Life and Death Pacts: An Ethical Reflection in Times of Barbarism
Life and Death Pacts: An Ethical Reflection in Times of Barbarism
Life and Death Pacts: An Ethical Reflection in Times of Barbarism
Resumo: O artigo realiza uma leitura crítica de “A gente combinamos de não morrer”, conto
que integra a antologia Olhos D’água (2014), de Conceição Evaristo. O objetivo do estudo foi
o de refletir sobre como a violência agencia as formas de vida contemporâneas das
personagens na narrativa em contraponto com a história de nosso próprio passado
escravocrata e colonial, dores profundamente traumáticas que não conseguiram, até hoje, ser
devidamente elaboradas e, por isso, superadas. Partindo também do interesse pelas questões
de gênero e das memórias coletivas e afrodescendentes, procuramos problematizar a relação
entre a ética da vida e a criação literária, destacando modos como os efeitos memorialistas da
escravidão negra que se manifestam na narrativa levam os corpos das personagens do conto a
encenar gêneros e a praticar violências na constituição de suas identidades negras.
Palavras-chave: oOlhos D´Àgua; Conceição Evaristo; violência; resistência.
Abstract: The article performs a critical reading of “A gente combinamos de não morrer”,
short story of the antology Olhos D’água (2014), by Conceição Evaristo. The aim of this
study was to analyze how violence influences the contemporary forms of life of the characters
in the narrative as opposed to the history of our slave and colonial past. These are deeply
traumatic pains that have not been properly worked out and, therefore, overcome. We seek to
problematize the relationship between the ethics of life and literary creation, based on an
interest in gender issues and Afro-descendant collective memories. This allowed us to
highlight the ways in which the memories of black slavery are manifested in the narrative,
leading the bodies of the characters to stage genders and to practice violence in the
constitution of their identities.
Keywords: oOlhos D’Água; Conceição Evaristo; violence; resistance.
1 Introdução
instituição, a mobilização nas redes sociais foi intensa, chegando a reunir mais de vinte e
cinco mil assinaturas e uso da hashtag #ConceiçãoEvaristoNaABL, desde a provocação
lançada pela jornalista Flávia Oliveira1, no jornal O Globo: “Tá faltando preto na Casa de
Machado de Assis”.
Conceição Evaristo nasceu em uma comunidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais,
integrando o instigante histórico de mulheres e autoras mineiras 2, especialmente a partir da
segunda metade do século XX, quando nos recordamos do despontar dos diários femininos,
por exemplo, que revelavam o particular e se inscreviam assim nas letras nacionais, como foi
o caso de Helena Morley3 – talvez um dos primeiros diários a surpreender os leitores – e de
outras mulheres do interior de Minas Gerais, como Carolina Maria de Jesus e Maura Lopes
Cançado, que formularam situações inéditas ao “sempre comportado contexto intelectual
brasileiro”4. Além da escrita dos diários, ainda poderíamos lembrar dos romances e de nomes
como o de Maria Firmina dos Reis, autora do precursor Úrsula (1859) e Ruth Guimarães, que
publica Água Funda (1944) quase cem anos depois. Se recordamos alguns desses nomes, é
por entendermos que autoras e suas obras abriram caminhos para ampliar as discussões sobre
o papel da mulher escritora, das marginais, deslocadas de seus lugares de origem, descabidas,
excluídas de tradições consagradas e normativas, transgressoras dos padrões estéticos formais
estabelecidos. De alguma maneira, do interior de Minas para as capitais – à exceção de Maria
Firmina –, as revelações subjetivas recriadas naqueles cadernos e manuscritos, que
representavam os impactos da urbanização e a incompatibilidade com o ritmo pretendido pelo
progresso capitalista em um Brasil alheio à modernidade, mostravam que a ficção por si
mesma não parecia dar conta de falar sobre a realidade.
Poderíamos seguir com uma descrição minuciosa sobre a inscrição dessas mulheres no
cenário das letras brasileiras5, com nomes de personalidades consagradas, que tiveram seus
livros e escritos aceitos sem as mesmas dificuldades das diaristas, catadoras, pobres, negras e
periféricas, em diálogo com a norma culta e a lógica literária convencionada como o padrão
de seu próprio tempo. No entanto, o que gostaríamos de apontar é que, de maneira análoga
àqueles manuscritos e diários que registravam as vidas de Carolina Maria de Jesus e Maura
Lopes Cançado, a escritura de Conceição Evaristo também parece encarnar a escrita de
maneira semelhante, ainda que diferente, convocando a ficção ao retorno necessário à
realidade. No início de sua carreira, Evaristo também enfrentou dificuldades para a publicação
de suas obras, fato diretamente relacionado à produção hegemônica da literatura brasileira,
ainda hoje reconhecida como um espaço predominantemente branco e masculino 6. No trecho
a seguir, a autora apresenta o ato da escrita como algo ambivalente para si, carregado de dor e
apaziguamento, lugar entre a criação e a vivência, entre a memória individual e coletiva:
1
Referências disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/flavia-oliveira-sugere-nomes-para-
abl-ta-faltando-preto-na-casa-de-machado-de-assis.html.
2
Sobre a presença de escritoras mineiras, indicamos o volume organizado por Constância Lima Duarte,
intitulado Antologia de escritoras mineiras (Florianópolis: Editora Mulheres, 2008).
3
Mineira, de Diamantina, a autora publicou Minha vida de menina aos 62 anos, em 1942. Em 1957, o texto
ganhou uma versão em língua inglesa pelas mãos de Elizabeth Bishop.
4
Anos ou Danos Dourados? Modernizaçao, Escrita Feminina, Diários Mineiros – Carolina Maria de Jesus e
Maura Lopes Cançado, de José Carlos Sebe Bom Meihy, 2016.
5
Em A leitora no quarto dos fundos, de 1995, Marisa Lajolo recria e relata um episódio sobre a composição
intelectual da nossa contracultura, apontando para a existência de um grupo de mulheres, na abertura dos anos de
1960, com “ideias na cabeça e caneta na mão”, dando destaque a autoras que, naquele contexto, assumiam um
papel central na cena cultural letrada brasileira.
6
Em seu Literatura brasileira contemporânea: um território contestado, de 2012, Regina Dalcastagné apresenta
estudos quantitativos que apontam para a centralidade e dominância das publicações de autores masculinos,
brancos, situados no eixo Rio-São Paulo, seja nas editoras de maior circulação, seja ainda nos prêmios e festivais
literários tradicionais, de reconhecimento nacional.
4
Escrever pode ser uma espécie de vingança, às vezes fico pensando um pouco sobre
isso. Não sei se vingança, talvez desafio, um modo de ferir um silêncio imposto, ou
ainda, executar um gesto de teimosa esperança. Gosto de dizer ainda que a escrita é
para mim o movimento de dança-canto que meu corpo executa, é a senha pela qual
eu acesso o mundo (EVARISTO, 2005, p. 202).
Neste artigo, apresentamos o estudo de uma narrativa dea Conceição Evaristo, texto
que integra o livro Olhos D’Água, publicado em 2014, no Brasil, através de uma política
pública de financiamento e incentivo por parte da Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial da época, a partirtravés do slogan do governo federal: “país rico é país sem
pobreza”. A análise não tem a pretensão de esgotar as reflexões sobre o tema e nem mesmo de
chegar a tentativas de explicações categóricas, quaisquer que sejam elas. Acreditamos que a
seleção do texto nos direciona aos desafios atuais, que parecem dizer respeito aos desafios da
resistência democrática e de como a literatura e as produções culturais contemporâneas, de
maneira mais ampla, poderiam desempenhar um papel fundamental neste debate.
Nos últimos meses de 2018, após os resultados das eleições presidenciais, a frase
atribuída aà Conceição Evaristo e que remete ao conto sob análise – “Eles combinaram de nos
matar, mas nós combinamos de não morrer” – viralizou nas redes sociais, através de memes,
citações e cartazes, junto com “Ninguém solta a mão de ninguém” e “Ditadura nunca mais!”,
como códigos de união, solidariedade e resistência. Em 2019, outros atos e protestos
aconteceram no país utilizando o mesmo tema anterior, denunciando o genocídio negro, a
violência policial, a parcialidade da justiça, o racismo estrutural e os assassinatos de crianças
negras e periféricas no Brasil, como o de Agatha Félix, de 8 anos, no Complexo do Alemão,
no Rio de Janeiro, e o de Paloma, de 12 anos, no Morro do Papagaio, em Belo Horizonte.
Olhos D’água é uma compilação de quinze narrativas que tematizam a pobreza e a
violência da população afro-brasileira a partir do espaço enunciativo, sobretudo, de
personagens femininas que relatam suas experiências pessoais: memórias marcadas nos
corpos e nas escrituras. Essas subjetividades narrativas – de personagens como Ana Davenga,
Maria Agonia, Duzu Querença, Natalina, Luamanda e outras tantas – logo assumem
memórias coletivas em situações históricas de violência e opressão. A partir de uma grande
sensibilidade poética, a obra de Conceição Evaristo alinhava temas como a discriminação
racial, a opressão de gênero e de classe a partir do olhar dessas personagens no contexto do
espaço das periferias urbanas do Brasil contemporâneo.
Alguns motivos fundamentaram a escolha pelo estudo de um dos contos dessa
coletânea, intitulado “A gente combinamos de não morrer”. O primeiro deles partiu da
hipótese de que a presença da dor, do sofrimento e da morte – neste caso, da morte da
juventude negra das periferias urbanas no Brasil – estaria profundamente ligada ao nosso
passado traumático de violência histórica. O segundo motivo é o de que, neste conto, embora
a narrativa seja conduzida principalmente pela voz e pelo olhar de uma jovem narradora
sobrevivente – chamada Bica –, é possível observar com mais notoriedade a construção de um
jogo de descentramento curioso, no qual a voz de Bica costura outras múltiplas vozes ao
longo da narrativa, gerando um efeito de fragmentação e não linearidade no modo como elas
aparecem para nós, leitores, ao longo do texto. Dessa forma, a coletividade de vozes que
narram se move entre a vida e a morte, em diferentes posições de enunciação: “A morte
brinca com balas nos dedos gatilhos dos meninos. Dorvi se lembrou do combinado, o
5
juramento feito em voz uníssona, gritado sob o pipocar dos tiros: – A gente combinamos de
não morrer!” (EVARISTO, 2015, 99).
Dorvi respirou fundo. Mas que merda, pó contaminado, até parece talco para pôr na
bunda de neném. PoísPois é, meu filho nasceu. Um pingo de gente. Quando Bica me
mostrou nem tive coragem de olhar direito. Pequeno, tão pequeno! Deveria ter
ficado na barriga da mulher, ou melhor, incubado, como semente dentro do meu
caralho. Quis cutucar o putinho com a ponta de minha escopeta. Bica se afastou
como se o filho fosse só dela. Não sei para que o medo (EVARISTO, 2015, p. 100).
[Dona Esterlinda] O que mais gosto na televisão é de novela. Acho a maior bobeira
futebol, política, carnaval e show. Bobagem também reportagem, campanha contra a
fome, contra o verde, contra a vida, contra-contra. Contra ou a favor? Sei lá,
confundi tudo. Acho que é contra mesmo. Contra e não. Contra-mão. Ando sentindo
dores nas pernas. Também! “Lata d’água na cabeça, lá vai Maria”. Sobe o morro,
desce o morro e se cansa dessa dança (EVARISTO, 2015, p. 101).
[...] A vida é capim, mato, lixo, é pele e cabelo. É e não é. Na televisão deu: –
Mataram a mulher, puseram o corpo na lixeira e atearam fogo! [...].
[Dona Esterlinda] Filhos? Não sou boba, só dois. Cuspi fora uns quatro ou cinco.
Provoquei. ‘Eu confessor, me confesso a Deus, meu zeloso guardador, bendito sois
vós, que olhe por mim’ (EVARISTO, 2015, p. 100-101).
Como vemos aqui, várias personagens assumem a voz narrativa no decorrer do texto,
mais precisamente Dorvi, Dona Esterlinda e Bica, além de uma outra quarta voz que poderia
ser de um narrador em terceira pessoa. O que une essas personagens, além da condição de
parentesco – Bica, filha de Esterlina, é casada com Dorvi – é a condição de integrarem ou
participarem de uma mesma forma de vida7.
Especialmente em “A gente combinamos de não morrer”, nos interessou pensar o
modo como esse recurso de fragmentação formal, marcado no texto – inclusive com uso do
negrito8 –, promove efeitos que parecem propositivos. Suas possíveis descontinuidades,
7
Utilizamos aqui uma série de noções wittgensteinianas, como jogos de linguagem, formas de vida, semelhanças
de família, que aparecem ao longo das Investigações Filosóficas (1979) como noções difusas, nem sempre
utilizadas da mesma maneira.
8
Por exemplo, em “Saraivadas de balas, de instantes em instantes, retumbam no interior da casa, ameaçando a
diversão da mãe de Bica e de Idago” (EVARISTO, 2015, p. 101) parece haver, com o destaque pelo recurso do
negrito, uma imposição dos tiros ao cotidiano, à intimidade da casa, à descontraída diversão entre mãe e filho.
6
Como nos propõe Renato Janine Ribeiro, em Dor e injustiça (1999), o Brasil nunca
acertou suas contas com duas dores terríveis, justamente a da colonização – nossa condição
colonial – e a da escravatura. Esses dois traumas não superados seguiram gerando cenas
primitivas que não conseguiram, até hoje, ser devidamente elaboradas. Por essa razão, não
conseguem deixar de ser parte integrante de nosso caráter. Teríamos, assim, uma dor
profundamente socializada, tendo a injustiça como um de seus fatores decisivos.
A palavra assume importância central na narrativa de Evaristo. É pela palavra oral que
se firma o pacto de não morrer entre aqueles jovens. É por ter traído a palavra, e entregado os
colegas que roubavam a merenda da escola, que Idago, irmão de Bica, é morto aos onze anos
de idade. É por não cumprir a palavra e não pagar uma dívida que Neo é morto por Dorvi.
Dorvi, intermediário no tráfico, encontra-se prestes a morrer pelo não pagamento de sua
dívida, o que aqui também representa o não cumprimento à palavra firmada, ao acordo verbal.
A palavra oral, “palavra dada”, de acordo com Bina, não pode ser traída. Esse é a lei que
permanece nessa forma de vida.
Observamos, também nesse sentido, certa rebeldia linguística que inicia desde o título
na narrativa – “A gente combinamos de não morrer” – ao se optar por se escrever como se
fala. No conto, há um apelo à oralidade, seja através dos diálogos e das falas dos narradores,
das memórias coletivas e familiares, seja ainda na construção estabelecida entre a palavra oral
e a promessa como código de honra:
Feriu o código de honra, a palavra dada. A palavra que não se escreve, pois escrita
está na palma e na alma de cada um. É preciso trazer sempre a mão aberta. (...).
[Sobre a traição de Idago]. Aí melou. Deu com a língua nos dentes [...] Mandaram
dizer para mãe, que cuidasse da boca traidora do filho dela. Língua cortada não fala
(...) E o outro derramou um vidro de pimenta pela goela adentro daquele que
cultivava a língua venenosamente solta (EVARISTO, 2015, p. 102).
exemplo a seguir, o personagem Dorvi aparece como um ser sem ilusões, absolutamente
consciente de sua própria condição: “Não tenho ilusão. O que temos em comum é o pó do
qual somos feitos. É o pó que nos faz, mais nada. Mas o meu pó corre mais perigo. Meu pó
vira cinza rápido. Quem incendeia? Pode ser a polícia, pode ser qualquer um de nós mesmo,
grupos rivais” (EVARISTO, 2015, p. 104). Dessa forma, aos homens negros e periféricos
daquela forma de vida, sobram poucas opções que não servir ao tráfico, matar ou morrer.
Como diria Elza Soares, “a carne mais barata do mercado é a carne negra”, na canção
composta por Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette.
Se aos homens coube a falocêntrica atividade bélica relacionadao ao tráfico – não à
toa, Dorvi relata que ejaculou na primeira vez em que matou, numa relação de gozo ambígua
–, às mulheres coube o conviver com as constantes mortes de pais, filhos e maridos. Bica, que
em momento algum da narrativa teve a presença de um pai mencionada, viu morrer o irmão
Idago e está prestes a ver morrer o marido Dorvi, além dos colegas de infância. Por esse
motivo, o pacto que as personagens femininas fizeram na infância foi outro, o de unir o
sangue de suas menstruações. Ou seja, no conto, a constituição do gênero feminino, o pacto
simbólico da força desse feminino, passa pela presença do sangue. Bina, que sempre fora dada
a escrever, afirma, a partir de uma citação da qual não lembra a fonte, que “escrever é uma
maneira de sangrar” e que sua mãe “sempre costurou a vida com fios de ferro”. Bina nos diz:
“gosto de escrever palavras inteiras, cortadas, compostas, frases, não frases. Gosto de ver as
palavras plenas de sentido ou carregadas de vazio dependuradas no varal da linha. Palavras
caídas, apanhadas, surgidas, inventadas na corda bamba da vida” (EVARISTO, 2015, p. 108).
E sua narrativa acaba por explorar tensões, os limites tênues que se constituem entre a vida e a
morte, entre o medo e a coragem, entre a dor e a esperança naquele gueto que parece resistir.
Haveria futuro possível? O pacto do verbo, o pacto do corpo, é tentativa de esperança e
resistência. Nesse sentido, o pacto instituído entre homens e mulheres daquela comunidade (o
pacto de sangue entre as meninas e o combinado de não morrer dos jovens meninos do
tráfico) é mais que um acordo verbal oral, ali consiste na esperança de subversão da sina
certeira.
Bina conta o caso em que, na escola, convidada pela professora a escrever palavras no
quadro, escreveu: “pó, zoeira, maconha. E fui escrevendo mais e mais. Craque, tiro, comando
leste, oeste, norte, sul, vermelho e verde também” (EVARISTO, 2015, p. 108). É como se sua
escrita sangrasse aquilo que a professora não gostaria de ler em uma menina nas suas
condições. Da mesma forma, quando Bina recolhe fragmentos da vida de si, de Dorvi, de D.
Esterlinda, de Idago, de Neo – vidas nas quais a morte é cotidiana e sempre iminente – é
como se colocasse a sociedade na condição daquela professora, que não quer ver o quanto os
projetos de civilização, de desenvolvimento, de ordem, de progresso, se basearam na vida e na
morte desses sujeitos. Dessa forma, é como se as palavras de Bina se fizessem corpo,
presentificando a violência vivida por tantos outros sujeitos negros e marginalizados durante a
história do país. Sua palavra-corpo gesta os sentidos de tantas outras vozes, reforçando a
estrutura polifônica e fragmentária da narrativa.
3 Considerações finais
ações não aparecem nem como relativistas nem como absolutas, mas dependem das
circunstâncias que poderiam garantir a preservação da vida, a garantia da sobrevivência.
Como destacou Gayatri Spivak, em Pode o subalterno falar?, intelectuais, professores,
escritoras, pesquisadores, todos nós temos uma tarefa circunscrita que não devemos rejeitar.
Parece-nos que Conceição Evaristo não rejeita. E embora sua escrita tematize a violência
contemporânea, ela carrega a memória da história colonial e escravista sobre a qual se ergueu
nossa sociedade como forma de denúncia dessa violência e de suas complexidades. Dessa
forma, carrega a voz de tantas escritoras, negras ou não, das periferias e dos interiores, como
Maria Firmina, Helena Morley, Carolina Maria de Jesus, Mara Lopes Cançado. Por fim,
enquanto milhares de mulheres e negros forem mortos cotidianamente no país, em um
genocídio silencioso e legitimado pelas mais variadas instâncias de poder, haverá também o
silêncio das historiografias literárias, dos eventos acadêmicos, das academias de Letras e das
salas de aula a respeito de escritas como a de Conceição Evaristo, escritas capazes de sangrar
memórias condenadas ao sujo pacto do esquecimento firmado pela elite nacional,
insistentemente colonial e escravista.
Referências Bibliográficas
SPIVAK, G. Pode o subalterno falar? Trad. Sandra Almeida, Marcos Feitosa, André Feitosa.
Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.
WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Abril
Cultural, 1979. (Os Pensadores, XLVI).
WITTGENSTEIN, L. Cultura e valor. Trad. Jorge Mendes. Lisboa: Edições 70, 2000.