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1846-Texto Do Artigo-26831-1-10-20201109

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http://dx.doi.org/10.36598/dhrd.v3i6.

1846

A REGULAMENTAÇÃO DABIOECONOMIA
PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Virgínia Ramos Castilho1
Universidade de Marília (UNIMAR)

Artigo recebido em: 04/05/2020.


Artigo aceito em: 01/10/2020.

Resumo
Este artigo tem como objetivo estudar Na sequência, foi estudada a regula-
a regulamentação dada pelos instru- mentação da bioeconomia no Brasil e
mentos jurídico-normativos nacionais a legislação brasileira em vigor acerca
e internacionais aos temas correlatos da matéria. O presente trabalho se jus-
à bioeconomia, especialmente no que tifica, especialmente em decorrência da
tange à sua preocupação com a prote- necessidade atribuída ao direito de pre-
ção aos direitos humanos. O estudo venir os seres humanos dos potenciais
foi construído por meio de pesquisa malefícios da exploração dos recursos
bibliográfica, nos referenciais pertinen- biológicos bem como da necessidade
tes, e documental, nos instrumentos de regulamentação da bioeconomia, es-
normativos nacionais e internacionais pecificamente, sob o exemplo alemão e
aplicáveis à espécie. No que concerne demais instrumentos internacionais re-
à escrita, optou-se por utilizar o proce- lacionados à bioeconomia para preser-
dimento dedutivo. O trabalho foi di- vação e atenção aos direitos humanos.
vidido em três partes. Na primeira, fo-
ram tratados conceitos basilares acerca Palavras-chave: bioeconomia; diretos
do conceito de bioeconomia. A seguir, humanos; recursos biológicos; regula-
foram estudados os instrumentos inter- mentação.
nacionais relacionados à bioeconomia.

1 Mestranda em Direito pela UNIMAR. Especialista em Gestão Pública pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS). Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5917-9151 / e-mail: virginia.mestrado@gmail.com

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28 A REGULAMENTAÇÃO DA BIOECONOMIA PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

REGULATION OF BIOECONOMY BY
BRAZILIAN LEGISLATION

Abstract
This article aimed to study the regulation were studied. Following, the regulation of
given by national and international the bioeconomy in Brazil and the current
legal-normative instruments to themes Brazilian legislation on the subject were
related to the bioeconomy, especially studied. The present work is justified,
regarding its concern with the protection especially due to the need attributed to
of human rights. The study was built the right to prevent human beings from
through bibliographic research, in the the potential harms of the exploitation
relevant references, and documentary, in of biological resources as well as the need
the national and international normative to regulate the bioeconomy, specifically,
instruments applicable to the species. under the German example and other
With regard to writing, we chose to use international instruments related to
the deductive procedure. The work was the bioeconomy for preservation and
divided into three parts. In the first, basic attention to human rights.
concepts about the concept of bioeconomy
were treated. Next, the international Keywords: bioeconomics; biological
instruments related to the bioeconomy resources; human rights; regulation.

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Virgínia Ramos Castilho 29

Introdução
O objetivo do presente trabalho é estudar a regulamentação dada pelos ins-
trumentos jurídico-normativos nacionais e internacionais aos temas correlatos à
bioeconomia, especialmente no que tange à sua preocupação com a proteção aos
direitos humanos.
O estudo é construído por meio de pesquisa bibliográfica, nos referenciais
pertinentes e documentais, nos instrumentos normativos nacionais e internacio-
nais aplicáveis à espécie. No que concerne à escrita, optou-se por utilizar o proce-
dimento dedutivo.
O trabalho divide-se em três partes. Na primeira, serão tratados conceitos ba-
silares acerca do conceito de bioeconomia, sua origem e suas diferenças em relação à
chamada economia de base biológica, assim como o antropocentrismo no contexto
da exploração do patrimônio biológico.
Além disso, abordar-se-á a necessidade de regulamentação da bioeconomia,
especificamente no exemplo alemão. São estudados os instrumentos internacio-
nais relacionados a esse conceito, bem como a necessidade de preservação e de
atenção aos direitos humanos.
No mesmo sentido, serão abordadas a Convenção sobre Diversidade Bioló-
gica de 1992 e as decisões da Convenção sobre Diversidade Biológica de 2002.
Na sequência, serão estudadas a regulamentação da bioeconomia no Brasil e a
legislação brasileira em vigor acerca da matéria, tendo em vista a importância que
vem ganhando no âmbito jurídico, pois suas consequências refletem diretamente
na esfera dos direitos humanos, dos direitos individuais e na economia.
Ainda nesse tópico, será estudada uma agenda jurídica para a bioeconomia
brasileira. O presente trabalho justifica-se, pela necessidade atribuída ao direito de
prevenir os potenciais malefícios da exploração dos recursos biológicos aos seres
humanos.

1 Conceitos basilares relacionados ao tema


Este tópico tem como objetivo a explanação acerca de conceitos relacionados
à bioeconomia, desde suas origens, bem como algumas diferenças conceituais tra-
zidas pelos estudiosos e por instrumentos legais, para que seja possível esclarecer a
necessidade de melhor regulamentação de matérias afeitas a tal ramo da economia.
O conceito de bioeconomia é historicamente recente, tendo surgido para
se adequar questões relacionadas à biotecnologia e à exploração do patrimônio

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genético, bem como às necessárias limitações dessas práticas, nas searas preventiva
e repressiva.
Nesse sentido, o termo bioeconomia foi criado pelos professores Juan En-
riquez e Rodrigo Martinez. Volta-se a analisar as ciências da vida, especialmente
a genética, a biologia molecular e celular, que afetam e transformam produtos,
negócios e a indústria mundial (CNI, 2013). Muitas das vezes, essas alterações
causam problemas de saúde, quando o ser humano é exposto por muito tempo
a determinado tipo de produto, sem que ele perceba a origem desses malefícios.
Trata-se de um setor da economia que, de acordo com a Organização de
Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), movimentará, no ano de
2030, 300 bilhões de euros. Seu maior mercado atual é o de biocombustíveis,
bioquímicos e bioplásticos, nesta ordem (CNI, 2013).
Nota-se, assim, tratar-se de um ramo da economia mundial que cresce rapi-
damente e que abocanha significativa fatia do capital em circulação no mundo.
Desse modo, o conceito é tratado por estudiosos ao redor do mundo que, inclusi-
ve, criam definições pareadas.
Imperioso salientar que o conceito de bioeconomia é recente. Surgiu a partir
das discussões sobre as mudanças climáticas, a partir do século XX. Com diversos
estudos relacionados ao meio ambiente, recursos naturais, mudanças climáticas e
como essas questões impactam diretamente na economia e no desenvolvimento
de tecnologias alternativas capazes de aumentar a produção e manter a capacidade
de maneira sustentável, a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs o termo
“desenvolvimento sustentável”, apresentando um relatório elaborado pela Comis-
são Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.
Nesse relatório, o termo ficou assim definido: “desenvolvimento sustentável é
aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades
de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades” (ONU, 1963). Nesse
contexto, a bioeconomia começa a ser delineada como uma ciência que almeja
o desenvolvimento econômico de maneira sustentável. Embora recente, vem se
mostrando como uma ciência transdisciplinar.
Uma ciência transdisciplinar é capaz de produzir uma interação entre dis-
ciplinas, relacionando várias disciplinas e promovendo sua interação, diferen-
te de uma ciência interdisciplinar que apenas atinge duas disciplinas diferentes
(TRANSDISCIPLINAR, 2018).
Um dos primeiros estudiosos a observar a relação entre a economia e a bio-
logia foi Nicholas Georgescu-Roegen, chamando a atenção para o crescimento
desordenado e insustentável e apontando que os recursos naturais disponíveis na
Terra não seriam suficientes para o padrão que vinha sendo estabelecido (GEOR-
GESCU-ROEGEN, 1971).

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Por se tratar de um relevante ramo da economia mundial, questões rela-


cionadas ao patrimônio biológico e genético encontram-se refletidas em estudos,
documentos oficiais e instrumentos normativos, de modo que conceitos similares
possam surgir.
Em decorrência disso, algumas das agendas utilizam conceitos diferentes:
algumas se referem à bioeconomia, enquanto outras se referem a uma economia de
base biológica, de maneira que não é raro serem citados os dois termos de maneira
idêntica (STAFFAS; GUSTAVSSON; MCCORMICK, 2013)
Nesse mesmo sentido, uma definição mais recente para a economia de base
biológica foi conferida pela União Europeia, que supera as anteriores no que
concerne à sua clareza, afirmando que, nesse novo conceito, há a integração do
conjunto de recursos biológicos naturais e renováveis, tanto terrestres quanto ma-
rítimos, o que incluía biodiversidade de plantas, animais e micro-organismos, e
a transformação e o consumo desses recursos biológicos (STAFFAS; GUSTAVS-
SON; MCCORMICK, 2013, p. 2752).
Trata-se de um conceito um pouco mais específico do que o de bioeconomia.
De acordo com o parágrafo acima, relaciona-se às ciências da vida, notadamente à
genética e à biologia molecular e celular e à maneira como atingem e transmudam
produtos, negócios e a indústria global. Nesse sentido, de acordo com Staffas,
Gustavsson e McCormick, 2013, p. 2752):
The transition from a fossil fuel-dependent development para-
digm towards a development path that takes advantage of bio-
-based resources and new innovations within biochemistry and
the life sciences is prompting the formulation of new strategies
and policies. With increased research and innovations on bio-ba-
sed energy forms, chemicals and materials, the use of the terms
bioeconomy (BE) and bio-based economy (BBE) has evolved.
Interestingly, there is a slight difference between the meanings
of these two terms and also in how they are used, although this
difference is neither obvious nor outspoken […]. The use of
the two terms in this article will, as often as possible, be used
stringently, but when mentioned as a general concept, the term
bioeconomy also comprises the bio-based economy. Until now,
many countries have published separate strategies and policies
related to biotechnology and bio-based products and industries,
but more and more countries are developing strategies that col-
lect all these separate topics under the conceptual umbrella of the
BE. A shift towards a larger and more advanced bioeconomy will

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imply effects on many aspects of the economy, society in general,


and the environment. With a strategy for a BE, a nation declares
its intentions in a more coordinated way, sometimes including
the aspects of protecting biodiversity, food quality and quanti-
ty, preservation of rare biotopes, and climate change mitigation.
The fact that some of the world’s largest countries and economies
have adopted national strategies and visions for such a bioeco-
nomy is relevant for all actors in research and economic arenas.2

Geralmente, os países que utilizam o conceito bioeconomia, a exemplo do


Brasil, da África do Sul, dos Estados Unidos e do Canadá, referem-se a um setor
econômico específico, diferente daqueles que utilizam a expressão economia de base
biológica (STAFFAS; GUSTAVSSON; MCCORMICK, 2013). Nesse sentido, o
relatório da Harvard Business Review Brasil faz menção acerca da bioeconomia:
A bioeconomia surge como resultado de uma revolução de inova-
ções aplicadas no campo das ciências biológicas. Está diretamente
ligada à invenção, ao desenvolvimento e ao uso de produtos e
processos biológicos nas áreas da saúde humana, da produtivi-
dade agrícola e da pecuária, bem como da biotecnologia (CNI,
2013, p. 15).

Nesses Estados, como Alemanha, Suécia e Suíça, a expressão é utilizada para


conceituar a economia baseada nas matérias-primas biológicas e renováveis, que
permitem a independência em relação às matérias-primas fósseis (STAFFAS;
GUSTAVSSON; MCCORMICK, 2013). Mesmo que se relacione intimamente à
vida como um todo, enquanto conceito notadamente econômico, a bioeconomia
é estudada e trabalhada como uma ciência dirigida ao progresso e ao aumento da
riqueza, focando-se, portanto, no homem e em suas necessidades e desejos.
2 A transição de um paradigma desenvolvimentista depende de combustíveis fósseis para um modelo que valo-
riza recursos biológicos e inovações da bioquímica e ciências humanas está incitando a formulação de novas
políticas e estratégias. Com a pesquisa crescente e as inovações de fontes de energia renováveis, químicas e
materiais, o uso dos termos bioeconomia e economia de base biológica evoluiu. Curiosamente, há uma sutil
diferença entre os significados desses dois termos e como são utilizados, embora essa diferença não seja nem
óbvia e nem posta em evidência […]. O uso desses dois termos, neste artigo, será criterioso sempre que possí-
vel, mas quando o conceito for mencionado de maneira geral, o termo bioeconomia compreenderá o conceito
de economia de base biológica. Até agora, muitos países vêm publicando separadamente sobre as estratégias
e políticas nos produtos e indústrias de biotecnologia e economia de base biológica, mas mais e mais países
estão desenvolvendo maneiras para concentrar todos esses assuntos na mesma chave conceitual da bioeco-
nomia. Uma mudança para uma prática baseada na bioeconomia mais abrangente e avançada vai implicar
efeitos em muitos aspectos da economia, da sociedade em geral e no meio ambiente. Com uma estratégia para
bioeconomia, uma nação declara suas intenções de maneira mais coordenada, algumas vezes incluindo medidas
protecionistas em relação à biodiversidade, qualidade alimentar, preservação de espécies em extinção e maior
preocupação com as mudanças climáticas. O fato de algumas das maiores economias e países mais importantes
estarem adotando estratégias nacionais e deslocando olhares para a bioeconomia é relevante para todos os
atores relacionados à pesquisa e aos setores econômicos (livre tradução da autora).

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Desse modo, trata-se, em um mundo com oito bilhões de pessoas, de um ne-


cessário modelo econômico, dirigido a amenizar impactos ambientais e se adaptar
às várias mudanças sociais e econômicas (STAFFAS; GUSTAVSSON; MCCOR-
MICK, 2013).
A constatação da necessidade de atuar em prol da regulação entre o consumo
e a preservação ambiental torna indispensável a discussão e o tratamento de novos
métodos e marcos regulatórios, tanto pelos governos locais como pela comunida-
de internacional, em um sentido que respeite as legislações e os aspectos culturais
nacionais, em conformidade global.
Essa tarefa do governo e dos serviços públicos deve permitir a participação
do cidadão e, ao mesmo tempo, influenciar nas decisões que são referentes a eles,
tornando as decisões democráticas, também no caso da bioeconomia, na qual as
políticas e leis relacionadas a vários aspectos afetam diretamente a vida dos cida-
dãos, local, nacional e internacionalmente (MUSTALAHTI, 2018).
Natureza e meio ambiente, todavia, pela perspectiva civilizatória, são espe-
cialmente entendidos como provedores de recursos. E o meio ambiente, com a
constatação do possível esgotamento de recursos naturais, consequência da ausên-
cia de regulação entre desenvolvimento e sustentabilidade, passou a ser visto como
um desafio ou como algo que precisa ser salvaguardado, o que pode ser feito com
a ajuda da bioeconomia. Além disso, há certos direitos ambientais que constituem
questões básicas de justiça (MUSTALAHTI, 2018).
Cada vez mais, biotecnologia e bioeconomia andam de mãos dadas. O uso
do termo bioeconomia tem sido entendido por um vínculo mais estreito com os
conhecimentos associados à biotecnologia, e com suas diversas técnicas (JUMA;
KONDE, 2001).
Afirma Aragão (2003) que os avanços da biotecnologia podem ser utiliza-
dos como uma das principais ferramentas para avanços na bioeconomia. Sendo
considerado que “biotecnologia é o uso de seres vivos e seus componentes na
agricultura, alimentação e saúde, além do emprego na produção ou modificação
de produtos em processos industriais” (ARAGÃO, 2003, p. 17).
Um dos maiores obstáculos das pesquisas sobre biotecnologia e, consequen-
temente, para a bioeconomia, é a falta de conhecimento, bem como a falta de
fatores que limitem até onde se pode avançar, por exemplo.
Foi na década de 1990, a despeito dos avanços da biotecnologia que se re-
alizou a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), originando um acordo
internacional de direito ambiental, que fora assinado pelos países signatários du-
rante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992.

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Entre os assuntos tratados pela Convenção, destacam-se os objetivos estabe-


lecidos, quais seja, a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável
de seus componentes e repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da
utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado a esses
recursos, e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, instituídos pela
Lei 11.105 de 24 de março de 2004. Assim, a CDB deixa clara a complexa ligação
entre economia e biologia por meio dos objetivos ora citados, pois não se pode
negligenciar da interação e da importância de ambas.
Outro tema fortemente tratado pela CDB foi a biossegurança, mostrando a
necessidade do estabelecimento de políticas de biossegurança, a fim de garantir,
entre outros, a segurança alimentar e ambiental dos produtos geneticamente mo-
dificados. Nesse sentido:
Biossegurança é o conjunto de medidas voltadas para a preserva-
ção, a minimização ou a eliminação de riscos inerentes às ativi-
dades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnoló-
gico e prestação de serviços, que podem comprometer a saúde
do homem, dos animais, do meio ambiente ou a qualidade dos
trabalhos desenvolvidos (TEIXEIRA; VALE, 1998, p. 13).

Apesar disso, assim como toda atividade econômica, especialmente aquelas


que alcançam grande vulto monetário, deve ser observada pelas ciências jurídicas,
por tratar diretamente da vida, tem de ser devidamente regulamentada pelo di-
reito.
Em decorrência da necessidade de regulamentação das atividades econômicas
que envolvem recursos biológicos, os instrumentos jurídicos de contenção, limi-
tação, prevenção e governança devem ser criados, e aqueles já existentes devem ser
constantemente aprimorados. Isso porque as formas de alienação, expropriação e
desinvestimento se relacionam à “cultura de inovação biotecnológica”, mas as sub-
jetividades e cidadanias individuais e coletivas acabam por ser moldadas e conscri-
tas por essas tecnologias, já que respeitam à vida em si (SUNDER RAJAN, 2006).
Note-se, todavia, que essa regulamentação tem de estar voltada à sustentabi-
lidade e, por consequência, ao futuro da humanidade, sob pena de demonstrar-se
inconsequente. Um exemplo desse tipo de regulamentação sustentável deu-se na
Alemanha.
O referido país estruturou uma agenda nacional denominada National
Research Strategy 2030: our route towards a biobased economy (Estratégias de
Pesquisa Nacional 2030: nossa rota para uma economia de base biológica) (BMBF,
2011), que se embasa nas recomendações dadas pelo Conselho de Bioeconomia,

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Virgínia Ramos Castilho 35

constituído, por sua vez, por agentes governamentais, estudiosos e industriais


(STAFFAS; GUSTAVSSON; MCCORMICK, 2013).
Esse conselho surgiu para fazer que a Alemanha se tornasse referência na eco-
nomia de base biológica, por meio de tecnologias disruptivas e apesar de ser uma
política voltada ao país, demonstra um entendimento global acerca da temática
(STAFFAS; GUSTAVSSON; MCCORMICK, 2013).
O documento alemão é objetivo e claro. Seus objetivos são bem determina-
dos e os meios de alcançá-los também são abertamente mencionados, e apesar de
se analisar as vantagens globais da economia de base biológica, o foco é em nível
nacional (STAFFAS; GUSTAVSSON; MCCORMICK, 2013).
O plano de metas inclui normas de regulação sobre segurança alimentar, o
cultivo e armazenamento de alimentos, levando em consideração o beneficiamen-
to agrícola em larga escala, a indústria alimentar, a comercialização dos produtos e
o setor de serviços, além de produção de recursos energéticos como a biomassa, a
indústria de papel e celulosa, a extração de recursos naturais, como a pesca, além
de repensar a indústria farmacêutica e reconsiderar todas essas atividades de ma-
neira aliada à proteção ambiental e mudanças climáticas.
Demonstra-se, assim, que o referido país se encontra extremamente evoluído
no concernente à regulamentação da utilização de recursos biológicos para fins
econômicos. Nesse sentido, referida legislação se encontra à frente dos instrumen-
tos internacionais regulamentadores da bioeconomia.

2 Os instrumentos internacionais relacionados


à bioeconomia
O presente tópico tem por objetivo estudar a regulamentação dada no foro
internacional à exploração de recursos biológicos, especialmente no que concerne
à necessidade de proteção aos seres humanos, posteriormente, a discussão permiti-
rá compreender os instrumentos nacionais voltados a tal regulamentação.
Apesar de ser um conhecimento historicamente recente, há importantes ins-
trumentos internacionais de regulamentação da exploração do patrimônio bio-
lógico que, no entanto, não se voltam necessariamente à sustentabilidade ou à
proteção aos seres humanos.
A análise dos vários documentos indica que há um crescente debate acerca
de como a bioeconomia pode impactar diversos aspectos. Ocorre que as recentes
estratégias bioeconômicas e o direito não enfatizam essas questões (MUSTALAH-
TI, 2018).
Em sentido contrário, o papel da bioeconomia no crescimento econômico é

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mais enfatizado pela legislação (MUSTALAHTI, 2018), em detrimento de aspec-


tos protetivos indispensáveis para a preservação dos seres humanos que se utilizam
dos recursos biológicos.
Os instrumentos internacionais relacionados à exploração de recursos bio-
lógicos dirigem-se, enfaticamente, a questões econômicas e, em especial, à lucra-
tividade dessas atividades, não se preocupando, suficientemente, com questões
relacionadas a direitos humanos.
O relacionamento entre países economicamente centrais, portadores das
matrizes de grandes multinacionais, com países do terceiro mundo baseia-se na
exploração dos recursos naturais, na propriedade intelectual sobre as comunidades
e recursos genéticos, de modo que os países subalternos sofrem constantes ten-
sões devidas à exploração dos recursos naturais (GONZÁLEZ LOTERO; MON-
TAÑO SOTO, 2017).
As multinacionais, frequentemente, violam ou superam aquilo que é pre-
estabelecido. O maior problema, todavia, é a violação dos direitos humanos dos
indivíduos membros das comunidades mais afetadas pela exploração. É a estes que
a bioeconomia, a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico buscam resguardar
(GONZÁLEZ LOTERO; MONTAÑO SOTO, 2017). As entidades administra-
tivas e legislativas, dada sua esmagadora corrupção institucional, geralmente, ne-
gligenciam a execução das medidas necessárias de controle, prevenção e correção,
medidas que visam garantir que continuem sendo países de grande riqueza natural
e intelectual (GONZÁLEZ LOTERO; MONTAÑO SOTO, 2017).
São constantemente violados os direitos humanos e a preservação da bio-
diversidade. Assim, os estados soberanos nos quais essas empresas trabalham são
forçados a desenvolver sistemas e instrumentos para proteger direitos inerentes à
pessoa e às sociedades (GONZÁLEZ LOTERO; MONTAÑO SOTO, 2017)
São criados tratados ou acordos que servem como diretrizes para a extração
de recursos, a instalação, a operação, o desenvolvimento, a pesquisa, a inovação e
o uso de matéria-prima ou propriedade intelectual por multinacionais em países
estrangeiros (GONZÁLEZ LOTERO; MONTAÑO SOTO, 2017).
As referidas convenções internacionais, apesar de precisarem evoluir naquilo
que se relaciona aos direitos humanos e à proteção em relação à exploração de
recursos biológicos, trazem alguns dispositivos relevantes no concernente a essa
temática.
Um dos tratados internacionais mais relevantes acerca da exploração de re-
cursos biológicos é a Convenção sobre Diversidade Biológica, de 1992, que se
encontra em vigor no Brasil, um dos países signatários, nos termos do Decreto
Presidencial n. 2.519, de 1998.

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desperdício e a ostentação deveriam ser desestimulados e, em contrapartida, de-


veriam ser incentivadas medidas para o controle de natalidade (GEORGESCU-
-ROEGEN, 1975).
Seria imperiosa a propagação da alimentação saudável, baseada em alimentos
orgânicos, frutos de uma agricultura que recuse a utilização de pesticidas. Para
além, é imperiosa a utilização racional da energia, mediante controle de desperdí-
cio e regulamentação estrita (GEORGESCU-ROEGEN, 1975).
Sugere também a necessidade de viabilizar, o mais rápido possível, a utiliza-
ção de fontes de energia limpa, como a solar. No mesmo sentido, seria indispen-
sável o controle da fusão termonuclear e seria também imperioso o desestímulo ao
consumo desenfreado, especialmente quanto aos gadgets (GEORGESCU-ROE-
GEN, 1975). Deveria ser incentivada a durabilidade dos produtos, em detrimento
da “cultura da moda”. Sendo necessária a adoção de políticas de valorização de
mercadorias duráveis, reparáveis e reutilizáveis. Assim, a mentalidade ecológica
deve se desvencilhar do capitalismo neoliberal.
Nesse diapasão, deveria ser reduzido o tempo de trabalho mundial em prol
do lazer, como direito fundamental e indispensável à dignidade (GEORGESCU-
-ROEGEN, 1975). Notável, portanto, a ligação direta entre a referida teorização
e os direitos humanos. Cechi e Veiga, ao analisar o pensamento do autor, assim
entendem:
Ao focar na quantidade de materiais e energia processados pela
economia, percebe‑se que a atividade econômica de uma geração
tem influência na atividade das gerações futuras. Isso ocorre de-
vido à utilização dos recursos energéticos e materiais terrestres e à
acumulação dos efeitos prejudiciais da poluição no ambiente. E é
este o cerne do problema ecológico da humanidade. A depleção
de recursos e o despejo de resíduos, consequências inevitáveis da
atividade econômica de uma geração, afetarão em algum mo-
mento a possibilidade das gerações seguintes terem qualidade de
vida igual ou maior. Para Georgescu‑Roegen (1976), a Economia
não pode lidar com esse problema, por restringir sua análise onde
a circulação de valores monetários pode ser observada. Por isso
um dia deverá ser englobada pela mais ampla Ecologia. Todavia
isso só ocorrerá quando a humanidade tiver que se preocupar
com a distribuição intertemporal dos escassos recursos terrestres,
e não apenas com a alocação de recursos relativamente escassos de
uma geração apenas (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 446).

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Nota-se, aqui, uma maior preocupação com a proteção aos seres humanos,
inclusive, com questões relacionadas à soberania dos países em desenvolvimento
e, até mesmo, naquilo que concerne à igualdade entre os povos do mundo, em
consonância, portanto, com o direito internacional dos direitos humanos.

3 A regulamentação da bioeconomia no Brasil


O presente tópico se dirige ao estudo da legislação brasileira em vigor rela-
cionada à exploração de recursos biológicos e, consequentemente, à bioecono-
mia, bem como às diretrizes propostas pela Confederação Nacional da Indústria
em 2013.
Na legislação nacional, os principais diplomas voltados à questão da explora-
ção de recursos biológicos são: a Lei n. 11.105, de 2005; a Lei n. 13.123, de 2015;
e o Decreto n. 8.772, de 2016. Esses instrumentos, por sua vez, trazem alguns
dispositivos voltados à proteção dos seres humanos.
O art. 6º da Lei n. 11.105/2005 proíbe a engenharia genética em célula ger-
minal humana, zigoto humano e embrião humano e a clonagem humana, punin-
do-as como crimes em seus arts. 24 (utilização de embriões humanos), 25 (prática
de engenharia genética em célula germinal humana, zigoto ou embrião humano)
e 26 (clonagem humana) (BRASIL, 2005).
O art. 5º da Lei n. 13.123/2013 veda “[…] o acesso ao patrimônio genético
e ao conhecimento tradicional associado para práticas nocivas ao meio ambiente,
à reprodução cultural e à saúde humana e para o desenvolvimento de armas bioló-
gicas e químicas” (BRASIL, 2015).
O § 4º do art. 1º do Decreto n. 8.772, que regulamenta a Lei n. 13.123
de 2015 inclui, no patrimônio genético, “[…] a seleção natural combinada com
seleção humana no ambiente local” (BRASIL, 2016). Nota-se, portanto, a insufi-
ciência dos referidos dispositivos para a proteção dos seres humanos no contexto
da bioeconomia.
E fica evidente que a legislação nacional acerca da exploração de recursos bio-
lógicos necessita de aprimoramentos, há estudos que comprovam essa necessidade.
Nesse sentido, o relatório da Confederação Nacional da Indústria e da Harvard
Business Review Analytic Services afirma que o marco regulatório relacionado à bio-
economia deve ser aprimorado, adequando-se à totalidade da legislação nacional
acerca do tema com impacto direto sobre os setores industriais (CNI, 2013). De
acordo com a referida agenda: o patrimônio genético é um, bem de uso comum
do povo, de modo que a União deve gerir o patrimônio genético e o acesso ao
conhecimento tradicional. Isso porque tem valor econômico potencial, que só se

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torna real quando convertido em insumos, produtos ou processos (CNI, 2013).


Os benefícios decorrentes da exploração econômica desse produto ou pro-
cesso relacionado ao patrimônio genético devem ser partilhados. Sua exploração,
contudo, deve ser realizada de maneira sustentável, para garantir a conservação da
diversidade biológica e o equilíbrio dos ecossistemas (CNI, 2013).
No mesmo sentido, a legislação de biossegurança associada à pesquisa, pro-
dução e comercialização de organismos geneticamente modificados deve ser utili-
zada de maneira eficiente (CNI, 2013).
A Genetic Use Restriction Technologies (GURTs – Restrição do Uso de Tecno-
logias Genéticas) deve ser cautelosa, pois esse setor é uma importante ferramen-
ta biotecnológica no controle do fluxo genético de culturas transgênicas (CNI,
2013), o que pode demonstrar uma maior preocupação com a economicidade do
que com a humanidade. Nesse sentido, de acordo com o referido estudo:
O nacionalismo genético tem pouco futuro num mundo conec-
tado em redes. Países que afastam pesquisadores e com processos
de concessão de vistos burocráticos deixam de atrair cérebros bri-
lhantes para trabalhar e alavancar o campo das ciências e, nesse
mesmo sentido, políticas que visem manter os dados da bios-
fera brasileira como “patrimônio exclusivo” é um suicídio, pois
os meios de comunicação global dificilmente permitirão isso.
Essas medidas apenas servirão para garantir que estes cérebros
brilhantes, que novas pesquisas, que novas descobertas, e que
empresas, se mudem para outros países. Existem muitos motivos
pelos quais o Brasil pode e deve ser um líder nas ciências da vida.
Antes de mais nada, conta com uma população jovem, inteligen-
te e trabalhadora. Com um enfoque mais seletivo, treinamento,
apoio, conectividade e imigração, essa população pode tornar-se
um eixo fundamental em pesquisas e implantação dessas novas
tecnologias. Mas com a burocracia é muito mais fácil dizer “não”.
É muito mais fácil ter medo de tomar decisões firmes por ações
promissoras e negligenciar os custos por não agir no momento
correto. Isso é uma realidade constante em economias emergentes
diante de novos riscos e desafios. E, assim, quando chegar a hora
em que todos esses erros se mostrarem fatais e quando as ciências
da vida se estabelecerem como a principal linguagem do Século
21, será tarde demais. Os novos hubs globais de tecnologia, os
vencedores, aqueles que anteviram o surgimento dessa nova lin-
guagem e a absorveram e a aplicaram inteligentemente, estarão
em um estado tecnológico muito distante para serem alcançados.

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40 A REGULAMENTAÇÃO DA BIOECONOMIA PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

As sementes de uma comunidade científica das ciências da vida já


estão brotando no Brasil, mas ainda é uma comunidade que pre-
cisa de ajuda, amor, apoio, paciência, recursos e orientação. Há
poucas empresas que, apesar dos obstáculos, saíram-se bem; […]
Mas um, dois, três, uma dúzia de empreendedores e empresas de
sucesso é muito pouco, dada a importância para a economia bra-
sileira de produtos que sejam naturais e orgânicos. Naturais e or-
gânicos no sentido de serem feitos pela natureza, por química or-
gânica, por diversas empresas processadoras de alimentos, rações,
fibras, produtos químicos para uma infinidade de usos. Portanto,
prestem atenção aos estudos de casos, propostas e oportunidades
apresentadas neste documento. Foram escritos por pessoas […]
que querem que seu país crie e seja líder em uma nova economia.
Pessoas que querem apostar naquilo que é o mais difícil de alcan-
çar: a mudança. O mais fácil, em um país abundante em tantos
recursos e oportunidades como o Brasil, seria ignorar a controvér-
sia, a complexidade, e os meios abstratos que permeiam os temas
relacionados às ciências da vida (CNI, 2013, p. 7).

Apesar de a sustentabilidade ser uma preocupação presente nos instrumentos


legais, regulamentos e pesquisas referentes à exploração de recursos biológicos e à
proteção dos direitos humanos ainda aparecem em um plano secundário, situação
que deve ser modificada nos âmbitos nacional e internacional.
A despeito disso, é necessária uma legislação capaz de assegurar o compro-
metimento do organismo, responsável por todo e qualquer tipo de exploração
de recursos naturais e biológicos, como a segurança e a sustentabilidade do meio
ambiente como um todo, para, assim, evitar desastres que dizimam vidas humanas
e biológicas, espécies animais, a fauna e a flora, garantindo uma vida digna para as
gerações atuais e futuras.
Nesse sentido, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, junto
ao Serviço Florestal Brasileiro, lançou, em 2019, um documento denominado
“Bioeconomia da floresta: a conjuntura da produção florestal não madeireira no
Brasil” (BRASIL, 2019a), no qual trata do extrativismo florestal como atividade
bioeconômica relevante.
De acordo com o documento, faltam informações precisas quanto à pro-
dução florestal não madeireira no mundo. As que existem, entretanto, apontam
a importância dessa atividade quanto à segurança alimentar, geração de renda e
do aumento da diversidade nutricional para uma a cada cinco pessoas no mundo
(BRASIL, 2019a).

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Essa produção florestal requer florestas conservadas e devidamente mane-


jadas, que “[…] mantêm as funções de sequestro de carbono, regulação do ciclo
hidrológico, controle de erosões, mitigação dos processos de mudança climática,
entre outros. Dessa forma, a atividade incentiva à conservação e até mesmo à re-
cuperação florestal” (BRASIL, 2019a, p. 14).
Além disso, a produção florestal não madeireira contribui para a geração de
renda nas comunidades locais, além de promover a conservação das florestas e a
mitigar os efeitos da mudança climática, mas “[…] carece do estabelecimento
de políticas públicas que promovam o desenvolvimento da atividade” (BRASIL,
2019a, p. 63). Além disso:
As diversas ações e programas implementados, associados ao au-
mento da demanda pelos produtos não madeireiros da floresta ou
produtos da biodiversidade no mercado nacional e internacional
nos últimos anos, não somente permitiu, como também exigiu
o aperfeiçoamento e ampliação das políticas públicas brasilei-
ras. No mundo, o conceito de bioeconomia vem sendo cada vez
mais utilizado. Estando basicamente relacionado às atividades e
relações econômicas que envolvem inovação no uso dos recursos
naturais. Parte dessas relações está diretamente ligada à utilização
dos produtos não madeireiros que é realizada pela agricultura fa-
miliar, povos e comunidades tradicionais (BRASIL, 2019, p. 64).

Nesse sentido, faz-se imperiosa a regulamentação bioeconômica da referida


produção, com vistas à sua lucratividade e à preservação ambiental. Em decorrên-
cia disso, o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento lançou em junho
de 2019 o Programa Bioeconomia Brasil Sociobiodiversidade.
A regulamentação do referido programa deu-se por meio da Portaria 121 de
2019 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Seu art. 2º deter-
mina que seu objetivo é promover a articulação de parcerias entre o Poder Público
e os extratores, “[…] visando a promoção e estruturação de sistemas produtivos”
(BRASIL, 2019b).
Tais parcerias, entretanto, devem basear-se “[…] no uso sustentável dos re-
cursos da sociobiodiversidade e do extrativismo, assim como na produção e utili-
zação de energia a partir de fontes renováveis que permitam ampliar a participação
desses segmentos nos arranjos produtivos e econômicos que envolvam o conceito
da bioeconomia” (BRASIL, 2019b).
Para tanto, foram estabelecidos cinco eixos: estruturação produtiva das cadeias
do extrativismo (pró-extrativismo); ervas medicinais, aromáticas, condimentares,
azeites e chás especiais do Brasil; roteiros da sociobiodiversidade; potencialidades

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42 A REGULAMENTAÇÃO DA BIOECONOMIA PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Um dos itens do Preâmbulo da Convenção determina “[…] a conservação e


a utilização sustentável da diversidade biológica fortalecerão as relações de amizade
entre os Estados e contribuirão para a paz da humanidade” (BRASIL, 1998).
O art. 2º do referido Pacto, que concerne à utilização de termos para os
propósitos desta Convenção, incorpora, entre os recursos biológicos todos aqueles
que tenham “[…] real ou potencial utilidade ou valor para a humanidade” (BRA-
SIL, 1998).
Já o art. 8º do instrumento, relacionado à Conservação in situ, afirma a ne-
cessidade de se estabelecer ou manter meios de regulamentação, administração ou
controle de liberação de organismos vivos modificados, “[…] levando também em
conta os riscos para a saúde humana” (BRASIL, 1998).
Note-se que a Convenção de 1992, assim como as demais, volta-se à questão
econômica relacionada à exploração dos recursos biológicos, pouco se preocupan-
do com a preservação da integridade dos seres humanos que se utilizam desses
produtos. Portanto, a legislação brasileira deve avançar, no sentido de colocar-se
à disposição da população atingida por essas atividades e mecanismos de controle
jurisdicional, a fim de preservar direitos e limitar de maneira sustentável a explo-
ração dos recursos biológicos disponíveis.
O United Nations Environment Programme (UNEP – o Programa Ambien-
tal das Nações Unidas) nas Decisions Adopted by the Conference of the Parties to
the Convention on Biological Diversity at its sixth meeting (Decisões adotadas na
Conferência dos partidos para a Convenção da Diversidade Biológica, em seu
sexto encontro), ocorrida no ano de 2002, regulamentou algumas disposições da
Convenção Sobre a Diversidade Biológica.
Entre os objetivos, destaca-se a necessidade de contribuir para aliviar a pobre-
za e apoiar a segurança alimentar humana, saúde e integridade cultural, especial-
mente nos países em desenvolvimento, menos desenvolvidos e pequenos Estados
insulares em desenvolvimento (UNEP, 2002).
Georgescu-Roegen, considerado o patrono da bioeconomia, em 1975, fixou
alguns pontos essenciais para o desenvolvimento desse ramo de estudos. Conside-
rou, inicialmente, a necessidade de se adotar uma mentalidade pacifista mundial,
caracterizada pelo fim das guerras e do consequente encerramento da produção
gerado por esses conflitos (GEORGESCU-ROEGEN, 1975).
Seria necessário um acordo internacional, dirigido ao fim do desperdício de
matérias primas na produção. Além disso, seriam imperiosas a inclusão e a justiça
social para todos os seres humanos, mediante o incentivo à existência digna, no-
tadamente nos países subdesenvolvidos (GEORGESCU-ROEGEN, 1975). Para
tanto, é necessária a partilha internacional dos custos da ajuda humanitária. O

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Virgínia Ramos Castilho 43

da agrobiodiversidade brasileira; energias renováveis para a agricultura familiar


(BRASIL, 2019b).
Demonstra-se, portanto, a tentativa do governo brasileiro de regulamentar
uma atividade bioeconomicamente relevante, em consonância não apenas com
a preservação ambiental, como, também, em relação aos direitos humanos das
populações que habitam os biomas florestais do país.
Não se pode esquecer que, embora o avanço tecnológico e produtivo de um
setor da economia, no caso, trate da bioeconomia, tende-se a observar muitas ve-
zes, os avanços econômicos em detrimento da segurança e sustentabilidade da vida
e da dignidade da vida humana. No entanto, ambos andam de mãos dadas, de um
lado a economia que gira a roda da vida e, de outro a vida humana que deve ser
preservada dentro de moldes correlatos ao desenvolvimento integral.

Conclusão
A definição de bioeconomia é historicamente recente. Surgiu para se adequar
a questões relacionadas à biotecnologia e à exploração do patrimônio genético em
geral, assim como para explicar a necessidade de limitações preventivas e repressi-
vas a tais práticas.
Trata-se de um ramo da ciência econômica em escala mundial, que evolui
rapidamente e que se apropria de gigantesca fatia do capital mundial, de maneira
que o conceito é trabalhado por estudiosos de todo o mundo que, inclusive, cons-
troem definições que se relacionam.
Por ser um relevantíssimo ramo da economia mundial, diversas questões re-
lacionadas ao patrimônio biológico e genético se refletem nos estudos, nos do-
cumentos oficiais e instrumentos normativos a ele concernentes, de maneira que
conceitos similares podem surgir.
Uma definição para a economia de base biológica foi dada pela União Euro-
peia, com um conceito um pouco mais específico do que o de bioeconomia, que
se relaciona às ciências da vida, notadamente à genética e à biologia molecular e
celular, bem como ao modo como atingem e modificam produtos, negócios e a
indústria global.
Mesmo se relacionando à vida como um todo, por ser um conceito notada-
mente econômico, a bioeconomia é estudada e trabalhada de maneira dirigida ao
progresso e ao aumento da riqueza, concentrando-se, desse modo, no homem e
em suas necessidades e desejos.
Assim, são indispensáveis seus conhecimento e tratamento por governos lo-
cais e pela comunidade internacional sejam aliados a questões diversas condizentes

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44 A REGULAMENTAÇÃO DA BIOECONOMIA PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

ao respeito quanto aos governos e legislações de ordem nacional. Ocorre que o


estudo desse ramo científico se dirige ao crescimento da riqueza humana e como
toda atividade econômica, a bioeconomia deve ser tratada pelas ciências jurídicas.
A necessidade de regulamentação das atividades econômicas que envolvem
recursos biológicos faz que os instrumentos jurídicos de contenção, limitação, pre-
venção e governança devam ser criados ou, se já existentes, devam ser constante-
mente aprimorados. Tal regulamentação deve se voltar à sustentabilidade e ao fu-
turo da humanidade. Exemplo desse tipo de regulamentação deu-se na Alemanha,
que demonstra ter evoluído no que concernente à regulamentação da utilização de
recursos biológicos para fins econômicos.
Existem importantes instrumentos de regulamentação da exploração do pa-
trimônio biológico no âmbito internacional. No entanto, não se voltam especifi-
camente à sustentabilidade e à proteção aos seres humanos.
Dispõe sobre o crescimento, desenvolvimento e aumento da riqueza, em de-
trimento dos aspectos protetivos necessários à preservação dos recursos biológicos,
relacionados aos direitos humanos.
Um dos tratados internacionais mais relevantes acerca da exploração de re-
cursos biológicos é a Convenção sobre Diversidade Biológica, de 1992, que se vol-
ta a questões econômicas relacionadas à exploração dos recursos biológicos, muito
pouco se preocupando com a integridade dos seres humanos que se utilizam dos
referidos produtos.
Nesse sentido, a United Nations Environment Programme (UNEP), nas Deci-
sions Adopted by the Conference of the Parties to the Convention on Biological Diversi-
ty at its sixth meeting, ocorrida no ano de 2002, regulamentou algumas disposições
da Convenção Sobre a Diversidade Biológica.
É cediço, ser de suma importância o tema ora discutido, considerando que
não havendo controle sobre a extração de recursos naturais, essa prática desmedi-
da e descontrolada causa impacto negativo sobre o solo, vegetação, qualidade da
água, entre outros. A consequência de uma exploração desenfreada dos recursos
biológicos e sem o devido planejamento é a perda da biodiversidade, incluindo no
conceito de biodiversidade biológica a totalidade dos recursos vivos e genéticos.
As diretrizes resultantes dessa reunião demonstram maior preocupação com
a proteção aos direitos humanos, especialmente no que tange a questões direcio-
nadas à soberania dos países em desenvolvimento e à igualdade entre os povos.
Nessa esteira, e com respeito à soberania dos países, a agenda 2030 da ONU
traz ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) de número 15, segundo o
qual, “proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres,
gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter a perda da

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biodiversidade”, é importante para interromper a perda e o desgaste da biodiver-


sidade.
O relatório da Confederação Nacional da Indústria e da Harvard Business Re-
view Analytic Services corrobora essa afirmação, já que se preocupa mais com a
economicidade do que com a humanidade, conformando aquilo que dispõe os
instrumentos internacionais relacionados à temática.
No Brasil, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, junto ao
Serviço Florestal Brasileiro, lançou, em 2019, as diretrizes para a Bioeconomia da
floresta, em relação à produção florestal não madeireira no Brasil, que trata do
extrativismo florestal como atividade bioeconômica relevante.
Em decorrência da necessidade de regulamentação dessas diretrizes, foi ela-
borado o Programa Bioeconomia Brasil Sociobiodiversidade, na tentativa de re-
gulamentar uma atividade bioeconomicamente relevante, em consonância com
a preservação ambiental e os direitos humanos das populações que habitam os
biomas florestais brasileiros.
A sustentabilidade é uma preocupação presente nos instrumentos legais, re-
gulamentos e pesquisas referentes à exploração de recursos biológicos, porém, a
proteção aos direitos humanos ainda aparece em um plano secundário, situação
que deve ser modificada nos âmbitos nacional e internacional.

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modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança
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Lei n. 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória n. 2.191-9, de 23 de

Dom Helder Revista de Direito, v.3, n.6, p. 27-47, Maio/Agosto de 2020


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