.PC.UE - Todos
nós temos as mes-
mas coisas por den-
tro, ossos, coração,
sangue. Mas, por
fora é diferente.
Tem diferentes
tipos de aparência,
tem o corpo que é
saudável e o que
não é. Diferentes
tipos de pele e Esta se apresenta
cabelo. como a tarefa da atual
Q6.PA.UE - Tudo geração afro-brasilei-
que eu aprendi, e ra: edificar a ciência
o que eu penso, histórico-humanista do
foi por causa de quilombismo (NASCI-
professores, e dos MENTO, 1980, p. 263).
livros.
Q6.PB.UE - Sim,
por que aprende-
mos muitas coisas
que não sabemos
sobre o corpo, e
é de lá (escola ou
livro didático) que
tiramos todos os
conhecimentos que
temos.

Fonte: elaboração própria.

Metatexto
Categoria 1: Identidade e pertencimento quilombola

Munanga discorre em seu texto Negritude e uso dos sentidos (2012) que
a identidade negra no Brasil é um campo muito complexo e engloba fatores
culturais, linguísticos, psicológicos, históricos, político-ideológicos e raciais.
Fato é que os negros do Brasil vivem em contextos socioculturais diferentes,
e, por causa dessa diversidade, ele não acredita que seja possível construir

66
3.1 A educação escolar para formação da consciência crítica

um grau de consciência idêntico entre todos os negros. Por esse motivo, o


autor escreve os três fatores essenciais na construção de uma identidade ou
de personalidade coletiva (MUNANGA, 2012).

No entendimento dessa diversidade, o autor destaca três componentes que


considera essenciais para construção de uma identidade negra ou personalida-
de coletiva: o fator linguístico, o fator psicológico e o fator histórico. Este tra-
balho se interessa pelo terceiro fator, que recebe a seguinte definição do autor:

O fator histórico parece o mais importante, na medida


em que constitui o cimento cultural que une os ele-
mentos diversos de um povo através do sentimento de
continuidade histórica vivido pelo conjunto de sua co-
letividade. O essencial para cada povo é reencontrar o
fio condutor que o liga a seu passado ancestral o mais
longínquo possível. A consciência histórica, pelo sen-
timento de coesão que ela cria, uma relação de segu-
rança a mais certa e a mais sólida para o povo. É a
razão pela qual cada povo faz esforço para conhecer
sua verdadeira história e transmiti-la às futuras gera-
ções. Também é a razão pela qual o afastamento e a
destruição da consciência histórica eram uma das es-
tratégias utilizadas pela escravidão e pela colonização
para destruir a memória coletiva dos escravizados e
colonizados (MUNANGA, 2012, n. p.).

Consideramos trechos do que foi falado pelos estudantes como fator his-
tórico definido por Munanga (2012). O que é ser quilombola para você? Tre-
chos das entrevistas:

Q1.PA.UE – Eu não sei explicar o que é ser quilombo-


la, na verdade eu tenho muito orgulho de saber que os
meus ascendentes lutaram por tudo o que temos hoje.
Q1.PB.UE – Ser quilombola, é não negar suas pró-
prias raízes e fazer parte das atividades propostas
pela comunidade.
Q1.PC.UE – Ser quilombola é motivo de muito orgulho.
Q1.PD.UE – É ser muito honrado. Ver o que os ante-
passados lutaram, que eles enfrentaram, a coragem. O
que eles conquistaram e deixaram para nós hoje. É uma
honra muito grande. Tem muita gente sente vergonha.
Mas, eu me sinto honrado em ser.

67
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Compreendemos que a identidade quilombola que nossos estudantes par-


ticipantes manifestaram encontra-se ancorada no fator histórico, e que o sen-
timento de pertença à história é o que define ser quilombola, palavra inserida
recentemente no vocabulário dos adolescentes.

Categoria 2: A educação escolar para a formação da consciência


crítica
De acordo com Nascimento (1980, p. 247):
Em nosso país, a elite dominante sempre desenvolveu
esforços para evitar ou impedir que o negro brasileiro,
após a chamada abolição, pudesse assumir suas raízes
étnicas, históricas e culturais, desta forma seccionando
do seu tronco familial africano.

Até então, o sistema educativo brasileiro nunca havia ensinado quaisquer


conteúdos de forma respeitosa e positiva sobre a África (NASCIMENTO,
1980). Segundo Santos (2008 apud MIRANDA, 2018), o processo de cons-
trução da identidade da criança negra quilombola, relacionando com a escola,
família e comunidade, se dá em um conflito com a escola, pois o currículo es-
colar tem uma visão eurocêntrica, que desvaloriza a cultura africana e afro-
-brasileira, contribuindo para continuidade da ideologia do branqueamento,
não contribuindo com a identidade quilombola.

Consideramos, a partir das respostas dadas pelos participantes, que eles


possuem saber coerente sobre corpo humano ensinado na escola e no livro
didático de Ciências estudados por eles no ensino fundamental. Acerca da
questão “O que você aprendeu na escola, no livro didático de Ciências sobre
corpo humano?”, seguem trechos das entrevistas:
Q4.PA.UE - Sobre membros, sobre o que pode não
pode ser tocado, sobre as funções de cada coisa em
nosso corpo, etc.
Q4.PB.UE - O corpo humano é formado por três tipos
musculares diferentes: o estriado esquelético, o estria-
do cardíaco e o não estriado, também chamado de liso.1

1 Ele disse que aprendeu sobre células e genética como conteúdo associado ao negro, mas
não lembrava para explicar.

68
3.1 A educação escolar para formação da consciência crítica

Q4.PC.UE - Sobre ossos, músculos e órgãos.


Q4.PD.UE - Sobre partes intimas, essas coisas, eu te-
nho vergonha de falar.

Vimos que apenas um entrevistado mencionou que estudou em genética


algo relacionado ao negro. Em uma primeira análise do livro didático de
Ciências estudado por eles, localizamos o conteúdo sistema tegumentar, que
aborda os temas pele, cabelo e genética a partir da hereditariedade. Esses
conteúdos podem ser contextualizados no ensino de Ciências em prol do
combate ao racismo.

Acreditamos que o material didático de Ciências utilizado por eles não fa-
vorece discussões relacionadas ao corpo humano nesse sentido. Além disso,
consideramos que o material didático não favorece aos estudantes quilombo-
las uma memória crítica, mas sim uma memória mágica no nível dos desejos
e/ou motivações que, de acordo com Cuellar (2015), é compreendida pelo
encantamento e identificação do sujeito pela realidade, mas sem submetê-la à
reflexão, sem compreendê-la criticamente e sem buscar transformá-la. Ela é
manipulada pelas classes dominantes. “É uma espécie de encantamento mís-
tico, em que o sujeito desconhece sua realidade concreta de existência e seu
desejo se afasta de reivindicações de transformação histórica” (CUELLAR,
2015. p. 129, tradução nossa).

Sobre as suas percepções de corpo, os participantes responderam:


Q5.PB.UE - Que cada pessoa tem um jeito, diferentes
origens étnicas, mais que devemos lembrar que somos
todos iguais.
Q5.PC.UE - Todos nós temos as mesmas coisas por den-
tro, ossos, coração, sangue. Mas, por fora é diferente.
Tem diferentes tipos de aparência, tem o corpo que é
saudável e o que não é. Diferentes tipos de pele e cabelo.

Sobre sua percepção, existe alguma relação com o que é ensinado na es-
cola e/ou livro didático de ciências?
Q6.PA.UE - Tudo que eu aprendi, e o que eu penso, foi
por causa de professores, e dos livros.
Q6.PB.UE - Sim, por que aprendemos muitas coisas que
não sabemos sobre o corpo, e é de lá [escola ou livro di-
dático] que tiramos todos os conhecimentos que temos.

69
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Entendemos que o livro didático é uma das expressões máximas do currí-


culo escolar, além de ser um documento histórico comercializável. Como tal,
está sujeito a diversos interesses, desde os ideológicos até os mercadológicos.
A visão hegemônica eurocêntrica impregnada nele contribui para a constru-
ção da memória mágica, não colaborando com a identidade quilombola.

Acreditamos que a construção da identidade negra passa pelo (re)conheci-


mento da história e do corpo e suas características tão negadas e classificadas
ainda na atualidade. Dessa forma, contextualizar alguns conceitos do livro
didático de Ciências da Natureza é incluir memórias, ancestralidade e iden-
tidade desse estudante.

Para Nilma Lino Gomes (2020, p. 250):

O corpo localiza-se em um terreno social e subjetiva-


mente conflitivo. Ao longo da História, ele se tornou
emblema étnico, e sua manipulação tornou-se carac-
terística cultural marcante para diferentes povos. Ele
é um símbolo explorado nas relações de poder e domi-
nação para classificar e hierarquizar grupos diferentes.

De acordo com a autora, é no corpo que ocorrem as cobranças, os julga-


mentos, as discriminações, os preconceitos. Corpo é local de (re)existência,
de rebeldia, de ódio e de amor. É a partir dele que são vistas as diferenças e
são construídas as relações do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Dessa
maneira, falar de corpo e contextualizá-lo no livro didático de Ciências natu-
rais, através da nossa história, é emancipar e inserir pessoas que por décadas
foram também oprimidas por terem sua história negada e/ou descontextuali-
zada na educação brasileira.

Considerações finais

Pensando neste corpo que sente e representa, acreditamos que discutir


sobre corpo humano nas Ciências Naturais para além (associando ao nosso
contexto histórico) dos conceitos da Biologia, como organização do corpo
humano, anatomia humana, como vimos nas respostas dos entrevistados, é
essencial para desconstrução e/ou ressignificação de ideias negativas ainda
enraizadas no imaginário social sobre o negro/corpo negro.

70
3.1 A educação escolar para formação da consciência crítica

Portanto, assumimos aqui que o livro didático é um documento his-


tórico. Ele historicamente se organiza a partir de recortes episódicos da
história da evolução científica e social europeia e estadunidense, provo-
cando silenciamentos e apagamentos das cosmovisões acerca da natureza,
das organizações sociais, das epistemologias e das técnicas pertencentes a
culturas de outros continentes.

Vimos em nosso estudo que a escola está iniciando a caminhada para um


modelo educacional que permita o resgate das contribuições do povo e da
cultura africana na formação do Estado brasileiro, enquanto o livro didático
de Ciências ainda segue contribuindo para a conservação dos saberes hege-
mônicos, formando uma memória mágica do Outro.

Referências
BRITO, A. de S. Tornar-se. Abatirá – Revista De Ciências Humanas E Linguagens,
[s. l.], v. 2, n. 4, p. 857-861, 2021. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.
php/abatira/article/view/11647. Acesso em: 01 jun. 2022.
CUELLAR, E. B. Del discurso encantador a la práxis liberadora. Psicología de la libera-
ción: Aportes para la construcción de una psicología desde el sur. Bogotá, Colombia:
Ediciones Cátedra Libre, 2015.
GOMES. N. L. Sem perder a raiz: Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra.
3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
MIRANDA, Shirley Aparecida. Quilombos e Educação: identidades em disputa. Edu-
car em Revista, v.34, n.69, p.193-207, 2018
MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2016.
MUNANGA, K. Negritude: usos e sentidos. 3. ed. 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica,
2012. (Coleção Cultura Negra e Identidades).
NASCIMENTO, A. O Quilombismo: Documento de uma militância pan-africana. Pe-
trópolis: Vozes, 1980.

71
3.2 Diretrizes e direitos: uma análise
textual discursiva da Lei Berenice Piana
Ariane Alves Gutierrez
Danilo Almeida Souza
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.2

A Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (BRASIL, 2012), também co-


nhecida como Lei Berenice Piana, foi um marco na legislação brasileira por
uma Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos
do Espectro Autista (TEA). Berenice Piana, mãe de pessoa com autismo e
militante pela causa, conseguiu, através de sua luta, um grande avanço para
as pessoas com TEA. No entanto, como toda política pública, existe sempre
uma busca para diminuir o distanciamento entre o que está escrito e a prática.
Desse modo, o presente capítulo trata-se de um estudo qualitativo que visa
compreender, por meio da Análise Textual Discursiva, o que está descrito no
art. 2º da referida Lei (BRASIL, 2012).

A escolha do art. 2º deu-se pelo fato de abarcar as diretrizes que direcio-


nam a proteção dos direitos da Pessoa com TEA. A partir da análise do cor-
pus, foram estabelecidas 18 unidades teóricas no processo de unitarização, 7
categorias iniciais e 2 categorias finais. O propósito das análises realizadas
é contribuir para o estímulo de novos estudos que visem a implementação
efetiva da Lei Berenice Piana e a fomentação de políticas públicas que esta-
beleçam novas diretrizes e garantam os direitos da pessoa com TEA.

72
Considerações iniciais

O transtorno do espectro autista (TEA) pertence à categoria dos transtor-


nos que envolvem o neurodesenvolvimento (TEIXEIRA, 2018). De acordo
com o autor, é possível perceber algumas características desde a primeira
infância, antes mesmo do ingresso da criança na escola. O diagnóstico deve
ser feito mediante observação clínica multidisciplinar, a fim de garantir uma
intervenção precoce.

Dentre as características apontadas por Schmidt (2013), podemos destacar


a comunicação verbal comprometida, dificuldade ou falta da interação social,
até os interesses restritos e/ou comportamentos repetitivos. Para o autor, exis-
tiam alguns estudiosos que relacionavam o TEA à falta de afetividade das
mães durante a gravidez (chamadas de mães geladeiras), além de outros que
fazem até hoje a relação com fatores ambientais (exposição a metais pesados
e água contaminadas), no entanto, ainda não há uma causa definida para as
pessoas que são diagnosticadas com TEA.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais


(DSM – V) (APA, 2014), o TEA pode ser dividido em 3 níveis de gravidade:

a. nível 1 – exige apoio, porém, pode não ter tanto comprometimento no


desenvolvimento verbal;

b. nível 2 – exige apoio substancial e pode apresentar maiores limitações


nas habilidades sociais e de comunicação;

c. nível 3 – exige apoio muito substancial e apresenta déficits graves nas


interações sociais, comunicação e mudança de rotina.

Segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC,


2022), os diagnósticos de TEA têm aumentado consideravelmente nos últi-
mos anos; a proporção, que, em 2004, era de 1 caso a cada 166 pessoas no
mundo, passou para 1 caso a cada 54 pessoas em 2020, merecendo atenção
e novos estudos.

Apesar de tantos anos de estudos e análises das características da pessoa


com TEA, no Brasil, somente em 27 de dezembro de 2012 foi implementada
a Lei nº 12.764, também conhecida como Lei Berenice Piana, que garante a
Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos do Es-
pectro Autista (TEA) (BRASIL, 2012). Berenice Piana é mãe de pessoa com

73
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

autismo, militante brasileira que buscou e busca a implementação de leis no


Brasil e estados a fim de garantir direitos às pessoas com TEA.

A Lei nº 12.764 (BRASIL, 2012) traz consigo o reconhecimento da pes-


soa com TEA enquanto pessoa com deficiência (PCD), a título apenas de
garantia de direitos de acordo com as legislações vigentes. Assim, a partir
das diretrizes estabelecidas pela Lei, foram outorgados à pessoa com TEA
direitos que outrora não eram reconhecidos. A seguir, buscaremos com-
preender como essas diretrizes estabelecem a proteção dos direitos desses
sujeitos, a partir da análise do art. 2º da Lei Berenice Piana (BRASIL,
2012). Em seguida, traremos algumas discussões relacionadas a partir das
exposições feitas pela Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) nº 9394/96 e dos estudos realizados por Aydos
(2014, 2016, 2019) e Leopoldino (2015, 2017).

A Lei Berenice Piana à luz da Análise Textual Discursiva


Para compreendermos o que está exposto na Lei Berenice Piana (BRA-
SIL, 2012), optamos por adotar a Análise Textual Discursiva (ATD) como
metodologia para analisar os dados. Conforme aponta Moraes e Galiazzi
(2016), a ATD tem como finalidade a produção de novas compreensões sobre
fenômenos e discursos, além de estar situada entre a Análise de Conteúdo e
Análise de Discurso, no entanto, adotando um caráter mais interpretativo e
guiado pela hermenêutica. Portanto, a ATD parte de um processo descritivo
e interpretativo que, por meio de movimentos recursivos, promove novas des-
crições e interpretações, buscando um mergulho cada vez mais aprofundado
sobre o fenômeno estudado.

De acordo com Moraes e Galiazzi (2016), a ATD parte de 3 etapas:

a. unitarização – é a desmontagem do texto, visando examinar seus de-


talhes, fragmentando-os no sentido de produzir unidades que consti-
tuam o fenômeno a ser estudado;

b. categorização – que se fundamenta no estabelecimento de relações


entre as unidades, de modo que sejam agrupadas e classificadas por
combinações que as aproximem uma das outras;

c. metatexto – o metatexto nada mais é do que a captação e comunica-


ção daquilo que emergiu das análises feitas nos processos anteriores

74
3.2 Diretrizes e direitos: uma análise textual
discursiva da Lei Berenice Piana

(unitarização e categorização). Desse modo, a comunicação do que foi


compreendido ganha a construção de um novo texto, o qual é possível
relacionar com algumas teorias a priori e/ou emergentes.

Diante de tudo que foi exposto, faremos a seguir a descrição da análise


feita nesse estudo sobre a Lei Berenice Piana (BRASIL, 2012).

Corpus
A Lei Berenice Piana (BRASIL, 2012) traz muitas contribuições impor-
tantes a serem observadas. Ela está dividida em oito artigos, sendo o art. 2º
encarregado de trazer as diretrizes que garantem os direitos da Pessoa com
TEA (BRASIL, 2012). O art. 2º está dividido em oito incisos, sendo o in-
ciso IV vetado posteriormente. Para iniciar a análise de cada inciso, foram
estabelecidos códigos de identificação com as iniciais LB (de Lei Berenice),
seguidos da numeração correspondente ao inciso. Além disso, cada inciso
recebeu uma cor diferente para facilitar a identificação, como será exposto
no quadro a seguir.

Quadro 1 – Unitarização (continua)

CÓDIGO CORPUS (CITAÇÃO DIRETA)

I - A intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e


LB01
no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista;

II - A participação da comunidade na formulação de políticas públicas


LB02 voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o contro-
le social da sua implantação, acompanhamento e avaliação;

III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com trans-


LB03 torno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendi-
mento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;

LB04 VETADO

V - O estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista


no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência
LB05
e as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente);

75
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 1 – Unitarização (conclusão)

VI - A responsabilidade do poder público quanto à informação pública


LB06
relativa ao transtorno e suas implicações;

VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializa-


LB07 dos no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem
como a pais e responsáveis;

VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epi-


LB08 demiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características
do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País.

Fonte: Elaboração própria.

Unitarização
Para cada unidade estabelecida, foram adotados códigos que fazem refe-
rência ao corpus descrito acima, acrescentando a letra ‘A’ que corresponde à
uma espécie de ordem cronológica, seguida de numeração correspondente ao
número da unidade.

Quadro 2 – Continuação da Unitarização (continua)

TÍTULO DAS UNIDADES

LB01A1 - Diálogo entre todos os poderes; LB01A2 - Relação indissociável para desen-
volvimento de ações e políticas do TEA;

LB02A1 - Relação comunidade e políticas públicas voltadas para as pessoas com TEA;
LB02A02 - Controle, implantação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas;

LB03A01 - Atenção integral à saúde da pessoa com TEA; LB03A02 - Diagnóstico preco-
ce e atendimento multiprofissional; LB03A03 - Acesso a medicamentos e nutrientes;

LB05A01 - Estímulo à inserção no mercado de trabalho; LB05A02 - Respeito às pecu-


liaridades da do transtorno; LB05A03 - TEA enquanto deficiência; LB05A04 - Cumpri-
mento dos dispositivos do ECA;

LD06A01 - Responsabilidade do poder público com a informação sobre o TEA;

LB07A01 - Incentivo à formação profissional; LB07A02 - Capacitação dos profissionais


especializados; LB0703 - Capacitação aos pais e responsáveis;

76
3.2 Diretrizes e direitos: uma análise textual
discursiva da Lei Berenice Piana

Quadro 2 – Continuação da Unitarização (conclusão)

LB08A01 - O estímulo à pesquisa científica; LB08A02 - Prioridade para estudos epi-


demiológicos; LB08A03 - Dimensionar a magnitude e as características do problema
relativo ao TEA;

Fonte: elaboração própria.

Categorização
O processo de categorização partiu do agrupamento das unidades pelas suas
semelhanças, pois a categorização é “um processo de comparação constante
entre as unidades definidas no momento inicial da análise, levando a agrupa-
mentos de elementos semelhantes” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 44). Des-
se modo, ao realizar a leitura e análise de cada unidade, foram estabelecidas as
categorias iniciais, de acordo com o contexto que cada unidade trazia. Por fim,
foram observadas de que forma essas categorias iniciais se relacionavam entre
si, constituindo as categorias finais denominadas diretrizes e direitos.

Quadro 3 – Continuação da Unitarização

Categorias
Unidades Categorias iniciais
finais

Responsabilidades legais e envolvi-


mento dos poderes públicos.
LB01A1; LB01A2;
LB02A1; LB02A02; Participação ativa da comunidade.
LB02A02; LD05A01;
Diretrizes
LB06A01; LB06A02; Comunicação e informação pública.
LB0603; LB07A01;
LB07A02; LB07A03; Formação e capacitação.

Estudos e pesquisas.

LB03A01; LB03A02;
Garantia do direito integral à saúde.
LB03A03; LB04A01;
Direitos
LB04A02; LB04A03;
LB04A04; Tea e o mundo do trabalho.

Fonte: elaboração própria.

77
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Metatexto
Diretrizes

O inciso I da Lei escolhida como corpus nesta análise, destaca a impor-


tância de uma relação intrínseca entre todos os poderes (Executivo, Legis-
lativo e Judiciário), de modo a contribuir desde a implementação de ações e
políticas públicas até o atendimento das pessoas com TEA. Em concordân-
cia com o exposto no inciso I, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº
9.394/96 (LDB) (BRASIL, 1996), em seu capítulo V sobre a educação espe-
cial, sinaliza para a responsabilidade do poder público quanto à ampliação do
atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desen-
volvimento e altas habilidades, preferencialmente, na rede regular de ensino.
No art. 23 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a lei outorga à
União, estados, Distrito Federal e municípios a competência de cuidar da saú-
de e assistência pública garantindo a proteção das pessoas com deficiência.

No entanto, vale destacar que não apenas o poder público deve colaborar
com ações e políticas públicas, mas também toda a comunidade. É o que
afirma o inciso II do art. 2º da Lei Berenice Piana (BRASIL, 2012), nosso
corpus, quando ratifica a necessidade de participação ativa da comunidade
na elaboração das políticas públicas que estejam relacionadas às pessoas com
TEA. Além disso, faz-se necessário que essa comunidade participe não só de
sua implementação, mas que realize seu acompanhamento e avaliação.

De acordo com Shore (2010), as políticas públicas influenciam na constru-


ção de novas categorias de indivíduos e de subjetividade. Mas, para além disso,
as políticas públicas também constroem identidades e sujeitos políticos. Segun-
do o autor, as políticas públicas afetam tudo, de modo que vivemos através das
categorias que elas estabelecem, como: “cidadão”, “profissional”, “deficiente”,
“imigrante”, “criminosos”, sendo praticamente impossível escapar de suas in-
fluências. O autor complementa dizendo que as pessoas são reguladas pelas
políticas públicas e possuem sobre elas, pouco controle e conhecimento.

Além disso, o inciso VII, extraído da Lei escolhida como corpus para
análise, firma que cabe ao poder público promover o incentivo à formação
profissional daqueles que atuam diretamente com o atendimento das pessoas
com TEA. Do mesmo modo, os profissionais especializados devem receber
qualificação adequada para promover o atendimento dessas pessoas. A capa-
citação de pais e responsáveis é outro fator preponderante, entretanto, existe

78
3.2 Diretrizes e direitos: uma análise textual
discursiva da Lei Berenice Piana

uma certa resistência e negação por parte de alguns familiares quando rece-
bem o diagnóstico. Magalhães (2021), ao discorrer sobre a realidade de mães
com filho diagnosticados com TEA, aponta:

Quando a família se depara com o diagnóstico de TEA


para o filho, inicia-se um processo que exigirá desfa-
zer-se de crenças ligadas à normalidade, à perfeição
que são impostas socialmente para definir o que seria
um filho ideal. Esse ideal será questionado para que
possa dar lugar a uma relação de efetivo reconheci-
mento de dignidade e de humanidade da criança com
TEA. Em um primeiro momento, esse processo pode
envolver a experiência do luto, diante da morte simbó-
lica do filho ideal e da separação dessa imagem (MA-
GALHÃES, 2021, p. 22).

Assim, promover a participação ativa da comunidade na implementação


das políticas públicas envolve desde a aceitação do diagnóstico até a busca por
conhecimento, que, na maioria das vezes, se encontra velado, com o objetivo
de alimentar políticas públicas que favoreçam a categorização das pessoas de
acordo com aquilo que é conveniente ao poder público. Concernente a isto, o
inciso VI, da Lei que compõe nosso corpus de análise, ratifica a responsabilida-
de do poder público em garantir acesso à informação pública relativa ao TEA e
suas implicações, o que, na prática, ainda tem sido pouco difundido.

Por último, porém agregando peso à necessidade deste estudo, o inci-


so VIII traz o seguinte apontamento: “o estímulo à pesquisa científica, com
prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitu-
de e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista
no País” (BRASIL, 2012). No tocante ao excerto, o termo “problema” causa
inquietação e ambiguidade, pois parece ser contraditório a um documento
que busca garantir direitos a um grupo que já sofre com preconceito e discri-
minação. De acordo com Aydos (2014, 2016, 2019), tanto familiares quanto
a sociedade têm enxergado o autismo como algo incapacitante ante outras
deficiências. Essa percepção é fruto da falta de conhecimento e de poucas
políticas públicas que promovam inclusão efetiva e combate ao preconceito.

Direitos

De acordo com o inciso III, a pessoa com TEA tem o direito, garantido
pela lei analisada neste artigo (BRASIL, 2012), ao acompanhamento integral

79
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

de sua saúde, desde o diagnóstico precoce à promoção de atendimento mul-


tiprofissional (psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, atendimento
neuropsiquiátrico, nutricional, dentre outros que assim se fizerem neces-
sários). Uma questão que tem sido debatida por estudiosos é o diagnóstico
precoce. Segundo Teixeira (2018), muitos especialistas ainda apresentam re-
sistência em fechar o diagnóstico mesmo com a apresentação dos requisitos
básicos, o que atrapalha o início das intervenções com brevidade.

Conforme aponta Aydos (2019), existe uma tensão nosológica concernente


ao diagnóstico do autismo. De um lado, familiares ativistas que lutam para
que o autismo não seja visto como uma deficiência, mas como uma neuro-
diversidade, com o objetivo de romper com o estereótipo de incapacidade e
não autonomia que o termo deficiência carrega através do senso comum. Por
outro lado, existe uma hegemonia no processo de emissão do parecer diag-
nóstico, que restringe apenas a psiquiatras e neurologistas essa função. A
autora complementa que na maioria dos casos, esses especialistas não levam
em consideração a subjetividade do paciente, direcionando o diagnóstico so-
mente a partir das limitações (problemas) apresentadas, o que pode ratificar a
preocupação dos familiares quanto à imagem preconceituosa que as pessoas
com TEA podem enfrentar.

Do mesmo modo, o inciso V nos conduz a uma realidade de muitas ten-


sões: o direito à inclusão de jovens e adultos no mercado de trabalho. Para
fins legais, a Lei Berenice Piana (BRASIL, 2012) sinaliza que a pessoa diag-
nosticada com TEA pertence à categoria de PCD, desse modo, existe a pos-
sibilidade de participação ativa na Lei de Cotas nº 8.213, de 24 de julho de
1991, que estabelece para empresa com mais de 100 funcionários a reserva
do percentual de 2 a 5% das vagas de emprego para inclusão de pessoas com
deficiência. No entanto, de acordo com Aydos (2019), “ao invés de fazerem
um processo seletivo com foco nas competências e nas habilidades de cada
candidato, elas (as empresas) já abrem as vagas direcionadas para deficiên-
cia específica” (AYDOS, 2019, p. 103). Essa situação é reforçada pelo senso
comum de que a pessoa diagnosticada com TEA trará mais prejuízos do que
benefícios para as empresas.

Incluir os autistas no mercado de trabalho não é ex-


plorá-los, e sim permitir que utilizem no trabalho seu
repertório de competências, conquistando melhor qua-
lidade de vida e obtendo recursos financeiros para uma

80
3.2 Diretrizes e direitos: uma análise textual
discursiva da Lei Berenice Piana

vida mais confortável e próspera. Tampouco consiste


em filantropia realizada às custas da eficiência organi-
zacional. Portadores de TEA apresentam potencialida-
des que podem contribuir muito para organizações de
todos os tipos, que atuem com ou sem fins lucrativos.
(LEOPOLDINO, 2015, p. 865).

As controvérsias no processo inclusivo de pessoas com TEA no mundo


do trabalho perpassam pela falta de conhecimento que deveria ser propaga-
do pelo poder público, falta de políticas públicas efetivas que deveriam ser
implementadas também pelo poder público e avaliadas e acompanhadas pela
comunidade. Esta, por sua vez, também precisa de conhecimento para lutar
por políticas públicas que não apenas categorize as pessoas com seus rótulos,
mas que possibilite a participação ativa na sociedade e o exercício de seu
papel enquanto cidadão.

Considerações finais
A implementação da Lei Berenice Piana (BRASIL, 2012) foi um mar-
co para as pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). Embora as
conquistas tenham sido basilares, como a inclusão na categoria de pessoa
com deficiência (PCD), para fim de garantia de direitos, o cumprimento efe-
tivo da lei ainda tem se mostrado fragilizado. De acordo com as discussões
apontadas neste estudo, foram perceptíveis a emergência de políticas públicas
que incentivem a proteção e cumprimento dos direitos da pessoa com TEA.
Assim como a responsabilidade dos poderes públicos em proporcionar capa-
citações, qualificações e melhorias nos atendimentos educacionais, de saúde
e informações públicas de qualidade que visem a minimizar os episódios de
preconceito e discriminação.

Referências
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In: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual diagnóstico e es-
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81
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

AYDOS, Valéria. Agência e subjetivação na gestão de pessoas com deficiência: a inclusão


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MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. Ijuí: Unijuí, 2016.

82
3.2 Diretrizes e direitos: uma análise textual
discursiva da Lei Berenice Piana

SCHMIDT, Carlo. Autismo, educação e transdisciplinaridade. Campinas: Papirus,


2013.
SHORE, Cris. Le antropologia y el estúdio de la política pública: reflexiones sobre la
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TEIXEIRA, G. Manual do autismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Bestseller, 2018.

83
3.3 A análise textual discursiva de um
discurso inverossímil
Denise Lima Rabelo
Octávio Cavalari Júnior
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.3

Introdução
A Análise Textual Discursiva (ATD) é uma proposta de estudo de um
corpus de interesse do pesquisador que promove uma tempestade de luz1 para
a sua compreensão. Esse corpus pode ser um artigo acadêmico, uma lei, uma
entrevista, e ao final do processo, o pesquisador terá elementos suficientes,
com rigor acadêmico necessário, para assumir-se e tecer suas considerações
como autor, produzindo seus metatextos. De acordo com o autor da metodo-
logia, Professor Roque Moraes, a ATD é:
[...] um processo auto-organizado de construção de
compreensão em que novos entendimentos emergem
de uma sequência recursiva de três componentes: des-
construção do corpus — a unitarização —, o estabele-
cimento de relações entre os elementos unitários — a
categorização —, e o captar do novo emergente em
que nova compreensão é comunicada e validada. (MO-
RAES, 2003, p. 192).

1 Metáfora utilizada pelo Professor Roque Moraes em seu artigo Tempestade de Luz (2003).

84
Como veremos adiante, a desconstrução ou fragmentação inicial do cor-
pus e a posterior inserção desses fragmentos em categorias — uma avalan-
che reconstrutiva2 — podem levar o pesquisador a identificar questões que
não identificaria, caso não utilizasse a ATD, e chegar a interlocuções teóricas
bem diferentes das que imaginava ao iniciar seu trabalho de análise.

A ATD inicialmente gera insegurança. Afinal, como saber se a fragmen-


tação ou unitarização feita é a mais adequada? Como confirmar se as uni-
dades de sentido e as categorizações definidas são as mais adequadas, as
mais significativas para a interrogação do corpus? Moraes e Galiazzi (2006)
esclarecem que o processo é dependente da impregnação do pesquisador:
[...] uma escrita mais fluida e de qualidade, é produ-
to de envolvimento e de impregnação intensos com
os materiais da análise. A impregnação é condição
para um trabalho criativo e original. A partir do en-
volvimento aprofundado é que se criam condições de
emergência auto organizada das novas compreensões.
Nisso desempenha papel importante a unitarização,
correspondendo a momento de aproximação do caos,
portanto, de possibilidades de emergência do novo pela
desorganização de um texto que constrói uma outra or-
dem. (MORAES; GALIAZZI, 2006, p.117).

A ATD, além de gerar tal insegurança inicial, também pode ocasionar


surpresas, como a descoberta de sutilezas e lacunas que levam o pesquisador
a buscar aporte de conhecimentos em áreas distintas, e, por isso, é também
um processo muito gratificante de novas descobertas.

Apresentação do corpus
Para conclusão do curso Análise Textual Discursiva – ATD: teoria na prá-
tica, ministrado pela Professora Valéria de Souza Marcelino e pelo Professor
Arthur Rezende da Silva, foi necessária a realização de um exercício prático,
e a opção foi por um corpus que fosse um bom aporte para a realização de
pesquisa de mestrado realizada pelos autores.

2 Metáfora utilizada pelo Professor Roque Moraes em sua artigo Tempestade de Luz (2003).

85
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

A referida pesquisa de mestrado tem como objeto de análise o novo ensi-


no médio, e o corpus escolhido é o instrumento inicial dessa mudança, que é
a Exposição de Motivos no 00084/2016/MEC, de 15 de setembro de 2016, na
qual o novo Ministro da Educação, José Mendonça Ferreira Filho, apresenta
ao recém-empossado Presidente, Michel Temer, uma série de argumentos
que compõe a fundamentação para a necessidade de mudança no ensino mé-
dio, etapa final do ensino básico. O documento é composto por 25 itens, e fo-
ram definidos como corpus deste estudo apenas os itens 2, 3 e 4, por se tratar
de um exercício inicial. O primeiro item não foi considerado nesta análise por
se tratar de um cumprimento do Ministro ao Presidente e de apresentação do
documento. O corpus é o seguinte:
2. A LDB, criada em 1996, incluiu o ensino médio
como parte da educação básica. Ao longo destes 20
anos, uma série de medidas foram adotadas para esta
etapa de ensino, no entanto, a sua função social, pre-
vista no art. 35, não atingiu os resultados previstos.
O referido artigo prevê que o ensino médio deverá
consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos
no ensino fundamental, bem como formar indivíduos
autônomos, capazes de intervir e transformar a rea-
lidade. Todavia, nota-se um descompasso entre os
objetivos propostos por esta etapa e o jovem que ela
efetivamente forma.
3. As Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, cria-
das em 1998 e alteradas em 2012, permitem a possibili-
dade de diversificar 20% do currículo, mas os Sistemas
Estaduais de Ensino não conseguiram propor alternati-
va de diversificação, uma vez que a legislação vigente
obriga o aluno a cursar treze disciplinas.
4. Atualmente o ensino médio possui um currículo ex-
tenso, superficial e fragmentadoko, que não dialoga com
a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as
demandas do século XXI. Uma pesquisa realizada pelo
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Cebrap,
com o apoio da Fundação Victor Civita – FVC, eviden-
ciou que os jovens de baixa renda não veem sentido no
que a escola ensina (BRASIL, 2016).

86
3.3 A análise textual discursiva de um discurso inverossímil

Unitarização e categorização do corpus


A fragmentação foi feita por ideias (quase sempre contidas em uma única
frase, mas não necessariamente) e levou a um total de nove unidades, sendo
quatro unidades referentes ao item 2, duas unidades ao item 3 e três unidades
ao item 4. Caso outro pesquisador realizasse esta etapa, certamente ela pode-
ria apresentar resultado muito diverso, conforme as palavras acima.

Conforme Moraes:
A desmontagem dos textos, primeira etapa da ATD, ca-
racteriza-se por uma leitura cuidadosa e aprofundada
dos dados em um movimento de separação das unidades
significativas. Moraes parte do pressuposto de que “toda
leitura já́ é uma interpretação e que não existe uma lei-
tura única e objetiva. Ainda que, seguidamente, dentro
de determinados grupos, possam ocorrer interpretações
semelhantes, um texto sempre possibilita múltiplas sig-
nificações. Diferentes sentidos podem ser lidos em um
mesmo texto (MORAES, 2003, p. 192).

A desconstrução de textos, de acordo com Moraes (2003, 2020) e Moraes


e Galiazzi (2006), é uma fase em que o pesquisador experimenta o caos ou
a desorganização, confronta os dados e faz interpretações, buscando as uni-
dades de significado. Na sequência, a codificação é um procedimento que
permite ao pesquisador identificar seus textos originais, suas unidades de sig-
nificado, assim como quaisquer outros elementos que fazem parte da análise
(pode ser um sistema numérico, alfabético ou de combinação destes). Assim,
cada unidade foi codificada como no exemplo a seguir:

• EMIT4.c – “Os jovens de baixa renda não veem sentido no que a escola
ensina”. Em que: EM significa “exposição de motivos”, IT4 significa que
a frase está no item 4 e C significa que esta é a terceira unidade do item 4.

Cada unidade recebeu um título, e, nesse exemplo, o título dado foi Edu-
cação da classe trabalhadora.

Ao final do reconhecimento de cada uma das nove unidades, estas fo-


ram agrupadas em cinco títulos, a saber: Função social do ensino médio,
Avaliação de resultados do ensino médio sem citar a fonte e a metodologia
de pesquisa, Informação duvidosa, Decisões públicas a partir de infor-
mações de instituições privadas, Educação da classe trabalhadora. Tais

87
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

títulos acabaram por produzir a categorização inicial – a organização das


unidades por aproximação de sentido. A categorização caracteriza-se por
um “processo de comparação constante entre as unidades definidas no pro-
cesso inicial de análise, levando ao agrupamento de elementos semelhantes”
(MORAES, 2003, p. 197).

Posteriormente, foi realizada uma segunda análise, buscando uma maior


aproximação ainda de sentido, o que resultou na categorização intermediária
e que corresponde também à categorização final. As categorias obtidas foram:

a. A função social da escola para as juventudes favorecidas ou não de


fortuna: esta categoria contempla as categorias iniciais Função social
do ensino médio e Educação da classe trabalhadora;

b. Os discursos sobre a educação na opinião de quem é digno de ter uma


opinião: esta categoria contempla as categorias iniciais de Avaliação
de resultados do ensino médio sem citar a fonte e a metodologia de
pesquisa, Informação duvidosa e Decisões públicas a partir de infor-
mações de instituições privadas.

Unidades teóricas

Conforme o autor da metodologia (MORAES, 2003, p. 198):

O método dedutivo prevê a construção de categorias


prévias antes de se examinar os textos, objeto de análise.
Já no método indutivo, as categorias são construídas a
partir das informações trazidas pelos textos analisados.
O primeiro fica marcado pelo processo de categorização
a priori; e o segundo movimento, enquanto categoria
emergente. É possível ainda combinar os dois métodos
– indutivo e dedutivo – num processo de análise mis-
to. Assim, partindo de categorias definidas a priori com
base em teorias escolhidas previamente, “o pesquisador
encaminha transformações gradativas no conjunto ini-
cial de categorias, a partir do exame das informações do
corpus de análise. (MORAES, 2003, p. 198).

Neste trabalho, foi utilizado o método indutivo, e, posteriormente, foram


localizadas referências substantivas que compusessem as unidades teóricas,
Assim, foram identificadas e escolhidas as seguintes referências.

88
3.3 A análise textual discursiva de um discurso inverossímil

A função social da escola para as juventudes favorecidas ou não


de fortuna
Unidade Teórica 1:
Este é o sentido da história da formação profissional
no Brasil, uma luta política permanente entre duas al-
ternativas: a implementação do assistencialismo e da
aprendizagem operacional versus a proposta da intro-
dução dos fundamentos da técnica e das tecnologias, o
preparo intelectual [...]. Continuamos a buscar resgatar
o homem integral, a tornar os processos educacionais
ações efetivas na formação para o mundo do trabalho na
visão ampliada que lhe dá Hobsbawm (1987), isto é, não
a atividade laboral no sentido estrito, mas, também, as
condições de vida do trabalhador, com os seus vínculos
políticos e culturais. Autora: Maria Ciavatta (2005, p. 5).

Unidade Teórica 2: Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909:


Créa nas capitaes dos Estados da Escolas de Apren-
dizes Artífices, para o ensino profissional primario e
gratuito O Presidente da Republica dos Estados Uni-
dos do Brazil, em execução da lei n. 1.606, de 29 de
dezembro de 1906:
Considerando:
que o augmento constante da população das cidades
exige que se facilite às classes proletarias os meios
de vencer as dificuldades sempre crescentes da lueta
pela existencia:
que para isso se torna necessário, não só habilitar os
filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispen-
savel preparo technico e intelectual, como faze-los ad-
quirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastara da
ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime;
que é um dos primeiros deveres do Governo da Republi-
ca formar cidadãos úteis à Nação: [...] (BRASIL, 1909).

89
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Os discursos sobre a educação na opinião de quem é digno de ter


uma opinião
Unidade Teórica 3:

Um homem oficial é um ventríloquo que fala em nome


do Estado: assume uma atitude oficial — seria preci-
so descrever a encenação do personagem oficial —,
fala a favor e em lugar do grupo ao qual se dirige, fala
para e em lugar de todos, fala enquanto representan-
te do universal. [...] Penso que a definição explícita,
numa sociedade que se pretende democrática, ou seja,
de que a opinião oficial é a opinião de todos, esconda
uma definição latente, ou seja, que a opinião pública é
a opinião daqueles que são dignos de ter uma opinião
[...]. Nos anos 1880, dizia-se abertamente à Assembleia
Nacional aquilo que a sociologia precisou redescobrir,
isto é, que o sistema educacional precisava expulsar
os filhos das classes mais desfavorecidas. No início, a
questão era colocada mas depois foi plenamente resol-
vida, à medida que o sistema escolar começou a fazer,
sem solicitação explícita, aquilo que se esperava dele
[...]. O reprodutor da autoridade sabe produzir — no
sentido etimológico do termo: produzir significa “tra-
zer à luz” —, teatralizando-o, algo que não existe (no
sentido de sensível, de visível), e no nome do qual se
fala. Deve produzir em nome de quem tem o direito de
produzir. Não pode não teatralizar, não dar forma, não
fazer milagres. O milagre mais comum, para um cria-
dor verbal, é o milagre verbal, o sucesso retórico; deve
produzir a encenação daquilo que autoriza o seu dizer,
em outras palavras, da autoridade em nome da qual é
autorizado a falar. (BOURDIEU, 2012).

Reescrita
As unidades teóricas devem ser reescritas quantas vezes forem necessá-
rias, porém, no caso deste exercício inicial, foi realizada apenas uma vez.

Unidade Teórica 1 reescrita:

A formação profissional no Brasil é caracterizada pela dualidade. As duas


possibilidades são: formação técnica para os jovens pobres, para que possam

90
3.3 A análise textual discursiva de um discurso inverossímil

trabalhar, ou formação intelectualizada para os jovens de classes sociais abas-


tadas, que vão dar continuidade aos estudos. São duas juventudes distintas.
Estudiosos da Educação estão sempre buscando uma formação integral que
possa de fato romper com essa dualidade (CIAVATTA, 2005).

Unidade Teórica 2 reescrita:

O ensino técnico tem por objetivo oferecer aos jovens pobres a oportunidade
de trabalhar, bem como afastá-los da ociosidade e do crime (BRASIL, 1909).

Unidade Teórica 3:

O Governo tem porta-vozes que falam em nome dos interesses das clas-
ses sociais mais abastadas, mas que querem ser ouvidos como quem fala a
verdade, como se representassem a todos e todas. A opinião pública acaba
sendo formada por essas falas, que têm presunção de verdade. De acordo
com a época, existem discursos que são pronunciados abertamente, mesmo
que sejam preconceituosos, como o de que a Educação deveria prestar-se a
expulsar os filhos das classes trabalhadoras. Agora não é mais necessário,
pois a escola já vem fazendo isso (BOURDIEU, 2012).

A produção dos metatextos


Para iniciar a construção dos metatextos, é necessário considerar que:
A terceira e última etapa da ATD diz respeito à cap-
tação do novo emergente, ou seja, a construção de um
metatexto pelo pesquisador que vai tecendo conside-
rações sobre as categorias que ele construiu na aná-
lise. Para Moraes (2003) os metatextos são constituídos
de descrição e interpretação, representando o conjunto
um modo de compreensão e teorização dos fenômenos
investigados. A qualidade dos textos resultantes das
análises não depende apenas de sua validade e con-
fiabilidade, mas é, também, consequência do pesqui-
sador assumir-se como autor de seus argumentos.
(MORAES, 2003, p. 202, grifos nossos).

A escrita do metatexto foi realizada a partir das unidades encontradas no


início do processo e de suas respectivas categorias finais, fazendo a interlo-
cução destas com os referenciais teóricos já reescritos. O processo é muito
interessante. Dessa forma, os dois metatextos produzidos são os seguintes:

91
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Metatexto 1: unidades de sentido

EMIT2.a – Ao longo destes 20 anos, uma série de medidas foram adota-


das para esta etapa de ensino, no entanto, a sua função social, prevista no art.
35, não atingiu os resultados previstos.

EMIT2.c – O ensino médio deverá consolidar e aprofundar os conhe-


cimentos adquiridos no ensino fundamental, bem como formar indivíduos
autônomos, capazes de intervir e transformar a realidade.

EMIT4.c – Os jovens de baixa renda não veem sentido no que a escola


ensina.

A função social da escola para as juventudes favorecidas ou não


de fortuna

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL, 1996), em


seu artigo 35, não faz qualquer distinção entre as possibilidades das nossas
juventudes. Ao contrário, estabelece como uma das funções do ensino médio
possibilitar o prosseguimento dos estudos para todos. A LDB se aproxima da
noção de uma educação omnilateral, que proporciona ao jovem o seu aperfei-
çoamento como pessoa, sua autonomia intelectual e seu pensamento crítico,
enfim, sua formação integral. Ela celebra como direito dos jovens a prepa-
ração básica para o trabalho, a cidadania e a compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com
a prática no ensino de cada disciplina. Ou seja, a LDB fala de ensino integral
e de formação integrada.

Porém, a história da formação técnica brasileira mostra outra realidade:


discursos sempre voltados para a necessidade de trabalho para os jovens po-
bres, tanto para evitar a criminalidade quanto para que contribuam com a
renda familiar. As autoridades brasileiras, recorrente e abertamente, se pro-
nunciam para afirmar que tais jovens não precisam prosseguir nos estudos.

Não se pode desconsiderar, é claro, a realidade social brasileira, que faz


com que em muitos casos os jovens precisem trabalhar para compor a renda
familiar, mas o que está por traz desse discurso não é somente uma visão
assistencialista, é também a necessidade de manter um exército de jovens
dispostos a trabalhar de forma precarizada, já que não têm perspectivas ou

92
3.3 A análise textual discursiva de um discurso inverossímil

alternativas. É a negação do futuro dos jovens da classe trabalhadora e uma


condição a ser atendida para a manutenção do precarizado.

Contudo, os educadores falam de possibilidades genuínas de considerar o


trabalho como princípio educativo para todos os jovens e o trabalho intelec-
tual como indissociável do trabalho manual. E não é só isso: a arte, a cultura,
a dança, o teatro, a literatura também são formas de ampliar a visão de mun-
do, de sociedade e da vida, e podem trazer prazer e bem-estar. Essa formação
de fato integral interessa aos jovens, às suas famílias, à sociedade, ao país. A
formação desinteressada e unitária promove, além do desenvolvimento pes-
soal, o desenvolvimento social.

A formação profissional no Brasil é caracterizada pela dualidade. As duas


possibilidades estão dadas: formação técnica para os jovens pobres, para que
possam trabalhar, ou formação intelectualizada para os jovens de classes so-
ciais abastadas, que vão dar continuidade aos estudos. São duas juventudes
distintas para governos e empresários. Estudiosos da educação estão sempre
buscando uma formação integral que possa de fato romper com essa dualida-
de (CIAVATTA, 2005).

Metatexto 2: unidades de sentido

EMIT2.b – (O ensino médio) não atingiu os resultados previstos.

EMIT2.d – Nota-se um descompasso entre os objetivos propostos por essa


etapa e o jovem que ela efetivamente forma.

EMIT3.a – As Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, criadas em 1998


e alteradas em 2012, permitem a possibilidade de diversificar 20% do currí-
culo, mas os sistemas estaduais de ensino não conseguiram propor alternati-
va de diversificação.

EMIT4.a – Atualmente, o ensino médio possui um currículo extenso, su-


perficial e fragmentado, que não dialoga com a juventude, com o setor pro-
dutivo, tampouco com as demandas do século XXI.

EMIT3.b – A legislação vigente obriga o aluno a cursar treze disciplinas.

EMIT4.b – Uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e


Planejamento – CEBRAP, com o apoio da Fundação Victor Civita – FVC [...].

93
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Os discursos sobre a educação na opinião de quem é digno de ter


uma opinião

Para propor uma mudança radical no ensino médio, o ministro da edu-


cação apresenta uma série de dados relacionados à qualidade deste nível de
ensino, sem apresentar a sua fundamentação. As afirmações do ministro ne-
cessitam de pesquisas qualitativas que as corroborem, mas elas não são apre-
sentadas. Vimos que, no decorrer do documento, ainda que não tenha sido
objeto de nossa análise, há a apresentação de dados estatísticos que, isolados,
não podem subsidiar uma decisão desse porte, não representam uma apro-
fundada avaliação da qualidade do ensino médio ou de sua capacidade de
atingir resultados e cumprir a sua função social. Há algo mais surpreendente
no corpus analisado: quando o ministro cita uma fonte, ela não é do próprio
ministério, e sim de uma organização privada.

Também se observa uma ausência no discurso do ministro (e na legislação


que daí decorre): ao justificar a necessidade de mudança no ensino médio, os
institutos federais não são considerados como referência e parâmetros para o
ensino médio integrado, público, gratuito e de comprovada qualidade, como
atestam os exames realizados pelo próprio ministério.

Quando o ministro afirma que o ensino médio não atingiu seus objetivos,
é muito relevante conhecer a fonte dessa informação e saber os motivos, caso
isso se confirme. Sabemos da luta diária travada pelos professores, desvalori-
zados publicamente pelo próprio governo. Conhecemos a ausência de recur-
sos destinados a uma educação de qualidade, a falta de espaços diferenciados
para diferentes abordagens de ensino, a sobrecarga dos professores que tra-
balham em várias escolas para conseguir um salário suficiente, a ausência de
formação continuada dos docentes, o desmerecimento público da ciência, as
dificuldades vividas nos lares dos nossos alunos, como a violência, a pobreza,
o alcoolismo, a negligência, o abuso.

No “novo” ensino médio, a ideia de uma disciplina que se propõe a


construir o projeto de vida do estudante, de forma individual, implica co-
locar sob a responsabilidade do aluno a sua vivência, sua sobrevivência e
seu “sucesso”, de preferência como empreendedor, e liberar o Estado de
sua responsabilidade pela ausência de investimentos para gerar empregos
e renda, pela omissão em não redistribuir a riqueza produzida socialmente
de maneira mais justa. O empreendedorismo deixa de ser a construção de

94
3.3 A análise textual discursiva de um discurso inverossímil

uma ponte entre uma oportunidade e a realidade e passa a ser uma proposta
para a sobrevivência.

Ainda que educadores e pesquisadores pudessem apresentar muitas ou-


tras possibilidades, a partir de seus estudos e pesquisas, o ministro tem a voz
da verdade. Ele representa alguém, ele fala, teatraliza e convence. O Governo
tem porta-vozes que falam em nome dos interesses das classes sociais mais
abastadas, mas que querem ser ouvidos como quem fala a verdade, como se
representassem a todos e todas. A opinião pública acaba sendo formada por
essas falas, que têm presunção de verdade (BOURDIEU, 2012).

Conclusão

Se a ATD proporciona insegurança no início do processo, seu final é mui-


to gratificante. As descobertas são interessantes, levam a caminhos não pen-
sados inicialmente, surgem pistas, fazem com que o pesquisador tenha que
dialogar com autores que normalmente não consideraria. Fica bem claro que,
apesar de terem sido escritos dois metatextos, como eles provém de um mes-
mo corpus há uma complementaridade muito significativa e enriquecedora
entre ambos, embora partam de perspectivas e aportes teóricos diferenciados.

Por exemplo, no caso deste corpus específico, caso a ATD não fosse utili-
zada, é provável que a categorização dois fosse diluída na categorização um,
ela não seria reconhecida como um emergente, pois o discurso da educação
profissional, trazido por Ciavatta (2005), é mais reconhecido quando se fala
sobre o assunto. O ministro, como um único interlocutor válido, nega a escuta
de pesquisadores e estudiosos da área e verbaliza a verdade dos interessados
em uma educação que tem seus próprios interesses, ou seja, é uma educação
interessada, o contrário do que desejamos para todos os jovens.

Nesta primeira aproximação, pode-se conhecer a metodologia, por meio


da realização deste exercício, mas uma maior fluência e mais confiança
acontecerá por ocasião da pesquisa de mestrado a ser realizada ainda em
2022. Na pesquisa serão utilizados questionários e realizadas entrevistas
para conhecer a percepção dos professores a respeito do “novo” ensino mé-
dio, em seu primeiro ano de implantação no estado do Espírito Santo. A
ATD será fundamental para analisar as respostas obtidas a partir de uma
metodologia que mantém a riqueza e a diversidade das respostas, porém,

95
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

promove um sentido entre as possíveis diferenças, sem descaracterizá-las,


como necessário a uma pesquisa qualitativa.

Cabe salientar que, partir da ATD, a pesquisa qualitativa também assume


um rigor analítico maior na interpretação dos dados, exige leituras sucessivas
e pormenorizadas, com um olhar cada vez mais atento, e promove o amadu-
recimento do pesquisador. Certo é que, conforme o Professor Roque Moraes
afirma em seus textos, quando o pesquisador se apropria do processo, se dei-
xa impregnar, não há mais volta, pois foi definitivamente seduzido pela ATD.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 12 dez. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâ-
metros curriculares nacionais: ensino médio: ciências da natureza, matemática e
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BRASIL. Ministério da Educação. Exposição de Motivos nº 00084/2016/MEC, de 15 de
setembro de 2016. Brasília, DF: MEC, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.
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CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de me-
mória e de identidade. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS,
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MORAES, Roque. Avalanches Reconstrutivas: movimentos dialéticos e hermenêuticos
de transformação no envolvimento com a análise textual discursiva. In: Dossiê: Aná-
lise Textual Discursiva: mosaico de metáforas. Pesquisa Qualitativa, São Paulo, v.
8, n. 19, p. 595-609, dez. 2020. Disponível em: https://editora.sepq.org.br/rpq/issue/
view/20. Acesso em: 15 dez. 2021.

96
3.3 A análise textual discursiva de um discurso inverossímil

MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva: processo re-
construtivo de múltiplas faces. Ciência & Educação, [s. l.], v. 12, n. 1, p. 117-128, 2006.
Disponível em https://www.scielo.br/j/ciedu/a/wvLhSxkz3JRgv3mcXHBSXB/?forma-
t=pdf. Acesso em 15 dez. 2021.
MORAES, Roque. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise tex-
tual discursiva. Ciência & Educação, [s. l.], v.9, n.2, p.191-211, 2003. Disponível em
https://www.scielo.br/j/ciedu/a/SJKF5m97DHykhL5pM5tXzdj/?format=pdf. Acesso
em: 15 dez. 2021.

97
3.4 Câmara temática de educação
ambiental: nascer do esperançar ou do
temer?
Gabriela Albuquerque
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.4

Introdução
Este capítulo constitui-se como um recorte da pesquisa de dissertação de
mestrado: Unidade de Conservação, Câmara Temática de Educação Am-
biental e diálogos com Espinosa: rumo às sociedades sustentáveis?, no âm-
bito do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologias Ambientais
(PPGCTA) da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

O ponto de partida para a presente pesquisa é a Câmara Temática de Edu-


cação Ambiental (CTEA) do Parque Nacional do Pau Brasil (PNPB) – Uni-
dade de Conservação de proteção integral (BRASIL, 2000). A CTEA foi
criada em 2016, composta por integrantes tanto da sociedade civil como do
estado, com a intenção de cuidar dos assuntos relativos à educação ambiental,
pertinentes ao PNPB. A partir desses dados, buscamos analisar a fundação
da CTEA à luz do pensamento espinosano,1 a fim de levantar possíveis nexos

1 O filósofo holandês Baruch de Espinosa, nascido em 1632, consagrou-se na filosofia por


revolucionar a forma de compreender razão e emoção. Antes de Espinosa, existia apenas
uma única concepção, em que a razão era vista de maneira superior à emoção, devendo-se
reprimir os afetos (CHAUÍ, 1995). Espinosa, ao contrário disso, estabelece uma dialética
entre razão e afeto; estes não são mais vistos paradoxalmente, agora, baliza-se a razão
como resultado de um processo reflexivo a respeito dos afetos, na busca pelo reconheci-
mento de suas causas (COSTA-PINTO; QUERINO; VIEIRA, 2006).

98
entre a constituição de um colegiado socioambiental de uma unidade de con-
servação e o aumento da potência de agir (conceito filosófico de Espinosa)
dos envolvidos no processo de sua fundação.

Busca-se, assim, contribuir com questões referentes à participação no


Parque do Pau Brasil e à efetivação de políticas públicas, gerando impactos
estruturantes para a região de Porto Seguro — onde se localiza o parque —,
tanto na área ambiental, ampliando uma consciência ecológico-democrática,
como na área social, com o incremento da potência de agir da CTEA e de
seus integrantes. Além disso, esse estudo de caso pode servir de modelo e
incentivo para outras unidades de conservação.

Buscando as raízes da CTEA

A fim de compreender a concepção da CTEA, foram realizadas nove


entrevistas narrativas (MUYLAERT et al., 2014) com pessoas escolhidas
intencionalmente, dado o seu papel no processo de fundação da câmara
temática. Coletadas as entrevistas, foi feita a Análise Textual Discursiva
(MORAES; GALIAZZI, 2020) destas, começando a tecer a colcha de reta-
lhos. Com base no aporte teórico de Espinosa (2018), foram fragmentadas
as entrevistas em três grandes grupos de unidades de análise, para orientar
o levantamento de categorias e a construção do metatexto. Essas três unida-
des de análise foram escolhidas com base na teoria dos afetos de Espinosa,
na qual ele apresenta os três afetos primários: alegria, tristeza e desejo
(ÉTICA III, def. 4 dos afetos, expl.).

A alegria expressa “a passagem do homem de uma perfeição menor a


uma maior” (ÉTICA III, def. 2 dos afetos), ou seja, a percepção do aumento
da nossa força para existir e agir (forte realização do ser), a tristeza expres-
sa “a passagem do homem de uma perfeição maior a uma menor” (ÉTICA
III, def. 3 dos afetos), isto é, a percepção da diminuição da nossa força para
existir e agir (fraca realização do ser), e o desejo “é a própria essência do
homem enquanto é concebida determinada a fazer [agir] algo por uma dada
afecção sua qualquer” (ÉTICA III, def. 1 dos afetos), ou seja, esse exprime o
sentimento que nos determina a existir e a agir de certa maneira. A alegria e
a tristeza não são emoções, são operações do corpo e da mente, de transição
ou passagem para o aumento ou a diminuição da potência de existir e agir
(ESPINOSA, 2018; APRESENTAÇÃO..., 2016).

99
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Com a separação das unidades do corpus (entrevistas) nessa disposição,


teve-se a intenção de compreender quais afetos regiam as entrevistadas e en-
trevistados em suas falas: a criação da CTEA foi movida pelo medo ou pela
esperança? Os desejos do grupo caminham em qual direção? Podemos falar
que sua fundação foi um encontro positivo ou negativo? As pessoas envolvi-
das nesse processo de constituição da CTEA tiveram suas potências de agir
aumentadas ou diminuídas?

Porém, por que tentamos responder a essas questões? Pois, por meio delas,
poderemos entender qual a efetividade de uma câmara temática de educação
ambiental em uma Unidade de Conservação (UC). O que ela representa para
seus integrantes e para a UC? Qual o impacto de práticas participativas dentro
de uma UC? Essas práticas ajudam a UC a cumprir o seu papel, tanto como um
espaço de formação como com relação à sua função de preservação?

Acreditamos que, respondendo ao primeiro bloco de questões, consegui-


remos compreender estas outras e, com isso, caminhar em busca de unidades
de conservação que cumpram com o seu papel, indo além de ilhas de conser-
vação para continentes de transformação. Para que, assim, as UC possam ser
instrumentos de transformação socioambiental, que oportunizem sociedades
sustentáveis (COSTA-PINTO, 2019; CARVALHO, 2008).

Com essa explicação, podemos seguir com a nossa colcha de retalhos,


isso quer dizer, com os nossos fragmentos. Após a desmontagem dos textos,
iniciamos o estabelecimento de relações entre os trechos, criando pontes e
assim estabelecendo as categorias a posteriori. Seguindo uma ordem narra-
tiva dos fatos, começaremos nossa história do início, destrinchando nossas
categorias e apresentando nosso metatexto.

O nascimento da CTEA e suas intenções

A CTEA nasce da construção do Projeto Político-Pedagógico de Educa-


ção Ambiental (PPPEA) realizado no PNPB, entre outubro de 2016 a abril
de 2018, com uma média de 500 pessoas envolvidas durante todo o processo
(ICMBIO, 2018). Porém, a CTEA não nasce para ser filha deste, mas mãe. O
que isso significa? A CTEA nasce com o propósito de gerir o PPPEA, de ser
uma instância de governança desse instrumento, a fim de dar continuidade
para o que foi levantado durante a elaboração do PPPEA. O PPPEA, em si,
não é para ser visto como um documento estático, mas como uma ferramenta

100
3.4 Câmara temática de educação ambiental:
nascer do esperançar ou do temer?

viva, que ajude na gestão da UC, de forma que esse não nasça para ser uma
atividade-fim, mas sim um tema-gerador (LAYRARGUES, 1999).

As falas a seguir — nossas unidades empíricas —, extraídas das entrevis-


tas narrativas, dialogam e evidenciam as questões levantadas nesta história.
Marcos: Eu acho que a grande motivação [da criação
da CTEA] foi exatamente a construção do Projeto Po-
lítico Pedagógico, entendeu? Da gente compreender a
importância desse instrumento e compreender mais
ainda a unidade de conservação como espaço educa-
dor. [...] Tendo a educação ambiental como resistência,
a educação ambiental como compromisso social, como
justiça social. [...] As câmaras temáticas, elas existem
exatamente para poder dar continuidade, no nosso
caso, ao plano operacional do PPP.
Rosa: a CTEA é uma forma de trabalhar o PPPEA,
mas é de uma forma assim, da continuidade. Não é di-
zer que você vai chegar: eu peguei o livro do PPPEA,
“Ah, muito bonito. Vocês estão falando aqui só de
obras do meio ambiente”. Isso é colocar em cima da
prateleira da sua casa e esquecer o que você fez. Não!
[...] A CTEA serviu pra poder amparar o Parque, con-
duzindo os anseios das comunidades do entorno, por-
que ouviu-se bastante gente e essas pessoas, cada um
tem a sua forma.
Thaís: Pra mim aí o que mais me motivou [pra criar a
CTEA] foi discutir, trazer projetos, benefícios pra co-
munidade. Isso foi um dos pontos que mais me chamou
a atenção. (informação verbal).2

Um dado interessante, é que a CTEA do Parque Nacional do Pau Brasil


não nasce ao fim da construção do PPPEA, como um produto final dele. Mas
ela nasce antes de iniciar a construção do PPPEA, justamente para propor-
cionar uma participação ativa em sua elaboração, para que esse fosse um
processo de construção e aprendizagem conjunto. Com o propósito de, ao
final do processo, ter uma CTEA com autonomia para dar seguimento ao
eixo operacional do PPPEA.

2 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

101
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

João: a gente ter uma câmara temática de educação am-


biental dentro do conselho, porque a câmara daria o foco
para a educação ambiental. [...] Era muito importante de-
finir logo no começo [a CTEA] E a gente ia fortalecen-
do a CTEA à medida que construía o PPP [...] Porque a
CTEA já nasce junto com o PPP, com a construção. [...]
a CTEA ficaria responsável pela governança do PPP ou
do PPPEA [...] a CTEA tem a missão de acompanhar, de
fortalecer, de contribuir na construção do PPPEA.
Carlos: foram feitas diversas chuvas de ideias, falando o
que que precisava para o território, cada um apresentou
o seu projeto e como que poderia unificar isso tudo e tal.
E uma das peças fundamentais para o PPPEA aconte-
cer seria o conselho consultivo estar dentro do processo,
não só para validar as ações para não ser uma coisa só
do Parque, mas sim da comunidade e ao mesmo tempo
ser um espaço de aprendizagem. [...] aprendendo e cons-
truindo. Então não teve, não foram ações separadas, pri-
meiro constrói e depois capacita. Não! Vamos fazer tudo
ao mesmo tempo. (informação verbal).3

Podemos ver que os desejos que motivaram a criação da CTEA foram


fundamentados na esperança da busca por melhorias para a comunidade, na
busca por empoderamento dos participantes, na busca para que o grupo desse
continuidade à diversidade de vozes ouvidas no decorrer da construção do
PPPEA. Para que, através da CTEA, essas vozes se façam ouvidas. Assim,
a CTEA nasce do desejo de uma vida melhor — construída através da edu-
cação ambiental — para todos aqueles que possuem relações com o Parque
Nacional do Pau Brasil.

A CTEA nasce do desejo de comunicação entre os projetos, de diálogo


entre as comunidades, as instituições e o próprio Parque. Da esperança de
unir forças, e não as dividir. Ela nasce do desejar, do esperançar e não do
medo. Para Espinosa (2018), a esperança “é a Alegria inconsciente originada
da ideia de uma coisa futura ou passada de cuja ocorrência até certo ponto
duvidamos” (ÉTICA III, def. 12) dos afetos), coadunando com o apresenta-
do, já que o buscado pelo grupo é algo que lhe proporciona alegria, porém, é
duvidoso, e por isso perseveram em sua procura.

3 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

102
3.4 Câmara temática de educação ambiental:
nascer do esperançar ou do temer?

E quais são as pedras no caminho?


Uma das questões-chave que se pôde notar durante a análise das entrevis-
tas foi a comunicação. Ela pode ser vista como uma ferramenta que, quando
usada adequadamente, potencializa o grupo para atingir seus objetivos, e as-
sim também promove a preservação da UC. Porém, essa ferramenta, quando
não usada, enfraquece o grupo, minando-o aos poucos.
Thaís: Porque se a coisa estivesse andando e se como
tinha marcado de trimestre em trimestre reunião, aí as
coisas... a gente estaria bem evoluído e em comunica-
ção em termos de comunicar, de falar, do conhecimen-
to do que que tá acontecendo, então dois anos parados
sem ninguém [...] sem falar nada, sem comentar nada.
[...] É, às vezes a gente fica até sem poder responder al-
gumas coisas, porque nós não temos um conhecimento
mais, porque parou tudo.
Ricardo: Comunicação é tudo!
Carlos: o GT de caça e a CTEA tinham que estar cami-
nhando juntos. E de preferência ter um representante
dentro do GT pra poder facilitar essa conversa e estar
sempre levando o que que um está pensando pro outro,
porque senão essas coisas não andam. Porque esse é o
desafio, né? Tanto que assim, voltando para o PPPEA, é
aquela coisa, não adianta ter várias instituições desen-
volvendo diversos projetos de educação ambiental se
eles não conversarem. Porque o projeto de um pode ser
o complemento do outro. [...] como é que você tem uma
CTEA tentando trabalhar a fauna enquanto educação
ambiental e dentro do mesmo conselho tem um GT que
não conversa com a CTEA. Morreu o projeto. É matar
o projeto no início. (informação verbal).4

Outro exemplo é a falta de comunicação com relação à concessão do Par-


que Nacional do Pau Brasil.
Rosa: as notícias que eu fico tendo do Parque, eu fi-
quei muito triste, assim, que a empresa já vendeu, a
BR Parques vendeu pra um terceiro e a BR Parques

4 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

103
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

estava com o compromisso de explorar a abertura do


Parque pra visitação por 15 anos. Aí dentro disso ven-
deu pra um terceiro que a gente não sabe quem. [...]
até um, não quero citar nome, mas que foi um comen-
tário assim: “gente”, teve um cara da BR Parque que
falou assim: “rapaz, o Parque é nosso. Que se vocês
souberem a cláusula que tem no contrato que foi feito
conosco aqui, isso aqui vai ser nosso até quando nós
quisermos. Por isso que foi vendida a exploração pra
esse cara que comprou”. Aí quando eu fiquei sabendo
disso eu fiquei assim: poxa, você fica indefeso. Porque
eu fiquei pensando assim: pô, nós lutamos tanto pra
poder… pensando assim: poxa, vai servir até de gera-
ção de emprego pra comunidade que está no entorno,
pro pessoal poder trabalhar lá [no parque]. [...] Esse era
o sonho. Aí depois veio a pandemia, aí veio a questão
desse entrave que está tendo agora no momento, né!?
Dizem que já foi passado pra um terceiro, não é mais a
BR Parque. Aí a gente ficou assim meio… que é chato.
Ricardo: Esse contrato está pra cair agora. Infelizmen-
te! [...] o infelizmente é assim, pelo fato de não ter, das
coisas não terem acontecido dentro do previsto no con-
trato. Porque se tivessem acontecido dentro do previs-
to, teria sido muito bom. [...] Assim, a empresa falhou
geral e esse contrato vai caducar. Todos os sinais apon-
tam pra isso. Isso está muito perto da verdade. Eles vão
decretar falência. [...] A pandemia deu uma atrapalhada
geral. Mas honestamente faltava alguma coisa assim,
que mostrasse que eles iriam conseguir se erguer, con-
seguir tomar as decisões certas [...] Existem muitas
críticas ao formato como foi feita essa concessão. As
pessoas acham que concentrar tudo numa empresa só
não é interessante. Então é possível que o Parque tenha
o seu contrato revisto, né? [...] Mas assim, a intenção
é voltar a viabilizar o apoio à visitação no Parque por
meio de empresas, né? Teria chance de ganhar empre-
sas locais, que seria o ideal. [...] Parece que eles [BR
Parques] não estão nem agendando, sabe? Não estão
prestando o serviço. Olha que loucura. Sabe? Então...
(informação verbal).5

5 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

104
3.4 Câmara temática de educação ambiental:
nascer do esperançar ou do temer?

A partir do contraste dessas duas falas, podemos perceber a falta de co-


municação e como ela é de extrema importância. Para a Rosa, a BR Parques
é a dona do Parque Nacional do Pau Brasil, e agora ela e sua comunidade
não terão mais nenhuma inserção no Parque, estando todos os seus planos
fadados ao fracasso. Enquanto para Ricardo, a BR Parques está decretada
à falência. Para um, a empresa é a proprietária da região, enquanto para o
outro, essa mesma empresa nem existe mais.

Em consequência dessa falta de diálogo, a pessoa sem a informação fica à


mercê da tirania, torna-se vulnerável e, assim, fica no plano da imaginação,
das ideias inadequadas, perdendo sua autonomia para a heteronomia. A pes-
soa sem informação passa de um estado maior para um menor, diminuindo
sua potência de agir, isto é, expresso em tristeza. Assim, um grupo com di-
ficuldades de comunicação provavelmente não conseguirá seguir com seus
ideais. A tendência é o grupo cada vez mais se desmotivar. Isso demonstra a
importância de se promover uma melhor comunicação nesse grupo, buscan-
do a mitigação da tristeza.

O caso Instituto Chico Mendes de Conservação da


Biodiversidade (ICMBio)

Com base nas entrevistas de três servidores dessa instituição, pôde-se


levantar a frágil situação em que esse órgão se encontra atualmente. Ele tem
passado por vários desarranjos internos, ou desencontros, enfraquecendo
muito a atuação do órgão e, consequentemente, sua potência de agir, o que se
reflete em seus trabalhos, reverberando a gestão das UC, dos conselhos e de
suas câmaras. Seus funcionários têm vivenciado um sofrimento ético-políti-
co, tanto devido à pandemia como também ao desmonte que a agenda políti-
ca ambiental tem sofrido. O sofrimento ético-político “abrange as múltiplas
afecções do corpo e da alma que mutilam a vida de diferentes formas. [...]
retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época
histórica” (SAWAIA, 2001, p. 104).

Miguel: As [onze] coordenações regionais viraram


[cinco] gerências regionais. E aí fizeram dessa forma
que, é uma forma de, eu entendo que é uma forma de ir
minando e acabando, né? Quebrando as nossas estru-
turas internas para que se justifique que nem exista [o
ICMBio], que se privatize.

105
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Ricardo: Mas o que houve? Mais uma vez, né? Uma des-
sas coisas, decisões do Ministério, do ICMBio, das onze
coordenações passou a ter cinco. Na Amazônia é uma!
Eu não tenho noção do que que está acontecendo por lá.
Miguel: infelizmente os caras então criando esses nú-
cleos de gestão integradas (NGI), colocando unidades
próximas para serem geridas conjuntamente, porque
eles não aumentam a quantidade de servidores. Daí
acaba sendo cruel também, um de nós vai ter que ser o
chefe dessa NGI.
Ricardo: Em 2017 já estava se formando o NGI. Acho
que começou em 2017. Com 10 anos de ICMBio, né?
Só que aí é que está, ou a pessoa tem muita cabeça e
juízo ou a gente morre. (risos) É delicado, sabe? Muito
delicado. Poderia até ser uma maneira de atuar, mas
multiplica por três as equipes, entendeu? Aí dá. Mas
multiplica por três, porque você ainda consegue, você
continua dentro da própria equipe da área temática, fo-
car nos espaços. (informação verbal).6

A partir dessas falas vemos como os servidores dessa instituição se sen-


tem sobrecarregados e descontentes com essa situação, constituindo-se o
afeto primário desses sentimentos a tristeza. Sendo essa sobrecarga, uma das
causas para o enfraquecimento da CTEA.

E os desdobramentos?
Com a realização do PPPEA e a fundação da CTEA, houve diversos des-
dobramentos relatados pelas entrevistadas e entrevistados, resultando em
uma cadeia positiva de consequências, multiplicando-se alegria, isto é, a
passagem de uma potência menor para uma maior, nas pessoas envolvidas
nesses desdobramentos.

Durante a finalização do projeto do PPPEA, o ICMBio lançou um recurso


para projetos de educação ambiental, e a gestão do Parque Nacional do Pau
Brasil elaborou um segundo projeto, a fim de dar continuidade às ações do
PPPEA. Esse projeto teve o título: PPPEA do Parque Nacional do Pau Brasil

6 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

106
3.4 Câmara temática de educação ambiental:
nascer do esperançar ou do temer?

em permanente movimento; também podemos nos referir a ele como PPPEA


em movimento. Este fomentou a práxis dentro da CTEA, já que, durante a ela-
boração do PPPEA, foram desenvolvidas atividades no âmbito do diagnóstico
e do planejamento, e, mediante o PPPEA em movimento, pode-se dialogar
com o estudo e a prática, executando atividades levantadas pelo PPPEA.
Carlos: tem que dar continuidade à capacitação, então
vamos tentar fazer um projeto desse. Então a gente
conseguiu durante a elaboração do PPPEA, já elaborar
um outro projeto, que a gente, né? Termina um e come-
ça o outro, e foi casadinho. [...] Então, nisso sentiram
isso na pele, né? De ver a construção e depois a prática
acontecer também. E aí depois ainda veio a da fauna,
então a gente não parou, era uma coisa ligada na outra.
Marcos: E aí logo depois ainda teve pela própria câmara
também o PPPEA em movimento (informação verbal).7

A partir disso, iniciaram-se diversos outros desdobramentos puxados por


outras pessoas, reverberando em um efeito dominó de ações socioambientais
no entorno do Parque. Um deles foi um projeto de segurança alimentar, orien-
tado pela Prof.ª Dr.ª Gabriela Narezi (UFSB); este não abarcava as comunida-
des do entorno, mas, por meio do PPPEA, pôde-se fazer essa ampliação. Um
terceiro desdobramento foi uma parceria realizada com a RPPN “Estação
Veracel”, a qual possuía alguns trabalhos de Educação Ambiental (EA) com
as comunidades de seu entorno, e, a partir do PPPEA, esses trabalhos foram
expandidos para as comunidades adjacentes ao Parque.

Outro desdobramento foi a participação de um integrante da CTEA em


um curso ofertado pelo Ministério do Meio Ambiente. Um dos requisitos
para participar do curso era já ter realizado atividades relacionadas à educa-
ção ambiental, e, em função do PPPEA, ele conseguiu participar do curso.
Como quinto resultado, teve-se a realização do Curso de Formação Conti-
nuada de Professores da Rede Pública para Ações Educativas no Parque
Nacional do Pau Brasil. Esse curso foi promovido em conjunto com a Uni-
versidade de Brasília, através do PPPEA.

7 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

107
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Marcos: E ainda teve um projeto com a UnB, um pro-


cesso formativo da UnB para com as escolas no en-
torno do parque. Então tudo isso foi desdobramento,
entendeu? Desses trabalhos da câmara temática dentro
do conselho.
Carlos: vieram professores da UnB para capacitar os
professores das escolas públicas das comunidades do
entorno. [...] Mostramos o que que era o Parque, leva-
mos eles para o Parque. Porque a ideia era o que? Era
mostrar: gente, existe um Parque, existe um espaço
onde vocês podem levar os alunos e usar o tema edu-
cação ambiental, natureza, meio ambiente, com algo
que tem aqui. Então, a gente queria incluir a educação
ambiental dentro das matérias, tanto que eles também
tinham que desenvolver projetos. [...] Também foi des-
dobramento do PPPEA, porque através do PPPEA a
gente conseguiu essa parceria com a universidade e
fazer essa capacitação dos professores.

Vale ressaltar que, dentro desse desdobramento, sucederam-se outros,


dado que cada professor que estava participando do curso teve que desenvol-
ver um projeto relacionado ao Parque como trabalho de conclusão. Assim,
desenvolveu-se uma cadeia de eventos positivos em torno do Parque e da
região por meio da CTEA, além de colocar em prática o artigo 4º do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e o artigo 13º da
Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA).

O sexto desdobramento foi a construção de uma cozinha industrial em


uma das comunidades do entorno, ficando evidente, através das falas, a ale-
gria suscitada com essa conquista.

Carlos: Teve uma reunião, um encontrão [...] A gente


previu 200 participantes e a gente chamou o pessoal
da APRUNVE e falou: “Olha, o que que vocês acham
de fazer o almoço e o lanche para essas pessoas? A
gente, né? Paga via ICMBio e vocês fazem a comida,
porque a gente não quer comprar de um restaurante.”
“Ah, mas a gente nunca fez comida para tanta gente”.
“Não, sempre tem uma primeira vez. Topa?”. “Topo.
Vão bora!” (risos) E aí fizeram a alimentação e eu acho
que foram dois dias de encontrão, uma coisa assim. E
nesses dias, a mulherada lá da APRUNVE se juntou

108
3.4 Câmara temática de educação ambiental:
nascer do esperançar ou do temer?

e fizeram, encararam o desafio e fizeram o lanche, o


almoço, o lanche da tarde e a partir dali outras pessoas,
outras instituições começaram a chamar a APRUNVE
também para fornecer alimentação. A gente, toda reu-
nião de conselho, já chamava eles para fazer o forne-
cimento. Então isso foi crescendo e eles foram melho-
rando e tal. [...] Acho que foi esse ano (2021) ou no final
do ano passado, não sei, eles conseguiram inaugurar a
cozinha das mulheres.
Rosa: E através do Parque ele conseguiu se deslan-
char, porque o Parque deu um apoio muito grande na
agroecologia do que ele produz lá. Aí já conseguiram
insumos, conseguiram material, comprar até equipa-
mentos pra poder fazer a produção de produtos agroe-
cológicos lá com eles lá. E é um cara que tem uma...
hoje você vê ele com uma visão diferenciada com re-
lação ao meio ambiente.
Carlos: aí ela me veio com essa notícia, que eles con-
seguiram inaugurar a cozinha. Eu chorei aqui em casa.
Falei: “Meu Deus! Eu não acredito!” Uma cozinha as-
sim, com tudo que tem direito, uma cozinha industrial
com tudo. Aí ela falava: “isso aqui a gente conseguiu,
porque você ajudou a gente. Você foi o ponto funda-
mental.” Então assim, aquilo para mim foi, nossa! A
melhor coisa. Eu chorava. Eu falava: “Dona Maria,
para de me fazer chorar!” (risos). (informação verbal).8

Outro desdobramento foi com relação ao projeto de resíduos sólidos e


saúde realizado em uma das comunidades do entorno, onde o próprio in-
tegrante da CTEA, representante daquela comunidade, conduziu as ações,
evidenciando, inclusive, o aumento de potência de agir desse integrante, que
com sua potência aumentada, deseja transformar seu entorno, sua realidade
e sua comunidade.
Rosa: na parte de educação ambiental desenvolvida
para a área de resíduos sólidos, nós fizemos aqui, junto
com os alunos da escola e sim, junto com o presidente
da associação também [...] nós fizemos aqui um mate-
rial sobre o dia da água, sobre a importância da coleta

8 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

109
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

não só seletiva [...]. E aí dentro disso daí, a gente deu


segmento. [...] aí a gente chamava, eu conseguia fazer a
chamada mobilização, que o Sorrentino também gosta
muito de falar a questão de mobilização, né? na ques-
tão de mobilização, a gente fazia assim: ia de porta em
porta nas casas das pessoas [...] aí vinha os caras dos
agentes de endemias junto conosco. A gente entrava
nos quintais e ia fazendo um mutirão de limpeza. Aí,
isso daí, com o material, apresentava junto com o pes-
soal da CTEA pra evoluir o trabalho no PPPEA, né?
[...] Se aqui dentro, que ele [caminhão de lixo] entra, a
gente tá queimando lixo no quintal, então tem alguma
coisa errada. Aí foi onde que a gente começou a traba-
lhar o pessoal em cima disso e isso aí tudo foi um fruto
do que a gente trabalhou junto com a CTEA [...] que foi
muito de extrema importância.

Como oitavo desdobramento, iniciou-se a elaboração de uma Campanha


Educomunicativa para a Preservação da Fauna. Ela foi iniciada em seguida
do término do PPPEA em movimento, com o intuito de não cessar a movi-
mentação das ações da CTEA e o comprometimento das instituições e co-
munidades envolvidas.

Thaís: Caçador aí dentro, meia noite aí, o que não falta


é tiro. Inclusive isso eu discuti na CTEA, né? Sobre a
questão de caçada. [...] isso foi... muito discutido, muito
discutido mesmo! Qual a logística que podia ser feita
pra tirar esse vício do ser humano caçador, né? Inclusive
teve conversas que já tinham levado de outras câmaras
técnicas que foi formado em outros Parques, foi levado
ex-caçador também, pra dar palestra pra... Eu falei: “Ra-
paz, não adianta você levar ex, tal, tal, a pessoa tem que
sentir nele, entendeu?” A pessoa tem que dizer assim:
“Poxa, eu quero mudar”. Se a pessoa não tiver uma ati-
tude de mudança, não adianta. Pode trabalhar da forma
que quiser! Pra comer não é crime, né? Aquela história,
né? Você matar um bicho pra... Eu não como. Pra mim
tanto faz, pra vender ou pra comer, que eu não como
caça nenhuma. Mas você vender pra comercializar?
Aqui o pessoal vende tudo em Trancoso e quem compra
é a própria Polícia. [...] Desses itens que foram citados
dentro da CTEA, eu acho que entre todos o mais po-
lêmico foi a caça. A gente ia criar um jornalzinho. Um

110
3.4 Câmara temática de educação ambiental:
nascer do esperançar ou do temer?

jornal comunidade, né? E aí a gente ia colocar tudo junto


também. E aí a comunidade ia receber um jornalzinho
dizendo a respeito da caça e tal. É melhor do que você
chegar diretamente na pessoa: Oh, você está caçando!
“Você tem prova que eu tô caçando?” ou: Ah, alguém
me falou que você é caçador. O cara falou que você é la-
drão. “Mas você já me pegou com roubo?” É uma coisa
sem fundamento. Foi o que eu falei com ele na semana
passada, eu falei: rapaz, o que você vê de caçador nessa
mata. Caçador, não! Que eu só vejo é tiro de noite nessas
matas (informação verbal).9

A caça é um dos temas centrais para uma UC de proteção integral, e a


própria comunidade também estava interessada em compreender essa situa-
ção. No segundo semestre de 2019, foram realizadas oficinas nas comuni-
dades do entorno do Parque, referentes ao tema da preservação da fauna; a
CTEA estava mobilizada e envolvida para dar andamento nessa ação. Porém,
com o advento da pandemia no início de 2020, as atividades foram interrom-
pidas, não concluindo a fase de elaboração da campanha e de implantação.
Até hoje a CTEA sofre com essa questão, dado que estavam empenhados
nesse trabalho e não conseguiram ir adiante com ele. Evidencia-se aqui o
grande impacto negativo que a pandemia teve sobre a CTEA.

O nono desdobramento foi uma atividade realizada com os jovens de


uma das comunidades do entorno, que foi provocada por um dos integran-
tes da CTEA.
Rosa: eu sempre orientava, falava assim, ó: quando
a gente for fazer alguma coisa, tem que fazer volta-
do para os jovens também. Porque não adianta você
chegar e pegar um adulto que desce todo o domingo
com os cachorros dele pra ir lá pra beira do rio pra
caçar e você querer mudar esse costume que já vem do
avô, que passou de pai pra filho. Isso é meio difícil. Ele
pode tá hoje até com medo, inibido de ir, mas que ele
não vai deixar de ir, ele não vai não. Mas a gente tem
que chegar e trabalhar quem já está começando agora.
Aí fizeram uma oficina que teve junto com a CTEA e
o pessoal do PPPEA que foi com os jovens também. Aí

9 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

111
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

desse dos jovens, você precisava ver a alegria da galera


do nono ano que foram [no parque]. [...] Isso aí foi mui-
to, muito importante.

Ainda houve mais desdobramentos, como uma associação que entrou para
o conselho por meio da CTEA e o início de um processo formativo em mais
duas UCs da região, que nem ao menos tinham gestores. Toda ação possui
uma ou diversas causas, em Espinosa temos as cadeias de nexos causais, que
justamente é o que podemos observar com esse cenário: diversas ações, como
a elaboração de um PPPEA, a constituição de uma CTEA, ou o “empurrãozi-
nho” — o incentivo que faltava — para uma pessoa acreditar nela e servir re-
feições para 200 pessoas, conquistando sua própria cozinha industrial. Toda
ação, grande ou pequena, terá uma reação, e sob as lentes da observação e
análise do processo de constituição da CTEA, ficam claras todas as reações
alegres que se desdobraram de sua fundação.
Marcos: Olha quanta frente a gente vai abrindo, en-
tendeu?! Então a própria câmara temática, ela também
teve esse papel de ir abrindo outras possibilidades atra-
vés dos seus membros. Isso é muito importante, enten-
deu? A potência de ação dela é tão grande que ela tem
a capacidade que a partir das suas representações, crie
capilaridade do território (informação verbal).10

O futuro é possível?
Dado os cenários apresentados, conseguimos enxergar que muitas pe-
dras apareceram no caminho da CTEA. Porém, em seu caminhar, pudemos
levantar questões complexas: apareceram pedras inimagináveis, como uma
pandemia que assolou o mundo inteiro e que, apesar de melhoras, ainda está
em curso. Outra pedra é o desmonte das políticas públicas e das instituições
ambientais, justamente a área que compete à CTEA, trazendo consequências
como o desfalque de equipes em UCs e a sobrecarga de funcionários, que
possuem a vontade necessária para a execução de um bom trabalho, mas que
são vítimas da frustração e da angústia com o aporte de demandas insusten-
táveis que carregam.

10 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

112
3.4 Câmara temática de educação ambiental:
nascer do esperançar ou do temer?

Uma terceira pedra, esta concernente ao Parque em especial, foi a saída


de quatro integrantes experientes da gestão do Parque Nacional do Pau Bra-
sil pouco tempo antes e durante, as duas pedras anteriores (a pandemia e o
desmonte político ambiental). O Parque já se encontrava em uma situação
vulnerável, e, com essa saída, potencializaram-se as dificuldades. Houve a
entrada de dois integrantes na gestão do Parque, porém, de uma equipe com
seis integrantes (cinco experientes e um novo), a equipe passou a ser compos-
ta por três integrantes (um experiente e dois novos).

Mesmo com todas essas pedras, a CTEA se mantém viva, ela pode estar
ativa para alguns, parada para outros, mas ela está lá. O grupo não se reúne
com a frequência de antes — dado as circunstâncias apresentadas —, mas
está insatisfeito com a situação e isso é notável, pois estar insatisfeito nos
remete ao movimento, nos remete a andar em direção ao que queremos. A
CTEA estar insatisfeita significa que ela precisa agir, para transformar tris-
teza em alegria, precisa relembrar seu propósito, o que levou essas pessoas
a empenharem seu tempo nessas atividades, o que os levou a trilhar esse
caminho? E vemos esse desejo da volta da CTEA, do movimento da CTEA,
do amor pelo grupo, nas falas das pessoas.

Marcos: Eu acho que é uma troca muito grande com


os profissionais, com as profissionais, entendeu? As-
sim, é um trabalho que a gente está fazendo com muito
respeito, com muito carinho, muito pautado nos prin-
cípios da educação ambiental. Então isso é tudo para
mim! ...de ter uma experiência dessa, onde a gente te-
nha de fato os nossos princípios incorporados ao nosso
trabalho, ao que a gente acredita. Então isso para mim
é um presente. A CTEA pra mim é um presente, que
significa que as pessoas são os presentes, na verdade.
Por que o que é a câmara? A câmara são as pessoas,
que fazem o movimento.

Flávia: [a CTEA] Precisa atualizar, né? atualizar, andar,


né? Porque tá parado. Tá tudo parado e aí quando você
para, a tendência é, tudo que você abandona, a tendência
é acabar, né? Quando você tem uma casa e não man-
tém ela, ela vai dar cupim ou sei lá o que. [...] Então tá
lá engavetado, lá. Precisa de pessoas pra alavancar de
novo, né? Através da universidade, sei lá quem, reativar
os conselhos, né? Reativar os conselhos…

113
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Thaís: É, não pode ficar... não sei de que forma [faz an-
dar a CTEA], né? Agora, parado é que não pode ficar!
Marcos: Ó, pra você ver como a gente tem que resgatar
essas coisas! Fazer essas coisas! ... a gente precisa fazer
umas revoluções aqui. (risos) É ótimo isso [a devoluti-
va]. É legal porque movimenta, também. [...] traz essa
pauta, de que você está fazendo essa pesquisa, dentro
do conselho. Não é nem só na câmara, é dentro do con-
selho. O conselho está chegando agora, é uma oportu-
nidade para eles conhecerem também, entendeu? [...]
Vai ampliar. Amplia, amplia. Pode ampliar que você
vai ser uma contribuição na verdade. Vai ser uma con-
tribuição pras pessoas também já entenderem mais
ainda, ver a importância, valorizar o que tem na mão.
(informação verbal).11

A pandemia se instaurou e intensificou uma situação que já estava difícil:


de transição de pessoas, de falta de pessoas e sobrecarga. O fato de a CTEA
ainda existir — mesmo com todas as adversidades que passa — evidencia
sua força e potência, dado o fato de seu desejo em persistir, de seu compro-
metimento, com o coletivo, em querer agir e servir. Assim como a educa-
ção ambiental crítica é resistência em meio a um sistema vigente neoliberal,
compactuado com os lucros em detrimento da vida, a CTEA é resistência em
meio ao cenário pandêmico e de desmonte ambiental. A CTEA, assim como
a EA crítica, além de resistência é revolucionária, dado que, como disse Paulo
Freire (1997, p. 67): “num país como o Brasil, manter a esperança viva é, em
si, um ato revolucionário”. Assim, a CTEA é um grupo que nasce do esperan-
çar e permanece nesse desejo.

Conclusão
A fim de sintetizarmos a discussão desenvolvida nesta pesquisa, ilustra-
mos nossos resultados em duas equações formuladas a partir dos elementos
que contribuíram para o fortalecimento ou diminuição da potência de agir da
CTEA e de seus membros.

11 Falas extraídas das entrevistas narrativas.

114
3.4 Câmara temática de educação ambiental:
nascer do esperançar ou do temer?

1. Equação da Baixa Potência

Saída de integrantes experientes do PNPB + pandemia + desmonte políti-


co ambiental + falta de comunicação = enfraquecimento do grupo.

2. Equação da Alta Potência

Reuniões (organização) + entrada de funcionários no PNPB + comunica-


ção + desejo alinhado ao fazer = fortalecimento do grupo.

Assim, podemos notar pontos essenciais para o aumento ou diminuição da


potência de agir do grupo, servindo como possíveis indicadores para o Parque
tomar ações em prol de sua gestão e bom funcionamento e como parâmetro
para outras unidades de conservação. Outra questão foi a comunicação ter sido
levantada tanto para a equação da baixa como da alta potência, mostrando
como essa ferramenta, quando inutilizada, traz tristeza ao grupo, e, quando
utilizada, traz alegria, constituindo-se como estratégia para o bom funciona-
mento de um coletivo. A atuação da EA, dessa forma, faz-se necessária para
minimizar os problemas levantados e maximizar as potencialidades.

Buscamos, com a realização deste recorte de pesquisa, evidenciar como


a Análise Textual Discursiva pode contribuir para pesquisas no campo da
educação ambiental. Mais especificamente, no presente contexto, pudemos,
a partir da análise das entrevistas compreender e levantar possíveis relações
entre a criação da CTEA e o aumento da potência de agir dos envolvidos
no processo de fundação deste colegiado. Compreendemos que projetos de
gestão participativa realizados em unidades de conservação possuem impac-
tos positivos tanto na área ambiental, ampliando uma consciência ecológica
democrática, como na área social, com o incremento da potência de agir da
CTEA e de seus indivíduos, de forma a estimular a formação de cidadãs e
cidadãos ambientalmente críticos, emancipados e ativos.

Referências
APRESENTAÇÃO do curso online O Desejo: Paixão e ação em Espinosa - Marilena
Chaui. [S. l.: s. n.], 2016. 1 vídeo (04min42seg.). Publicado pelo canal Cult Revista.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k8kSwVfgde0&t=6s. Acesso em:
06 jun. 2022.
BRASIL. Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União, Bra-
sília, DF, 19 jul. 2000.

115
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

CARVALHO, I. C. M. Educação para sociedades sustentáveis e ambientalmente justas.


Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, [s. l.], v. especial, p. 46-
55, dez. 2008. Disponível em: https://periodicos.furg.br/remea/article/view/3387/2033.
Acesso em: 06 jun. 2022.
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1995.
COSTA-PINTO, A. B.; QUERINO, M. R.; VIEIRA, A. L. F. R. Reflexões sobre Educa-
ção Ambiental como instrumento de transformação comunitária: pré-diagnóstico da
situação socioambiental da favela da Vila Brandina, Campinas-SP. Educação Am-
biental em Ação, [s. l.], v. 18, p. 1-18, 2006.
COSTA-PINTO, A. B. Educação ambiental, construção de sociedades sustentáveis e os
afetos em Espinosa. In: ALONSO, C. P.; RUSSO, V.; VECCHI, R.; ANDRÉ, C. A.
(org.). De oriente a ocidente: estudos da associação internacional de lusitanistas. 1.
ed. Coimbra: Angelus Novus, 2019. p. 07-30. (v. 4).
ESPINOSA, B. de. Ética. Tradução: Grupo de Estudos Espinosanos; coordenação Mari-
lena Chauí. 1. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018.
Freire, P. (1997). Pedagogia da Esperança. Um reencontro com a Pedagogia do Oprimi-
do. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra S.A.
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICM-
Bio). Projeto Político-Pedagógico de Educação Ambiental do Parque Nacional do
Pau Brasil e seu Território. Porto Seguro: ICMBio, 2018.
LAYRARGUES, P. P. A resolução de problemas ambientais locais deve ser um tema
gerador ou a atividade-fim da educação ambiental? In: REIGOTA, M. (org.). Verde
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MORAES, R.; GALIAZZI, M. do C. Análise textual discursiva. 3. ed. rev. e ampl. Ijuí:
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MUYLAERT, C. J.; JÚNIOR, V. S.; GALLO, P. R.; NETO, M. L. R.; REIS, A. O. A.
Entrevistas narrativas: um importante recurso em pesquisa qualitativa. Revista da
Escola de Enfermagem da USP – REEUSP, [s. l.], v. 48, n. 2 p. 193-199, 2014.
SAWAIA, B. B. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética ex-
clusão/inclusão. In: SAWAIA, B. B. (org.). As artimanhas da exclusão: análise psi-
cossocial e ética da desigualdade social. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 97-119.

116
3.5 Aplicação do método de Análise
Textual Discursiva a partir de
entrevistas com professores de física da
rede estadual do Rio de Janeiro acerca
de um produto didático
Gedmar S. Carvalho
Priscila dos S. Caetano de Freitas
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.5

Considerações iniciais
O ensino de ciências no Brasil encontra-se cada vez mais fragmentado e
desarticulado com as novas metodologias de ensino e com as recentes pesqui-
sas na área de educação. Fatores como os conteúdos abordados, a formação
de professores no ensino superior, a desvinculação com as novas tecnologias
e a falta de interesse ou uma atitude negativa dos alunos diante das ciências e
seu ensino podem ser apontados como fomentadores dessa crise (POZO; GÓ-
MEZ CRESPO, 2009). É consenso que há uma crise no ensino de ciências no
Brasil e que se fazem emergentes propostas educacionais que busquem uma
reação de modo a evitar sua manutenção e seu agravamento (FERREIRA;
MUENCHEN; AULER, 2019; FOUREZ, 2003).

Além disso, há uma escassez em sala de aula das aplicações do conhe-


cimento científico no cotidiano dos alunos, levando-os a ter uma visão in-
gênua e positivista de uma ciência pautada em “um conhecimento objetivo,
abstrato e impessoal” (CRUZ; ZYLBERSZTAJN, 2005, p. 172). Ou seja, o

117
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

aluno desenvolve uma dissociação entre o que é aprendido em sala de aula e


a verdadeira natureza da ciência.

Na tentativa de superação da crise educacional, nas últimas décadas, hou-


ve uma grande preocupação na elaboração de estratégias de ensino e investi-
mentos nessa área, com uma educação “fundamentada na ação e na constru-
ção social e que seja culturalmente e socialmente contextualizada” (CRUZ;
ZYLBERSZTAJN, 2005, p. 172).

A partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em


2017, o governo federal brasileiro propõe um norteador dos currículos escola-
res, de modo a desenvolver competências e habilidades essenciais para a edu-
cação básica (BRASIL, 2018). Sob esse aspecto, no Rio de Janeiro, há o incen-
tivo aos jovens para iniciarem carreiras científicas e a proposta do “Currículo
Mínimo” (RIO DE JANEIRO, 2012), que visa uma boa formação educacional
e cidadã, mediante conteúdos considerados pertinentes ao longo do ensino mé-
dio. Em relação ao ensino de física, o Guia do Livro Didático diz que:
Deve contemplar, portanto, não só a escolha cuida-
dosa dos elementos principais mais importantes, pre-
sentes na estrutura conceitual da Física, como uma
disciplina científica, como uma área do conhecimento
sistematizado, em termos de conceitos e definições,
princípios e leis, modelos e teorias, fenômenos e pro-
cessos; mas deve também incorporar um tratamen-
to articulado desses elementos entre si e com outras
áreas disciplinares, bem como com aspectos históri-
cos, tecnológicos, sociais, econômicos e ambientais,
de modo a propiciar as aprendizagens significativas
necessárias aos alunos, e, assim, contribuir para que
o ensino médio efetive sua função como etapa final
da formação educacional básica de todo e qualquer
cidadão (BRASIL, 2014, p. 10).

Desse modo, este capítulo traz um recorte de uma pesquisa maior (FREI-
RAS; AUGÉ, 2021),1 que investiga a relevância de um produto educacional com

1 A pesquisa pode ser visualizada na íntegra mediante o endereço eletrônico: https://cutt.


ly/9IIcXuG. Acesso em: 07 jun. 2022. Também pode ser consultada por meio do artigo, fruto
do mesmo trabalho, disponível em: https://doi.org/10.26843/rencima.v12n1a28. Acesso em:
07 jun. 2022.

118
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

textos de viés histórico e atividades experimentais sobre a temática Ondas Ele-


tromagnéticas, com ênfase no processo do mecanismo da visão humana, para a
formação cidadã mais crítica e a construção do conhecimento de forma ativa e
significativa pelos discentes. Assim, busca servir como material complementar
para os professores de física das escolas da rede estadual do Rio de Janeiro.

A pesquisa possui abordagem qualitativa, com tipologia estudo de caso,


visto que representa apenas uma amostra da realidade. Para verificar a rele-
vância do material didático, cinco professores de física de escolas públicas do
Rio de Janeiro foram submetidos à entrevista semiestruturada.

É apresentada, a seguir, a análise das entrevistas por meio do método de


Análise Textual Discursiva (ATD), realizadas com os professores de física
da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro no ano de 2016 do município de
Campos dos Goytacazes.

Em primeiro lugar, foram apresentados os critérios de seleção dos entre-


vistados, assegurando-os o anonimato2 e, em seguida, realizada a unitariza-
ção, apresentando-se unidades empíricas e teóricas. Por fim, após a seleção
das categorias iniciais e intermediárias de análise, realizou-se o confronto
com o referencial teórico, culminando na produção de um metatexto, a fim
de comunicar a interpretação dos resultados obtidos por meio do método de
análise textual discursiva.

Critérios para a escolha dos entrevistados


A professora Maria foi escolhida devido à sua experiência na Rede Es-
tadual de ensino e afinidade com o tema eletromagnetismo, em função de
ministrar aulas sobre tal tema durante vários anos.

Professor Pedro é um professor recém-formado, muito preocupado com a


boa formação dos alunos e busca incentivá-los com novas técnicas de ensino.

Professor José atua no terceiro ano do ensino médio desde que ocorre-
ram as mudanças no Currículo Mínimo no ano de 2012, em turmas bastante
diversificadas, fato que pode favorecer uma visão global do material.

2 Para garantir o anonimato dos sujeitos, foram citados nomes fictícios. Os critérios são
colocados a priori como forma de orientação para a escolha dos sujeitos.

119
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Professor Paulo é também um professor experiente, com mais de quinze


anos atuando na área estadual de educação, com grande desenvoltura em
pesquisas acadêmicas e grande preocupação com o ensino público.

Professora Adelina possui uma formação acadêmica muito voltada para


a prática pedagógica, com abrangente conhecimento das teorias da aprendi-
zagem. Leciona física para turmas de todos os anos do ensino médio.

Análise das entrevistas com professores de física da rede


estadual do Rio de Janeiro acerca de material didático

1º passo – Definição das unidades empíricas (a partir do corpus)

A fim de facilitar a compreensão da etapa de unitarização, apresenta-se o


código utilizado e o seu significado:

a. QXà Questão, sendo X= 1, 2, 3...

b. PXà Identificação do professor, sendo X= 1, 2, 3...

c. 0Xà Unidade empírica, sendo X= 1, 2, 3...

1. De modo geral, quais são as suas considerações sobre o material didá-


tico apresentado?

Q1P1 – O material didático é muito bom. Está falando


um pouquinho de Física, um pouquinho da Biologia
e um pouquinho da Química e há uma contextualiza-
ção entre as três disciplinas, desse ponto de vista eu
gostei do material. Interessante, porque é uma coisa
comum que a gente aplica no nosso cotidiano, ainda
mais para o Proeja que eles precisam ver o cotidiano
dentro da sala de aula que tem muita dificuldade em só
dar o conteúdo sem uma base da vida.
Q1P101 – Qualidade do material - O material didáti-
co é muito bom.
Q1P102 – Interdisciplinaridade - Está falando um
pouquinho de Física, um pouquinho da Biologia e um
pouquinho da Química e há uma contextualização
entre as três disciplinas, desse ponto de vista eu gos-
tei do material.

120
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

Q1P103 – Contextualização – Interessante, porque é


uma coisa comum que a gente aplica no nosso coti-
diano, ainda mais para o Proeja que eles precisam ver
o cotidiano dentro da sala de aula que tem muita difi-
culdade em só dar o conteúdo sem uma base da vida.
Q1P2 – O material apresentado é de boa qualidade, bem
explicado e dispõe de exercícios de variados níveis.
Q1P201 – Qualidade do material - O material apre-
sentado é de boa qualidade, bem explicado.
Q1P202 – Resolução de problemas – [...] dispõe de
exercícios de variados níveis.
Q1P3 – Acho o material bom, eu mesmo li e achei in-
teressante. Uma coisa que eu não sabia a questão do
olho, da reação química que acontece, que a gente não
enxergava acima do ultravioleta e abaixo do infraver-
melho. Achei bem contextualizado.
Q1P301 – Qualidade do material - Acho o material
bom, eu mesmo li e achei interessante.
Q1P302 – Conteúdo - Uma coisa que eu não sabia a
questão do olho da reação química que acontece, que
a gente não enxergava acima do ultravioleta e abaixo
do infravermelho.
Q1P303 – Contextualização - Achei bem contextua-
lizado.
Q1P4 – O material é bem contextualizado e objetivo,
apresenta conteúdo que desperta a curiosidade e interes-
se dos alunos, auxiliando o desenvolvimento das habi-
lidades e competências previstas no currículo mínimo.
Q1P401 – Contextualização - O material é bem con-
textualizado e objetivo.
Q1P402 – Conteúdo do material - [...] apresenta con-
teúdo que desperta a curiosidade e interesse dos alu-
nos, auxiliando o desenvolvimento das habilidades e
competências previstas no currículo mínimo.
Q1P5 – O material está bom. Até em alguns pontos
mais aprofundado do que a gente costuma trabalhar.
Pois visávamos a nota do saerjinho. O saerjinho era
muito teórico.

121
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Q1P501 – Qualidade do material - O material está


bom. Até em alguns pontos mais aprofundado do que a
gente costuma trabalhar.

2. Você considera que o material está adequado à proposta curricular do


estado do Rio de Janeiro?

Q2P1 – Está adequada, só que eu fiz algumas observa-


ções dentro do contexto, que tipo assim, quando você
fala de luz no aspecto físico, ondas eletromagnéticas,
eu acharia que deveria explicar melhor o processo de
reflexão e depois de refração. Porque você entra dire-
to falando de refração, mas só que dentro da refração
existe a reflexão pra que você consiga enxergar o ob-
jeto na verdade. Faltou um pouco disso aí. E também
explicar o processo da luz para o aluno, porque pra ele,
a escola estadual o currículo mínimo dele do tercei-
ro ano é mínimo mesmo e não sei se ele teria tanta
base pra entender dessa forma.

Q2P101 – Adequação do material - Está adequada.

Q2P102 – Crítica ao material - Eu acharia que deve-


ria explicar melhor o processo de reflexão e depois de
refração. Porque você entra direto falando de refração,
mas só que dentro da refração exista a reflexão pra que
você consiga enxergar o objeto na verdade.

Q2P2 – Sim, o material está de acordo com o currículo


mínimo da 3ª série do ensino médio.

Q2P201 – Adequação do material ao currículo mí-


nimo - Sim, o material está de acordo com o currículo
mínimo da 3ª série do ensino médio.

Q2P3 – Acho. O estado tá bem mais teoria mesmo.


Aqui tem conta também, mas eles gostam de focar
mais a parte teórica, os exercícios que eu dei uma olha-
da cai cálculo também, mas o conteúdo tá bem direiti-
nho e bate bastante.

Q2P301 – Adequação do material - Aqui tem conta


também, mas eles gostam de focar mais a parte teórica,
os exercícios que eu dei uma olhada cai cálculo tam-
bém, mas o conteúdo tá bem direitinho e bate bastante.

122
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

Q2P4 – Sim, o material está de acordo com a matriz


curricular proposta pela secretaria de educação, ser-
vindo como um complemento as aulas.
Q2P401 – Adequação do material (matriz curricular)
- Sim, o material está de acordo com a matriz curri-
cular proposta pela secretaria de educação, servindo
como um complemento as aulas.
Q2P5 – Para a área estudada, de certa forma sim. Salvo
a profundidade em alguns conteúdos que poderiam ser
retirados, e talvez alguns exemplos mais específicos,
foi trabalhado muito com cálculo, sugiro acrescentar
perguntas mais teóricas.
Q2P501 – Adequação do material (abordagem) -
Para a área estudada, de certa forma sim.
Q2P502 – Crítica ao material - Salvo a profundidade
em alguns conteúdos que poderia ser retirado. E talvez
alguns exemplos mais específicos, foi trabalhado muito
com cálculo, sugiro acrescentar perguntas mais teóricas.

3. A respeito da linguagem utilizada no material didático, ela está ade-


quada para a compreensão dos alunos sobre o tema?

Q3P1 – A linguagem está adequada, sim. Tem a base


cientifica necessária e tem a base do cotidiano para
contextualizar dentro do contexto do objetivo do ma-
terial. Isso eu gostei bastante. Está fácil a leitura, dá
pra entender. Têm as três ciências misturadas então
têm coisas que da Biologia que eu não sabia e tive que
ler mais a fundo para poder entender, mas quem tem
a noção das três ciências tranquilo. Eu gostei muito
também quando você fala dos animais da diferença de
cores a diferença de tamanho do olho, do diâmetro do
olho dos animais e do ser humano. Adorei essa parte
de quando você fala de desvio, muito interessante tam-
bém. Muito bom também.
Q3P101 – Adequação do material - A linguagem está
adequada, sim [...] está fácil a leitura, dá pra entender.
Q3P102 – Contextualização- Tem a base cientifica ne-
cessária e tem a base do cotidiano para contextualizar
dentro do contexto do objetivo do material.

123
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Q3P103 – Interdisciplinaridade - Têm as três ciências


misturadas. Então, têm coisas da Biologia que eu não
sabia e tive que ler mais afundo para poder entender,
mas quem tem a noção das três ciências é tranquilo.
Q3P104 – Conteúdo - Eu gostei muito também quando
você fala dos animais da diferença de cores a diferença
de tamanho do olho, do diâmetro do olho dos animais
e do ser humano.
Q3P2 – O material traz uma leitura de fácil compreen-
são para os leitores em questão.
Q3P201 – Adequação do material - O material traz uma
leitura de fácil compreensão para os leitores em questão.
Q3P3 – Acho que sim, não vi nenhuma palavra difí-
cil, porque se colocar palavra difícil eles não sabem.
O decorrer do texto tá interessante e as coisas foram
se encaixando.
Q3P301- Adequação do material (linguagem) – Acho
que sim, não vi nenhuma palavra difícil, porque se
colocar palavra difícil eles não sabem. O decorrer do
texto tá interessante e as coisas foram se encaixando.
Q3P4- Sim, linguagem simples e objetiva que permite
a busca do conhecimento de forma autônoma.
Q3P401- Adequação do material (linguagem) - Sim,
linguagem simples e objetiva que permite a busca do
conhecimento de forma autônoma.
Q3P5 – A linguagem está boa, dá para trabalhar bem.
Q3P501 – Adequação do material (linguagem) - A
linguagem está boa, dá para trabalhar bem.

4. Com relação aos aspectos motivacionais, o material estimula a atitude


dos alunos frente ao ensino de física?

Q4P1 – Sim, é curioso. É uma proposta curiosa, por-


que junta as três ciências e ele fica curioso o que
ele enxerga e o que ele vê. Na Física vemos que é um
processo de reflexão, a luz bate no objeto depois reflete
e chega até seus olhos e depois o que acontece? É esse
que é o intrigante. A biologia vai complementar o que
acontece na verdade. Eu gostei.

124
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

Q4P101 – Interdisciplinaridade - Sim, é curioso. É


uma proposta curiosa, porque junta as três ciências e
ele fica curioso com o que ele enxerga e o que ele vê.
Q4P102 – Conteúdo - Na Física vemos que é um pro-
cesso de reflexão, a luz bate no objeto depois reflete e
chega até seus olhos e depois o que acontece? É esse
que é o intrigante.
Q4P103 – Contextualização- É esse que é o intrigante.
A biologia vai complementar o que acontece na verda-
de. Eu gostei.
Q4P2 – Visto o crescente desinteresse dos alunos da
rede estadual, acredito que o material tem muito po-
tencial motivacional. Porém, poderiam ser expostos
exemplos relacionando visão e tecnologia.
Q4P201 – Potencial significativo do material – Visto o
crescente desinteresse dos alunos da rede estadual, acre-
dito que o material tem muito potencial motivacional.
Q4P202 – Contextualização – Porém, poderiam ser
expostos exemplos relacionando visão e tecnologia.
Q4P3 – Acho que estimula porque coloca coisas de
curiosidades, coisas que eu mesmo não sabia, coisas
sobre os olhos dos animais, as cores que eles enxer-
gam. Essa questão mesmo porque a gente não enxerga
certas frequências... Então, eu acho legal, os experi-
mentos também achei bem legal, essa placa de vidro é
fácil de fazer e interessante.
Q4P301 – Contextualização – Acho que estimula por-
que coloca coisas de curiosidades, coisas que eu mes-
mo não sabia, coisas sobre os olhos dos animais, as
cores que eles enxergam. Essa questão mesmo porque
a gente não enxerga certas frequências...
Q4P302 – Experimentação – Então, eu acho legal, os
experimentos também achei bem legal, essa placa de
vidro é fácil de fazer e interessante.
Q4P4 – Sim, porque apresenta o conteúdo de forma in-
teressante, principalmente na parte de ilusão de ótica.
Q4P401 – Conteúdo - Sim, porque apresenta o conteú-
do de forma interessante, principalmente na parte de
ilusão de ótica.

125
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Q4P5 – Estimula com relação à parte teórica, aquela do


olho humano também é bem interessante. Agora é ne-
cessário voltar para a parte prática para estimular a fa-
zerem os cálculos e interpretarem. Mas, no meu modo
de entender, o material é estimulante. Precisa mexer
um pouquinho, mas ele é muito bom.
Q4P501 – Conteúdo - Estimula com relação à parte teó-
rica, aquela do olho humano também é bem interessante.
[...] Precisa mexer um pouquinho, mas ele é muito bom.
Q4P502 – Crítica ao material - Mas, no meu modo de
entender, o material é estimulante.

5. Que contribuição você sugeriria, do ponto de vista do professor, para


este material?
Q5P1 – O material é muito bom e eu só fiquei um
pouco insegura quando fala de ondas eletromagné-
ticas porque esse contexto de luz eletromagnética a
meu ver até ele entender o que é uma onda eletro-
magnética, na verdade, aí acho que vai puxar um
pouquinho. Como a teoria corpuscular da luz, se é luz
se é matéria. No início quando você começa a falar da
teoria eu só achei dificultoso, não que o aluno não con-
siga ver isso, mas eu achei que ficou um pouco solto,
quando você começa a falar de Maxwel, Planck, do es-
pectro eletromagnético, fiquei um pouco insegura, se
o aluno não tiver base fica um pouco perdido. Você
pode dizer qual é o comportamento da luz, mas só
vai aprofundar se realmente o aluno tiver base de
eletromagnetismo porque se não pra ele luz pra ele
é luz, é o que ele está vendo. Quando falar de galva-
nômetro colocar que é para medição de corrente elé-
trica porque tem o amperímetro e o galvanômetro. A
proposta é boa, tá intrigante sim, dá pra chamar a
atenção do aluno em relação ao contexto, a curiosi-
dade de saber como ele enxerga na visão da Física,
da Biologia e da Química gostei muito do que li. Há
muito tempo que não leio um material estimulante e
diferenciado ao mesmo tempo. Gostei bastante.
Q5P101 – Qualidade do material - O material é
muito bom [...]. Há muito tempo que não leio um ma-
terial estimulante e diferenciado ao mesmo tempo.
Gostei bastante.

126
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

Q5P102 – Crítica ao material - Só fiquei um pouco in-


segura quando fala de ondas eletromagnéticas porque
esse contexto de luz eletromagnética a meu ver até ele
entender o que é uma onda eletromagnética, na verda-
de, aí acho que vai puxar um pouquinho. Como a teoria
corpuscular da luz, se é luz se é matéria. No início,
quando você começa a falar da teoria eu só achei difi-
cultoso, não que o aluno não consiga ver isso [...]. Você
pode dizer qual é o comportamento da luz, mas só vai
aprofundar se realmente o aluno tiver base de Eletro-
magnetismo porque se não pra ele luz pra ele é luz, é o
que ele está vendo. [...] Quando falar de galvanômetro
colocar que é para medição de corrente elétrica.
Q5P103 – Contextualização - A proposta é boa, tá
intrigante sim, dá pra chamar a atenção do aluno em
relação ao contexto.
Q5P104 – Interdisciplinaridade - A curiosidade de
saber como ele enxerga na visão da Física, da Biologia
e da Química gostei muito do que li.
Q5P2 – O material é de excelente qualidade, abrangen-
do o conteúdo previsto no currículo mínimo do Estado.
Poderiam ser acrescidos mais exercícios resolvidos ao
longo do texto.
Q5P201 – Qualidade do material - O material é de
excelente qualidade, abrangendo o conteúdo previsto
no currículo mínimo do Estado.
Q5P202 – Crítica ao material - Poderiam ser acresci-
dos mais exercícios resolvidos ao longo do texto.
Q5P3 – Dentro do que foi proposto, acho que está le-
gal, não acrescentaria nada, não. Acho que está até
melhor do que o Estado disponibiliza pra gente. Eu
acharia que deveria focar mais na matemática, mas
como o Estado não quer, então dentro da proposta do
Currículo, tá legal.
Q5P301 – Qualidade do material – Dentro do que foi
proposto, acho que está legal, não acrescentaria nada,
não. Acho que está até melhor do que o Estado dispo-
nibiliza pra gente.
Q5P302 – Crítica ao material – Eu acharia que deve-
ria focar mais na matemática, mas como o Estado não
quer, então dentro da proposta do Currículo, tá legal.

127
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Q5P4 – O material cumpre seu objetivo e é interessan-


te que relaciona os conceitos físicos com os químicos
e biológicos, integrando o conhecimento e mostrando
que a ciência é única.
Q5P401 – Interdisciplinaridade – O material cumpre
seu objetivo e é interessante que relaciona os conceitos
físicos com os químicos e biológicos, integrando o co-
nhecimento e mostrando que a ciência é única.
Q5P5 – Eu sugeriria uma visão um pouco mais teóri-
ca, principalmente nos exercícios, e trabalhar bastante
conceito, retirando alguns cálculos que, em minha opi-
nião, estão muito aprofundados para os alunos.
Q5P501 – Crítica ao material – Eu sugeriria uma vi-
são um pouco mais teórica, principalmente nos exer-
cícios, e trabalhar bastante conceito, retirando alguns
cálculos que, em minha opinião, estão muito aprofun-
dados para os alunos.

6. Do ponto de vista da aprendizagem significativa, o material instiga o


aluno a explicitar seu conhecimento prévio sobre o tema abordado?

Q6P1 – Sim, Ausubel fala que você tem que aplicar o


cotidiano pra que venha uma nova informação. Junção
do conhecimento antigo com o novo, ele vai gerar um
novo conhecimento, então ele fala disso.
Q6P101 – Conhecimento prévio – Sim, Ausubel fala
que você tem que aplicar o cotidiano pra que venha
uma nova informação. Junção do conhecimento antigo
com o novo ele vai gerar um novo conhecimento então
ele fala disso.
Q6P2 – Sim, pois o material é bem didático e inter-
disciplinar, fazendo com que o aluno entenda melhor
o conteúdo.
Q6P201 – Interdisciplinaridade - Sim, pois o mate-
rial é bem didático e interdisciplinar, fazendo com que
o aluno entenda melhor o conteúdo.
Q6P3 – Acho que sim. Porque desde que você fale coi-
sas do dia a dia você levanta a curiosidade e, automa-
ticamente, o aluno já começa a pensar o que ele sabia
sobre aquilo e cabe ao professor fazer as perguntas
certas pra levantar o que eles já sabem. Acho que sim.

128
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

Q6P301 – Contextualização - Acho que sim. Porque


desde que você fale coisas do dia a dia você levanta a
curiosidade e, automaticamente, o aluno já começa a
pensar o que ele sabia sobre aquilo.
Q6P302 – Conhecimento prévio – [...] e, automatica-
mente, o aluno já começa a pensar o que ele sabia sobre
aquilo. Cabe ao professor fazer as perguntas certas pra
levantar o que eles já sabem.
Q6P4 – Acredito que permite a construção do saber a
partir dos conhecimentos prévios.
Q6P401 – Conhecimento prévio – Acredito que per-
mite a construção do saber a partir dos conhecimen-
tos prévios.
Q6P5 – Eu acho que sim, ele vai conseguir adquirir
algumas habilidades em cima do tema.
Q6P501 – Potencial do material – Eu acho que sim,
ele vai conseguir adquirir algumas habilidades em
cima do tema.

7. Faça um comentário final sobre o material didático em questão.

Q7P1 – O material ele tá de acordo com a proposta,


acredito vai ser muito bom. Eu acredito que está den-
tro da proposta da contextualização das ciências, gos-
tei bastante. Quando a gente estuda física comum no
ensino médio e técnico ele cita como formação de ima-
gem a câmera fotográfica, mas não entra no contexto
da biologia, ele só menciona qual é o caminho da luz,
qual o fator, as componentes que acontece e não fala
da biologia, que achei superinteressante. Aqui também
você fala de uma sugestão pra casa de montar o olho
humano em si, achei legal, mas ele teria que ter uma
base boa de biologia pra poder assimilar o conceito.
Como as células interagem com a partícula de luz, eu
achei interessante. Dos exemplos eu gostei. Quando
você fala do limite do ser humano que o ser humano
pode enxergar as cores, a luz visível e tal e tem relação
do infravermelho e do ultravioleta, achei bem interes-
sante, traz o cotidiano pra sala de aula, traz uma con-
textualização. Do daltônico achei excelente porque a
gente ouve falar, mas não sabe o porquê, muito bom, eu
gostei. Os experimentos são simples e gostei também.

129
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Q7P101 – Adequação do material – O material, ele tá


de acordo com a proposta, acredito vai ser muito bom.
Q7P102 – Contextualização – O material, ele tá de
acordo com a proposta, acredito vai ser muito bom. Eu
acredito que está dentro da proposta da contextualiza-
ção das ciências, gostei bastante [...]. Quando você fala
do limite do ser humano que o ser humano pode enxer-
gar as cores, a luz visível e tal, e tem relação do infra-
vermelho e do ultravioleta, achei bem interessante, traz
o cotidiano pra sala de aula, traz uma contextualização.
Q7P103 – Interdisciplinaridade – Quando a gente estu-
da física comum no ensino médio e técnico ele cita como
formação de imagem a câmera fotográfica, mas não en-
tra no contexto da Biologia, ele só menciona qual é o ca-
minho da luz, qual o fator, as componentes que acontece
e não fala da Biologia, que achei superinteressante.
Q7P104 – Conteúdo – Como as células interagem com
a partícula de luz, eu achei interessante. Dos exemplos
eu gostei [...]. Do daltônico achei excelente porque a
gente ouve falar, mas não sabe o porquê muito bom,
eu gostei.
Q7P105 – Experimentação – Os experimentos são
simples e gostei também.
Q7P2 – O material apresentado é bem explicado e
exemplificado e está bem estruturado, permitindo um
bom acompanhamento da matéria por parte dos pro-
fessores e alunos.
Q7P201 – Qualidade do material - O material apre-
sentado é bem explicado e exemplificado e está bem
estruturado.
Q7P202 – Atitude do aluno - [...] permitindo um bom
acompanhamento da matéria por parte dos professores
e alunos.
Q7P3 – Ficou legal, ficou bom mesmo. Eu achei interes-
sante. Eu gostei muito do material, porque tem as figu-
ras certas, não tem figuras demais e gostei porque são
todas interessantes que mostram como o daltônico vê o
mundo. As de ilusão achei todas bem interessantes. A
escrita do tema é bem interessante. Assim, ao invés de
ser um livro todo picotado com título, os assuntos estão
seguidos, como para explicar que a luz sofre refração no

130
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

olho, porque o processo é contínuo, ele não é interrom-


pido e dá pra entender como um todo.

Q7P301 – Qualidade do material – Ficou legal, ficou


bom mesmo. Eu achei interessante. Eu gostei muito do
material, porque tem as figuras certas, não tem figu-
ras demais e gostei porque são todas interessantes que
mostram como o daltônico vê o mundo. As de ilusão
achei todas bem interessantes. A escrita do tema é bem
interessante.

Q7P302 – Organização do conteúdo - Assim, ao in-


vés de ser um livro todo picotado com título, os assun-
tos estão seguidos, como para explicar que a luz sofre
refração no olho, porque o processo é contínuo, ele não
é interrompido e dá pra entender como um todo.

Q7P4 – O material atende as exigências do currículo


mínimo, é de fácil aprendizagem e incentiva a busca
do conhecimento dos alunos.

Q7P401 – Adequação do material – O material atende


as exigências do currículo mínimo.

Q7P402 – Atitude do aluno – [...] é de fácil aprendiza-


gem e incentiva a busca do conhecimento dos alunos.

Q7P5 – De forma geral, o material está interessante.


Ele se torna melhor na prática, em que você, com o
tempo, faz as colocações necessárias conforme a di-
versidade das turmas.

Q7P501 – Qualidade do material – De forma geral, o


material está interessante.

Q7P502 – Adaptabilidade – Ele se torna melhor na


prática, em que você, com o tempo, faz as colocações
necessárias conforme a diversidade das turmas.

2º passo: obtenção das unidades teóricas (autores, com base no


corpus)

De modo a promover a compreensão do método de análise de dados ado-


tado, apresenta-se a organização dos trechos dos textos selecionados organi-
zados a partir do seguinte código:

131
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

a. A01 à referência bibliográfica;

b. A01.01 à unidade teórica – citação direta;

c. A01.01R à reescrita da citação direta (citação indireta).

A01 – BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média


e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio: ciências
da natureza, matemática e suas tecnologias. Brasília: MEC, 1999.

A01.01 – Interdisciplinaridade:

[...] na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não


tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes,
mas de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas
para resolver um problema concreto ou compreender
um determinado fenômeno sob diferentes pontos de
vista (BRASIL, 1999, p. 34-36).

A01.01R – A partir da interdisciplinaridade, é possível compreender um


dado fenômeno mediante visões diversificadas da ciência, de modo a facili-
tar a resolução de um problema, e não a criação de novas disciplinas, mas a
integração dos saberes oriundos dessas áreas.

A02 – RIO DE JANEIRO (Estado). Secretaria de Estado de Educação.


Currículo Mínimo: Física. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de
Janeiro, 2012. Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteu-
do?article-id=759820. Acesso em: 23 nov. 2021.

A02.01 – Interdisciplinaridade: “o desenvolvimento de um conjunto de


boas práticas educacionais, tais quais: o ensino interdisciplinar e contextua-
lizado” (RIO DE JANEIRO, 2012, p. 2).

A02.01R – É fundamental o estímulo de um conjunto de práticas educa-


cionais que promovam a interdisciplinaridade e a contextualização no ensino.

A03 – FAZENDA, I. (org.). Dicionário em construção: interdisciplinari-


dade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

A03.01 – Interdisciplinaridade: “[...] além do desenvolvimento de novos


saberes, a interdisciplinaridade na educação favorece novas formas de apro-
ximação da realidade social e novas leituras das dimensões socioculturais
das comunidades humanas” (FAZENDA, 2002, p. 14).

132
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

A03.01R – A interdisciplinaridade também permite o desenvolvimento


de novos saberes e uma maneira de reaproximação da realidade social, per-
mitindo assim, uma compreensão atual das dimensões socioculturais das co-
munidades humanas.

A04 – BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC,


2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_
EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 24 nov. 2021.

A04.01– Interdisciplinaridade:
Decidir sobre formas de organização interdisciplinar
dos componentes curriculares e fortalecer a competên-
cia pedagógica das equipes escolares para adotar estra-
tégias mais dinâmicas, interativas e colaborativas em
relação à gestão do ensino e da aprendizagem (BRA-
SIL, 2018, p. 16).

A04.01R – A BNCC, em conjunto com os currículos escolares, promove


ações que visam a orientação de aprendizagens que se relacionem de maneira
interdisciplinar, o que resulta no fortalecimento pedagógico de suas equipes
a partir da inserção de estratégias de ensino mais interativas e dinâmicas que
permitam a aprendizagem colaborativa.

A04.02 – Contextualização:
A contextualização social, histórica e cultural da ciên-
cia e da tecnologia é fundamental para que elas sejam
compreendidas como empreendimentos humanos e so-
ciais. Na BNCC, portanto, propõe-se também discutir
o papel do conhecimento científico e tecnológico na
organização social, nas questões ambientais, na saúde
humana e na formação cultural, ou seja, analisar as re-
lações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente
(BRASIL, 2018, p. 549).

A04.02R – O uso da contextualização da ciência e da tecnologia, seja ela so-


cial, histórica ou cultural, contribui consideravelmente para suas compreensões
como constructos humanos. A BNCC propõe a discussão e análise dos conheci-
mentos de ciência, tecnologia, sociedade e ambiente, interrelacionando-os.

A05 – SEKKEL, W. W.; MURAMATSU, M. Por que utilizar demonstra-


ções nas aulas de física? Revista Brasileira de Física, v. 6, 1976. (III SNEF).

133
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

A05.01 – Experimentação: “[...] as demonstrações são de grande utilidade


já que elas geram situações que despertam a atenção e a curiosidade dos
alunos, fatores essenciais para que se realize a aprendizagem” (SEKKEL;
MURAMATSU, 1976, p. 522).

A05.01R – O uso de estratégias didáticas, como a experimentação e de-


monstrações em sala de aula, provocam a atenção e a curiosidade dos discen-
tes, elementos fundamentais para a aquisição de conhecimento.

A05.02 – Atitude: “de qualquer modo as atitudes assumidas pelos alunos


em um curso e seu interesse podem ser influenciados indiretamente através
de recursos tais como: filmes, demonstrações, TV, etc.” (SEKKEL; MURA-
MATSU, 1976, p. 520).

A05.02R – O uso de recursos pedagógicos, como: filmes, demonstrações,


TV etc., durante um curso, podem influenciar as atitudes dos discentes ante
o ensino, mesmo que de forma indireta.

A06 – MATTHEWS, M. R. História, filosofia e ensino de ciências: a ten-


dência atual de reaproximação. Caderno Catarinense de Ensino de Física,
Florianópolis, v. 12, n. 3, p. 164-165, dez. 1995.

A06.01 – Contextualização (HFC): “[...] representam uma imagem mais


rica e abrangente da ciência do que aquela que tem normalmente aparecido
nos livros e nas salas de aula. Novos currículos têm tentado levar essa disci-
plina às salas de aula” (MATTHEWS, 1995, p. 197).

A06.01R – Os currículos escolares atuais buscam a inserção da história e


filosofia da ciência, pois a HFC retrata a ciência de forma mais ampla do que
comumente se vê nos livros didáticos e no ambiente escolar.

A07 – LEMOS, E. S. A aprendizagem significativa: estratégias facilita-


doras e avaliação. Série-Estudos: Periódicos do Mestrado em Educação da
UCDB, Campo Grande, v. 1, n. 21, p. 25-35, jan./jun. 2006.

A07.01 – Valorização do conhecimento prévio do aluno:

O professor deve estar subsidiado teoricamente para


construir, considerando o que o aluno já sabe e a na-
tureza do conhecimento a ser ensinado, um material
de ensino potencialmente significativo e o aluno, por
sua vez, deve buscar ativamente captar os significados

134
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

ensinados, interpretá-los, negociá-los e relacioná-los


(de forma substantiva e não arbitrária) com os conhe-
cimentos que já possui (LEMOS, 2006, p. 33).

A07.01R – Partindo-se desses questionamentos é que se tem como alter-


nativa, por exemplo, a aprendizagem significativa proposta por David Ausubel
que sugere que se construa o conhecimento numa relação não arbitrária e não
substantiva. A aprendizagem significativa serve como âncora para as novas
responsabilidades e situações que surgem para o sujeito. É nesse contexto que
cabe ao professor diagnosticar os conhecimentos prévios dos seus alunos para
elaborar um material que lhes sirva de referencial e dar novos significados aos
conhecimentos que eles já trazem consigo, sejam inatos ou adquiridos. E, ao
aluno, cabe captar e negociar os novos significados.

3º passo: relações entre unidades empíricas e teóricas e


agrupamento em categorias iniciais, intermediárias e finais:
formação das categorias emergentes
De modo a contemplar a proposta curricular do estado do Rio de Janeiro,
o projeto didático elaborado possui algumas estratégias de ensino que faci-
litam a aprendizagem. E, para identificar esses elementos, foi realizada uma
leitura, a partir das entrevistas, na perspectiva de elencar algumas categorias
iniciais de análise por meio das unidades de sentido. Nessa perspectiva, após
a unitarização e categorização, são apresentadas algumas categorias iniciais
de análise da proposta didática (Quadro 1) com base nas falas dos entrevis-
tados à luz do objeto de pesquisa dessa investigação a partir do agrupamento
em uma categoria mais ampla: características gerais do material didático,
dando origem ao metatexto intitulado: Potencial de ensino da sequência di-
dática proposta. Essas divisões permitirão uma melhor compreensão do cor-
pus e, desse modo, a sua análise e comunicação por meio de um metatexto.

135
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 1 – Categorias iniciais e emergentes a partir


das entrevistas com os professores

Categorias iniciais Categoria final

Qualidade do material

Interdisciplinaridade

Contextualização

Conteúdo

Adequação
Características gerais do
Adaptabilidade
material didático
Crítica

Experimentação

Conhecimento prévio

Potencial de ensino

Atitude

Fonte: elaboração própria.

Potencial de ensino da sequência didática proposta


A interdisciplinaridade está evidente em diversas falas dos entrevista-
dos e é uma característica muito presente no currículo mínimo estadual. No
entanto, é possível averiguar, diante das entrevistas realizadas, que não é um
fator presente nas aulas de turmas de escolas estaduais, ao menos no âm-
bito da região alvo da investigação. Os professores entrevistados destacam
que esse elemento ‘despertou’ a curiosidade, podendo ser um estimulador da
aprendizagem e de uma atitude positiva para com o ensino, além de tornar o
ensino de ondas eletromagnéticas mais integrado.

A professora Maria destaca que o uso da interdisciplinaridade resulta na


melhor compreensão do processo da visão, demonstrando que as ciências
se complementam; o professor Pedro, por sua vez, afirma que o material é

136
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

estimulante, frisando a interdisciplinaridade; o professor José demonstrou


bastante interesse na organização e relação dos conteúdos do material, o que
proporciona um conhecimento mais amplo de física, química e biologia, visto
que o funcionamento da visão humana é um processo bastante complexo que
envolve conceitos de várias ciências; o professor Paulo diz que um dos pontos
positivos do material é essa interação dos saberes e que isso estimula o aluno
na busca pelo conhecimento.

O tema “olho humano como receptor de ondas eletromagnéticas” é bas-


tante complexo, o que justifica a integração entre saberes de física, química
e biologia, de modo a produzir uma melhor compreensão do processo como
um todo. É possível identificar, pelas falas dos professores de física, que o
material didático promove, de forma explícita, um diálogo entre as ciências
naturais, diálogo este apontado como um grande aliado na compreensão do
processo da visão humana como um todo.

Portanto, as falas dos entrevistados encontram ressonância nas teorizações


que defendem a interdisciplinaridade como fator preponderante na melhoria
dos processos de ensino (LABURÚ; ARRUDA; NARDI, 2003; BAZZO, 2010).

Na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem


a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas
de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para
resolver um problema concreto ou compreender um
determinado fenômeno sob diferentes pontos de vista
(BRASIL, 1999, p. 34-36).

A interdisciplinaridade também permite o desenvolvimento de novos sa-


beres e uma maneira de reaproximação da realidade social, permitindo, as-
sim, uma compreensão atual das dimensões socioculturais das comunidades
humanas (YARED, 2008). Assim também como vai ao encontro da BNCC,
que, em conjunto com os currículos escolares, promove ações que visam a
orientação de aprendizagens que se relacionem de maneira interdisciplinar, o
que resulta no fortalecimento pedagógico de suas equipes a partir da inserção
de estratégias de ensino mais interativas e dinâmicas que permitam a apren-
dizagem colaborativa (BRASIL, 2018).

A proposta curricular do estado propõe “o desenvolvimento de um conjunto


de boas práticas educacionais, tais quais: o ensino interdisciplinar e contextua-
lizado” (RIO DE JANEIRO, 2012, p. 2). A contextualização é outra categoria

137
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

inicial de análise que se destaca nesta pesquisa. Do ponto de vista didático, é


recomendável que se utilize exemplos do cotidiano do aluno como recurso de
ensino, já que o “pensamento conceitual é uma conquista que depende não
somente do esforço individual, mas principalmente do contexto em que o indi-
víduo se insere, que define, aliás, seu ‘ponto de chegada’” (REGO, 2001, p. 79).
Nessa perspectiva, o currículo mínimo propicia a formação de:

Um solo firme para o desenvolvimento de um conjunto


de boas práticas educacionais, tais quais: o ensino inter-
disciplinar e contextualizado; [...] a utilização das novas
mídias no ensino; a incorporação de projetos e temáticas
transversais nos projetos pedagógicos das escolas; [...]
entre outras — formando um conjunto de ações impor-
tantes para a construção de uma escola e de um ensino
de qualidade (RIO DE JANEIRO, 2012, p.2).

O uso da contextualização da ciência e da tecnologia, seja ela social,


histórica ou cultural, contribui consideravelmente para suas compreensões
como constructos humanos. A contextualização foi um tópico bastante recor-
rente nas entrevistas e que está em conformidade com a BNCC, a qual propõe
a discussão e análise dos conhecimentos de ciência, tecnologia, sociedade e
ambiente, interrelacionando-os (BRASIL, 2018).

A docente Maria diz que, ao usar exemplos do cotidiano, o assunto se


torna mais próximo do aluno e mais interessante, dando destaque à lingua-
gem precisa e ao diálogo introduzido pelo material, que proporcionam uma
melhor discussão e compreensão do conteúdo, como no tópico que relaciona
a faixa de luz visível e o porquê da limitação visual quanto a certas faixas
de luz. Como crítica, o professor Pedro sugere mais exemplos de tecnologia
no material. O professor José, em diferentes momentos, evidencia a contex-
tualização como um fator positivo, juntamente com exemplos curiosos que,
muitas vezes, não são explorados pelo professor e, até mesmo, que o material
estaria melhor organizado do que o disponibilizado pelo próprio estado.

O psicólogo educacional David Ausubel propôs a Teoria da Aprendiza-


gem Significativa (TAS), a qual enfatiza a construção do conhecimento numa
relação não arbitrária e não substantiva. A aprendizagem significativa serve
como âncora para as novas responsabilidades e situações que surgem para
o sujeito. É nesse contexto que cabe ao professor diagnosticar os conheci-
mentos prévios dos seus alunos para elaborar um material que lhes sirva

138
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

de referencial e dar novos significados aos conhecimentos que eles já tra-


zem consigo, sejam inatos ou adquiridos. E, ao aluno, cabe captar e negociar
os novos significados (LEMOS, 2012). A professora Maria afirma que, pela
teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel, seria necessário evocar o
cotidiano do aluno para usar uma nova informação e promover a conexão “do
conhecimento antigo com o novo, gerando um novo conhecimento”. Dessa
forma, o material “fala disso”.

Outra forma de contextualização ocorre a partir de temas em ciência, filo-


sofia, história e ensino de ciências, os quais “representam uma imagem mais
rica e abrangente da ciência do que aquela que tem normalmente aparecido nos
livros e nas salas de aula. Novos currículos têm tentado levar essa disciplina às
salas de aula” (MATTHEWS, 1995, p. 197). Assim, a história da ciência e/ou
o uso de experimentos como recursos didáticos contribuem significativamente
para a contextualização das ciências e novas tecnologias em sala de aula.

Para mais, utilizando a história da ciência em conjunto com atividades


empíricas, pode-se melhor compreender a natureza de como a ciência pros-
pera, sobretudo a física: “As demonstrações são de grande utilidade já que
elas geram situações que despertam a atenção e a curiosidade dos alunos,
fatores essenciais para que se realize a aprendizagem” (SEKKEL; MURA-
MATSU, 1976, p. 522).

A abordagem histórica e a sugestão de experimentos e simulações fo-


ram utilizadas no material com o intuito de contextualizar, tornar o ensino
lúdico e favorecer a compreensão das implicações histórico-filosóficas dos
caminhos e descaminhos da ciência. Para Augé (2004), há uma significativa
relevância atitudinal com o uso desses dois recursos, história e experimentos,
para com os discentes.

Os depoimentos analisados evidenciam a necessidade de experimentos


simples e interessantes para dinamizar as aulas e facilitar a aprendizagem,
corroborando os objetivos da proposta pedagógica. Também concordam que
a história e filosofia da ciência facilitam o entendimento do mecanismo da
visão como um todo e não um ato isolado, excetuando a professora Maria que
acha que os alunos teriam dificuldade em acompanhar essa evolução históri-
ca, mas acha interessante a forma como foi abordada a história que, diferente
da maioria dos livros, não foi introdutória e breve.

139
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Alguns conteúdos de Física foram citados pelos entrevistados como ins-


tigantes ou interessantes, o que sugere uma outra subcategoria de análise na
investigação. A docente Maria cita o conteúdo do material que fala sobre as
diferenças biológicas e físicas dos olhos de outros animais e de como eles
veem, destaca o processo em si da visão com a abordagem interdisciplinar
como superinteressante (como na interação da luz com as células fotossen-
síveis) e também sobre o daltonismo. José destaca seu interesse na reação
química que ocorre na retina e na explicação mais ampla da faixa de luz
visível, considera também as figuras sobre daltonismo e ilusão de óptica bem
instigantes. Paulo se interessa pelo tópico ilusão de óptica, e Adelina diz que
o material estimula quando fala do olho humano.

Outro aspecto que será abordado nesta fase da análise dos dados se en-
contra nas peculiaridades didático-pedagógicas da proposta, ou seja, a estra-
tégia didática, vista globalmente.

De acordo com algumas falas, é possível sugerir que algumas estraté-


gias didáticas exploradas no material foram importantes do ponto de vista
instrucional e também motivacional. Sekkel e Muramatsu (1976), falando
sobre atitudes motivacionais, destacam que “de qualquer modo as atitudes
assumidas pelos alunos em um curso e seu interesse podem ser influencia-
dos indiretamente através de recursos tais como: filmes, demonstrações,
TV, etc.” (SEKKEL; MURAMATSU, 1976, p. 520). Pode-se acrescentar
também a importância atitudinal que a estratégia didática como um todo
pode exercer (AUGÉ, 2004).

Considerar aspectos que possibilitam atitudes positivas diante do ensino


é primordial no planejamento e ação do docente, que aprimorará os métodos
e estratégias de ensino, considerando “as condições e necessidades reais en-
contradas pelos professores no exercício diário de suas funções” (RIO DE
JANEIRO, 2012, p. 2). Nessa perspectiva, é possível sugerir ainda mais uma
categoria de análise, a saber, a atitude com relação ao ensino de física, como
aqui proposto. Na fala dos professores, é clara a presença de termos com
conotação motivacional.

140
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

Considerações finais
Apesar dos avanços, o ensino de ciências no Brasil encontra-se, de certa
forma, fragmentado e desarticulado com as novas estratégias de ensino e
com as recentes pesquisas na área de educação.

Além disso, há uma escassez em sala de aula das aplicações do conheci-


mento científico no cotidiano dos alunos, levando-os a reconhecer a ciência
como um conhecimento impessoal, objetivo e abstrato, ou seja, há uma dis-
sociação entre o que é aprendido em sala de aula e a forma como a ciência
realmente se desenvolve.

Na tentativa de superação da crise educacional, nas últimas décadas, hou-


ve uma grande preocupação na elaboração de estratégias de ensino e investi-
mentos nessa área. O estado do Rio de Janeiro formulou orientações básicas
em relação ao processo de ensino e aprendizagem das escolas estaduais na
intenção de atender as novas necessidades da educação básica. O currículo
mínimo busca um ensino dinâmico, valorizando os conhecimentos atuais e
contextualizados com o intuito de resgatar o interesse dos alunos, dentre ou-
tros aspectos, o que vai ao encontro da nova BNCC (BRASIL, 2018).

Todavia, essa nova perspectiva evidenciou outras problemáticas, já que con-


teúdos considerados como clássicos no ensino de física foram retirados, como
a cinemática e outros que se mantiveram. Partem de uma proposta mais atual e
concreta, com a inserção de tópicos da física moderna e contemporânea.

Com isso, ensinar ciências tornou-se um grande desafio ao professor, já


que, muitas vezes, este não dispõe de uma formação acadêmica profissional
adequada e de materiais instrucionais que atendam esse novo olhar do cur-
rículo mínimo, como os livros didáticos utilizados pelas escolas estaduais
que, apesar de cumprirem algumas exigências, mostram-se insuficientes para
serem utilizados como único apoio (FREITAS; AUGÉ, 2021).

Por mais que haja um crescimento significativo em pesquisas na área de En-


sino de Física, professores com viés tradicional são mais resistentes a aplicá-las,
ou pelo comodismo, ou pela dificuldade em se adequarem às novas exigências
do mercado profissional. Quanto a isso, Castro (2004) corrobora a falta de atua-
ção do professor mediante às mudanças no ensino exigidas pelo currículo:

[...] É possível, no entanto, encontrarmos currículos e


programas bastante atualizados, porém submetidos a

141
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

um tratamento didático obsoleto, em desacordo com


o processo de fazer e de pensar a Ciência. A busca da
certeza e o lugar das incertezas que desafiam o futuro
são, enfim, avessos às condições de uma mente cientí-
fica. Nesses casos, há uma dupla traição: às condições
próprias ao desenvolvimento da Ciência e às exigên-
cias de um processo de ensino/aprendizagem que faça
justiça à inteligência do aluno (CASTRO, 2004, p. 8).

Por meio das falas dos entrevistados, a partir da ATD, destacaram-se ca-
tegorias iniciais de análise, as quais evidenciaram o potencial de ensino do
material proposto. Categorias estas relevantes na apreensão do impacto po-
sitivo da proposta didática no ensino e se seus objetivos foram alcançados,
ressaltando a interdisciplinaridade, contextualização, conteúdos de física,
estratégia didática e atitude diante do ensino.

Ao final desta pesquisa, conclui-se que a produção de materiais pedagógi-


cos com caráter interdisciplinar, norteados pelo currículo mínimo, sobre luz e
visão ainda é muito incipiente. Entretanto, a proposta aqui apresentada é uma
tentativa inicial diante de todo um processo de adaptação curricular iniciado
em 2012 e intensificado em 2017, a partir da nova BNCC.

Nessa perspectiva, o material tem valor pela sua iniciativa, sendo possível
posteriormente dar continuidade a esta pesquisa, não somente com comple-
mentos para aperfeiçoá-la, mas também na finalidade de explorar os resulta-
dos de sua aplicação, especificamente, em nível da aprendizagem, como foi
realizado durante o trabalho de mestrado de um dos autores.

Além disso, sugere-se que os professores desenvolvam outras propostas


de intervenção didática com base no Currículo do Rio de Janeiro, expandindo
as pesquisas na área em concordância com a sua prática docente, transpondo
didaticamente, por exemplo, conteúdos da física moderna e contemporânea
ao ensino básico ou trazendo uma nova roupagem aos conteúdos clássicos.

A reformulação da prática educativa deve ser atual, sendo crucial que os


docentes tenham um olhar crítico e reflexivo sobre o ato de ensinar, buscan-
do uma formação continuada e novas estratégias de ensino que deverão ser
aprimoradas e implementadas em sala de aula para um ensino mais acessível,
dinâmico agregador.

142
3.5 Aplicação do método de Análise Textual Discursiva
a partir de entrevistas com professores de física da rede
estadual do Rio de Janeiro acerca de um produto didático

Conforme Freire (1996), o “sujeito que se abre ao mundo e aos outros


inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como in-
quietação e curiosidade, como inconclusão em permanente momento na His-
tória”. Em outras palavras, a formação docente deve estar voltada para o
contexto social e geográfico dos educandos e da escola em que se trabalha,
permitindo, assim, uma intervenção pedagógica mais frutífera, compreen-
dendo as necessidades daquele grupo escolar (FREIRE, 1996, p. 136).

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ensino de ciências. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação,
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143
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

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144
3.6 Uma busca pelas entrelinhas da
interpretação: ensino-aprendizagem
sob mediação
Flávio Pereira Bastos
Tiago Vieira Pinto
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.6

Introdução
Inicialmente, apresentamos os dados utilizados para um exercício com
a análise textual discursiva a partir de respostas coletadas junto a dois pro-
fessores. A análise textual discursiva (ATD) é articulada, também, sob duas
operações: interpretação e detecção. Ela é uma ferramenta metodológica de
hermenêutica que busca revelar dos dados textuais o que é dito nas entreli-
nhas, ou seja, o que está para além de seu conteúdo explícito. Dessa forma,
a detecção e interpretação já fazem parte do processo autoral de quem se
propõe a trabalhar com a ATD.

Na busca pelas entrelinhas da interpretação dos dados textuais, a ATD


permite estabelecer um conjunto de etapas: a unitarização, a codificação, a
categorização e a detecção de uma compreensão criativa/significativa sobre
os textos analisados, uma vez que esse processo de análise atenta dos textos
confere sentido à integridade deles e ao caráter autoral de quem analisa.

No processo de análise textual discursiva, somos levados a uma leitura


abrangente, de tal maneira que não se limite a uma forma mecânica do que é
dito, mas que procure extrapolar o significado do que é dito. Assim, a ATD

145
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

pode ser usada na medida em que ela mesma permite ao(à) pesquisador(a)
realizar perguntas ao texto sobre o que está nas entrelinhas.

Com efeito, no ato de unitarizar/fragmentar, codificar, categorizar e de-


tectar a estrutura discursiva do texto em questão, a análise textual se desdo-
bra na construção de argumentos que reúnem a intencionalidade, os efeitos
de significado no que foi dito, no que se pretende dizer e a extensão argumen-
tativa com o metatexto, este último capaz de oferecer ao(à) pesquisador(a) um
movimento narrativo que capta os sentidos do texto a partir do lugar em que
ele se comunica com quem o analisa.

Sendo assim, um exercício de Análise Textual Discursiva (ATD) oferece


ferramentas metodológicas, de modo a conseguir alcançar as entrelinhas nos
processos de detecção e, sobretudo, de interpretação, conforme veremos ini-
cialmente com alguns dados textuais para esse exercício.

Respondente da rede de ensino privada

Corpus para análise

Quais as suas percepções sobre os discentes quanto ao desempenho es-


colar através do ambiente virtual e as supostas consequências para a forma-
ção deles enquanto cidadãos e profissionais?

Eu vejo o desempenho escolar não apenas na métrica


dos boletins. Se por um lado, nas aulas síncronas, há o
conforto de se estudar no ambiente de casa, por outro,
é um ambiente pouco desafiador em muitos aspectos,
principalmente em interação social, que é crucial para
formação do discente como cidadão e profissional, e
esse é também um dos papéis da escola e do proces-
so ensino-aprendizagem. E, nessas interações sociais
entre diversos, há aquisição de valores morais, de al-
teridade e respeito mútuo, respeito e valorização às
instituições. (Respondente da rede de ensino privada).

Unidade teórica
As capacidades de iniciativa, de experimentação e de
inovação manifestadas durante a pandemia devem ser

146
3.6 Uma busca pelas entrelinhas da interpretação:
ensino-aprendizagem sob mediação

alargadas e aprofundadas no futuro, como parte de


uma nova afirmação profissional dos professores e dos
significados conjugados com os estudantes (NÓVOA,
2020, p.10).

Quadro 1 – Reescrita de Nóvoa (2020, p.10)

Reescrita sobre a citação direta: Mediar os desafios que aparecem no contexto


educacional é uma lição de constante acompanhamento e internalização racional
e afetiva da pedagogia escolar. Essa internalização não é possível ser quantitativa-
mente avaliada, mas pode ser estruturalmente orientada pelos sentidos trazidos
pelas narrativas de experiências de professores e estudantes.

Fonte: Elaboração própria.

Unitarizações

Quadro 2: Unidades empíricas

Q01FB01 Avaliação escolar para além de métricas padronizadas: Eu vejo o desem-


penho escolar não apenas na métrica dos boletins.

Q01FB02 A formação integral no ensino-aprendizagem: Se por um lado, nas aulas


síncronas, há o conforto de se estudar no ambiente de casa, por outro lado, é um
ambiente pouco desafiador em muitos aspectos, principalmente em interação so-
cial, que é crucial para formação do discente como cidadão e profissional, e esse é
também uns dos papéis da escola e do processo ensino-aprendizagem.

Q01FB03 O impacto das interações sociais no espaço escolar: E nessas intera-


ções sociais entre diversos, há aquisição de valores morais, de alteridade e res-
peito mútuo, respeito e valorização às instituições.

Fonte: Elaboração própria.

Desafios pedagógicos ante professores e estudantes.

147
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Categorizações

Quadro 3 – Categorias de análise

Considerações sobre
Categoria inicial Categoria final
as unidades

Percepção docente so- Avaliação escolar Desafios pedagógicos


bre a formação escolar para além de métricas ante professores e
dos discentes. padronizadas. estudantes.

A formação integral no
Inquietação pedagógica.
ensino-aprendizagem.

Proposição afirmativa do O impacto das intera-


espaço pedagógico so- ções sociais no espaço
cialmente relacionável. escolar.

Fonte: Elaboração própria.

Respondente da rede pública de ensino

Corpus para análise


Quais as suas percepções sobre os discentes quanto ao desempenho es-
colar através do ambiente virtual e as supostas consequências para a forma-
ção deles enquanto cidadãos e profissionais?
Infelizmente, nossos alunos já estão sofrendo uma de-
fasagem imensa na aprendizagem devido a esse tempo
de ensino virtual, o que prejudicará os seguimentos
subsequentes à pandemia. E aqueles que têm mais di-
ficuldades, tanto cognitivas quanto socioeconômicas,
ficarão mais prejudicados (Respondente da rede públi-
ca de ensino).

148
3.6 Uma busca pelas entrelinhas da interpretação:
ensino-aprendizagem sob mediação

Unitarizações
Quadro 5 –Unidades empíricas

Q01TV01 Impacto negativo através do ensino virtual: Infelizmente, nossos alunos


já estão sofrendo uma defasagem imensa na aprendizagem devido a esse tempo
de ensino virtual.

Q01TV02 Uma perspectiva de ensino-aprendizagem solapada: o que prejudicará


os seguimentos subsequentes à pandemia.

Q01TV03 Educação integral afetada: E aqueles que têm mais dificuldades, tanto
cognitivas quanto socioeconômicas, ficarão mais prejudicados.

Fonte: Elaboração própria.

Unidade teórica
“Uma demonstração de olhares antropológicos sobre as ações pedagógicas
como ciberarquitônicas, ou seja, a relação cadeias digitais e humano transfor-
ma o significado de pensar, sentir e agir” (HARAWAY et al., 2009, p. 76).

Quadro 4 – Reescrita da unidade teórica

Reescrita sobre a citação direta: A sequência de inovações que se apresentaram,


pelo menos nos últimos 30 anos, criaram uma sensação de gênese de um mundo
totalmente novo, que, na esfera educacional, fundamenta-se como uma evolu-
ção no que diz respeito à velocidade (mundo multifacetado e interconectado) e à
amplitude e profundidade (revolução digital). Esta última modifica a percepção de
indagar e justificar não apenas o que e o como, mas também quem somos. E ao
impacto sistêmico: transformação integral nas relações sociais.

Fonte: Elaboração própria.

149
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Categorizações

Quadro 6 – Categorias de análise

Considerações sobre
Categoria inicial Categoria final
as unidades

Aprendizagem sob Impacto negativo atra-


risco. vés do ensino virtual.

Uma perspectiva de Formação emancipató-


Receosas expectativas. ensino-aprendizagem ria entre o presente e o
solapada. futuro.

Formação escolar Educação integral


desigual. afetada.

Fonte: Elaboração própria.

Metatexto
O presente trabalho decorre de uma pesquisa sobre ensino-aprendizagem
durante o contexto de pandemia da COVID-19, sob um olhar atento do gestor
escolar mediador em seu exercício na gestão das relações de saberes pro-
duzidos por professores e estudantes do 3º ano do ensino médio regular, de
colégios públicos e privados do município de Santo Antônio de Pádua, RJ.

Nesse sentido, foi aplicado um questionário qualitativo/interpretativo,


encaminhado a professores de cada área do conhecimento, isto é, Ciências
Humanas e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Lin-
guagens, Códigos e suas Tecnologias; e Matemática e suas Tecnologias, de
modo a orientar e implicar o gestor mediador no contexto social educativo
conforme as respectivas realidades de ensino-aprendizagem.

Para tanto, foram elaboradas 5 (cinco) questões abertas que versaram sobre
as percepções de professores quanto às vantagens, críticas e dificuldades de
utilização das plataformas virtuais para a formação educacional nesse contexto
social da COVID-19 em razão dos estudantes das respectivas turmas.

150
3.6 Uma busca pelas entrelinhas da interpretação:
ensino-aprendizagem sob mediação

Dentre as (5) cinco questões, selecionamos (1) uma questão igualmente


aplicada para professores tanto da rede privada de ensino quanto da rede
pública, a fim de realizar a atividade de Análise Textual Discursiva (ATD).1

As etapas de construção de análise da questão acima são oriundas dos


processos de ATD, uma vez que esta última permite aos pesquisadores
[...] desconstruírem e reconstruírem conceitos, com
unitarização, categorização e produções escritas deri-
vadas de suas análises e sínteses. No desconstruir e no
esforço reconstrutivo, explodem novas compreensões,
sempre com intensa participação e autoria (MORAES,
2003, p. 200).

A partir desse prisma teórico e metodológico, a questão escolhida para


análise, proveniente do questionário já citado acima, aparece como um exer-
cício de aprofundamento, de esquadrinhamento e, por conseguinte, de inter-
pretação que extrapole um primeiro olhar sobre as respostas obtidas de um
respondente, pois:
Realizar uma ATD é pôr-se no movimento das ver-
dades, dos pensamentos. Sendo processo fundado na
liberdade e na criatividade, não possibilita que exista
nada fixo e previamente definido. Exige desfazer-se de
âncoras seguras para se libertar e navegar em paragens
nunca antes navegadas. É criar os caminhos e as ro-
tas enquanto se prossegue, com toda a insegurança e
incerteza que isso acarreta. Ainda que o caminho fi-
nalmente resultante seja linear, por força da linguagem
em que precisa ser expresso, em cada ponto há sempre
infinitas possibilidades de percursos. Daí mais uma ra-
zão de segurança e angústia. Envolver-se com a ATD
requer do pesquisador assumir uma viagem sem mapa,
aceitar o desafio de acompanhar o movimento de um
pensamento livre e criativo, de romper com os cami-
nhos já prontos para construir os próprios [...] (MO-
RAES; GALIAZZI, 2016, p. 188).

1 Esta atividade é decorrente de um curso on-line de Análise Textual Discursiva (ATD),


com aulas síncronas e assíncronas, ministrado pelos professores Valéria de Souza Marce-
lino e Arthur Rezende da Silva entre os meses de novembro e dezembro de 2021.

151
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

É, assim, reforçar o caráter autoral de quem está pesquisando, construin-


do e reconstruindo as interpretações em busca de significações que conferem
sentidos ao objetivo da pesquisa. Diante do exposto, organizamos esta ativi-
dade sob pilares característicos da ATD, isto é:

a. destacando as unidades empíricas e teóricas, e, em seguida, aplicando


uma reescrita da citação direta em referência às unidades;

b. codificando-as através de legendas sob ordens numéricas de 01 a 03 e


sob nossas iniciais maiúsculas. Essa unitarização implicou, pois, frag-
mentar o texto, atribuindo-lhe um sentido coerente com os trechos
literais do texto da questão em análise;

c. categorizá-las na medida em que foram postas as considerações e as


categorias inicial e final. Na categorização, construiu-se a compreen-
são pelas múltiplas leituras realizadas do texto da questão em análise;

d. mover-se pelo desejo de construir o metatexto a partir da argumenta-


ção estabelecida no processo de análise e organização textuais.

As categorias que serão aqui discutidas fazem referência a questões igual-


mente oferecidas a professores das redes de ensino privada e pública do mu-
nicípio de Santo Antônio de Pádua, RJ, de modo que as mesmas indagações
apresentadas às redes de ensino fossem analisadas sob respostas distintas e, por-
tanto, oferecessem parâmetros para uma discussão pedagogicamente orientada.

Categoria 1: desafios pedagógicos ante professores e estudantes


No processo de unitarização da ATD, sublinhamos três aspectos, des-
tacados nas “considerações sobre as unidades” e na “categoria inicial”, que
nortearam um sentido para a resposta da respectiva questão. São eles:

a. percepção docente sobre a formação escolar dos discentes: avaliação


escolar para além de métricas padronizadas;

b. inquietação pedagógica: a formação integral no ensino-aprendizagem;

c. proposição afirmativa do espaço pedagógico socialmente relacionável:


o impacto das interações sociais no espaço escolar.

No primeiro aspecto, apresentamos uma preocupação pedagógica sobre


o processo avaliativo escolar que extrapola uma concepção simétrica, não

152
3.6 Uma busca pelas entrelinhas da interpretação:
ensino-aprendizagem sob mediação

orientada metodologicamente por uma suposta teoria de avaliação escolar


que se pretenda unificável, universal e unicamente quantificável, mas, ao
contrário, em busca de um processo avaliativo que se remeta à experiência
no/com o pedagógico, no sentido de abrir para as intenções implícitas no es-
paço escolar enquanto “um texto para ser constantemente lido, interpretado,
escrito e reescrito” (FREIRE, 2011, p. 66).

No segundo aspecto, encontramos uma “inquietação pedagógica” em


razão de uma formação integral no espaço escolar, de modo a propor aos
estudantes processos formativos que os formem enquanto cidadãos e profis-
sionais. Assim, pensar em formação integral no ensino-aprendizagem está
para além de uma concepção de “interação social” entre indivíduos, mas,
claro, não negando tal importância. Entretanto, formação integral, no espaço
escolar, pode ser pensada como um compromisso com o(a) cidadão(ã) e pro-
fissional que será formado(a) enquanto
um agente político, para compreender a realidade e ser
capaz de ultrapassar os obstáculos que ela apresenta,
de pensar e agir na perspectiva de possibilitar trans-
formações políticas, econômicas, culturais e sociais
imprescindíveis para a construção de um outro mundo
possível (BRASIL, 2010, p. 33).

Nesse sentido, formação integral significa não somente uma interação


social entre indivíduos, mas também possui um significado que remete à
razão de ser para uma formação integral: a capacidade de promover (re)
leituras do mundo à sua volta.

No terceiro aspecto, igualmente verificamos uma ênfase nas “interações


sociais”, ou seja, enquanto um fator crucial para se afirmar o caráter rela-
cional no espaço escolar. Sendo assim, Freire (1977) enfatiza que não se
constrói autonomia sem “dialogação”. Não obstante o elemento de imersão
nos ambientes virtuais educativos ter seu lugar privilegiado, as interações
sociais permitem processos dialógicos que confrontam as teias digitais nas
quais estudantes se enredam, de modo a dar voz ao socialmente relacional
em detrimento do virtualmente pessoal.

153
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Categoria 2: formação emancipatória entre o presente e o futuro

Assim como na Categoria 1, sublinhamos três aspectos, destacados nas


“considerações sobre as unidades” e na “categoria inicial”, a fim de nortear o
processo de significação do respectivo exercício de unitarização da questão
proposta. São eles:

a. aprendizagem sob risco: impacto negativo através do ensino virtual;

b. receosas expectativas: uma perspectiva de ensino-aprendizagem


solapada;

c. formação escolar desigual: educação integral afetada.

No primeiro aspecto, percebemos um potencial de discussão referente


à aprendizagem em movimentos negativos, uma vez que o(a) professor(a)
respondente levanta possibilidades de enxergar as discrepâncias experi-
mentadas por estudantes de um colégio público.

Esse impacto negativo através do ensino virtual poderia trazer uma re-
flexão sobre o espaço escolar enquanto um ambiente pedagógico que in-
corpora os problemas sociais e reflete as desigualdades em sociedade, princi-
palmente porque o texto do questionário está inserido em um contexto social
emergente e que reivindica políticas educacionais democráticas. Por exemplo,
um contexto social escolar que carece de uma acessibilidade às tecnologias,
de intervenções socioeconômicas etc.

No segundo aspecto, as receosas expectativas das quais estamos aqui tra-


tando dizem respeito aos impactos nas práticas educativas oriundos de um
contexto social de pandemia. Tais impactos são caracterizados pelos tipos
de ações pedagógicas estabelecidas no ensino-aprendizagem, de modo que
estas modelam parâmetros comportamentais, psicopedagógicos, entre outros,
e que são capazes de transformar, coercitivamente, modos de pensar, sentir
e agir de estudantes e professores ante dinâmicas de dependências “tecnope-
dagógicas” (FÜHR, 2019).

Por seu turno, no terceiro aspecto nos debruçamos a identificar o teor da


resposta que se apresenta com uma afirmação sobre as consequências que
emergem de uma pandemia em direção ao contexto social escolar e, em es-
pecífico, à aprendizagem dos estudantes.

154
3.6 Uma busca pelas entrelinhas da interpretação:
ensino-aprendizagem sob mediação

As dificuldades dos estudantes, tanto cognitivas quanto socioeconômicas,


que se têm como resposta à questão, convidam-nos a pensar sobre um pro-
cesso formativo desigual que atravessa a rede de ensino pública brasileira.
Significa, pois, repensar o sistema educativo público enquanto protetor, pro-
vedor e incentivador da presença das classes sociais populares na luta pela
superação das injustiças sociais (FREIRE, 2001), de modo a interromper com
a educação integral afetada pelas desigualdades em razão de uma formação
emancipatória que atua no presente e prepara para o futuro.

Diante da temática sobre as tecnologias que penetram as redes de ensino


pública e privada, percebemos uma oportunidade de repensar não somente
do que é constituído o ensino-aprendizagem, mas como ele mesmo é estrutu-
rado. Conforme destaca Nóvoa (2020), essa disseminação tecnológica digital
aparece como uma lição importante da crise, que deve levar a promover uma
maior autonomia e liberdade dos professores.

Nóvoa (2020) ainda reforça que nada pode substituir a colaboração en-
tre professores, cuja função não é aplicar tecnologias prontas ou didáticas
apostiladas para os estudantes, mas assumir plenamente o seu papel de cons-
trutores do conhecimento e da pedagogia. As capacidades de iniciativa, de
experimentação e de inovação manifestadas durante a pandemia devem ser
alargadas e aprofundadas no futuro, como parte de uma nova afirmação pro-
fissional dos professores e dos significados conjugados com os estudantes.

Mediar, portanto, os desafios que aparecem para o contexto educacional é


uma lição de constante acompanhamento e internalização racional e afetiva
da pedagogia escolar. Essa internalização não é possível ser quantitativamen-
te avaliada, mas pode ser estruturalmente orientada pelos sentidos trazidos
pelas narrativas de experiências.

Considerações finais

Este trabalho de Análise Textual Discursiva (ATD) permitiu olhares mais


detidos para as entrelinhas no ato de interpretação, uma vez que a ATD se pro-
põe a “descrever e interpretar alguns dos sentidos que a leitura de um conjunto
de textos pode suscitar” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 14) e, ainda, oferecer
um “examinar de textos em seus detalhes, [...] atingir enunciados referentes aos
fenômenos estudados” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 11), buscando, assim,
o cuidado de se manter o contexto de onde o fragmento foi retirado.

155
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Por fim, os desafios e as ambiguidades de um século permeado pela ve-


locidade e profundidade de descobertas técnico-científicas não podem apa-
gar o sentido de uma educação mediada pela humanização das experiências
narradas. O sharing de leituras, sentimentos e percepções é o que constrói o
ensino-aprendizagem – a educação!

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecno-
logia: um novo modelo em educação profissional e tecnológica: concepção e dire-
trizes. Brasília, DF: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica, 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=6691-if-concepcaoediretrizes&category_slug=se-
tembro-2010-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 10 jun. 2022.
FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. 2.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, Paulo. Política e Educação: ensaios. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
FÜHR, R. C. Educação 4.0: nos impactos da quarta revolução industrial. Curitiba:
Appris, 2019.
HARAWAY, D. et al. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo
Horizonte: Autêntica, 2009.
MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual
discursiva. Ciência & Educação, [s. l.], v. 9 n. 2, p. 191-211, 2003.
MORAES, R.; GALIAZZI, M. do C. Análise textual discursiva. 3. ed. Ijuí: Unijuí,
2016.
NÓVOA, A. A pandemia de Covid-19 e o futuro da Educação. [Entrevista cedida a] Re-
vista Com Censo. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal, [s.
l.], v. 7, n. 3, p. 8-12, 2020. Disponível em: http://periodicos.se.df.gov.br/index.php/
comcenso/article/view/905/551. Acesso em: 10 jun. 2022.

156
3.7 A formação exigida do professor do
atendimento educacional especializado
em Minas Gerais
Heloisa Fernanda Francisco Batista
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.7

Contextualizando
A inclusão de estudantes público da educação especial (PAEE) tem ga-
nhado notoriedade, em âmbito nacional e internacional, nas últimas décadas.
São inúmeros os documentos que preconizam o direito e acesso desses es-
tudantes em todos os espaços da sociedade, principalmente nos ambientes
educacionais, proporcionando que sejam cidadãos ativos e autônomos (ONU,
1949, 1994; UNESCO, 1990; BRASIL, 1988, 1990, 1996, 2008, 2014, 2015).

Além de documentos norteadores de nível nacional, pode-se ainda citar os


documentos elaborados por estados e munícipios que orientam a comunidade
escolar com relação aos aspectos fundamentais que direcionam professores
regentes de turmas e aulas, professores do Atendimento Educacional Espe-
cializado (AEE), supervisores pedagógicos e gestores escolares. No estado
de Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG) apresenta
como documento norteador a Resolução SEE/MG 4.256/2020, que estabelece
as diretrizes para que ocorra sua regulamentação e estruturação. Deve-se
observar que a educação especial é uma modalidade transversal de educação
escolar que perpassa todos os níveis de ensino e modalidades, sendo ofertada
preferencialmente na rede regular de ensino (MINAS GERAIS, 2020a).

157
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

A SEE/MG está representada no estado em 47 Superintendências Regio-


nais de Ensino (SREs) e diversos polos de qualificação para o corpo escolar,
como: Centro de Apoio à Pessoa com Deficiência Visual (CAP), núcleos de
capacitação na área de deficiência visual, Centros de Apoio à Pessoa com
Surdez (CAS) e núcleos de capacitação na área de deficiência auditiva. Além
disso, conta com diversas equipes de formação, provenientes de escolas esta-
duais, que atuam nas áreas de deficiência intelectual, disfunção neuromotora
(deficiência física) e autismo (MINAS GERAIS, 2020a).

Faz-se necessário que o corpo docente esteja preparado para atuar em


turmas cada vez mais diversificadas, tendo como princípio a oferta de uma
educação inclusiva que abarque todos os estudantes. Pensando no processo
de inclusão de estudantes PAEE e a oferta de uma educação que possibilite a
formação desse indivíduo para além de conteúdos acadêmicos, é importante
a presença de um profissional com formação direcionada à educação especial
que também possa auxiliar os docentes de turmas regulares.

A educação especial inclusiva busca garantir diversos direitos, que se cons-


tituem como princípios norteadores, entre eles: obtenção de conhecimentos a
partir do início da vida escolar; oferta de educação de qualidade, igualitária,
equitativa e pautada no respeito e na admissão de uma diversidade humana;
ingresso e permanência no ambiente escolar com meios que propiciem os pro-
cessos de ensino e aprendizagem, em todos os níveis de ensino; garantia do
AEE, bem como serviços e recursos acessíveis (MINAS GERAIS, 2020a).

Para que ocorra um efetivo processo de inclusão, é fundamental que os


professores tenham formação inicial e/ou continuada que vislumbre um olhar
mais aguçado e humanizado para os diversos cenários possíveis. O profes-
sor exerce o papel principal na promoção de uma educação e formação do
estudante, uma vez que é o elo entre o estudante e o ambiente escolar. Para
isso, é imprescindível que sejam realizados diálogos e aproximações entre
as instituições de ensino superior e a educação básica (CRUZ; GLAT, 2014).

Buscando analisar a formação escolar e especializada dos professores que


atuam no AEE, em especial no cargo de professor de apoio à comunicação,
linguagem e tecnologias assistivas da rede pública de ensino de Minas Gerais,
foram realizados um estudo das últimas resoluções de contratação temporária
(designação) desses profissionais e um comparativo do quantitativo de inscritos
com relação à formação declarada. Assim, o corpus da pesquisa foi constituído

158
3.7 A formação exigida do professor do atendimento
educacional especializado em Minas Gerais

pelas resoluções publicadas pela SEE/MG entre os anos de 2018 e 2021, relativas
aos anos letivos de 2019 e 2022 (MINAS GERAIS, 2021a, 2021b, 2019, 2018).

A análise de tais documentos foi baseada na Análise Textual Discursiva


(ATD), de Roque e Galiazzi. A ATD é tida como uma abordagem de análise
de dados que trafega entre a Análise de Conteúdo e a Análise do Discurso,
sendo iniciada com a unitarização de textos em unidades de significado, que
podem apresentar outros conjuntos de unidades que levam em considera-
ção os diálogos empíricos, teóricos e as análises realizadas pelo pesquisador
(ROQUE; GALIAZZI, 2006).

Formação esperada do candidato ao cargo de professor de AEE


em Minas Gerais

O acesso ao AEE é um direito assegurado ao estudante PAEE pelo Decre-


to nº 7.611, que delega à União o dever de fornecer apoio técnico e financeiro
às instituições de ensino municipais, estaduais e distritais, além das institui-
ções do tipo comunitária, confessionais ou filantrópicas que não tenham fins
lucrativos. Esse decreto tem por objetivo expandir a oferta desse serviço aos
estudantes matriculados na rede pública de ensino, proporcionando melhorias
no atendimento das equipes multifuncionais, a aquisição de equipamentos e
mobiliários para salas de recursos, formação continuada para professores,
gestores e demais membros do corpo escolar, formação de núcleos de acessi-
bilidade e adequações arquitetônicas (BRASIL, 2011).

Em Minas Gerais, assim como nas demais unidades federativas, para que
se possa atuar com estudantes PAEE, é necessário que o profissional do AEE
tenha em sua formação inicial e/ou continuada elementos que o habilitem a
desempenhar as atividades com esse público, uma vez que é imprescindível
que esteja munido de ferramentas metodológicas que possam auxiliá-lo no
processo de inclusão escolar. Os profissionais do AEE devem ter uma for-
mação ampla, que proporcione um olhar mais atento às necessidades dos
estudantes PAEE (MINAS GERAIS, 2020a).

A SEE/MG apresenta, em seus documentos norteadores, a Resolução SEE


nº 4.256/2020 (MINAS GERAIS, 2020a) e as resoluções que vigoraram du-
rante os anos letivos de 2019 e 2022, apresentadas nos quadros 1 e 2. Esses
documentos apresentam os pré-requisitos e as formações escolares e especia-
lizadas para atuação dos profissionais junto aos estudantes PAEE no AEE. A

159
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

formação escolar diz respeito aos cursos de formação inicial, em sua maioria
referentes à graduação, enquanto a formação especializada se refere a cursos
específicos para atuação na educação especial, desde graduação em educação
especial a cursos de extensão.

As resoluções de designação são publicadas anualmente e estabelecem quais


são as formações exigidas e as prioridades para classificação dos candidatos.
No quadro 1, são apresentados os requisitos de formação escolar e, no quadro 2,
de formação especializada requeridas nas últimas quatro resoluções publicadas
entre 2018 e 2021. Ressalta-se que, durante o período de distanciamento social,
duas resoluções, relativas ao regime de atividades não-presenciais, foram publi-
cadas no ano de 2021: uma referente ao ano letivo de 2021 e outra ao de 2022.

O corpus da pesquisa está disposto nos quadros abaixo e as unidades de


análise estão realçadas em negrito. Tal disposição foi escolhida para que os
critérios adotados pela SEE/MG fossem visualmente melhor apresentados,
assim como o corpus.

Quadro 1 – Critérios de formação escolar para


o atuar como professor no AEE (continua)

Resolução Resolução Resolução Resolução


Classifi-
SEE nº 3.995 SEE nº 4.230 SEE nº 4.475 SEE nº 4.673
cação
(2018) (2019) (2021) (2021)

- Licenciatura
plena em
qualquer área
do conheci-
mento ou
- Curso
superior - Licenciatura - Licenciatura - Licenciatura
(bacharelado plena em plena em plena em
1ª ou tecnólogo), Pedagogia Pedagogia Pedagogia
acrescido de ou Normal ou Normal ou Normal
formação pe- Superior. Superior. Superior.
dagógica para
graduados
não licencia-
dos em qual-
quer área do
conhecimento.

160
3.7 A formação exigida do professor do atendimento
educacional especializado em Minas Gerais

Quadro 1 – Critérios de formação escolar para


o atuar como professor no AEE (continua)

- Licenciatura - Licenciatura - Licenciatura


plena nas plena nas plena nas
demais áreas demais áreas demais áreas
do conheci- do conheci- do conheci-
mento ou mento ou mento ou
- Bacharelado - Bacharelado - Bacharelado
ou tecnológi- ou tecnológi- ou tecnológi-
- Licenciatu- co, acrescido co, acrescido co, acrescido
ra curta em de curso de de curso de de curso de
2ª qualquer área formação pe- formação pe- formação pe-
do conheci- dagógica para dagógica para dagógica para
mento. graduados graduados graduados
não licencia- não licencia- não licencia-
dos (realizado dos (realizado dos (realizado
nos termos nos termos nos termos
da legislação da legislação da legislação
específica), específica), específica),
em qualquer em qualquer em qualquer
área do área do área do
conhecimento. conhecimento. conhecimento.

- Licenciatura - Licenciatura - Licenciatura


curta em qual- curta em qual- curta em qual-

quer área do quer área do quer área do
conhecimento. conhecimento. conhecimento.

4ª - Curso
superior - Bacharelado - Bacharelado - Bacharelado
Autoriza- (bacharelado ou tecnológi- ou tecnológi- ou tecnológi-
ção para ou tecnólogo) co em qual- co em qual- co em qual-
lecionar em qualquer quer área do quer área do quer área do
(1ª priori- área do conhecimento. conhecimento. conhecimento.
dade) conhecimento.

Matrícula e Matrícula e Matrícula e Matrícula e


frequência frequência a frequência frequência a
5ª em um dos 3 partir dos 3 em um dos 3 partir dos 3
Autoriza- (três) últimos (três) últimos (três) últimos (três) últimos
ção para períodos em períodos períodos em períodos
lecionar curso de licen- em curso de curso de licen- em curso de
(2ª priori- ciatura plena licenciatura ciatura plena licenciatura
dade) em qualquer em qualquer em qualquer em qualquer
área do área do área do área do
conhecimento. conhecimento. conhecimento. conhecimento.

161
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 1 – Critérios de formação escolar para


o atuar como professor no AEE (conclusão)

Matrícula e Matrícula e Matrícula e Matrícula e


frequência frequência frequência a frequência
6ª a partir do a partir do partir do 3º a partir do
3º período, 3º período, período, exce- 3º período,
Autoriza- exceto nos 3 exceto nos 3 to nos 3 (três) exceto nos 3
ção para (três) últimos, (três) últimos, últimos, em (três) últimos,
lecionar em curso de em curso de curso de licen- em curso de
(3ª prio- licenciatura licenciatura ciatura plena licenciatura
ridade) em qualquer em qualquer em qualquer em qualquer
área do área do área do área do
conhecimento. conhecimento. conhecimento. conhecimento.

Matrícula e Matrícula e Matrícula e Matrícula e


frequência a frequência a frequência a frequência a
7ª partir do 2º partir do 2º partir do 2º partir do 3º
Autoriza- período em período em período em período em
ção para curso de ba- curso de ba- curso de ba- curso de ba-
lecionar charelado ou charelado ou charelado ou charelado ou
(4ª prio- tecnológico, tecnológico, tecnológico, tecnológico,
ridade) em qualquer em qualquer em qualquer em qualquer
área do área do área do área do co-
conhecimento. conhecimento. conhecimento. nhecimento.

Curso Normal Curso Normal Curso Normal


8ª Curso Normal em Nível Mé- em nível mé- em Nível Mé-
Autoriza- em Nível dio – Habilita- dio – Habilita- dio – Habilita-
ção para Médio – in- ção Educação ção - Educa- ção Educação
lecionar dependente Infantil ou ção Infantil ou Infantil ou
(5ª prio- da etapa de Anos Iniciais Anos Iniciais Anos Iniciais
ridade) ensino do Ensino do Ensino do Ensino
Fundamental. Fundamental. Fundamental.

Curso em - Ensino Mé- Ensino Médio - Ensino Mé-


nível médio dio concluído concluído dio concluído
9ª – Exclusiva-
– exclusiva- – Exclusiva- – Exclusiva-
Autoriza- mente para mente para mente mente para
ção para candidatos candidatos para candida- candidatos
lecionar à função de à função de to à função de à função de
(6ª prio- Tradutor e Tradutor e Tradutor e Tradutor e
ridade) Intérprete de Intérprete de Intérprete de
Intérprete de
Libras. Libras (TILS). Libras. Libras (TILS).

Fonte: Minas Gerais (2021a, 2021b, 2019, 2018).

162
3.7 A formação exigida do professor do atendimento
educacional especializado em Minas Gerais

Quadro 2 – Critérios de formação especializada


para o atuar como professor no AEE (continua)

Resolução Resolução Resolução


Classi- Resolução SEE nº
SEE nº 3.995 SEE nº 4.230 SEE nº 4.475
ficação 4.673 (2021)
(2018) (2019) (2021)

- Licenciatu- - Licenciatu- - Licenciatu-


- Licenciatura
ra plena em ra plena em ra plena em
1ª plena em Educação
Educação Educação Educação
Especial.
Especial. Especial. Especial.

- Pós-graduação em
Educação Especial
ou Educação Inclu-
siva ou
- Pós-graduação em
Atendimento Educa-
Pós-gra- Pós-gra- Pós-gra- cional Especializado
duação em duação em duação em (da qual conste Defi-
Educação Educação Educação ciência Intelectual,
Especial ou Especial ou Especial ou Altas Habilidades,
Educação Educação Educação Superdotação,
Inclusiva ou Inclusiva ou Inclusiva ou Transtornos Globais
- Licencia- - Licencia- - Licencia- do Desenvolvimen-
tura plena tura plena tura plena to (TGD), Deficiência
em qualquer em qualquer em qualquer Múltipla e Surdoce-
2ª área do área do área do gueira, Deficiência
conheci- conheci- conheci- Sensorial: Auditiva e
mento, cujo mento, cujo mento cujo Surdez, Deficiência
histórico histórico histórico Visual: Baixa Visão e
comprove, comprove, comprove, Cegueira e Deficiên-
no mínimo, no mínimo, no mínimo, cia Física e Mobili-
360 horas de 360 horas de 360 horas de dade Reduzida) ou
conteúdos conteúdos conteúdos - Licenciatura plena
da Educação da Educação da Educação em qualquer área
Especial. Especial. Especial. do conhecimento
cujo histórico com-
prove, no mínimo,
360 (trezentas e
sessenta) horas de
conteúdos da Edu-
cação Especial.

163
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 2 – Critérios de formação especializada


para o atuar como professor no AEE (conclusão)

- 01 a 06 cur- - 01 a 06 cur- - 01 a 06 cur-


sos com, no sos com, no sos com, no
mínimo, 160 mínimo, 160 mínimo, 160
horas cada, horas cada, horas cada,
nas áreas de nas áreas de nas áreas de
deficiência deficiência deficiência - 01 a 06 cursos
intelectual, intelectual, intelectual, com, no míni-
surdez, surdez, surdez, mo, 160 (cento e
física, visual, física, visual, física, visual, sessenta) horas
múltipla e múltipla e múltipla e cada, nas áreas de
Transtornos Transtornos Transtornos deficiência intelec-
Globais do Globais do Globais do tual, surdez, física,
Desenvol- Desenvol- Desenvol- visual, múltipla e
vimento vimento vimento Transtornos Globais

(TGD), ofe- (TGD), ofe- (TGD), ofe- do Desenvolvimento
recidos por recidos por recidos por (TGD), oferecidos
instituições instituições instituições por instituições de
de ensino de ensino de ensino ensino credencia-
credencia- credencia- credencia- das, priorizando-se
das, priori- das, priori- das, priori- o candidato que
zando-se o zando-se o zando-se o comprovar maior
candidato candidato candidato número de cursos
que compro- que compro- que compro- em áreas distintas.
var maior var maior var maior
número número número
de cursos de cursos de cursos
em áreas em áreas em áreas
distintas. distintas. distintas.

Fonte: Minas Gerais (2021a, 2021b, 2019, 2018).

A partir dos dados, apresentados nas resoluções da SEE/MG, serão reali-


zados apontamentos baseados na literatura a respeito das características do
profissional que atua no AEE.

As formações escolares e especializadas requeridas pelo


processo de designação
Nos quadros 1 e 2, foram destacados, em negrito, os pontos que são apre-
sentados de forma distinta entre as resoluções de designação. No quadro 1, ob-
serva-se que o primeiro critério de classificação de formação escolar exigido

164
3.7 A formação exigida do professor do atendimento
educacional especializado em Minas Gerais

permite que qualquer profissional graduado possa atuar como professor de apoio
à comunicação, linguagem e tecnologias assistivas. Esse critério de classificação
foi alterado na Resolução SEE nº 4.230 (MINAS GERAIS, 2019), priorizando
o profissional habilitado nos cursos de Pedagogia ou Normal Superior, sendo
mantido nas resoluções seguintes.

Mendes, Cia e Cabral (2015) e Pasian, Mendes e Cia (2017) pesquisa-


ram a respeito do perfil dos profissionais que atuam na educação especial
e constataram que é composto por licenciados em Pedagogia ou em outras
licenciaturas. Ainda foi observado que o número de profissionais que têm
formação em Licenciatura em Educação Especial ou curso de Pedagogia com
habilitação em Educação Especial é ainda menor. As autoras ressaltam que o
desenvolvimento de estudos relacionados à formação do professor do AEE é
fundamental para que, a partir das dificuldades e desafios vivenciados por es-
ses profissionais, sejam desenvolvidas ações que visem auxiliar esse público.

Rossetto (2015), em sua análise a respeito da legislação norteadora do


AEE, apresenta que nos documentos legais não há uma delimitação acerca da
formação inicial do docente que irá atuar com o PAEE, mas é subentendido
que a formação específica ocorre durante o serviço, não especificando de
forma precisa sobre o curso que contemple os conhecimentos fundamentais
para que esse docente possa atuar. A autora ainda aborda que uma formação
a distância e correlacionada à desvalorização da classe que atua na educação
especial acarreta a preparação desse docente de forma emergencial, que apre-
senta a defesa de um conhecimento latente e imediatista, tendo limitações
relacionadas ao domínio da fundamentação teórica e a realidade vivenciada.

Outro aspecto enunciado a ser observado, e que merece muita atenção,


diz respeito à falta de acesso de documentos orientadores a respeito do AEE
que são disponibilizados pelo Ministério da Educação (MEC), seja por falta
de conhecimento ou falta de iniciativa para buscar esse material (MENDES;
CIA; CABRAL, 2015). A Resolução CNE/CEB nº 4/2009 apresenta, em seu
artigo 12, que esse profissional deve apresentar formação inicial em curso de
licenciatura e formação específica — chamada formação especializada no
estado de Minas Gerais —, em educação especial (BRASIL, 2009). Atual-
mente, no Brasil, o curso de Licenciatura em Educação Especial é ofertado
somente em duas universidades públicas, Universidade Federal de Santa Ma-
ria – Rio Grande do Sul e Universidade Federal de São Carlos – São Paulo.

165
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

A formação do professor do AEE é de fundamental importância, pois esse


docente irá conhecer os diversos processos educativos, devendo compreender
e realizar intervenções nas práticas educativas que envolvam os estudantes
PAEE. Além disso, essa profissão apresenta grande complexidade e necessita
que haja, por parte do docente, paciência, dedicação e a busca por conheci-
mentos que propiciem mudanças em sua prática e na do professor regente
(FONSECA, 2021).

Outro ponto relevante é a presença de cursos de licenciatura de curta dura-


ção como critério de classificação para o ano letivo de 2019, porém, posterior-
mente, esse tipo de curso foi extinto desses critérios. Esses cursos haviam sido
criados devido à necessidade apresentada em determinado contexto histórico
em que a formação desses professores ocorria de forma mais rápida, tendo uma
carga horária inferior em relação à licenciatura plena. Os docentes licenciados
por estes cursos estavam habilitados a atuarem em turmas do ensino funda-
mental anos iniciais e anos finais. Os cursos de licenciatura de curta duração
foram liberados pela Lei 5.692 (BRASIL, 1971) e, posteriormente, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (BRASIL, 1996) os extin-
guiu. Porém, os licenciados nesses cursos ainda conseguem exercer a docência.

As resoluções ainda preveem a possibilidade de candidatos não graduados


participarem das designações e atuarem como professores na rede. Para isso,
são apresentadas algumas características dessas possibilidades e suas respec-
tivas ordens de prioridade. As principais diferenças entre as resoluções são:

a. Resolução SEE nº 4.673 (2021): modifica o período que o estudante de


cursos tecnólogos ou bacharelados pode participar das designações, do
segundo para o terceiro período, na quarta prioridade;

b. Resolução SEE nº 3.995 (MINAS GERAIS, 2018): traz, na quinta prio-


ridade, a formação em Curso Normal em Nível Médio – independente
da etapa de ensino, porém, nas resoluções seguintes, é apresentada a
necessidade de ter habilitação em Educação Infantil ou Anos Iniciais
do Ensino Fundamental.

No que tange à formação especializada, é unanime a prioridade para a


Licenciatura em Educação Especial e os demais critérios de prioridade vão
de especialização lato sensu em Educação Especial ou Educação Inclusiva a
cursos do tipo extensão. A novidade apresentada na Resolução SEE nº 4.673

166
3.7 A formação exigida do professor do atendimento
educacional especializado em Minas Gerais

(MINAS GERAIS, 2021a) é a inserção de outros cursos de especialização


lato sensu na segunda prioridade de formação especializada.

A classificação final dos participantes na listagem de designação é com-


posta pela formação escolar acrescida da formação especializada, levando
em consideração as prioridades de classificação de cada uma. Por exemplo,
terá melhor classificação o candidato que apresentar formação escolar em
Pedagogia ou Normal Superior acrescido de formação especializada em
Licenciatura em Educação Especial, enquanto terá a última classificação o
candidato com formação escolar em Curso Normal em Nível Médio – Habili-
tação Educação Infantil ou Anos Iniciais do Ensino Fundamental com forma-
ção especializada em 01 curso com, no mínimo, 160 (cento e sessenta) horas
cada, nas áreas listadas. As demais possibilidades de classificação são obti-
das a partir da combinação da formação escolar e formação especializada.

Outro fator que contribuiu para a classificação do candidato é o tempo


de serviço, no cargo que concorre, realizado na rede estadual de Minas Ge-
rais. Ainda são publicadas, posteriormente, as etapas de designação, sendo
possível que candidatos habilitados e não-inscritos possam participar das de-
signações, além de informar a partir de qual edital de vaga é permitido que
candidatos não-habilitados podem participar.

Nos últimos dois anos, houve um aumento no quantitativo de candidatos


licenciados em Educação Especial, sendo provável a influência dos crité-
rios de prioridade das resoluções de Minas Gerais. Dessa forma, as pessoas
interessadas em cursar essa licenciatura buscam desenvolver seus estudos
em universidades ou faculdades particulares, que ofertam a versão de qua-
tro anos de curso para primeira graduação ou a versão de dois anos, ou até
mesmo um ano, para segunda licenciatura, normalmente na modalidade de
educação à distância, pois, no estado de Minas Gerais, não há universidade
pública que oferte esse curso.

Segundo Marinho e Omote (2017), inicialmente o processo de escolariza-


ção de estudantes PAEE era designado a professores licenciados em Pedago-
gia, porém, com as atuais mudanças em documentos (municipais, estaduais e
federais) licenciados em outras áreas do conhecimento também se tornaram
responsáveis pela escolarização desses estudantes. Porém, ainda há carências
na formação, inicial e continuada, de professores que os auxiliem no desen-
volvimento de atividades com estudantes PAEE (MANZINI, 2018).

167
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

É importante que o futuro docente tenha contato com situações que o pre-
parem para realizar reflexões e indagações relacionadas a seus valores e atitu-
des e a forma como estes influenciam seus estudantes. Assim, o maior desafio
é a mudança das percepções e julgamentos a respeito da educação inclusiva e
da educação especial, que, usualmente, estão fundamentados no senso comum.
Dessa forma, será possível o desenvolvimento de práticas pedagógicas que pro-
movam um ensino de qualidade para todos (MARINHO; OMOTE, 2017).

São inúmeras as dificuldades encontradas em relação à formação de pro-


fessores. Por exemplo, ausência de habilitação específica de professores do
ensino regular para atuar com esses estudantes junto com a falta de preparo
dos professores da educação especial que ainda não estão preparados para
atuar em salas comuns, além da ausência do desenvolvimento de trabalho
colaborativo entre os docentes (PLETSCH; BRAUN, 2015).

O processo de designação no estado de Minas Gerais

Em 2007, foi implementada a Lei Complementar 100/2007, que tinha


como objetivo “corrigir uma injustiça” com os profissionais da educação
de Minas Gerais. Com essa Lei Complementar, aproximadamente cem mil
servidores que estavam atuando como designados foram “efetivados” sem a
realização de concurso público. Porém, em 2014, o Supremo Tribunal Federal
(STF) julgou essa lei inconstitucional, pois fere a regra do concurso público,
uma vez que o art. 37, inciso II, da Constituição Federal do Brasil (BRASIL,
1988), anuncia que o provimento de cargos no serviço público deve ocorrer
por meio de aprovação em concurso público (LEI..., 2014).

Para compor o quadro do magistério da rede pública de ensino, o estado de


Minas Gerais realiza o processo de contratação temporária de servidores por
meio de inscrições, geralmente anuais, que levam em consideração a formação
escolar, especializada, tempo de serviço no magistério para o cargo que con-
corre e idade do participante. A resolução que irá vigorar para as designações
do ano escolar seguinte, normalmente, é apresentada no final do ano vigente.
Nesse documento, são apresentados os critérios para todos os cargos da edu-
cação básica no estado, podendo apresentar alterações de um ano para o outro.

Esse mesmo processo de contratação de servidores também foi julgado


inconstitucional pelo STF via Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
5.267, que teve como relator o Ministro Luiz Fux, no ano de 2020 (BRASIL,

168
3.7 A formação exigida do professor do atendimento
educacional especializado em Minas Gerais

2020b). Apesar do estado ter sido notificado a respeito da inconstituciona-


lidade que ocorre no processo de designação, essa prática continua sendo
executada. Em 2017, foi realizado concurso público para docentes da rede
estadual de Minas Gerais, mas não foram contempladas as funções de pro-
fessor do AEE (Apoio à Comunicação, Linguagens e Tecnologias Assistivas,
Tradutor-Intérprete de Libras, Sala de Recursos e Guia-Intérprete).

Essa situação escancara o descaso por parte do governo estadual com


estudantes PAEE e professores habilitados a atuarem no AEE, uma vez que
a constante mudança nos critérios de prioridade para designação muda de
um ano para outro. Assim, esses profissionais devem investir constante-
mente em cursos de graduação, pós-graduação ou de extensão que possibi-
litem uma melhor classificação para que este candidato esteja “empregado”
no ano seguinte.

Segundo dados apresentados no Relatório do 3º Ciclo de Monitoramen-


to das Metas do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2020a), atualmente
59,2% das redes estaduais de ensino têm em seu quadro professores efetivos.
Um dado alarmante sobre o estado de Minas Gerais é o fato de somente 34,5%
dos professores serem efetivos, apresentando o segundo pior cenário no país.

Outro fator preocupante é em relação à ausência de sentimento de per-


tencimento ao ambiente escolar, uma vez que é um profissional de passagem
pelo local, e da união de classe, pois dificulta que ocorram diálogos e ações,
como paralisações e greves, para que sejam reivindicados os direitos dos pro-
fissionais da educação (SILVA; GOMES; MOTTA, 2020). Assim, os docen-
tes estão à mercê da boa vontade do governo estadual, na figura da SEE/MG.

Pode-se ressaltar ainda a importância do desenvolvimento de uma cultura


colaborativa no ambiente de trabalho, uma vez que a ideia de colaboração
entre docentes e seu desenvolvimento deve ser amparada por alguns pontos
importantes, já abordados por outros pesquisadores. Dentre eles, pode-se ci-
tar como padrões de interação:

a. criação de oportunidades de aprendizagem entre os docentes;

b. ocorrência de processos que influenciem a relação entre docentes e a


escolha de colegas para que ocorram interações no âmbito profissional;

c. estruturação de um ambiente de forma que os professores se sintam


seguros e apoiados.

169
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Outros fatores importantes abordados são as funções da colaboração entre


os docentes para que se possa desenvolver a aprendizagem profissional, como a

(1) produção, aquisição e gestão de conhecimento pe-


los professores, quer da prática, quer para a prática;
(2) desenvolvimento de uma linguagem partilhada e
de padrões de qualidade coerentes e (3) sustentação de
uma cultura de escola, evitando que as práticas nave-
guem ao sabor das “modas educativas” e que os do-
centes enveredem por formas de trabalho totalmente
individualizadas (LIMA; FIALHO, 2015, p. 30).

Nesse contexto, pode-se observar que a ideia de colaboração entre professo-


res parte do princípio da eliminação dos processos individualistas, sendo preco-
nizada a busca pela participação de diversos docentes que buscam se auxiliar na
construção de e partilha de conhecimentos. Além disso, é necessário que haja a
prevalência de um ambiente em que esse profissional se sinta seguro e apoiado
para que melhor possa desenvolver suas interações e propostas de prática.

Alguns apontamentos

A formação inicial e/ou continuada, apresentada nos metatextos como


formação escolar e especializada, faz-se necessária, pois a educação está em
constante transformação e movimento. Frequentemente, há novas propostas
de desenvolvimento da prática docente, documentos públicos norteadores
que são revistos ou criados, dentre outras situações. Em relação à formação
continuada para atuação com estudantes PAEE, esta se faz necessária, prin-
cipalmente pelo crescente aumento no quantitativo de matrículas de estudan-
tes PAEE e pela ausência da abordagem dessa temática na maioria dos cursos
de licenciatura (formação inicial).

A formação requerida para que professores do AEE possam atuar na rede


estadual de Minas Gerais é anunciada em resolução publicada anualmente, que
pode sofrer alterações. A incerteza se haverá ou não mudanças nas resoluções
seguintes força esse profissional a realizar diversos cursos buscando uma me-
lhor classificação na designação do ano letivo seguinte, exigindo ainda uma
vasta formação especializada.

Observa-se que a legislação nacional vigente ainda deixa brechas em


relação à formação desse profissional para atuação com estudantes PAEE.

170
3.7 A formação exigida do professor do atendimento
educacional especializado em Minas Gerais

Pode-se listar, como dificuldades experimentadas na formação no contexto


atual, limitações e fragilidades da formação inicial, necessidade de aproxi-
mação da universidade e a educação básica e baixa qualidade nos cursos.

Inúmeros pesquisadores pontuaram as dificuldades na caracterização des-


se profissional nos últimos anos, uma vez que até os documentos nacionais
apresentam brechas ou ausência de informação sobre essa formação necessá-
ria. É importante observar a ausência de concursos públicos que contemplem
esse cargo da rede estadual de Minas Gerais, mostrando a falta de compro-
misso do governo com esses profissionais e estudantes PAEE, o que implica
uma descontinuidade danosa ao desenvolvimento dos trabalhos pedagógicos.

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171
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

BRASIL. Lei 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação


- PNE e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2014. Disponí-
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172
3.7 A formação exigida do professor do atendimento
educacional especializado em Minas Gerais

MINAS GERAIS. Resolução SEE nº 4.256/2020. Institui as Diretrizes para normatiza-


ção e organização da Educação Especial na rede estadual de Ensino de Minas Gerais.
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convocação para o exercício de funções do Quadro do Magistério na Rede Estadual
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173
3.8 Práticas e sinuosidades na
articulação Estado-sociedade civil
na gestão de políticas públicas em
Moçambique
Reginaldo Ernesto Nhachengo
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.8

A análise qualitativa demanda, muitas vezes, o processamento de dados


de natureza textual-descritiva. A Análise Textual Discursiva (ATD) é uma
das metodologias contemporâneas para o tratamento deste tipo de dados. A
metodologia foi originalmente proposta por Roque Moraes (2003) e poste-
riormente desenvolvida em parceria com Maria do Carmo Galiazzi (2007).
Este capítulo emana da aplicação teórico-prática que marca o culminar do
curso em tal metodologia, uma vez que enfatizou ambos os componentes da
teoria e da prática1. O material empírico analisado foi obtido através de en-
trevistas semiabertas realizadas em instituições do Estado de Moçambique,
organizações da sociedade civil, partidos políticos com assento no parlamen-
to e instituições acadêmicas. O objetivo é, por meio da ATD, compreender as
práticas e sinuosidades presentes na articulação entre o Estado e a sociedade
civil no processo de gestão de políticas públicas em Moçambique.

1 O curso, organizado e ministrado virtualmente pelos professores doutores Valéria de Sousa


Marcelino e Arthur Rezende da Silva, ambos do Instituto Federal Fluminense, entre 10 e 24
de Novembro de 2021, tinha em vista abordar os fundamentos teóricos e práticos da ATD.

174
A leitura impregnada do conteúdo discursivo desse material empírico per-
mitiu a sua unitarização, resultando na identificação de treze categorias ini-
ciais, designadamente: desconfiança do governo em relação à sociedade civil,
instrumentalização externa da sociedade civil para dominação do Estado, cul-
tura política de desconfianças mútuas, corrosão dos mecanismos democráti-
cos de participação, manifestações violentas, cerceamento do espaço cívico-
-institucional, controle do fluxo de informação, mecanismos alternativos de
participação, direito constitucional de manifestação e educação para cidadania
política. Estas foram agrupadas, em função da sua parecença, em três grupos,
originando igualmente três categorias intermediárias: organizações da socie-
dade civil como extensão de interesses externos, corrosão do sistema de demo-
cracia participativa e mecanismos alternativos de participação.

A condensação das três categorias intermediárias permitiu, finalmente, a


emergência de uma categoria final de análise, intitulada Crise da democracia
deliberativo-participativa em Moçambique (vide quadro 1 abaixo). A demo-
cracia participativa constitui um modelo contemporâneo de democracia no
qual múltiplos atores sociopolíticos são inclusos nos processos decisórios e
de gestão das políticas públicas. Como Held (1987, p. 235-236) explica, é um
“sistema de tomada de decisões sobre assuntos públicos no qual os cidadãos
estão diretamente envolvidos”. Nesse sentido, a crise significa o desvirtua-
mento desta lógica de inclusão efetiva nos processos de tomada de decisão.

Quadro 1 – Identificação de categorias de análise (continua)

Categorias iniciais em função das unidades Categorias Categoria


empíricas intermediárias final

Desconfiança do governo em relação à


Organização da Sociedade Civil (OSC)
(E21-Q3-1).
As OSC como Crise da
extensão de democracia
Instrumentalização externa das OSC para
interesses deliberativo-
dominação do Estado (E16- Q3-3).
externos. -participativa.
Cultura política de desconfianças
(E21-Q3-5).

175
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 1 – Identificação de categorias de análise (conclusão)

Corrosão dos mecanismos democráticos de


participação (E21-Q3-2).

Corrosão dos mecanismos democráticos de


participação (E21-Q3-4).

Manifestações violentas (E16- Q3-2).


Corrosão do
Cerceamento do espaço cívico-institucional
sistema de
(E15- Q3-1).
democracia
participativa.
Cerceamento do espaço cívico-institucional
(E9- Q3-1). Crise da
democracia
Cerceamento do espaço cívico-institucional deliberativo-
(E16- Q3-4). -participativa.

Controle do fluxo de informação (E2-Q6-2)


e (E9-Q3-2).

Mecanismos alternativos de participação


(E21- Q3-3).
Mecanismos
Direito constitucional de manifestação alternativos de
(E16- Q3-1). participação.

Educação para cidadania política (E2-Q6-1).

Legenda: No código E(x)-Q(y)-n: E(x) identifica o entrevistado, Q(y) indica a pergun-


ta e “n” a categoria inicial de cada unidade empírica.2

Fonte: Elaboração Própria.

À luz das categorias identificadas, este capítulo foi produzido entrosando


as respectivas unidades empíricas e teóricas com um forte papel hermenêu-
tico do sujeito cognoscente. A nossa reflexão sobre as categorias intermediá-
rias e final permitiu o entendimento de que, por um lado, esta representava
o problema central que circunscreve a articulação dos atores estatais e não-
-estatais na esfera público-institucional e, por outro, aquelas representam

2 Em virtude da necessidade de síntese e estética, o quadro omite as unidades de conteúdo


empírico e as de conteúdo teórico citadas ao longo do metatexto.

176
3.8 Práticas e sinuosidades na articulação Estado-sociedade
civil na gestão de políticas públicas em Moçambique

sobretudo as causas e as possíveis soluções do problema, respectivamente.


Eis a razão porque a exposição dos argumentos neste capítulo é articulada
tendo em conta esta lógica: problema-causa-solução. Em outras palavras, a
primeira seção corresponde à categoria final e a segunda e terceira, às cate-
gorias intermediárias referentes a causas e soluções, respectivamente.

A crise da democracia deliberativo-participativa em Moçambique

O Estado é a entidade na qual se imputa a responsabilidade pela garantia


da segurança, justiça e bem-estar social, econômico e cultural para todos os
cidadãos e cidadãs. Para tanto, o governo, enquanto órgão executivo daquela
entidade, concebe e implementa políticas públicas para concretizar o ideal
coletivo, que se resume na provisão regular e contínua de bens e serviços
públicos de qualidade. Tratando-se de Estado de direito democrático, que
assenta na pluralidade de expressões políticas, ao longo de todo o processo
de gestão das políticas públicas envolve-se o cidadão, individualmente con-
siderado ou em grupos sociopolíticos organizados, em virtude do reconheci-
mento da capacidade idônea destes para soberanamente decidir sobre a sua
vida ou da coletividade a que pertencem.

A participação desses diferentes atores na tomada de decisões e da res-


pectiva implementação e avaliação, neste sentido, não só constitui a essên-
cia do paradigma de democracia deliberativo-participativa, como também
se configura “estratégia de gestão [inclusiva] efetiva de políticas públicas”
(DUNN, 1994, p. 17, tradução nossa). A gestão político-administrativa in-
clusiva reside em dois principais pressupostos, quais sejam: o envolvimento
ativo de múltiplos atores em todas as fases do processo virtuoso de gestão e,
por outro lado, a aceitação mútua de atores como parceiros, cujo feedback e
inputs devem ser, em princípio, a base para aprimorar a política pública, haja
vista assegurar sua eficácia, eficiência e efetividade. Este é, portanto, o tipo
ideal de articulação Estado-sociedade civil no processo de gestão inclusiva.

A partir da assunção deste paradigma ideal, com o qual se pode com-


preender realidades empíricas diversas, questionamos: que práticas e sinuo-
sidades emergem da articulação Estado-sociedade civil em Moçambique? A
fala de um dos membros seniores do Estado permite entender as dinâmicas
desse processo de articulação:

177
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

No caso daquela manifestação contra o estatuto do


funcionário parlamentar, ouvi que entrou [Fulano da
Sociedade civil] a gritar de um lado para o outro, como
se fosse um maluco qualquer, no Parlamento. […]. Se
ele chegou e entrou aí, de acordo com a Constituição
as instalações da Assembleia são invioláveis. Você não
pode entrar ali. Se o Estado quisesse dar uma resposta
à ação que ele fez, nem teria entrado ou tendo entrado
poderia não ter saído. Havia essas condições (Entrevis-
tado 15 – Estado, grifo nosso).

A fala remete, por um lado, à ausência de um ambiente de acolhimento


das demandas encaminhadas ao governo pelos atores da Sociedade civil e,
por outro, revela o fechamento do espaço cívico-institucional. Nestas condi-
ções, os atores entram em conflito acerca do Estado aparentar ter ou não as
condições prontas para o uso da força, considerando o entendimento de que
a sua resposta tem sido “à altura do desafio e, às vezes, até muito ponderada”
(Entrevistado 15). A este respeito, tornou-se clássica a tese weberiana de que
o Estado racional é uma entidade de dominação legítima, porquanto, o meio
específico que lhe é próprio é o monopólio da coação física (WEBER, 2004).

Robert Dahl (2012) parte desse pressuposto weberiano para sublinhar o


caráter violento que prevalece nos Estados, mesmo num contexto democráti-
co, seja em forma de violência econômica, social, psicológica ou física. Para
esse efeito, o Estado usa sobretudo seus aparelhos repressivos: “organizações
militares e policiais cuja tarefa é o emprego da violência sistemática para
[alegadamente] manter a ordem e a segurança” (DAHL, 2012, p. 384).

Existe um credo de que “não há nenhum sítio do mundo em que o Esta-


do aceita manifestação” (Entrevistado 15). Nessa ordem de ideias, o fato de
outros Estados da região austral, como a República da África do Sul, e mes-
mo fora do continente africano, como a República Federativa do Brasil e os
Estados Unidos da América, recorrerem à violência sistemática para, muitas
vezes, impedir o exercício do direito constitucional à manifestação, demons-
tra, a seus olhos, a atitude “branda” do Estado moçambicano e a necessidade
de implementar mecanismos mais contundentes contra os manifestantes.

A articulação em torno das políticas públicas, por meio da manifestação ou


outros mecanismos legais, envolve sempre interesses dos atores passíveis de
conflito, ainda que potencial. Roberto Dahl (2005) reconhece a inevitabilidade

178
3.8 Práticas e sinuosidades na articulação Estado-sociedade
civil na gestão de políticas públicas em Moçambique

desses conflitos entre os atores. Aliás, uma das premissas da sua poliarquia é
exatamente a contestação pública, e esta é indissociável do fenômeno conflitual,
uma vez que os grupos que se opõem ao governo visam preservar seus interes-
ses. Por outro lado, a elite política governante procura coibir a ação dessa opo-
sição pública. Neste sentido, “quanto maior o conflito entre governo e oposição,
mais provável é o esforço [do governo] para negar uma efetiva oportunidade de
participação [às massas populares] nas decisões políticas” (DAHL, 2005, p. 36).

Por isso o autor é da opinião de que a abertura das partes, por um lado, e
o acesso a recursos político-institucionais, por outro, ajudaria os atores socio-
políticos a impedir ou ao menos a reduzir o estabelecimento do conflito por
coerção (DAHL, 2005, p. 87). Nessas ocasiões, que deveriam ser percebidas
como normais, insistir em estratégias de negociação e barganha para obter
acordo e legitimação torna-se fundamental para reforçar a cultura política de
gestão inclusiva, mas também para fortificar cada vez mais a ligação Estado-
-sociedade que qualifica um Estado democrático de direito.

No contexto ideal de gestão inclusiva, um dos aspectos relevantes ligados


à cultura de governação é a ideia de que “o que torna um governo forte é o
debate. É a interpelação crítica” (Entrevistado 21, 2021). O fechamento do
espaço cívico-institucional e, portanto, a corrosão do sistema de democracia
participativa em Moçambique não apenas contradizem esse ideário, como
também desperdiçam a assessoria pública gratuita que seria de extrema rele-
vância, quer para a promoção de cultura de boa governação, quer para tornar
as políticas públicas eficazes, eficientes e efetivas.
A própria cultura de governação que nós temos em
Moçambique não é […] baseada no aproveitamento
pleno de tudo que o nosso sistema político nos dá. En-
tão, por exemplo, nós temos um Parlamento onde não
há praticamente nenhuma discussão, nenhum debate
sobre as políticas do governo, sobretudo por causa da
correlação de forças. O partido no poder pode-se per-
mitir simplesmente fazer aprovar as coisas sem grande
discussão. […]. Nós temos um projeto como SUSTEN-
TA, esse projeto de fomento rural não foi discutido por
ninguém. E eu acho isso grave (Entrevistado 21 – Aca-
dêmico, grifo nosso).

A questão da correlação de forças nos colégios de representação política,


como a Assembleia da República, sugere o jogo de soma zero: the winner takes

179
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

all. As maiorias parlamentares, em princípio, não poderiam ser tomadas como


um problema em si se fossem orgânicas, ou seja, se emanassem realmente da
vontade efetiva do povo, num processo de eleição livre, justo, transparente e
participativo. A correlação começa a ser questionada em virtude dos vícios e
intransparências que envolvem a legitimação dessas forças partidárias. Este
fato constitui, assim, um calcanhar de Aquiles para o aprofundamento da de-
mocratização em Moçambique e para a gestão inclusiva de políticas, em par-
ticular. O parlamento, nessas condições, é simplesmente um órgão formal de
soberania, mas “esse órgão não funciona” (Entrevistado 21), apenas manipula
e legitima os processos ligados a projetos de índole particular.

Debruçando-se sobre os níveis de participação, particularmente no grau


que qualifica de Placation, no qual os cidadãos cumprem um simples papel
formal sem poder efetivo, Sherry Arnstein nota que “se a elite tradicional
detém a maioria de assentos”, os outros atores representativos “podem ser
facilmente vencidos pela ditadura do voto” (ARNSTEIN, 2007, p. 220). Esta
realidade sinuosa revela, grosso modo, a crise da democracia deliberativo-
-participativa que se vislumbra na articulação Estado-Sociedade civil no
país. De fato, embora “muitos estados possam ser democráticos, a história de
suas instituições políticas revela a fragilidade e a vulnerabilidade das estru-
turas democráticas” (HELD, 1987, p. 1).

A democracia participativa, assim, torna-se “uma forma notavelmente di-


fícil de governo, tanto para ser criada quanto para ser mantida” (HELD, 1987,
p. 1), sobretudo (HELD, 1987, p. 1), quando se desvirtua a sua própria es-
sência, isto é, o direito inalienável não só de contestação pública (voto), mas
também de participação inclusiva na concepção e gestão da coisa pública.
Quais seriam as causas do que parecem fragilidades das instituições políticas
em Moçambique? A seção seguinte traz um olhar sobre essa problemática.

Organizações da sociedade civil – uma extensão de interesses


externos?

A participação nos processos políticos é um direito constitucionalmente


estatuído na República de Moçambique. Aliás, Moçambique é um Estado
democrático de direito, o que significa não apenas que nele deve prevalecer o
espírito de garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem, como
também a gestão dos processos político-administrativos precisa assentar

180
3.8 Práticas e sinuosidades na articulação Estado-sociedade
civil na gestão de políticas públicas em Moçambique

nos pilares da inclusão, do pluralismo de expressão de atores sociopolíticos


(MOÇAMBIQUE, 2018). É nos auspícios dessa baliza legal que se considera
“normal que a sociedade civil ou cidadãos não estejam de acordo com o que
o governo faz”. Então, “isso não devia constituir problema” (Entrevistado 21,
2021). Expressar o acordo ou desacordo em relação a alguma coisa ou ação
do governo é, afinal, uma concreção do gozo dos direitos de liberdade de
expressão e de pensamento.

A mesma Carta Marga fixa como direito de todos os cidadãos a “liber-


dade de reunião e de manifestação” (MOÇAMBIQUE, 2018). Apesar dessa
determinação legal, prevalecem, como referido, dinâmicas de cerceamento
do espaço cívico-institucional no país. Esse fato leva-nos a uma indagação
fundamental: por quê? Um dos nossos interlocutores explica que isso se deve
ao “antagonismo” entre os atores estatais e atores da sociedade civil. Essa
aparente incompatibilidade funda-se nas “desconfianças” mútuas, de sorte
que, independentemente de ser ou não pacífica, “qualquer manifestação é vis-
ta como uma espécie de atentado contra a integridade do país” (Entrevistado
21). Um dos argumentos que se advoga é que as manifestações são violentas
e, portanto, o gozo desse direito “põe em causa outros direitos: direitos de
vida, direitos de propriedade de outras pessoas” (Entrevistado 16), como es-
clarece o membro sênior do partido no poder:
Já tivemos casos de pessoas que saíram sob a capa de
estarem a fazer uma manifestação pacífica, mas foram
para aí, violentaram pessoas, partiram muitas lojas,
coisas assim. Eu acho que isso é excesso. É o aprovei-
tamento desse direito para pôr em causa outros direi-
tos: direitos de vida, direitos de propriedade de outras
pessoas. Porque, muitas vezes, não é a propriedade
apenas do Estado que é visada. É também do cidadão
inocente (Entrevistado 16 – partido Frelimo).

Na verdade, os atores do Estado toleram ações cívicas em certas circuns-


tâncias. Mas, grosso modo, não aceitam de fato as manifestações, não neces-
sariamente e apenas porque se preocupam com a proteção da propriedade
privada e coletiva, mas por outras razões nem sempre autorreveladas. Uma
das razões é que acreditam serem aquelas manifestações não genuínas, ou
seja, que são uma instrumentalização política para fins obscuros contra o
interesse do Estado, perpetrada por “gente com dinheiro de fora”. O partido
Frelimo assume como verdade, por exemplo, que “há pessoas que usam a

181
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

desordem como um instrumento político”. Têm “profissão de fazer isso”, e o


Estado “tem procurado evitar a proliferação disto” (Entrevistado 16, 2021),
portanto, dessas formas de exercício de cidadania política, obviamente recor-
rendo aos aparelhos de coerção de que depõe do direito de monopólio.

O fato de se constatar que a articulação com o Estado, a partir das mani-


festações, ocorre com mais regularidade nas cidades do que no campo consti-
tui, do ponto de vista do governo, indicativo da inutilidade desse mecanismo.
Em outras palavras, no campo, os cidadãos ocupam-se em afazeres úteis para
a reprodução da vida social e não com exigências de “tantas e montras”, en-
quanto, nas principais zonas urbanas, os “profissionais” das manifestações
não fazem nada de útil e de civilidade senão “criar distúrbio” e intranquili-
dade pública. Parece-nos óbvio, a partir do lugar atribuído à sociedade civil
pelo governo, que qualquer esforço de exercício de cidadania política redun-
dará num mero espetáculo teatral, num mero simulacro de abertura, uma vez
vaticinada a irrelevância e inutilidade das ações dessas organizações no meio
urbano, onde há maior impulso cívico. Esta seria, pois, a segunda das razões
do cerceamento do espaço cívico no país. O interlocutor do partido no poder
em Moçambique continua a explicar que:

Somos uma sociedade civilizada. […]. Essa coisa de


manifestação resulta de quê, se você faz uma diferen-
ciação. […] Manifestação não pode ser feita como um
hobby (diversão). As pessoas têm que estar empenha-
das em trabalho útil. […]. Eu não acredito que só seja
a questão de fazer manifestação para as pessoas serem
ouvidas. [Porque não seriam] manifestações manipu-
ladas muitas vezes. Agora essas que fazem camisetas,
você vê que é dentro dessa teoria da desordem como
instrumento político (Entrevistado 16 – partido Freli-
mo, grifo nosso).

A paráfrase acima resume a posição do governo da Frelimo com relação às


possíveis causas que embasam as sinuosidades de gestão inclusiva de políticas
públicas. Além das razões já discutidas como as “desconfianças” mútuas — a
necessidade de “proteção da propriedade” em sentido lato contra o vandalis-
mo e “instrumentalização política externa” contra a soberania e integridade
do Estado —, nela transparece o cerceamento dos direitos da liberdade e da
cidadania em nome da civilidade. Ou seja, que a manifestação é, numa faceta,
sinônimo de status baixo e deve ser, portanto, combatida. Noutra, ela integra o

182
3.8 Práticas e sinuosidades na articulação Estado-sociedade
civil na gestão de políticas públicas em Moçambique

repertório de coisas inúteis, não construtivas, das quais o país precisa se livrar
para se concentrar em projetos de desenvolvimento. Não ocorre aos atores em
referência que a participação ativa pode estar relacionada com as mesmas preo-
cupações de desenvolvimento e bem-estar de todos.

Por outro lado, a gênese perversa da maior parte da sociedade civil em


Moçambique, no sentido de serem atores cujo suporte é garantido por re-
cursos da mão externa, constitui álibi de que existem prioridades e agendas
que os doadores perseguem através do apoio à sociedade civil nacional. Em
razão disso, toda e qualquer ação sociopolítica não é ponderada em função
da sua razoabilidade e mérito, nem é tida como genuína para interesses da
coletividade. A única lógica que se reconhece à sociedade civil não passaria
da “reprodução institucional de si próprias”, ou seja, instrumentalização de
problemas do país como trampolim para fins de obtenção de mais financia-
mentos. Em face a crenças arraigadas da inutilidade das ações das organiza-
ções da sociedade civil, quais seriam as sinuosidades necessárias para uma
gestão inclusiva efetiva de políticas públicas?

Mecanismos alternativos de participação na gestão inclusiva de


políticas

Em uníssono, todos os interlocutores empíricos subscrevem a ideia de que


o direito do cidadão se manifestar é um direito constitucional. Nesse sentido,
“todo o cidadão pode fazer as suas manifestações” (Entrevistado 16). Por
outro lado, em virtude das maiorias parlamentares que acabam neutralizando
o debate público das políticas no interesse da coletividade, a sociedade civil
organizada “acaba sendo o espaço onde essa interpelação realmente aconte-
ce” (Entrevistado 21). Que importância tem essa interpelação no processo de
gestão inclusiva de políticas públicas?

[O governo] me chama, eu participo, digo qual é o meu


problema porque eu é que o conheço, mas depois o que
é que tu fazes com isso. O nosso ponto, a nossa crítica,
muitas vezes, é essa: somos ouvidos, mas depois o que
fazem não tem nada a ver conosco (Entrevistado 9 –
Sociedade civil, grifo nosso).

Um dos impasses à gestão inclusiva de políticas de índole pública reside


no fato de se tolerar o exercício da cidadania política como mera formalidade

183
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

para legitimar os processos político-administrativos. Mas, em última instân-


cia, as demandas reais canalizadas ao governo por intermédio dos processos
participativos não vincam na própria política do Estado. Para Nicos Poulant-
zas (1980), o Estado não é nem “o depositário instrumental (objeto) de um
poder-essência que a classe dominante deteria” e não é também “um sujeito
que possua tanta quantidade de poder que, num confronto face-a-face, o toma-
ria das classes,” segundo a perspectiva de poder-soma-zero (POULANTZAS,
1980, p. 169). Pelo contrário, o Estado é “o lugar de organização estratégica da
classe dominante em sua relação com as classes dominadas” (POULANTZAS,
1980, p. 169). Nesse sentido, a política do Estado expressa uma “condensação
material de uma relação de forças entre classes e frações de classe […]” (POU-
LANTZAS, 1980, p. 147).

A partir da premissa de Polantzas (1980) da relevância das lutas sociais,


da condensação de uma relação de forças na ossatura material do Estado, po-
de-se dizer que em Moçambique existem forças sociopolíticas hegemônicas
que acabam dominando todo o processo de gestão da política, ainda que os
vários atores sociopolíticos participem formalmente do processo. Em virtude
dessa hegemonia, a participação aparece não como uma “participação poder”
em que se exerceria a cidadania política efetiva, mas participação manipulada
ou pseudoparticipação. Um estudo recente corroborou a ideia de que o pro-
cesso de participação nos diferentes espaços em Moçambique “é meramente
instrumental e está virado para legitimar a ação do governo” (ADALIMA,
2009, p. 60), não para uma efetiva inclusão nos processos gestionários, o que
aumentaria a eficácia, eficiência e efetividade das políticas públicas.

Um dos sujeitos da pesquisa também frisou que a “interpelação que é feita


através de manifestações pontuais [não tinha] grande consequência, porque,
de fato, as decisões já foram tomadas” (Entrevistado 21). Porém, mais do que
isso, a participação é reativa às decisões do governo, e não proativa, o que se
justifica, em parte, pelo já referido problema de fechamento do espaço cívico-
-institucional e, grosso modo, pela crise de todo o paradigma de democracia
deliberativo-participativa.

Em A ladder of citizen participation, Sherry Arnstein (2007) discute so-


bre os níveis de participação e as sinuosidades que envolvem esse processo
e reconhece que os cidadãos, muitas vezes, não têm um controle efetivo de
todas as ações do governo. Contudo, para a autora (ARNSTEIN, 2007, p.
223, tradução nossa), é “muito importante que a frequente retórica não seja

184
3.8 Práticas e sinuosidades na articulação Estado-sociedade
civil na gestão de políticas públicas em Moçambique

confundida com intenções”. Os cidadãos “apenas demandam certo grau de


poder” capaz de permitir que “os participantes possam governar uma política
ou uma instituição”, ou seja, a possibilidade de “estarem no controle efetivo
da política pública e dos aspectos de gestão”, bem como estarem em condi-
ções de negociar em função das suas reais demandas e necessidades.

Em sistemas democráticos, de fato, existem garantias de liberdades de ex-


pressão e de manifestação. O gozo desses direitos não visa senão o controle
popular das políticas públicas e sociais que o governo decide implementar,
de modo que espelhem as prioridades dos problemas definidas pelos pró-
prios destinatários das políticas. É, seguramente, nisto que consiste a tese de
“gestão inclusiva” de políticas públicas ou a democratização do processo de
gestão para atores além do Estado que temos vindo a defender.

Nessa direção, que sinuosidades ou mecanismos alternativos de partici-


pação seriam necessários para assegurar uma gestão inclusiva de políticas
públicas? De início, devem resultar, claro, da inexistência de “receitas eter-
nas” para todos os tempos e todos os lugares. Contudo, as utopias para uma
plena democracia exigem como condição necessária, ainda que insuficiente,
a separação de poderes, um parlamento que seja espaço de discussão efetiva
e, sobretudo, que todos — partidos políticos, academia e a sociedade civil
— “trabalhem muito na conscientização da população moçambicana” sobre
o sentido de cidadania e a importância de tomar decisões informadas (Entre-
vistado 2 – partido MDM).

É o déficit, em parte, da educação no sentido de cidadania plena que pro-


picia a ditadura do voto em políticas nem sempre plausíveis. A internalização
desse sentido de cidadania política autêntica por todos os atores sociopolíti-
cos, particularmente pelos atores da elite política governamental na vontade
dos quais se pode conceber um modelo de articulação dialética para o alcance
da dimensão da participação poder, torna-se fundamental.

Encarar a articulação dialética dos atores nesta dimensão de “participa-


ção poder” significa, para Arnstein (2007, p. 216-217), que a participação
do cidadão tem de ser categorizada como “poder” efetivo do cidadão. É a
redistribuição de poder que permite aos cidadãos, em vez da sua exclusão nos
processos político-administrativos ou de um simples “ritual vazio de partici-
pação”, serem deliberadamente incluídos nesses processos. É a técnica pela
qual os cidadãos afetam e determinam o compartilhamento de informações

185
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

estratégicas, a concepção e gestão de políticas públicas, a alocação racional


de recursos escassos, enfim, a participação é o meio pelo qual pode haver
indução de reforma social significativa para a promoção do bem-estar social.
É desse modo que os nobodies se tornam somebodies, com poder suficiente
para influenciar os processos político-administrativos.

Referências
ADALIMA, José. Espaços criados ou reinventados? Uma análise da participação em
Moçambique. Economia, Política e Desenvolvimento. Revista Científica Interuni-
versitária, p. 53-68, v. 1, n. 1, 2009.
ARNSTEIN, Sherry Rubin. A ladder of citizen participation. Journal of the American
Institute of Planners, v. 35, n. 4, p. 216-224, 2007.
DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Universidade de São
Paulo, 2005.
DUNN, W. N. Public policy analysis: introduction. 2. ed. USA: Pearson Prentice Hall,
1994.
ENTREVISTADO 2. Membro de direção da Liga da juventude do partido MDM.
Entrevista concedida na Cidade de Maputo, 7 ago. 2021.
ENTREVISTADO 9. Investigador do Instituto de Estudos Sociais e Econômicos. En-
trevista concedida na Cidade de Maputo, 26 ago. 2021.
ENTREVISTADO 15. Membro da Comissão de administração pública e poder local
na Assembleia da República de Moçambique. Entrevista concedida na Cidade de
Maputo, 13 set. 2021.
ENTREVISTADO 16. Membro sênior do Comitê central do partido Frelimo. Entre-
vista concedida na Cidade de Maputo, 13 set. 2021.
ENTREVISTADO 21. Professor na Universidade de Basileia. Entrevista concedida no
Rio de Janeiro, em 15 nov. 2021.
HELD, David. Modelos de democracia. Belo Horizonte: Paidéia, 1987.
MOÇAMBIQUE. Constituição da República de Moçambique de 2018. Boletim da Re-
pública de Moçambique, Maputo, n. 115, I Série, 12 jun. 2018.
MORAES, Roque. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela Análise
Textual Discursiva. Ciência & Educação, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003.
MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 1. ed. Ijuí: Unijuí, 2007.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1980.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. v. 2.

186
3.9 Imersão no ir e vir da Análise
Textual Discursiva: por entre sentidos,
argumentos e diálogos educacionais
Sebastião Rodrigues-Moura
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.9

Mergulhando em textos, organizando categorias de análise

A organização argumentativa e discursiva de textos de pesquisa tem, nos


últimos anos, me mobilizado a ir ao encontro da Análise Textual Discursiva
(ATD), proposta por Moraes e Galiazzi (2016), na forma e nos contornos
para poder dar estrutura aos elementos que são inerentes a propostas inves-
tigativas e que possibilitem tecer diálogos que criam significados nos textos.
Nesse sentido, a ATD surge como um mergulho que faço em textos, dos mais
distintos e variados possíveis, a fim de estabelecer garantias de uma análise
rigorosa, propedêutica, subjetiva e científica dos dados que obtenho em mi-
nhas pesquisas com abordagem qualitativa.

No percurso analítico de ATD — unitarização, categorização e comuni-


cação —, estabeleço movimentos próprios como pesquisador para mobilizar
a escrita que emerge de um olhar sensível, cuidadoso e rigoroso que tenho
desenvolvido para expressar novas concepções sobre o que está imbrincado ao
escrito, ou propriamente sobre os conhecimentos subjacentes à minha expe-
riência e a de cada pessoa. Dessa análise, a organização de categorias a partir
das unidades de significado ganha tom, forma e contorno próprios para uma

187
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

extrospecção ao que a literatura da área me oferece para argumentar sobre o


volume de dados que possuo, fazendo, assim, uma análise mais sistematizada.

A partir de uma vivência desenvolvida com um grupo de professores em


formação, cujo objeto de investigação esteve voltado para a didática e o ensi-
no de Ciências da Natureza nos anos finais do ensino fundamental, busquei:

a. compreender como essas crianças aprendem Ciências da Natureza e


suas Tecnologias (CNT);

b. discutir os direitos dessas crianças no que se refere a esse aprendizado


de Ciências.

Do exposto, assumo como premissa uma ação pedagógica de uma educação


científica voltada para a formação cidadão, ao espírito crítico e à compreensão
para a vida, quando nos colocamos como pessoas que pensam sobre a coleti-
vidade. Dos textos produzidos pelos professores em seus diários de campo,
considerado o corpus da pesquisa, organizei os dados a seguir que demonstram
os encaminhamentos da minha ação pedagógica para a análise dos dados.

Quadro 1 – Panorama da construção da análise dos textos (continua)

Unidades de Categorias
Categorias finais
significado intermediárias

A criança é um sujeito
As crianças e seus di-
social.
reitos de aprendizagem
científica como educa-
O direito das crianças de
ção cidadã.
aprender ciência.

Oportunizar a reflexão
crítica e consciente. A educação científica de
crianças como compro-
Oportunidade à criança misso social de formação
para entender o mundo. para a cidadania.
Reflexão, criticidade e
construção do conheci-
As crianças constroem
mento científico.
ideias sobre o mundo.

O valor social do conhe-


cimento científico para
todos.

188
3.9 Imersão no ir e vir da Análise Textual Discursiva: por
entre sentidos, argumentos e diálogos educacionais

Quadro 1 – Panorama da construção da análise dos textos (conclusão)

A criança aprende a
socializar com outra
criança.

Despertar nas crian-


ças a curiosidade e o Interação social e apren-
encantamento pela área dizagem científica.
científica.

Fazer o aluno sentir a si


mesmo e conhecer tam-
bém o mundo onde vive. Mobilizando saberes
científicos para com-
Superar a visão de ensi- preender o mundo por
no tradicional. meio das interações
sociais.
Mostrando imagens para
as crianças ou trabalhan-
do com figuras.
Ensinar e aprender Ciên-
Despertar em si as cias de forma dinâmica.
melhores formas de se
adaptar.

Nós, professores, ser-


vimos de espelho para
muitas outras crianças.

Fonte: elaborado pelo autor.

No Quadro 1, mostro uma imersão feita em textos analítico-reflexivos ela-


borados por dez professores em formação do curso de Licenciatura de Peda-
gogia, aqui descritos com nomes fictícios para preservar as suas identidades e
manter a ética na pesquisa, por aceitarem colaborar com este debate por meio
de suas reflexões, suas criticidades e seus pensamentos sobre a aprendizagem
em CNT e sobre como lidam com o processo de ensino, em sala de aula nos
anos iniciais do ensino fundamental.

Os textos dos diários de campo dos professores foram lidos várias ve-
zes para que eu pudesse identificar unidades de significados consideradas
relevantes à análise e sob a ótica da temática em xeque, o que resultou em
13 (treze) excertos apresentados na primeira coluna do Quadro 1. Essa pri-

189
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

meira coluna foi feita a partir dos fragmentos identificados e trazidos para
esta análise, mesmo que colocados de forma sucessiva — linha após linha
—, pois depois senti a necessidade de aproximar aqueles excertos que pos-
suíam maior semelhança, de forma a combiná-los em sentidos e expressões
comuns. Feito esse primeiro movimento nessas unidades, percebi ainda uma
inquietação para organizar os textos em grupo mais amplos, o que resultou
na organização da segunda coluna do quadro, a qual considero categorias
intermediárias que englobam os sentidos dos excertos da primeira coluna.

Nesse processo, percebi que eu poderia fazer uma discussão a partir das
quatro categorias intermediárias que surgiram, de forma a perceber que há
elementos na literatura que podem me aproximar e encorpar as análises, po-
rém, fui muito criterioso e notei que é possível enxugar essas categorias em
outras, as quais facilitam o trabalho como pesquisador e podem sistematizar
os dados por meio de argumentações. Assim, consegui otimizar as quatro
categorias intermediárias em duas novas, de forma mais ampla e dinâmica,
englobando as discussões que há de todo o movimento analítico, resultando
em duas categorias finais para sistematização dos metatextos.

Do exposto ora discutido e detalhado na elaboração dos procedimentos


com textos e uso da ATD, atenho-me a partir deste momento em tecer os
detalhes do que os professores expõem em suas ideias, pensamentos e re-
flexões sobre a aprendizagem em ciências como compromisso social. Dessa
forma, aproprio-me da comunicação para promover diálogos com a literatura
da área, buscando sentidos e significados próprios da educação científica para
crianças, a partir da mobilização das categorias finais presentes na última
coluna do Quadro 1 e que, agora, ganham robustez analítico-discursiva.

Discutindo detalhes, comunicando e promovendo diálogos


Nesta seção, debruço-me sobre os detalhes presentes no material empí-
rico produzido pelos professores e sistematizo por meio de duas categorias
finais, em forma de eixos de análise, para os quais sigo em discussão na pro-
moção de diálogos formativos por meio de metatextos.

190
3.9 Imersão no ir e vir da Análise Textual Discursiva: por
entre sentidos, argumentos e diálogos educacionais

A educação científica de crianças como compromisso social de


formação para a cidadania

A mobilização de saberes que suscitam a aprendizagem de crianças é tra-


tada como uma premissa básica para que a educação científica cumpra o seu
papel na sociedade e, nesses termos, é necessário potencializar o processo
de escolarização como espaço para uma multiplicidade de abordagens que
permitam que a educação para a cidadania se torne uma prática, sem esgotar
as suas possibilidades.

Dessa forma, Moura (2012) traz reflexões importantes sobre a construção


social da dimensão cidadã que a ciência pode oportunizar aos avanços do co-
nhecimento científico, principalmente no que tange às implicações sociais do
papel da ciência e da tecnologia. Nesse alinhamento, a professora Jana relata que

a formação básica nos anos iniciais do Ensino Fun-


damental é de suma importância para desenvolver a
aprendizagem das crianças, pois é aqui que tudo vem
como uma contrapartida: como elas começam a dar
conta das situações que, muitas vezes, seus pais em
casa não tiraram suas dúvidas como os fenômenos que
acontecem na natureza (EXCERTO DO DIÁRIO DE
CAMPO DE JANA, grifos nossos).

A reflexão de Jana coloca uma compreensão sobre como a formação bá-


sica, aqui entendida como um processo de escolarização inicial das crianças,
é capaz de mobilizar os primeiros saberes sobre os fenômenos naturais, ca-
pazes de gerar situações de contrapartida com a sua visão de mundo, quando
começa a se perceber como um sujeito em sociedade. Nesse sentido, perce-
bemos que a aprendizagem científica é um espaço rico de possibilidades para
que se possa constituir no sujeito, ainda criança, as visões de que ele pode ser
ativo em sociedade e ter escolhas conscientes para a sua vida.

Esse acesso ao conhecimento científico ainda na fase de escolarização


inicial abre potencialidades para que as crianças possam começar a com-
preender o contexto em que vivem, as atitudes que já tomam e criar refle-
xões novas sobre o meio social. Para Viecheneski e Carletto (2013), apesar
dos obstáculos existentes, os professores podem desenvolver atividades que
proporcionem concepções e novas interpretações às crianças por meio de

191
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

linguagem, desenhos, imagens e outros recursos que tendem para uma comu-
nicação mais efetiva e possam aguçar a aprendizagem.

A professora Alice expõe que é possível construir esse conhecimento


científico em sala de aula com as crianças porque são sujeitos sociais e:
A ciência ajuda em sua construção de mundo, as
crianças são sujeitos integrantes do corpo social e que
portanto, têm o mesmo direito que os adultos de apro-
priar-se da cultura elaborada pelo conjunto da socieda-
de, na transformação do mundo. O direito das crianças
de aprender ciência, o dever social da escola de ensi-
no fundamental de transmiti-las e o valor social do
conhecimento científico para todos (EXCERTO DO
DIÁRIO DE CAMPO DE ALICE, grifos nossos).

Noto, assim, que oportunizar a aprendizagem científica das crianças é


criar espaços para que elas consigam aprender sobre os aspectos da ciência
e da tecnologia como um gozo dos direitos sociais e do compromisso que te-
mos para a liberdade de cada indivíduo, na tomada de decisões e nas ações de
ir e vir sobre o conhecimento científico implementado na sociedade. É nesta
ação sobre a aprendizagem que percebemos que o ensino de CNT possibilita
um posicionamento crítico sobre o mundo e sobre as concepções que a ciên-
cia e a tecnologia impactam na sociedade como um processo de alfabetiza-
ção científica e tecnológica (AULER; DELIZOICOV, 2001; LORENZETTI;
DELIZOICOV, 2001).

Nessa concepção pedagógica, propomos que a cultura científica seja tra-


balhada como um processo de aproximação do contexto das crianças e que
potencialize, nas aulas de CNT, uma evolução do senso comum para o co-
nhecimento científico a partir dos olhares trazidos por elas. Isso permite uma
transformação do espaço educativo e de como as reflexões inovam a sala de
aula (VIECHENESKI; CARLETTO, 2013).

Cabe destaque ao papel do professor, nesta mediação pedagógica do conhe-


cimento científico às crianças, com linguagem acessível e adequada, priori-
zando as concepções de mundo que já possuem, trazem consigo e como lidam,
para assim intervi-las em suas implicações sociais. Remeto a uma preocupação
maior como professor em como a ciência assume o seu papel ontológico e epis-
temológico para a construção de crianças ativas na sociedade, em um processo
dinâmico de transformação social. Para a professora Felipa:

192
3.9 Imersão no ir e vir da Análise Textual Discursiva: por
entre sentidos, argumentos e diálogos educacionais

As crianças têm o direito de aprender as Ciências


da Natureza para aprimorar os seus conhecimentos
de mundo em que vivem. Não são somente o “futuro”,
mas sim o “hoje” como sujeitos integrantes de um cor-
po social e que, portanto, possuem os mesmos direitos
que um adulto de apropriar-se da cultura elaborada
e organizada pela sociedade (EXCERTO DO DIÁRIO
DE CAMPO DE FELIPA, grifos nossos).

Do exposto, Felipa reforça o direito da criança a aprender ciências no


contexto dos anos iniciais do ensino fundamental, pelo fato de possuírem
suas apropriações de mundo, tal como um adulto, e terem acesso à cultura
elaborada pela sociedade. Nesses termos, o papel da ciência e da tecnologia
reforça o trabalho educativo das escolas por uma educação científica que
seja próxima da realidade do aluno, quando assumimos a posição de que as
crianças são parte de uma coletividade e é possível criar consciência social.

Diante dessa situação, Moura (2012) destaca que a escola imprime o papel
social de organização do conhecimento científico e promove a aproximação
entre a experiência escolar e a não escolar, fluindo-as em concepções pró-
prias para a sistematização dos saberes e de construção da educação para a
cidadania. Nesse alinhamento, a professora Bete discute que:

A escola está inserida num mundo em constante


transformação, onde alunos e professores não es-
tão alheios às tensões ocasionadas pelas mudanças
ocorridas e em que será na escola que ambos, pro-
fessores e alunos, poderão oportunizar a reflexão
crítica e consciente diante das diferentes e inúmeras
situações que o cotidiano poderá oferecer ao ensi-
no de ciências no ambiente escolar (EXCERTO DO
DIÁRIO DE CAMPO DE BETE, grifos meus)

Do exposto, aponto que o papel do saberes escolares busca dar conta de


manter o currículo de Ciências da Natureza, em diversos contextos e realida-
des educacionais, como possibilidade de incentivar a alfabetização das crian-
ças no campo do conhecimento científico e da formação para a cidadania por
meio do ensino (AULER; DELIZOICOV, 2001; SANTOS, 2007), permitindo
o início dessa caminhada didático-pedagógica nos anos iniciais do ensino
fundamental como um compromisso social de educação para a cidadania.

193
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Mobilizando saberes científicos para compreender o mundo por


meio das interações sociais

Ao discutir o ensino de Ciências para crianças como processo de uma


educação para a cidadania, é importante salientar o papel crucial da media-
ção pedagógica para a mobilização dos saberes científicos, em que se sintam
sujeitos ativos em sociedade e capazes de criar as primeiras ideias sobre de-
terminados assuntos.

Destaco que é uma tarefa pedagógica árdua ao professor, porque, para


além de ensinar conteúdos, ele está mediando as interações sociais existentes,
visto que as crianças conseguem, entre si, dialogar com mais facilidade, a
partir do que se propõe em sala de aula. Reforço, nesses termos, o que profes-
sor José apresenta como esses indicativos pedagógicos do trabalho docente
podem orientar as atividades em sala de aula, ao destacar que:

Nas Ciências da Natureza surgem as perguntas “de


onde surgiu vento?”, “para onde vai?”, “porque precisa-
mos da água e do fogo?” e como surge cada um deles,
por exemplo. Ao mesmo tempo que as dúvidas são res-
ponsáveis, também vem surgindo cada vez mais, pois
trabalhar os fenômenos da natureza não é simples,
mais para que ela seja bem abordada por eles, ela
a ciência também tem que ser bem explicada e nada
melhor do que trabalhar com ela mostrando imagens
para as crianças ou trabalhando com figuras tão reais
mesmo. Toda criança deve despertar em si as melho-
res formas de se adaptar e se enquadrar dentro e fora
do estudo dos animais e de todos os fenômenos da
natureza (EXCERTO DO DIÁRIO DE CAMPO DE
JOSÉ, grifos nossos).

Os argumentos de José demonstram a potencialidade e a forma como se


pode trabalhar alguns dos conteúdos de CNT com as crianças, por exemplo,
uma vez que elas também podem mobilizar saberes científicos, assim como
os professores em suas práticas pedagógicas, de forma colaborativa. Nesse
sentido, observamos que as potencialidades pedagógicas devem ser permea-
das de ações, atitudes, compreensões e proposições acerca de temáticas que
envolvam uma relação mais imbrincada ao papel social e a questões científi-
cas e tecnológicas (AULER; DELIZOICOV, 2001).

194
3.9 Imersão no ir e vir da Análise Textual Discursiva: por
entre sentidos, argumentos e diálogos educacionais

Lorenzetti e Delizoicov (2001) apresentam várias possibilidades pedagó-


gicas de meios que possam ser trabalhados pelos professores em sala de aulas
de Ciências, como, por exemplo, o uso de recursos diversificados com as
crianças. Tais possibilidades ampliam o leque de o professor compreender
melhor o seu papel na tomada de decisão para a educação científica e mo-
bilizar os saberes que são inerentes às práticas que lhes foram planejadas
para a construção do conhecimento científico. Diante do exposto, o professor
Mateus ratifica que:

O ensino das Ciências da Natureza nos anos iniciais


do Ensino Fundamental e o debate sobre a apren-
dizagem giram em diversos aspectos, entre ele, é
básico aquele que relaciona com a possibilidade de en-
sinar ciências durante as primeiras idades, são particu-
larmente relevantes as contribuições das psicologias
cognitivas e genética, o professor a realizar o seu
planejamento deve estar atento ao tempo e ao espa-
ço empregado no trabalho aos alunos e ao conteúdo,
a procedimentos, atitudes e os recursos metodoló-
gicos paras as aulas de ciências, com diferentes mé-
todos que motivem, despertar o interesse e a criati-
vidade e propiciem a construção do conhecimento
científico (EXCERTO DO DIÁRIO DE CAMPO DE
MATEUS, grifos meus)

Essas implicações sobre o papel pedagógico que o professor de CNT deve


trabalhar desde o seu planejamento configura uma ação eficiente para que
se projetem ações atitudinais, procedimentais e conceituais de um ensino
desafiador para um ensino criativo que leve a uma aprendizagem efetiva, por
meio da construção do conhecimento científico. Do exposto, destaco como
a interação em sala de aula se torna fundamental na relação professor-aluno,
aluno-aluno e professor-conhecimento-aluno, de modo a congregar todos os
fatores essenciais para a compreensão de mundo das crianças, inclusive em
uma visão mais ampla com a sociedade.

Saliento, ainda, como Lorenzetti e Delizoicov (2001) destacam os mais


ricos e variados instrumentos pedagógicos para a mobilização de saberes e a
construção do conhecimento científico, tal como Santos (2007) ratifica essa
interação com outros espaços e ambientes formativos para a aprendizagem.
Ao retornarem à escola, os professores devem sistematizar esses conheci-

195
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

mentos, criar possibilidades para o seu aprofundamento e construir outros


saberes de forma interdisciplinar e contextualizada. Assim, é possível:
dar oportunidade às crianças para entender o mun-
do e interpretar as ações e os fenômenos que obser-
vam e lidam no seu cotidiano. Falar e escrever sobre
descobertas é parte do caminho para dominar e
usar a linguagem específica da ciência com as crian-
ças, na forma de textos, gráficos, tabelas e imagens.
[...] Essa tendência o ensino é importante nos dias de
hoje, pois leva em conta a estreita relação da ciên-
cia com a tecnologia e a sociedade, aspectos que não
podem ser excluídos de um ensino que visa formar
cidadãos (EXCERTO DO DIÁRIO DE CAMPO DE
ALICE, grifos nossos).

Enfatizo, a partir das reflexões da professora Alice, como os professores


comunicam esse processo pedagógico do ensino de CNT para mobilizar es-
ses saberes científicos e construir o conhecimento, destacando que não exis-
tem macetes, receitas ou guias didáticos prontos para isso.

Tais ações pedagógicas requerem do professor um olhar para além de suas


ações, que consiga transitar nas interações sociais e reconhecer que existe no
espaço escolar – e além dele – a promoção de uma educação para a cidadania.
Tais práticas educativas nas aulas de Ciências destacam como as atividades
devem ser trabalhadas para que as relações sociais entre as crianças e a cole-
tividade sejam direcionadas ao processo de uma educação cidadã.

Assim, a organização de um plano coletivo estabelece como os sujeitos


podem interagir socialmente, de forma colaborativa, para que ações e resul-
tados sejam alcançados, além da valorização de uma aprendizagem científica
interativa, discursiva e dialógica com as demais crianças durante o processo
de escolarização.

Essas mobilizações nos remetem ao que Vygotsky (2007) apresenta acer-


ca da teoria sociointeracionista, demonstrando que a linguagem, a reflexão
e a experiência são processos pessoais e, simultaneamente, sociais, e que
indivíduo e sociedade estão em um movimento dialógico.

Ao lidar com essas discussões, reforço que a aprendizagem em Ciências


nos anos iniciais do Ensino Fundamental propicia o desenvolvimento dos
conceitos científicos na infância e é capaz de mobilizar a compreensão por

196
3.9 Imersão no ir e vir da Análise Textual Discursiva: por
entre sentidos, argumentos e diálogos educacionais

meio de sua experiência pessoal e interações socioeducativas que são moti-


vadas pelos professores durante as suas aulas.

Diante disso, retomo o que Marina destaca ao citar que “as crianças
constroem ideias sobre o mundo que as rodeiam e possuem capacidade de
compreender e interpretar o mundo, além de agir sobre ele” (EXCERTO DO
DIÁRIO DE CAMPO DE MARINA), o que compreendo ser o fato de como
as CNT asseguram às crianças o acesso aos conhecimentos, mesmo que de
forma processual e gradativa.

Nesse sentido, reitero que os espaços escolares e não escolares contri-


buem para o desenvolvimento de uma argumentação crítica e de um pensa-
mento ético-reflexivo, da ciência e da sociedade, na formação do indivíduo
para a tomada de decisões coletivas. Destaco que a professora Felipa nos
chama atenção em relação à socialização que acontece com as crianças em
sala de aula, enfatizando que:

A criança, quando entra numa escola, seja aos quatro


ou aos seis anos de idade, aprende a socializar com
as outras crianças, pois ela compreende que o es-
paço é de comunhão social. Essa socialização ajuda
as crianças a se acostumarem com a rotina escolar
e o ambiente de uma sala de aula, com o professor
e com os demais coleguinhas. Assim, elas aprendem
regras de convivência, aprendem com os outros e
interagem com todos os meios que forem possíveis
e motivadores para a sua aprendizagem (EXCERTO
DO DIÁRIO DE CAMPO DE FELIPA, grifos meus).

Portanto, o desenvolvimento da construção do conhecimento científico


da criança é possibilitado com a interação social que lhe é permitida em
sala de aula, por meio da elaboração de muitas concepções em que a prática
pedagógica lhe direciona, em que os conceitos vão surgindo à medida que as
influências mútuas vão acontecendo.

Desta forma, enfatizo o quão (e como) é relevante mobilizar esses saberes


científicos/tecnológicos por meio de variados recursos pedagógicos, a fim de
que as inter-relações existentes no ambiente escolar criem uma experiência
pessoal e social nas crianças para desenvolver uma educação crítica, reflexiva
e emancipatória, desde os anos iniciais do Ensino Fundamental.

197
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Tecendo considerações, por vezes, (in)conclusivas

A imersão que faço em textos resultantes de investigações no ambiente edu-


cacional tem ganhado cenário de discussão por meio de detalhes e de aprofun-
damento de ideias desde quando tive o primeiro contato com a ATD, até então
tida para aquele momento como mais uma técnica para análise de dados.

Uma busca mais ativa para compreender essa abordagem sobre os da-
dos que obtive nas pesquisas e como promover debates mais argumentativos
impulsionou-me a tê-la como uma das mais ricas e dinâmicas abordagem
teórico-metodológicas para compreender as experiências por meio de textos,
meus ou de colaboradores.

Diante dessa premissa, aqui apresentei a forma e o contorno que dei a


partir de uma experiência que desenvolvi com professores em formação, tra-
zendo um detalhamento mais aprofundado de como se caminha ao encontro
da análise textual, considerando assim a ATD como uma metodologia de
cunho hermenêutico-fenomenológico implementável nas pesquisas qualitati-
vas, sobretudo na área educacional.

As ferramentas que são disponibilizadas para se fazer a unitarização, a


categorização e a comunicação em metatextos permitem que eu desenvol-
va a minha criatividade e a minha organização, na forma como convir, em
diálogo com a literatura da área, de forma substancial. Disto, apresentei nas
seções anteriores como lidei com excertos e expressões extraídos de diários
de campo construídos pelos professores colaboradores, aqui considerado o
material empírico de análise e, de forma minuciosa, apresento como consti-
tuo as unidades de significado e como acontece com o movimento até chegar
às categorias finais.

O processo da ATD está descrito na obra original de Moraes e Galiazzi


(2016), mas muitos pesquisadores ainda apresentam dificuldades práticas, o
que me fez buscar o máximo de detalhamento possível nesse processo de
organização de informações, a partir dos textos desenvolvidos, de forma a
sistematizar os discursos e fenômenos que emergem neste processo.

Do uso desta abordagem teórico-metodológica, compus o quadro 1, que


apresenta esse movimento que pude discorrer como ele é criado e estrutura-
do, possibilitando a criação de recortes de escrita e reescrita que vou assu-
mindo ao longo das discussões, nas seções seguintes.

198
3.9 Imersão no ir e vir da Análise Textual Discursiva: por
entre sentidos, argumentos e diálogos educacionais

Das aproximações que busco, a partir das unidades de significado, sur-


gem as categorias intermediárias e, posteriormente, sistematizo em duas ca-
tegorias finais, dimensionando as discussões em metatextos e que, sob o meu
olhar de professor e pesquisador, permitem dialogar e tecer argumentos que
se efetivam sobre as proposições feitas pelos professores e reconstruo saberes
que são mobilizados pelas minhas próprias experiências.

Portanto, não considero este material como engessado e enxuto, pronto


e enrijecido, mas como uma construção que ajude outros pesquisadores a
usar a ATD em suas investigações, em um constante movimento de ir e vir
analítico, avaliando as melhores formas de expressar sentidos e significados
das experiências vividas.

Referências
AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê? Ensaio:
Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-13, 2001.
LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries
iniciais. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p.
45-61, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/epec/a/N36pNx6vryxdGmDL-
f76mNDH/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 13 jun. 2022.
MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise Textual Discursiva. 3. ed. rev. e ampl. – Ijuí:
Unijuí, 2016. 264 p.
MOURA, M. A. Construção social da cidadania científica: desafios. In: MOURA, M. A.
(org.). Educação científica e cidadania: abordagens teóricas e metodológicas para a
formação de pesquisadores juvenis. Belo Horizonte: UFMG/PROEX, 2012. p. 19-30.
SANTOS, W. L. P. dos. Educação científica na perspectiva de letramento como prática
social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, [s. l.], v. 12
n. 36, p. 474-550, 2007.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento social da mente.
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
VIECHENESKI, Juliana Pinto; CARLETTO, Marcia. Por que e para quê ensinar ciên-
cias para crianças. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 6, n.
2, 2013.

199
3.10 A importância da valorização
da pergunta do educando como
desveladora da realidade
Thaís Andressa Lopes de Oliveira
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.10

Considerações iniciais

No ensino de Ciências, com especial destaque ao ensino de Química, ainda


é comum a presença de aulas pautadas no modelo tradicional de educação, no
qual o educador é a única pessoa autorizada a falar na sala de aula, e aos edu-
candos cabe a função de apenas ficar em silêncio e ouvir. Esse modelo, deno-
minado por Paulo Freire como “Educação Bancária” (FREIRE, 1994), baseia-
-se na unilateralidade do conteúdo do educador para o educando. Sendo assim,
o educador faria pontuais depósitos de conhecimento na cabeça dos educandos,
que, por sua vez, deveriam interiorizá-los e reproduzi-los nas avaliações.

Em um sistema de ensino baseado na Educação Bancária, preza-se pela


memorização, repetição e reprodução de conteúdo em massa nas avaliações,
e o aprendizado é medido com base na capacidade dos educandos de memo-
rizar o maior número de informações possível. Na maioria das vezes, nesse
modelo, não há espaços para diálogo entre educador e educandos e ainda
menos para diálogos entre os educandos.

Diante desse contexto, e baseando-se na necessidade de uma Pedagogia


da Pergunta nas salas de aula, tal como apontada por Freire e Faundez (1998),

200
este texto busca trazer reflexões acerca do papel da pergunta dos educandos
para o estudo de um tema gerador em uma aula de Química, por meio da
análise de 40 perguntas que constituíram o corpus. Para isso, será trazida na
sequência uma breve explanação teórica, seguida dos procedimentos metodo-
lógicos que nortearam este trabalho e os resultados dele oriundos.

O educar e o aprender por meio da Pedagogia da Pergunta

Na contramão do ensino tradicional, é crescente o número de pesquisas


trazendo evidências das contribuições de práticas dialógicas nas aulas de
Ciências. Enquanto a Educação Bancária cria uma lacuna entre o que é ensi-
nado na escola e o cotidiano dos educandos, o ensino dialógico proporciona
a eles a possibilidade de participar do seu próprio processo de aprendizado.

No momento em que se dá voz aos educandos, permitindo-lhes manifestar


livremente sua curiosidade e suas dúvidas, o educador, antes visto como único
detentor da palavra e do conhecimento, passa a dividir a responsabilidade pe-
los encaminhamentos que serão dados à aula, à medida que as perguntas dos
educandos podem direcioná-la para um ou outro caminho (CAMARGO, 2013).

Se antes as aulas pareciam não ter significado para os educandos, quando se


passa a objetivar a construção de uma pedagogia da pergunta em sala de aula,
os conteúdos e temas são trabalhados a partir do que eles têm real curiosidade
em saber, e não por mera imposição do educador ou do currículo formativo.

É importante frisar que, no contexto de valorização das perguntas dos


educandos, o educador continua tendo papel de destaque no processo de en-
sino e aprendizagem. O que muda é que em vez de ser apenas uma figura de
autoridade, o educador passa a ser visto como mediador do acesso do educan-
do ao conhecimento, como Demo (2011) destaca:

[...] ser professor é cuidar para que o aluno aprenda. Não


se trata de “dar aula”, mas de cuidar que o aluno apren-
da, colocando-o no centro das atenções e garantindo-lhe
o direito de aprender bem. É nisso que o professor passa
a ser baluarte da cidadania popular, à medida que chama
para si a tarefa estratégica de gestar um aluno que sabe
pensar, tornando-o autor (DEMO, 2011, p. 23).

201
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

E saber pensar está intimamente ligado a saber questionar e manifestar


esses questionamentos por meio de perguntas bem oralizadas ou não. Cabe
ao educador se colocar numa posição de respeito diante das indagações dos
educandos e, ao mesmo tempo, de empatia com os tipos de perguntas feitas
por eles. Por se tratar de um momento de transição de um contexto de Edu-
cação Bancária, no qual até então o educando só ouvia calado, para um mo-
vimento dialógico de aprendizado, muitas vezes os educandos demonstram
dificuldades em expressar ou até mesmo em formular suas perguntas. Nesse
sentido, como Freire e Faundez (1998) enfatizam:

Um educador que não castra a curiosidade do educan-


do, que se insere no movimento interno do ato de co-
nhecer, jamais desrespeita pergunta alguma. Porque,
mesmo quando a pergunta, para ele, possa parecer in-
gênua, mal formulada, nem sempre o é para quem a
fez. Em tal caso, o papel do educador, longe de ser o
de ironizar o educando, é ajudá-lo a refazer a pergunta,
com o que o educando aprende, fazendo, a melhor per-
gunta (FREIRE; FAUNDEZ, 1998, p. 25).

Como apontado em Freire (1967, 1994, 2002), Freire e Faundez (1998)


e Fosnot (1995), os educandos, ao chegarem à escola, já são possuidores de
uma leitura de mundo própria e de uma curiosidade que lhes é natural e
espontânea. Somos curiosos por natureza, e o perguntar é elemento indisso-
ciável do processo de aprender, como já demonstram as crianças pequenas
na fase dos porquês (CORTELLA; CASADEI, 2011). À medida que suas
perguntas são castradas ao longo de sua trajetória escolar, os educandos vão
perdendo o gosto pela pergunta e se sentem cada vez mais desmotivados a
fazê-las. Como destaca Souza (2006), o fato de os educandos não fazerem
perguntas durante as aulas não significa que não tenham dúvidas, mas que,
muito provavelmente, eles não se sintam confortáveis em expressá-las.

Cabe ao educador reconhecer os pequenos sinais que os educandos de-


monstram quando estão curiosos sobre algum assunto ou em dúvida sobre
um conteúdo/tema, mostrando-se aberto e receptivo à fala deles. Afinal, se
“a origem do conhecimento está na pergunta, ou nas perguntas, ou no ato
mesmo de perguntar” (FREIRE; FAUNDEZ, 1998, p. 26), o educador neces-
sita adotar estratégias para tratar essas perguntas da melhor forma possível
para o andamento da aula. A esse respeito, Moraes, Galiazzi e Ramos (2004)

202
3.10 A importância da valorização da pergunta do
educando como desveladora da realidade

defendem que as perguntas dos educandos são importantes iniciadoras da


pesquisa em sala de aula, à medida que:

A investigação se inicia com o questionar dos estados


do ser, fazer e conhecer dos participantes, construin-
do-se a partir disso os novos argumentos que possi-
bilitam atingir os novos patamares desse ser, fazer e
conhecer, estágios esses então comunicados a todos
os participantes do processo (MORAES; GALIAZZI;
RAMOS, 2004, p. 11).

Assim, por meio da abertura ao diálogo, os educandos podem manifestar


suas curiosidades e dúvidas sobre um tema, dialogar com seus pares, expon-
do e argumentando seu ponto de vista, e, mediados pelo educador, iniciar um
processo de investigação com base em conhecimentos científicos construídos
em sala de aula, de modo a avaliar se os seus argumentos anteriores são cor-
roborados ou contestados depois desse processo investigativo. Tal processo
de investigação iniciado pelas perguntas dos educandos foi objeto de interes-
se na construção deste trabalho, tal qual será apresentado a seguir.

Encaminhamentos metodológicos

Considerando a importância de se reconhecer e valorizar as perguntas


feitas pelos educandos em sala de aula, buscou-se analisar uma atividade
pautada nos pressupostos da Pedagogia da Pergunta. A atividade em questão
foi desenvolvida junto a quatro turmas da 3ª série do ensino médio de uma
escola pública estadual do norte do Paraná e teve como premissa a necessida-
de de se romper com o modelo tradicional de ensinar o conteúdo de Funções
Orgânicas. Na grande maioria das vezes, o que se vê nas aulas de Química é
uma enormidade de conteúdos que devem ser memorizados e reproduzidos
nas avaliações. Com os conteúdos de Química Orgânica, essa tendência se
intensifica, à medida que as aulas se baseiam em memorizar nomenclaturas,
estruturas, fórmulas e mecanismos de reação.

Como ponto de partida, identificou-se que o “Petróleo” era um potencial


tema gerador das aulas, pois ele compreendia muitas questões que poderiam
ser relacionadas aos conteúdos que seriam estudados e, principalmente, por-
que era um assunto que, no início de 2017, estava muito presente na televisão,

203
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

nas notícias e nas conversas de corredor por causa da alta recente no preço
dos combustíveis e a eminente greve dos caminhoneiros.

Paulo Freire (1967, 1994, 2022) enfatizou em muitas de suas obras a im-
portância de que o Tema Gerador emerja do contexto social dos educando e
não seja mera imposição do educador. Desse modo, um tema pode ser con-
siderado um tema gerador quando ele possui significado para a comunidade
local, abarcando contradições e conflitos de ordem econômica, social, am-
biental e/ou política que possam ser relacionados e interpretados por meio
dos conhecimentos construídos em sala de aula.

Para tal, adotou-se uma postura de abertura às dúvidas e curiosidades


dos educandos sobre o tema Petróleo, num processo que resultou em cerca
de 400 perguntas distintas coletadas. Essas perguntas, conforme descrito em
Oliveira (2018), foram lidas, organizadas e categorizadas de modo a indicar
quais eram os interesses dos educandos, dentre a enormidade de assuntos que
poderiam ser abordados dentro da temática Petróleo. Assim, desde a escolha
das estratégias de ensino que seriam utilizadas nas aulas até o planejamento
de cada etapa das atividades, todo o processo foi feito com base no interesse
dos educandos, manifestado em suas perguntas.

Não cabe neste trabalho discutir a intervenção realizada, nem os resultados


dela oriundos, mas enfatizar como a Análise Textual Discursiva (ATD), pro-
posta por Moraes e Galiazzi (2013), foi importante para aprofundar a análise
e possibilitar novas compreensões sobre o fenômeno em estudo. Em um mo-
vimento recursivo e “constante entre as partes e o todo, em que não há ponto
absoluto de partida nem de chegada” (SANTOS-FILHO; GAMBOA, 2013, p.
42), este trabalho toma uma direção diferente de outras análises já realizadas.

Resultados e discussão
Para este trabalho,1 tomou-se como corpus de análise uma amostragem que
corresponde a cerca de 10% do montante de perguntas feitas pelos educan-
dos. As perguntas a serem analisadas foram selecionadas de forma aleatória

1 O presente trabalho é resultante do curso Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na


prática, e, para realizar o exercício de análise proposto, considerou-se pertinente selecio-
nar uma amostra aleatória entre as 400 perguntas que compõem o corpus, visto que nosso
objetivo é evidenciar o processo de análise pela ATD.

204
3.10 A importância da valorização da pergunta do
educando como desveladora da realidade

visando a representatividade amostral. Com base em Camargo (2013), as pró-


prias perguntas constituíram as unidades empíricas do estudo, passando pelo
processo de desmontagem e categorização buscando identificar tendências que
pudessem emergir desse processo, que resultou em duas categorias finais, cujos
metatextos resultantes da análise serão apresentadas a seguir.

As perguntas dos educandos expressam suas curiosidades


Segundo o Dicionário Paulo Freire (STRECK; REDIN; ZITKOSKI,
2008), a curiosidade e a pergunta são indissociáveis à medida que esta é
manifestação daquela. Ainda que nem sempre sentimos curiosidade sobre
alguma coisa, nós a expressamos por meio de uma pergunta oralizada, nossos
gestos podem comunicar uma indagação (STRECK; REDIN; ZITKOSKI,
2008). A esse respeito, Cortella e Casadei (2011) recordam que:
[a pergunta] surgiu quando nós, humanos e humanas
deixamos de apenas viver a vida e passamos a prestar
atenção no mundo em que vivemos, querendo conhe-
cê-lo. A pergunta se faz não só com palavras: quando
“estico” o ouvido para perceber um som, é a pergunta da
audição; quando aproximo o nariz para captar um aro-
ma, é o olfato que pergunta: “Que cheiro terá?” Quando
dirijo meus olhos para enxergar uma cena, é a pergunta
dos meus olhos, que querem ver uma diferente paisa-
gem e a procuram inquietos, como a perguntar: “Como
será?” Quando coloco a mão sobre uma superfície para
sentir se está quente, é a pergunta do meu tato. São mi-
nhas mãos perguntando: “Será que está muito quente,
será que já esfriou?” Tudo isso é indagação, é questiona-
mento, é curiosidade. Então, a pergunta existe desde que
nós existimos (CORTELLA; CASADEI, 2011, p. 07).

No caso do petróleo, sua presença constante na mídia faz com que seja um
tema que desperte a curiosidade. Por exemplo, quando os educandos A07B2 e
A31B perguntam, respectivamente, “por que o petróleo é preto?” e “qual o

2 Para garantir o anonimato dos participantes do estudo, utilizou-se de códigos compostos


pela letra A + um número para designar o sujeito + uma letra de A-D para indicar a turma
a qual pertence. E, nos casos em que há mais de uma unidade ligada ao mesmo sujeito,
nos utilizaremos, após a designação da turma, de números de 1 a n, onde “n” é o número
total de unidades.

205
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

cheiro dele?” percebe-se o quanto os sentidos provocam a curiosidade sobre


o tema, tal como descrito anteriormente por Cortella e Casadei (2011). Ainda
que poucos, ou talvez nenhum deles, tivesse tido contato diretamente com o
petróleo em sua forma natural,3 perguntas como essas são recorrentes e es-
peradas, afinal, quantos de nós ouvimos todos os dias falar de petróleo, mas
nunca o vimos ou tocamos?

As perguntas dos educandos, mesmo que possam parecer ingênuas, ini-


cialmente, são importantes instrumentos de problematização da realidade e
iniciadoras do processo de investigação, como no caso das perguntas: “Do que
é feito o petróleo?” (A12C), “é possível fazer uma espécie de petróleo em la-
boratório?” (A32B), Onde ele pode ser encontrado?” (A09A) e “Como que o
petróleo vira gasolina?” (A27A). Estas são perguntas que além de expressar a
curiosidade natural dos educandos sobre o tema, possuem potencial de proble-
matização, se o educador estiver aberto a dialogicidade em sala de aula.

Obviamente, quando o educador se coloca numa posição de abertura ao


diálogo e ao questionamento dos educandos, podem surgir perguntas que
ele não saiba responder de imediato, e esse é um dos principais motivos
que levam os educadores a castrar a curiosidade dos educandos (FREIRE;
FAUNDEZ, 1989; VIEIRA, R.; VIEIRA, C., 2005). Por isso, quando surgem
perguntas do tipo “Como faço meu carro funcionar a água (como combus-
tível)?” (A16C) ou “[o petróleo] pode ser uma fonte de energia?” (A07B), o
educador, mesmo que não saiba responde-las naquele momento, pode apro-
veitá-las para levantar os conhecimentos prévios dos educandos e instiga-los
a levantar hipóteses sobre tais questionamentos, que servirão de base para
uma eventual investigação.

Como destaca Nodari (2011, p. 3), “mais do que respostas, é importan-


te dar-se conta de que as perguntas movem e direcionam o ‘buscar’ e o
‘pensar’”, por isso é tão importante conhecer as perguntas dos educandos
e valorizá-las por meio do desenvolvimento de projetos em que educador

3 As perguntas dos educandos foram coletadas no início do ano letivo, cerca de três meses
antes das atividades sobre o tema petróleo iniciarem. Como dito anteriormente, a sequên-
cia de atividades sobre o tema foi toda planejada com base nas perguntas feitas por eles, e
num dado momento lhes foi apresentada uma amostra de Petróleo bruto para que conhe-
cessem sua cor real, cheiro e textura, de modo a sanar suas dúvidas manifestadas nessas
duas perguntas.

206
3.10 A importância da valorização da pergunta do
educando como desveladora da realidade

e educandos possam trabalhar em conjunto, testando hipóteses e se uti-


lizando dos conhecimentos científicos construídos em sala de aula como
desveladores da realidade.

As perguntas dos educandos revelam conhecimentos pré-


existentes

Em um contexto de valorização das perguntas dos educandos, o diálogo


oralizado é elemento fundamental do processo educativo, mas não pode ser o
único instrumento pelo qual os educandos possam se manifestar. No exemplo
aqui apresentado, a coleta das perguntas dos educandos foi feita por meio de
material escrito, isto é, os educandos escreveram em uma folha de papel suas
perguntas sobre o que eles gostariam de saber sobre o tema Petróleo. Muito
provavelmente, se tivesse sido solicitado a eles que fizessem essas perguntas
de forma oral, a maioria dos educandos não teria falado.

Às vezes, por exemplo, o educador percebe em uma


classe que os educandos não querem correr o risco de
perguntar, justamente porque temem os seus próprios
companheiros. Não tenho dúvida em dizer que, às ve-
zes, quando os companheiros riem de uma pergunta, o
fazem como uma forma de fugir da situação dramáti-
ca de não poder perguntar, de não poder externar uma
pergunta (FREIRE, 1989, p. 03, tradução nossa).

Por essa razão, romper com a pedagogia do silêncio que se instaurou nas
salas de aula deve ser um objetivo dos educadores progressistas, pois, quando
se abre espaço ao diálogo em sala de aula, mesmo que incialmente ele seja
feito de forma indireta, constrói-se um ambiente propício à aprendizagem.

São nas perguntas, até mais do que nas repostas, que o educando de-
monstra não apenas suas curiosidades, mas o que ele já conhece sobre um
tema. Conforme destaca Silveira (2013, p. 92), “quanto melhor for possível
conhecer e compreender os saberes apresentados pelos educandos, melhor
será a possibilidade de problematizar a realidade em torno deles” e por isso a
necessidade de se abrir espaços que possibilitem tais manifestações.

Por exemplo, quando se analisa a pergunta “Pensando em fontes de ener-


gias renováveis, é possível soluções químicas renováveis que possam fazer o
processo de combustão mais eficaz que os derivados do petróleo?” (A16C),

207
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

é perceptível que esse educando possui alguma ideia do que sejam energias
renováveis e de que do petróleo se extraem derivados. Cabe ao educador es-
timular o diálogo a fim de refinar a pergunta do educando, de forma com que
ele organize melhor suas ideias e faça perguntas cada vez mais complexas.

O saber é sempre incompleto (FREIRE, 1967) e, ainda que as perguntas


demonstrem o que os educandos pensam saber sobre um tema, valorizar tais
questionamentos e incentivá-los a refazê-los contribui para que superem a
curiosidade ingênua e que esta passe à curiosidade epistemológica.

Como afirma Bresolin (2011, p. 19), “ninguém pergunta sobre aquilo que
nunca ouviu falar”, portanto, se os educandos chegam à sala de aula com
perguntas do tipo “Porque o Brasil tem uma boa quantidade de petróleo e
ainda o pré-sal, mas não temos a tecnologia suficiente pra explorar esses
locais. No entanto, deixar os outros países tentarem explorar é bom para a
economia nacional?” (A06A) ou “O que o governo diz em relação aos paí-
ses que importam o petróleo do Brasil e vendem a gasolina mais barata?”
(A11B), isso demonstra que eles já são possuidores de algum conhecimento
sobre o tema petróleo e de dúvidas associadas à interpretação que fazem dos
desdobramentos possíveis do tema.

Para Ramos (2008, p. 72), “as dúvidas surgem de algum conhecimento.


Ninguém consegue fazer perguntas sobre algo que nunca viu”. Por essa ra-
zão, mais uma vez reitera-se a importância de que haja abertura ao diálogo
em sala de aula e que esse diálogo não precise necessariamente ser iniciado
pelo educador, pois, quando os educandos têm autonomia para intervir, a
diversidade e a qualidade das perguntas são maiores (CAMARGO, 2013).

Veja, por exemplo, a pergunta do educando A28A: “Do petróleo se deri-


vam várias outras substâncias. Gostaria de saber como ocorre a extração
dessa substância (EX: diesel e gasolina). Pois a gasolina acaba queimando
(gerando energia) diferente do petróleo. O carro a diesel já é mais lento em
arrancadas que carros a gasolina”. Apesar do educando se utilizar do termo
substância de forma inapropriada, ele demonstra possuir algum conhecimen-
to sobre o efeito de diferentes combustíveis em motores de automóveis, mos-
trando que mais do que apenas exemplificar o cotidiano, o tema possibilita
momentos de contextualização e problematização da realidade.

Diante de uma pergunta como essa, o educador tem duas opções: igno-
rar a pergunta e seguir com a aula ou problematizá-la junto à turma, como,

208
3.10 A importância da valorização da pergunta do
educando como desveladora da realidade

por exemplo, devolvendo a pergunta ao educando para que ele e os colegas


façam suas hipóteses sobre as diferenças que podem existir entre a queima
da gasolina e do diesel e se os motores a diesel e gasolina são iguais. Não se
trata de mudar todo o planejamento da aula por causa de uma única pergunta,
mas de enxergar na dúvida, que tão espontaneamente o educando nos traz,
uma oportunidade de estimulá-los a refazer suas perguntas, levantar e testar
hipóteses, dialogar entre os pares e confrontar o que julgam saber sobre o
tema com os conhecimentos científicos a fim de formular uma resposta às
suas próprias indagações.

Outra tendência que pode ser identificada nas perguntas dos educan-
dos é a influência da mídia no que eles acreditam saber sobre o tema. Por
exemplo, as perguntas:

No Brasil o petróleo contido na camada pré-sal ainda


é pouco retirado devido à falta de tecnologia. Então,
sem contar com essa camada o Brasil possui petróleo
suficiente por quanto tempo, sem precisar de importa-
ção? (A24D, grifo nosso).
O Brasil extrai e exporta petróleo, mas não tanto
quanto poderia por falta de tecnologia. Se nós não ex-
portássemos para depois comprar de outro país para
o governo ter mais lucro, nós teríamos mais dinheiro
para investir em tecnologia para a extração? (A24B,
grifo nosso).
Por que os políticos se interessam tanto no petróleo?
Pois esses dias vem abordando muito sobre corrup-
ção em cima disso” (A02B, grifo nosso).
Como achar o petróleo? E como ficar rico por esse
motivo? Sempre vejo pessoas achando petróleo e fi-
cando ricos com isso em filmes, mas nunca entendi ao
certo o motivo disso” (A28D, grifo nosso).

Como citado anteriormente na fala de Ramos (2008), nós fazemos per-


guntas sobre algo que já ouvimos ou vimos, mesmo que isso seja apenas pela
televisão ou outra mídia. Além dos saberes prévios, a abertura às perguntas
dos educandos também permite ao educador identificar a interpretação que
eles fazem das notícias vinculadas nos meios de comunicação mais usuais.
Concorda-se com Freire (2002, p. 137) ao afirmar que, num processo dialó-
gico de ensino e aprendizagem, é cada vez mais importante trazer ao debate

209
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

de sala de aula o que se mostra e como se mostra uma notícia, pois “não
podemos nos pôr diante de um aparelho de televisão ‘entregues’ ao que vier”
(FREIRE, 2002, p. 137).

Mais uma vez, reforça-se, como estratégia de ensino, que priorizar o diálogo,
o levantamento de hipóteses e a análise de posições conflitantes de uma situação
com base nas contradições advindas do tema em estudo é importante para a
construção de um sujeito que saiba de fato pensar e se posicionar em sociedade.

Considerações finais
A predominância do ensino tradicional nas salas de aula fez emergir a
necessidade de romper com a pedagogia do silêncio que se instaurou nas
comunidades escolares. De um movimento unilateral, no qual o educador,
enquanto detentor da palavra e do conhecimento, fazia pequenos “depósi-
tos” de conteúdo nas cabeças dos educandos, há uma forte tendência de que
práticas dialógicas, de valorização das perguntas dos educandos, sejam cada
vez mais comuns nas salas de aula. Afinal, quando se abre espaço para que
os educandos participem do seu próprio processo de aprendizado, as aulas
tornam mais comum a presença de perguntas. Este estudo revelou que quan-
do se abre espaço para os questionamentos dos educandos, não apenas sua
curiosidade natural se demostra, como seus conhecimentos pré-existentes.

Referências
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CAMARGO, A. N. B. A influência da pergunta do aluno na aprendizagem: o questio-
namento na sala de aula de química e o educar pela pesquisa. 2013. 109f. Dissertação
(Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) – Faculdade de Física, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
CORTELLA, M. S.; CASADEI, S. R. O que é a pergunta? 4. ed. São Paulo: Cortez,
2011.
DEMO, P. Pensando e fazendo educação: inovações e experiências educacionais. Bra-
sília: Liber Livro, 2011.
FOSNOT, C. T. Professores e alunos questionam-se: uma abordagem construtivista de
ensino. Lisboa: Piaget, 1995.
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FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
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210
3.10 A importância da valorização da pergunta do
educando como desveladora da realidade

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Paz e Terra, 1998.
FREIRE, P. Virtudes del educador. Quito: Imprenta Don Bosco, 1989. (Campaña Nacio-
nal de Alfabetización Monseñor Leonidas Proaño. Serie: La Dimensión Pedagógica
de la Alfabetización - Documento de Trabajo 14).
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e pressupostos. In: MORAES, R.; LIMA, V. M. R. (org.). Pesquisa em sala de aula:
tendências para a educação em novos tempos. 3. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.
NERI DE SOUZA, F. N. Perguntas na aprendizagem de Química no ensino superior.
815 p. Tese (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia
Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro, 2006.
NODARI, P. C. Por Quê? A Arte de perguntar. São Paulo: Paulinas, 2011.
OLIVEIRA, T. A. L. Um olhar freireano para o processo de construção de atividades de
ensino a partir da pergunta dos estudantes sobre petróleo. 2018. 195 f. Dissertação
(Mestrado em Educação para a Ciência e a Matemática) – Universidade Estadual de
Maringá, Maringá, 2018.
RAMOS, M. A importância da problematização no conhecer e no saber em Ciências. In:
GALIAZZI, M. C. et. al. Aprender em rede na educação em Ciências. Ijuí: Unijuí,
2008. p. 57-76.
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8. ed. São Paulo: Cortez, 2013.
SILVEIRA, M. P. Literatura e ciência: Monteiro Lobato e o ensino de química. 2013.
297f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) – Instituto de Química e Física, Facul-
dade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. Belo
Horizonte: Autêntica, 2008.
VIEIRA, R. M.; VIEIRA, C. T. Estratégias de ensino/ aprendizagem: o questionamen-
to promotor do pensamento crítico. Porto: Instituto Piaget, 2005.

211
3.11 A escrita de si no Instagram – o
momento de ruptura
Vanessa Franco
Analice de Oliveira Martins
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.3.11

O texto que aqui se segue é um recorte da minha pesquisa de dissertação


em Cognição e Linguagem, pela UENF, cujo título é: Diário Íntimo, vivên-
cias e memórias na contemporaneidade: narrativas do enfrentamento da dor
de pacientes oncológicas na rede social Instagram. Foi feito este recorte
para cumprir com os requisitos do Curso Análise Textual Discursiva (ATD):
Teoria na prática, ministrados de forma remota pelos professores Valéria de
Souza Marcelino1 e Arthur Rezende da Silva.2

Durante o curso, dividido em quatro aulas, iniciado em 10 de novembro


de 2021 e finalizado em 01 de dezembro de 2021, foi possível aprender sobre
a metodologia da pesquisa em Ensino/Educação, no que se refere à pesquisa

1 Doutora em Ciências Naturais com ênfase em Ensino de Ciências; Mestra em Cognição


e Linguagem pela UENF. Graduada em Farmácia e especialista em Indústria pela UFRJ.
Professora titular do Mestrado Profissional em Ensino e suas Tecnologias (MPET) no
Instituto Federal Fluminense (IFF).
2 Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP-RJ). Mestre em
Planejamento Regional e Gestão de Cidades pela Universidade Cândido Mendes (UCAM-
-Campos dos Goytacazes). Especialista em Literatura, Memória Cultural e Sociedade
pelo Instituto Federal Fluminense (IFF). Graduado em Letras/Literatura (Universidade
Iguaçu-Itaperuna – RJ) e Pedagogia pela UENF. Atualmente, é Diretor-Geral do Instituto
Federal Fluminense – Campus Santo Antônio de Pádua - RJ.

212
qualitativa, além de compreender o caminho da ATD, a partir da Análise de
Conteúdo e da Análise do Discurso. Os professores buscaram explicar sobre
o processo de construção da ATD, apresentando a unitarização, a categoriza-
ção e a produção de metatextos – etapa final da análise, que consiste em um
diálogo com o fenômeno que o pesquisador busca compreender. As unidades,
então reorganizadas, reescritas e entrelaçadas, constroem o sentido e a justi-
ficativa do novo texto. Como atividades durante o curso, os alunos trouxeram
um breve corpus para apresentação e exemplificação aos colegas, na tentativa
de buscar as unidades empíricas e teóricas desse corpus, para construir um
metatexto. As atividades e os exemplos dos professores de algumas de suas
análises foram fundamentais para a assimilação do conteúdo, possibilitando,
neste momento, o surgimento deste texto.

O corpus a seguir é constituído das narrativas de pacientes oncológicas


compartilhadas em seus perfis na rede social Instagram. O que mais tem
significado para a pesquisa são as escritas que narram sobre o processo do
adoecer e seus possíveis enfrentamentos. Dessa forma, as narrativas foram
organizadas em temáticas (categorias) semelhantes, a fim de dar conta do ob-
jetivo principal, que é compreender de que forma tais narrativas contribuem
para a construção de uma rede virtual de apoio social. Como trabalhamos
com o gênero literário diário íntimo, as narrativas retiradas das postagens do
Instagram foram reconstruídas — apenas em sua estrutura — para asseme-
lharem-se a um diário, com a data no início da escrita, em vez de vir ao final,
como é comumente na rede social. As hashtags (#) foram preservadas, pois
também fazem parte da narrativa e é através delas que outras pessoas podem
encontrar tais postagens.

O momento de ruptura traça o início da doença, a descoberta, o diag-


nóstico. Assim, neste capítulo, cada uma das pacientes narrou a seu modo
como foi a descoberta do câncer (CA), compartilhando-a com seus leitores.
Iniciamos com o perfil Câncer Gestacional, que pode ser identificado pela
sigla CG, e, em sequência os perfis Bruna Prendin (BP) e Dani Sottili (DS),
sempre nessa ordem.

213
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

CÂNCER GESTACIONAL, 15 de agosto de 2017

Imagem 1 – Câncer Gestacional

Fonte: Instagram (2017).3

1º Câncer gestacional existe. Já é sabido que a gravidez


traz muitas alterações hormonais à mulher e o câncer
vem exatamente daí, a mulher poderia ou não ter uma
pré-disposição, mas o fato é que a ebulição de hormô-
nios na gravidez é tão grande que uma célula pode não
bater com a outra e, como resultado, tem-se o câncer.
Essa doença pode aparecer em diversas áreas, sendo
os processos mais comuns: câncer de mama, leucemia,
câncer no colo do útero, câncer no ovário e câncer na
tireoide.
2º Câncer gestacional tem tratamento. Já que deitar
na cama e chorar não resolve o problema, o próximo
e urgente passo seria como tratar. No 1º trimestre da

3 Disponível em: https://www.instagram.com/p/BX1DfJgAZPr/. Acesso em: 23 jun. 2022.

214
3.11 A escrita de si no Instagram – o momento de ruptura

gravidez é extremamente complicado tratar o câncer


gestacional, pois o bebê está em formação e as chances
de ele vir a ter algum problema ou até mesmo sofrer
um aborto espontâneo são grandes. Há até a possibi-
lidade da interrupção legal da gravidez. (Calma, nem
tudo está perdido. Há casos em que a mamãe espera
até o 2º trimestre para começar o tratamento e o bebê
nasce sem nenhum problema.) No 2º trimestre, que foi
o meu caso, estuda-se se primeiro, faz-se a cirurgia
para remover o câncer e depois a quimioterapia, ou vi-
ce-versa. A junta médica optou pela segunda opção,
estou em tratamento quimioterápico e graças a Deus
reagindo muito bem a ele.
Nada é tido como certeza, já que esse tipo de câncer
não é tão comum e não há tantos estudos na área sobre.
O certo é que como qualquer doença, é importante co-
meçar o tratamento o quanto antes, para que as chan-
ces de cura aumentem.
3º Câncer tem cura – o primeiro passo para conseguir
a cura é acreditar que é POSSÍVEL! Não é porque você
recebeu o diagnóstico de que está com câncer que junto
veio a sentença de morte. A medicina está avançada e
muito tem a nos oferecer. Além disso, quer prova maior
de recomeço do que a vida que é gerada em seu ventre?
Encare como mais um obstáculo de tantos que passa-
mos pela vida. Você merece ser feliz, o seu bebê mere-
ce a sua felicidade. Procure tratamento médico e cuide
de sua alma. Com certeza sairemos vitoriosas!!! Se se
sentir a vontade, compartilhe sua experiência e vamos
juntas nos fortalecer.
[Comentário]: Nyellefreitas: Parece que to lendo o
relato da minha história. Sendo que eu tomei a quimio
com 10 semanas e terminei com 32. E deu tudo certo.
Hoje tenho o meu milagre e o amor da minha vida.

215
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

BRUNA PRENDIN, 02 de maio de 2020

Imagem 2 – Bruna Prendin

Fonte: Instagram (2020).4

Eu tinha muitos planos para este ano, e na minha mente


tudo estava se encaminhando para que estes se reali-
zassem, mas de repente, um diagnóstico. E tudo mudou.
Junto com a triste noticia veio também a frustração de
todos os meus planos, que não poderão ser realizados,
pelo menos por enquanto. Talvez um dia se realizem,
ou talvez não. Entendi que não sou eu quem determino
quando as coisas vão acontecer, mas sim Deus. Ele é
Soberano na minha vida. Hoje eu não entendo o porquê,
mas eu sei que um dia entenderei, sigo minha vida con-
fiante que Deus vai fazer o melhor. Peço a Deus que me
ajude a aprender com esta dificuldade, e que eu possa
ser fonte de força para outros que se encontram na mes-

4 Disponível em: https://www.instagram.com/p/B_sXm30jLd4/. Acesso em: 23 jun. 2022.

216
3.11 A escrita de si no Instagram – o momento de ruptura

ma situação. “Eu bem sei os pensamentos que penso de


vós, diz o Senhor, pensamentos de paz, e não de mal.”
Jer 29:11 #cancerdemama #vencendoocancer #vaidar-
tudocerto #tenhafe #Deusémaior
[Comentário]: Marcioeraquel: Isso mesmo Bruna. A
confiança em Deus e o otimismo fazem a diferença em
qualquer diagnóstico. São as melhores terapias e os
efeitos são incríveis! Orando por vcs. Orando por vc.
Vai passar!

DANI SOTTILI, 07 de janeiro de 2019

Imagem 5 – Dani Sottili

Fonte: Instagram (2019). 5

“Se for pra ver meu cabelo cair, que seja de azul.

[Comentário] anaaricci_: Guerreirinha.”

5 Disponível em: https://www.instagram.com/p/BsWX-7PnlRM/. Acesso em: 23 jun. 2022.

217
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Resultados e discussão: rede social Instagram – rede de apoio


compartilhada

O momento de ruptura

Como escrever sobre a dor do outro se não estivemos em seu lugar? Se


não passamos pelas mesmas dores? Como adentrar a subjetividade do outro?
Impossível. O máximo que se pode fazer é se aproximar e estar presente. Em-
prestar o ouvido, os olhos e a atenção. E então, transformar cada momento em
escrita. Tentativa de compreensão. Escrevo com o meu olhar de pesquisadora,
mas, sobretudo, com o meu olhar de ser humano, que também experiencia,
que se alegra e chora, que também tem as marcas dos sofrimentos indeléveis
na alma. Mas, em vez de nos vitimizarmos por tudo que acontece, é preciso
direcionarmos nossas forças para o outro, na tentativa de resgatar a força que
há nele, aquela força que surge mesmo quando acreditarmos estar sucumbindo.

É assim que vejo cada uma dessas vidas que chegaram até mim. Cada
fragmento de vida, cada narrativa vai tecendo a minha própria história, e,
assim como o diagnóstico de câncer foi um momento de ruptura em suas
vidas, a presença delas em minha vida também foi, para mim, uma ruptura:
de crenças, pensamentos, valores, modos de estar e se relacionar no mundo,
modos de enxergar a vida. Quem adentra ao universo do outro, verdadeira-
mente, jamais será o mesmo. E quem encontra a dor no caminho também se
transforma. A dor não vem para nos derrubar, mas para nos fortalecer, de
certo modo. Ensina-nos a ser melhores. Mas, o que é ser melhor? Só cada um
poderá responder. Como se trata de uma ruptura, é o processo em que deixo
para trás certas coisas para aceitar o novo, e esse novo que surge me obriga a
reorganizar minha vida. Eu ainda sou eu, mas estou me tornando outro tam-
bém. Que outro é esse? Só o curso do tempo poderá dizer.

Quando aceito a dor que me invade, aceito também a necessidade de


lutar e sobreviver. E sobrevivo de tantos modos. Quando acordo e escolho
agir. Quando mesmo chorando, não deixo de me cuidar e de assumir meus
compromissos. Sobrevivo, também, quando respeito meus limites e espero
um pouco mais para dar o próximo passo. Sobrevivo quando escolho viver.
Viver da melhor forma que eu conseguir, aceitando como estou e quem eu
sou. Ao sobreviver, resisto. A resistência que demonstra o quão forte eu sou.
Desenvolvo a capacidade de permanecer em ambientes hostis e vivenciar

218
3.11 A escrita de si no Instagram – o momento de ruptura

experiências desagradáveis sem me deixar inerte. Não morro, pois estou


lutando. E enquanto há vida, há pelo que se lutar.

De modo a compreender como se constrói a subjetividade diante de um


diagnóstico, buscamos em González Rey (2010) esse conceito. Para o teórico,
os sentidos subjetivos se produzem a partir da articulação entre as emoções e
os processos simbólicos, que resultam dos modos de vida singulares de cada
sujeito. Portanto, não existe subjetividade, mas sim, subjetividades, ou seja,
modos de ser e estar no mundo. O perfil “Câncer Gestacional” trouxe em
sua primeira postagem a informação sobre o que é o câncer gestacional ao
dizer: “Câncer Gestacional tem cura (...) Câncer tem cura – o primeiro pas-
so para conseguir a cura é acreditar que é POSSÍVEL!” Nesse fragmento,
percebe-se que a sua preocupação está em informar sobre esse tipo de câncer,
ainda mais por ser um câncer pouco conhecido, gerando dúvidas sobre o seu
tratamento e prognóstico.

Por mais que, nos dias de hoje, o câncer seja uma doença conhecida e
possua diversas formas de tratamento, já ficou enraizado nos indivíduos o
estigma de que ele é símbolo da morte. Isso ocorre pelo grande poder exer-
cido pelas palavras, mesmo depois de anos em que foram ouvidas. Leader e
Corfield (2009) também discorrem a respeito disso, ao afirmar que:

A antropologia médica também nos mostra como a


linguagem utilizada em uma cultura determinará a
experiência de uma pessoa a respeito do corpo. As pa-
lavras que nos formam enquanto crescemos desempe-
nham um papel ativo e influenciam o que pensamos
estar sentindo no nível físico do corpo. Palavras nos
dizem como reagir e responder àqueles que nos cer-
cam, esculpindo nossas relações com os outros, forjan-
do nossos ideais, nossas aspirações e nossos objetivos
(LEADER; CORFIELD, 2009, p. 98).

Somos seres sociais e, portanto, estamos em relação com outros indiví-


duos a todo momento. É dessa forma que a cultura vai sendo reproduzida e
ganhando eco até o dia em que alguém virá com uma informação nova, forte
o suficiente para desconstruir a anterior. Porém, isso não acontece de um dia
para o outro. É um processo que leva muito tempo em vista desse enraiza-
mento não ser apenas em um âmbito da vida, mas nos diversos aspectos que
compõem a vida de cada indivíduo.

219
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quando estamos vivendo bem, sem maiores problemas de saúde, organi-


zamos nossa vida e planejamos ações para o futuro. Todos sabem que algo
ruim pode vir a acontecer, mas ninguém espera que aconteça com você. Na
maior parte das vezes, não nos preparamos para o momento de um diagnósti-
co. Em relação a isso, Bruna Prendin (2020) escreveu em seu perfil:

Eu tinha muitos planos para este ano, e na minha mente


tudo estava se encaminhando para que estes se realizas-
sem, mas de repente, um diagnóstico. E tudo mudou.
Junto com a triste notícia veio também a frustração de
todos os meus planos, que não poderão ser realizados,
pelo menos por enquanto.

Ao usar a expressão “de repente”, percebe-se a surpresa ao receber o diag-


nóstico, e, nesse sentido, tudo em sua vida iria mudar dali para frente, pois
seria preciso abrir um espaço para algo que não estava planejado, no caso, o
câncer. Ao dizer “por enquanto”, ela já demonstra, de início, a esperança de
que dias melhores virão e que seus planos poderão ser realizados.

A Dani Sottili não foi explícita ao postar sua primeira narrativa em rela-
ção ao câncer. Ao postar uma fotografia com o cabelo curto pintado de azul,
ela apenas escreveu: “Se for pra ver meu cabelo cair, que seja de azul.” Ape-
sar de não utilizar a palavra câncer ou diagnóstico, é possível compreender
que se trata de tal doença ao se referir à queda de cabelo, e ao comparar com
as outras postagens, percebe-se que ela sempre utilizou os cabelos compri-
dos, que aquela postagem ali era, de fato, uma ruptura em sua vida. Ao pintar
seu cabelo de azul, podemos entender como um ato de coragem em relação
ao câncer, a aceitação da doença e que ela precisaria ser enfrentada.

Ao ler as narrativas do diagnóstico, assim entendido, a partir de cada


postagem que se relacionava com o primeiro momento de mudança na vida
das cinco meninas, pacientes oncológicas no momento da leitura das nar-
rativas, e dialogando com os autores, compreendemos que ninguém viven-
cia este momento igualmente. Por mais que sejam momentos semelhantes,
cada experiência é única. Este primeiro momento mostra ao indivíduo a
sua nova condição: a de paciente oncológico. É uma condição difícil de ser
aceita e é preciso, muitas vezes, tempo para ser assimilada e elaborada. De
acordo com Rey (2010, p. 336-337), que se baseia em Touraine (2004, 2006)
e González Rey (2002):

220
3.11 A escrita de si no Instagram – o momento de ruptura

[…] cabe destacar a capacidade do sujeito para se po-


sicionar ativamente, a sua capacidade de decisão em
relação à definição de um caminho vital frente à doen-
ça. Nessa capacidade de decisão, emerge, em todas as
suas nuances, a pessoa como sujeito da doença, sujeito
capaz de tomar posições, de elaborar seus medos e do-
res e de se posicionar de frente aos desafios subjetiva-
mente produzidos.

Isso significa que o paciente precisa agir. O não agir já é, de certo modo,
uma escolha. A escolha de não escolher lutar. A escolha de não decidir, na-
quele momento, o que deve ser feito. A partir do diagnóstico de câncer, há
duas situações que podem ocorrer, dentre as nuances que se desdobram entre
uma e outra. Ou o paciente se torna ativo, no sentido de se preparar para a
luta, tomando decisões e definindo seu caminho, dentro das possibilidades
cabíveis, ou ele se torna um paciente, no sentido de estar passivo diante da-
quela situação, podendo até mesmo vivenciar o luto antecipatório – conceito
este trazido por Lindermann (1944).

Quando o paciente não vê solução para o seu problema, ele começa a


viver o luto antecipatório, que é a experiência da dor de sentir-se enterrado
antes mesmo de ter morrido. Em vez de o paciente olhar para o tratamento
que pode ser realizado, ele encara o diagnóstico como um atestado de óbito,
como se sua vida estivesse acabando ali, naquele momento, no próprio con-
sultório médico. O luto pode estar associado à morte, mesmo da vida, mas
também às pequenas perdas que o câncer irá acarretar, como a perda dos ca-
belos, dos seios, da feminilidade, coisas que são importantes para a mulher e
que alteram a autoestima. Com esse modo de agir, a possibilidade de cura se
enfraquece, pois o próprio paciente não se vê em condições de ser curado. E
a posição do paciente ante a doença, seja ela qual for, é de inteira importância
no processo do tratamento.

Nesse sentido, o corpus escolhido, intitulado O momento de ruptura,


constitui uma das categorizações realizadas para a análise de todas as narra-
tivas selecionadas, a partir da Análise Textual Discursiva (MORAES; GA-
LIAZZI, 2006). Para que se chegasse a esse resultado, foi necessária uma
leitura densa das narrativas para fragmentá-las, ou seja, um processo de des-
construção. Cada unidade empírica recebeu um código, como as iniciais das

221
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

pacientes oncológicas, além da data da publicação – elemento importante, já


que a pesquisa trabalha com o diário íntimo.

Após essa etapa de fragmentação e unitarização, veio a etapa de catego-


rização ou estabelecimento de relações; é o momento em que o pesquisador
une em uma mesma categoria as unidades que possuem o mesmo sentido.
As categorias podem ser classificadas em categorias iniciais, intermediárias
e finais. À medida que se chega às categorias finais, as unidades se tornam
mais compactas, construídas em grupos maiores. Isso foi realizado nesta
pesquisa, embora as outras categorias, que se dividiram em seis, não te-
nham feito parte desta atividade.

Ao categorizar todas as unidades empíricas, chegou-se à etapa da produção


dos metatextos. Essa é a etapa em que o pesquisador impregna com o próprio
referencial teórico, mas também é possível que surja outros teóricos não refe-
renciados no marco teórico, pois a emergência do novo durante a análise é uma
característica da ATD, isto é, aparecem teóricos emergentes, ao lado dos teó-
ricos a priori, já estabelecidos previamente à análise. Desse modo, o metatexto
(MORAES, 2003) aqui construído é fruto de uma análise autoral do pesquisa-
dor, em que ele elabora um texto descritivo e interpretativo, com o intuito de
trazer uma nova compreensão do texto, no caso, das narrativas.

Na análise sobre o momento do diagnóstico, foi possível perceber nas cin-


co pacientes oncológicas que, embora o diagnóstico tenha sido uma notícia
ruim, havia a possibilidade de tratamento e de cura. Nesse primeiro momen-
to, todas as informações eram novas, causando medo, angústia, espanto e
apreensão. Mas, mesmo relatando esses sentimentos difíceis, elas aceitaram
a condição que lhes foi imposta momentaneamente, e, dessa forma, construí-
ram a própria identidade, pois este momento lhes permitiu se autorreconhe-
cerem em suas condições atuais, em vez de negá-las.

Diante disto, a subjetividade não é o reflexo de uma condição objetiva,


mas a capacidade de produzir uma alternativa diante da experiência vivida a
partir dos recursos subjetivos atuais do indivíduo.

222
3.11 A escrita de si no Instagram – o momento de ruptura

Referências
BARBOSA, L. N. F; FRANCISCO, A. L. A subjetividade do câncer na cultura: im-
plicações na clínica contemporânea. Revista da SBPH, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1,
p. 9-24, 2007. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttex-
t&pid=S1516-08582007000100003. Acesso em: 15 mar. 2020.
GONZÁLEZ REY, F. L. As configurações subjetivas do câncer: um estudo de casos em
uma perspectiva construtivo-interpretativa. Psicologia: ciência e profissão, [s. l.], v. 30,
p. 328-345, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pcp/a/Z59n8YsxNyxkT5ckR-
jNmS4P/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 10 ago. 2021.
HELMAN, C. G. Cultura, saúde e doença. Tradução: Claudia Buchweitz e Pedro M
Garcez. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.
LEADER, D.; CORFIELD, D. Por que as pessoas ficam doentes? Tradução: Débora
Guimarães Isidoro. Rio de Janeiro: BestSeller, 2009.
LINDERMANN, E. Symptomatology and management of acute grief. American Jour-
nal of Psychiatry, 101, p. 141-148, 1944.
MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual
discursiva. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 2, p. 191-210, 2003.
MORAES, R; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva: processo reconstrutivo de
múltiplas faces. Ciência & Educação, Bauru, v. 12, n. 1, p. 117-128, 2006.

223
4. Produções dos cursistas a partir de
corpus escolhidos especificamente como
um exercício prático de ATD

224
4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo
redes de significados
Geraldo Bull da Silva Júnior
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.4.1

“[...] a relação entre os mundos de sentido [...]


é a fusão dos horizontes de sentido [...].”
(Rodrigo Zambam)

Introdução
Durante a formação, os futuros professores de Ciências são submetidos a
disciplinas, rotinas de treinamentos e adequação às práticas cotidianas do ofí-
cio. Também é comum as pessoas de fora da área considerarem aquele que lida
com o conhecimento científico como alguém dotado de inteligência superior,
constantemente envolvido em pesquisas e/ou pensamentos lógico-abstratos.
São imagens atribuídas àqueles que lidam com o conhecimento científico.

Essas ideias vêm acompanhadas de outra, a qual se refere à formação para


o futuro desempenho profissional: as disciplinas curriculares são estipuladas
para habilitar a transmissão de conteúdos. Entretanto, o indivíduo em forma-
ção deveria também produzir conhecimento científico novo e de forma ativa.
Porém, desenvolver qualquer campo de saber requer elaboração de novos sa-
beres e significados.

O objetivo principal deste texto foi verificar como a ATD pode ajudar na
percepção de elementos de uma rede de significados. Ela serviu ao exame de

225
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

informações discursivas que constituíram o corpus da pesquisa e viabilizou a


produção de novas compreensões capazes de entrelaçar diferentes elementos
(ANTIQUERA; MACHADO, 2020). Eis a questão central a ser respondi-
da com este trabalho: a formação profissional para exercer o magistério em
Ciências possui elementos afetivos além de conhecimento técnico-científico?
A questão serviu para orientar o olhar e o dirigir para a indicação de uma
maneira de focalizar os dados.

O presente trabalho desenvolve-se a partir da leitura e análise de um ar-


tigo de Rodrigues-Moura et al. (2020) à luz da ATD. O referencial teórico
foi escolhido imediatamente após a primeira leitura desse texto. A referência
a Lévy (2006) deve-se ao fato de que trata a formulação de conhecimento
como tessitura de uma rede de significados.

A ATD torna-se importante na formulação das categorias de análise com


o objetivo de classificar e organizar as informações em conjuntos de caracte-
rísticas comuns. Isso permitiu estabelecer as subcategorias e a categoria final
de análise. Elas podem ser consideradas emergentes, pois foram elaboradas
durante a organização e interpretação dos dados, cujos significados emergi-
ram dos dados do corpus elaborado (FIORENTINI; LORENZATO, 2006).

As unidades que favoreceram formular os contextos foram os recortes


do texto de Rodrigues-Moura et al. (2020), apresentadas em A Elaboração
de um mosaico. Nessa parte, podemos verificar que traduzem a presença de
determinados elementos que apontam para uma formação complexa, que ex-
trapola o universo acadêmico. A categorização necessitou que tais elementos
fossem organizados segundo características comuns.

Além da introdução, o presente texto está subdividido em mais cinco


itens. O trecho relativo à ATD apresenta suas linhas gerais, a intenção de
utilizar esse procedimento de pesquisa e alguns princípios de ação. A parte
que trata do referencial teórico apresenta o porquê da sua utilização e os fun-
damentos das suas principais ideias.

A ATD também possibilitou alargar horizontes teóricos. Os autores cons-


tantes no referencial colaboraram para compreender a temática e ampliar as
compreensões, permitindo problematizar determinados aspectos tratados por
intermédio desse procedimento. Isso potencializou emergir aspectos teóricos
das subcategorias e as categorias obtidas.

226
4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo redes de significados

O material analisado em si é apresentado em A elaboração de um mosai-


co. Neste item, foram transcritos os trechos considerados mais importantes
para a análise inicialmente proposta. Já em Tecendo redes e nas Considera-
ções finais são apresentadas análises que formam o metatexto, objetivo final
da utilização da ATD. Nessas duas partes, tentou-se alinhar ideias teóricas ao
método de trabalho e provocar a emersão de conceitos e de novos elementos.
No último item, tratamos, com mais detalhes, dos aspectos relacionados à
formação da professora envolvida na pesquisa.

A Análise Textual Discursiva (ATD)

Concentino et al. (2017) descrevem a ATD seguindo as ideias fundantes


de Moraes e Galiazzi (2007). Essa metodologia para análise qualitativa de
dados trata de textos e informações, buscando compreender em profundidade
o que se pretende investigar. Com ela, buscamos critérios de rigor para re-
construir conhecimentos sobre o tema tratado. Zambam (2020) defende que
o uso da ATD não deve pretender a apresentação de uma verdade científica
última e particular, que utilizaria a objetividade como critério de verdade.

Trata-se de um processo auto-organizado para construir a compreensão


e buscar novos entendimentos trabalhando recursivamente a partir de três
passos: desconstrução do material estudado (para formulação do “corpus”),
unitarização e busca de relações entre os elementos unitários encontrados
– a categorização.

Ao categorizar, estabelecemos relações entre as unidades de análise


obtidas. Isso exige atitude recursiva de leitura para que, das comparações
resultantes, seja possível obter elementos semelhantes. Esse procedimento
permite revelar tramas complexas trazidas à luz pela linguagem e a fala, re-
velando-se, então, encontros e mundos de sentidos, pondo à mostra diferentes
experiências finitas. Ao contrário das Ciências Naturais, estamos diante de
formas que propiciam aberturas, questionamentos e a valorização dos dife-
rentes sujeitos envolvidos (ZAMBAM, 2020).

A desmontagem do texto permite sua unitarização, ou seja, obter unida-


des de sentido a serem codificadas. O procedimento facilita reescrevê-las de
modo significativo na busca de completude e compreensão. Uma estratégia
que permite localizar os fragmentos no momento de síntese é atribuir um
título para cada unidade.

227
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Desmontar um texto permite estabelecer relações e captar um novo emer-


gente dos dados de maneira auto-organizada. A unitarização permite ao
pesquisador desconstruir informações discursivas para reconstruir sentidos.
Certas vezes, é necessário delimitar que elementos do material serão utili-
zados, pois tratar o corpus em sua integridade pode ser inviável, levando à
necessidade de elaborar (ANTIQUERA; MACHADO, 2020).

Conforme Concentino et al. (2017), estabelecer relações entre as unidades


favorece elaborar categorias de análise. Pode ser necessário elaborar subca-
tegorias a partir dos significados que emergem durante e ao fim do processo
para elaborar categorias e formular unidades de síntese. Ao destacar os frag-
mentos dos textos e em relação ao objetivo da pesquisa, foram reorganizadas
unidades de sentido para codificá-las e associá-las ao texto original.

O uso da ATD visa repor o pesquisador como um ator e autor capaz de


mergulhar “[...] em sua historicidade e em sua temporalidade [...]” (ZAM-
BAM, 2020, p. 664), distanciando-se da ideia de verdade objetiva, presente
de forma decisiva na ciência moderna, que acabou por influenciar a Filosofia
e a Educação (ZAMBAM, 2020). Esse modelo científico moderno de pensar
objetiva um tipo de experiência que deixa de lado a possibilidade de diálogos
e encontro entre mundos.

Ao relacionar as unidades de análise, podemos obter categorias e sub-


categorias a partir de três origens diferentes. Elas podem ser estabelecidas
a priori (antes da análise do corpus), induzidas ou emergentes (elaboradas
conforme o desenrolar da análise do corpus) ou intuitivamente (a partir de
insights). Nós as obtemos examinando detalhes de um texto, fragmentando-o
para obter unidades constituintes (de significado ou de sentido). Nessa fase,
deve-se estabelecer uma relação com diferentes detalhes e sentidos percebi-
dos no material examinado.

Conforme a continuidade do trabalho, foi necessário encontrar formas


de expressar os argumentos parciais que reunissem categorias e unidades
de sentido, organizando-as por suas semelhanças. As construções iniciais
estabeleceram relações, reuniram elementos comuns e foram denominadas
objetivando explicitar compreensão e síntese de sentidos. O envolvimento
com o material, assim como o necessário retorno às categorias iniciais, serviu
para agrupar de forma mais abrangente as categorizações intermediárias.

228
4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo redes de significados

O processo de utilização da ATD possibilita ao pesquisador assumir uma


postura que valoriza os sentidos emergentes “[...] com hipóteses de traba-
lho constituindo-se nas análises [...] expressas em textos argumentados [...]”
(MORAES, 2020, p. 598). O relato é ancorado empiricamente “[...] nas infor-
mações trabalhadas na pesquisa, constituindo abstrações teóricas emergentes
das análises” (MORAES, 2020, p. 598).

Conforme o autor (MORAES, 2020), ao utilizar a ATD, buscamos superar


modelos científicos determinísticos, além de valorizar o pesquisador como
autor de compreensões emergentes do seu trabalho, aproximando sujeito e
objeto. A partir dessa atitude, pode-se evoluir de formas de explicação causa-
-efeito determinísticas e avançar para a compreensão de quadros complexos.

A análise e a categorização culminam com a produção de um metatexto


para descrever e interpretar o material estudado. Dessa etapa resulta uma
nova compreensão do todo, descrevendo e traduzindo aquilo que se com-
preendeu durante a pesquisa. Isso permite teorizações sobre o objeto inves-
tigado, oportunizando expressar o que se entende a partir de combinações e
recombinações das unidades de sentido.

Além de apresentar as categorias de análise construídas, o metatexto


constituiu-se a partir do que se considera mais importante sobre o tema cen-
tral da investigação (ANTIQUERA; MACHADO, 2020). As unidades teóri-
cas recebem títulos e são reescrituras do pesquisador, apresentando sua nova
teoria, levando-o a assumir a condição de autor.

Tudo isso necessita da capacidade de nos mover em espaços não lineares e


atingir a profundidade e a intensidade na compreensão do fenômeno que “[...]
exige participação intensa do pesquisador em sua subjetividade e individua-
lidade, processo de criação e imaginação em que a autoria não é uma opção,
mas uma exigência” (MORAES, 2020, p. 599).

Referencial teórico

Uma das implicações ao adotar a ATD nos procedimentos de pesquisa é


assumir realidades ao nosso redor como construções humanas nas quais a
participação da linguagem tem grande peso. Ao fim de um processo, chega-
mos a compreensões “[...] percebidas como criações com autoria [...]” (MO-
RAES, 2020, p. 597).

229
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Definir e agrupar as categorias em unidades referentes ao mesmo assun-


to possibilita estabelecer categorias mais amplas. Para construir categorias
sistematicamente e compreender o objeto em sua complexidade, devemos re-
construir “[...] redes conceituais e teóricas relacionadas ao mundo e às cultu-
ras [...]” (MORAES, 2020, p. 600). Essa postura requer aceitar a possibilidade
de uma “[...] produção científica [...] centrada em um sujeito que manifesta
seu ponto de vista [...]” e produzir algo original em sua autoria (MORAES,
2020, p. 600-602).

Um autor que serve de amparo à nossa análise é Lévy (2006), que não
considera sujeito e objeto livres de influências das linguagens, formas de
captar e armazenar informações e dos modos de elaborar conhecimento. O
pensamento individual, por sua vez, sofre influência coletiva, pois é consti-
tuído a partir de:

[...] atores humanos, biológicos e técnicos. Não sou


“eu” que sou inteligente, mas “eu” como grupo huma-
no no qual sou membro, com minha língua [...] herança
de métodos e tecnologias intelectuais [...] fora da co-
letividade, “eu” não pensaria. O pretenso sujeito inte-
ligente nada mais é que um dos micro atores de uma
ecologia cognitiva que engloba e restringe [...] (LÉVY,
2006, p. 135).

Dessa forma, o pensar ocorre em meio a uma complexa rede na qual in-
terferem fatores biológicos (neurônios), habilidades cognitivas e construções
humanas. A interconexão desses elementos transforma e traduz diferentes
representações ao longo do tempo. O acesso às informações e tudo o que o
cérebro armazena não se dá linearmente, como ocorre nos hipertextos. Po-
de-se caracterizar a rede hipertextual a partir de alguns princípios básicos:

1) Princípio de metamorfose - A rede está em constante


construção e negociação [...] estável durante um certo
tempo [...] sua extensão, sua composição e seu desenho
estão permanentemente em jogo para os atores [...] hu-
manos, palavras, imagens [...] contexto [...] 2) Princípio
de heterogeneidade - os nós e as conexões de uma rede
hipertextual são heterogêneos [...] o processo sociotéc-
nico colocará em jogo pessoas, grupos, artefatos, for-
ças naturais de todos os tamanhos [...] 3) Princípio de
multiplicidade e de encaixe de escalas - O hipertexto

230
4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo redes de significados

se organiza de um modo “fractal” [...] qualquer nó ou


conexão [...] pode revelar-se como sendo composto por
uma rede [...] há efeitos que podem propagar-se de uma
escala a outra [...] 4) Princípio de exterioridade - A rede
não possui unidade orgânica [...] seu crescimento e sua
diminuição, sua composição e sua recomposição per-
manente dependem de um exterior indeterminado [...]
5) Princípio de topologia - Nos hipertextos, tudo fun-
ciona por proximidade, por vizinhança. Não há espaço
universal homogêneo [...] tudo que se desloca deve uti-
lizar-se da rede hipertextual tal como ela se encontra,
ou então será obrigado a modificá-la [...] 6) Princípio
de mobilidade dos centros - A rede [...] possui perma-
nentemente diversos centros [...] trazendo ao redor de
si uma ramificação infinita [...] esboçando [...] um mapa
[...] e depois correndo para desenhar mais à frente ou-
tras paisagens do sentido (LÉVY, 2006, p. 25-26).

Além de uma língua comum, os atores de um processo comunicacional


produzem e partilham continuamente seus universos de sentidos, o que pode
unir ou separá-los. O contexto, núcleo dessa elaboração e partilha, permite
compreender cada mensagem.

Um exemplo da metamorfose e da multiplicidade e encaixe de escalas é


a elaboração dos conceitos em torno de uma palavra, o que não ocorre de
forma natural nem imediata no indivíduo. Na infância, ela serve à nomeação
imediata e está ligada às situações em que é ouvida e usada.

O desenvolvimento de conceitos ocorre ao longo da vida em situações


de abstração e de generalização. A palavra pode induzir diferentes trans-
formações, ativar e excitar redes semânticas, contribuindo para construir ou
remodelar a “[…] própria topologia da rede ou a composição de seus nós [...] a
imensa rede associativa que constitui nosso universo mental encontra-se em
metamorfose permanente [...]” (LÉVY, 2006, p. 24).

As organizações e reorganizações podem ser temporárias, superficiais,


profundas e até mesmo permanentes. A troca de mensagens (recebidas ou
emitidas) necessita de sentidos e contextos comuns, que não são estáticos.
Novos significados produzidos e realinhados vão além dos já elaborados por
receptor e emissor. Na comunicação verbal, por exemplo, a interação entre
palavras constrói e reconstrói uma teia “[...] de significados [...] na mente de

231
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

um ouvinte […]” (LÉVY, 2006, p. 23). Ouvir uma palavra ativa “[…] uma
rede de outras palavras, de conceitos, de modelos […] imagens, sons, odores,
sensações proprioceptivas, lembranças, afetos, etc.” (LÉVY, 2006, p. 23).

A elaboração de um mosaico

Rodrigues-Moura et al. (2020) recompuseram a trajetória de formação e


a tessitura da rede de saberes de uma professora de Ciências ao longo de sua
vida e carreira. Os autores adentraram “[...] seu mundo imaginário e simbó-
lico de vida […]” (RODRIGUES-MOURA et al., 2020, p. 2), elaborando o
que chamaram de mosaico de um universo racional, trançando filetes para
rememorar uma vivência.

O texto que trata da história de vida e formação da professora de Ciên-


cias utilizou a abordagem narrativa como método de pesquisa. Resgatou um
percurso de formação a partir de “[...] sentidos, significados e sentimentos re-
lativos à docência e à profissão, sob um olhar dual, como aluna no passado e
como professora no presente [...]” (RODRIGUES-MOURA et al., 2020, p. 3).

O tratamento dado configurou uma “[...] metáfora no sentido de embutir


os filetes de memórias de escolarização da professora [...]” (RODRIGUES-
-MOURA et al., 2020, p. 3). Consideraram-se afetos que preencheram espaço
e tempo. O processo permitiu encontrar convergências e entrelaces, configu-
rando a “[...] história do vir a ser de uma professora de ciências […]” (RODRI-
GUES-MOURA et al., 2020, p. 3).

As unidades para as tessituras dos sentidos atribuídos à vida e formação


da docente basearam-se na compreensão de “[...] significados das experiên-
cias vividas e relatadas [...]” (RODRIGUES-MOURA et al., 2020, p. 4). Essas
elaborações permitiram resgatar memórias, histórias e experiências que re-
sultaram em um percurso formativo. Compreender esses elementos possibili-
tou expandir e trançar os filetes, que construíram um mosaico, procedimento
que também possibilitou a interação entre passado e presente da entrevistada.

O relato inclui a narração de experiências, afetos, emoções e sentimentos,


captando evidências, marcas e expressões de um particular vir a ser pro-
fessora. A própria depoente menciona “[...] um mosaico de outros professo-
res que aparecem […]” (RODRIGUES-MOURA et al., 2020, p. 8, grifos
dos autores), permitindo perceber dimensões de lugares fora de uma sala de

232
4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo redes de significados

aula, onde ocorreram eventos marcantes. Considerou-se ainda que tempos e


espaços nos quais fluem acontecimentos são dinâmicos em essência e “[...]
carregados de cores, sensações e sentimentos que se movimentam no tempo
e no espaço […]”, atribuindo sentidos e significados ao que se investiga (RO-
DRIGUES-MOURA et al., 2020, p. 8, grifos dos autores).

As situações narradas não são consideradas ocorrências do acaso, per-


mitindo à entrevistada elaborar sentidos sobre fatos do passado e do presen-
te, situando e coordenando significados, além de permitir projeções sobre o
futuro. Percebe-se uma formação escolar configurando-se em um mosaico
que dá sentidos a uma atuação docente. O entrelaçar de filetes de memória
ressignificou saberes e experiências de uma “[...] práxis, como meio de trans-
formação de si mesma e daqueles que estão próximos de si [...]” (RODRI-
GUES-MOURA et al., 2020, p. 9).

Ao criar um espaço de compreensão de experiências, a trama permitiu


recombinações, mergulhos e imbricação do passado “[...] com outras peças
do mosaico que configuram a professora de ciências [...]”, incluindo a sua
formação atual nas narrativas (RODRIGUES-MOURA et al., 2020, p. 11). O
contexto da pesquisa trouxe à tona reflexões sobre influências de diferentes
pessoas que contribuíram para elaborar olhares críticos e reflexivos sobre
uma consolidação profissional.

Afetividades manifestadas por emoções e sentimentos “[...] são narrativas


que constituem a investigação [...] o pensar narrativamente cria um emara-
nhado de sensações que circulam em um movimento de ir e vir [...]” (RO-
DRIGUES-MOURA et al., 2020, p. 12). Isso permitiu dimensionar filetes
condutores da pesquisa, moldando o mosaico de uma construção docente.

Tecendo redes

Acatando a sugestão de elaborar siglas para identificar mais facilmente os


elementos de análises, utilizaremos as seguintes designações:

a. PLn significa Pierre Lévy (2006) – n é o número do parágrafo de onde


o significado foi extraído;

b. RMn simboliza Rodrigues-Moura et al. (2020) – n também significa


numeração de parágrafo.

233
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Assim, por exemplo, RM2 quer dizer que o trecho foi transcrito de Ro-
drigues-Moura et al. (2020), e, analogamente, PL3 significa que tratamos de
Pierre Lévy (2006).

Buscou-se enredar o texto de Rodrigues-Moura et al. (2020) com as ideias


teóricas de Pierre Lévy (2006). Utilizamos aqui a Análise Textual Discursi-
va (ATD) (CONCENTINO et. al., 2017; MORAES; GALIAZZI, 2007; MO-
RAES, 2020) como método de tratamento do objeto de estudo.

Ao desmontar o texto e realizar sua unitarização, verificamos a presença


de importantes elementos de análise, o que facilitou reescrevê-los de modo
significativo, buscando completude e compreensão. Atribuir título a cada
unidade foi estratégia que realmente permitiu localizar os fragmentos no
momento de síntese.

As unidades recortadas do texto de Rodrigues-Moura et al. (2020) favo-


receram (re)formular os contextos percebidos. Categorizá-los possibilitou sua
classificação, permitindo organizá-los segundo características comuns. Po-
demos considerar a reconfiguração de experiências da entrevistada, como a
interferência de diferentes atores humanos e tecnologias presentes na fala de
Lévy (2006). Por outro lado, a linguagem oral utilizada na entrevista exigiu
diferentes habilidades cognitivas do entrevistador. Isso potencializou o entrela-
çamento de construções humanas e memórias de/sobre diferentes personagens.

Analisar a palavra de um entrevistado difere do contato com um obje-


to da Química, por exemplo. Nesses casos, seguindo critérios pré-definidos,
podemos explorar e expor informações experimentais de forma objetiva,
de acordo com o pensamento científico moderno. Tratando-se da ATD, a
“[...] pesquisa carrega o mundo de sentido, os preconceitos da condição de
ser-e-estar-no-mundo [...]” exigindo postura responsável e ética na pesquisa
(ZAMBAM, 2020, p. 665).

O quadro 1 apresenta as palavras-chave que serviram à formação de di-


ferentes subcategorias aglutinadoras de sentidos que desembocaram na ca-
tegoria Formação como elaboração complexa. A entrevista trouxe à tona
uma rede espaço-temporal da depoente. Foi possível relacionar e, ao mesmo
tempo, recombinar um passado que sofreu diferentes influências. Registros
e transcrições dos depoimentos da entrevistada materializam modalidades
influenciadas coletivamente.

234
4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo redes de significados

Quadro 1 – Palavras-chave, subcategorias e a categoria

Palavras Chaves Subcategorias Categoria

(RM1) seu mundo imaginário e simbólico


de vida [...] elaborando o que chamaram de
mosaico de um universo racional;
(RM2) sentidos, significados e sentimentos
relativos à docência e à profissão, sob um
olhar dual, como aluna no passado e como
professora no presente; Presença da
(RM3) metáfora no sentido de embutir os linguagem
filetes de memórias de escolarização da
professora [...] história do vir a ser de uma
professora de ciências […];
(RM7) o pensar narrativamente cria um
emaranhado de sensações que circulam em
um movimento de ir e vir;
Formação
(RM2) sentidos, significados e sentimentos como elabo-
relativos à docência e à profissão, sob um ração em rede
olhar dual, como aluna no passado e como complexa
professora no presente;
(RM4) […] um mosaico de outros professo-
res que aparecem […] carregados de cores,
sensações e sentimentos que se movimen-
tam no tempo e no espaço;
Enredamento
(RM5) práxis, como meio de transformação
de si mesma e daqueles que estão próximos
de si;
(RM6) com outras peças do mosaico que
configuram a professora de ciências;
(RM7) o pensar narrativamente cria um
emaranhado de sensações que circulam em
um movimento de ir e vir;

Fonte: elaboração do autor.

O resgate do mosaico que constitui as vivências da professora permitiu


constatar o peso de construções humanas, tais como linguagens, institui-
ções de ensino e representações semióticas mencionadas por Lévy (2006).
Notamos elementos que figuram em duas subcategorias nos três quadros de
análise: RM2 e RM7, que nessa amostragem servem de elo.

235
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Com isso, percebe-se que uma categorização simples e que tentasse isolar
determinados elementos seria infrutífera. O desenvolvimento individual da
entrevistada traduz influências de diversas pessoas, linguagens e instituições
que utilizam diferentes representações semióticas. Assim, percebemos que
sua inteligência e cognição resultaram de/em complexas interações em rede.

Temos aqui a indicação de que aprendemos a pensar dentro de uma cole-


tividade, sendo microatores imersos em ecologias cognitivas. Uma primeira
relação entre o trabalho de Rodrigues-Moura et al. (2020) e as ideias de Pier-
re Lévy (2006) apresenta-se no quadro 2.

Quadro 2 – A presença da linguagem

Rodrigues-Moura (2020) Pierre Lévy (2006)

(RM1) seu mundo imaginário e simbólico de


vida;
(RM2) sentidos, significados e sentimentos
relativos à docência e à profissão, sob um olhar (PL1)
dual, como aluna no passado e como professora [...] Não sou “eu” que sou inte-
no presente; ligente, mas “eu” como grupo
(RM3) metáfora no sentido de embutir os filetes humano no qual sou membro,
de memórias de escolarização da professora com minha língua [...] herança
[...] história do vir a ser de uma professora de de métodos e tecnologias
ciências […]; intelectuais […]
(RM7) o pensar narrativamente cria um ema-
ranhado de sensações que circulam em um
movimento de ir e vir.

Fonte: elaboração do autor.

Diferentes interações resultaram em uma rede cujas interconexões de ele-


mentos transformaram o mundo da professora entrevistada. Isso se traduziu
em representações que permitem lançar olhares críticos e reflexivos sobre
sua formação profissional. O mundo imaginário e o simbólico ligam-se a
grupos humanos nos quais ela se vê pertencente. Metáforas, significados e
experiências emergentes no depoimento são parte do patrimônio linguístico
dos atores sociais. Complementarmente, o pensar em forma narrativa asso-
ciou linguagens, sensações, métodos e tecnologias sociais herdadas.

236
4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo redes de significados

Lévy (2006) considera nossa rede de significações em constante meta-


morfose, transformando continuamente o conhecimento. Temas e objetos
sempre encontram novas interconexões e originam uma teia que não para de
ser tecida. Assim, a rede de significados assemelha-se a um hipertexto. O fato
ajuda a rever fronteiras anteriormente fixadas e pré-determinadas, permitin-
do assumi-las como relativas. Como exemplo, temos os anteparos erguidos
entre as Ciências modernas e suas formas de ensino.

Os sentidos resultantes do realinhamento de ideias da entrevistada ul-


trapassam aqueles que ela herdou das elaborações sociais que a rodeiam. A
interação entre palavras (re)construiu teias de significados. Cada fala ativou
redes compostas por outras palavras, imagens, sensações, lembranças, outros
conceitos e afetos.

Temos outra forte conexão entre Rodrigues-Moura et al. (2020) e Pierre


Lévy (2006). São considerações sobre o hipertexto, que podem ser percebi-
das a partir de elementos do quadro 3 a seguir.

Quadro 3 – Rede de significados e ideias

Rodrigues-Moura (2020) Pierre Lévy (2006

(RM2) sentidos, significados e sentimentos


relativos à docência e à profissão, sob um
olhar dual, como aluna no passado e como
professora no presente;
(RM4) […] um mosaico de outros professo-
res que aparecem […] carregados de cores, (PL3)
sensações e sentimentos que se movimen-
tam no tempo e no espaço; Princípios de metamorfose; hetero-
geneidade; multiplicidade e encaixe
(RM5) práxis, como meio de transforma- de escalas; Princípio de exteriori-
ção de si mesma e daqueles que estão dade; de topologia; Princípio de
próximos de si; mobilidade dos centros.
(RM6) com outras peças do mosaico que
configuram a professora de ciências;
(RM7) o pensar narrativamente cria um
emaranhado de sensações que circulam
em um movimento de ir e vir;

Fonte: elaboração do autor.

237
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Cada palavra induziu transformações ativando redes semânticas que con-


tribuíram para construir um depoimento, remodelando a topologia e a com-
posição de nós da teia de recordações. Os caminhos percorridos reforçaram
a ideia de que as conexões na memória da professora permitiram reconstruir
seu universo mental.

Verificamos elementos nas falas e termos expressos na entrevista que per-


mitiram a emersão da ideia de formação para a profissão de professor. Ela é
carregada de conceitos além dos simples conteúdos acadêmicos. Notamos
que, em paralelo à formação científica, existe a forte presença de uma diver-
sidade de situações de vida.

Como características mais marcantes, temos os sentidos atribuídos, os


significados elaborados e os sentimentos sobre a profissão docente sob um
olhar dual. A aluna no passado hoje se vê como professora impregnada por
essas marcas (RM2). Tudo isso vem à tona ao pensar narrativamente, criando
sensações em um emaranhado provocado por diferentes circulações de ideias
e movimentos de ir e vir (RM7).

A linguagem escrita contribuiu para a construir um movimento que per-


mitiu verificar uma produção histórico-social resultante da interação entre
sujeitos. Estes, por sua vez, não devem ser compreendidos como personagens
moldados passivamente pelo meio social em que se encontram. Por outro
lado, também não somos indivíduos apenas ativos e sim pessoas reflexivas,
interativas e dotadas de autonomia, capazes de regular suas próprias ações a
partir de inter-relações com os demais. A escrita foi então um instrumento de
apoio ao pensamento que buscava comunicar, modificando modos de pensar.

Considerações finais

Voltemos à ideia geral de que os profissionais do magistério na área cien-


tífica trazem apenas conhecimentos técnicos da sua formação e as lembran-
ças de diferentes disciplinas importantes para a atuação profissional. Como
contraponto, podemos dizer que os egressos da graduação em diferentes
ciências dependem de determinados conhecimentos específicos, mas trazem
também recordações, sentimentos e saberes extracientíficos.

Como resultados e reflexões a partir do que se percebeu inicialmente é pos-


sível dizer que, no caso da professora, ela realizou microações e teceu uma rede

238
4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo redes de significados

com ecologia própria, unindo seus componentes biológicos, sociais e tecnoló-


gicos. Vemos que, de fato, o pensamento não ocorre isoladamente no indivíduo
e sofre diferentes influências, resultando em um desenvolvimento complexo de
inteligência e cognição em meio à presença de diferentes atores.

A entrevista, por exemplo, permitiu resgatar o mosaico em que se consti-


tuiu determinada formação para a docência, aproximando diferentes heran-
ças de métodos. As tecnologias construtoras do eu inteligente individual da
professora em meio a coletividades diversas originou, a partir de diferentes
modalidades de “eu” como tradução de um grande “nós”, sem o qual cada
ator social não conseguiria pensar de maneira autônoma.

Pode-se considerar que o objetivo principal deste trabalho foi alcançado:


verificar como a ATD serviria para a percepção de elementos constituintes
de uma rede de significados. As características mais marcantes revelam sen-
tidos atribuídos, significados e sentimentos sobre a profissão que vão além da
formação acadêmica. Vemos, a partir das subcategorias, que diversas marcas
compõem o perfil da docente, e o pensar narrativo permitiu observar sensa-
ções emaranhadas em relação ao passado.

Consideramos a questão central (sobre o peso de elementos afetivos na


formação profissional para o magistério em Ciências para além do conheci-
mento técnico) também respondida satisfatoriamente. A linguagem oral na
entrevista, além de permitir aflorar sentidos e sentimentos da entrevistada,
favoreceu o exercício de diferentes habilidades cognitivas de entrevistado e
entrevistador. Foi importante entrelaçar construções humanas e memórias
de/sobre diferentes personagens presentes no vir a ser de uma profissional do
magistério que lida com o conhecimento científico.

Já como perspectivas, implicações e/ou recomendações, consideramos ne-


cessário rever, entre outros elementos, quais contextos e sentidos das palavras
se modificaram, como também aqueles que porventura persistam durante o
desempenho profissional. Existe a necessidade de verificar como certos con-
ceitos assimilados na formação acadêmica extrapolam aqueles inicialmente
estabelecidos por determinado grupo social. É o caso de certos conceitos que
encontramos previamente estabelecidos ao iniciar uma graduação.

Em diversos níveis de escolaridade, é importante associar conteúdo técnico


e a realidade do estudante. Os cursos de formação científica para o magistério
costumeiramente não cuidam de determinadas realidades dentro e fora do am-

239
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

biente escolar. Necessitamos de profissionais que saibam lidar com determina-


dos saberes, equipamentos e instalações. Ao mesmo tempo, o ser humano que
põe em movimento diversas estruturas e conceitos referentes à área deve ser
foco de atenção, ultrapassando uma simples exposição de conceitos.

Em situações ideais, a formação do profissional de educação não cabe


apenas tornar o indivíduo hábil para manipular conceitos. Precisamos de
profissionais preparados para permanentemente romper o estágio de conhe-
cimento em que se encontra. O professor de qualquer área científica necessita
constantemente de estímulo para refletir sobre sua atuação e as consequên-
cias de seu trabalho.

Isso seria um importante passo para o docente, que, além de tecnicamente


qualificado, seja alguém capaz de se tornar consciente de que sua formação
vai além de conhecimentos de área. Tudo isso colaboraria para construir re-
des articuladoras de significados, emaranhado de significações diferentes, e
não apenas na forma de uma simples corrente, que se desfaz com a quebra de
um de seus elos.

Referências
ANTIQUEIRA, L. S.; MACHADO C. C. Análise Textual Discursiva na Pesquisa Sobre
Formação de Professores de Matemática. Pesquisa Qualitativa, São Paulo, v. 8, n.
19, p. 863-888, dez. 2020.
CONCENTINO, J. et al. Encaminhamentos da metodologia de análise de dados: Aná-
lise textual discursiva. In: ENCONTRO PARANAENSE DE EDUCAÇÃO MA-
TEMÁTICA, 2017, Cascavel. Anais [...]. Cascavel: Unioeste, 2017. Disponível em:
http://www.sbemparana.com.br/eventos/index.php/EPREM/XIV_EPREM/paper/
viewFile/222/12. Acesso em: 14 jun. 2022.
FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática: percursos
teóricos e metodológicos. Campinas: Autores Associados, 2006.
LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática.
São Paulo: 34, 2006.
MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise Textual Discursiva. Ijuí: Unijuí, 2007.
MORAES, R. Avalanches construtivas: movimentos dialéticos e hermenêuticos de trans-
formação no envolvimento com a análise textual discursiva. Pesquisa Qualitativa,
São Paulo, v. 8, n. 19, p. 595-609, 2020.

240
4.1 Análise Textual Discursiva: tecendo redes de significados

RODRIGUES-MOURA, S. et al. Mosaico do vir a ser uma Professora de Ciências: por


entre Memórias de Escolarização, Histórias de Vida e Sentimentos da Docência.
Ciência & Educação, Bauru, v. 26, p. 1-14, 2020. Disponível em: https://www.scielo.
br/j/ciedu/a/Jp4V8FM9cn8fFkhvHMnmDSp/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 14
jun. 2022.
ZAMBAM, R. E. A hermenêutica Filosófica na ATD. Pesquisa Qualitativa, São Paulo,
v. 8, n. 19, p. 661-676, dez. 2020.

241
4.2 Aplicação da ATD à epistolografia
medieval: estudo de uma
correspondência de Henrique IV (1082)
Paulo Henrique dos Santos Oliveira
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.4.2

Introdução
Este trabalho tenciona realizar uma análise discursiva de um texto epis-
tolar datado do ano de 1082, originário da chancelaria real germânica da
Idade Média Central. A referência metodológica aplicada a tal carta é a Aná-
lise Textual Discursiva (ATD), segundo sua fundamentação em Moraes e
Galiazzi (2016). A ATD é uma abordagem qualitativa de análise de dados
que procura traduzir e interpretar um fenômeno por meio da fragmentação
e recomposição de discursos textuais, buscando encontrar microelementos
que formam um todo discursivo com coesão que possibilite interpretações da
realidade (MORAES; GALIAZZI, 2016; SOUSA; GALIAZZI, 2017).

O roteiro a ser seguido e apresentado em detalhe compreende os passos a


seguir. A atividade do pesquisador, dentro da ATD, inicia-se com a escolha
de um corpus específico: um texto ou coleção de textos que reúna dados
sobre o fenômeno que se quer estudar. Decidido o corpus, a interação com o
texto procede rumo à fragmentação em unidades empíricas, que são partes
formativas do texto em si com significados em particular. Adiciona-se ao
universo de trabalho um conjunto de unidades de significado teóricas, que
tratam de dados disponíveis na literatura de referência utilizada. A partir do

242
conjunto entre unidades empíricas e teóricas, emergem novas categorias que
viabilizam uma interpretação mais ampla do sentido do discurso. Essas novas
perspectivas são, por fim, materializadas em metatextos.

Apresentação do corpus

O corpus escolhido corresponde a uma carta enviada por Henrique IV,


Sacro Imperador Romano-Germânico (1054-1106) ao clero e povo de Roma
em 1082. Essa epístola é parte de uma extensa rede de comunicações partida
da chancelaria real henriciana de forma a reforçar sua posição no conflito
chamado pela historiografia moderna de “Querela das Investiduras”, uma sé-
rie de embates entre as autoridades papal e imperial no século XI.

O embate inicia-se em resposta a movimentos de autonomia eclesiástica,


agrupados em categoria hoje reconhecida como a “reforma do século XI”,
que ganham peso institucional a partir da década de 1050, com a ascensão do
Papa Leão IX (1049-1054). Uma importante fase na qual se dá um conjunto
de mudanças institucionais, porém, inicia-se em 1073, com a ascensão do
monge Hildebrando de Soana à Santa Sé como Papa Gregório VII (1073-
1084). A participação de Gregório em um programa reformista e seu conflito
aberto com o poder do Sacro Império Romano-Germânico, na figura de Hen-
rique IV, são motivos por trás da atribuição do nome de “reforma gregoriana”
aos acontecimentos desse período.

Em uma disputa iniciada pelo direito de quem teria o poder de investir


novos bispos, a disputa entre Gregório e Henrique se encrudesceu na segunda
metade da década de 1070, formando grupos de clérigos e nobres poderosos
em aliança com um ou outro poder. Isso levaria a assembleias hostis umas às
outras, condenações e até mesmo excomunhões recíprocas entre os partidos
papal e imperial, levando a um ponto de inflexão em 1077, no qual Henrique
se submete de maneira tática ao poder papal no castelo de Canossa, Itália.

Tal paz não dura por muito tempo, no entanto. Em 1080, ocorrem novas
acusações e excomunhões mútuas, dentre as quais Gregório renega a Henri-
que a própria coroa real, apoiando como anti-rei um nobre rival de Henrique,
que é morto em batalha no mesmo ano. O que se segue é uma expedição do
imperador à Itália, na qual ele visa estabelecer controle efetivo sobre o norte
italiano e a cidade de Roma, colocando-a sob cerco a partir de 1081. Ao mes-
mo tempo, Henrique busca convencer os poderes eclesiásticos e temporais da

243
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

cidade da retidão de sua empreitada. É nesse contexto que sua chancelaria


envia a seguinte correspondência a Roma. A tradução utilizada aqui é própria
do autor, com base no texto da tradução inglesa da carta, codificada como
Epístola 17 no corpus de Mommsen e Morrison (1967).

Texto da epístola 17
Henrique, Rei pela graça de Deus, envia graça, amor e
todas as boas coisas a todos os cardeais, clérigos e lei-
gos romanos, a seus maiores e menores vassalos, caso
sejam já seus vassalos ou em vias de tornarem-se tal:
A autoridade romana deve sempre ser forte em justi-
ça, especialmente em prol de toda nação, já que seu
pecado é a destruição, e seu mérito, a acreção de reta
vivência àqueles sujeitos a ela. Agora, tu podes ver a
prova disto em toda parte; decerto, poderiam vê-lo [an-
tes] se não houvésseis sido prejudicados por um certo
homem. Por causa daquele prejuízo, mesmo se fostes
menos que diligentes de certas formas, a acusação con-
tra vós torna-se mais leve, visto que aquele que deveria
ser o espelho da reta vivência tornou-se obstáculo não
apenas a vós, mas também a todos que veneram a lide-
rança que Roma exerce sobre a Fé católica, de tal modo
que agora a Igreja virtualmente ameaça desabar, não
em erro, mas em ruína irreparável.
Vendo tal estado infeliz e estando indispostos de tolerá-
-lo por mais tempo, viemos a Roma, onde esperávamos
vê-los todos em fidelidade. E de tal forma tínhamos
esperança em sua justiça e perseverança na fidelidade
filial que nos mostráveis, que [esperávamos] ser possí-
vel tratar convosco toda matéria de direito concernente
à realeza e ao sacerdócio, mesmo se viéssemos sozi-
nhos com muitos poucos soldados. Mas vos encontra-
mos muito diferentemente do que esperávamos, já que
aqueles que pensávamos amigos agora percebíamos
como inimigos. Eles foram nossos inimigos, embora
viéssemos até vós por mera justiça, e pelo seu conselho
e pela autoridade canônica, de modo a estabelecer paz
entre a realeza e o sacerdócio.
Certamente sabemos e livremente cremos que vós sois
amigos da justiça e que não nos negariam a justiça que

244
4.2 Aplicação da ATD à epistolografia medieval: estudo
de uma correspondência de Henrique IV (1082)

não negam a qualquer, salvo se vós tivestes ouvido que


vínhamos para trazer injustiça e desordem até vós.
Certamente, não somos ignorantes das maquinações
deste Senhor Hildebrando. Não é surpreendente que
ele tenha podido enganar aqueles que vivem na mes-
ma cidade que si; pois ele era o mesmo homem que
seduziu a amplitude do mundo e manchou a Igreja com
o sangue de seus filhos, quando ele fez filhos levantar-
-se contra seus pais e pais contra seus filhos, e armou
irmão contra irmão. Certamente, se desejardes consi-
derar tal matéria, tal perseguição é mais cruel que a
perseguição de Décio, visto que Cristo coroou no Céu
aqueles que Décio matou por Cristo, mas a atual perse-
guição priva da vida presente e condena tais proscritos
por ela ao inferno.
Para resolver tal problema, a Igreja convocou Hilde-
brando amiúde a purgar-se do crime a ele imputado
e para livrar a Igreja do escândalo. Mas quando con-
vocado, ele desdenhou apresentar-se; nem ouviu ele
nossos enviados e tampouco deixou que vós os ou-
vísseis, temendo perdê-los como apoiadores uma vez
que a justa causa fosse ouvida. Mas pedimos à justiça
comum de todos que pelas vossas ações até ele venha
apresentar-se diante de nós agora, que mesmo agora
ele ouça a Igreja lamentar-se. Se a Igreja foi confiada a
ele, por que ele suporta que ela pereça? Não verdadeiro
pastor, mas mercenário que obteve a posição de pastor,
é aquele que retira das ovelhas seu auxílio enquanto o
lobo as rasga em pedaços. Digam a ele que venha, que
dê satisfação à Igreja, que não tema a ninguém salvo a
Deus; deixem que ele aceite juramentos, deixem que
aceite reféns vindos de nós, certo de salvo-conduto a
nós e retorno seguro a vós, caso ele seja mantido na Sé
Apostólica ou deposto.
Olhai, com o favor de Deus viremos a Roma na data
marcada. Se ele assim o quiser, que tudo seja feito
ali. Se for mais aceitável vir com nossos mensageiros
a nosso encontro, aprovamos tal plano também. Ve-
nham com ele vós, quantos de vós quiserdes; venham,
ouçam, julguem. Se ele puder e dever ser Papa, a ele
obedeceremos; mas se o oposto for verdade em vosso
julgamento e em nosso, deixem que outro, a quem a
Igreja requisitar, seja providenciado à Igreja.

245
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Não deveis rejeitar tal proposta. Se é justo ouvir um


sacerdote, também é justo obedecer a um rei. Por que
Hildebrando luta para destruir o que é administrado
por Deus? E se ele assim o tenta, por que vós não o
opondes? Deus disse que não uma, mas duas espadas
são suficientes. Mas Hildebrando intenta que haja ape-
nas uma, dado que ele luta para arruinar-nos, a quem
(embora indignos), Deus ordenou rei desde nosso ber-
ço, Deus nos tem mostrado diariamente que Ele assim
nos ordenou; como qualquer um pode ver ao conside-
rar quão bem Ele nos protegeu das emboscadas de Hil-
debrando e de seus partidários. Já que ainda reinamos,
embora contra a vontade dele; foi o Senhor quem des-
truiu nosso cavaleiro, o perjuro que Hildebrando orde-
nou rei em nosso lugar.

Em nome da fé que vós guardásseis pelos imperado-


res, nosso avô e nosso pai Henrique [III], e que deveis
guardar por nós, e de fato guardaram bem até o tempo
de Hildebrando, pedimos que não nos neguem a honra
patrimonial dada por vós a nós, pela mão de nosso pai.
De outra maneira, se decidíreis negá-la a nós, pedimos
que digam o motivo de sua negativa, já que estamos
preparados para fazer toda justiça a vós, reservar toda
honra a São Pedro, e recompensar todos que merece-
rem, independente de quem forem. Viemos investir
não contra vós, mas contra aqueles que vos atacam.

Não oprimam a Igreja por mais tempo através de Hil-


debrando; não lutem com ele contra a justiça. Que haja
um julgamento às vistas da Igreja. Se for justo que vós
o considereis papa, defendam-no como papa. Não o de-
fendam como um ladrão buscando por seu covil.

O que ele ganha ao sacrificar a justiça por poder? De-


seja ele, portanto, ser mais injusto, visto que mais exal-
tado? Estas são suas próprias palavras, “que ele não
deve ser julgado por ninguém”. E o significado destas
é o mesmo do que se ele houvesse dito “ele pode fazer
o que quiser”. Mas esta não é a regra do Cristo, na qual
declara-se que “aquele que é o maior dentre vós será
vosso servo”. E assim é injusto para ele que se intitula
servo dos servos de Deus oprimir os servos de Deus
por meio de seu poder. Não deve ser vergonhoso a ele
ser reduzido a um posto baixo de maneira a remover

246
4.2 Aplicação da ATD à epistolografia medieval: estudo
de uma correspondência de Henrique IV (1082)

um escândalo comum aos fiéis, já que a obediência co-


mum diz que ele deve ser exaltado. “Pois aquele que”,
disse o Senhor, “ofender estes pequenos que creem em
mim, seria melhor para ele que uma pedra pendesse de
seu pescoço”. Olhai, os pequenos e os grandes clamam
contra o escândalo que ele presenteia e pedem que isso
seja removido de seu seio.
Que ele, portanto, venha corajoso. Se sua consciên-
cia é pura, é assegurado que ele se regozijará com a
presença de todos, visto que quando tais coisas forem
refutadas por inteiro, a glória será dele. Que ele tenha
certeza de que sua vida não estará em perigo, mesmo
que vosso julgamento e a autoridade dos cânones de-
cida que ele deve ser alijado da dignidade que mantém
injustamente. Não estamos prontos a fazer nada sem
vós, mas todas as coisas convosco, se apenas vermos
que vós não resistais a nossos bons atos.
Finalmente, não pedimos por nada salvo a permanên-
cia da justiça naquele lugar onde é mais apropriado
que ela resida. Desejamos encontrar justiça entre vós;
e, com o favorecimento de Deus, estamos resolvidos a
recompensá-la quando encontrada. Adeus. (MOMM-
SEN; MORRISON, 1967, Epístola 17, Tradução nossa).

Fragmentação em unidades empíricas


Seguiu-se a fragmentação do texto da carta em unidades de discurso es-
pecíficas, de acordo com as ideias apresentadas, seguida da atribuição de có-
digos6 (Quadro 1), sendo algumas destas unidades reescritas, caso seu sentido
geral fosse preservado.

6 Os prefixos dos códigos seguem a estrutura de uma carta do período: [S]audação/ [E]xór-
dio/ [N]arração/ [P]etição/ [C]onclusão, com a adição de duas seções [A]rgumentativas
que essa carta tem de diferente, em comparação com outras de seu corpus contemporâneo.

247
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 1 – Unidades empíricas (continua)

Henrique, Rei pela graça de Deus, envia graça, amor e todas as boas
S01
coisas

S02 a todos os cardeais, clérigos e leigos romanos,

a seus maiores e menores vassalos, caso sejam já seus vassalos ou em


S03
vias de tornarem-se tal:

A autoridade romana deve sempre ser forte em justiça, especialmente


E01 em prol de toda nação, já que seu pecado é a destruição, e seu mérito, a
acreção de reta vivência àqueles sujeitos a ela.

Agora, tu podes ver a prova disto em toda parte; decerto, poderiam vê-lo
[antes] se não houvésseis sido prejudicados por um certo homem. Por
E02
causa daquele prejuízo, mesmo se fostes menos que diligentes de certas
formas, a acusação contra vós torna-se mais leve,

aquele que deveria ser o espelho da reta vivência tornou-se obstáculo


não apenas a vós, mas também a todos que veneram a liderança que
E03
Roma exerce sobre a Fé católica, de tal modo que agora a Igreja virtual-
mente ameaça desabar, não em erro, mas em ruína irreparável.

Vendo tal estado infeliz e estando indispostos de tolerá-lo por mais tem-
N01
po, viemos a Roma, onde esperávamos vê-los todos em fidelidade.

[esperávamos] ser possível tratar convosco toda matéria de direito con-


N02 cernente à realeza e ao sacerdócio, mesmo se viéssemos sozinhos com
muitos poucos soldados.

Mas vos encontramos muito diferentemente do que esperávamos, já que


N03
aqueles que pensávamos amigos agora percebíamos como inimigos

[Viemos até vós] por mera justiça, e pelo seu conselho e pela autoridade
N04
canônica, de modo a estabelecer paz entre a realeza e o sacerdócio.

N05 Certamente sabemos e livremente cremos que vós sois amigos da justiça

[Vós não nos negaríeis] a justiça que não negam a qualquer, salvo se
vós tivestes ouvido que vínhamos para trazer injustiça e desordem até
N06
vós. Certamente, não somos ignorantes das maquinações deste Senhor
Hildebrando.

248
4.2 Aplicação da ATD à epistolografia medieval: estudo
de uma correspondência de Henrique IV (1082)

Quadro 1 – Unidades empíricas (continua)

Não é surpreendente que ele tenha podido enganar aqueles que vivem
na mesma cidade que si; pois ele era o mesmo homem que seduziu a
N07 amplitude do mundo e manchou a Igreja com o sangue de seus filhos,
quando ele fez filhos levantar-se contra seus pais e pais contra seus
filhos, e armou irmão contra irmão

tal perseguição é mais cruel que a perseguição de Décio, visto que Cristo
N08 coroou no Céu aqueles que Décio matou por Cristo, mas a atual persegui-
ção priva da vida presente e condena tais proscritos por ela ao inferno.

a Igreja convocou Hildebrando amiúde a purgar-se do crime a ele imputa-


N09
do e para livrar a Igreja do escândalo.

ele desdenhou apresentar-se; nem ouviu ele nossos enviados e tampouco


N10 deixou que vós os ouvísseis, temendo perdê-los como apoiadores uma
vez que a justa causa fosse ouvida.

[Pedimos que, com vossa ajuda,] ele venha apresentar-se diante de nós
agora, que mesmo agora ele ouça a Igreja lamentar-se. Se a Igreja foi con-
P01 fiada a ele, por que ele suporta que ela pereça? Não verdadeiro pastor,
mas mercenário que obteve a posição de pastor, é aquele que retira das
ovelhas seu auxílio enquanto o lobo as rasga em pedaços.

Digam a ele que venha, que dê satisfação à Igreja, que não tema a nin-
guém salvo a Deus; deixem que ele aceite juramentos, deixem que aceite
P02
reféns vindos de nós, certo de salvo-conduto a nós e retorno seguro a
vós, caso ele seja mantido na Sé Apostólica ou deposto.

Se for mais aceitável vir com nossos mensageiros a nosso encontro, apro-
P03
vamos tal plano também.

Venham com ele vós, quantos de vós quiserdes; venham, ouçam,


P04
julguem.

Se ele puder e dever ser Papa, a ele obedeceremos; mas se o oposto for
P05 verdade em vosso julgamento e em nosso, deixem que outro, a quem a
Igreja requisitar, seja providenciado à Igreja.

A01 Se é justo ouvir um sacerdote, também é justo obedecer a um rei.

A02 Por que Hildebrando luta para destruir o que é administrado por Deus?

A03 E se ele assim o tenta, por que vós não o opondes?

249
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 1 – Unidades empíricas (continua)

Deus disse que não uma, mas duas espadas são suficientes. Mas Hilde-
A04
brando intenta que haja apenas uma

ele luta para arruinar-nos, a quem (embora indignos), Deus ordenou rei
A05
desde nosso berço,

Deus nos tem mostrado diariamente que Ele assim nos ordenou; como
qualquer um pode ver ao considerar quão bem Ele nos protegeu das
A06 emboscadas de Hildebrando e de seus partidários. Já que ainda reinamos,
embora contra a vontade dele; foi o Senhor quem destruiu nosso cavalei-
ro, o perjuro que Hildebrando ordenou rei em nosso lugar.

Em nome da fé que vós guardásseis pelos imperadores, nosso avô e nos-


so pai Henrique [III], e que deveis guardar por nós, e de fato guardaram
P06
bem até o tempo de Hildebrando, pedimos que não nos neguem a honra
patrimonial dada por vós a nós, pela mão de nosso pai.

De outra maneira, se decidíreis negá-la a nós, pedimos que digam o mo-


tivo de sua negativa, já que estamos preparados para fazer toda justiça a
P07 vós, reservar toda honra a São Pedro, e recompensar todos que merece-
rem, independente de quem forem. Viemos investir não contra vós, mas
contra aqueles que vos atacam.

Não oprimam a Igreja por mais tempo através de Hildebrando; não lutem
P08
com ele contra a justiça. Que haja um julgamento às vistas da Igreja.

Se for justo que vós o considereis papa, defendam-no como papa. Não o
P09
defendam como um ladrão buscando por seu covil.

O que ele ganha ao sacrificar a justiça por poder? Deseja ele, portanto,
ser mais injusto, visto que mais exaltado? Estas são suas próprias pala-
A07
vras, “que ele não deve ser julgado por ninguém”. E o significado destas é
o mesmo do que se ele houvesse dito “ele pode fazer o que quiser”

Mas esta não é a regra do Cristo, na qual declara-se que “aquele que é o
A08 maior dentre vós será vosso servo”. E assim é injusto para ele que se intitula
servo dos servos de Deus oprimir os servos de Deus por meio de seu poder.

Não deve ser vergonhoso a ele ser reduzido a um posto baixo de maneira
a remover um escândalo comum aos fiéis, já que a obediência comum
diz que ele deve ser exaltado. “Pois aquele que”, disse o Senhor, “ofender
A09
estes pequenos que creem em mim, seria melhor para ele que uma pedra
pendesse de seu pescoço”. Olhai, os pequenos e os grandes clamam contra
o escândalo que ele presenteia e pedem que isso seja removido de seu seio

250
4.2 Aplicação da ATD à epistolografia medieval: estudo
de uma correspondência de Henrique IV (1082)

Quadro 1 – Unidades empíricas (conclusão)

Que ele, portanto, venha corajoso. Se sua consciência é pura, é assegura-


C01 do que ele se regozijará com a presença de todos, visto que quando tais
coisas forem refutadas por inteiro, a glória será dele.

Que ele tenha certeza de que sua vida não estará em perigo, mesmo que
C02 vosso julgamento e a autoridade dos cânones decida que ele deve ser
alijado da dignidade que mantém injustamente.

Não estamos prontos a fazer nada sem vós, mas todas as coisas convosco,
C03
se apenas vermos que vós não resistais a nossos bons atos.

Finalmente, não pedimos por nada salvo a permanência da justiça na-


quele lugar onde é mais apropriado que ela resida. Desejamos encontrar
C04
justiça entre vós; e, com o favorecimento de Deus, estamos resolvidos a
recompensá-la quando encontrada.

Fonte: Elaboração própria.

Atribuição de unidades teóricas


A seguir, realizou-se um levantamento bibliográfico de informações refe-
rentes às convenções formais da epistolografia da época, o contexto do Sacro
Império Romano-Germânico no século XI, a atuação de Henrique IV como
opositor de Gregório VII e das formas de governo e proclamação da justiça
em território germânico. Partindo dessas leituras, foi possível agregar ao es-
tudo nove unidades teóricas, disponíveis no Quadro 2, seguidas de suas as-
sociações com conteúdos das unidades empíricas indicadas respectivamente.

251
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 2 – Unidades teóricas (continua)

MELVE, Leidulf. Inventing the Public Sphere (2 vols): The Public Debate during the
Investiture Contest (c. 1030–1122). Leiden: Brill, 2007.

Os séculos XI e XII foram considerados a era de ouro


da carta latina. Há boas razões para considerar que
lm1_cartas as coleções de cartas do período da Querela das A01, A07
Investiduras (~1070-1120) são parte da guerra inte-
lectual ali travada.

As cartas da chancelaria papal durante este perío-


do mostram sinais da representação de Gregório
lm2_virtude VII como um participante do grupo “entre os mais A07
santos” dos homens. Esta virtude é sua em função do
cargo que ocupa: a Santa Sé.

TOUBERT, Pierre. L’Europe dans sa première croissance: de Charlemagne à l’an


mil. Paris: Arthème Fayard, 2004.

O Papa Gelásio, em 494, escreve uma carta icônica


ao imperador bizantino Anastácio I, na qual realiza
uma interpretação de uma passagem em Lucas 22
A01,
declarando que devem existir dois poderes, ou “duas
pt1_gelasio A04,
espadas” que regem o mundo cristão: uma represen-
C03
tando o poder espiritual da Igreja, outra representan-
do o poder temporal dos reis. Essa ideia é frequente-
mente referenciada como “doutrina gelasiana”.

A doutrina gelasiana é invocada de forma intermiten-


te na cristandade, a partir do século VI. Ela começa
a ser mobilizada de forma distinta e frequente a
pt2_gelasio A07
partir do discurso da reforma na Igreja durante o
século XI, cujo maior símbolo é o Papa Gregório VII
(1073-1084).

CONSTABLE, Giles. Letters and Letter-collections. Turnhout: Brepols, 1976.

A escrita epistolar na segunda metade do século XI N09,


gc1_cartas tem funções públicas fluidas: a carta representa mais N10,
do que uma comunicação pessoal. P01, C04

WEILER, Björn K. U.; MACLEAN, Simon. Representations of Power in Medieval Ger-


many 800-1500. Turnhout: Brepols, 2006.

252
4.2 Aplicação da ATD à epistolografia medieval: estudo
de uma correspondência de Henrique IV (1082)

Quadro 2 – Unidades teóricas (conclusão)

Representações do poder político na Idade Média E02,


são formadas pela dialética, fundamentadas em N03,
entendimento ou visão de cosmos comum entre as N04,
wm1_rep
partes, e o lugar dessas partes na hierarquia de seu P05,
tempo e espaço. Essas representações nunca estão P06,
separadas do domínio da “política real”. P09, A09

A dinastia saliana (à qual pertence Henrique IV)


S01,
construiu, a partir de seu fundador, uma ideia
A02,
emergente de império na Idade Média. Esse ideal
jb1_imperio A05,
foi baseado na eleição de seus governantes como
A06,
Romanorum rex e na formação e proteção de um
P06
império cristão universal.

WANGERIN, Laura. Kingship and Justice in the Ottonian Empire. Ann Arbor: Uni-
versity of Michigan Press, 2019.

A tradição monárquica instituída na Germânia me-


S02, S03,
dieval durante a dinastia otoniana (936-1024) tem
N05,
um importante instrumento de justiça: o sínodo.
lw1_sinodo P08,
Sínodos são assembleias de bispos e nobres, acom-
A09,
panhados de audiências frente ao monarca para
C01, C02
resolução de disputas.

REUTER, Timothy. Medieval Polities and Modern Mentalities. Cambridge: Cam-


bridge University Press, 2006.

A assembleia medieval é um instrumento de realizar


política, mesmo que seus participantes não neces-
sariamente a vejam dessa forma. Elas são momen- P02,
tr1_assemb tos particulares do fazer político, que não deve ser P03,
visto como algo constante ou contínuo, e têm um P04,
aspecto performativo em si, envolvendo também
elementos litúrgicos.

Fonte: Elaboração própria.

Identificaram-se alguns temas recorrentes na Ep. 17 que auxiliam na for-


mação de categorias emergentes a partir de maior análise do texto:

a. Dever: essa noção é aplicada aos destinatários da carta, o clero e o


povo romano, assim como também se aplica ao próprio autor, Hen-
rique IV. O senso de dever é frequentemente mobilizado de forma a
fortalecer o argumento e a petição realizadas na carta;

253
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

b. Justiça: é a legitimação que o autor oferece por suas ações e requeri-


mento. Além disso, é o que o separa do antagonista apresentado na
carta, Hildebrando (nome de batismo do Papa Gregório VII);

c. Erro e engano: são as armas de Hildebrando na busca de seus objeti-


vos, gerando um estado de conflito na Igreja;

d. Comando divino: é um conceito que, ao invocar referências comuns a


remetente e destinatários, serve para estruturar a polêmica presente e
buscar uma resolução que seja conciliar e aceitável a todos, em uma re-
presentação de universalidade – dado que a Igreja é o que está em jogo.

Categorias emergentes
As duas categorias emergentes advindas da carta são uma combinação
dos temas anteriormente expostos à luz das unidades teóricas encontradas,
que indicam chaves interpretativas para o texto epistolar. Essas duas catego-
rias contemplam a maioria das passagens do próprio texto, abaixo assinala-
das com seus códigos de unidade empírica. Além disso, as unidades teóricas
se combinam de modo a unificar alguns conceitos e perceber os detalhes da
linha argumentativa principal realizada por Henrique IV.

Quadro 3 – Categorias emergentes (continua)

Erros e pecados de Hildebrando

Quebra do exemplo que o papa deveria prover;


E03, P09, A09, wm1_rep,
o comportamento de Hildebrando não corres-
lm2_virtude
ponde ao que dele é esperado.

Ações que promovem divisão da cristandade e


N06, N07, N08, N10, A02,
insubordinação diante do comando divino de
gc1_cartas
fraternidade.

Paz e justiça na Igreja por meio de uma assembleia

E02, N05, N06, P05, A02, P07, O autor declara que a autoridade canônica e o
P08, C02, C03, wm1_rep, bom julgamento dos bispos romanos devem ser
lw1_sinodo, tr1_assemb centrais em uma resolução justa ao conflito.

254
4.2 Aplicação da ATD à epistolografia medieval: estudo
de uma correspondência de Henrique IV (1082)

Quadro 3 – Categorias emergentes (concluir)

S01, S03, N01, N02, N10,


Henrique IV declara-se como uma liderança
P01, P02, P05, A01, A02, A04,
que inicia tal processo e pede pela aceitação
A05, A06, P06, C04, pt1_ge-
dos bispos; isso é virtude de seu papel como
lasio, pt2_gelasio, wm1_rep,
imperador.
jb1_imperio

Fonte: Elaboração própria.

Metatextos
A epístola 17, enviada pela chancelaria real de Henrique IV ao clero e
povo romanos em 1082, apresenta como suas motivações dois temas prin-
cipais: a necessidade de se fazerem acusações públicas aos erros e pecados
de Gregório VII e o pedido de Henrique para que seus interlocutores apoiem
uma assembleia na qual Gregório tenha tais transgressões julgadas. A repre-
sentação do papa por seu nome de batismo, Hildebrando, carrega em si um
peso simbólico importante em tal diálogo.

Erros e pecados de Hildebrando

A acusação realizada a Gregório está fundada em uma visão de que o uso


do trono papal levou a Igreja universal a uma situação de divisão inaceitável.
O imperador declara que Gregório, por meio de seu ofício, tem uma imputação
sobre si: a responsabilidade de agir de maneira virtuosa, inclusive de modo
a garantir um bom exemplo à cristandade. Sua posição exaltada, como deve
sê-la segundo “a obediência comum”, deve servir como expressão de virtude;
de fato, as comunicações advindas do próprio Gregório reafirmam tal posição.

Melve (2007) indica que as cartas papais apresentam Gregório como in-
tegrante de um nível de santidade (visão essa que é diretamente atacada por
Henrique) que lhe é garantido pelo papado em si, o que arregimenta a obe-
diência por parte de outros cristãos. Essa imputação de santidade é direta-
mente atacada por Henrique, que apresenta na carta as denúncias de que o
papado gregoriano foi instrumento de divisão e ruína na Igreja, com a perda
dos laços de fraternidade entre aqueles que disputam entre si, e também a fal-
ta de entendimento e transparência nas relações entre o papado e o império:
cartas e enviados imperiais foram negados no espaço de audiência em Roma,

255
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

onde deveriam ter repercussão pública de acordo com as normas epistolográ-


ficas da época (MELVE, 2007; CONSTABLE, 1976).

Paz e justiça na igreja por meio de uma assembleia

De que forma resolver tal impasse? O imperador indica, na Ep. 17, que
o clero romano tem papel central em tal processo. Suas ações na Itália são
justificadas porque visam curar as feridas advindas do abuso do poder papal.
De tal maneira, a recepção que ele espera dos romanos é aquela de aceitação
e conciliação, convidando-os de maneira enérgica para que participem de
uma grande assembleia na qual o sumo pontífice deve ser julgado. A decisão
de Henrique ao favorecer e reforçar a importância da decisão colegiada pode
remeter a tradições locais de seu reino e dinastia.

Wangerin (2019) aponta que a forma sinodal havia sido importante na


Germânia medieval a partir do período otoniano; essa informação é comple-
mentada por Reuter (2006), em sua afirmação da assembleia como realização
da política utilizando-se de performance, contexto e elementos litúrgicos. O
espaço da assembleia, portanto, é também passível de uso como espaço de
representação, no qual a vontade de um grupo faz-se concreta. Esse ideal
aproxima-se da proposta de Weiler e MacLean (2006), de que a representação
nunca se afasta demasiado da ação política real.

O concílio, sínodo ou assembleia que Henrique propõe na Ep. 17, portan-


to, comunica tais ideias a seus interlocutores: a garantia de uma oportunidade
para que Gregório seja posto em julgamento e seu destino seja decretado por
representantes da Igreja. O próprio Henrique, claramente, tem destaque den-
tre tal colegiado. O imperador apresenta a si próprio como um responsável
pela proteção da Igreja, o que o incentiva a agir da maneira com que age, e
pedir o que pede de Roma. Ao fazê-lo, Henrique está inserido em uma prática
discursiva comum aos reis da dinastia saliana – como nos mostra Bernhardt
(apud WEILER; MACLEAN, 2006), mobilizando seu próprio ofício e sua
unção recebida por Deus. Embora o imperador reconheça-se como indigno
da unção divina, ele intenta realizar seus desígnios, visto que também tem
uma responsabilidade: como imperador, ele é uma das “espadas” da doutrina
gelasiana, a do poder temporal (TOUBERT, 2004), que mantém um domínio
sobre a cristandade e assim pode corrigir erros e aplicar julgamentos que o
corpo eclesial definir.

256
4.2 Aplicação da ATD à epistolografia medieval: estudo
de uma correspondência de Henrique IV (1082)

Referências
BLUMENTHAL, Uta-Renate. The Investiture Controversy: Church and Monarchy
from the Ninth to the Twelfth Century. Filadélfia: University of Pennsylvania Press,
2010.
CONSTABLE, Giles. Letters and Letter-collections. Turnhout: Brepols, 1976.
GUIMARÃES, G. T. D.; PAULA, M. C de. Análise textual discursiva: entre a análi-
se de conteúdo e a análise de discurso. Pesquisa Qualitativa, São Paulo, v. 8, n.
19, p. 677–705, 22 dez. 2020. Disponível em: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/
view/380/233. Acesso em: 14 jun. 2022.
MELVE, Leidulf. Inventing the Public Sphere: The Public Debate during the Investitu-
re Contest (c. 1030–1122). Leiden: Brill, 2007. (v. 2).
MOMMSEN, Theodor Ernst; MORRISON, Karl. Imperial lives and letters of the ele-
venth century. Nova York: Columbia University Press, 1967.
MORAES, Roque. Avalanches reconstrutivas: movimentos dialéticos e hermenêuticos de
transformação no envolvimento com a análise textual discursiva. Pesquisa Qualita-
tiva, São Paulo, v. 8, n. 19, p. 595–609, 22 dez. 2020. Disponível em: https://editora.
sepq.org.br/rpq/article/view/372/257. Acesso em: 14 jun. 2022.
MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise Textual Discursiva. 3. ed.
Ijuí: Unijuí, 2016.
REUTER, Timothy. Medieval Polities and Modern Mentalities. Cambridge: Cambrid-
ge University Press, 2006.
SOUSA, Robson Simplício de; GALIAZZI, Maria do Carmo. Compreensões acerca da
hermenêutica na Análise Textual Discursiva: marcas teórico-metodológicas à inves-
tigação. Contexto & Educação, [Ijuí], v. 31, n. 100, p. 33, 12 abr. 2017. Disponível
em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoeducacao/article/view/6395.
Acesso em: 14 jun. 2022.
TOUBERT, Pierre. L’Europe dans sa première croissance: de Charlemagne à l’an mil.
Paris: Arthème Fayard, 2004.
WANGERIN, Laura. Kingship and Justice in the Ottonian Empire. Ann Arbor: Uni-
versity of Michigan Press, 2019.
WEILER, B. K. U.; MACLEAN, S. Representations of Power in Medieval Germany
800-1500. Turnhout: Brepols, 2006.

257
4.3 “Fetiches por estatais”: uma análise
textual discursiva
Renata Freitas
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.4.3

Introdução
Este trabalho foi desenvolvido como projeto final do curso Análise Tex-
tual Discursiva, do qual participei, à distância, realizado no final de 2021,
ministrados pelos professores Dra. Valéria de Souza Marcelino (Doutora em
Ensino de Ciências/Prof. Titular/IFF) e Prof. Arthur Rezende da Silva (IFF/
FAETEC/UCP). Para fazer a análise conforme os ensinamentos do curso, foi
escolhida uma matéria da Revista Fórum Digital, por se tratar de um assunto
atual sobre as falas do Ministro da Economia, senhor Paulo Guedes.

Para desenvolver a análise, utilizou-se da metodologia Análise Textual


Discursiva, aplicada por Roque Moraes (2003). Assim, conforme Moraes
(2003), nenhum texto possui apenas uma leitura; cada texto pode ser inter-
pretado de várias maneiras, várias identidades, não sendo apenas uma visão
específica. Isso vai depender do conhecimento de mundo que cada leitor tem.
Dessa forma, o objetivo da análise textual discursiva é fazer uma compreen-
são do que se lê, sem intenção de testar nenhuma hipótese.

Foram utilizadas as três etapas da Análise Textual Discursiva. Na primei-


ra, separou-se o texto da reportagem a partir da unitarização, ou seja, sub-
dividir partes do texto observando cada detalhe a ser estudado. Na segunda
etapa, foram verificadas as categorizações de sentido das unidades, ou seja,
as unidades que têm sentidos semelhantes foram postas juntas. Após essa

258
etapa, chega-se ao metatexto, que, com base nas categorias estabelecidas, se
desenvolve em textos descritivos e interpretativos.

Este capítulo é composto por esta introdução, seguido pelo corpo do texto
que foi analisado, ou seja, a reportagem da Revista Fórum. Após, tem-se as
unitarizações e as categorizações. O metatexto foi dividido em três títulos:
Privatização e miséria, História da economia brasileira e Neoliberalismo e
economia internacional (todos os títulos foram contextualizados). Por fim,
tem-se as considerações finais do trabalho.

Corpo do Texto analisado

Quadro 1 – Corpus (continua)

Guedes diz que Brasil tem “fetiche por estatais” e fala dos EUA: “Cadê a empresa
de petróleo deles?”
Em sua obsessão por vender empresas públicas, ministro de Bolsonaro fez com-
paração esdrúxula com os EUA, que concentra o controle da maioria das grandes
transnacionais.
Por Plinio Teodoro
1 dez 2021 - 12:23
Obcecado por privatizar tudo o que for possível durante sua passagem pelo Ministé-
rio da Economia, Paulo Guedes atacou o que ele classificou como “fetiche pelas esta-
tais” em mais uma investida para vender empresas públicas nesta quarta-feira (30).
“É um fetiche do passado que acometeu tanto o governo militar durante 20 anos,
quanto os governos civis, que foi social-democracia, o que eles tinham em comum?
O fetiche pelas estatais”, afirmou.
Neoliberal, que aplaudiu o processo de desmonte do Chile durante a sangrenta
ditadura do general Augusto Pinochet, Guedes tentou minimizar a importância da
Petrobras na estrutura do Estado brasileiro ao comparar com a realidade dos EUA,
que concentra o controle das grandes transnacionais do setor.
“Cadê a empresa de petróleo deles? De mineração? Não tem. Um país, uma nação
forte quando ela cria uma classe média emergente forte com milhões de pequenas
e médias empresas e também grandes empresas baseadas em inovação e tecnolo-
gia”, afirmou em evento no Ministério.
Miséria como desculpa para privatizar
No ato, Guedes voltou a usar a miséria da população brasileira como desculpa para
forçar a privatização das estatais.
O ministro de Jair Bolsonaro (PSL) disse que chegou a pedir ao presidente a criação
de um ministério para gerar os bens estatais.

259
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 1 – Corpus (conclusão)

“Eu já falei com o presidente e estou propondo. Para o novo governo, tem que exis-
tir o Ministério do Patrimônio da União, ele tem R$ 2 trilhões, R$ 3 trilhões, fora os
R$2 trilhões de recebíveis. O Estado tem R$ 4 trilhões, R$ 1 trilhão em imóveis, R$
1 trilhão em estatais, R$ 2 trilhões em recebíveis, uma fortuna incalculável e o povo
pobre, miserável”, disse, ignorando que o próprio Ministério da Economia tem a
Secretaria de Patrimônio da União para administrar os ativos da União.
As palavras do ministro, no entanto, têm uma intenção clara: sua obsessão em
privatizar.
“Tem um negócio chamado fundo de erradicação da pobreza, sem dinheiro, sem gaso-
lina. Enche o tanque do fundo, vende alguns ativos aqui e enche o tanque do fundo”.
Plinio Teodoro
Jornalista, editor de Política da Fórum, especialista em comunicação e relações
humanas.
https://revistaforum.com.br/politica/governo-bolsonaro/2021/12/1/guedes-diz-
-que-brasil-tem-fetiche-por-estatais-fala-dos-eua-cad-empresa-de-petroleo-de-
les-106915.html.

Fonte: Teodoro (2021).

Unitarização

Quadro 2 – Contexto histórico do Brasil e o neoliberalismo

Obcecado por privatizar tudo o que for possível durante sua passa-
gem pelo Ministério da Economia, Paulo Guedes atacou o que ele
Un1 classificou como “fetiche pelas estatais” em mais uma investida
para vender empresas públicas nesta quarta-feira.

“É um fetiche do passado que acometeu tanto o governo militar du-


Un2 rante 20 anos, quanto os governos civis, que foi social-democracia,
o que eles tinham em comum? O fetiche pelas estatais”.

Neoliberal, que aplaudiu o processo de desmonte do Chile durante a


Un3 sangrenta ditadura do general Augusto Pinochet.

Fonte: Adaptado de Teodoro (2021).

260
4.3 “Fetiches por estatais”: uma análise textual discursiva

Quadro 3 – Economia brasileira versus economia internacional

Guedes tentou minimizar a importância da Petrobras na estru-


Un4 tura do Estado brasileiro ao comparar com a realidade dos EUA,
que concentra o controle das grandes transnacionais do setor.

“Cadê a empresa de petróleo deles? De mineração? Não tem.


Um país, uma nação forte quando ela cria uma classe média
Un5 emergente forte com milhões de pequenas e médias empresas e
também grandes empresas baseadas em inovação e tecnologia”.

Fonte: Adaptado de Teodoro (2021).

Quadro 5 – Privatização como solução para fim da miséria

“Eu já falei com o presidente e estou propondo. Para o novo


governo, tem que existir o Ministério do Patrimônio da União, ele
tem R$ 2 trilhões, R$ 3 trilhões, fora os R$2 trilhões de recebíveis.
Un6 O Estado tem R$ 4 trilhões, R$ 1 trilhão em imóveis, R$ 1 trilhão
em estatais, R$ 2 trilhões em recebíveis, uma fortuna incalculável
e o povo pobre, miserável”.

“Tem um negócio chamado fundo de erradicação da pobreza,


Un7 sem dinheiro, sem gasolina. Enche o tanque do fundo, vende
alguns ativos aqui e enche o tanque do fundo”.

Fonte: Adaptado de Teodoro (2021).

Categorização

Privatização e a miséria
[Un6] “Eu já falei com o presidente e estou propondo.
Para o novo governo, tem que existir o Ministério do
Patrimônio da União, ele tem R$ 2 trilhões, R$ 3 tri-
lhões, fora os R$2 trilhões de recebíveis. O Estado tem
R$ 4 trilhões, R$ 1 trilhão em imóveis, R$ 1 trilhão
em estatais, R$ 2 trilhões em recebíveis, uma fortuna
incalculável e o povo pobre, miserável”. (TEODORO,
2021, [s. p.]).

261
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

[Un7] “Tem um negócio chamado fundo de erradicação da pobreza, sem


dinheiro, sem gasolina. Enche o tanque do fundo, vende alguns ativos aqui e
enche o tanque do fundo.” (TEODORO, 2021, [s. p.]).

História da economia brasileira e o neoliberalismo

[Un1] Obcecado por privatizar tudo o que for possível


durante sua passagem pelo Ministério da Economia,
Paulo Guedes atacou o que ele classificou como “fe-
tiche pelas estatais” em mais uma investida para ven-
der empresas públicas nesta quarta-feira. (TEODORO,
2021, [s. p.]).

[Un2] “É um fetiche do passado que acometeu tanto o governo militar


durante 20 anos, quanto os governos civis, que foi social-democracia, o que
eles tinham em comum? O fetiche pelas estatais.” (TEODORO, 2021, [s. p.]).

[Un3] “Neoliberal, que aplaudiu o processo de desmonte do Chile durante


a sangrenta ditadura do general Augusto Pinochet.” (TEODORO, 2021, [s. p.]).

Economia internacional

[Un4] “Guedes tentou minimizar a importância da Petrobras na estrutura


do Estado brasileiro ao comparar com a realidade dos EUA, que concentra
o controle das grandes transnacionais do setor.” (TEODORO, 2021, [s. p.]).

[Un5] Cadê a empresa de petróleo deles? De minera-


ção? Não tem. Um país, uma nação forte quando ela
cria uma classe média emergente forte com milhões de
pequenas e médias empresas e também grandes em-
presas baseadas em inovação e tecnologia. (TEODO-
RO, 2021, [s. p.]).

Metatexto

O governo atual, com as políticas econômicas desenvolvidas pelo ministro


Paulo Guedes, segue uma linha voltada ao neoliberalismo, que defende as pri-
vatizações como solução para a miséria do país. A partir da reportagem anali-
sada, podemos identificar três categorias no discurso empregado pelo ministro.

Conforme Moraes e Galiazzi (2007), dentro de um texto analisado, deve-


-se considerar três momentos, que são: a fragmentação do texto e codificação

262
4.3 “Fetiches por estatais”: uma análise textual discursiva

de cada unidade, reescrita de cada unidade, com a intenção de que se possa


assumir um significado, e atribuição de nomes ou títulos para cada unidade.

Ao considerar o terceiro momento, que se refere à comunicação das com-


preensões via metatexto, vamos desenvolver as três categorias que surgiram
das unidades, expondo um pouco sobre a privatização e a miséria. Após,
daremos ênfase ao contexto histórico e econômico do Brasil e o neolibera-
lismo, bem como discutiremos sobre a economia internacional neste mundo
globalizado onde nos encontramos.

Privatização e miséria

Quando estudamos a miséria de um país, fato que é constatado por índi-


ces elevados de pobreza, desemprego, concentração de renda, violência e bai-
xa escolaridade, sempre nos deparamos com defensores do “Estado mínimo”,
confrontando com outros que cobram uma posição do Estado para diminuir o
processo de miséria da maior parte da população. É através desse embate que
se constrói o ideal neoliberalista como caminho para ordem e prosperidade,
ou seja, para se ter uma civilização.

O discurso neoliberal teve início após a Segunda Guerra Mundial, por


meio do Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, o qual
utilizou o conceito na época nas políticas públicas do seu governo. No en-
tanto, somente após a crise mundial do capitalismo o neoliberalismo ganha
espaço e entra no mundo das políticas públicas, que mantêm um Estado forte
que impõe, além de outras propostas, controle dos gastos públicos e progra-
mas de privatização (ANDERSON, 1996).

Com isso, o neoliberalismo vai se expandindo inicialmente pelo Chile de


Pinochet, em 1973, Inglaterra, em 1979, Estados Unidos, em 1980, e Alema-
nha, em 1982. No Brasil, o neoliberalismo chega entre o final dos anos de
1980 e o início dos anos de 1990, devido à crise do petróleo e ao arrefecimen-
to econômico mundial, que geraram um endividamento do país e impossibi-
litaram a estatal de ter crescimento (MENDONÇA; FONTES, 2004).

Foi nesse contexto que Fernando Affonso Collor de Mello foi eleito, e, em
seu discurso de posse, apresentou as propostas de combate à inflação e raciona-
lização do setor público. Para tanto, um dos pontos que seriam necessários era
a modernização econômica a partir da privatização como elemento para gerar

263
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

receita e reduzir o déficit público. No dia seguinte à posse, Collor extinguiu


vinte e quatro organizações estatais e autarquias, conforme “Plano Collor I”.

Apesar da saída de Collor de forma turbulenta, seu projeto neoliberal se


transformou em programa de governo de Fernando Henrique Cardoso. Dessa
forma, a privatização brasileira é o ponto de partida das reformas implemen-
tadas, tanto por Collor como depois aprofundadas por Fernando Henrique
Cardoso, ou seja, a organização da economia dos anos de 1990 teve como
base o projeto privatista, cuja privatização foi considerada uma saída para os
problemas econômicos que o Brasil estava passando.

Diante desses fatos, pode-se perceber até hoje a concepção de que priva-
tizar empresas estatais é a única solução para diminuir os gastos públicos e
retornar o crescimento econômico do país, concepção defendida pelo atual
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Outro ponto a considerar é que os
fatos relatados demonstram que o Brasil não tem “fetiche por estatais”,
conforme fala do Ministro Guedes, já que somente durante o Governo do
Partido dos Trabalhadores (PT) a privatização não foi utilizada como saída
para a miséria do país.

Outro fato marcante é que nem todos os países compartilham da ideia


do neoliberalismo sobre as privatizações. Com destaque, tem-se a China e a
Índia, que não seguem a linha neoliberal e mesmo assim têm sucesso econô-
mico. Nesses países, a estratégia adotada foram os investimentos produtivos
das multinacionais associados com as empresas nacionais.

Assim, o argumento que as empresas públicas eram improdutivas e só


davam prejuízos, sendo “cabides de empregos”, com apenas dívidas e man-
tidas pelo subsídio do governo, é incoerente. Podemos citar, como exemplo,
as companhias Vale do Rio Doce e a Siderúrgica Nacional, ambas privatiza-
das, que geravam lucros e alto potencial competitivo. No entanto, não houve
nenhuma medida com os valores arrecadados da venda com projetos para
diminuir a miséria do país.

História da economia brasileira e o neoliberalismo

Na década de 1990, o Brasil passava por desafios e contradições com altís-


sima inflação e incerteza nas decisões que deveriam ser tomadas em políticas
para amenizar esse fenômeno na economia. Para tanto, o país precisou ir para

264
4.3 “Fetiches por estatais”: uma análise textual discursiva

uma nova fase do capitalismo mundial, associada a novas concepções e ideias


de como administrar o Estado, ou seja, um novo paradigma econômico.

O neoliberalismo, conforme Boito Júnior (1999), é um conceito novo que


defende o liberalismo econômico, exalta o mercado, a concorrência, liberda-
de da iniciativa privada e rejeita a influência do Estado na economia. Dentro
desse conceito, os ideólogos neoliberais defendem quatro superioridades: a
primeira é a economia, que prega o livre jogo da demanda da oferta e procura
para estabelecer os preços; a segunda é a política e moral, que é desenvolvida
pela soberania do consumidor, e, através da concorrência, desenvolve a moral
e a percepção do cidadão; a terceira é a rejeição do Estado na economia, por-
que acreditam que a interferência do Estado traz danos ao sistema de preço,
cria monopólio e não pune a ineficiência; e, em quarto, o plano político, que
faz com que o cidadão se torne dependente do Estado, e não desenvolve ca-
pacidade de resolver seus próprios problemas. 

Todas essas superioridades lembram bem o momento atual que o Brasil


está vivendo, com as políticas econômicas defendidas pelo Ministro Paulo
Guedes. Apesar disso, o Brasil só aderiu à política neoliberal por exigência
do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, para que o
país pudesse solicitar empréstimos com prazos maiores para pagamento de
suas dívidas. Desta forma, a posição da ideologia neoliberal encontrou o
Brasil a partir do Governo Collor e tomou forma e força no Governo Fer-
nando Henrique Cardoso.

No governo Collor, o Plano Econômico Brasil Novo, embasado no neoli-


beralismo, iria colocar o Brasil no capitalismo moderno com objetivo de pro-
mover eficiência e competitividade, ou seja, ideias defendidas por políticos
e pela burguesia. No entanto, o plano não deu certo, e o nome do presidente
foi associado à corrupção, o que fez estagnar o projeto neoliberal no país, só
retornando com o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Na concepção neoliberal, o governo Cardoso defendia que o Estado se


reestruturasse para gerar eficiência e qualidade nos serviços. Para tanto, uti-
lizou o Plano Diretor da Reforma do Estado, que condenava a Constituição
de 1988 como um retrocesso e propunha abolir a estabilidade do servidor
público, reduzir os gastos, principalmente com os inativos, implantar ava-
liação de desempenho e diminuir a cultura burocrática (BRASIL, 1995). O
plano não foi implantado, contudo, percebe-se que, desde o governo Cardoso,

265
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

a proposta neoliberal estava bem presente, voltando agora nas propostas do


atual Governo Bolsonaro.

No governo Cardoso, a partir do Projeto de Emenda Constitucional nº 173,


sobre a reforma do aparelho do Estado brasileiro, o governo propôs reduzir o
“custo Brasil”, solucionar os problemas econômicos do país e inserir a econo-
mia brasileira na globalização. No entanto, isto não foi possível, já que cada
país tem suas particularidades. No caso do Brasil, um país periférico, esse
tipo de reforma não era eficiente, considerando a necessidade de políticas
públicas para diminuir a desigualdade econômica da população.

Com isso, foi preciso estabelecer no Brasil políticas sociais, mas, para tanto,
desenvolveram-se projetos que delimitavam a atuação do Estado e terceiriza-
vam alguns serviços, estabelecendo uma parceria entre o Estado e a socieda-
de. Ou seja, o governo Cardoso, a partir da Reforma do Estado, estabeleceu
medidas legislativas e regulamentou mudanças e ações governamentais que
pudessem reordenar a estratégia do papel do Estado. Este passou a desenvolver
a competitividade da economia, transferindo o patrimônio público para o mer-
cado e alterando a relação do Estado com o mercado e sociedade, fazendo que
o Estado fosse apenas complementar ao mercado (SILVA, 2003).

Assim, o Brasil continuou com as políticas sociais, pois, apesar de visar


entrar na economia globalizada, os governos seguintes ao governo Cardo-
so perceberam a necessidade de manter políticas públicas para amenizar as
desigualdades de renda da população. Fato que, infelizmente, no Governo
de Bolsonaro, parece querer regredir conforme mostram as propostas pelo
Ministro da Economia.

Economia internacional

Como já foi citado anteriormente, tanto a China como a Índia utiliza-


ram modelos econômicos diferentes do neoliberalismo e demonstraram que
não há necessidade de privatizar para que o país gere riquezas e crescimento
econômico. No entanto, na reportagem, o Ministro Paulo Guedes compara a
economia brasileira com os Estados Unidos da América (EUA) para defender
as privatizações. Fato um tanto incoerente, já que, ao estudar a história de
cada país, vê-se que ambos tiveram colonização diferenciada e obtiveram
independência também diferenciada, circunstâncias que influenciam o desen-
volvimento político, econômico e social. Para explicar melhor essa diferença

266
4.3 “Fetiches por estatais”: uma análise textual discursiva

e mostrar que tal comparação não faz sentido, vamos expor aqui um pouco
do contexto histórico e econômico dos EUA.

Como já sabemos, os EUA tiveram uma colonização populacional que


se formou por vários imigrantes. Ao longo da história dos EUA, percebe-se
grande crescimento econômico após a Guerra de Secessão (1861-1865), que
permitiu o nascimento da sociedade de consumo a partir do desenvolvimento
industrial. Ou seja, o país deixa de ser rural e passa a ser o império industrial
urbano. Isso permitiu que a nação deixasse de ser um país importador para se
tornar um país exportador de produtos industriais.

Tal circunstância fez com que o país se destacasse na economia mundial,


fato que se ampliou no século XX. As exportações tiveram ênfase em máquinas
elétricas, tecidos, implementos agrícolas, chapas de ferro e aço, produtos ali-
mentícios processados, cobre refinado, com alguma participação de matérias-
-primas, como petróleo e carvão. É evidente que esse crescimento se deu tam-
bém pelas políticas de proteção do comércio praticadas pelo governo dos EUA
(ROBERTSON, 1967). Todo esse avanço econômico gerou alto investimento de
outros países e fez surgir os monopólios e oligopólios, beneficiando a população
burguesa do país, que se tornava cada dia mais rica, esbanjando fortuna.

No entanto, até os anos de 1970, o país enfrentou um suposto declínio em


sua capacidade de liderança com a crise de Bretton Woods e a derrota na Guer-
ra do Vietnã, apenas voltando a se reerguer com o governo de Ronald Reagan
(1981-1988) devido a decisões tomadas, como: liderança econômica (alta tec-
nologia e dólar como moeda de reserva); liderança militar com a derrubada da
capacidade da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em frente
ao armamento e tecnologia; crédito na política externa, principalmente junto
aos seus aliados. Empregou-se uma política liberal na qual a participação do
Estado era restringida, e o incentivo à livre iniciativa foi ampliado. Mesmo
assim, o país teve elevação de seu déficit público com gastos militares.

O governo manteve a alta de juros que fez com que vários setores in-
dustriais quebrassem e diminuísse o poder do sindicato. Contudo, permitiu
a valorização do dólar e incentivou as indústrias da tecnologia, que foram
favorecidas pela importação barata de maquinário e bens intermediários. E,
para incentivar a economia, o governo cortou impostos e manteve altos índi-
ces de gastos federais, principalmente militares, que estimularam a economia
norte-americana e a mundial.

267
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

A valorização da moeda norte-americana, apesar de ter o efeito negativo


na balança comercial, permitiu ao país uma vantagem competitiva perante
outros, já que assegurava uma produtividade interna, aquisição de impor-
tação tecnológica barata e contribuía para amenizar a inflação. Fora o fato
que o país tinha alto poder financeiro, já que era responsável pela emissão
da moeda na qual muitos contratos eram firmados, mantendo, assim, seu alto
status no poder internacional, tanto político como econômico.

Esse fato é mais um motivo pelo qual não dá para comparar a economia
do Brasil com a dos EUA. O poder econômico e político se dá pela valoriza-
ção também da sua moeda e poder bélico.

Se considerar o Governo de Reagan como a retomada da hegemonia nor-


te-americana, pode-se também dizer que o governo de Clinton foi um gover-
no de afirmação dessa dominação.

Contudo, a política liberal, que foi um grande sucesso para economia


norte-americana, ocasionou um desenvolvimento desigual para o resto dos
países que tentaram utilizar as mesmas estratégias. Novamente, a China se
sobressai ao elaborar seu próprio modelo de desenvolvimento que abriu para
competição externa, mas mantendo controle sobre determinados preços-cha-
ve, como câmbio e juros, obtendo, assim, crescimento do produto, atraindo
investimentos e formando reservas.

Apesar dos EUA serem ainda uma potência por manterem sua influên-
cia no padrão monetário internacional, o país vem perdendo aos poucos sua
hegemonia, dando espaço a outras potências internacionais, como a China.

Assim, podemos dizer que comparar a política desenvolvida no Brasil


com o EUA é totalmente sem sentido e incoerente, já que não tivemos o
mesmo tipo de colonização, não temos o mesmo poder bélico e nem poder
monetário perante outros países.

Considerações finais

Ao ler a matéria no jornal digital Fórum, despertou-se a vontade de se


aprofundar melhor sobre o que o texto tem a nos dizer. Sendo assim, com
base na proposta da Análise Textual Discursiva, foi possível fazer o levanta-
mento das unidades e depois estabelecer as categorias, para só depois desen-

268
4.3 “Fetiches por estatais”: uma análise textual discursiva

volver o metatexto. Com o metatexto, pôde-se fazer algumas considerações


referentes às falas apresentadas pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes.

O primeiro ponto é que fica claro que a solução para o problema da mi-
séria no Brasil não será resolvida com as privatizações, considerando que já
houve essa tentativa nos governos Collor e FHC e em nada contribuiu para
a estabilidade econômica do país. Além disso, há de se considerar o fato que
alguns países optaram por manter as estatais e obtiveram maiores lucros,
como a China e a Índia.

O segundo ponto, sobre o modelo econômico neoliberalismo, como já


colocado no metatexto, esse modelo não tem todas as soluções para a miséria
e os problemas econômicos. E, em alguns países periféricos como o Brasil, as
ideologias empregadas por esse modelo não devem ser totalmente utilizadas,
já que existe ainda a necessidade de se fazer políticas públicas de assistencia-
lismo para a população brasileira.

O terceiro ponto, sobre a comparação com a economia internacional, no


caso dos EUA, o senhor Ministro foi totalmente infeliz, já que o país em
questão adotou políticas diferentes do Brasil exatamente porque teve uma
colonização de população, ou seja, o país cresceu com seus imigrantes e,
sendo assim, toda a população lutava por políticas de crescimento. Para tanto,
utilizou políticas de proteção ao comércio interno para seu desenvolvimento
e por isso se tornou uma potência, tendo também grande poder bélico, com
aperfeiçoamento de armamento e sua moeda utilizada como padrão monetá-
rio internacional em contratos.

Com isso, podemos concluir que o Brasil não tem “fetiche por estatais”
conforme declarado por Paulo Guedes, pois houve períodos de governos que
privatizaram estatais. Mesmo assim, não houve o retorno que se emprega no
neoliberalismo e sua comparação com os EUA não tem sentido, já que cada
um tem histórico diferenciado de procedimentos adotados para o desenvolvi-
mento econômico e crescimento do país.

Referências
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(org.). As Políticas Sociais e o Estado Democrático Pós-Neoliberalismo. São Paulo:
Paz e Terra, 1996. p. 9-23.

269
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

BOITO JÚNIOR, Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo:


Xamã, 1999.
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Reforma do Estado, 1995. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/pu-
blicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.
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GALIAZZI, M. do C.; RAMOS, M. G.; MORAES, Roque. Aprendentes do Aprender:
Um Exercício de Análise Textual Discursiva. Ijuí: Unijuí, 2021.
LOIC, Wacquant. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de
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MENDONÇA, Sônia Regina de; FONTES, Virgínia Maria. História do Brasil Recente
1964-1992. São Paulo: Ática, 2004.
MORAES, R.; GALIAZZI, M.C. Análise textual discursiva. Ijuí: Unijuí, 2007.
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Janeiro: Record, 1967.
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SOUZA, C.; CARVALHO, I. M. M. Reforma do Estado, Descentralização e Desigualda-
des. Lua Nova, [s. l.], n. 48, p. 187-212, 1999. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
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TAVARES, Maria da Conceição. A retomada da hegemonia americana. In: TAVARES,
Maria da Conceição; FIORI, José Luís (org.). Poder e Dinheiro — Uma Economia
Política da Globalização. Petrópolis: Vozes, 1997.
TEODORO, Plínio. Guedes diz que Brasil tem “fetiche por estatais” e fala dos EUA:
“Cadê a empresa de petróleo deles?”. Revista Fórum, 01 dez. 2021. Disponível em:
https://revistaforum.com.br/politica/governo-bolsonaro/2021/12/1/guedes-diz-que-bra-
sil-tem-fetiche-por-estatais-fala-dos-eua-cad-empresa-de-petroleo-deles-106915.html.
Acesso em: 14 jun. 2022.

270
4.4 O mundo não deve sobreviver, tem
que viver!
Renato Troian
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.4.4

Este texto é um exercício inicial que realizei para adentrar os meandros da


Análise Textual Discursiva (ATD). Criei o meu próprio corpus para análise a
partir das minhas vivências no curso Análise Textual Discursiva (ATD): Teo-
ria na prática, além de minhas aprendizagens no curso Tecnólogo de Gestão
Ambiental realizado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Alagoas (IFAL). Assim, os que lerem este texto irão se deparar com ques-
tões bem iniciais de meu “mergulho” na envolvente ATD.

O Corpus
Todos os países do mundo têm direito ao desenvolvimento econômico. A
partir dele, é possível elevar a qualidade de vida da população, com uma par-
te da renda distribuída entre os menos favorecidos, estabilizando tensões so-
ciais e políticas. Porém, sem a aplicação de leis ambientais e uma fiscalização
eficiente por parte dos governos, o desenvolvimento pode cobrar um preço
alto: piora das condições de vida humana, escassez de alimentos, diminuição
da biodiversidade e a piora da mudança climática (Renato Troian).

Este texto, aqui chamado de corpus, foi de autoria minha, realizado com
um processo de reformulação parafrástica com base em leituras realizadas
por mim e aulas do Curso de Gestão Ambiental do IFAL, no qual sou dis-
cente. Foi feito para uma atividade do curso de Análise Textual Discursiva

271
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

(ATD): Teoria na prática, ministrado pelos professores Arthur Rezende da


Silva e Valéria de Souza Marcelino.

Meu nome é Renato Troian da Silva, sou aposentado com 57 anos, e esta é
minha primeira inserção neste mundo da ATD. Inscrevi-me para auxiliar na
produção do meu Trabalho de Conclusão de Curso do Tecnólogo em Gestão
Ambiental do IFAL, também sou aluno no curso superior de Tecnologia em
Produção Cervejeira do Unicesumar e do curso Técnico em Cervejaria do
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai/Firjan).

A seguir, serão apresentadas as atividades do curso em questão, exata-


mente como foram postadas na plataforma utilizada, o Google Classroom.
Os comentários feitos como forma de auxiliar a realização da atividade e o
entendimento da ATD foram mantidos.

Unitarização:

F1RTS:7

Todos os países do mundo têm direito ao desenvolvimento econômico.

“Somos todos iguais.”

F2RTS:

Através dele, é possível elevar a qualidade de vida da população, com


uma parte da renda distribuída entre os menos favorecidos, estabilizando
tensões sociais e políticas.

“O desenvolvimento econômico é um regulador onde todos têm acesso a


melhorias sociais de acordo com o seu padrão de vida.”

F3RTS:

Mas sem a aplicação de leis ambientais e uma fiscalização eficiente por


parte dos governos, o desenvolvimento pode cobrar um preço alto: piora das
condições de vidas humanas, escassez de alimentos, diminuição da biodiver-
sidade e a piora da mudança climática.

7 F1RTS – código usado para identificar as unidades de significação extraídas do corpus.

272
4.4 O mundo não deve sobreviver, tem que viver!

“O desenvolvimento econômico não quer dizer destruir o meio ambiente


em que vivemos.”

Quadro 1 – Comentário da professora do curso sobre


a atividade realizada por mim.

Comentário retirado do Google Classroom


Boa noite, Renato! Vc fez a unitarização do seu corpus! Senti falta apenas do có-
digo, ele é importante. Pode ser algo bem simples... Minha sugestão é que vc tra-
ga algumas unidades de alguns autores (uns 2). A partir das unidades empíricas
(essas que estão aí na atividade) e teóricas (q vc vai buscar) dê prosseguimento à
sua análise, até produzir um novo texto, o metatexto!

Fonte: Google Classroom utilizado no curso em questão.

Categorização e produção de Metatexto

O mundo não deve sobreviver, tem que viver!

Vivemos em um mundo em que a opulência é mostrada ao vivo nos meios


de comunicação, a dominação dos países ricos que fazem guerras e cons-
troem indústrias em países mais pobres para poluírem onde a lei ambiental
é menos rígida.

De certo modo, essas indústrias contribuem para dividir a renda, e a po-


pulação menos favorecida consegue aumentar seu rendimento com salários
mais altos e uma liberdade, pois essa camada social consegue assim se socia-
lizar mais e ter um aumento de conforto em sua vida.

Porém, essa liberdade é sob pena de pesadas cobranças. O mundo em que


vivemos está se deteriorando muito rapidamente; os níveis de poluição estão
chegando a graus insuportáveis, e o meio ambiente que conhecíamos está
sendo destruído de forma acelerada.

Os países estão se unindo e a população ficando consciente de que deve-


mos ter indústrias voltadas à preservação do mundo em que vivemos.

273
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Quadro 2 – Comentário da professora do curso sobre


a atividade realizada por mim

Comentário retirado do Google classroom:


Renato, gostei muito que vc trouxe um texto escrito por vc, com suas ideias. Esse
texto tem um início, um meio e um fim. O que falta é você dar corpo a ele. Enri-
quecer com falas de teóricos, com dados.
Divida seu texto em 3 partes e certamente você terá uma excelente discussão.
Penso q vc poderia considerar essa divisão que apontei nos comentários para
adotá-la como uma categorização.
Att, Valéria

Fonte: Google Classroom utilizado no curso em questão.

Produção de um metatexto: um exercício.

O mundo não deve sobreviver, tem que viver!

Vivemos em um mundo onde a opulência é mostrada ao vivo nos meios de


comunicação, países ricos fazem guerras e constroem indústrias que poluem
os países mais pobres. Na realidade, somos todos humanos, e não deveria
haver diferenciação de credo, raça ou classe social.

Comentário 1: O artigo de Jacson Groos e de Marcelo Maduell Guima-


rães (2015) intitulado: Igualdade, dignidade da pessoa humana e minorias:
uma democracia social em construção, é um artigo que aborda tema relevan-
te para nossa discussão.

O tratamento e o respeito ao meio ambiente e ao ser humano não depende


destes fatores. Um nível social maior deveria significar mais esclarecimento,
porém, acontece o oposto: quanto menos renda, mais respeito tem com as
pessoas e com o meio ambiente, e maior a renda, maior o descaso com a
humanidade e o meio em que vivemos, poluindo através de indústrias que só
visam o lucro.

De certo modo, essas indústrias contribuem para dividir a renda, e a po-


pulação menos favorecida consegue aumentar seu rendimento com salários
mais altos e uma liberdade maior, pois essa camada social consegue assim se
socializar mais e ter um aumento de conforto em sua vida.

274
4.4 O mundo não deve sobreviver, tem que viver!

Comentário 2: Amartya Sen, em seu livro Desenvolvimento como liber-


dade e outros livros, desenvolve bem este assunto. Aborda temas, tais como,
a pobreza não poder ser atribuída apenas pela falta de dinheiro, mas, pelo
fato de não ter capacidade de realizar todo o potencial como um ser humano.
Ainda nos fala sobre o crescimento econômico sem investimento no desen-
volvimento humano constitui algo insustentável e antiético (SEN, 2010). O
desenvolvimento econômico é um regulador social onde todos têm acesso a
melhorias sociais de acordo com o seu padrão de vida.

Proporcionalmente 20% de aumento de um salário mínimo, essa pessoa


vai ter este percentual para tentar sair da inércia e se sociabilizar, por exem-
plo. Esses 20% de aumento sobre 5 salários mínimos, também este outro
indivíduo vai sair da sua inércia e utilizar para se sociabilizar. No final das
contas, esse incremento de 20% em qualquer renda é um fator que dá uma
liberdade maior na pessoa, pois pode procurar outros pontos de diversão, ou
até estudar e trocar de carreira, um pequeno passo que, para pessoas focadas,
significa um salto para a liberdade, não apenas trabalhar para viver.

Comentário 3: O artigo de autoria de Paulo Favero, No site Terra, publi-


cado em 08 de setembro de 2020, diz: “Maior nível de escolaridade aumenta
as chances de ter um salário melhor, afirma estudo”. (FÁVERO, 2020, [s. p.]).

O Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Eco-


nômico (OCDE) aponta um abismo social no mercado de trabalho quando se
tem ou não um diploma universitário. Vale a pena ler, pois ele cita que tem
um incremento de 144% no salário de acordo com estudos da OCDE.

Porém, essa liberdade é à custa de pesadas penas. O mundo em que vi-


vemos está se deteriorando muito rapidamente; os níveis de poluição estão
chegando a graus insuportáveis, e o meio ambiente que conhecíamos está
sendo destruído de modo acelerado. O desenvolvimento econômico não quer
dizer destruir o meio ambiente em que vivemos.

Existe hoje um turismo espacial, onde a minoria detentora da maior parte


da fortuna do mundo parece estar alienada, indo procurar um outro planeta
para colonizar. Nosso planeta “Terra” parece que vai ficar para extrair o res-
tante de suas riquezas minerais e um lar para uma população que não tem
recursos financeiros tentar sobreviver. Até fizeram um filme: Não olhe para
cima! (direção e roteiro de Adam Mckay), que faz uma crítica atual sobre a
capacidade do egoísmo das classes mais privilegiadas.

275
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Os países ricos fazem indústrias poluentes em países mais pobres, man-


dam pneu usado (lixo) para países mais pobres consumirem e acumularem,
pois reciclar é custoso e, às vezes, o lucro diminui muito.

As mudanças de temperaturas globais estão produzindo mudanças cli-


máticas em todo o mundo. Ondas de calor insuportáveis matando pessoas,
grandes volumes de chuvas em um pequeno espaço de tempo, derretimento
dos gelos polares, mudanças ambientais em áreas isoladas do mundo que ex-
tinguem espécies animais e vegetais únicos da região, diminuindo o número
de biomas do nosso planeta.

Não temos para onde fugir, não adianta deixar de poluir a nossa atmosfera
e nosso planeta, temos que despoluí-lo. Fazer usinas de despoluição, usar ener-
gias renováveis e sem emissão de gás carbônico, combustível limpo é mais caro
que um combustível fóssil, mas temos que assumir essa conta que, no final, não
é alta, ela é necessária para que a geração futura tenha uma vida mais saudável
e que não venha conhecer a natureza em um jardim botânico ou em um zoo-
lógico. Esse zoológico que, no final das contas, é uma prisão onde os animais
nem se reproduzem mais, pois vivem estressados e presos como sobreviventes
em um campo de concentração, só concentra, não aumenta o número de exem-
plares. Até nós, humanos, ficamos presos em um zoológico, onde a tecnologia
é nossa prisão e ficamos enjaulados pela internet.

Devemos ter consciência e consumir produtos de empresas que tenham


verdadeiramente responsabilidade ambiental e social para ajudar os menos
favorecidos e com caráter de responsabilidade ambiental para ajudar a todos.
Os países estão se unindo e a população ficando consciente de que devemos
ter indústrias voltadas à preservação do mundo em que vivemos.

Os governos que são eleitos por nós têm a grande tarefa de criar leis iguais
para todo o mundo para frear estas corporações e indivíduos que só pensam
no lucro, e não no futuro da humanidade e do Planeta Terra. Assim, educar
as pessoas é importante, pois sem educação a mensagem de preservação não
vai ser repassada.

276
4.4 O mundo não deve sobreviver, tem que viver!

Referências
FÁVERO, Paulo. Maior nível de escolaridade aumenta as chances de ter um salá-
rio melhor, afirma estudo. Terra, 2020. Disponível em: https://www.terra.com.
br/noticias/educacao/maior-nivel-de-escolaridade-aumenta-as-chances-de-ter-um-
-salario-melhor-afirma-estudo,e9c0ab94ffa16935f b0a594be894429fgaqxy4l9.html.
Acesso em: 21 jun. 2022.
GROSS, Jacson; GUIMARÃES, Marcelo Maduell. Igualdade, dignidade da pessoa hu-
mana e minorias: uma democracia social em construção. Revista de Direitos Hu-
manos e Efetividade, Minas Gerais, v. 1, n. 2, p. 218 -235, jul./dez. 2015. Disponível
em: https://indexlaw.org/index.php/revistadhe/article/view/124/125. Acesso em: 14
jun. 2022.
SEN, A. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

277
4.5 Cartas pedagógicas: possibilidades
da escrita de si construindo mosaicos
de aprendizado professoral com a
compreensão nos pressupostos da
Análise Textual Discursiva (ATD)
Rosimeire Montanuci
DOI: 10.52695/978-65-88977-79-8.4.5

“Eu faço cartas como quem fala de coração a coração.


Eu faço cartas como quem chora, de desespero, de
aflição.
Eu faço cartas como quem canta,
Como quem ri,
Como quem grita.
Eu vos faço cartas porque vos amo...”
(Paulo Freire).

Primeiros traços e arabescos


Iniciamos nossos arabescos nas provocações da epígrafe de Paulo Freire,
considerando os debates decorridos no ano de 2021 alusivos às comemora-
ções pelo Centenário de Paulo Freire.

Nas pressuposições de tantas formas de ser educador, defendidas por meio


da significativa presença do gesto epistolar, o ato de contar a história de si

278
por meio de cartas, Paulo Freire (re)escrevia suas cartas com um gesto de
amorosidade, falando de coração para coração a quem pretendia deixar sua
mensagem para quem interessasse atuar e discutir a docência com decência.
Assim, afiançamos que as cartas são caminhos que podemos adotar para falar
de nós em diferentes possibilidades e momentos de nossa vida, (re)criando
maneiras de ser e estar em um cotidiano na expectativa de comunicar e dei-
xar para a posteridade o legado de uma existência, a fim de aproximar mentes
e corações, produzindo e compartilhando saberes de si mesmo. A biografia e
o pensamento de Paulo Freire se configuram no sentido de que sempre esteve
permeado por uma íntima afinidade o com o hábito da escrita de cartas, em
que o educador falava de si e registrava sua militância de ser educador e o ato
de educar em sua época.

Nas primeiras palavras sobre cartas como gênero textual, produzimos este
metatexto, relacionando a hereditariedade do costume da escrita de cartas
como originária de tempos muito longínquos e utilizada por várias pessoas
para partilhar epístolas, informações, orientações e tantos outras maneiras de
comunicar algo a alguém. Assim, como seres humanos legatários desse estilo
de escrita, estamos convictos da responsabilidade de cuidar e perpetuar essa
forma de manifestar nossas memórias e, por conseguinte, buscando fazer e
ser tornar ponte de escritas pedagógicas no contexto experiencial, que, neste
texto, denominamos práticas professorais.

Partindo das proposições acima, apresentamos este relato experiencial


em contextos de aprendizado como um exercício do fazer a partir de uma
teoria apreendida no percurso trilhado no curso Análise Textual Discursiva
ATD: Teoria na Prática, cuja pretensão era que seus alunos elaborassem um
metatexto como exigência de avaliação final. Na premissa da metodologia
citada, elaboramos um metatexto afirmando o objetivo de refletir sobre as
possibilidades de diálogo na escrita de cartas como potencial teórico-metodo-
lógico, conjecturada na expressão “Cartas Pedagógicas” como potencial teó-
rico-metodológico conjecturado na expressão “cartas pedagógicas”, cunhada
por Paulo Freire (2000) como forma de expressão de uma prática pedagógica.
A partir da análise do corpus da pesquisa, resultou-se o metatexto que ora
apresentamos, utilizando a metodologia Análise Textual Discursiva (ATD).

Nos encaminhamentos da reflexão sobre os pressupostos da “escrita de


si”, em contexto da escrita das cartas pedagógicas, e assumido a preposição
de se dar atenção e versar com esmero e cuidado sobre o processo de contar

279
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

um pouco do processo de vir a ser pessoa, defendemos a ideia de não permitir


que a escrita de cartas pedagógicas seja vista como uma forma alienante e
deturpada de (re)fazer e dar significados ao que se escreve sobre as suas pró-
prias memorias. Assim, cuidando para que não seja um processo de escrita
mecanizada acerca de um comunicado e/ou mensagem que se quer relatar
sobre a sua história de vida.

Para avaliar o hábito da escrita de cartas, com foco nas Cartas Pedagógi-
cas, trazemos como referência Dickmann (2020), que reforça a ideia de que
a escrita de cartas pedagógicas é um gênero cultivado através dos tempos e
alimentado pelo desejo de uma comunicação afetuosa, com seu foco na vida
e obra de Paulo Freire, que contava um pouco de si na escrita de suas cartas.

Para Paulo Freire (2000), dentre grandes educadores e personalidades em


espaços educacionais e da sociedade que fizeram parte da nossa história — a
exemplo de Nelson Mandela, Che Guevara, Antônio Gramsci, Rosa de Lu-
xemburgo, São Paulo Apóstolo e Francisco de Assis —, as cartas eram a
forma de se fazer presente em um espaço e tempo carregado de histórias e
emoções no ato de contar de si.

Na atualidade, encontramos José Pacheco, escritor e educador português


(idealizador da Escola da Ponte) que se vale da escrita de cartas (que, neste
texto, são abordadas como cartas pedagógicas). O educador se coloca como
protagonista nas cartas para comunicar sua indignação com relação ao rumo
a que a educação se encaminha, dentre tantos outros motivos educacionais.
Ele se manifesta por meio de escrita de si mesmo na contemporaneidade.

Ao escrever e historicizar nossa compreensão e percepção sobre a impor-


tância da escrita de cartas pedagógicas e seus fundamentos epistêmico-meto-
dológicos como registros de memórias de uma prática professoral em contex-
tos de formação inicial dos saberes docentes constituídos e ressignificados por
uma prática futura de um grupo de alunos em formação inicial, acreditamos
contribuir para uma formação contextualizada em uma práxis pedagógica.

Neste exercício de Análise Textual Discursiva (ATD), apresentamos um


corpus de pesquisa que cunhamos de Relato Experiencial, considerando
uma prática docente realizada no decorrer de uma disciplina denominada
Organização e Gestão Escolar, que compõe a matriz curricular do curso de
Licenciatura em Química na modalidade de Educação a Distância (EAD),
ofertada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado

280
4.5 Cartas pedagógicas: possibilidades da escrita de si construindo
mosaicos de aprendizado professoral com a compreensão nos
pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD)

de Mato Grosso, com lócus no Campus Cuiabá Bela Vista. Como metodo-
logia de análise do corpus da pesquisa-ensino, utilizamos o gênero textual
cartas pedagógicas.

Os escritos de Gadotti (2011), delimitam a acuidade e a expressividade do


costume de escrever cartas para nossos afetos, chamando atenção pelo fato
posto de que não há como escrever cartas se não possuirmos uma estreita
trama com questões pessoais de quem as escreve e para quem as escreve.

Desse modo, destacamos que o gênero textual cartas acaba se tornando


uma maneira de pessoalizar e expor a familiaridade entre o remetente e seu
destinatário, promovendo uma aproximação entre quem escreve e quem lê,
requerendo uma cumplicidade entre os envolvidos. Em busca dessa estreita
ligação, Paulo Freire (2000) reinventa o protocolo epistolar, adotando a carta
não somente como gênero de produção textual, mas como a própria interface
de um colóquio, fomentando o modo de se inscrever como escritor e/ou leitor.

Em seguida, após a leitura e o fichamento do material tomado para aná-


lise no formato de cartas pedagógicas, foi escolhida como corpus apenas
uma carta pedagógica como exercício da Análise Textual Discursiva (ATD).
Para propiciarmos o anonimato da carta escolhida, atribuímos o nome fictício
Attilio ao remetente. Após todo esse processo, iniciamos a organização das
informações por meio de leituras, procurando nas cartas pedagógicas, por
meio de um olhar reflexivo, o que nos parecia mais significativo para nossa
proposta experiencial de estudar a trajetória de formação inicial de um aluno
de um curso de licenciatura. Buscamos, assim, encontrar no texto os termos-
-chave que serão determinados pelos três grandes movimentos de uma ATD:
a unitarização (desmontagem do texto); a categorização (estabelecimento de
relações); culminado no que se denomina metatexto (emergência do novo).

A guisa do referencial teórico

Vários pesquisadores (CLANDININ; CONNELLY, 1995, 2015; FERRA-


ROTTI, 2014; SOUZA, 2006; RODRIGUES-MOURA, 2020; PASSEGGI,
2011; JOSSO, 1999; NÓVOA; FINGER, 2010) publicizam pesquisas envolven-
do temas como: autobiografias; histórias de vida e formação; o método (auto)
biográfico e a formação; autobiografias, histórias de vida e formação. Podemos
dizer que tais temáticas podem entrelaçar-se com a escrita de cartas pedagógi-
cas, trazendo como resultado a escrita de si através de suas memorias.

281
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Considerando pesquisas realizadas e em curso pelos autores supramen-


cionados, percebemos que eles corroboram as ideias que defendemos neste
metatexto acerca uso das Cartas Pedagógicas agregadas ao ensino e pesquisa
no campo educacional. Compreendem-nas como instrumentos investigati-
vos para conhecer histórias e percursos de vida de pessoas em processo de
formação (escolarização e formação de sujeitos), bem como para expressar
sentidos e construir significados acerca de emoções, sentimentos e afetos
permeados pela docência, perpassando a formação do sujeito no seu meio,
as confluências do processo relacional e os saberes construídos para a prá-
tica, em um processo reflexivo. Tais pensamentos são extraídos dos autores
Fraiha-Martins (2014), Gonçalves (2010) e Josso (1999).

Nos encaminhamentos de compreender a prática do uso das cartas peda-


gógicas em movimentos e espaços pedagógicos, trazemos Dickmann (2020)
quando relaciona e descreve as dez características que uma carta pedagógica
deve conter em sua estrutura de escrita:

1. Ponto de partida: Toda carta pedagógica tem seu início


na história de vida e na realidade de quem escreve. [...]

2. Objetivo da escrita: É relevante nos perguntarmos


qual o objetivo de escrever uma carta pedagógica? [...]

3. Por que é pedagógica? Qual a diferença de uma carta


pedagógica para outras cartas em geral? [...]

4. O efeito da carta pedagógica: Quero refletir agora


sobre o efeito que uma carta pedagógica causa nos in-
terlocutores/as. [...]

5. O conteúdo da carta pedagógica: Num sentido mais


pragmático, pode-se dizer que uma carta pedagógi-
ca é uma mensageira, que pode levar e trazer muitas
coisas. [...]

6. Escrever exige compromisso: Escrever uma carta pe-


dagógica exige compromisso de quem escreve com o
que se escreve. [...]

7. As potências da carta pedagógica: As cartas pedagó-


gicas têm duas potências, identificadas pelo professor
Jaime José Zitkoski, que se expressam na capacidade
de atingir as pessoas nos aspectos lógicos/racionais e
de tocar o coração das pessoas. [...]

282
4.5 Cartas pedagógicas: possibilidades da escrita de si construindo
mosaicos de aprendizado professoral com a compreensão nos
pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD)

8. Para quem escrevemos? Gosto de expressar esta ca-


racterística com outra pergunta: Quem é o outro ou a
outra que vai receber a nossa carta pedagógica? [...]
9. A resposta da carta pedagógica: Permitam-me di-
zer o óbvio: uma carta pedagógica anseia por uma
resposta. [...]
10. O método de escrita da carta pedagógica: As cartas
pedagógicas podem ser escritas de uma diversidade de
formas. [...]. (DICKMANN, 2020, p. 39, grifos nossos).

Corroborando a autora acima quando descreve as dez características


que deve conter o texto de uma Carta Pedagógica, fica evidente o quão
poderosa e interessante essa metodologia de ensino é em relação à adoção
de práticas pedagógicas

Mosaico metodológico da/na trajetória da Análise Textual


Discursiva (ATD)

Assumimos neste relato experiencial um tecer metodológico a partir dos


pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD), tendo como aliadas as
narrativas como método de materialização dos dados colhidos no respectivo
corpus da pesquisa. Ao mesmo tempo, tais narrativas permitem a coleta de
dados acerca da experiência do aluno ao se tornar aprendente de um conteú-
do. Tomamos como referência a escrita de uma carta pedagógica, a fim de
delinear, de forma precisa, coerente e clara, os elementos que adotamos como
suporte e unicidade da apreensão das vivências individuais e coletivas do es-
tudante, colecionadas ao longo de uma vida de (auto)formação. Dessa forma,
buscamos mostrar sua inserção em uma realidade de ser e estar no mundo.
Mundo este onde estamos a todo momento na condição de aprendentes.

Estudos e pesquisas têm mostrado que as cartas pedagógicas, em contex-


tos pedagógicos, são consideradas pelos pesquisadores como textos de cam-
po valiosíssimos, podendo servir de apreciação e estímulo à reflexão. Tais
textos permitem o acesso aos significados construídos ao longo de experiên-
cias vividas e mostras de afeto, conforme percebemos nas defesas teóricas
de Clandinin e Connely (2015), Stryker e Burke (2000) e Montanuci (2022).

Nos encaminhamentos da proposta da escrita deste metatexto, utilizamos


como procedimento de análise das narrativas produzidas o material de pesquisa

283
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

de campo (produzidos por meio das cartas pedagógicas). Para tanto, elegemos
o uso da Análise Textual Discursiva (ATD), proposta por Moraes e Galiazzi
(2011), como procedimento de análise de dados coletados nos pressupostos qua-
litativos, buscando abrolhar sentidos e tecer os relatos produzindo mosaicos de
compreensões e transformando as cartas em uma narrativa abarcante, mediante
dados que insurgem como forma de dar significado aos relatos memorialísticos
e às histórias de vida escritas pelos alunos em suas cartas.

Situamos a discussão e a produção deste metatexto em um espaço de me-


mórias considerando as narrativas como material de análise que podem nos
remeter a um passado e, ao mesmo tempo, a um presente, adotando possibili-
dades de mudanças e construção de um novo ser e estar de si mesmo.

Foi recebida uma amostragem de 13 (treze) cartas pedagógicas de estu-


dantes da disciplina em contexto de formação inicial em um conjunto in-
vestigativo de práticas docentes, cuja proposta metodológica de aplicação
da teoria trabalhada foi definida pela escrita de cartas pedagógicas com o
objetivo de fomentar a escrita criativa e afetuosa de uma narrativa epistolar.
Tal proposta trouxe à discussão um diálogo que perpassou pela escrita de si
no contexto de um processo de formação professoral, envolvendo a escrita
das cartas pedagógicas como uma prática capaz de (re)inventar os modos de
pensar, ser e fazer no contexto do aprender a ser professor, levando os alunos
e a professora a um processo de reflexão sobre as aulas on-line e conteúdos
trabalhados em um ambiente virtual de aprendizagem da disciplina em foco,
atravessando os meros procedimentos formais da docência e passando a nar-
rar o cotidiano do aprender.

Como já defendido neste relato experiencial, este texto trata-se de uma


narrativa escrita a partir de apreensões de uma professora que adotou a me-
todologia de cartas pedagógicas em suas aulas, considerando os relatos men-
cionados como material empírico de investigação e análise da pesquisa de
campo (as cartas) para compor os textos de pesquisa. Assim, fizemos a opção
pela escolha de apenas uma carta dentre as 13 (treze) recebidas, a fim de tor-
nar este metatexto uma escrita experiencial da análise de cartas pedagógicas
por meio da ATD.

Para Moraes e Galiazzi (2006), a metodologia ATD é acompanhada por


um adensamento de percepções compreensivas ao se analisar um objeto de

284
4.5 Cartas pedagógicas: possibilidades da escrita de si construindo
mosaicos de aprendizado professoral com a compreensão nos
pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD)

estudo objetivo. Segundo os autores, o processo de compreensão do material


a ser estudado se materializa a partir de:

[...] leituras e releituras, transcrições, unitarização e


categorização e especialmente a partir da escrita. “O
processo é de intensa impregnação. Se assim não fosse
não seria possível tamanha produção”. Esta manifesta-
ção indica que, uma escrita mais fluida e de qualidade,
é produto de envolvimento e de impregnação intensos
com os materiais da análise (GALIAZZI; MORAES,
2006, p. 121).

Em um primeiro momento, o processo de compreensão se deu a partir de


repetidas (re)leituras, unitarização e categorização dos dois filetes a partir da
carta pedagógica do aluno tomada como objeto de análise, cujo objetivo foi
de buscar unidades e unicidades de sentido nas epístolas dele. Foi possível
encontrar elementos importantes e significativos na escrita da carta deste
estudante, sendo os movimentos pedagógicos o mote considerado como pres-
suposto de análise.

Nas primeiras percepções, as categorias de análise se deram pela forma


de como o aluno (re)conta sua trajetória de formação e aprendizagem com
o olhar voltado para o agradecimento às pessoas que estiveram envolvidas
nesse processo. No mesmo caminhar da compreensão dos dados, percebemos
como ele (aluno) salienta suas aptidões e avanços acerca de como vem apren-
dendo a ser professor em (auto)formação. Destacamos no texto produzido
pelo estudante palavras que julgamos potencializadoras para a Análise Tex-
tual Discursiva (ATD) na primeira fase que denominamos “Unitarizaçao ou
desmontagem do texto”, surgindo as seguintes possiblidades da análise: con-
tribuições, reconhecimento, compromisso, respeito, admiração e gratidão.
Isso nos mobilizou para uma análise no sentido de um maior aprofundamento
sobre a história de vida do aluno durante seu processo de escolarização e até
os dias de hoje, em seu curso de formação inicial em fluxo.

Notadamente, essas foram nossas primeiras unidades de sentido que tece-


ram o mosaico de sentidos das memórias e das histórias sobre si, materiali-
zadas na trajetória de aprendizado do aluno. Despertando-nos para busca por
evidências sobre esse percurso formativo, mediante uma metodologia de en-
sino (cartas pedagógicas) adotada em um ambiente virtual de aprendizagem

285
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

(AVA), onde o aluno (Attilio) foi motivado a escrever uma carta a alguém que
lhe fosse caro e raro na sua trajetória de formação.

Debatendo os fios condutores do vir a ser pelas memórias de


Attilio no ato de contar histórias de sua vida

A inclusão e a organização das unidades de sentido e significados en-


contrados na carta analisada como objeto de pesquisa de campo (as cartas
pedagógicas) nos encaminharam para a ATD, que expressava a trajetória de
formação do aluno no Curso de Licenciatura em Química, também carac-
terizado como formação inicial, em que é relatada a trajetória de formação
e aprendizado, tendo como referência a disciplina em estudo já menciona-
da neste capítulo. Isso resultou na escrita de um texto formativo e afetuoso
acerca das percepções desse aluno, as quais são constituídas por dois filetes
de sentidos (categorias) que compõem o mosaico da escrita. Discutimos, em
diálogo com a literatura pertinente sobre ATD e narrativas, a constituição de
duas categorias de análise conforme descrevemos e especificamos os resulta-
dos mediante os dados colhidos na carta, materializando-se em dois filetes, a
saber: as memorias de aprendizados constituídos em um tempo e espaço de
formação e Afetos – emoções – anseios contidos na relação professor-aluno
como configuração de um ato experiencial do (re)vivido e contado.

A próxima etapa foi a unitarização, na qual separamos o texto em uni-


dades e significado. Para cada unidade (denominadas filetes de significado),
selecionamos palavras-chave que nos orientaram para a construção de um
título/enunciado descritivo, definido no texto como “Categorização ou es-
tabelecimento de relações”, seguindo os pressupostos da metodologia ATD.

Categoria 1 – (filete): As memorias de aprendizados constituídos


em um tempo e espaço de formação

Para apreender como se arranjam as memórias e histórias de vida de


uma pessoa, é pertinente e necessário transpor-se ao passado para apreender
evidências, sinais e expressões que se tecem no filete do mosaico do vir a
ser construído pelo aluno em sua trajetória de escolarização e hoje em sua
formação inicial. Essa retrospectiva se movimenta do sentido de conduzir
o aluno para uma das portas que situam o seu lugar de ser e estar, e ainda
como se centraliza e se encontra na sua história de vida, a qual afiança a

286
4.5 Cartas pedagógicas: possibilidades da escrita de si construindo
mosaicos de aprendizado professoral com a compreensão nos
pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD)

sua própria história e a (re)vive, nos adereços de suas memórias. Ao narrar


o passado vivido, em especial seu processo de escolarização, Attilio narra
suas emoções e sentimentos se projetando para um futuro em frente a uma
reconfiguração de si mesmo, ao longo dos tempos e como será sua atuação
como futuro professor de Química. Isso fica evidente no excerto de sua carta
conforme imagem abaixo:

Imagem 1 – Excerto da carta de Attilio

Fonte: Carta de Attilio.

As marcas memorialísticas descritas por Attilio no fragmento acima reti-


rado de sua carta denotam suas expectativas com sua futura profissão como
professor, distinguindo-se com um movimento de ir e vir, trazendo o passado
em conexão com o futuro, movimentando-se pelo tempo presente do aluno.
Não porventura, trata-se de uma transfiguração da história de vida do aluno
em seu processo de escolarização.

Clandinin e Connelly (2015) asseveram que o movimento do ir e vir co-


nectando nosso passado com o futuro suscitam marcas expressivas de senti-
mentos de gratidão, sensações e uma reflexão subjetiva de como o momento
se desdobrava e se desdobra para compreender, (re)viver e (re)contar suas
histórias, sendo, sobretudo, uma forma de se reafirmar e discorrer em novas
histórias de vida. Com a fala de autores acima, trazemos outro fragmento da
escrita de Attilio, conforme evidenciado abaixo:

287
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Imagem 2 – Fragmento da carta de Attilio

Fonte: Carta de Attilio.

Na compreensão do excerto acima, Montanuci (2022) afiança o conceito


de pensar as histórias narradas pelas pessoas como significados e possibili-
dades de não modificar uma trajetória de vida, mas sim pensar sobre suas
próprias histórias contadas por estas pessoas. Assim, podemos afirmar que
o conhecimento e a aproximação entre o participante e o pesquisador são
importantes no argumento das apreensões percebidas do que não é dito por
meio das palavras.

Categoria 2 – (Filete): afetos – emoções – anseios contidos


na relação professor-aluno como configuração de um ato
experiencial do (re)vivido e contado
Quando nos referimos ao processo da docência, nem só de conteúdos se
fazem as salas de aulas e seus movimentos pedagógicos. Elas estão sim reple-
tas de emoções e sentimentos que situam a inter-relação entre os partícipes
desse ambiente em que se busca evitar a vivência uniforme e mecânica e
construir um ambiente estimulado pelo processo criativo e colaborativo.

Diante de elementos expressos na carta de Attilio, destacamos uma


grande influência do apaixonar-se pelos professores que lhe foram signi-
ficativos na sua formação, não em um sentido de amor, mas de empatia,
respeito e admiração.

288
4.5 Cartas pedagógicas: possibilidades da escrita de si construindo
mosaicos de aprendizado professoral com a compreensão nos
pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD)

Imagem 3 – Fragmento da carta de Attilio

Fonte: carta de Attilio.

Com o olhar de afetividade, trazemos as emoções retratadas nos escritos


de Attilio, em que é possível perceber como a tarefa de escrever uma carta
mobilizou seus sentimentos e aguçou sua curiosidade, como ele mesmo afir-
ma nas suas palavras:

Imagem 4 – Fragmento da carta de Attilio

Fonte: carta de Attilio.

Compreendendo a fala de Attilio, referendamos que a relação do homem


com o mundo não tem razão se não começar pela percepção compreensiva
do mundo que nos cerca, ou seja, pelos sentidos que buscamos daquilo que
se mostra com significado para a vida num processo reflexivo. Nessa apro-
ximação, as narrativas se apresentam como aliadas, ajudando o homem a se
colocar como ator de sua própria vida na condução do ir e vir nas suas ações.

289
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Concluindo o mosaico das tessituras da carta pedagógica


Após uma leitura cuidadosa das narrativas impregnadas na carta tomada
como referência de análise da tessitura dos filetes que compõem esse mosaico
do vir a ser um aluno em formação, destacamos que nosso objetivo maior es-
teve, desde o princípio da investigação, na forma de como se situou o processo
de escolarização e trajetória de (auto)formação do aluno Attilio, procurando
dar sentido em como a docência afetará o futuro do aluno como professor de
Química, num movimento de viver e reviver sua trajetória de formação.

É nesse sentido que nos apropriamos da carta pedagógica do aluno a fim


de compreendermos a rica e valorosa experiência pela qual o aluno descreve
o seu processo de escolarização e formação ao longo de sua trajetória aca-
dêmica, sendo possível um aprofundamento, mesmo que superficial, de suas
memórias e histórias de vida, fazendo um movimento cíclico de ir e vir.

O intuito do exercício de realizar uma ATD por meio de uma carta peda-
gógica não foi validar ou buscar verdades, mas compreender a experiência (re)
vivida e (re)contada que teve grandes influências e sentimentos do/no aluno em
um futuro breve se vir a ser professor de Química no estado de Mato Grosso.

Na maturidade desta experiência como professora a adotar a metodologia


da escrita de cartas pedagógicas, assevero que a escrita da carta do aluno
objetivou utilizar a produção textual de um pequeno texto, empregando a
carta pedagógica como instrumento de avaliação dos conteúdos trabalhados
na disciplina, apensando a mim possibilidades de rever minha atuação como
professora em um curso de formação de professores.

Referências
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pesquisa qualitativa. 2. ed. Uberlândia: Edufu, 2015.
CONNELLY, F. M.; CLANDININ, D. J. Relatos de experiencia e investigación narrativa.
In: LARROSA, J. et al. (ed.). Déjame que te cuente: ensayos sobre narrativa y edu-
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DICKMANN, Ivo. As dez características de uma carta pedagógica. In: PAULO, Fer-
nanda dos Santos; DICKMANN, Ivo (org.). Cartas Pedagógicas: tópicos epistêmi-
co-metodológicos na Educação Popular 1. ed. Chapecó: Livrologia, 2020. p. 37-54.
(Coleção Paulo Freire; v. 2).

290
4.5 Cartas pedagógicas: possibilidades da escrita de si construindo
mosaicos de aprendizado professoral com a compreensão nos
pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD)

FERRAROTTI, Franco. História e histórias de vida: o método biográfico nas Ciências


Sociais. Tradução de Carlos Eduardo Galvão Braga e Maria da Conceição Passeggi.
Natal: EDUFRN, 2014.
FRAIHA-MARTINS, F. Significação do ensino de ciências e matemática em proces-
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Paulo: UNESP, 2000. 144 p.
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M.; POMÃO, J. E. Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. 12 ed.
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PASSEGGI, M. C. Injunção institucional e sedução autobiográfica: as faces autopoéti-
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291
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

PEDRUZZI, A. N.; GALIAZZI, M. C. et al. Análise Textual Discursiva: os movimen-


tos da metodologia de pesquisa. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 10,
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SOUZA, E. C. (org.). Autobiografias, histórias de vida e formação: pesquisa e ensino.
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STRYKER, S.; BURKE, P. J. The past, present, and future of an identity theory. So-
cial Psychology Quarterly, [s. l.], v. 63, n. 4, p. 284-297, 2000. Disponível em:
https://www.jstor.org/stable/2695840. Acesso em: 15 jun. 2022.

292
Sobre autores e autoras

Andréa de Souza Brito


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Saúde do Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde da Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui Graduação Tecnológica em Gestão de
Recursos Humanos (2015) e Psicologia (2016), ambas concluídas na Universi-
dade Estácio de Sá. Desenvolve pesquisa na área de educação quilombola em
território remanescente quilombola. Interessa-se por estudos voltados para
área de Educação Quilombola, Cultura Afro-Brasileira, Psicologia Social
Comunitária e Gestalt Terapia.

Ariane Gutierrez
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal
da Bahia. Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário Maurício de
Nassau / Lauro de Freitas - BA (2017). Atualmente, é Coordenadora Pedagó-
gica da Prefeitura de São Francisco do Conde-BA. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Educação Profissional, Educação do Campo e
Educação Inclusiva. Especialização em Transtorno do Espetro Autista pela
Child Behavior Institute of Miami. Curso de extensão em Coordenação Peda-
gógica pelo Centro Educacional de Desenvolvimento Profissional (CEDEP).

293
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Curso de extensão em Docência na Educação Profissional e Tecnológica.


Curso de extensão em Alfabetização e Letramento e Curso de extensão em
Pedagogia Waldorf pela Universidade do Estado da Bahia. Estuda desenvol-
vimento e programação de jogos e gamificação para educação inclusiva.

Arthur Rezende da Silva


Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP
- Petrópolis). Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades pela
Universidade Cândido Mendes (UCAM) em Campos dos Goytacazes, RJ.
Especialista em Literatura, Memória Cultural e Sociedade, pelo Instituto
Federal Fluminense (IFF). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Insti-
tucional pela Universidade São Camilo (Espírito Santo). Licenciado em Le-
tras/Literatura (Universidade Iguaçu - Itaperuna-RJ) e em Pedagogia pela
Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF/Consórcio CEDERJ).
Concursado como Técnico em Assuntos Educacionais (TAE), cargo de nível
superior da área pedagógica, do Instituto Federal Fluminense no Campus
Santo Antônio de Pádua e professor efetivo da Fundação de Apoio à Escola
Técnica do Estado do Rio de Janeiro (FAETEC), atuando na Licenciatura em
Pedagogia da FAETEC de Santo Antônio de Pádua. Atualmente, é Diretor-
-Geral do Instituto Federal Fluminense – Campus Santo Antônio de Pádua,
RJ, tendo sido reeleito para o quadriênio de 2020 a 2024. 

Analice de Oliveira Martins


Possui Pós-Doutorado em Literatura Brasileira Contemporânea, pela Uni-
versità degli Studi Roma Ter (2017); Doutorado em Estudos de Literatura
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2004); Mestrado em
Letras (Literatura Comparada) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(!994); Bacharelado e Licenciatura em Letras (Português-Francês) também
pela UFRJ. Atualmente, atua na área de Letras, lecionando, como Professora
Titular, no IFF campus Campos-Centro. É também colaboradora do Programa
de Mestrado e Doutorado em Cognição e Linguagem da UENF e professora
titular dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu MPET (Mestrado Pro-
fissional em Ensino e suas Tecnologias) e lato sensu em Literatura, Memória
Cultural e Sociedade, do IFF campus Campos-Centro. Suas pesquisas se rela-
cionam aos diálogos entre literatura e estudos culturais; aos relatos de espaço;
às questões de pertencimento e identidade cultural e também às fronteiras entre

294
Sobre autores e autoras

literatura e tecnologia, investigando as novas condições de produção literária


na contemporaneidade. É pesquisadora do NECEL (Núcleo de Estudos Cultu-
rais, Estéticos e de Linguagens). É autora do livro “Entremeios: ensaios sobre
a literatura, cinema e comunicação”, publicado em 2008 pela editora Appris.

Danilo Almeida de Souza


Doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade
Federal da Bahia/Universidade Estadual de Feira de Santana – UFBA/UEFS
(2019). Mestre e licenciado em Física pela Universidade Estadual de Santa
Cruz – UESC/BA (2008, 2011). Especialista em Ensino de Física pela Uni-
versidade Cândido Mendes – UCAM/RJ (2017). Professor de ensino básico,
técnico e tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
da Bahia (IFBA) (desde 2009), atualmente no campus Ilhéus, ministrando
aulas em cursos técnicos de nível médio na forma integrada e subsequen-
te. Membro permanente do corpo docente do Programa de Pós-Graduação
em Educação Profissional e Tecnológica (Mestrado Profissional) – ProfEPT/
IFBA no campus Salvador. Pesquisador vinculado ao Grupo de Pesquisa em
Nanomateriais, Física Atômica e Molecular, Energias Renováveis e Ensino
de Física. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Práticas Educativas, Docência
e Interculturalidade (GPEDI). É sócio/membro da Associação Brasileira de
Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC) e da Sociedade Brasileira
de Física (SBF). Tem experiência na área de Física, com ênfase em ensino de
Ciências/Física. Dialoga com temas ligados à Educação Profissional e Tecno-
lógica (EPT) (sobretudo ensino médio integrado), Divulgação e Populariza-
ção da Ciência e tópicos de Educação no Ensino Médio.

Denise Lima Rabelo


Mestra em Educação e Mestranda do Programa de Mestrado Profissional
em Rede Nacional em Educação Profissional e Tecnológica. Especialista em
Docência para a Educação Profissional e Tecnológica. Graduada em Admi-
nistração. Professora da rede estadual do Espírito Santo, no ensino médio
integrado ao curso técnico de Administração.

295
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Flávio Pereira Bastos


Especialista em Letras espanhol e francês (Programa Europeu de Lín-
guas Modernas – Americampus/Erasmus Mundus). Graduado em História
(Universidade Católica de Petrópolis, RJ e Universidad de Extremadura, Es-
panha). Professor.

Gabriela Albuquerque Lucio da Silva


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologias
Ambientais (UFSB/IFBA). Graduada em Engenharia Ambiental pela Univer-
sidade Federal de Itajubá (UNIFEI), onde atuou como aluna bolsista na Incu-
badora Tecnológica de Cooperativas Populares (INTECOOP) desenvolvendo
projetos com a Associação de Produtores Rurais de Itajubá e Região (APRIR)
na área de economia solidária, tecnologia social, agricultura familiar, coope-
rativismo, associativismo e agroecologia. Em 2017, fez parte de seu estágio
no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no
Parque Nacional da Serra do Cipó. Participou da comissão organizadora do
XIV Encontro Nacional de Engenharia e Desenvolvimento Social (ENEDS)
e é integrante da Rede de Engenharia Popular Oswaldo Sevá (REPOS). Pos-
sui interesse na linha de Ambiente e Sociedade, na temática de Unidades de
Conservação, Educação Ambiental, Educomunicação Socioambiental, Potên-
cia de Agir (Espinosa), Comunidades Tradicionais, Conflitos Socioambien-
tais e Políticas Públicas.

Gedmar S. Carvalho
Doutorando em Ciências Naturais (PGCN/UENF). Mestre em Ensino de
Física pelo Instituto Federal Fluminense – Polo 34. Graduado em Matemática
e Ciências Naturais pelo Centro Universitário Fluminense (1996). Atualmen-
te é professor da Prefeitura Municipal de Macaé. Tem experiência docente
nas áreas de Matemática do ensino fundamental II e ensino médio e em Ciên-
cias Naturais do ensino fundamental II.

Geraldo Bull da Silva Júnior


Doutor em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro
do Sul, São Paulo. Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Pontifícia

296
Sobre autores e autoras

Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Docência do Ensino


Superior pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro e especialista
em Educação Matemática pela Faculdade Saberes, Espírito Santo. Licenciado
e bacharel em Matemática pela Faculdade de Humanidades Pedro II (1994),
Rio de Janeiro. Atualmente é professor de Matemática – Escola de Aprendizes
Marinheiros do Espírito Santo. Tem experiência na área de ensino de Mate-
mática nos níveis fundamental, médio e superior. Atua principalmente com
os seguintes temas: Matemática do Ensino Fundamental e Médio, Educação
Matemática, Cálculo, Álgebra Linear e Geometria Analítica.

Heloisa Fernanda Francisco Batista


Doutoranda e mestra em Educação pela Universidade Federal de Uber-
lândia (UFU). Licenciada em Física pela Universidade Federal de Uberlândia
(UFU) e Matemática pela Faculdade Educacional da Lapa (FAEL).

Paulo Henrique dos Santos Oliveira


Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Triângulo Minei-
ro. Graduando em História pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (2015). Graduado em Comunicação Social – Jorna-
lismo pela Universidade de Uberaba (2009). Experiência prévia em pesquisa
nos temas de manifestação cultural afro-brasileira (Congada) e empresas mi-
litares privadas no panorama da segurança internacional. Linhas de pesqui-
sa atuais incluem: história das ideias no século XI, epistolografia e cultura
política na Idade Média, história da educação no Brasil Colonial e filosofia
brasileira. Membro dos grupos Studia Brasiliensia e Laboratório de Estudos
Medievais (LEME-UFTM).

Priscila dos Santos Caetano de Freitas


Doutoranda em Ciências Naturais (UENF). Mestra em Ensino de Física
(IFF). Licenciada em Física (IFF). Professora de Ciências da rede municipal
de Campos dos Goytacazes-RJ.

297
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Nilcimar dos Santos Souza

Doutor em Ciências (2017) pela Universidade de São Paulo. Mestre em


Ciências Naturais – UENF (2012). Licenciado em Química (2010) pela Uni-
versidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Professor do Curso
de Licenciatura em Química, do Centro Multidisciplinar UFRJ-Macaé, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desde 2013. Orienta pesqui-
sas de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação
em Ciências e Saúde, também da UFRJ. Interessa-se por pesquisas sobre as
tecnologias digitais, tanto no desenvolvimento de recursos para a educação
quanto nos seus impactos sociais. Interessa-se, também, por pesquisas com a
educação popular, social e comunitária.

Octávio Cavalari Júnior

Doutor em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro


do Sul (2012). Mestre em Ciências Contábeis, com concentração em Admi-
nistração Estratégica pela FUCAPE Business School (2007). Graduado em
Administração pela Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (2004). Especia-
lista em Ensino pela FASE (2010). Atualmente, é voluntário da Associação
Junior Achievement do Espírito Santo, professor de ensino básico, técnico e
tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Es-
pírito Santo (Ifes) e Diretor-Geral do Ifes Colatina. Tem experiência na área
de Administração Privada e Pública, atuando principalmente nos seguintes
temas: Cidadania corporativa, Fidelização de clientes, aprendizagem, ensino
de matemática, educação a distância, afetividade e métodos quantitativos.

Renata Freitas Siqueira

Mestra em Economia pela UFMT. Especialista em Ensino de Língua


Francesa e Administração Contábil, Financeira e Auditoria no Setor Público.
Graduada em Letras/Francês e Economia, ambas pela UFMT. Professora efe-
tiva da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.

Renato Troian da Silva

Aposentado. Discente em Tecnologia em Gestão Ambiental no Instituto


Federal de Alagoas (IFAL) e sommelier.

298
Sobre autores e autoras

Reginaldo Nhachengo

Doutorando em Políticas Públicas no Programa de Pós-Graduação em Po-


líticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (PPFH/UERJ – Brasil). Mestre em Políticas Públicas pela School of
Government and Public Policy of Jindal Global University (JSGP/JGU - In-
dia). Licenciado em Administração Pública pelo Instituto Superior de Rela-
ções Internacionais (ISRI - Moçambique) e técnico profissional em Adminis-
tração Pública e Autárquica pelo Instituto de Formação em Administração
Pública e Autárquica (IFAPA-Maputo). Professor da Universidade Joaquim
Chissano (Moçambique).

Rosimeire Montanuci

Doutora em Educação pela Universidade de Uberaba – UNIUBE (2020).


Mestra em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (2009).
Graduada em Pedagogia pela Fundação Faculdade Municipal de Educação,
Ciências e Letras de Paranavaí. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Política e Formação Docente (GEPForDoc - UFMT). Docente da Uni-
versidade Aberta do Brasil (UAB), pelo IFMT (2006 – atual). Docente em
cursos de Especialização lato sensu em IES particulares no estado de Mato
Grosso. Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de Mato Grosso (IFMT). Com experiência nas seguintes áreas: Políticas Pú-
blicas; Políticas de Formação de Professores; Políticas de Formação de Pro-
fessores na Educação Profissional e Tecnológica; Formação de Professores
inicial e permanente, com ênfase em: Métodos e Técnicas de Ensino, Projetos
Políticos Pedagógicos, Gestão Pedagógica. Didática e Práticas Pedagógicas.
Com experiência em: avaliação de desempenho e competências, planejamen-
to e avaliação da aprendizagem, didática geral, didática na EPT, metodologia
científica, narrativas de formação de professores, elaboração de projetos de
pesquisa, dentre outros.

Sebastião Rodrigues-Moura

Doutorando em Educação em Ciências e Matemática (REAMEC-UFMT/


UFPA/UEA). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnolo-
gia do Pará (IFPA). ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4254-6960. E-mail:
sebastiao.moura@ifpa.edu.br

299
Análise Textual Discursiva (ATD): teoria na prática

Thaís Andressa Lopes de Oliveira

Doutoranda e Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Educação para


a Ciência e a Matemática da Universidade Estadual de Maringá (PCM-UEM)
e Licenciada em Química pela mesma instituição. Possui especialização lato
sensu em Docência do Ensino Superior e Neuroeducação e especialização em
andamento em Educação à Distância pela Faculdade Campos Elíseos, vincu-
lada à Universidade Paulista (UNIP) – Conceito 4 do MEC. É Representante
Discente dos Programas de Pós-Graduação junto ao Conselho Interdepar-
tamental do Centro de Ciências Exatas, CI/CCE-UEM (Gestão 2020-2022).
Tem experiência na área de Educação em Química, na qual trabalhou com
os seguintes temas: Aprendizagem Cooperativa, Multimídias em Ensino de
Química, Pensamento Crítico e Abordagem Temática. Atualmente, suas pes-
quisas voltam-se ao papel do questionamento no processo educativo e suas
implicações aos estudos da linguagem no Ensino de Ciências; as relações
CTS/A e sua interface com a Abordagem Temática e o desenvolvimento de
capacidades de pensamento crítico.

Tiago Vieira Pinto

Graduado em Administração pela Faculdade Santo Antônio de Pádua


(2019). Atualmente é gestor escolar da CEPRA - Centro Educacional Profes-
sor Ruy Azevedo Ltda. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Administração Educacional.

Valéria de Souza Marcelino

Doutora em Ciências Naturais com ênfase em Ensino de Ciências e mes-


tra em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Flumi-
nense Darcy Ribeiro. Graduada em Farmácia e especialista em Indústria pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, é Coordenadora de Me-
todologias de Ensino do Centro de Referência em Tecnologia, Informação e
Comunicação na Educação do Instituto Federal Fluminense (IFF). Professora
do Mestrado Profissional em Ensino e suas Tecnologias (MPET), na Licen-
ciatura em Química e no curso Técnico em Química do IFF. Integrante dos
grupos de pesquisa Núcleo de Estudos Avançados em Educação (NESAE) do
IFF e Ciência, e Tecnologia e Sociedade (CTS) no Ensino de Física do IFRJ.
E-mail: vmarcelino67@gmail.com

300
Sobre autores e autoras

Vanessa Franco Neves


Mestranda no Curso de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem pela
UENF (2020 - 2022). Graduada em Letras Português/Literatura pela Uniflu
(2018). Possui Pós-Graduação em Mídias e Novas tecnologias no ambiente es-
colar – Uniflu (2019). Durante a graduação, participou do Projeto de Remição
de Pena pela Leitura no Presídio Masculino Carlos Tinoco da Fonseca (2017
- 2019). Professora de Redação do Pré-vestibular Social Teorema da UENF.

301
Recebi com muita alegria a notícia de que a Análise Textual Discursiva (ATD)
estava em discussão pela Professora Valéria Marcelino em um curso de forma-
ção de pesquisadores. Valéria fez a disciplina à distância quando ainda nem
imaginávamos o que se tornariam as lives síncronas, momentos de reuniões
cotidianas nestes últimos tempos. Valéria se desafiou em sua tese a usar a me-
todologia de análise aprendida naquela disciplina, isso faz uma década. A ela,
aliou-se o Prof. Arthur, com a intenção de democratizar o acesso à ATD. Quando
leio sobre o lugar dos participantes do curso, encanto-me com a obra. Do norte
ao sul, os ventos levam a ATD como possibilidade de analisar pesquisas em que
a autoria do pesquisador é condição. Ou, dito de outra forma, se a pesquisa não
transformar o pesquisador, qual seu sentido?

Que bom que o curso esteja com muita gente, pois, como sabemos, pela es-
crita se produzem transformações pessoais que levam a outras transformações,
e estamos em momentos em que precisamos de análises críticas sobre o que
estamos vivendo.

Prof.ª Maria do Carmo Galiazzi

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