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Globalização e Mundialização

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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE GLOBALIZAÇÃO, MUNDIALIZAÇÃO E

CULTURA

Ana Maria da Silva Rodrigues


Doutoranda em Ciência da Informação/UFMG
Universidade Federal do Piauí/Departamento de Educação Física
Rua Carlos Alves, 43/303 - São José - Pampulha - Belo Horizonte - MG
Tel: 0XX-31-499-6128 nina@eb.ufmg.br

Cristina Maria Viana Camilo de Oliveira


Bibliotecária
Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira - FUNCESI
Rod. MG3 - Córrego Seco - Areão - Itabira - MG
Tel/fax: 0XX-31-831-6055 cmvc_oliveira@funcesi.br

Maria Cristina Vieira de Freitas


Especialista em Conservação de Obras sobre Papel
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais/UNED de Araxá
Rua N. Sra. da conceição, 20/102 - centro - Araxá - MG - CEP: 38.183-216
Tel: 0XX-34-662-7819 Fax: 0XX-34-662-5980 cristina.aax@zaz.com.br

RESUMO: o presente artigo pretende apontar algumas reflexões acerca do processo de


mundialização da cultura, situando-a no contexto da globalização da economia e do
surgimento das novas tecnologias de informação. Em meio a este processo, encontra-se o
homem, criador e criatura responsável pelo produto de sua ação consciente no mundo e
inserido no corpo social .

PALAVRAS-CHAVE: globalização, mundialização, informação, identidade, cultura.

ABSTRACT: this article aims to unfold some reflections related to the process of culture
mundialization, within the context of economic globalization and the emergence of new
information tecnology. Man, creature and creator, an integral part of the social structure,
finds himself involved in this process and is responsible for the repercussions of his
conscious actions in the world.

KEY WORDS: globalization, mundialization, information, identity, culture.

Da minha aldeia eu posso ver o mundo. Sou


do tamanho do meu pensamento e não da
minha altura..

Fernando Pessoa

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tenta fazer algumas reflexões sobre a globalização, mostrando que ela se
insere no quadro das transformações econômicas das últimas décadas do século XX, que
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trouxeram ao homem uma nova visão de mundo e uma nova forma de inserção no meio
social. No bojo destas transformações, encontra-se a cultura, enquanto produto humano
historicizado e por vezes submetida ao imperativo do que convencionou-se designar como
nova ordem mundial.
Se, por um lado, fica claro que as sociedades contemporâneas vêm sendo moldadas
de acordo com as regras da sociedade global - aqui compreendida como processos,
estruturas de diversas ordens, que funcionam por vezes de modo desigual e contraditório - ,
por outro, importa tentar decifrar o papel do homem que se forma e ocupa o seu espaço
enquanto cidadão, num mundo sacudido por tantas transformações. Haverá alguma
possibilidade de uma inserção crítica deste homem, ou os fenômenos de tendência
mundializante, que agora são percebidos com muita intensidade, sufocarão as
possibilidades locais de manifestação da identidade social e mesmo de resistência cultural?
O futuro é incerto. As tendências são amplas e variadas. Certo, no entanto, é o fato
de que o homem é o protagonista máximo nas cenas do cotidiano que ele próprio
descortina. Isto não pode ser perdido de vista na sua própria análise.

2. A GLOBALIZAÇÃO ENQUANTO PROCESSO

O que é globalização? Existe mesmo uma sociedade globalizada?


Muitos autores consideram que sim. ORTIZ (1994) é cauteloso, embora
compreenda que várias situações e vivências cotidianas nos levam a pensar que estamos
vivendo esta realidade. É a chegada do mundo até nós. Sem sairmos de onde estamos,
podemos estar onde quisermos. Quebraram-se as barreiras do tempo e do espaço. Para
IANNI, "a Terra mundializou-se de tal maneira que o globo deixou de ser uma figura
astronômica para adquirir mais plenamente sua significação histórica" (apud ALVAREZ,
1999, p.97).
De fato, o termo globalização tem sido usado para

"caracterizar um conjunto aparentemente bastante heterogêneo de fenômenos que ocorreram ou


ganharam impulso a partir do final dos anos 80 - como a expansão das empresas transnacionais, a
internacionalização do capital financeiro, a descentralização dos processos produtivos, a revolução
da informática e das telecomunicações, o fim do socialismo de Estado na ex-URSS e no Leste
Europeu, o enfraquecimento dos Estados nacionais, o crescimento da influência cultural norte -
americana etc. -, mas que estariam desenhando todos uma efetiva "sociedade mundial", ou seja, uma
sociedade na qual os principais processos e acontecimentos históricos ocorrem e se desdobram em
escala global". ( ALVAREZ,1999, p. 97)

Diante da definição do autor, percebe-se que falar de globalização envolve vários


fenômenos - de caráter político, social, econômico e cultural - que vêm acontecendo ao
longo dos anos e têm sido percebidos mais fortemente nas últimas décadas, em escala
mundial. Percebe-se com isto, que a globalização deve ser vista como processo, como algo
inter-relacionado e, por conseguinte, muito complexo.
Nos últimos anos, muitos estudos têm sido apresentados sobre o tema e alguns
pontos de reflexão se nos apresentam. É uma revolução ou uma evolução do contínuo
processo de desenvolvimento das civilizações? É algo que tem como culminância a
integração das nações, com a conseqüente quebra de barreiras e diferenças, ou é algo que
veio para romper com o sonho de um planeta-nação e aumentar as diferenças entre os
povos?
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Para SANTOS (2000) a globalização constitui-se numa revolução que se projeta


como um fator de discriminação e de aprofundamento das diferenças sociais. Deste modo,

"marca a ruptura nesse processo de evolução social e moral que se vinha fazendo nos séculos
precedentes. É irônico recordar que o progresso técnico aparecia, desde os séculos anteriores, como
uma condição para realizar essa sonhada globalização com a mais completa humanização da vida do
planeta. Finalmente, quando esse processo técnico alcança um nível superior, a globalização se
realiza, mas não a serviço da humanidade". (p.65)

Decerto que não se está diante de algo novo. O que se vive é resultante do processo
de modernização da sociedade ocidental (ALVAREZ, 1999; CASTELLS, 1999; ORTIZ,
1994). E, por constituir-se em um fenômeno tão complexo, muitas análises tendem a
reduzir todo esse processo a uma visão eminentemente economicista, porque parecem
compreender que as "transformações econômicas repercutem automaticamente no conjunto
da sociedade, devendo todas as demais esferas se adequarem aos imperativos da economia
de mercado mundializada" (ALVAREZ, 1999, p.98).
Este fato é levantado por ORTIZ (1994), que chama a atenção para a necessidade
de uma postura mais crítica, pois a interação entre as dimensões econômicas, políticas e
culturais não pode ser negada ou esquecida. Além disso, as relações estabelecidas entre
elas estão longe de se acomodarem a qualquer tipo de determinismo. A emergência e/ou
existência de uma sociedade globalizada não ocorre de maneira uniforme, até porque o
mundo é composto de nações vivendo em diferentes estágios de desenvolvimento.
Neste sentido, a globalização não deve ser vista como um processo homogêneo, o
qual levaria a uma expansão e uniformização em todas as sociedades. Ao contrário, o que
se tem é um processo de desenvolvimento social bastante descontínuo, seletivo e
excludente.
CASTELLS (1999a), por sua vez, considera que o momento atual é percebido
através de uma mudança em nossa cultura material, como o resultado de um novo
paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. Esse
paradigma tem como pressuposto a aplicação de conhecimento na geração de novos
conhecimentos e dispositivos, num contínuo de inovação, uso e processamento da
informação. O autor considera que o processo não se dá de forma homogênea, admitindo,
pois, a existência de várias Sociedades da Informação, com suas diversidades e
especificidades.
Para GUEDES & De PAULA (1999), a compreensão do conceito de Sociedade da
Informação se dá a partir de critérios não mutuamente excludentes - tecnológico,
econômico, ocupacional, espacial e cultural - que a distinguem de outros tipos de
sociedades. Isso equivale a dizer que a compreensão da sociedade da informação enfatiza
as inovações tecnológicas, onde o avanço no processamento, armazenamento e transmissão
de informação leva ao uso destas tecnologias em todas as esferas da sociedade. Continua,
afirmando que esta informação passa a ter um valor econômico tal, que permite qualificar e
quantificar as sociedades, conforme o seu acesso e uso. Assim, percebe-se na sociedade da
informação uma mudança ocupacional, com o predomínio de funções e cargos na área da
informação, cuja ênfase está nas redes que conectam as localidades, o que resulta em uma
nova ordem conceitual de espaço e tempo. Conseqüentemente, os fatores culturais sofrem
transformações visíveis nas vivências cotidianas, pelo aumento da circularidade da
informação, da influência da mídia e da profusão de significados simbólicos que envolvem
o indivíduo.
Entretanto, GUEDES & De PAULA (1999) questionam a existência da sociedade
da informação e, ainda, a existência de uma revolução. Consideram que há apenas uma
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continuidade no processo de desenvolvimento da sociedade, não acreditando que as novas


tecnologias da comunicação e informação possam ser a força propulsora para uma nova
era. Questionam, sobretudo, a coerência da abordagem centrada no determinismo
tecnológico, até porque essas tecnologias não são compartilhadas por todas as sociedades
(ou por todos em uma dada sociedade).
Ao caracterizar a sociedade da informação, percebe-se, de forma mais clara, que o
processo de globalização e a caracterização da sociedade dele resultante, ainda se
apresentam bastante imprecisos. Embora percebamos que algo está acontecendo, é difícil
delimitar e apresentar uma visão clara disto. Qualquer leitura destes acontecimentos acaba
por privilegiar uma dimensão, quer seja econômica, tecnológica ou cultural.
Decerto que o momento atual tem gerado mudanças sociais que apresentam as
tecnologias da comunicação e informação como um fator importante, mas estas têm
ocorrido muito mais pela forma como estas tecnologias estão sendo utilizadas, na medida
em que, uma vez incorporadas ao cotidiano, elas exigem competências e habilidades que
muitos não possuem, gerando o desemprego. Some-se a isso, o fato de que têm acentuado
as desigualdades sociais, pois a informação advinda do acesso e uso eficiente das
tecnologias de comunicação e informação assumem um valor econômico, gerando as
distinções sociais. Por isso se diz que, atualmente, quem tem a informação detém o poder.
Para SANTOS (2000) o mundo atual está unificado por técnicas transmitindo a
idéia de uma ação humana mundializada, com culturas e informações integradas, mas que
na realidade possui uma ideologia baseada na dupla tirania do dinheiro e da informação,
que solidificam uma globalização perversa, causando mais exclusão política, econômica e
social. Para o autor, as desigualdades resultantes de todo esse processo mundial, em meio
século, contemplaram os países subdesenvolvidos com pelo menos três formas de pobreza:
incluída, marginalidade e estrutural. A primeira, seria uma "pobreza acidental, às vezes
residual ou sazonal, produzida em certos momentos do ano, uma pobreza intersticial e,
sobretudo, sem vasos comunicantes" (p.69). Uma outra, bastante estudada, é a chamada
marginalidade, em que países são colocados à margem devido ao processo econômico da
divisão do trabalho - internacional ou interna. Esta última, apesar de bem mais complexa, é
percebida como um processo reversível, sendo que a mudança estaria a cargo dos
governantes. No presente, contudo, o que temos é um outro tipo de pobreza, a estrutural,
que do ponto de vista moral equivale a uma dívida social. É uma pobreza que está sendo
disseminada globalmente, embora mais presente nos países subdesenvolvidos.
Por conseguinte, o autor considera que a globalização e suas conseqüências são
muito mais um produto da ideologização de grupos hegemônicos do que de contingências
históricas. Estamos vivendo uma fase de transição, em que se percebe vários sinais de
resistência (movimentos paralelos), sendo que as populações envolvidas no atual processo
de exclusão (pobreza estrutural) podem constituir-se em foco de mudança. A compreensão
do que se está passando chega com clareza crescente aos pobres e aos países pobres, cada
vez mais numerosos e carentes. É provável que a partir da percepção de escassez ou
exclusão, uma tomada de consciência possa acontecer. É no homem, pois, que está a
esperança de construção de um novo mundo, não na atual política de desenvolvimento
sócio-econômico e técnico-informacional.
De fato, atualmente uma vivência globalizada é percebida no cotidiano, entretanto,
não se pode conceber um mundo globalizado (em suas diferentes instâncias) que não seja
pelo acesso ao novo, pela compreensão, aceitação e assimilação deste, pelas
pessoas/sujeitos da história inseridas no contexto.
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3. O PROBLEMA DA IDENTIDADE CULTURAL NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

Dentro deste panorama, traçado pela globalização enquanto um processo político-


econômico em escala mundial, o homem se vê diante de uma crise que atinge também a
esfera sócio-cultural - ainda que o alvo imediato não tenha sido este - e alcançando o
espaço de construção e manifestação das diversas identidades culturais, nos níveis local -
regional e mundial, impondo muitas vezes mudanças na sua trajetória.
Quanto a isso, CASTELLS (1999b) lembra que atualmente nossas sociedades estão
se estruturando em uma oposição bipolar entre a "Rede e o Ser". E, dentro deste contexto,
marcado pela desestruturação das organizações sociais em todos os níveis, a identidade
surge como uma fonte de significado. Assim, se por um lado as tecnologias da informação
estão integrando o mundo em redes globais, por outro, a tendência social e política
característica da década é a construção da ação social e das políticas em torno das
"identidades primárias".
Então, fica claro que para compreender e situar o homem no palco das
transformações sociais resultantes das novas tecnologias de informação, desenvolvidas
sobremaneira no último quartel do século que finda, é necessário uma reflexão à luz de
determinados conceitos, que dão conta de identificar fenômenos como a
internacionalização, a globalização e a mundialização. Sobretudo, quando se percebe que
a literatura acadêmica disponível sobre o tema, muitas vezes diverge em suas próprias
análises.
PAIVA (1998), mostra que a mundialização deve ser compreendida historicamente
como uma ampliação das fronteiras geográficas, expansão territorial e construção de
impérios, de acordo com os objetivos empreendidos pelas grandes nações num dado
momento. A globalização, então, seria vista neste contexto como o agente consolidador de
uma tendência imperialista, utilizando-se para tanto de dispositivos ordenadores da lógica
do mercado e do capital.
ORTIZ (1994) amplia a sua análise para além das questões de ordem econômica,
procurando estabelecer uma diferenciação entre os termos mundialização e
internacionalização, no campo cultural. De acordo com ele, a internacionalização da
economia foi simplesmente a ampliação das atividades econômicas, ultrapassando os
limites das fronteiras nacionais e geográficas dos países. A atual globalização econômica,
ao contrário, reveste-se de um caráter qualitativamente distinto, porque apresenta-se como
uma forma mais avançada e complexa da internacionalização, estendendo os seus limites à
produção, distribuição e consumo de bens e serviços, que no novo contexto passam a ser
organicamente pensados e engendrados a partir de uma visão mundial de mercado. A
mundialização, por fim, circunscreve-se ao domínio específico da cultura, que deve ser
pensada como totalidade e processo e não como um simples fenômeno resultante da
globalização. Dentro desta ótica, conclui que o termo "cultura mundializada" deve ser
empregado para designar as civilizações onde a territorialidade esteja submetida aos
parâmetros globalizantes.
Embora um pouco divergentes, estas análises nos fazem refletir que a questão
cultural neste novo mundo reveste-se de grande complexidade, porque estamos tratando de
um objeto que se manifesta no nível local-regional, mas que, em contrapartida, passa a ser
enxergado por uma tendência mundial.
Na ótica das Ciências Sociais, o homem é o sujeito do mundo que cria, na medida
em que age e interage no espaço de convivência social. Assim, torna-se especialmente
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pertinente entender quem é este sujeito local que passa a atuar no processo global e os
resultados de sua ação objetiva dentro deste mesmo processo.
MORIN (1996) afirma que a vida atualmente se processa em sociedades onde a
autonomia do sujeito emerge a partir do momento em que ele faz a escolha de seus valores
e inicia o processo de construção de identidade e significado com eles.
Sabe-se que a identidade individual é um processo resultante da diferenciação do
"eu" em relação ao "outro" e do processo de construção das significações, daí advindo. Na
formação da identidade social, por outro lado, há também a necessidade da convivência
dos homens em torno de um espaço comum e circunscrito - o território - onde as
experiências vão se somando, incorporando ao cotidiano e gerando uma memória coletiva.
Desta percepção das diferenças, surgem os modelos ou padrões culturais que
caracterizam os grupos sociais - biológica, artística, lingüistica e materialmente. A cultura
é dinâmica, histórica e resulta da intervenção humana sobre o mundo e, por extensão, das
escalas de valores que vão sendo criadas no cotidiano comunitário.
CASTELLS (1999b) define a identidade como o processo de construção de
significado com base em um atributo cultural, ou mesmo atributos culturais inter-
relacionados, que prevalecem sobre outras fontes de significado, podendo haver, para um
mesmo indivíduo, enquanto ser coletivo, identidades múltiplas. Já o significado, na sua
visão, seria a identificação simbólica que se constrói em torno do fim último de uma ação
praticada pelos "atores sociais".
Todas estas análises remetem à necessidade de um aprofundamento em relação à
questão do problema da identidade cultural no mundo atual, especialmente porque o
momento é marcado não apenas pela crise - significando escolha - mas também pela
tendência aos paradoxos conflitantes, produtos de visões extremamente diferenciadas do
que comumente se define como era global.
ORTIZ (1994) chama a atenção para este fato, quando afirma que o debate sobre a
mundialização assenta-se em antagonismos e tendências concorrentes, onde a opção
teórica por um pólo automaticamente implica na exclusão do outro. Identifica as
terminologias local/global, fragmentação/unicidade, heterogêneo/homogêneo como os
corolários desta visão. Continuando a análise, critica esta forma de pensamento dualista,
porque não dá conta de analisar a totalidade da questão, em função do seu raciocínio
excludente, que desconsidera, por exemplo, que o local não está necessariamente em
contradição com o global, mas, articula-se com ele.
Parece que as divergências de pensamento se instauram sempre que se adota a
tendência a privilegiar um campo do saber intelectual, em detrimento da análise dos
demais. Deste modo, as tendências economicistas vão debruçar-se sobre o tema da
globalização e seus efeitos nas finanças mundiais. Por outro lado, as ciências humanas e
sociais, vão tentar identificar no homem, nos grupos e na cultura, a chave para entender o
problema e propor soluções.
Importa entender que, qualquer que seja a proposta de análise, ela deve passar por
uma reflexão ampliada acerca dos limites de atuação do global sobre o local e vice-versa, o
que parece ser a tônica do momento.
PAIVA (1998), por exemplo, reconhece que o ambiente comunitário está sendo
cada vez mais invocado pelo indivíduo na sociedade globalizada. Isto ocorre possivelmente
porque, ao defrontar-se com ordens tão variadas dentro de um mesmo processo, este
mesmo indivíduo aciona estruturas que o permitem reconhecer-se enquanto indivíduo,
evitando a sua pulverização pelo global. Não obstante, acrescenta que quando se pensa nos
interesses das organizações econômicas a ótica é outra, porque
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"o apelo à noção de comunidade não parte de nenhum 'rousseaunianismo' (ou seja, nenhum impulso
nostálgico na direção de um paraíso supostamente risonho), mas de tendência real-histórica das
atuais reorganizações na vida social. Por exemplo, os técnicos de planejamento de organismos
mundiais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), vêm insistindo na tecla da
descentralização da execução das despesas sociais, com a indicação de que isso multiplica os efeitos
dos investimentos e aumenta a produtividade dos projetos. 'Descentralização' aí implica o
redimensionamento das macroorganizações societárias e inflexão no sentido do 'pequeno', que
suscita a idéia de comunidade". (p. 12).
É claro que este movimento não é ingênuo ou gratuito, porque:

"o final das barreiras instaura uma nova ordem, onde os limites são absorvidos pela prerrogativa do
universal. Tudo passa a ser trans, extrapolando seu limite inicial e absorvendo outras áreas e setores.
Paralelo a essa idéia, toma impulso o olhar em direção à vizinhança e seus problemas. Os moradores
de um mesmo bairro, aqueles iguais com quem a gente se encontra todo dia, fundem-se numa busca
de soluções, de melhoria das condições de existência. Paradoxo inquietante: o apogeu da
universalização, a proposta do microuniverso" . (PAIVA, 1998, p. 13).

Portanto, o homem enquanto "ator social" tem de agir localmente, criando espaços
de inserção social cada vez maiores, para evitar que a sua identidade, seja ela individual ou
social, seja massacrada pelos ditames e prerrogativas do global. Daí a necessidade
constante de fortalecimento dos níveis comunitários, como forma de apoiá-lo naquilo que o
diferencia e individualiza, enquanto indivíduo e coletividade, afastando-o das tendências
homogeneizadoras e padronizantes. Por isso, a proposta da territorialização, contrapondo-
se idéia de "cidadão do mundo", tantas vezes difundida e apregoada pelos arautos das
mídias voltadas à grande economia.
Esta necessidade se torna ainda mais iminente, quando se constata que o próprio
Estado-Nação, um dos baluartes da identidade e memória nacional, vem diminuindo
visivelmente o seu espaço de atuação econômica e criando vínculos que o identifiquem
cada vez mais com o grande capital internacional.
HOBSBAWM (1992) mostra que a nação está perdendo as suas tradicionais
funções de reguladora da economia nacional, desde os anos 60 e que o seu o papel tem sido
modificado para atender aos apelos de uma nova divisão internacional do trabalho, cujas
unidades básicas são organizações de todos os tamanhos, multinacionais, transnacionais e
redes de transações econômicas que estão, para fins práticos, fora do controle dos governos
e Estados Nacionais.
SANTOS (2000), em raciocínio semelhante, aponta para um fortalecimento do
poder do Estado, o que se dá, em níveis práticos, no sentido de atender exclusivamente aos
interesses de grupos financeiros internacionais, em detrimento dos interesses e
necessidades da população local.
É importante mostrar que neste mundo confuso e inacabado que se apresenta, a
idéia de aceleração e velocidade é um outro fator que também permeia os espaços de
atuação social dos seres humanos. Isto é visível, por exemplo, no pensamento de
DRUCKER (2000), quando compara a geografia mental criada pela ferrovia, símbolo da
Revolução Industrial, à nova geografia mental do comércio eletrônico, na atual Revolução
da Informação. No caso da primeira, as distâncias foram diminuídas. Já no segundo caso,
as distâncias foram eliminadas, existindo apenas uma economia e um mercado, não mais
circunscrito ao âmbito local-regional, mas sim, mundial.
Compreende-se, então, que para os apologistas da era global o mais importante é
que as modernas tecnologias e seus processos interligam pessoas, agilizam negócios,
difundem idéias, veiculam informações, criam padrões e desfazem enigmas. Em outras
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palavras, o mundo é veloz, o comércio é rápido, as informações trafegam instantaneamente


e a competitividade assume as características de uma verdadeira prova de velocismo. É
necessário, mais do que nunca, chegar na frente do outro e ocupar todos os espaços. Esta é
uma mudança irreversível e os profissionais vencedores, na nova e grande economia, têm
que se posicionar individualmente no meio social, muito mais pelo conhecimento e
informação que detenham do que por quaisquer outras habilidades. E, ainda que a
informação não chegue em todos os cantos, nem seja questionada em todos os meios, a
tendência freqüente é a de fazê-la circular rapidamente, numa pretensão de atingir o
arquétipo de aceleração da velocidade da luz.
Na visão de BAUDRILLARD (1985), contudo, vem a crítica e a sentença, porque,
na verdade, o que se vê é a "inflação de informação e a deflação de sentido" (apud
PAIVA, 1998, p.44).
SANTOS (2000) também relativiza a idéia de velocidade, difundida no imaginário
evocado pela globalização e suas técnicas, mostrando que somente algumas pessoas,
firmas e instituições podem ser caracterizadas como velozes, aliando-se ao fato de que são
também poucas aquelas que utilizam todas as "virtualidades técnicas das máquinas". De
modo que, uma grande maioria da sociedade vive hoje à margem deste mundo veloz e
erroneamente, a minoria acaba sendo representativa da idéia de totalidade.
De certa forma, ainda alheio a isso tudo, o homem conectado e interligado
globalmente, na ótica do imaginário coletivo, tende a sentir-se cada vez mais atraído pelas
modernas tecnologias da informação, acessadas de qualquer ponto do planeta. Mas, este
mundo ainda permanece enigmático e assustador, de modo que parece ainda ser difícil para
ele encontrar o seu verdadeiro lugar e compreender os limites de sua atuação objetiva.
Finalizando, o fato mais inegável nisso tudo é o de que:

"vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e
tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou tr6es últimos séculos.
Sabemos, ou pelo menos é razoável supor que ele não pode prosseguir ad infintum. O futuro não
pode ser continuação do passado, e há sinais, tanto externamente quanto internamente, de que
chegamos a um ponto de crise histórica. (…) Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que
a história nos trouxe até este ponto e (…) porquê. Contudo, uma coisa é clara. Se a humanidade quer
ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se
tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso, ou seja, a
alternativa para uma mudança da sociedade, é a escuridão." (Hobsbawm, 1995, p. 562)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, é necessário considerar que o papel do Estado tem se caracterizado


atualmente pela omissão e o encolhimento crescente de suas funções sociais, econômicas e
políticas originais, aumentando, por outro lado, a sua submissão aos interesses políticos
das organizações financeiras mundiais, interessadas na regulação da vida social.
Um outro ponto importante é o progressivo aumento da pobreza, aliado a um
visível retrocesso na noção dos princípios de comunidade, coletividade e solidariedade.
Isto se explica pelo fato de que, ao contrário da concorrência que caracterizou o velho
capitalismo do início do século XX, a fase atual é marcada por uma nova modalidade de
competitividade, que induz a comportamentos antes condenáveis e é sugerida pelo
aumento da produção e do consumo, exigindo uma postura agressiva, que reforça na
sociedade comportamentos cada vez mais individualistas e menos solidários.
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Em meio a este contexto, as tecnologias da comunicação e informação geram


mudanças na relação do homem com o mundo. As informações passam a ser recebidas em
tempo real, os produtos passam a ser transnacionais e, simultaneamente, as produções
locais, regionais e nacionais já nascem globais, ou seja, o universal e o mundializado se
sobrepõem ao singular e à identidade. A isto soma-se o fato de que as informações vêm
mais do que é veiculado pela mídia - e da sua manipulação visando o poder e a dominação
- e cada vez menos da interação entre as pessoas.
É inegável que vive-se em um mundo de "fronteiras porosas" - em nível econômico
e político - ao mesmo tempo em que convive-se com a exclusão estrutural e social de
países, etnias, raças, culturas e cidadãos. A sociedade globalizada faz crer que há união,
quando na realidade o que existe é muito mais uma tendência à unificação, sob a
hegemonia de um mercado global.
No meio disso tudo, as culturas nacionais e regionais tentam se manter e atuar
socialmente, resistindo ao predomínio da sociedade global. Reconhece-se que a cultura
popular vem persistindo, mas tende a ceder espaço para a cultura de massa, ditada pela
globalização. Assim os valores, hábitos e costumes locais vão sendo substituídos por
outros novos e necessários para o indivíduo se adaptar às regras sociais vigentes. As
relações sociais caminham para o impessoal e o virtual e já não se conhece as pessoas, mas
as organizações. O mundo está hiper-especializado, alargado, automatizado, global.
Respiramos modernidade.
Não podemos, contudo, alardear apenas o pessimismo, porque há que se considerar
que a sociedade vem oferecendo serviços cada vez mais eficientes, produtos em crescentes
níveis de excelência e os homens estão buscando mais qualidade de vida. As novas
tecnologias estão proporcionando uma verdadeira revolução em diversos campos da
ciência.
Por tudo isso, vale, a título de consideração final, lembrar que ainda é tempo de
restaurar e reforçar a importância dos princípios de liberdade e igualdade; dos valores
éticos, morais, culturais, lingüísticos e da identidade individual e coletiva. Não se pode
negar que o que se tem hoje é o resultado de séculos de evolução humana, em busca de
melhores condições de vida no planeta, ainda que se reconheça que os resultados dos
progressos alcançados não tenham sido de todo satisfatórios ou mesmo compartilhados
coletivamente. Conquanto desejemos não rarear a humanidade.

RESUMO DAS AUTORAS


Ana Maria da Silva Rodrigues
Graduada em Educação Física e Comunicação Social pela UFPI, Mestre em Educação pela
mesma universidade. Atualmente doutoranda em Ciência da Informação pela UFMG.
Professora do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Piauí.

Cristina Maria Viana Camilo de Oliveira


Graduada em Biblioteconomia pela UFMG, com aperfeiçoamento em estudos de
indexação e bancos de dados no projeto do Sistema Estadual de Informação em Ciência e
Tecnologia de Minas Gerais (SEICT/MG). Atualmente é aluna da disciplina Sociedade da
Informação oferecida pelo programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação,
UFMG. Trabalha na Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira desde 1998,
como coordenadora da Biblioteca Central.
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Maria Cristina Vieira de Freitas


Graduada em História, pós-graduada em Metodologia do Ensino e em Conservação de
Obras sobre Papel, esta última pela Universidade Federal do Paraná, em 1999. Atualmente
é aluna da disciplina Sociedade da Informação oferecida pelo programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação, UFMG. Trabalha no Centro Federal de Educação Tecnológica
de Minas Gerais, desde 1994, como professora de História e Fundamentos de Sociologia.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVAREZ, Marcos César. Cidadania e direitos num mundo globalizado. Perspectivas.


São Paulo, n. 22, 95-107, 1999.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2 ed. Trad. Roneide Venâncio Majer. Vol.1,
São Paulo: Paz e Terra, 1999a.

CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Trad. Klauss Brandini Gerhardt. Vol 2. São
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