Meu Vizinho Do 202
Meu Vizinho Do 202
Meu Vizinho Do 202
Pará - PA 1º Edição
Novembro de 2020
Sobre esta obra
Aviso Importante
Playlist
Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Epílogo
Agradecimentos
Outras obras
Sobre a autora
Esta é minha primeira comédia romântica. Quem já leu outras obras
minhas, sabe que gosto bastante de uma boa dose de drama, é minha zona de
conforto, mas neste livro, em especial, eu quis sair da caixinha e tentar algo
novo.
A ideia eu já tinha, estava pronta na cachola há tempos, só não
imaginava que desenvolvê-la cobraria tanto de mim, tanta doação. Não foi
fácil como pensei, andou bem longe, na verdade, mas foi igualmente
gratificante poder compor esta trama, acompanhar esses personagens que
foram nascendo e se mostrando a mim de uma forma realmente linda.
Cada personagem tem sua especial importância e peculiaridade, só
espero que faça você rir, como me fizeram nos últimos dias.
Entre e divirta-se...
A proposta aqui era construir uma comédia romântica leve,
desprendida, aquele livro que chamamos de: cura ressaca literária. Ao menos
foi o que me propus a fazer e espero imensamente ter alcançado o objetivo,
que cada personagem entre em seu coração com sua particularidade.
Não espere grandes dramas, a proposta não é essa, mas espere boas
risadas, suspiros e corações quentinhos. Pois acredite, foi o que senti a cada
capítulo escrito.
“Os clichês só viram clichês por um motivo: eles funcionam.”
(Grey’s Anatomy)
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Uma noite, um engano e um delicioso desastre.
A vida de Mônica Maria era perfeita ou, pelo menos, era isso o que
pensava. Romântica de carteirinha, ela sonhava com o casamento dos sonhos,
a casa perfeita e, claro, o marido dos contos de fadas.
Essas eram suas metas, até que o destino lhe prega uma peça e ela é
obrigada a crescer e encarar sua realidade nem um pouco cor-de-rosa. Desde
então, Mônica decide deixar as emoções de lado e focar em preocupações
maiores.
Mas o destino apronta outra vez e ela encontra Benjamin, seu vizinho
pervertido, que parece tentá-la vinte e quatro horas por dia, atraindo-a para o
pecado e despertando sensações há muito adormecidas.
A bela morena só queria amizade, no máximo um passatempo
divertido, uma ajuda mútua, mas uma noite muda tudo e agora os dois vão
aprender que com fogo não se brinca!
Frio, sinto frio e puxo o lençol que está abaixo da minha cintura,
resmungando por ele ser muito fino, por sinal, cobrindo até meu pescoço e
me empoleiro no calorzinho bom que sinto ao fazer isso.
Colo-me ainda mais ao corpo quente ao meu lado, sentindo o peso de
um braço sobre minha cintura, o perfume amadeirado a encher o ambiente,
enquanto o aperto que recebo funciona de forma protetora ao meu redor, por
assim dizer.
Deixo um suspiro escapar, tentando me entregar de volta ao sono, uma
delícia de sono, aliás.
É quando um alarme acende em minha cabeça, como um grande e
medonho botão vermelho florescente em uma sirene e abro meus olhos, me
arrependendo em seguida pela dor que sinto e voltando a fechá-los com certa
força.
E me dou conta de várias coisas ao mesmo tempo.
Minha cabeça lateja.
Eu não estou em meu quarto, em minha casa.
Tem um homem ao meu lado.
E estou completamente nua.
Ah... também estou de ressaca, a julgar pelo gosto ruim que toma
minha boca. Flashes da noite de ontem disparam em minha mente,
lembrando-me de que bebi todas e agora, não é só ressaca da bebida que
sinto, mas também uma grande ressaca moral. Que droga eu fiz?
Volto a abrir meus olhos, piscando várias vezes, sentindo poucas
lágrimas nascerem nos cantos devido à claridade, mas tentando me situar. De
forma mais imóvel possível, levanto meu rosto, devagar, sem querer, de
maneira alguma, acordar o homem deitado ao meu lado.
Eu transei ontem? Com esse cara?
Meu senhor... tapo meu rosto com as mãos, guardando a imagem do
braço forte agarrado a mim, tentando me lembrar de como vim parar em um
quarto de motel com um estranho.
Tiro a mão do rosto e fixo meu olhar no homem ao meu lado, não
querendo acreditar que me deixei levar pela bebida e pela ideia idiota dos
meus amigos.
Olhando-o, balanço a cabeça de um lado para o outro, como se
estivesse processando algo e, ao menos, ele é bonito...
Porra nenhuma, isso nem conta, eu não conheço esse cara, nunca o vi
na minha vida e em uma noite, em uma balada e alguns drinques, eu decido ir
embora com ele para um... olho ao redor... motel, ou seria um hotel? Eu sei
lá.
Como fui descuidada. Não tiro os olhos do homem ao meu lado, que
nem se mexe, apenas respira compassadamente e me dou ao trabalho de olhar
cada detalhe seu.
Ele está meio de lado, virado para mim e, sim, estamos quase
abraçados, com um de seus braços sobre mim, apertando minha cintura e o
outro, sobre seus olhos, deixando aparente apenas parte do nariz, boca e
mandíbula.
O lençol fino tapa até sua cintura, ficando assim, gostoso, que chega a
perturbar, com o peitoral marcado por músculos bem esculpidos à mostra,
partes que são cobertas por tatuagens. Muitas, que começam de seu peito e
descem por seus braços, até suas mãos.
Algumas formam imagens exatas, outras, tribais e símbolos que não
identifico, já que me aproveito da pouca luz do quarto para observá-lo. Já em
seu peito, de um lado tem um felino e do outro, um gorila ou um macaco, não
sei ao certo e nem deveria querer saber, muito menos tocar, mas minhas mãos
formigam por circular cada uma das suas tatuagens, cada linha delas.
É quase como um efeito hipnótico.
Busco então em minha mente as peripécias sexuais que eu possa ter
feito com o estranho, dormindo ao meu lado, durante a noite e nada, não há
nada em minha cabeça senão um grande espaço em branco. Sem nenhuma
lembrança sequer.
Como está tudo em branco? Não tem como.
Massageio a têmpora, sentindo latejar, querendo lembrar, mas nada faz
sentido. Que droga!
Com cuidado, levanto um pouco o lençol, apenas para confirmar o que
eu já sei, estou nua em pelo, sem nada. Totalmente pelada e não deixo de
olhar, de relance, que ele também está nu. Puta que pariu e não tem como
não ver, gente, não tem. Ele está meio virado para mim e com o mastro a
meio caminho e, Pai da misericórdia!
A coisa está a meio mastro e em um tamanho invejável, rosado, bonito
e... deixo o lençol cair de volta e fecho meus olhos, me policiando e sentindo-
me excitada apenas por admirar, escondida, o pau do meu acompanhante. E o
que eu estou fazendo? O que eu fiz ontem à noite?
Sim, porque olha o perigo que foi isso... Saí ontem com meus amigos, a
fim de me divertir, apenas, e por algum motivo insano, decidi que desviar
minha rota e terminar a noite transando com um cara totalmente
desconhecido, em um motel qualquer, seria uma ótima escolha. Foi
irresponsável, não foi? Claro que foi.
Olho ao redor do quarto, me dando conta das nossas roupas jogadas
pelo chão, minha calcinha não muito longe da beirada da cama e quase gemo
em desgosto ao tentar mais uma vez me lembrar de algo e nada vir à minha
mente. Nada!
Como eu posso ter transado com um cara desse e não me lembrar de
nada? Olha para ele, o cara é lindo, lindo e eu simplesmente me esqueci?
Sim, porque a julgar pelas roupas jogadas para tudo que é lado, a gente fez
alguma coisa aqui.
Inconformada, me dou conta de que nem o nome dele me lembro, para
falar a verdade, da noite de ontem lembro apenas de algumas partes. Como
chegar à boate, começar a beber, olhar o bonitão que estava me secando. Mas
entre essas, nenhuma inclui sair com o gostoso musculoso da balada e vir
para um motel ou sei lá o quê.
E agora? O que eu faço?
Ele se mexe ao meu lado e eu paraliso, nem respiro, voltando a colocar
minha cabeça no travesseiro ao senti-lo arrastar a mão por minha barriga, a
tirando de cima de mim, enquanto se vira para o outro lado da cama, soltando
um gemido meio rouco, que faz meus pelos se eriçarem.
Espera, nós usamos camisinha?
Devagar, para não o acordar, me levanto e testo a umidade entre
minhas pernas, tentando adivinhar se usamos camisinha ou não e... nada,
minha vagina está sequinha, nada dolorida também, apesar de meu corpo em
peso ter reclamado quando me levantei.
Okay, isso quer dizer que após um sexo gostoso, provavelmente
tomamos banho, ao menos isso, já que em nada amanheci parecendo alguém
que passou a noite transando ao ponto de acordar pregada com o próprio suor
e gozo entre as pernas.
Mas e se não usamos camisinha?
Fico parada próximo à cama, olhando o homem na cama, de costas para
mim, costas largas que me lembram aqueles nadadores sarados, perfeitos. Ele
deve pegar mesmo pesado na academia.
Qual é, Deus? A primeira vez que transo com um cara, que não seja o
babaca do meu ex-noivo, eu não vou me lembrar do que fizemos? Por favor,
ajuda aqui.
Desisto de tentar lembrar qualquer coisa sobre a noite passada e saio
catando minhas roupas pelo chão do lugar, indo para o banheiro e fechando a
porta devagarinho, me encostando na madeira e respirando, aliviada, ao estar
sozinha.
Busco também pelo banheiro indícios de sexo, não há nada, mas sei
que estivemos aqui. Por exemplo, há alguns saquinhos de xampu e sabonete
jogados no chão e um sabonete aberto e usado no boxe, além de toalhas
penduradas, ainda meio úmidas e a julgar pelo meu cabelo extremamente
seco, eu devo ter mesmo o lavado ontem aqui, de qualquer jeito, enquanto
fazíamos sexo.
Mas não há nada de camisinha usada ou qualquer embalagem no chão
ou na lixeira. Merda!
Lavo meu rosto, agora um tanto preocupada, olhando meu cabelo
revolto, em um emaranhado que mais parece um ninho de passarinho. Mãe da
misericórdia, esse homem deve ter me virado do avesso.
Jogo os cachos bagunçados para cima e faço um nó seguro, vestindo
minha roupa em seguida, dando uma última olhada pelo banheiro antes de
abrir uma fresta na porta e conferir se ele continua dormindo, soltando o ar ao
perceber que ele, ao menos, se mexeu.
Pelo menos, de uma coisa estou certa: não usamos camisinha.
Recrimino-me, mas isso também agora não adianta, não depois do leite
derramado. Que péssima metáfora para se usar agora.
Chega, agora eu só tenho que ir para casa, é só sair de fininho para o
gostosão não acordar e depois penso direito na merda que fiz.
O gigante continua ressonando baixinho e saio do banheiro, dando uma
última vasculhada pelo chão em busca de vestígios de que usamos
camisinhas.
Não é possível que fomos tão irresponsáveis assim!
Desisto, não querendo mais esperar e ter que olhar para sua cara e falar
algo, tampouco conversar sobre ontem à noite, dado que nem ao menos
lembro seu nome.
Uma puta sacanagem, diga-se de passagem. Como eu me sentiria se
fosse ele a não lembrar o meu nome?
Eu ficaria puta, muito puta!
Pego minha bolsa sobre a mesinha ao lado da cama e vou nas pontas
dos pés até a porta, levando minhas sandálias na mão para não fazer barulho.
Saio do quarto, fecho a porta e enfim me permito respirar, aliviada, e
não, não estamos em um motel. Ele me trouxe para um hotel, espaçoso, limpo
e arrumadinho.
Nego o pensamento, buscando meu celular na bolsa e tento me
localizar no maps para poder chamar ao menos um Uber para ir embora.
Chego a rir com a ironia da vida, enquanto chamo o Uber e atravesso o
corredor do hotel, após calçar minhas sandálias, sendo observada por duas
senhorinhas que aparentemente acabaram de tomar o café da manhã. Finjo
não as ver e marcho um tanto sem graça até a recepção.
Fico disfarçando meu infortúnio, olhando o celular e pedindo que o
grandão acorde só quando eu estiver longe, de preferência em casa. Aliviada,
vejo o Uno branco parar frente à entrada do hotel e apressadamente, após
confirmar a placa, entro no carro, deixando um suspiro audível escapar.
Pronto, acabou.
― Mônica, isso? ― Ouço-o perguntar, de forma gentil, o senhor
sentado atrás do volante.
― Isso mesmo. O senhor pode por gentileza passar em uma farmácia?
― Claro, só marque na rota, por favor, moça.
Faço isso de imediato, melhor prevenir do que remediar, pois é claro,
que como não sei se usamos ou não camisinha, vou comprar uma pílula do
dia seguinte, além de alguns remedinhos que possam me prevenir de qualquer
mal-estar futuro.
No fim, eu só queria mesmo era me lembrar de como foi. Droga!
― Por quê?
― Sei lá, toma.
Estico o braço e pego a caneca de café que Sophie me entrega,
enquanto a vejo se jogar ao meu lado no sofá, trazendo uma caneca com café
e leite também nas mãos para si. Estamos agora em meu apartamento,
acordamos há pouco.
― Mas talvez abrir uma filial naquele bairro seja uma boa.
― É um bairro bom. Podemos pedir pra sondarem, o que acha? Vamos
cotar volume de pessoas, academias abertas nas proximidades, enfim, estudar
o mercado como sempre fazemos.
Sophie concorda, com a mão afagando a cabeça grande e peluda de
Gamora, que jaz preguiçosamente próxima aos nossos pés. Minha cachorra é
o pitbull mais preguiçoso e doce que já conheci, uma farsa para a raça.
Isso, tirando um episódio um tanto trágico e cômico que tivemos com a
vizinha de corredor, semana passada. Mas não foi por mal, provavelmente
Gamora queria brincar e foi má interpretada pela moça, que foi um tanto mal-
educada.
― Claro, isso sim. Mas será que tá na hora de investir em mais uma?
Tem só três meses que compramos a Dominus, temos capital, mas pode ser
cedo.
― Isso, eu concordo ― falo, tomando o café, talvez sirva para ajudar a
me manter de pé hoje. ― Só compensa se tivermos uma boa proposta com
relação ao valor de compra, pois caso não queiramos investir o capital agora,
podemos esperar um ou dois meses.
― Estava pensando nisso.
― Ótimo. Podemos falar com Oscar mais tarde, o que acha? ― Oscar é
nosso contador, um cara competente que ganhou nossa confiança há bons
anos.
― Pode ser. Ben, sei que não gosta de falar disso e respeito seus
sentimentos, essa palhaçada toda. — Pula o discurso e espero o que vem por
aí. — Mas... pensou no assunto pai?
— Qual pai? Eu não tenho um.
— Benjamin.
— Se respeita mesmo meus sentimentos como acabou de dizer, esquece
esse assunto — peço, evitando olhá-la.
— Acho que... esquece, tudo bem. Sendo assim, vamos lá?
― Quer treinar agora cedo? ― pergunto, mudando o foco
desnecessário dessa conversa, pois estava pensando em tentar dormir esta
manhã, aproveitando que não marquei nenhum compromisso.
― Não, mas podemos pegar os moleques de rua treinando lá a essa
hora. — Sei que queria uma resposta minha, mas nunca falo do meu pai.
― Então bora. Os moleques vão me deixar ligado, preciso estar ligado.
― Me levanto, buscando os tênis em algum lugar do meu apê, encontrando
junto deles uma calcinha de renda azul.
Ontem, quando saí da academia, passei em Nirvanna, minha lanchonete
favorita aqui próximo ao meu prédio e pedi um bom sanduíche de frango para
o jantar.
Enquanto comia, dei uma folheada na agenda do celular e, por fim,
acabei ligando para Débora, aluna antiga da academia. Já transamos uma vez,
uma segunda rodada não me parecia ruim. Sexo, puro e bom, que serviria
para aplacar meu tesão.
O problema é que não foi bem assim que ela interpretou.
Não sei que inferno me deu ontem que, ao invés de ir para um motel, eu
a trouxe para cá, minha casa. E esse foi o segundo erro, o primeiro foi tentar
uma segunda rodada com ela. Começamos bem, muito bem, até que enquanto
a loira gostosa cavalgava meu pau, não era mais Débora comigo e, sim, Erica.
O inferno pareceu congelar, pois tive que lutar para meu pau não broxar
em plena ação com a loira e, no fim, não foi nada satisfatório.
Fiz questão de fazer minha parceira gozar, gozar gostoso, não só uma
vez. Mas aquela, foi a primeira transa em que eu senti prazer por sentir, por
me obrigar a sentir.
Desabei na cama ao lado dela em seguida, suado e assustado, algo
assim nunca tinha me acontecido.
Para piorar minha confusão, logo em seguida, Débora se enrolou em
mim e chegou a ressonar baixinho, fazendo meu peito de travesseiro,
enquanto eu, queria apenas ficar sozinho e entender o que estava acontecendo
comigo. Foi uma puta situação fodida.
Naquele momento, talvez por intervenção divina, alguém tocou minha
campainha e eu dei graças a Deus por quem quer que fosse que estivesse em
minha porta às duas da manhã, mesmo a mulher ao meu lado acordando e me
olhando como se quisesse me exonerar com um laser, se o tivesse em mãos.
Para minha sorte, era Sophie, que saiu para dar uma volta de moto no
meio da noite e acabou em minha porta, colocando Débora para fora de forma
educada, não que a loira tenha engolido bem a situação.
Sophie batendo em minha porta na madrugada não é incomum. Em
noites em que ela não consegue dormir, sempre acabamos aqui, no meu
apartamento, tomando cerveja e conversando qualquer assunto, menos o que
a fez sair da cama no meio da madrugada. Falar não é algo que ela costume
fazer com frequência.
No fim, me livrei de Débora e acabamos jogando conversa fora e
adormecendo em seguida. Essa sim, é a única mulher que tem acesso total à
minha cama, nada demais, só prezo por minha privacidade e por ter espaço
livre em meu colchão.
― Estamos indo, Gamora. Vê se não come o sofá de novo ― reclamo,
vendo a cachorra me olhar tristonha e acaricio sua cabeça, pronto para sair,
com pena de deixá-la sozinha.
― Não dormiu muito essa noite, né? Senti você se mexendo como se
tivesse formiga na cama, me acordou algumas vezes com sua mexilanga ―
Sophie comenta, saindo para o corredor.
― Não, não dormi como gostaria, estava inquieto, apesar de exausto.
― Saio logo em seguida, com o capacete na mão, fechando a porta atrás de
mim e passando meu braço por seus ombros.
O barulho de saltos no piso faz nós dois olharmos para a direita, vendo
minha vizinha, a que tive um incidente de dias atrás, fechando sua porta, se
virando segundos depois. O vestido social vinho, colado ao corpo indo até
abaixo dos joelhos, deixando a mulher de tirar o fôlego.
Paraliso quando meu olhar sobe por suas pernas, passando por sua
cintura bem esculpida, fixando-se em seu rosto.
Acontece duas coisas ao mesmo tempo. Primeiro, ela abre um sorriso
gentil para cumprimentar Sophie, que segue parada ao meu lado e, em
seguida, tenta direcionar o mesmo cumprimento a mim, mas ao me olhar, seu
sorriso morre, aos poucos e ela intercala entre mim e Sophie, um vinco se
formando entre suas sobrancelhas e posso ouvir um “merda”, sair baixinho de
seus lábios.
Te peguei, pequena fugitiva.
― Bom dia, Erica! ― falo, dono de mim, parecendo ganhar novo
fôlego, deixando um riso preguiçoso escapar da minha boca.
Ah, vizinha. Então você esteve o tempo todo aqui, na minha cara? Que
sorte a minha!
Erros nos perseguem
O dia de ontem foi pauleira, por começar com o sexo ruim e a noite
péssima de sono. Porém, hoje não foi diferente, já que também dormi pouco à
noite. Devo estar ficando velho, é a única explicação para essa insônia
descabida. Olho o relógio e depois para a mulher dentro da piscina, imersa
embaixo da água, usando peso nos pés e nos punhos, socando o nada à sua
frente.
Trinta segundos.
― Bora lá, bora, pega os cinquenta... ― falo sozinho, já que ela não
pode me ouvir ―... 45, 46, 47, 48, 49... ― Comemoro, quando o ponteiro
bate cinquenta e dois segundos, ao tempo que a vejo despontar com esforço e
cuspir água, buscando ar, tentando não voltar a afundar com os pesos nos pés.
Paro o cronometro e vou para beirada, lhe estendendo a mão e ela me olha,
esperando que diga quanto tempo atingiu. ― Cinquenta e dois, porra! ―
comemoro.
Ela sorri, segurando minha mão e a puxo para fora da água, lhe
entregado uma toalha seca.
― Qual a meta agora?
― Primeiro manter os 52, nada de voltar aos 45 e depois tentar 55, mas
isso a longo prazo, vamos com calma.
Na última luta, tivemos uma costela fraturada, o que trouxe problemas
para seu pulmão. Desde então, tentamos recuperar o mesmo fôlego que ela
tinha antes.
― Tá, 52, por ora, me basta. ― E sua alegria me lembra uma criança
contente quando ganha algum brinquedo.
― Por hoje encerramos. Vai descansar ou volta para academia?
― Hoje o pessoal tá treinando, vou aparecer, dar uma força. Mas não
fico muito, acabou comigo hoje. O que te deu para chegar aqui às 4h da
manhã?
― Nada. Tá chegando o dia luta ― minto, foi um sonho erótico,
seguido de insônia por pau duro ao imaginar que a infeliz mentirosa estava a
poucos passos de mim. Mas isso não vem ao caso. ― O que foi? Tá ficando
mole, é?
― Tua bunda. Me respeita. Falou com sua mãe hoje?
― Nossa mãe? ― pergunto e ela anui, mas muda seu olhar de direção.
― Falei, quer a gente lá no sábado.
― Tá bom, não tenho nada para fazer sábado, mesmo.
― E mesmo se tivesse, iríamos do mesmo jeito. ― Ela sorri. ― Bora
assistir a um filme lá em casa mais tarde? Podemos comemorar a marca dos
52.
― Nem a pau, Ben, não é possível que não queira sair daqui e ir
dormir. Porque eu vou capotar logo depois do treino das nove, tenho certeza.
Nada de insônia hoje.
Sorrio, na verdade, não queria mesmo era ficar sozinho, também não
quero outra companhia feminina. Poderia implorar para que fosse dormir
comigo, ou ficar aqui, mas não quero atrapalhar seu descanso.
― Tá, vai lá pôr uma roupa seca, te espero lá fora. Vou ver se tem
alguma aluna nova precisando de atenção profissional.
Ela nega e me bate com a toalha.
― Toma vergonha, Benjamin.
― Ué, como proprietário, estou cuidando para que possamos dar o
melhor atendimento aos nossos alunos.
― Deveria era ir atrás da vizinha gostosa. ― Fecho minha expressão
na hora com sua menção.
Por falar nela, não tornei a vê-la.
― Não viaja, sibita. Agora vai se trocar, antes que pegue um resfriado.
Dou-lhe as costas, sem estar a fim de continuar no assunto “vizinha”,
pegando meu cronômetro e a garrafa de água que descansa ao lado. Passo
pelas portas de vidro, voltando ao galpão, ouvindo a batida da música, a
agitação, vozes a ecoar, alguns gritos animados que vêm da aula de dança lá
em cima e o cheiro costumeiro que se mistura ao de ferro, perfumes diversos
e suor. E, quer saber, eu amo isso aqui, essa animação, a vida que isso parece
ter.
― Dou conta disso aí não, gente, eu hein! ― Ouço alguém dizer e viro
meu pescoço por instinto, pronto para ajudar o rapaz que fala isso, que não
está longe de onde estou.
Paraliso, ouvindo também uma gargalhada feminina alta, gostosa,
escandalosa e única, ser solta ao ouvir o rapaz moreno falar, olhando dois
caras no ringue lutando.
Não pode ser...
Um raio sempre pode cair duas vezes no mesmo lugar
Maluca!
É a única explicação posso dar para o que acabou de acontecer dentro
daquela sala, enquanto ainda estou aqui, no segundo andar, vendo Mônica
sair apressada, balançando a bunda para lá e para cá, como se estivesse
fugindo de uma tempestade. Não perco um movimento sequer.
Mas a dúvida que me assalta é: do que ela estava falando quando saiu?
Por que se comporta dessa forma nas duas vezes que nos encontramos?
Também fui uma besta de me aproximar tanto, mas não consegui
segurar.
De início, eu não ia tentar nada, não ia tocar no assunto, ela parecia
querer fingir que nada aconteceu e eu faria o mesmo. O problema foi aquele
olhar e o desejo que senti.
Aproximei-me sem muito medir, sem controle parar dissimular que eu
não já a tinha beijado, tocado seu corpo. Assisti, com prazer, ela ficar
ofegante, mole com minha aproximação, nada indiferente a mim, para, no
minuto seguinte, parecer ter sido possuída por um demônio, um sem noção
alguma.
Para ser sincero, não soube nem o que responder quando as mãos
delicadas tocaram meu peito e me afastaram para longe, enquanto sua boca
cuspia sua revolta com minha aproximação.
Talvez, eu tenha interpretado os sinais do seu corpo errado. Poderia ser
apenas nervosismo com o fato de estar desconfortável sozinha na sala
comigo. Eu só queria saber o que passa por sua cabeça maluca, pois de todos
os sinais e atitudes que espero dela, nada vem como o esperado.
Aquela mulher é uma incógnita.
Mônica não faz nada do que eu espero. Não que eu esperasse muito,
não esperava nem a ver mais e olha só. Na primeira noite, por exemplo, eu
não imaginava um boquete tão logo que estávamos no quarto do hotel, que,
de forma idiota, eu escolhi.
Primeiro, ela ficou meio sem graça, deslocada, olhando todos os lados
ao redor do quarto, com os olhos meio sonolentos. Fui ao banheiro, para dar
tempo a ela, nem sei o porquê, ela só não se encaixava ali comigo, para uma
noite de foda quente, apenas. Não sei explicar o porquê dessa percepção.
Só que mal abri a porta do banheiro para sair e lá estava ela, perfeita,
pronta e quando me empurrou contra a parede, quase nos derrubando e me
beijou, sedenta, apressada, foi como pegar fogo.
A mulher passou as mãos com unhas bem-cuidadas no meu peito,
fazendo um arrepio gostoso subir por minha espinha, enquanto eu espalmava
a mão em sua bunda e foi descendo de forma sensual, se agachando devagar,
olhos nos meus, a calcinha rosa de renda transparente aparecendo, molhada e
eu cheguei a sorrir com a imagem tentadora que era ela à minha frente. E
quando segurou meu...
― Ben. ― Pareço sair em queda livre dos meus pensamentos, excitado,
quando ouço meu nome ser chamado por Sophie.
Não chego a me virar, só a olho por cima do ombro, sentindo a boxer
mais apertada, meu pau ganhou vida ao pensar na infeliz, assim como há
pouco, lá dentro, ao vê-la naquele top. Tentação do inferno.
― Fala.
― O que fez a ela? ― pergunta, sem nenhuma sombra de dúvida.
― Eu? Por que eu faria algo? ― Sei que não tenho a ficha mais linda
do mundo, mas desta vez, desta vez, sou inocente.
Sophie se aproxima, se encostando ao meu lado, sem me tocar ao me
olhar, risonha, batendo seu ombro no meu.
― Porque é você...
― Besteira.
― Acha? Ela parecia fugir do purgatório.
― Acho que está assistindo a sobrenatural demais, é o que acho e quer
mesmo saber? Ela só é louca, isso sim.
― Não seja idiota.
Errada ela não está, estou mesmo sendo idiota ou só confuso com o que
acabou de acontecer.
― Ah, quer saber, não quero falar disso. ― E com isso ela ganha a
resposta que queria.
Sou famoso na família por fugir de assuntos importantes, não costumo
falar de coisas que me incomodam. Meu pai é um exemplo claro disso, não
toco no assunto, ele deixou de existir ao sair de casa. E sobre minha vizinha,
não quero dar mais importância do que já dei para a fujona. Já fiz isso além
da conta.
― Se não quer falar, tudo bem. Mas ela não volta, isso eu tenho
certeza.
― Problema é dela! Se pagou com cartão, peça para cancelar. Não é
difícil.
― Duda vai surtar, isso dá um trabalhinho.
― Ela que se vire, esse é seu o trabalho!
Ela bufa com impaciência ao meu lado, finjo não ver.
― Ih, já vi que não quer conversar. Odeio quando está de mau humor.
― Sério? Talvez com isso você melhore seu temperamento, já que vive
com o cu na cara. ― Cutuco a fera, que levanta as mãos em pedido de paz.
― Tá, entendi, pare com isso ou vai falar merda. Fique aí se
engasgando com o que quer que seja, eu vou indo. Preciso dormir. ― Não
estranho, ela não é de adular muito, menos ainda quando jogo a bola para ela
e com isso, sei que não irá insistir, por ora, ao menos.
― Melhor e não esquece, vamos almoçar com mamãe no fim de
semana.
― Tinha me esquecido completamente.
― Sorte a sua que estou aqui para te lembrar.
― Merda!
Procuro o que a faz praguejar, os olhos em algo lá embaixo e não vou
muito longe para achar o motivo. É Bruno, acabando de entrar na academia.
Sorrio, talvez subir no ringue com ele me ajude, preciso jogar fora essa
energia presa em meu corpo.
― Deveria parar com essa implicância com o cara.
― Meu ovo! Bruno é insuportável, odeio homens desse tipo. Sabe que
só suporto o cuzão por causa de Lanna e Alex. ― Claro que sei, foi como se
conheceram, através de dois amigos em comum e por serem casados, Sophie
e Bruno acabaram por terem que se comportar frente aos amigos.
― Você odeia todos os homens, Sophie, conta uma novidade. ― Ela dá
de ombros.
― Isso não é verdade, eu não odeio você, por exemplo ― fala,
tentando esconder o carinho. Toco sua testa, quase um peteleco.
― Foi obrigada a me amar, não pode fugir de mim, me empurraram
goela abaixo como seu irmão.
― Bobão, vou aproveitar a deixa e descansar, aproveitar a chegada do
insuportável e me esconder no quarto.
― Vai lá, amanhã recomeçamos.
― Não apareça às quatro novamente ou esmago sua cabeça com os
alteres.
― Boa noite, marrenta, não se esqueça de comer alguma coisa.
― Vou até a lanchonete e boa noite pra você também. ― Assisto-a
sair, mas para por algum motivo, me olhando por sobre o ombro. ― Sobre a
vizinha, acho que deveria conversar com ela. Sentem atração, é nítido até
para um cego.
― Não enche. ― Nada de nítido, só uma maluca. Só isso.
Volto a olhar lá para baixo, mas sem conseguir sair do lugar. Me
contento apenas em observar a movimentação, deixando a ideia do ringue de
lado.
Nem ao menos tenho vontade de descer e oferecer ajuda às novas
alunas, a fim de levar alguma para uma foda gostosa depois daqui. Acabo
voltando a visitar os minutos que estive com a fujona na sala. Não entendo
seu comportamento, nós três, ela disse, mas de quem diabos ela estava
falando?
Mas o que importa? Ao menos, não deveria importar.
Melhor esquecer isso, não vai me levar a lugar algum. Não quero uma
maluca em minha vida, menos ainda uma que more a alguns passos de mim.
Isso está fora de cogitação.
Está decidido e ao enumerar minhas pendências para hoje, volto a
passos apressados para a sala que estava há pouco com ela e ao entrar, ainda
posso sentir seu perfume, talvez nem seja o perfume em si, é algo suave
demais para isso, creme de pele talvez?
Balanço a cabeça, como se isso a jogasse para o canto dos meus
pensamentos. Esquecer, não deve ser tão difícil assim, é só focar em outra
coisa, só isso. Abro o notebook e busco algo para fazer, começar a colocar o
que está atrasado em ordem pode ser uma boa...
Após um tempo que me parece infinito, finalizo tudo e pelo o horário,
tenho que ir. Pego a bolsa jogada no canto, fecho a sala e desço, tendo o
terceiro andar já vazio, assim como o segundo, exceto por um senhor que está
finalizando seu treino ao se alongar. Já é hora de fechar. Duda até já se
adiantou, está só terminando de guardar suas coisas na mochila e me
aproximo do balcão.
― Bora lá? Acho que falta só aquele senhor descer, certo?
― Isso e vamos, sim, estou morta, preciso da minha cama. ― Ela
parece mesmo derrotada, eu mais que entendo.
― Sophie não voltou a descer?
― Não, não mais.
― Beleza, ah, olha o cara vindo aí. Me passa meu capacete aí atrás, pra
agilizar, vou deligar o interruptor.
Deixo-a fechando o balcão e sigo até a lateral da academia, esperamos
que o último aluno saia para em seguida apagar tudo e saímos juntos para o
estacionamento. Aciono o alarme, checo ao redor e respiro fundo ao sentir o
ar frio da noite.
Esse é o melhor horário para pilotar, à noite, o vento, a temperatura...
tudo me traz calma. Por isso passei a entender Sophie, o porquê de às vezes
sair em um longo passeio de madrugada, quando não consegue dormir. Com
o tempo a entendi, a velocidade, o vento, o cheiro... acalmam.
― Até amanhã, Duda.
― Até.
Ligo a moto, o ronco do motor fazendo barulho, o leve cheiro da
descarga, a adrenalina. Coloco o capacete e em seguida pego a via, talvez dar
uma volta na praia... Péssima ideia! Preciso chegar em casa e tentar dormir,
nas últimas noites não tenho feito muito isso.
Minha cabeça já lateja pela falta de sono excessiva, preciso tentar
desligar, meu corpo está no limite. Sempre durmo muito bem, rápido até, e
quando algo me tira isso, o que é difícil, meu corpo sente o efeito no dia
seguinte.
Enquanto atravesso a rua, um rosto vem à minha cabeça, e me pego
tendo a vontade de que o acaso faça sua parte e que, por coincidência, eu a
veja ao chegar ao prédio, seja onde for.
Ao caralho com isso, com essa fascinação, isso não sou eu.
Já me basta não conseguir controlar meu corpo, enquanto eu tentava
fazer sua avaliação física e, deixo claro, foi uma péssima ideia. Quando a vi
mais cedo, eu deveria ter dado meia-volta e me afastado, mas como todo bom
homem idiota, vidrado em uma boceta, fui até ela como uma mosca no mel.
Um erro.
Preciso logo deixar de lado essa fixação e arrumar uma mulher para
trepar, uma que não more próximo de mim.
Mas vamos por partes, hoje, uma boa noite de sono; amanhã, uma boa
foda e desta vez, minha vizinha estará fora dos meus pensamentos. Aquela
ninfa dos infernos.
Desacelero, entrando na garagem do prédio, sentindo de súbito a
vontade de olhar ao redor, com a esperança de uma coincidência em vê-la,
não sei.
Estou sendo excessivamente contraditório, ao tempo que me acho um
paspalho, fico com a esperança de vê-la pelos corredores ao chegar ao prédio.
Deixo a moto estacionada na vaga e subo as escadas, apressado,
cumprimento de longe o porteiro. Quase me desconheço ao atravessar o
corredor e não gosto do que sinto.
Incomodado com os pensamentos, entro em casa, bufando, achando
ridículo essa vontade de passar direto por minha porta e bater em sua porta.
Pedir que me explique por que saiu correndo hoje, falando coisas que mal
entendi e por que fugiu naquele dia, na nossa noite.
Nossa noite, que piada.
Não esperava muito daquela noite, porém, acordar sozinho em um
quarto de hotel, após ter passado a noite com uma mulher deliciosa, nunca me
aconteceu.
O contrário, sim, já dei muitas desculpas para não pernoitar com
alguém. Mas o inverso, foi a primeira vez e entendi o ódio que algumas
mulheres demonstram depois disso. É realmente desconcertante, quase
humilhante. Lembrarei de não mais fazer isso, agora sei qual o sentimento.
Será que sentem essa fixação no cara, depois que ele se manda também,
ou só raiva mesmo? Ao caralho com essa merda.
― Ei, garota ― falo, com a voz mansa ao entrar em casa, recebendo as
patas grandes e pesadas de Gamora em meu peito quando fica em pé, alegre
ao me ver. Aliso sua cabeça em resposta a suas lambidas carinhosas. ―
Como passou o dia, hein, garota? ― Ela geme, dengosa, se desmanchando ao
se deitar no chão de pernas para cima, a fim de um carinho na barriga.
Sou recebido dessa forma todas as noites e em todas elas, fico rindo
como bobo. Me agacho e faço o que ela tanto quer, olhando para a sacada,
confirmando se há comida em sua vasilha que fica no cantinho próximo à
porta.
― Tem comida, grandona? ― Rio ao vê-la levar as patas ao rosto,
tapando. ― Garota esperta.
Levanto-me, para dar comida a ela, mas vozes me fazem parar no lugar,
ainda próximo à porta e o barulho de passos vem em seguida.
Depressa, vou até a porta e me colo no olho mágico, tentando ver quem
é. Me decepciono ao ver apenas o tal amigo, o que estava com ela mais cedo
na academia, passar no corredor.
Afasto-me depressa quando ele olha em minha direção, como se
pudesse me ver aqui, bisbilhotando. Perdi totalmente o orgulho, é a única
explicação para um papelão desses.
O que diabos eu faria se fosse ela saindo de casa? O que eu falaria? Oi,
estava de plantão te esperando e tenho um interrogatório para fazer.
Inferno de feitiço, mas ele acaba hoje!
Um dia ruim, é só mais um dia ruim.
Esse é o mantra que entoo em minha cabeça, atendendo ao meu último
cliente do dia, sorrindo ao me despedir, tentando parecer gentil e disfarçar
minha dor de cabeça.
Hoje foi um dia lotado, aquele em que a prefeitura libera o pagamento e
a agência fica abarrotada de gente. Dinheiro, dinheiro, dinheiro.
Já passei tanta cédula, que se eu fechar meus olhos agora mesmo, posso
ver o símbolo do real piscar frente aos meus olhos e o TRIM, TRIM, tilintar
em minha mente. Não aguento mais. Sorte que o dia não vai demorar a
acabar, falta pouco.
Se bem que, de certa forma, foi bom esse dia cheio, me serviu para tirar
o foco de ontem à noite, da academia, isso, para não citar nomes.
Sinto alguém cutucar meu braço, suspiro com medo de ser mais
problemas, olhando por cima do ombro e vendo Martins, gerente de
negócios, ao meu lado, com expressão tristonha.
― Que cara é essa, homem? O homem loiro, gentil, de uns trinta e
poucos anos, é um amor e me olha de forma estranha.
― Desculpa, não quis te assustar. Só vim dizer que sinto muito por
você não pegar a vaga de gerente.
Eu não entendo o que diz e fico olhando-o, tentando ligar as pontas do
que diz.
― Oh, me desculpa, ainda não sabe? A vaga do Eliseu foi preenchida
― fala, sucinto, comprimindo os lábios e sinto o olhar de André, que trabalha
ao meu lado, sobre nós.
Meu coração vem à boca, meus pés suam dentro do scarpin e arregalo
meus olhos, para murchar em seguida ao vê-lo olhar o chão.
Então aconteceu... não serei eu a preencher a vaga.
― Ah, entendi. ― A ficha me cai e meu rosto esquenta, queima de
ódio. ― Tudo bem, Martins, não era o momento.
― Não concordo. Acho injusto, o cara novo vem do Sul, você está aqui
e tem feito um excelente trabalho.
― Então é homem?
― Sim, e era caixa, como você, Mônica. Não entendi bem isso ―
cochicha, buscando a sala de Rômulo com o olhar.
― Eu agradeço sua consideração, de verdade, mas é assim. Consigo na
próxima. Só continue torcendo por mim. ― Tento um sorriso, sentindo um
bolo na garganta, vontade de chorar.
Um aperto no ombro, um apoio mudo e observo Martins sair,
cabisbaixo.
Não olho para os lados, para ninguém, nem mesmo André. Se o fizer
irei chorar. Eu estava contando com isso, com a vaga, eu sei que é errado, sei
mesmo, pois não se confia em coisas incertas ou que não dependem de você
para acontecer, mas poxa, eu estava bem aqui, pronta para preencher a vaga,
precisando demais.
Trabalhei para ascender aqui dentro, buscando ser impecável no meu
trabalho para ser notada. Óbvio, não faço mais que minha obrigação em dar o
meu melhor, porém, preciso de um salário mais alto.
Em outro caso, comum, eu não poderia pegar a vaga, pois precisaria de
dois anos após uma transferência para assumir outra, mas recentemente o
banco passou por mudanças, planos de aposentadorias e, com isso, abriram-se
muitas oportunidades e muitos funcionários foram desbloqueados e puderam
mudar de cargos, incluindo a mim.
Uma pena eu não ter conseguido, era uma oportunidade perfeita.
Minha maior revolta é porque sei, não é falta de competência. Não sou
perfeita, ando longe, mas eu tento o meu melhor. Talvez o meu melhor não
tenha sido suficiente.
Tento focar na tela do computador, para não chorar. Só mais meia hora
e estou livre. E não vou chorar, não mesmo. Minutos se passam até que, por
fim, posso fechar meu caixa. Guardo o dinheiro e suspiro. Acabou por hoje.
― Eu acho...
― Não, Dé, hoje não, amigo. Sei o que vai falar, sou competente e blá-
blá-blá, que vou achar algo melhor. Mas isso não apaga a raiva que sinto pelo
boicote.
― Que boicote?
E não, eu ainda não contei nada a ele.
― Nada, modo de falar. Deixa para lá, vai.
Sinto-o tocar meu ombro e estalar em seguida um beijo em minha
bochecha de forma afetuosa.
― Não sei o que dizer, mas, vou te dar carona para casa e, vamos parar
para um lanche. Ajuda?
Meu coração fica cheio com seu carinho, aquele bolo querendo vir.
Nego.
― Não precisa, me deixar em casa vai te tirar do seu caminho.
― Só poucas quadras e estou faminto. Anda, vem.
Sorrio, cansada demais para negar uma carona ou comida, sendo
puxada por ele pela mão. Saímos juntos e sorrio de algo que diz.
― O último cliente demorou, não é? Parece que a cada dia tem mais
gente, Pai Amado. Ei, bora ao shopping? Amo a pizza de lá, vamos?
Mal o ouvi, estou vidrada demais na rua lá fora, com pensamentos
demais em mente.
― Claro, para onde quiser ir.
Mal saímos do estacionamento e meu celular toca. Solto o ar, é papai, e
chego a rir, talvez falar com ele alivie esse aperto de revolta e raiva em meu
peito.
― Oi, papai ― atendo, tentando soar feliz, ele notaria qualquer
diferença em minha voz.
― Não é seu pai, filha. ― Tenho que fechar os olhos e respirar fundo,
evitando o palavrão que vem na ponta da língua. ― Veja o que tenho que
fazer para falar com a filha ingrata que pus no mundo, é preciso pegar o
celular do seu pai, pois o meu, você não atende. Por que isso, Mônica Maria?
― ela grita ao celular, chego a afastar o aparelho do ouvido.
― Mamãe... ― Tento, mas como sempre, ela nem me deixa falar.
― Nem precisa se dar ao trabalho, não esperava nada diferente de
você. O que foi? Esqueceu que tem família?
― Mãe.
― Sim, porque é o que parece, um ano que sumiu, que não nos visita.
― Não é verdade, mamãe, vocês me visitaram há quatro meses e...
― Exatamente, visitamos, porque se depender de você ― mais uma
vez ela me corta.
― Mãe, hoje não é um bom dia, podemos nos falar amanhã? Prometo
ligar.
― Nunca é um bom momento, Maria, nunca é. Mas eu estou farta, acha
que mãe também não cansa? ― Ela nem se deu ao trabalho de perguntar
como estou. ― Mas enfim, você é mesmo minha decepção particular, sendo
assim, eu já deveria ter aprendido.
As lágrimas ardem meus olhos, geralmente isso não me abala mais,
mas hoje não.
― Acho melhor parar por aqui, mãe.
― Nada disso, escute, precisamos falar sobre João Neto.
― Para, se me ligou para falar do meu ex, é melhor parar.
― Ou o quê? Vai desligar na minha cara? ― E ela parece ofendida.
Busco o teto do carro, pedindo forças ao Ser superior.
― Continuando... ele está solteiro outra vez.
― Mãe.
― Só achei que ia gostar de saber, talvez tentar fazer algo certo desta
vez.
― Não dá, não dá mãe. Hoje eu não estou bem, menos ainda pra que
fale de Neto, como se ele fosse a melhor pessoa do mundo, como se fosse eu
que tivesse o deixado no altar. Hoje não. Eu preciso ir, depois nos falamos.
― Mônica Maria...
― Até amanhã, mamãe, mande um beijo para o papai e eu te amo.
Um soluço me vence, e trato de engolir o choro em seguida, limpando a
lágrima solitária que desce por minha bochecha. Ela nada diz e eu desligo o
celular, olhando depressa para a janela, sem querer falar. Se eu falar, eu vou
chorar, sei que vou e eu cansei de fazer isso.
Neto. Ele que vá para puta que o pariu, solteiro ou casado.
Minha mãe sempre amou isso, jogar em mim que sou sua decepção,
acho que sua maior felicidade era dizer o quanto odiava o fato de eu ser tão
diferente dela. O motivo dessa raiva? Desconfio ser porque teve de se casar
com meu pai ao engravidar de mim.
Uma vez achei sua certidão de casamento, as datas não batem. Se
comparar, ela se casou com quatro meses de gestação e acho que me culpa
pela vida infeliz. Perguntei isso a ela certa vez, se havia se casado grávida.
Ganhei apenas um tapa na cara em resposta por mexer em suas coisas.
Não voltei a tocar no assunto, nem mesmo com papai. Suspiro e sinto a mão
de Dé em minha perna, macia, quase um carinho.
― Amiga... não liga pra cobra, digo, sua mãe.
Engulo o bolo em minha garganta. Não vou chorar.
― Vamos, vamos ao shopping. Comida me fará bem, aproveito e
compro um grande pote de sorvete, só dirige, amigo ― peço, não falar no
momento é minha melhor solução.
Uma hora dará tudo certo, é só ter paciência.
Esse é o meu novo mantra: uma hora dará tudo certo.
Um dia é da caça, outro do caçador
Cansado demais para ficar até tarde da noite na Tribus, decidi vir para
casa um pouco mais cedo, preciso descansar e, mais uma vez, tentar uma boa
noite de sono, já que ontem não tive muito sucesso.
Ontem, tive mais uma noite cansativa em que perdi o sono na
madrugada, com um tesão do caralho, tentando por bons minutos controlar o
desejo, dormir sem imaginar a cada minuto que a razão de todo o meu tesão
estava a poucos metros de mim.
Entrei madrugada afora com o pau duro, as bolas doendo e com raiva
da infeliz que está fazendo meu corpo responder dessa maneira ao pensar
nela.
Após bom tempo na cama acordado, desisti de ficar rolando de um lado
para o outro, dormir não era mais opção e interrompi meu caso de bolas azuis
ao bater uma boa punheta, como um moleque ansioso, tentando pensar em
qualquer outra mulher no mundo, mas por fim, perdi a batalha, era apenas em
Mônica que eu pensava, seu corpo, sua boceta cor de ameixa, sua boca.
Imagine, puto, mas batendo punheta para a mulher dona da minha
confusão. Não dá mais, tenho ao menos que falar com ela, entender por que
não para de fugir de mim e tirá-la da minha mente, não deve ser tão difícil.
Solto um suspiro ao descer da moto e tirar o capacete, enfim em casa,
ou quase. Passo pelo portão de acesso lateral no hall e levanto a mão em
cumprimento a Dialindo, o porteiro, tentando algo rápido, para subir logo, já
que sei que ele adora jogar conversa fora. Eu também gosto, em principal
porque sou flamenguista, ele vascaíno. Mas não hoje, não estou para a
conversa, porém, sem êxito em fugir.
― Seu Ben.
Paro, ainda no primeiro degrau da escada, me virando, segurando a
careta.
― O senhor sabe que é mais velho que eu pra me chamar de senhor,
certo? ― brinco, ajeitando o capacete em meu braço.
O velho sorrir um senhor simpático, idoso. Daria a ele uns cinquenta e
cinco anos, mas sei que tem sessenta, adora esbanjar que apesar da idade,
ainda dá conta de muita coisa. Velho tarado!
― Eu já disse, é questão de respeito, seu Ben.
― Bobagem homem, mas o que manda?
― Aqui, as correspondências do senhor.
― Claro, obrigado. ― Pego os envelopes e vou passando um a um.
Luz, telefone, nada novo.
― Nada. Perguntei pra princesa morena se ela podia levar e entregar
pro senhor, hoje a artrite está matando meu joelho, mas acho que ela não me
ouviu. Passou apressada há pouco.
― A princesa é a do 204?
― Isso mesmo. Moça gente fina, um amor, precisa conhecer.
Claro... passe a noite com ela e verá o quão adorável é, um demônio no
dia seguinte, que foge como o inferno.
― Espera, disse que ela passou há pouco?
― Sim, um minuto atrás.
Travo a mandíbula, se eu apertar o passo...
― Sei, muito obrigado e não se preocupe em subir as escadas com
minha correspondência, ou o que quer seja levar pra mim. Eu desço pra
pegar, descansa esse joelho.
― Mas é meu trabalho, seu Ben ― diz, movendo a boca para um lado,
não dando importância.
Sorrio condescendente, subindo as escadas, agora com pressa.
― Sabe como é, tenho mania de eu mesmo pegar as correspondências,
um tipo de tique que não suporto que quebrem, entende? Então deixe minha
correspondência aí, que eu mesmo pego.
O velho sorri, achando graça e entendendo. Não quero que digam por aí
que ele não faz o trabalho e acabe com o síndico no seu pé. Conheço o
babaca, um mané de primeira.
― Obrigado, seu Ben.
― Pare com isso. Vou indo!
Subo as escadas de dois em dois degraus, sentindo uma leve dor de
cabeça aparecer, torcendo para ainda a encontrar no corredor.
Vamos tirar essa confusão a limpo e logo. Desde ontem me pergunto
quais lembranças ela tem daquela noite, por que prefere agir como se nada
houvesse acontecido. Primeiro, finge não me conhecer, em seguida, foge
como se eu a queimasse.
Só quero encontrar a teia que ela jogou em mim e cortá-la. Acho que
esse interesse se deve a querer tê-la em minha cama, o que faz com que eu
acredite na palhaçada do tesão reprimido, de querer o que me é negado.
É a única explicação, já que tive muitas mulheres, mas nenhuma
vontade de repetir uma noite com nenhuma com tanto afinco e tesão como a
lembrança de Mônica, dormindo nua em minha cama, me faz sentir. A
mulher faz minhas bolas doerem sem nem chegar perto.
Termino o último e bingo! Olha a fujona logo ali, em sua porta em
meio a uma bagunça do caralho. Paro e a observo, agachada próxima à porta,
vasculhando sua bolsa, procurando por algo e falando baixinho consigo
mesma.
Aproximo-me e sequer sou notado e consigo ouvir o que diz.
― Maravilha, Mônica Maria, ótimo, agora vou ficar fora de casa,
porque perdi a droga das chaves. Inferno, inferno.
― Se quiser, empresto o meu apartamento.
Seguro a vontade de gargalhar que tenho quando a mulher se assusta,
ao ponto de se sentar ao chão, me olhando com cara de quem quer me matar,
linda. Me adianto, e a seguro pelos ombros, a puxando a contragosto e a
colocando de pé.
― O que disse?
― Esqueceu suas chaves, posso te deixar ficar no meu apartamento,
enquanto consegue uma forma de entrar em casa. ― Um gesto cavalheiro da
minha parte, eu diria, mas nela tem o efeito contrário.
Mônica me olha com raiva, um vinco no meio das sobrancelhas,
enquanto se abaixa e começa a enfiar suas coisas dentro da bolsa, apressada,
inconformada.
― Pra você eu sou o quê? Um jogo, é isso? Me deixa em paz, cara,
finge que eu não existo, tá legal? ― ela fala com rapidez, embolado, chega a
ser confuso.
Fico mais confuso ainda, pois pelo o que me lembro, não há motivos
para isso.
― O que foi? Não vai mais fazer nenhuma piadinha?
― Não era piada, foi uma gentileza, se não percebeu.
― Ah, claro, enquanto isso, vai enfiar sua mulher onde? Ela não está
em casa?
― Não entendi, tá falando do que exatamente?
― De você, de você e da sua namorada, ou seja lá o que ela for.
― Namorada? Que... ― E a ficha vem caindo. ― Espera aí, Mônica!
Esse tempo todo está agindo como maluca, porque acha que Sophie é minha
mulher, namorada ou o que quer que esteja passando por sua cabeça maluca?
― Vai negar? ― Ela é inacreditável e está cheia de si ao praticamente
afirmar que sou comprometido. Maluca, linda, mas maluca.
Sinto vontade de sorrir ao entender tudo, ao tempo que sinto alívio por
sua loucura não ser algo comigo diretamente, ou algo relacionado à noite que
estivemos juntos, mas seguro o riso, o terreno não é nada seguro para isso.
― Negar? ― E como fiz ontem, colo ambas as mãos uma de cada lado
da sua cabeça, me aproximando. ― Mônica, não pira, Sophie é minha irmã.
Ela bufa, irracional, balançando a cabeça, fazendo um bico de puro
desdém. Isso é ciúme?
― Acha mesmo que vou acreditar nisso? André me contou sobre a
história dela, Sophie é órfã.
― Mônica, Sophie é minha irmã, não de sangue, mas adotiva!
Ela congela e isso me dá uma puta satisfação, vê-la assim, calada por
não ter palavras, arregalando os olhos quando o óbvio parece fazer sentido.
A ponta do seu nariz fica vermelha, confusão toma seu olhar, assim
como vergonha. Eu rio, sem controle desta vez, gostando disso,
principalmente, gostando do fato de que sua rejeição, nada mais era que por
achar que, na verdade, tenho uma namorada e que enganei as duas.
― Espera aí, o que disse? ― pergunta e me divirto com sua confusão.
― Que Sophie, a mulher que viu sair do meu apartamento outro dia, a
mesma da Tribus, é minha irmã ou assim a considero.
― Considera... ― Torna a repetir, talvez para ganhar tempo para
conseguir digerir isso. ― Eu... eu...
― O que foi? Sempre tão falante, perdeu a língua? ― provoco, mas ela
parece perdida demais na própria confusão que fez todo esse tempo.
― Não pode ser, tem certeza?
Sorrio, perdendo a batalha em ficar longe, após saber seus motivos.
Maluca. E quando diminuo nossa distância e a beijo, sem nem pensar, ando
longe de ter coerência, sou só desejo.
Encosto meus lábios nos seus, testando, sentindo, mordendo o lábio
inferior e sentindo sua textura ao passear minha língua por ele, como um
carinho após mordê-la, começando pelo cantinho de sua boca, contornando-a
sem nem aprofundar o beijo e voltando a olhá-la.
― Acho que resolvemos a confusão, não é? Agora creio que podemos
aproveitar melhor o fato de sermos vizinhos. Amanhã cedo, na academia, e
não aceito não como resposta. ― E a deixo ainda mais confusa, me afastando
aos poucos, indo de costas em direção à minha porta. ― Ah, e a chave do seu
apê tá na sua mão. Boa noite, vizinha.
Viro-me, sabendo que continua parada no mesmo lugar, me olhando,
aturdida. Não quero forçar uma situação, por hoje, um beijo está ótimo, mas
amanhã... a quero em minha cama.
Traumas, eles existem
Sinto um beijo leve em meu rosto, nariz, e boca, enquanto pés grandes
alisam os meus, indo do meu joelho ao meu pé em uma carícia deliciosa,
vagarosa, íntima, ainda que inocente. É tão bom que me permito ficar de
olhos fechados, apenas sentindo-o cheirar meu pescoço, continuando a
lamber meu rosto.
Espera, ele me lambeu?
Abro meus olhos e me assusto com a cara grande do cachorro à minha
frente, me afastando, batendo contra o peito de Ben, ao passar a mão em meu
rosto, limpando a baba canina e ouvindo a risada rouca e alta do homem a
minhas costas. O cachorro me encara, com a língua rosada para fora,
parecendo rir, babando e ainda solta um latido que me assusta.
— Benjamin — chamo, imóvel, para ter certeza de que ele está mesmo
acordado, sem nem respirar ao olhar o pitbull em minha frente. — Tira o
cachorro daqui, estou com a impressão de que ele quer me comer.
Sua risada é minha única resposta. Não tiro os olhos de seu cachorro ao
estarmos deitados em sua cama, nus, minhas costas grudadas ao seu peito,
tentando fugir dos olhos azuis, nada ameaçadores, apesar da cara de mau do
cachorro dinossauro. Como ele entrou no quarto?
Benjamin, por outro, lado não parece nada preocupado, enfiando o
rosto em meu pescoço, me cheirando, fazendo meus pelos se arrepiarem, me
tirando o foco por segundos.
— É ela, é fêmea e vai ter que fazer as pazes com a Gamora, uma hora
ou outra. — Com isso ele bate a mão grande sobre a cama e a pitbull não
demora a subir, toda feliz, balançando o rabo grosso para lá e para cá, se
deitando ao meu lado, enquanto ele alisa sua cabeça enorme.
— Ela quase quebrou o meu nariz, sabia?
— Olha pra ela, esses olhinhos brilhantes, é só carência. Esquece o
passado e faz um carinho nela. Além do mais, ela gostou de você. Olha pra
ela, osso é quase um pedido de desculpas, morena. No outro dia, ela não fez
por mal, é brincalhona, só queria um carinho a fujona. Desculpa ela, vai —
pede e beija meu ombro, enquanto pega minha mão, meio trêmula, para alisar
as costas peludas da coisa preguiçosa ao meu lado e tento deixar o medo, que
seu ataque me causou no outro dia, de lado.
Seu tamanho engana, porque ela mais parece aqueles cachorrinhos de
madame, pequeninos, todo para frente, brincalhão, virando a barriga branca
para cima, querendo chamego e Benjamin ri, alisando-a. Talvez tenha razão,
ele, digo ela, só é grande demais, mas é inofensiva. E até gosto do contato e
chego a rir quando ela tenta lamber meu rosto.
— O que nos diz?
— É, não é tão mal assim...
— Claro que não. É bem adestrada e calma, só adora brincar e parece
que também gosta de te beijar.
— Beijar?
— Sim, essas lambidas são beijos carinhosos, morena. O que foi?
Nunca teve um cachorro quando criança?
Suspiro com a pergunta. Não fui lá uma criança que teve suas vontades
feitas.
— Não, nunca. Nem cachorros e nem gatos. Minha mãe não é muito fã
de animais.
— Bom, agora pode aproveitar a Gamora, já que ela parece te venerar.
Sorrio, gosto da ideia, apesar de ainda sentir medo, enquanto o cara
grande, gostoso e tatuado, se coloca sobre mim, comprimindo meu corpo
contra o colchão, me fazendo sentir cada músculo seu e eu adoro a sensação.
Em principal, a de passar a noite toda ao seu lado, mesmo sabendo que isso
pode ser minha perdição.
E que droga, ele parece lindo demais para alguém que acabou de
acordar, enquanto eu, devo estar como uma bruxa de tanto que esse homem
puxou e bagunçou o meu cabelo durante toda a noite. Pois dormir, foi o que
menos fizemos.
Benjamin me beija, de forma rápida, enchendo meu rosto de pequenos
selinhos, seguindo por minha bochecha, descendo pelo meu pescoço e
encontrando o bico do meu seio, durinho de desejo.
Por que eu sempre estou pronta para ele?
— Quanto tempo temos até que precise ir trabalhar?
Rio, olhando o relógio na mesinha ao lado.
— Temos uma hora e quinze minutos, mais ou menos.
— Sério? Então uma hora e meia, considerando que irei te levar? —
Ele não perde a chance de esfregar sua ereção em meu sexo, totalmente nu.
— Vai me levar? Sério?
— Claro, afinal, quero tomar metade desse tempo para mim.
— Hum, que delícia. — Rio, adorando essa intimidade. — Vou
precisar só de trinta minutos para me arrumar, só isso — falo rápido,
querendo dar cada segundo desse tempo para ele.
— Eu posso fazer muito em 45 minutos, sabia? — Ah, eu sei que sim, e
Ben me beija, lento, gostoso e eu me derreto inteira, me abrindo para ele.
— Pode é?
— Posso, a começar aqui embaixo.
Arqueio minhas costas, seus beijos descendo por meu pescoço, minha
barriga, lambendo minha pele e me arrepiando, me excitando. Não acredito
que ele vai me chupar a uma hora dessa. Sexo matinal já é bom, mas... céus,
sexo oral matinal é... o próprio céu.
— Benjamin...
Aqui está ele, de cara para minha amiguinha, olhando para ela como se
fosse um doce delicioso que estivesse prestes a engolir por inteiro e eu quero
muito que ele faça isso.
— Você é perfeita, sabia? — E seu dedo passa por meus lábios
vaginais quando diz isso, se enfiando em mim e sua língua circula meu
clitóris, enquanto afundo meus dedos no colchão, à procura de qualquer
apoio. — Seu gosto também é perfeito.
— Céus... — sussurro, arqueando minhas costas quando sua língua
quente e macia entra em mim. Não é o momento, mas logo agora noto a
presença de sua cachorra no quarto, entretida com um brinquedo qualquer. —
Ben, a Gamora — aviso, sem conseguir me concentrar em nada e ele ri.
— Ela entende que o papai precisa ser feliz, agora me deixa te chupar,
mulher, só tenho poucos minutos, lembra?
— Hum... puta que pariu, que língua deliciosa — Me entrego em cada
movimento que sua língua habilidosa faz, fechando os olhos, sua mão
segurando meu queixo e chamando minha atenção.
— Abra os olhos, morena. Olhe pra mim.
Isso é minha perdição.
— Claro que não, peguei só sua camisa emprestada porque não vou me
enfiar nesse vestido apertado só para atravessar o corredor — respondo a sua
provocação, atravessando o quarto e alcançando a porta.
— Eu não estou reclamando, longe disse. Ficou melhor em você.
Rio, quando suas mãos me alcançam antes que possa abrir a porta, seu
rosto se afundando em meu pescoço, fazendo todos os meus pelinhos se
arrepiarem.
— Sabe que eu tenho horário para trabalhar, não sabe?
— Sei, mas estou meio que viciado em você.
Ignoro-o ou tento, já que o que quero é voltar para a cama e fazer dele
meu cavalinho particular, e abro a porta, ainda rindo, sentindo-o colado a
mim e paraliso ao vislumbrar sua sala e ver que não estamos sozinhos. Ele
parece também perceber e suas mãos deixam minha cintura, é instintivo.
— Mãe!
Ouço-o dizer e, perdida, olho dele para a senhora parada atrás da
banqueta de sua cozinha, estando também paralisada na mesma medida, nos
olhando, até que um sorriso curva seus lábios.
— Mãe? — pergunto, quase um sussurro.
— Bom dia. E quem é essa moça linda, Benjamin? Vai ficar parado aí e
não vai nos apresentar? — O riso continua em seu rosto, enquanto ela enxuga
suas mãos em um pano, saindo de trás do balcão, nos esperando.
A vergonha me toma e tento, sem sucesso, fazer a blusa criar mais pano
ao puxá-la para baixo, estando perplexa. Mais perdida que cego em tiroteio.
Um empurrão leve, é o suficiente para me tirar do choque e me fazer sair da
porta, a mão de Benjamin espalmada em minhas costas, enquanto dá três
passos em direção à senhora simpática que parece me analisar.
Meu Senhor, ela é a mãe... não poderia ser mais constrangedor.
— Bom dia, mãe. Não me avisou que viria.
— Bobagem, desde quando preciso avisar. Me chamo Célia, é um
prazer.
Ouço-a, mas pareço ter perdido a língua.
— Mônica, essa é a Mônica, mãe. Minha vizinha e...
— Amiga. Somos amigos — interponho, sem querer deixá-lo
incomodado ao nos dar nome, tentando minimizar tudo. Mas que droga. — E
é um prazer, dona Célia.
— Ah, a vizinha... Amigos? — fala, risonha, e me alcança, me
apertando em um abraço e eu não sei como reagir, apenas retribuo.
Ele falou sobre mim para ela?
— Essa juventude é mesmo engraçada. No meu tempo, isso era no
mínimo namoro.
— Mamãe!
— Mas era, ué. Estou contente em te conhecer e gostei de você. Aceita
um café?
— Mãe. — Ele torna a repreendê-la e, por fim, começo a relaxar, ao
menos ela não é como minha mãe.
— Veja só? Com a idade são os filhos a nos repreender, um exagero. E
então, aceita o café?
— Não, não. Estou atrasada para o trabalho, tenho que ir. Mas foi um
prazer imenso conhecer a senhora e obrigada por oferecer café.
— Espera um segundo — fala, minimizando o que digo com um aceno
de mão, se apressando em alcançar a cafeteira e encher uma xícara de café,
trazendo para mim. — Aqui, leva o café já que não tem tempo de tomar aqui.
Deus do céu, por que tenho a impressão de que a qualquer momento ela
começará a bordar as roupinhas dos nossos nenéns?
— Que gentil, muito obrigada. — Olho para Benjamin que tem um
sorriso imenso no rosto, parecendo troçar de mim. Que infeliz.
— Eu te acompanho.
Como se precisasse, mas não nego, só quero sair daqui. Calados, vamos
até a porta e não satisfeito, ele me acompanha até meu apartamento.
— Podia ter me ajudado lá, sei lá.
— Por quê? Estava divertido — debocha e acerto seu ombro, que ri
ainda mais, enquanto eu, sigo com tremelique nas pernas.
— Ela intimida com toda aquela simpatia.
— Relaxa, morena. Ela deve estar encabulada, é a primeira mulher que
vê aqui em casa — fala de forma natural, segurando meu rosto entre mãos e
me beijando. Só que algo a mais me chama atenção.
— Nenhuma mulher?
— Não. Nenhuma. Agora vai lá ou vai se atrasar, vou voltar e aguentar
os planos dela incluindo você no Natal.
Arregalo meus olhos, a xícara a meio caminho da boca, estática.
— Tá de sacanagem, não é?
Ele ri, bonito, leve, o cabelo ainda molhado do banho.
— Talvez...
Um beijo, gostoso e molhado, que me deixa de pernas bambas, é o
suficiente para ele se despedir, me deixando aqui no corredor, com uma boa
xícara de café na mão, imaginando se fala sério.
Não, é amizade colorida e em uma amizade colorida, coisas como Natal
na casa dos pais não existem, não é mesmo?
Nenhuma mulher... foi o que ele disse.
Não seja idiota, Mônica Maria. Não se deixe iludir pelo primeiro cara,
ou a primeira mãe. Isso aqui pode dar certo, sexo sem compromisso e só. Eu
só não posso me apaixonar.
Um recomeço
― Não precisava ter vindo. Não queria que nossa noite acabasse assim,
me desculpe.
― Besteira, Ben, estou aqui por você para o que precisar ― fala,
enquanto permanece sentada ao meu lado na sala de espera do hospital, a
mão pequena na minha, como um alento e no fundo agradeço por ter vindo
comigo.
― Obrigado.
Mesmo não considerando o homem internado neste hospital como meu
pai, não poderia dar as costas à ligação que recebi, horas atrás, ainda mais
quando me pediram pressa, pois seu estado era urgente.
Mas a pergunta de um milhão de dólares é: por que ele me colocou
como contato de emergência? Até quando soube, ele estava casado. Com uma
mulher da minha idade, diga-se de passagem. Então, cadê ela? Inferno!
― Calma, Ben, vai dar tudo certo. ― Olho Mônica, alheia à confusão
que tenho aqui, queria que fosse tão fácil.
― Morena, nunca falamos disso, não é algo que faço muito, mas... não
tenho uma boa relação com meu pai. Ele não era, como posso dizer, um pai,
ou um bom marido. E depois do divórcio, bom, não nos falávamos há anos.
Desde que foi embora de casa.
Mônica fica estática e não sei decifrar o que pode estar pensando e
volto a fitar o chão.
― Sente mágoa. ― Não é uma pergunta, ela afirma.
― Sinto, principalmente porque ele não a queria, Sophie. Quando
minha mãe a trouxe, ele pediu que fizesse uma escolha. Sophie, ou um
casamento de merda que tinha com ele. Meu pai foi embora no dia que ela
chegou. Já nem éramos mais uma família.
― Nossa, e sua mãe? Como ficou?
― Melhor sem ele, com certeza. Hoje ela está bem, mas a separação, a
solidão, dois adolescentes em casa, trouxe uma carga e a decepção se
transformou em depressão. Mas isso já não importa, hoje ela está bem. Não
se preocupe.
― Eu não fazia ideia, eu, ah, Ben, eu sinto muito. ― Sei que sente, está
presente até mesmo em sua voz. Beijo sua testa e depois sua boca, agradecido
por tê-la comigo.
― Senhor Benjamin?
Encaro a mulher morena de uniforme verde em minha frente e me
levanto, apreensivo, e sinceramente? Em dúvida se fiz certo em vir.
― Sim, sou eu.
― O senhor pode vir comigo?
Confirmo, tomando a mão de Mônica na minha, mas a enfermeira nos
faz parar.
― Desculpe, só posso liberar uma pessoa por vez.
― Certo, claro. Me espera?
― Sim, sim, não vou sair daqui sem você. Vá tranquilo, fico esperando.
Sem mais poder esperar, deixo Mônica sozinha na recepção, seguindo
com a enfermeira por um corredor branco repleto de quartos, o cheiro
asséptico me dando enjoo ou talvez, estou nervoso demais.
― É aqui, o senhor pode entrar, ele está te esperando.
― Obrigado. ― Eu deveria entrar, mas ao invés disso, permaneço
olhando a porta, respiro fundo.
Nego lembranças da minha infância e abro de uma vez a porta do
quarto, sentindo urgência de correr daqui, do homem deitado na maca
hospitalar, com uma máscara de oxigênio no rosto.
Fico imóvel, o observando por algum tempo. Ele já não é o homem de
antes e se transformou em alguém franzino, apático, parecendo sem fôlego.
São segundos em que ele não percebe minha presença no quarto, até que seus
olhos vagam pelo cômodo.
― Você veio.
Não o respondo, não de imediato e me aproximo, braços cruzados
frente ao corpo como se pudesse me proteger dele, não preciso mais.
― Sim, me ligaram, parece que sou seu contato de emergência.
Ele só tem tempo para um sorriso, trazendo a máscara de volta para o
rosto.
― É, só me sobrou você.
― Sua esposa? ― pergunto e me policio, de nada adianta chutar
cachorro morto.
― Mulheres novas não querem um velho doente, com câncer na
próstata. Ela me deixou, assim que tive o diagnóstico.
Eu queria dizer que sinto o mínimo de satisfação com isso, em saber
que o destino tratou de devolver a ele o mal que fez para as pessoas ao seu
redor, na mesma moeda, mas não estou. Na verdade, depois de ver meu pai,
sinto até pena, algo aperta meu peito, trazendo em minha mente momentos
em que jogávamos bola no quintal, quando eu não tinha mais que oito anos.
― Entendi. ― Me sento na cadeira próximo à cama. ― O que irão
fazer? Com relação à doença?
― Eu demorei a vir, garoto, já é tarde demais. E me escute, Benjamin,
tenho que te alertar, para que aprenda com meus erros. O exame de próstata,
para prevenção, não é frescura, nem é vergonhoso. Achamos que é, sentimos
um carocinho e, ainda assim, fugimos da tão temida dedada. ― Volta a sorrir,
mas não tem graça. ― Mas não é besteira, é um exame necessário e sabe
como eu descobri isso? Quando já não tinha mais jeito, vim ao médico só
para descobrir que o câncer estava avançado demais para ser retirado.
― E, neste caso, o que pretendem fazer? ― Me pego curioso, tentando
entender.
― Comecei a quimioterapia, radioterapia e, na semana que vem, irão
retirar minha próstata, minha masculinidade vai descer pelo ralo. O que é um
homem sem... chega, não é? Me diga, como você está?
― Vou bem, como sempre. ― Quero fazer mais perguntas, quero
entender, será que não tem mesmo jeito?
― Sua mãe? ― Me abstenho de responder, esse direito ele não tem. ―
Entendi, entendi. Eu os deixei, não é? Não preciso saber como ela vai. Você
está certo.
― Estou?
― Claro, é teimoso como eu, tem o meu temperamento, somos
parecidos.
― Não, não somos parecidos. ― Nego, com veemência. ― Eu jamais
teria uma família e faria com ela o que fez a nós.
― De novo, você está certo. E fica fácil ver isso hoje, garoto, mas
naquela época.
― Chega, Joaquim, não quero voltar para aquela época, não quero
desculpas ou falar disso. ― Não preciso, não quero saber seus motivos.
O velho se cala, voltando a respirar na máscara, enquanto continuo a
olhar a janela ao meu lado, não consigo sequer encarar seu rosto por muito
tempo.
― Será um bom homem, Benjamin, será sim. Aprendeu bem vendo os
meus erros, não creio que irá repeti-los.
― Eu não irei.
― Bom, muito bom, filho. Senti sua falta. ― Sua voz sai baixa,
compassada, a falta de ar lhe impedindo de falar, me dando mais tempo de
pensar. ― Pode não parecer, mas eu senti. É o meu único filho e, caso eu não
saia vivo daquela sala de cirurgia, em alguns dias, eu quero que saiba disso.
Peço desculpas por não ser um bom pai, por não mostrar a você como é ser
um homem honrado, pela sua mãe. Me desculpe. Você nem consegue me
olhar nos olhos e a culpa disso é minha.
Ele tem razão, eu não consigo, assim como não consigo chamá-lo de
pai.
― Não se preocupe, de alguma forma eu aprendi, vendo os seus erros.
― Soa ruim, eu sei, não era bem como eu queria dizer. ― Olha, se me
chamou aqui porque quer... perdão, eu te dou. Não sou bom nisso, é verdade,
tanto que até hoje eu nunca consegui te perdoar. Mas agora, te vendo assim,
percebo que não te perdoar, não faz mal a você e, sim, a mim mesmo. Não
quero isso.
― Você é um bom garoto, um bom garoto...
Levanto-me, preciso sair daqui.
― Benjamin?
― Oi.
― A cirurgia, será no domingo, daqui a umas duas semanas, às 16h.
Não era só perdão, é seu jeito de pedir que eu retorne.
― Certo e boa sorte.
― Obrigado, filho, por tudo.
Confirmo e deixo seu quarto, voltando pelo mesmo corredor ao qual
vim, perdendo a passada e parando, sem conseguir ir adiante. Me agacho,
encostando na parede, trazendo minhas mãos à cabeça, perdido, tentando
lembrar se em algum momento, nossa família funcionou, se em algum
momento fomos felizes.
E fomos, acredito que até os meus nove anos, fomos felizes. Foi
quando as traições começaram, as brigas e a violência, certa vez até física.
Ainda assim, se fizer um esforço, consigo me lembrar de alguns bons
momentos na infância.
Em mais da metade da minha vida ele não foi um pai, mas em algum
momento ele esteve lá.
Meu perdão eu dei, ou assim acredito, e foi de forma verdadeira, apesar
de não esperar nada disso. Sendo sincero, após vê-lo não tenho certeza se ele
irá sobreviver à cirurgia. O senhor naquele quarto não tem nada do homem
que um dia meu pai foi.
Aprumo meu corpo, sentindo meus olhos lacrimarem.
Não sou igual a ele, não quero ser, preciso e vou ser melhor. Meus
passos pesam quando saio do corredor, encontrando uma Mônica ansiosa na
recepção, batendo o pé e se mexendo sem conseguir se conter. E pensar que
está assim por mim.
― Ben. Como foi? ― Ela vem até mim e eu a abraço apertado, seu
cheiro aliviando minha confusão.
― Foi... doeu. Foi isso, doeu. Eu não quero me aproximar, nunca quis,
mas vê-lo assim... ― Nego, confuso demais para falar. ― Eu o perdoei, só
isso. E, Mônica, obrigado, obrigado por estar aqui. ― Seguro seu rosto entre
minhas mãos, tendo seus olhos nos meus, selando nossos lábios.
― Estarei sempre aqui quando precisar, Benjamin. Sempre...
― Eu acho que... não, nada, só obrigado. Agora vamos, vamos pra
casa, conversamos melhor na cama.
A revanche
Estou aqui, sentada na cama do belo homem que dorme ao meu lado,
com sua cachorra sentada do outro lado da cama, ao alcance da minha mão
para ter um carinho. Como eu pude ter medo dessa coisinha? Afago sua
cabeça enorme, voltando a olhar para Benjamin, que continua seu sono
tranquilo.
Aquela conversa, que ele disse que teríamos ao estar em casa, não
aconteceu realmente. Ele fugiu dela ao chegarmos. Viemos para sua casa,
pedimos algo para comer e depois, ele se enterrou em mim com loucura e
paixão, enquanto me olhava como se eu fosse o seu bote salva-vidas, sua
fuga.
Eu jamais poderia supor que alguém como Ben, teria problemas com a
família, com seu pai. Não poderia imaginar.
Seu jeito é sempre solto, sempre fala da irmã e da mãe com tanto
carinho, que cogitar que tivesse problemas com o pai, nunca me passou pela
cabeça. Se bem que, olhe para mim, meu relacionamento com meu pai é
ótimo, já com minha mãe...
Nunca fomos tão próximas quanto eu gostaria. Talvez porque queria
uma menininha perfeita, uma princesinha, uma extensão sua, e eu estava mais
para uma moleca desenfreada. Isso sempre pesou em nosso relacionamento.
A única coisa que já a vi aprovar em mim foi meu noivado com Neto.
Mas no caso de Benjamim, tudo vai muito além de expectativas
quebradas, é mágoa. O que vi ontem, vai além, de apenas dor e não sei como
falar sobre isso com ele, não sei se devo.
Para começar, nem sei mais o que somos um para o outro, não tenho
certeza do que estamos fazendo. A amizade colorida parece ter perdido o
sentido, algo mudou, eu sinto. Olho-o, o rosto relaxado, totalmente sem
defesas e, sendo sincera, não sei como me sentiria se amanhã, ele dissesse
que acabou. Que cansou dessa nossa brincadeira.
Paraliso quando ele se mexe ao meu lado, tentando não o acordar. Seu
braço me procurando na cama ao seu lado. Pouco a pouco seus olhos se
abrem e focam em mim, sentada abraçando meus joelhos.
— Bom dia, morena. Acordou cedo...
Volto a me deitar ao seu lado, deixando que seu braço me puxe para
mais próximo de si.
— Bom dia... Gamora queria brincar, me acordou com beijinhos. —
Sorrio, e ela parece nos ouvir, pulando na cama à procura de seu dono.
— Às vezes ela tem dessas, desculpa.
— Tá louco? Foi meu melhor bom dia. — Beijo seus lábios, me
deitando em seu peito, sentindo sua respiração compassada tocar minha pele.
— Não dormiu muito bem essa noite, né? — Tento começar essa conversa e
ele me olha, por tempo demais, sem nada a falar. — Se não quiser falar...
— Tudo bem, eu disse que conversaríamos.
— Mas não quer dizer que precise, né?
— Por que não? Estava lá comigo, o tempo todo, merece saber e não,
eu não dormir bem.
— E por que não?
— Eu odiei aquele homem por muito tempo, Mônica. Odiei meu pai,
sentindo uma mágoa que chegava a me machucar. Mas todo esse tempo,
odiei um homem saudável, forte, sem caráter ou escrúpulos, não o homem
que eu vi ontem, deitado naquela maca, não era o mesmo homem que odiei
por tanto tempo. Era o que restou dele.
— Ah, Ben.
— E agora não sei se faz sentindo continuar com toda essa mágoa,
rancor. Eu disse que o perdoei e acho que realmente fiz isso, mas ele me disse
o dia da cirurgia e senti que talvez, ele me queira lá.
— E você quer ir?
— Não, eu não quero.
Volto a me sentar, olhando em seus olhos e busco suas mãos.
— Eu sei que é difícil, eu entendo, procuro entender. Mas, Ben, e se ele
entrar na sala de cirurgia e não sair... com vida? Vai conseguir lidar com isso,
meu bem? Vai conseguir se olhar no espelho, sabendo que se enganou, que
não perdoou, que não estava lá? E eu sei, sei que acha que não quer estar
presente, e talvez não queira mesmo, mas Ben, ele pode não sair com vida
daquela cirurgia, pelo o que o médico nos disse, ontem.
Suas mãos deixam as minhas, esfregando seu rosto com certa força,
como para se livrar de pensamentos difíceis, se sentado ao meu lado,
entrelaçando nossas mãos.
— Eu não perdoei, não é?
— Não, não perdoou. Você acha que sim, mas se tivesse feito, teria
conseguido dormir à noite.
Ele não me olha, focando seus olhos em nossas mãos unidas parecendo
viajar para longe. Queria poder dividir o que sente, ajudar de alguma forma.
— Quando era criança, jogávamos bola sempre aos finais de semana.
Essa é uma das poucas coisas boas que me lembro de fazermos juntos. E,
desde ontem, sempre que eu digo a mim mesmo, que não estarei lá, que não
vou voltar àquele hospital, essas memórias voltam e não sei o que fazer.
— Esteja lá com ele, segure sua mão, o perdoe realmente, Benjamin, ou
tente. No fim, quando ele sair daquela cirurgia, você poderá decidir se o quer
em sua vida ou não, porque sei que é um bom homem, Ben, tem um bom
coração, eu sei. Você não vai se perdoar se algo acontecer e você não estiver
lá.
Sua expressão é indecifrável.
— Obrigado, acho que era o que eu precisava ouvir.
— Hum, eu sei um jeito melhor de você me agradecer — provoco,
montando em seu colo.
— Sabe, é?
— Uhum... sei sim e será bem prazeroso.
Eu não sei quanto tempo isso entre nós irá durar, não sei por quanto
tempo teremos esse interesse mútuo, mas até lá, eu vou aproveitar o máximo
que eu puder.
Este foi um dia que irá, definitivamente, entrar para minha história,
nem acredito realmente que ele está sendo real.
Esta foi realmente uma segunda excelente. Após um final de semana
muito bom, cheguei ao trabalho e recebi a proposta de assumir o cargo de
gerente geral da agência, de forma provisória inicialmente, podendo se tornar
permanente, caso me saia bem.
Acordei como caixa e estou finalizando o dia como gerente.
Eu podia esperar tudo, menos isso e mesmo que não seja permanente,
isso vai dar um up no meu salário, ao menos, no próximo mês, o que vai ser
ótimo e se as coisas estiverem enfim dando certo, eu posso, sim, ficar de
forma permanente no cargo, e... Deus, obrigada!
Suspiro, sentada onde antes era a cadeira de Rômulo.
É, o cara cometeu fraude e não uma qualquer, e ao que tudo indica, isso
vai feder muito ainda nos próximos meses. Eu sequer acredito em tudo que
aconteceu hoje, para ser sincera.
Fico pensando que a qualquer momento eu irei acordar em minha
cama, mal-humorada e tendo que enfrentar uma segunda estressante. Não que
não tenha sido estressante, mas andou longe de ser como imaginei. Parece até
surreal.
Mas sabem a parte estranha? É que tudo o que eu quero agora é
chegar em casa e correr para Benjamin, contar tudo o que aconteceu hoje,
compartilhar com ele a grande novidade.
Sorrio, estando sozinha, me recostando na cadeira e dando um giro de
360 graus nela, comemorando, bem típico de falta de costume.
Dou uma olhada na sala, já passa do horário de ir. E como Benjamin
disse que hoje não vai passar a noite no hospital, então, acho que o pego em
casa, ou espero ansiosa ele chegar.
Sei que deveria ter mais prudência, mas ele se tornou alguém realmente
especial, não é mais só sexo, por mais que eu não queira admitir, Benjamin
ganhou um espaço bem grande em meu coração, como amigo e amante. Os
últimos dias têm sido ótimos em sua companhia, em que acredito que
também o ajudei de certa forma, lhe dando apoio.
Além do mais, jamais vou me esquecer do seu jeito inusitado de me dar
flores, além de ter tornado a noite do meu aniversário mais que especial,
mesmo que tenhamos finalizado no hospital.
O hospital. Aquele dia me mostrou um pouco do que Benjamin guarda
embaixo da capa de um homem aparentemente inabalável. Ele me deu espaço
para que eu entrasse, se abriu, me permitiu vê-lo mais humano, amigo,
alguém que eu quero manter por perto. Ele é realmente um homem
apaixonante.
Droga.
Sexo, é apenas sexo, Mônica Maria. É o que ando repetindo a mim
mesma ao passar todas as últimas noites em sua cama.
Desligo o computador e pego minha bolsa, a mesma que ganhei há
poucos dias, a qual amei.
Restamos apenas o segurança do turno da noite e eu e rapidamente
deixo minha nova sala, hora de ir embora. Cumprimento-o ao passar pela
porta e sair, já à noite, respiro fundo, me segurando para não me beliscar.
Ainda parece mentira.
— Maria! — Assusto-me ao ouvir essa voz, me virando no automático.
Dou de cara com o homem ao qual jamais imaginei ver aqui, me olhando
com... entusiasmo.
— Neto! — Seu nome não passa de um sussurro em meus lábios. Perco
qualquer coerência, a euforia pelo dia de hoje ficando em segundo plano.
— Oi, tudo bem? — Sua naturalidade é algo invejável e minha voz
simplesmente não sai. — Demorou a sair, estava há algumas horas te
esperando.
Nesse momento pareço recuperar minha voz, junto à revolta por vê-lo
aqui.
— Não sei se escutei bem. Você está me esperando para que
exatamente?
Ele sorri, e bem aqui, está o homem que me deixou há mais de um ano
e meio. Tenho a impressão de que Neto deve ter caído e batido a cabeça em
algum lugar, esquecendo os últimos meses. Não vejo outra explicação para
que ele esteja aqui, em minha frente.
— Tentei te ligar nas últimas semanas, mais de uma vez, também
mandei mensagem, mas acho que você me bloqueou.
— Esperava algo diferente disso?
— Não, não esperava, tenho pensado muito nisso, por isso estou aqui.
Será que podemos conversar? Posso te levar até sua casa, se quiser.
Eu não posso acreditar na sua cara de pau.
— Você está maluco, João Neto? Você nem deveria estar aqui e acha
que vou entrar em um carro com você?
— Mônica. — Ele tenta se aproximar e dou um passo para trás,
tomando uma distância novamente segura. O que esse infeliz quer aqui?
— Vai embora, Neto. Não quero falar com você, não, na verdade, não
tenho nada a falar com você. Só vai embora.
— Mas eu tenho, só me escuta. Preciso mesmo conversar, pedir...
desculpas. — Ele nem sequer consegue me olhar e quer pedir desculpas?
— Perdão? Você está de brincadeira comigo? Surtou? Pedimos
desculpas quando esbarramos em alguém na rua, quando derramamos água
em alguém, quando pisamos no pé de um estranho, mas não quando
deixamos uma pessoa no altar, às portas do casamento — cuspo as palavras e
ele nega.
— Eu estava confuso, só precisava de tempo, Mônica. Vem comigo,
vamos conversar em um lugar mais reservado?
Essa hipótese nem passa por minha cabeça, mas me faz lembrar que
estou no meio do estacionamento do banco, a vistas de todos. Ainda assim,
não preciso ir para um lugar reservado, só me livrar dele.
— Tempo? Eu te dei sete anos da minha vida, queria mais tempo que
isso? Você não existe.
— Eu estou aqui agora, para você!
— E acha que adianta de algo? O que esperava, Neto? Achou que eu
estaria chorando as pitangas até agora, morrendo de amores por você? Só
pode estar maluco. — Sinto lágrimas em meus olhos com sua hipocrisia, mas
me nego a derramá-las.
— Eu só pedi um tempo, só isso. Não queria que se mudasse para outra
cidade ou que arrumasse emprego em outro lugar, só queria um tempo.
Começamos a namorar jovens, Maria, e eu não sabia se realmente estava
pronto para me casar, mas agora eu sei, eu te quero.
— Decidiu isso quando? Depois de pegar meia cidade? Me poupe.
Não quero sequer ouvi-lo, lhe dando as costas, mas não vou longe
quando sua mão segura meu braço. Sinto nojo com seu toque, tanto que me
debato, até me livrar de sua mão imunda.
— Maria, sei que está magoada, mas...
— Magoada? Magoada? — praticamente grito, sorrindo ao mesmo
tempo, um riso que em nada traz algo bom. — Pelo amor de Deus, Neto.
Magoada eu estive antes, quando me deixou, hoje não, hoje eu só sinto pena.
Pena de mim, no caso, por ter perdido tanto tempo amando alguém que não
me merecia, que não se importava. Não é mágoa, por você só sinto... nada,
você deixou de existir para mim. De você só restaram cicatrizes.
— Eu não acredito nisso, está tentando me punir. Sua mãe me disse que
ainda me ama.
Sinto-me traída, sempre soube do seu desejo de que voltássemos, mas
isso já é demais. Sinto um vazio que não posso narrar, sabendo que ela se
importa mais com status do que com minha felicidade. Não sei como ainda
me assusto com suas atitudes.
— Minha mãe disse o quê? Eu não acredito nisso.
— Sua mãe torce por nós, sabia?
— Foi ela que te deu esse endereço? — E ele nem precisa responder.
— Achou mesmo que eu ia continuar te amando depois de tudo?
— Foram sete anos, sete anos não se apagam de um dia para o outro.
— Não, não se apagam, mas não foi de um dia para o outro. E você
tratou de matar o amor que um dia eu senti por você. Foi isso o que você fez
naquele dia.
— Eu não acredito em você.
— Não me importa, nada que vem de você importa. Faça um favor a
nós dois e vá embora.
— Não, não sem antes conversamos como eu quero. Sei que se me
ouvir...
— Morena! — A palavra, dita em uma voz grave, preocupada,
reverbera o ambiente e chego a fechar meus olhos, aliviada até, reconhecendo
o dono dessa voz. — Está tudo bem? Vim te buscar.
Luto para controlar o bolo que se forma em minha garganta, me
virando para vê-lo, alívio tomando cada célula do meu corpo, notando que a
pergunta foi feita para mim, mas seus olhos estão em Neto.
Sorrio, agradecida.
— Sim, agora está tudo bem.
— Então, vamos?
E, por uma segunda vez, uma mão em meu braço me impede de ir
adiante com Benjamin.
— Aonde pensa que vai? E quem é esse cara, Maria?
Isso é ciúme? E não tenho tempo de responder, pois Benjamin corta
nossa distância em dois passos, a mão grande me segurando pela cintura,
como se quisesse me proteger com isso.
— Fala de mim? Sou o cara que vai quebrar a tua cara, se continuar
apertando o braço dela desse jeito. É melhor soltá-la. — É um aviso claro,
que Neto não paga para ver, ambos se encarando.
Levo minhas mãos ao peito de Benjamin, pedindo sua atenção,
tentando ainda acalmar meu coração que saiu a galope desde que o viu aqui.
Meu passado e presente frente a frente.
— Você tem outro, é isso?
— Para ter outro, eu precisaria ter mais alguém e esse não é o caso.
Volte para casa, Neto, já é tarde demais para me demonstrar amor. Seu tempo
foi há um ano e meio, quando estava disposta a me casar com você. Sonhei
com aquele dia, eu o queria tanto e você simplesmente jogou fora. — E não
seguro uma lágrima ao jogar cada palavra em sua cara, palavras que guardei
todo esse tempo. — Eu te amava, te amava tanto, que achei que meu coração
sangraria naquele dia, no nosso dia. Você destruiu esse amor, você minou
qualquer sentimento que eu poderia sentir e me causou feridas. Feridas que
eu não sei se um dia me livrarei delas. Acha que pode vir aqui agora e me
pedir desculpas e tudo ficará bem? — Sorrio, mas é puro sarcasmo, me
sentindo amparada pelo homem ao meu lado, sua mão apertando minha
cintura. — Não ficará, porque você me machucou como nunca, ninguém fez.
— Vem, Mônica, vamos pra casa — ele me chama, seus lábios tocando
de leve minha orelha.
— Eu nunca quis te machucar assim, me deixa consertar?
Nem ao menos consigo responder a isso, enquanto Benjamin tenta me
soltar, querendo ir para cima de Neto, que dar um passo atrás. Meu coração
acelera, meu corpo reage por instinto e sou mais rápida ao impedi-lo, minhas
mãos em seu peito, e tudo o que me resta, após jogar tudo isso em sua cara, é
leveza e agora só quero terminar logo com isso, lavar minha alma.
— Não vale a pena, Benjamin — peço a ele, que me olha insatisfeito,
com o maxilar cerrado, tentando se controlar. Volto a olhar para o homem
que não reconheço mais. — Não tem mais conserto. Hoje tenho até mesmo
traumas por sua causa. Hoje, eu duvido das pessoas, não consigo mais confiar
como antes, duvidando se posso voltar a amar, a me relacionar. E tenho
medo, medo de não conseguir, de ainda estar tão remendada, ao ponto de não
mais acreditar. Eu te amei, mas acabou, eu me curei. Sei que as cicatrizes não
vão embora, sei disso — soluço —, mas eu vou tentar, vou sim, porque em
todo esse tempo, eu trabalhei para isso, para seguir em frente e hoje eu sei,
você não me quebrou por completo, eu voltei a sentir novamente.
— Maria...
— Espera, eu não terminei. Foi difícil, mas eu consegui, sabe? Eu me
reergui e sou alguém melhor, muito melhor sem você. Adeus, Neto, e eu
espero, do fundo do meu coração, que você seja feliz.
Agora sim, eu terminei e dou-lhe as costas, agora sem ser impedida,
aceitando a mão grande que me é estendida, com um sorriso gentil a tentar
me garantir que vai ficar tudo bem, um sorriso pelo qual eu me apaixonei.
Deixo Neto para trás, sentindo em meu coração alívio, alívio por
encerrar um ciclo da minha vida, por saber que eu precisava dessa conversa
para seguir adiante. Eu só sinto... liberdade.
Não olho para trás, não preciso mais.
— Cadê sua moto? — pergunto, fungando e tentando controlar o choro
que quer irromper, um choro de alegria.
— Não vim de moto, resolvi tirar o carro da garagem hoje, nunca uso,
mas senti vontade de dirigir.
— Você tem carro? — pergunto, surpresa.
— Tenho, e está logo ali.
Sorrio, olhos ainda molhados enquanto, de forma gentil, Benjamin abre
a porta do carro para que eu entre e seu carro não é nada menos que um
Impala.
— Você é uma caixinha de surpresas, sabia?
— Vem, vou te levar a um lugar.
Como começar a falar?
Seguimos calados, para onde quer que ele esteja me levando e por bons
minutos me sinto perdida no limbo, enquanto vamos deixando ruas paras trás,
os vidros do carro abertos, enquanto o vento bate em meu rosto.
Fecho meus olhos, sendo tomada por paz, calma e liberdade,
sentimento que não achei que sentiria, após ver Neto. Caso me perguntassem,
se em algum momento nesse último ano eu imaginei a cena que aconteceu há
pouco, com Neto, eu diria sim, já imaginei várias e várias vezes, tantas que
não seria capaz de contar.
Em principal nos primeiros dias, em que a ficha não tinha caído e a dor
era insuportável.
Sete anos com alguém e depois, sem nenhum aviso, sem nenhuma
pista, essa pessoa te dizer adeus, deixa um vazio sem precedentes, algo que
em um primeiro momento, achamos que não dar para superar. Foi assim que
me senti. Em um dia eu estava noiva, imaginando que um novo ciclo
começaria e no outro, eu não tinha nada. Então vem a confusão, as perguntas
sem respostas e você tem uma certeza, a de que nunca conheceu a pessoa que
estava ao seu lado todo aquele tempo.
Foi umas das situações mais difíceis que já me vi passar, então sim,
nesses momentos eu o imaginei voltando, me pedindo perdão, dizendo que
estava arrependido e que me queria de volta, só a mim. Pior que na época, eu
o perdoaria, eu só queria tapar aquele buraco, sarar aquela dor.
E pensar que hoje, só de pensar nisso sinto asco de mim mesma, da
minha fraqueza ao me agarrar a esse tipo de esperança.
Com o tempo você se levanta, o choro fica mais ameno, a dor se
esvaindo e enfim, conseguimos, pouco a pouco, nos reerguer. Mas agora, o
gosto é bom, é leve, livre e me sinto realmente completa. Encerrei de vez o
assunto Neto e estou muito bem com isso.
Meses antes, após um encontro como esse, eu teria ido para casa, me
enterrado em minha cama e chorado. Hoje choro, mas são lágrimas de alívio,
ao sentir ter mais um ciclo quebrado, encerrando de vez o passado.
O que me incomoda é apenas minha mãe. Eu deveria saber que sua
ligação ontem, sem acusações, cobranças, nada, era um prenúncio de algo
muito errado e aqui está. Me pergunto quando ela me deixará viver minha
vida, quando irá entender que minhas escolhas, em nada irá interferir nas
suas, que não sou um joguete para lhe trazer status.
É isso o que ela quer, sempre quis e em sua cabeça de vento, não há
forma melhor de conseguir isso, se não, me casar com alguém que detém
parte de uma cidade como patrimônio. Só que para mim, isso pouco me
importa.
Estou feliz agora, como estou. Cheia de dívidas, mas feliz.
Sinto o carro ir parando aos poucos e abro meus olhos, procurando me
localizar, buscando Benjamin ao meu lado, que se manteve calado por todo o
caminho desde que saímos.
— Onde estamos, Benjamin?
— Comunidade Santa Marta. Venho aqui sempre que preciso pensar.
— Ele não espera mais nada, saindo do carro em seguida.
Não o sigo de imediato, apenas o observo por alguns segundos, parado
em frente ao carro, com braços cruzados, imponente, olhando o horizonte à
sua frente. Me dou conta então da altura em que estamos, as luzes da cidade
ao longe.
Curiosa, saio do carro, alcançando-o próximo ao morro que nos permite
ver parte da cidade lá embaixo. É perfeito.
— Meu Deus, é lindo...
— Sim, é lindo como você. Queria te mostrar este lugar há alguns dias,
este é meu refúgio particular, achei que seria bom te trazer aqui hoje. — Ele
me olha, mas não me toca, não ainda, e isso me incomoda, tanto que sou eu a
me aproximar, querendo qualquer contato que seja. Pois sei que seu silêncio é
pela cena que presenciou e não sei como começar a falar.
— Ficou calado por todo o caminho. — Quebro o silêncio, querendo
ouvir qualquer coisa que seja, pois acho que não estamos bem.
Suas mãos me trazem para perto, me colocando à sua frente, seus
braços circulando minha cintura, seu rosto afundando em meu pescoço, me
permitindo sentir sua respiração em minha orelha e, só então, solto a
respiração que estava prendendo.
— É, eu sei...
O silêncio volta a reinar e eu recosto a cabeça em seu ombro. Entendo
seu silêncio, a situação há pouco não era nada comum.
— Me diz, Mônica, você está bem? — pergunta, talvez por me ver
chorar, agora livremente e eu me viro para ele.
— Estou sim. Estou me sentindo... livre. — Emocionada, minha voz
chega a tremer ao dizer isso e engulo em seco. — Eu estou livre, Ben. Não
que eu não estivesse antes, mas... era como se eu ainda carregasse um peso
em minhas costas, como se estivesse presa ainda àquele dia. Parecia... enfim,
agora acabou.
Ele sorri, bonito, mas seus olhos não refletem alegria e me preocupo se
isso se deve realmente ao que presenciou há pouco ou se tem algo a ver com
seu pai.
— Seu pai, ele está bem?
— Sim, está sim, não se preocupe. Mas é que... — Se cala, parecendo
procurar palavras. — Mônica, eu... quero agradecer o apoio que me deu todos
esses dias com meu pai, você foi... incrível.
Afrouxo meus braços ao redor do seu pescoço, me afastando um pouco,
sem saber o que esperar do que vem a seguir.
— Não precisa agradecer, Ben.
— Preciso, sim, e sobre o que você disse, lá atrás, de não ser capaz de
se envolver, eu entendo. Se caso não quiser continuar, caso sinta-se...
Busco o que falei lá atrás, me perguntando se ele realmente ouviu
mesmo.
— Benjamin... não entendeu nada, não é?
Fim?
Não, este não é o fim. Nossos personagens
continuarão vivos, em seu coração.
Bom, se eu for listar, daria bem mais que um livro de agradecimentos,
pois Deus foi e é generoso demasiadamente comigo ao colocar anjos em
forma de pessoas em minha vida.
Agradeço primeiramente a Deus, por estar sempre comigo nessa
caminhada, nada sou sem sua força.
Também à minha família e amigos, meu muito obrigada. Vocês são o
meu suporte, meu amor maior e mãezinha, aqui vai um agradecimento todo
especial para a senhora, minha maior fã, gente. Eu te amo, luz da minha vida.
Amo muito e sou o ser mais grato por ter uma pessoa iluminada como a
senhora em minha vida. Se eu pudesse ter escolhido, não teria o feito tão
bem, a senhora é o meu maior presente.
Aos meus leitores, o meu muito obrigada. Eu não tenho palavras para
agradecer o carinho e o amor que me dão sempre, em doses homeopáticas.
Amo vocês. Por embarcarem comigo em cada loucura, e me impulsionar
sempre a ir além. Vocês fazem toda a diferença.
Seguindo... às minhas amigas autoras, meus anjos, obrigada. Durante a
escrita, deste livro tive imprevistos que me fizeram duvidar se conseguiria
mesmo terminá-lo e lá estava Lucy Foster para me empurrar junto à Jack A.
F, vocês são demais, amo vocês. Ainda assim, o que seria de mim sem uma
revisora para embarcar nesta loucura de última hora? Barbara Pinheiro, você
tem o meu amor e gratidão. Obrigada por me aguentar.
Agradeço também à Tali e Bia, vocês são meus xuxus mais lindos,
aquelas que aguentam meus surtos, e olha que não são poucos.
Sempre digo que a caminhada até aqui é árdua, porém, me sinto
blindada com vocês, são meus anjos amados.
Obrigada a todos novamente e a você, que chegou aqui agora e está
conhecendo a Gisa pela primeira vez, tenha o meu muito obrigada.
Esta sou eu, uma apaixonada muito louca pela escrita, pela vida e
encantada com novos mundos. Obrigada por sua leitura e espero muito que
gostem desta história.
Acho que é isso. Serei eternamente grata e até a próxima!
Conheça também o primeiro livro da Série Amores Reconstruídos:
Capítulo 1
A vida é feita de escolhas, porém, elas cobram um preço. E não importa
qual é a sua opção. Mais cedo ou mais tarde, a vida cobrará a conta...
— Eu não tenho nada contra, Silvy, só acho que não consigo. Olhe bem
para mim — falo para Silvy, minha tia postiça, como ela mesma faz questão
de lembrar.
— Não seja boba, Cristine. Só preciso lhe passar algumas dicas, e essa
sua cara de virgem fará o resto. O serviço é fácil, sem falar que ele irá te
pagar uma nota preta para tirar a sua virgindade, e você precisa de dinheiro.
— Silvy! — repreendo-a, sentindo a bile subir a garganta.
— Abra os olhos, Cris! Se olhe no espelho! Você possui uma beleza
exótica e tem que se aproveitar disso.
— Eu ainda não sei...
E não sabia mesmo. Eu era apenas uma menina magricela de cabelos
claros sem graça e rosto quadrado, sem nenhum atrativo a não ser os olhos.
— Pelo amor de Deus! Eu garanto que Maurício é um homem rico,
lindo e cheiroso. E ele me prometeu que será gentil com você.
Bufo com a fala, como se isso importasse no fim das contas e ela
continua:
― Eu sinto muito por isso Cris, sinto muito mesmo. Meu coração está
apertado aqui, menina, mas essa é a saída mais rápida.
Apenas aceno, sabendo que ela tem razão...
Estamos no quarto de Silvy conversando, pois, depois de muito relutar,
estou prestes a aceitar a coisa mais absurda que já cogitei fazer em minha
vida.
— Eu sempre imaginei que seria diferente, sabe? ― falo, como se
estivesse desabafando comigo mesma, sentindo que estou perdendo algo
especial. ― Achei que seria com alguém que eu realmente amasse. Um
namorado, algo assim!
— Ah, meu bem! Estes sonhos e quem você é neste momento não
podem mais coexistir. Isso não faz mais parte de você. A vida te derrubou
cedo demais, meu amor, e quando isto acontece, a gente não pode mais
sonhar. Agora é a vida real, Cristine.
Sinto meus olhos encherem de lágrimas.
— Meu Deus! Há alguns dias, eu era só uma garota que tinha passado
no vestibular de Medicina... ― Levanto-me, sentindo o desespero de dias
atrás tomar posse de mim outra vez.
— Você tá precisando de dinheiro, ou não? — Ela parece enfim se
cansar de me convencer a achar uma saída.
— Sabe que preciso disso mais do que qualquer coisa no mundo...
— Sendo assim, meu bem, posso te garantir que não conseguirá isso,
trabalhando meio período na biblioteca! A não ser que você tenha um plano
para assaltar um banco ou pretenda ganhar na Megasena, essa é a melhor
saída. Se depois não quiser mais, tudo bem, é só parar. ― Seus olhos estão
em mim, apreensivos e pesarosos.
Respiro fundo, tentando aceitar o que estou prestes a dizer:
— Tudo bem, irei fazer!
Silvy arregala os olhos, estalando a língua em concordância.
— Ótimo! Não precisa se preocupar com nada, ele irá saber exatamente
o que fazer. Você só precisa relaxar. Se você quiser desistir na hora, lembre-
se de Cate!
— Certo — falo, sem muita certeza, sentindo-me vazia.
— Agora temos que encontrar um nome de trabalho para você.
Acredite: ter um nome de trabalho, ajuda muito! — fala e olha para cima,
parecendo pensar em algo, e depois me fita.
— Melhora essa cara, garota. Sexo não é ruim! Ainda mais quando se
recebe um cheque gordo no final. E o seu, meu bem, será obeso! Acredite em
mim.
É ridículo, eu sei. Mas que escolha eu tenho? Acredite, nenhuma.
— Agatha?! — falo, rápido.
— Como é? — Ela me olha sem entender.
Silvy já é uma senhora na casa dos 50 anos, baixa e de cabelos
vermelhos escuros — pintados, é claro. Eu a considero uma segunda mãe,
pois a conheço e convivi com ela desde que nasci. Apesar da idade, ela
aparenta ser mais jovem por ser vaidosa e sempre andar bem arrumada. Uma
boa pessoa, apesar dos pesares.
— O nome, quero Agatha ― falo de novo e, dessa vez, com mais
certeza.
— Certo! É você quem decide. Maurício virá te pegar as oito e faz
questão de passar a noite toda com você. Fique tranquila, isso não é um bicho
de sete cabeças, menina. ― Ela afaga meus cabelos e sorrir, gentil. ― Ele
fará praticamente tudo e dirá o que quer de você. Vai gostar dele, tenho
certeza!
Dou um suspiro cansado, não querendo acreditar nisso e com medo de
estar cometendo um erro.
— Silvy, e se eu não conseguir? O que farei?
— Vai conseguir. Acredite em si mesma!
Respiro fundo, tentando ter a mesma fé, que ela aparenta ter em mim.
— Certo...
Não estava certa do que estava prestes a fazer, mas não me julguem por
favor. Preciso muito da grana e se esse é o preço, eu pago. Preciso fazer
escolhas a partir de agora, e elas não são nada ortodoxas, mas é preciso.
Depois dessa conversa, Silvy me ajudou a me arrumar e às 19:50h,
estou pronta — e muito nervosa por sinal. Sentia minhas pernas tremerem e
duvidava que elas me obedeceriam quando fosse a hora.
Tentei pensar que isso seria passageiro e que logo me livraria de toda
aquela droga. Claro que eu ainda não sabia o que a vida me reservava, mas,
posso lhe adiantar que não foi bem o que planejei. Eu achava que a maior
desgraça da minha vida já havia passado. Doce ilusão, o meu tormento estava
apenas começando!
Sinopse
Alice foi uma jovem doce, desinibida e de bem com a vida, que
gradativamente se viu cair de amores pelo primo boa pinta. Ela o via como
um herói, de forma romântica, apaixonada. Já ele a via apenas como a caçula
da família Ribeiro, a prima maluquinha que ele vivia tirando de encrencas!
Um desentendimento!
Bastou isso para criar uma rachadura extensa no relacionamento e na
amizade de ambos. Dois caminhos separados por desentendimentos e culpas.
Anos depois, Alice está de volta, só que mais mulher, dona de si, trazendo
também marcas profundas na alma e no corpo.
Pedro faz o tipo sensato, protetor, centrado em sua carreira e
apaixonado pelo campo, aquele cara famoso por não deixar suas emoções
tomarem conta de si. Ou assim ele imaginava, pois ao vê-la todo esse
controle se vai. E Pedro queria que não tivesse tantos sentimentos guardados
por aquela mulher, indo do amor ao ódio, mas, ainda assim, querendo fazê-la
sua. Há apenas um impedimento: a própria Alice.
Uma mentira foi contada, um falso noivado é montado e pode
desencadear sentimentos há muito guardados, trazendo segredos que podem
vir à tona e soterrar qualquer resquício de amor!
"Ela não está disposta a ceder, ele não está disposto a desistir...
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