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12 Escritoras Negras Que Você Precisa Ler - Cultura Genial

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12 escritoras negras que você precisa ler

Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Durante muito tempo, a palavra pertencia aos homens brancos: a eles cabia descrever e
definir o mundo, por semelhança ou oposição a si mesmos.

O cânone literário é fruto dessa hegemonia masculina e branca que dominou todas as áreas
da cultura, relegando para as margens os discursos pertencentes a outras identidades.

Nas últimas décadas, leitores e teóricos começaram a perceber que precisamos de mais
perspectivas, outras formas de viver e escrever. Precisamos ler mulheres negras, conhecer as
suas obras e as suas lutas, combater o silenciamento e o apagamento histórico.

1. Maria Firmina dos Reis (1822 — 1917)

Maria Firmina dos Reis, escritora do Maranhão, se tornou a primeira romancista


brasileira com a publicação de Úrsula (1859).

A obra, centrada no romance entre a protagonista Úrsula e o bacharel Tancredo, se demarcou


da literatura da época, descrevendo os quotidianos dos escravos, dos negros e das mulheres.

Maria Firmina dos Reis, ilustração, Feira Literária das Periferias.

Denunciando as práticas de uma sociedade atravessada por injustiças e opressões, o livro é


considerado precursor do abolicionismo e uma das obras fundadoras da literatura afro-
brasileira.

Enquanto mulher afrodescencente, Maria Firmina dos Reis trouxe para a sua literatura a


possibilidade de identificação e representação. Seu contributo é incalculável, já que produziu
discursos a partir do lugar do negro brasileiro que expunham a discriminação.
A autora também escreveu contos, crônicas e poemas em diversas publicações locais. A sua
poesia, reunida no volume Cantos à beira-mar (1871), exprime uma forte tristeza e
insatisfação perante a sociedade patriarcal e escravagista.

Recentemente, com o centenário da morte de Maria Firmina dos Reis, foram feitas várias
reedições das suas obras. Surgiram também eventos e homenagens à autora, reconhecendo o
seu papel fundamental no panorama literário e social brasileiro.

Seu nome! é minha glória, é meu porvir,


Minha esperança, e ambição é ele,
Meu sonho, meu amor!
Seu nome afina as cordas de minh'harpa,
Exalta a minha mente, e a embriaga
De poético odor.

Seu nome! embora vague esta minha alma


Em páramos desertos, - ou medite
Em bronca solidão:
Seu nome é minha idéia - em vão tentara
Roubar-mo alguém do peito - em vão - repito,
Seu nome é meu condão.

Quando baixar benéfico a meu leito,


Esse anjo de deus, pálido, e triste
Amigo derradeiro.
No seu último arcar, no extremo alento,
Há de seu nome pronunciar meus lábios,
Seu nome todo inteiro!

Trecho do poema "Seu Nome", Cantos à beira-mar (1871)

Escute, abaixo, o poema "Seu Nome" de Maria Firmina dos Reis musicado pela cantora
Socorro Lira.
Leia na íntegra, em pdf: Úrsula, de Maria Firmina dos Reis.

2. Carolina Maria de Jesus (1914 — 1977)

Carolina Maria de Jesus foi uma das maiores escritoras nacionais e uma das primeiras
autoras negras brasileiras. Mãe solteira, catadora de papéis e moradora da favela do
Canindé, em São Paulo, escreveu cerca de 20 diários relatando as suas condições e
experiências de vida.

Retrato de Carolina Maria de Jesus.

Carolina de Jesus permaneceu anônima até 1960, ano em que foi publicada a obra Quarto de
Despejo: Diário de uma favelada. O livro é um marco de representatividade, com uma autora
que escreve sobre e a partir do contexto social em que vive.

A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nós quando
estamos no fim da vida é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem
sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.
Quarto de Despejo (1960)

Conheça também a análise completa do livro Quarto de Despejo.

Enquanto mulher periférica, pobre, que trabalhava e lutava pela sobrevivência, escreveu


também poemas que denunciavam as injustiças e desigualdades sociais a que estava
sujeita.

Não digam que fui rebotalho,


que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.

Folha da Noite (1958)

Sempre escrevendo a partir de suas próprias experiências, narra a discriminação racial e de


classe, a falta de oportunidades. Seus escritos comentam o fosso que separa os cidadãos de
um mesmo país, dependendo da cor da sua pele e do local onde nasceram.

Adeus! Adeus, eu vou morrer!


E deixo esses versos ao meu país
Se é que temos o direito de renascer
Quero um lugar, onde o preto é feliz.

Trecho do poema "Muitas fugiam ao me ver"

Leia também: Carolina Maria de Jesus: vida e obra

3. Conceição Evaristo (1946)

Conceição Evaristo é uma das maiores autoras nacionais afro-brasileiras. Membro da


Academia Brasileira de Letras, nas suas obras de poesia, ficção e ensaio é notória
a valorização da cultura negra e a análise do panorama social brasileiro.
Retrato de Conceição Evaristo.

Ponciá Vicêncio (2003), uma de suas obras mais célebres, acompanha o percurso de vida da
protagonista, descendente de escravos, do meio rural até à periferia urbana.

Essa narrativa de diáspora propõe reflexões sobre o presente e o passado, deixando evidente
uma herança de exclusão e marginalização. Militante dos movimentos sociais, Conceição
Evaristo também imprime na sua poesia marcas de discriminações raciais, de classe e de
gênero.

Vozes-mulheres

A voz de minha bisavó


ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.

Poemas da recordação e outros movimentos (2008)

Questionando a representação das identidades negras na literatura nacional, expõe os


preconceitos que continuam presentes na cultura e no imaginário do povo brasileiro.

Através da denúncia das desigualdades, chama a atenção para a situação vulnerável das
mulheres negras, oprimidas simultaneamente pelo racismo e o machismo da sociedade.

Assim, a literatura de Conceição Evaristo é sinônimo de representatividade, já que através


dela uma mulher negra reflete sobre a sua condição social e as lutas inerentes que trava.

Eu-Mulher

Uma gota de leite


me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.

Poemas da recordação e outros movimentos

4. Djamila Ribeiro (1980)

Djamila Ribeiro é uma escritora, acadêmica, filósofa e ativista brasileira. Se tornou notória
pelas suas contribuições para os movimentos sociais que lutam pelos diretos das mulheres e
dos cidadãos negros.

Seu trabalho começou por ser divulgado na internet, através da publicação de textos em
várias plataformas. Djamila, como outras teóricas, propõe que o espaço cibernético oferece
uma alternativa à mídia que reproduz os preconceitos da sociedade.
Retrato de Djamila Ribeiro.

No seu primeiro livro, O que é lugar de fala? (2017), a autora chama a atenção para
o silenciamento a que algumas camadas da sociedade estão submetidas. Defendendo
a necessidade de múltiplas vozes e histórias na nossa cultura, afirma a importância de
desafiar o cânone masculino e branco que vigora.

A obra questiona quem pode falar na nossa sociedade, quem tem direito a voz, à existência,
ao discurso enquanto forma de poder. Ao mesmo tempo que a visão do homem branco é
encarada enquanto universal, diversas identidades continuam sendo relegadas para o lugar
do "outro".

Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa
sociedade que insiste em negá-la.

Djamila defende que cada indivíduo fala a partir de um lugar social, de uma localização nas
estruturas de poder que partilha experiências em comum. Sublinha, assim, a importância de
cada um de nós, partindo do lugar onde está, pensar de que modos pode contribuir para uma
sociedade mais justa e livre de preconceito.

Como negra, não quero mais ser objeto de estudo, e sim o sujeito da pesquisa.

No seu segundo livro, Quem tem medo do feminismo negro? (2018), reúne textos que publicou,
entre 2013 e 2017, no blog da revista CartaCapital. Em seus escritos, Djamila continua as suas
reflexões sobre os processos de silenciamento impostos à população feminina e negra,
dialogando com autoras contemporâneas e comentando casos da atualidade.

Assista, abaixo, a palestra da autora na conferência TEDxSão Paulo, em 2016:

5. Mel Duarte (1988)

Mel Duarte é uma poeta brasileira, vencedora do campeonato internacional de poesia Rio


Poetry Slam (2016) e uma das organizadoras do Slam das Minas, em São Paulo.

A Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) de 2016 ajudou a projetar o seu trabalho,
quando os vídeos de seus poemas foram vistos e partilhados por um vasto público.
Retrato de Mel Duarte.

No mesmo ano, a autora publicou seu segundo livro, Negra Nua Crua. Sua poesia é marcada
por uma forte componente social, atravessada por temas como o machismo e o racismo
institucionais.

Em declarações à imprensa, Mel afirma que não tem como objetivo agradar a crítica nem
receber premiações. Aquilo que move a poeta é a possibilidade de comunicar com a
juventude, passar mensagens de empoderamento, principalmente para o seu público mais
novo.

Preta:
Mulher bonita é a que vai a luta!
Que tem opinião própria e não se assusta
Quando a milésima pessoa aponta para o seu cabelo e ri dizendo que ele está ‘’em pé’’
E a ignorância dessa coitada não a permite ver...
Em pé, armado,
Foda-se! Que seja!
Pra mim é imponência!
Porque cabelo de negro não é só resistente,
É resistência.

Trecho do poema "Menina Melanina"

Escrevendo sobre temas como opressão feminina, discriminação racial e cultura do estupro,
encara a criação poética como uma arma para combater o preconceito e a ignorância.
Seus poemas promovem a autoestima, a resistência e o poder negro, com palavras de
inspiração e transformação social.

Vejo que nós, negras meninas


Temos olhos de estrelas,
Que por vezes se permitem constelar

O problema é que desde sempre nos tiraram a nobreza


Duvidaram das nossas ciências,
E quem antes atendia pelo pronome alteza
Hoje, pra sobreviver, lhe sobra o cargo de empregada da casa

É preciso lembrar da nossa raiz


semente negra de força matriz que brota em riste!
Mãos calejadas, corpos marcados sim
Mas de quem ainda resiste.

E não desiste negra, não desiste!


Mantenha sua fé onde lhe couber
Seja Espírita, Budista, do Candomblé.
É teu desejo de mudança,
A magia que trás na tua dança,
Que vai lhe manter de pé.

Trecho do poema "Não desiste negra, não desiste!"

Assista, abaixo, o vídeo Pense Grande que a poeta fez em parceria com a Fundação Telefônica:
6. Ryane Leão (1989)

Ryane Leão é uma poeta, professora e ativista brasileira que se tornou célebre através da
publicação os seus textos no Facebook e na conta do Instagram @ondejazzmeucoracao.

Em 2017, lançou Tudo Nela Brilha e Queima, livro onde reúne "poemas de luta e amor" com
teor autobiográfico.

Retrato de Ryane Leão.

Atualmente, a influenciadora digital tem mais de 400 mil seguidores que se inspiram com as
suas publicações e ajudam a divulgar o seu trabalho.

Abordando inúmeras experiências e situações, seus versos conduzem a reflexões profundas


acerca do modo como vivemos e nos relacionamos.

que ideia mais estúpida


achar que é melhor sentir dor
a não sentir nada

elevamos o sentir a níveis tão errados


que preferimos atear fogo em nós mesmas
a conviver com nossos vazios.
Tudo Nela Brilha e Queima (2017)

Militante do feminismo negro, a autora encara a poesia como forma de comunicar com outras
mulheres. Recomenda que tenham fé em si mesmas, cultivem o amor próprio e
a autoaceitação, buscando ambientes saudáveis onde sejam respeitadas e possam evoluir.

Moça,
sobre lugares e pessoas:
se não puder ser você mesma
vá embora

7. Paulina Chiziane (1955)

Paulina Chiziane é uma escritora moçambicana que se tornou a primeira mulher a publicar
um romance no seu país, com Balada de Amor ao Vento (1990).

Moçambique foi um dos países africanos colonizados por Portugal, ficando sob o seu domínio
durante mais de 400 anos, até 1975. Durante a década de 60, surgiu a Frente de Libertação de
Moçambique (FRELIMO), partido onde Paulina militou.

Retrato de Paulina Chiziane.

Suas obras literárias se centram no contexto social, político e cultural do seu país, que esteve
em guerra civil de 1977 a 1992.
Durante séculos, as mulheres africanas eram apenas representadas através de discursos
europeus que perpetuavam falsas imagens e estereótipos negativos.

Com escritoras como Paulina Chiziane, estas mulheres viraram sujeitos e não apenas
objetos das criações literárias. Em suas obras, a autora reflete sobre a posição das figuras
femininas naquela sociedade e a submissão a que estão sujeitas.

Cerramos as nossas bocas e as nossas almas. Por acaso temos direito à palavra? E por mais
que a tivéssemos, de que valeria? Voz de mulher serve para embalar as crianças ao
anoitecer. Palavra de mulher não merece crédito. Aqui no sul, os jovens iniciados aprendem
a lição: confiar numa mulher é vender a tua alma. Mulher tem língua comprida, de
serpente. Mulher deve ouvir, cumprir, obedecer.

Niketche (2002)

Em Niketche (2002), um de seus livros mais famosos, se debruça sobre a poligamia, prática


comum na região.

Rami, a narradora-protagonista, conta a história da sua vida com o marido e suas outras
mulheres. Tendo a família como valor basilar, esse modo de viver e encarar o mundo parece
reduzir as identidades femininas a meras esposas e cuidadoras.

Mães, mulheres. Invisíveis, mas presentes. Sopro de silêncio que dá a luz ao mundo.
Estrelas brilhando no céu, ofuscadas por nuvens malditas. Almas sofrendo na sombra do
céu. O baú lacrado, escondido neste velho coração, hoje se abriu um pouco, para revelar o
canto das gerações. Mulheres de ontem, de hoje e de amanhã, cantando a mesma sinfonia,
sem esperança de mudanças.

Niketche (2002)

8. Noémia de Sousa (1926 — 2002)

Noémia de Sousa foi uma poeta, jornalista, tradutora e militante moçambicana, lembrada
como a "mãe dos poetas moçambicanos". Durante a época em que viveu em Portugal, se
posicionou contra o regime ditatorial de Salazar e acabou tendo que abandonar o país.
Retrato de Noémia de Sousa.

Colaborou, como jornalista e poeta, com diversos jornais e revistas. Em 2001, a Associação
dos Escritores Moçambicanos lançou a antologia Sangue Negro que reúne a poesia que
escreveu entre os anos de 1949 e 1951.

Seus versos espelham a revolta, o cansaço e os protestos de um povo colonizado. Suas


palavras demonstram uma forte consciência social, denunciando o racismo e a discriminação
que vivia.

Lição

Ensinaram-lhe na missão,
Quando era pequenino:
“Somos todos filhos de Deus; cada Homem
é irmão doutro Homem!”

Disseram-lhe isto na missão,


quando era pequenino.
Naturalmente,
ele não ficou sempre menino:
cresceu, aprendeu a contar e a ler
e começou a conhecer
melhor essa mulher vendida
̶ que é a vida
de todos os desgraçados.

E então, uma vez, inocentemente,


olhou para um Homem e disse “Irmão…”
Mas o Homem pálido fulminou-o duramente
com seus olhos cheios de ódio
e respondeu-lhe: “Negro”.

Sangue Negro (2001)

Fica sempre patente o seu desejo de liberdade e a esperança em dias melhores que trariam
uma transformação social iminente.

Outra característica fundamental da sua obra é o modo como reflete os valores e as tradições
de Moçambique, promovendo a valorização da própria cultura. A autora se tornou uma
enorme inspiração para diversos artistas africanos e afrodescendentes.

Tirem-nos tudo,
mas deixem-nos a música!

Tirem-nos a terra em que nascemos,


onde crescemos
e onde descobrimos pela primeira vez
que o mundo é assim:
um labirinto de xadrez…

Tirem-nos a luz do sol que nos aquece,


a tua lírica de xingombela
nas noites mulatas
da selva moçambicana
(essa lua que nos semeou no coração
a poesia que encontramos na vida)
tirem-nos a palhota ̶ humilde cubata
onde vivemos e amamos,
tirem-nos a machamba que nos dá o pão,
tirem-nos o calor de lume
(que nos é quase tudo)
̶ mas não nos tirem a música!

Assista à leitura do poema "Súplica" por Emicida:


9. Alice Walker (1944)

Alice Walker é uma escritora e poeta norte-americana que tem se dedicado amplamente ao
ativismo pelos direitos civis. Durante a juventude, por causa da segregação racial, frequentou
o Butler Baker High School, um colégio só para alunos negros.

Retrato de Alice Walker.

Logo se envolveu com a militância no movimento dos direitos civis e acabou sendo
perseguida por grupos de supremacia branca, como a Ku Klux Klan.

Nós não somos brancos. Não somos europeus. Somos pretos que nem os africanos. E nós e
os africanos estaremos trabalhando juntos por um objetivo comum: uma vida melhor para
os negros do mundo todo.

A Cor Púrpura (1983)

Em 1983, lançou sua obra mais famosa, A Cor Púrpura, um romance epistolar, composto por
cartas que a protagonista, Celie, escreve para Deus e para a sua irmã.

Nessa correspondência, que nunca chega a ser enviada, a narradora-protagonista conta os


eventos dramáticos de sua vida. Sofrendo abusos sexuais do próprio pai desde a infância, a
mulher teve dois filhos com ele e acabou sendo forçada a casar com um homem branco que
também é violento.

Minha pele é escura. Meu nariz é apenas um nariz. Meu lábio é só um lábio. Meu corpo é só
um corpo de mulher passando pelas mudança da idade. Nada especial aqui para alguém
amar. Nada de cabelos enrolado cor de mel, nada de bonitinho. Nada novo ou jovem. Mas
meu coração deve ser novo e jovem pois parece que ele floresce com a vida.

A Cor Púrpura (1983)

A narrativa é passada durante os anos 30, no sul do país, território marcado pelo racismo
extremo e as práticas de segregação. Esse ambiente de opressão ecoa por todo o livro,
motivando reflexões acerca da condição feminina e da negritude.

A obra utiliza um registro de linguagem próximo da oralidade, com regionalismos e erros de


gramática, procurando representar o jeito como aquelas mulheres falariam.

O romance foi adaptado para o cinema em 1985, com a direção de Steven Spielberg. Veja
o trailer aqui:
10. Maya Angelou (1928 — 2014)

Marguerite Ann Johnson, mais conhecida pelo pseudônimo literário Maya Angelou, foi uma
notória escritora, poeta e ativista norte-americana. Dotada de muitos talentos, também foi
roteirista, diretora de cinema, atriz, professora, jornalista, historiadora, cantora e bailarina.

Retrato de Maya Angelou.

Sua obra literária é bastante vasta, contando com vários livros de poesia, ensaios, peças de
teatro, filmes e sete autobiografias. Entre elas se destaca Eu sei porque o pássaro canta na
gaiola (1969), na qual a autora se debruça sobre os tempos da sua infância e adolescência.

Quando era criança, Maya Angelou foi abusada sexualmente pelo namorado da mãe e contou
aos familiares. O criminoso acabou sendo assassinado e a menina ficou traumatizada, o que a
conduziu a um mutismo que se prolongou por anos.

O contacto com a literatura e a poesia foi o seu caminho de salvação. Através de seus escritos,
refletiu sobre temas sociais como identidade, racismo e machismo.
Mulher Fenomenal

Lindas mulheres indagam onde está o meu segredo


Não sou bela nem meu corpo é de modelo
Mas quando começo a lhes contar
Tomam por falso o que revelo

Eu digo,
Está no alcance dos braços,
Na largura dos quadris
No ritmo dos passos
Na curva dos lábios
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Quando um recinto adentro,


Tranqüila e segura
E um homem encontro,
Eles podem se levantar
Ou perder a compostura
E pairam ao meu redor,
Como abelhas de candura

Eu digo,
É o fogo nos meus olhos
Os dentes brilhantes,
O gingado da cintura
Os passos vibrantes
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Mesmo os homens se perguntam


O que vêem em mim,
Levam tão a sério,
Mas não sabem desvendar
Qual é o meu mistério
Quando lhes conto,
Ainda assim não enxergam

É o arco das costas,


O sol no sorriso,
O balanço dos seios
E a graça no estilo
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal
Assim sou eu

Agora você percebe


Porque não me curvo
Não grito, não me exalto
Nem sou de falar alto
Quando você me vir passar,
Orgulhe-se o seu olhar

Eu digo,
É a batida do meu salto
O balanço do meu cabelo
A palma da minha mão,
A necessidade do meu desvelo,
Porque eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu.

Trecho do poema "Mulher Fenomenal"

Maya Angelou foi uma das primeiras autoras afro-americanas a escrever sobre as suas
vivências. Se tornou uma grande inspiração para várias gerações de leitores, com mensagens
de autoestima, inclusividade e respeito pelo próximo.

Promovendo a compreensão e o amor como formas de combater a ignorância e o medo, Maya


Angelou é um ícone de poder e resistência negra.
Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.

Trecho do poema "Ainda assim eu me levanto"

Confira, abaixo, a leitura de Ainda assim eu me levanto pelas artistas brasileiras Mel Duarte,
Drik Barbosa e Indira Nascimento:

11. bell hooks (1952)

Gloria Jean Watkins, mais conhecida pelo pseudónimo bell hooks, é uma escritora, teórica e
ativista feminista norte-americana. Durante a juventude, frequentou escolas apenas para
negros, por causa das medidas de segregação racial que vigoravam.

Desde cedo foi confrontada com as realidades de uma sociedade racista e patriarcal, à qual
procura responder com o seu trabalho literário e acadêmico.
Retrato de bell hooks.

A autora publicou mais de trinta obras entre estudos culturais, teoria, histórias infantis,
memórias e poemas. Suas reflexões estão assente em três fatores determinantes: gênero,
raça e classe.

Infinitas vezes, os esforços das mulheres negras para falar, quebrar o silêncio e engajar-se
em debates políticos progressistas radicais enfrentam a oposição. Há um elo entre a
imposição de silêncio que experimentamos e censura anti-intelectualismo em contextos
predominantemente negros que deveriam ser um lugar de apoio (como um espaço onde só
há mulheres negras), e aquela imposição de silêncio que ocorre em instituições onde se
dizem as mulheres negras e de cor que elas não podem ser plenamente ouvidas ou
escutadas porque seus trabalhos não são suficientemente teóricos.

Em Não serei eu mulher? (1981), uma das suas obras mais famosas, e também nas teorizações
que produziu depois, reflete sobre os movimentos sociais e construção do feminismo
negro nos Estados Unidos.

Embora não utilize esse termo (que foi cunhado por Kimberlé Crenshaw em 1989), aquilo que
propõe é uma perspetiva interseccional das opressões, ou seja, a compreensão de que as
discriminações se cruzam e potenciam entre si.
Desde do início do meu envolvimento com o movimento de mulheres fiquei incomodada
pela insistência das mulheres brancas liberacionistas para quem a raça e o sexo eram duas
questões separadas. A minha experiência de vida mostrou-me que as duas questões são
inseparáveis, que no momento do meu nascimento, dois fatores determinaram o meu
destino, ter nascido negra e ter nascido mulher.

Uma verdadeira visionária, bell hooks descreveu conceitos que só agora começam a ser
conhecidos e compreendidos pelo público geral. Até hoje, continua sendo uma das principais
teóricas do movimento das mulheres e do feminismo negro e marcando presença nas
discussões sobre a cultura afrodescendente.

12. Chimamanda Ngozi Adichie (1977)

Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora e ativista nigeriana que tem alcançado um
imenso sucesso internacional e conquistado novos leitores para a literatura africana
contemporânea. A autora publicou uma obra de poesia e outra de teatro mas aquilo que a
tornou célebre foi a sua prosa. Em 2003, lançou Hibisco Roxo, o seu primeiro romance,
passado na Nigéria do pós-colonialismo.

Retrato de Chimamanda Ngozi Adichie.

Chimamanda também tem sido uma importante palestrante e oradora sobre feminismo e
direitos das mulheres. Falando com mulheres e homens e pedindo que Sejamos Todos
Feministas (2014), problematiza as causas e consequências de uma sociedade patriarcal.

Se uma mulher tem poder, porque é que é preciso disfarçar que tem poder? Mas a triste
verdade é que o nosso mundo está cheio de homens e de mulheres que não gostam de
mulheres poderosas. Fomos tão condicionados a pensar no poder como masculino que uma
mulher poderosa é considerada uma aberração.

Nos anos de 2009 e 2012, Chimamanda participou das famosas Ted Talks com os discursos "O
perigo das histórias únicas" e "Sejamos todos feministas". O segundo acabou sendo
transformado em livro, publicado em 2014, e inspirando a cantora pop Beyoncé que usou
algumas das suas frases mais famosas na música Flawless (2013).

Ensinamos as meninas a se encolher, a se diminuir, dizendo-lhes: “Você pode ter ambição,


mas não muita. Deve almejar o sucesso, mas não muito. Senão você ameaça o homem. Se
você é a provedora da família, finja que não é, sobretudo em público. Senão você estará
emasculando o homem".

Escute e assista Flawless, a parceria das duas:

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