Globalização e Mundialização
Globalização e Mundialização
Globalização e Mundialização
CULTURA
ABSTRACT: this article aims to unfold some reflections related to the process of culture
mundialization, within the context of economic globalization and the emergence of new
information tecnology. Man, creature and creator, an integral part of the social structure,
finds himself involved in this process and is responsible for the repercussions of his
conscious actions in the world.
Fernando Pessoa
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tenta fazer algumas reflexões sobre a globalização, mostrando que ela se
insere no quadro das transformações econômicas das últimas décadas do século XX, que
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trouxeram ao homem uma nova visão de mundo e uma nova forma de inserção no meio
social. No bojo destas transformações, encontra-se a cultura, enquanto produto humano
historicizado e por vezes submetida ao imperativo do que convencionou-se designar como
nova ordem mundial.
Se, por um lado, fica claro que as sociedades contemporâneas vêm sendo moldadas
de acordo com as regras da sociedade global - aqui compreendida como processos,
estruturas de diversas ordens, que funcionam por vezes de modo desigual e contraditório - ,
por outro, importa tentar decifrar o papel do homem que se forma e ocupa o seu espaço
enquanto cidadão, num mundo sacudido por tantas transformações. Haverá alguma
possibilidade de uma inserção crítica deste homem, ou os fenômenos de tendência
mundializante, que agora são percebidos com muita intensidade, sufocarão as
possibilidades locais de manifestação da identidade social e mesmo de resistência cultural?
O futuro é incerto. As tendências são amplas e variadas. Certo, no entanto, é o fato
de que o homem é o protagonista máximo nas cenas do cotidiano que ele próprio
descortina. Isto não pode ser perdido de vista na sua própria análise.
"marca a ruptura nesse processo de evolução social e moral que se vinha fazendo nos séculos
precedentes. É irônico recordar que o progresso técnico aparecia, desde os séculos anteriores, como
uma condição para realizar essa sonhada globalização com a mais completa humanização da vida do
planeta. Finalmente, quando esse processo técnico alcança um nível superior, a globalização se
realiza, mas não a serviço da humanidade". (p.65)
Decerto que não se está diante de algo novo. O que se vive é resultante do processo
de modernização da sociedade ocidental (ALVAREZ, 1999; CASTELLS, 1999; ORTIZ,
1994). E, por constituir-se em um fenômeno tão complexo, muitas análises tendem a
reduzir todo esse processo a uma visão eminentemente economicista, porque parecem
compreender que as "transformações econômicas repercutem automaticamente no conjunto
da sociedade, devendo todas as demais esferas se adequarem aos imperativos da economia
de mercado mundializada" (ALVAREZ, 1999, p.98).
Este fato é levantado por ORTIZ (1994), que chama a atenção para a necessidade
de uma postura mais crítica, pois a interação entre as dimensões econômicas, políticas e
culturais não pode ser negada ou esquecida. Além disso, as relações estabelecidas entre
elas estão longe de se acomodarem a qualquer tipo de determinismo. A emergência e/ou
existência de uma sociedade globalizada não ocorre de maneira uniforme, até porque o
mundo é composto de nações vivendo em diferentes estágios de desenvolvimento.
Neste sentido, a globalização não deve ser vista como um processo homogêneo, o
qual levaria a uma expansão e uniformização em todas as sociedades. Ao contrário, o que
se tem é um processo de desenvolvimento social bastante descontínuo, seletivo e
excludente.
CASTELLS (1999a), por sua vez, considera que o momento atual é percebido
através de uma mudança em nossa cultura material, como o resultado de um novo
paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. Esse
paradigma tem como pressuposto a aplicação de conhecimento na geração de novos
conhecimentos e dispositivos, num contínuo de inovação, uso e processamento da
informação. O autor considera que o processo não se dá de forma homogênea, admitindo,
pois, a existência de várias Sociedades da Informação, com suas diversidades e
especificidades.
Para GUEDES & De PAULA (1999), a compreensão do conceito de Sociedade da
Informação se dá a partir de critérios não mutuamente excludentes - tecnológico,
econômico, ocupacional, espacial e cultural - que a distinguem de outros tipos de
sociedades. Isso equivale a dizer que a compreensão da sociedade da informação enfatiza
as inovações tecnológicas, onde o avanço no processamento, armazenamento e transmissão
de informação leva ao uso destas tecnologias em todas as esferas da sociedade. Continua,
afirmando que esta informação passa a ter um valor econômico tal, que permite qualificar e
quantificar as sociedades, conforme o seu acesso e uso. Assim, percebe-se na sociedade da
informação uma mudança ocupacional, com o predomínio de funções e cargos na área da
informação, cuja ênfase está nas redes que conectam as localidades, o que resulta em uma
nova ordem conceitual de espaço e tempo. Conseqüentemente, os fatores culturais sofrem
transformações visíveis nas vivências cotidianas, pelo aumento da circularidade da
informação, da influência da mídia e da profusão de significados simbólicos que envolvem
o indivíduo.
Entretanto, GUEDES & De PAULA (1999) questionam a existência da sociedade
da informação e, ainda, a existência de uma revolução. Consideram que há apenas uma
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pertinente entender quem é este sujeito local que passa a atuar no processo global e os
resultados de sua ação objetiva dentro deste mesmo processo.
MORIN (1996) afirma que a vida atualmente se processa em sociedades onde a
autonomia do sujeito emerge a partir do momento em que ele faz a escolha de seus valores
e inicia o processo de construção de identidade e significado com eles.
Sabe-se que a identidade individual é um processo resultante da diferenciação do
"eu" em relação ao "outro" e do processo de construção das significações, daí advindo. Na
formação da identidade social, por outro lado, há também a necessidade da convivência
dos homens em torno de um espaço comum e circunscrito - o território - onde as
experiências vão se somando, incorporando ao cotidiano e gerando uma memória coletiva.
Desta percepção das diferenças, surgem os modelos ou padrões culturais que
caracterizam os grupos sociais - biológica, artística, lingüistica e materialmente. A cultura
é dinâmica, histórica e resulta da intervenção humana sobre o mundo e, por extensão, das
escalas de valores que vão sendo criadas no cotidiano comunitário.
CASTELLS (1999b) define a identidade como o processo de construção de
significado com base em um atributo cultural, ou mesmo atributos culturais inter-
relacionados, que prevalecem sobre outras fontes de significado, podendo haver, para um
mesmo indivíduo, enquanto ser coletivo, identidades múltiplas. Já o significado, na sua
visão, seria a identificação simbólica que se constrói em torno do fim último de uma ação
praticada pelos "atores sociais".
Todas estas análises remetem à necessidade de um aprofundamento em relação à
questão do problema da identidade cultural no mundo atual, especialmente porque o
momento é marcado não apenas pela crise - significando escolha - mas também pela
tendência aos paradoxos conflitantes, produtos de visões extremamente diferenciadas do
que comumente se define como era global.
ORTIZ (1994) chama a atenção para este fato, quando afirma que o debate sobre a
mundialização assenta-se em antagonismos e tendências concorrentes, onde a opção
teórica por um pólo automaticamente implica na exclusão do outro. Identifica as
terminologias local/global, fragmentação/unicidade, heterogêneo/homogêneo como os
corolários desta visão. Continuando a análise, critica esta forma de pensamento dualista,
porque não dá conta de analisar a totalidade da questão, em função do seu raciocínio
excludente, que desconsidera, por exemplo, que o local não está necessariamente em
contradição com o global, mas, articula-se com ele.
Parece que as divergências de pensamento se instauram sempre que se adota a
tendência a privilegiar um campo do saber intelectual, em detrimento da análise dos
demais. Deste modo, as tendências economicistas vão debruçar-se sobre o tema da
globalização e seus efeitos nas finanças mundiais. Por outro lado, as ciências humanas e
sociais, vão tentar identificar no homem, nos grupos e na cultura, a chave para entender o
problema e propor soluções.
Importa entender que, qualquer que seja a proposta de análise, ela deve passar por
uma reflexão ampliada acerca dos limites de atuação do global sobre o local e vice-versa, o
que parece ser a tônica do momento.
PAIVA (1998), por exemplo, reconhece que o ambiente comunitário está sendo
cada vez mais invocado pelo indivíduo na sociedade globalizada. Isto ocorre possivelmente
porque, ao defrontar-se com ordens tão variadas dentro de um mesmo processo, este
mesmo indivíduo aciona estruturas que o permitem reconhecer-se enquanto indivíduo,
evitando a sua pulverização pelo global. Não obstante, acrescenta que quando se pensa nos
interesses das organizações econômicas a ótica é outra, porque
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"o apelo à noção de comunidade não parte de nenhum 'rousseaunianismo' (ou seja, nenhum impulso
nostálgico na direção de um paraíso supostamente risonho), mas de tendência real-histórica das
atuais reorganizações na vida social. Por exemplo, os técnicos de planejamento de organismos
mundiais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), vêm insistindo na tecla da
descentralização da execução das despesas sociais, com a indicação de que isso multiplica os efeitos
dos investimentos e aumenta a produtividade dos projetos. 'Descentralização' aí implica o
redimensionamento das macroorganizações societárias e inflexão no sentido do 'pequeno', que
suscita a idéia de comunidade". (p. 12).
É claro que este movimento não é ingênuo ou gratuito, porque:
"o final das barreiras instaura uma nova ordem, onde os limites são absorvidos pela prerrogativa do
universal. Tudo passa a ser trans, extrapolando seu limite inicial e absorvendo outras áreas e setores.
Paralelo a essa idéia, toma impulso o olhar em direção à vizinhança e seus problemas. Os moradores
de um mesmo bairro, aqueles iguais com quem a gente se encontra todo dia, fundem-se numa busca
de soluções, de melhoria das condições de existência. Paradoxo inquietante: o apogeu da
universalização, a proposta do microuniverso" . (PAIVA, 1998, p. 13).
Portanto, o homem enquanto "ator social" tem de agir localmente, criando espaços
de inserção social cada vez maiores, para evitar que a sua identidade, seja ela individual ou
social, seja massacrada pelos ditames e prerrogativas do global. Daí a necessidade
constante de fortalecimento dos níveis comunitários, como forma de apoiá-lo naquilo que o
diferencia e individualiza, enquanto indivíduo e coletividade, afastando-o das tendências
homogeneizadoras e padronizantes. Por isso, a proposta da territorialização, contrapondo-
se idéia de "cidadão do mundo", tantas vezes difundida e apregoada pelos arautos das
mídias voltadas à grande economia.
Esta necessidade se torna ainda mais iminente, quando se constata que o próprio
Estado-Nação, um dos baluartes da identidade e memória nacional, vem diminuindo
visivelmente o seu espaço de atuação econômica e criando vínculos que o identifiquem
cada vez mais com o grande capital internacional.
HOBSBAWM (1992) mostra que a nação está perdendo as suas tradicionais
funções de reguladora da economia nacional, desde os anos 60 e que o seu o papel tem sido
modificado para atender aos apelos de uma nova divisão internacional do trabalho, cujas
unidades básicas são organizações de todos os tamanhos, multinacionais, transnacionais e
redes de transações econômicas que estão, para fins práticos, fora do controle dos governos
e Estados Nacionais.
SANTOS (2000), em raciocínio semelhante, aponta para um fortalecimento do
poder do Estado, o que se dá, em níveis práticos, no sentido de atender exclusivamente aos
interesses de grupos financeiros internacionais, em detrimento dos interesses e
necessidades da população local.
É importante mostrar que neste mundo confuso e inacabado que se apresenta, a
idéia de aceleração e velocidade é um outro fator que também permeia os espaços de
atuação social dos seres humanos. Isto é visível, por exemplo, no pensamento de
DRUCKER (2000), quando compara a geografia mental criada pela ferrovia, símbolo da
Revolução Industrial, à nova geografia mental do comércio eletrônico, na atual Revolução
da Informação. No caso da primeira, as distâncias foram diminuídas. Já no segundo caso,
as distâncias foram eliminadas, existindo apenas uma economia e um mercado, não mais
circunscrito ao âmbito local-regional, mas sim, mundial.
Compreende-se, então, que para os apologistas da era global o mais importante é
que as modernas tecnologias e seus processos interligam pessoas, agilizam negócios,
difundem idéias, veiculam informações, criam padrões e desfazem enigmas. Em outras
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"vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e
tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou tr6es últimos séculos.
Sabemos, ou pelo menos é razoável supor que ele não pode prosseguir ad infintum. O futuro não
pode ser continuação do passado, e há sinais, tanto externamente quanto internamente, de que
chegamos a um ponto de crise histórica. (…) Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que
a história nos trouxe até este ponto e (…) porquê. Contudo, uma coisa é clara. Se a humanidade quer
ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se
tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso, ou seja, a
alternativa para uma mudança da sociedade, é a escuridão." (Hobsbawm, 1995, p. 562)
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2 ed. Trad. Roneide Venâncio Majer. Vol.1,
São Paulo: Paz e Terra, 1999a.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Trad. Klauss Brandini Gerhardt. Vol 2. São
Paulo: Paz e Terra, 1999b.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. Trad. Marcos Santarrita. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
HOBSBAWM, Eric. Renascendo das cinzas. In: Blackburn (Org.) Depois da queda. O
fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.