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Estilo - Vida Intelectual - Sertillanges

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A vida

intelectual
seu espírito, suas condições, seus métodos

A.-D. SERTILLANGEES

pta 2pn
Tradução Cudlennuulo
18"pp3 RoBERTO MALLETCa uhe Aaceioeni
vn'n AV o19
Prefácio Canuto
OLAvO DE CARVALHO
HÚdson K. P.
Professor Portugués IFAL
SIAPE: 1690338

KIRION
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (ciP)

Sertillanges, Antonin-Dalmace.

Avida espírito, suas condiçôes, seus


intelectual-Seu
métodos/ tradução de Roberto Mallet: prefácio de Olavo
de Carvalho -

Campinas, SP: Kírion, 2019.

Titulo original:
La Vie intellectuelle; son esprit, ses conditions, ses méthodes

ISBN 978-85-94090-19-5

1. Educação 2. Métodos de estudo


3. Aconselhamento pessoal
I. Titulo II. Autor

CDD 370/371 302-81/371-46

Indices para catálogo sistemático:


1. Educação - 370

2. Métodos de estudo -371 302-81


3. Aconselhamento pessoal -

371-46

Este livro foi composto em AGaramond Pro


e impresso pela Gráfica Daikoku, nos papéis Chambril Avena 8o gr/m*
eCartão triplex 250 gr/m
VIII
O trabalho criador

I. ESCREVER
1s de
produzir. Náo se podc cstar Sempre
E agorao momento

aprendendoc sempre preparando. De resto, aprender e prepa-


rar não é possivel sem uma dose de realização que os favoreça. E
caminhando que se torja o
próprio caminho. Toda a vida anda em
circulos. Um órgáo que se exercita cresce e se fortalece; um órgão
tortalecido age com mais potëncia. Deve-se escrever ao longo de
oda a vida intelectual.
Escreve-se primeiramente para si mesmo, para ver com clareza al
propria situação, para determinar melhor seus pensamentos, para
sustentar ou avivar a
atenção que logo enfraquece se a açáo náo a
exige, para reunir as
pesquisas cuja necessidade revela-se
pro- na
dução, para encorajar o esforço que minguaria se não constatasse
jamais um cfeito visível, e enfim para criar seu estilo e
cSse valor que
adquirir
coroa todos os outros: a arte do escritor.
Escrevendo, é preciso publicar - desde que bons juízes achem
que está capacitado para isso e que você mesmo sinta a
para o vo. O pássaro sabe bem
aptidão
Sua máe o
quando pode afrontar o espaço;
sabe com maior segurança;
uma sábia
apoiado em si mesmo e em
maternidade espiritual, voe logo que puder. O contato
Com público vai obrigá-lo a produzir melhor; os
o
elogios mereci-
os o cncorajarão; as críticas exerceráo seu controle;
Ihe será
será
he por assim dizer imposto, em lugar da
o
progresso
deria resultar de um estagnação que po-
perpétuo silêncio. A
uma
semeadura de bens. Toda obra é umapaternidade intelectual é
nascente.

171
A VIDA INTELECTUAL

O Padre Gratry insiste muito na ehcácia da escrita. Aconselha


medite sempre com a pluma hora pura da
na mao e que a
que se
manhá seja consagrada a esse contato do espirito consigo mesmo.
Deve-se levar em conta as disposiçoes pessoais, mas é certo que

para a maioria a pluma desempenha


o mesmo papel do treinador
nos jogos esportivos.
Falar é ouvir a própria alma e, nela, a verdade; falar solitária e
silenciosamente durante a escrita é ouvir-se e experimentar a ver-
dade como frescor da sensação de um homem madrugador que
ausculta a natureza ao alvorecer.
Em tudo é preciso começar. "O começo é mais que a metade
do todo", disse Aristóteles. Quem nada produz, habitua-se à pas-
sividade;o medo que provém do orgulho ou a timidez aumentam
cada vez mais; acaba-se recuando, cansando de esperar, ficando
improdutivo como broto sufocado.
um
A arte de escrever, como já disse, exige essa longa e precoce apli
a se torna um hábito mental e constitui o
cação que pouco pouco
se chama de estilo. Meu "estilo", minha "pluma", é o instru
que
mento espiritual de que me sirvo para dizer para mim mesmo e
instrumento é
para que ouço da verdade eterna. Esse
os outros o
uma qualidade do meu ser, um feitio interior, uma disposição do
cérebro vivo, ou seja, é o eu que evoluiu de uma certa maneira.

"Oestiloé ohomem
O estilo forma-se portanto junto com o escritor; o mutismo
é uma diminuição da pessoa. Se você quer ser em plenitude, do
ponto de vista intelectual, é preciso pensar alto, pensar explicita-
mente, quer dizer, formar por dentro e por fora o seu verbo.
Talvez seja esta a ocasiáo de dizer em algumas palavras o

que deve ser um estilo em relação aos fins sugeridos aqui para o
intelectual.
Mas, ail, seria melhor não escrever do que ousar dizer como
se escreve. A humildade não é difícil quando perante Pascal,
La Fontaine, Bossuet, Montaigne, já sentimos o poder ou expe
rimentamos a tranqüila expansão de um grande estilo. Podemos
ao menos confessar o ideal que visamos e que não conseguimos

I72
O TRABALHO CRIADOR

noir: declará-lo é a uma só vez acusar-se e honrar-se nele, que


nos julga.

As qualidades do estilo podem ser explicadas em tantos artigos


auantos se queira; tudo
pode ser condensado, creio, nestas três
palavras: verdade, individualidade, simplicidade. A menos que se
prefira resumi-lo em uma só expressão: escrever com verdade.
Um estilo é verdadeiro quando responde a uma
necessidade do
pensamento e se mantem intimamente em contato com as coisas.
o discurso é um ato vital: não deve ser uma
ruptura com a
vida, o que acontece quando caímos no artificialismo, no
conven-
cional, Bergson diria no tout
fait. Escrever, por um lado, e por
outro viver sua vida espontânea e sincera é ofender o verbo e a
harmoniosa unidade humana.
O "discurso de circunstância" é o tipo dessas coisas
que dize-
mos
porque devem ser ditas, que só são pensadas literariamente,
utilizando essa eloqüência da qual zomba a verdadeira
eloqüência.
Eo discurso de circunstância não passa freqüentemente de um
discurso de ocasião. Pode até ser
genial, e Demóstenes ou Bossuet
provam-no; mas só o será se a circunstância tirar de nosso íntimoo
aquilo que também viria por si mesmo, o que se relaciona com
nossa visáo pessoal, com nossas
meditações de sempre.
A virtude da palavra, falada ou escrita, é uma abnegação e uma
retidão: abnegação que náo deixa a personalidade interpor-se en-
tre a verdade que tala no interior e a alma que escuta; retidao

que expõe ingenuamente o que se revelou na inspiração e não Ihe


acrescenta palavras vás.
Olha no teu coração e escreve", disse Sidney. Quem escreve
assim, sem orgulho nem artifício, como que para si mesmo, tala
na verdade para toda a humanidade, se tiver talento para lançar
a distância uma palavra verídica. A humanidade se reconhecerá

nesse discurso, pois foi ela quemo inspirou. A vida reconhece a


VIda. Se dou ao próximo apenas um papel impresso, ele talvez o

. No que
já está feito, no que já está dado- NT.

173
A VIDA INTELECTUAL

curiosidade, mas em seguida abandonará; se


o eu for
olhe com

como uma árvoreque oferece


sua cheios
tolhageme seus frutos
de seiva, se dou-me com plenitude, convencerei, e, como Péricles,
dardo cravado nas almas.
deixarei um
Obedecendo às leis do pensamento, mostro-me na proximidade
das coisas, ou antes, na intimidade das coisas. Pensar é conceber
aquilo que é; escrever com verdade, quer dizer, sendo fiel ao pensa
mento, é revelar aquilo que é, não enfhleirar frases. Assim, o segredo
de escreveré colocar-se diante das coisas ardentemente, até que elas
nos falem c determinem por si mesmas o que devemos exprimir.
O discurso deve corresponder à verdade da vida, O audi
tor é um homem; quem fala não pode ser uma sombra.o
auditor abre-lhe uma alma que deve ser curada ou esclarecida: não
Ihe de apenas palavras. Enquanto suas frases sucedem-se, ele deve
olhar para fora, olhar em si mesmo, e perceber que existe uma
correspondência.
A verdade do estilo afasta o clichê. Denomina-se assim uma
verdade antiga, uma tórmula que se tornou um lugar-comum, «
pressóes que um dia foram novas, e que já não o são precisamente
porque perderam o contato com a realidade de onde nasceram,
pois flutuam no ar, vãos ouropéis que substituem a matéria viva, a
transcrição direta e imediata da idéia.
Como observa Paul Valéry, é o automatismo que desgasta as
linguas. Quem está vivo, diz ele, utiliza sempre a sintaxe "com
plena consciëncia", aplicando-se em articular com vigilància todos
os seus elementos, evitando certos efeitos que surgem por si mes-
mos e
que pretendem a primazia. Essa pretensão é precisamente
a razáo quejustifica descartar esses parasitas, esses intrusos, esses

impertinentes.
O grande estilo consiste na descoberta das relações esenciais
entre os elementos do pensamento, arte de
e na
nenhum balbucio acessório. "Escrever como acumula-se o
exprim-as>
sobre a folha e as estalactites na
orvain
gruta, nasce a carne
gue e comoa fibra
como
do
lenhosa da árvore forma-se da seiva': que ideal

2 Ralph Waldo Emerson, Autobiographie d'après son journal

174
O TRARALHO CRIADOR

A pessoaorgulhosa perturbacdora estará ausenre nun tat


e
curso, como dissemos; e a peronalidade da o
expressán frcará ainda
mais acentuada e clara nele. Aquilo que sai
qu de mim sem euo
manipule assemelha-se a mim necesariamente. Meu estiko è meu
rosto. m rosto tecm as
características gerais da espécie, mas tern
também uma individualidade extraordinária e incomunicável: t
unico na Terra inteira e por todos os séculos; é disto que vem, em
parte, o vivo interesse que despertam os retratos.

Ora, com certeza nosso espírito


é ainda muito mais original;
mas nós o ocultamos atrás de generalidades adquiridas, de frases
radicionais, de agrupamentos verbais que traduzem apenas velhos
habitos, e náo amor. Mostrá-lo tal como é, apoiando-se nas 2qui-
siçóes que são de todos, mas sem perder-se nelas, suscitaria um
interesse inesgotável, e isto seria arte.
O estilo que convém a um pensamento é como o corpo que
de uma certa
pertence a uma alma, como planta que provém
a

sermente: tem sua arquitetura particular. Imitar é alienar o pensa


mento; escrever sem caráter é declará-lo vago e pueril.
Náo devemos jamais escrever "à maneira de.., nem sequerà
mancira de nós mesmos. Náo temos que ter maneira; a verdade
não a tem; cla se apresenta; ela é sempre nova. Mas o som que
transmite a verdade náo deixar de ser personalizado por cada
pode
um dos seus instrumentos.
Todos os homens verdadeiramente grandes foram originais
Csreveu Jules Lachelier; "mas eles nem quiseram nem acreditaram
palavras de
contrário, foi buscando fazer de e seus
*lo; ao suas
ats a expressáo adequada da razáo que cles encontraram a forma

parsicular soba qual estavam destinados aexprimi-la


d o instrumento tem um timbre. Se a mancira é uma ae-

fato concreto; cm vez de


, a originalidade verdadeira é um
iraguecer, ela reforça a impressão produzida sobre o leitor. que

Sua vez receberá em consonáncia com o que cle mesmo

gata *gundo eu diátio intimof. Traduçao, introdu_io e noas de


ay Michuud, ed. Armand
Colin, Paris, 1914.p. 640

175
A VMA INIELECTDAL

e o sentimento pessoal
O gue deve set prasetito na que

renova c glorifica, mas a vontade propria que se opóe ao ada

da vendade.

simplicidade. O lorcio 6 uma ofensa ao Dene


Disso decure a

samento, ou cntào é um expedietnte para esconder sua vacuidade


Nao há tHoreios na realidade; so há necessidades orgdnicas, O que
na natureia nada de brilhante; mas o
não signihica que náo haja
razão de ser, sustetado por
brilhante também é organico, tem sua
destazenm.
uubstruóes que não se
o fruto, a tolhagem
Pata a natureza, a tlor é tão grave quanto
ralzes é a manites
galho; o todo depende das
e
táo grave quanto o
idéia da espécie. Ora, o cstilo,
taçao da semente, a qual contén a
máo de um trabalhador, imita as criaçóes naturais
quando sai da como um
U'na frase, trecho escrito, devem ser construidos
um
uma árvorc. Nado
famo vivo, como um filamento de raiz, como
tem nada de supérfuo, nem ornamento; contém somente o que
no
eva de unma semente a outra semente, da sciente germinada
leltor e assim propagar a verdade
erilor à que deve getminar no
ou a bondade humana.
tratá lo como um ob-
Ocstilo náo tem sua razão cnn si mesmo;

jeto é deturpå lo e aviltá lo. E preciso desprezar a verdade para que


* poMSa dedicar-sc à "lorma, para tornarse, cm vez de pocta, ri
do estilo
mador, em vez de escritor, cstilistal Quem possui o genio e
drve levá loà perfelção, o que é um direito de tudo o que existe;
um dewjo legitimo tornar-se tao hálbil quanto o velho ferreiro no

weu ofkio, mas o ferreiro não se diverte forjando volutas prazero-


amenteele prudur placas, fechaduras e grades.
e i l o exclui a inutilidade; é uma econonmia estrita no scio da

TjuCza gAsta tudo quc for preciso, poupa aqui com um arranjo
Aable gasa ali pata » glóia da verdade. Seu papel não é brilhat,
nae laret ver; deve
mesmo ndo se fazer notar, e é entdo quue fei
prla glória. "O belo é a purgaçao de tudo que é supèrho
duia Muhelangelo, e Delacroix
ties, aa faues
louvou lhe "os magnifhcos vo
simples, narizes sem detalhes"E obvervou quue
os

176
1RARALIO CRAI
RS aompanhado por contanos muito hrone, LU c
Mahelangeh, Leonando e sobretuta e n Velásquez, mas
Van Dyrk, e isto é tanmbém nao
THeure exrever na forma
uma
liçao
inevitável, partir pen
CINO Ou do sentimento exato que quer exprimir.doSeu
a

ser compreendiido por todos, como convém a um homenobjetiv.c


que tala
para o u t s homens, e
busque atingir neles tudo o que è
indiretamente um orgào da verdade. "Um estilo completodireta o
é aquelc
que atinge todas as almas e todas as faculdades das almas
Não corteje a moda; época
vai influenciá-lo por si mesma
sua
e encontrará sua maneira de se conformar com a eternidade.
Ofereça água da tonte, não drogas ácidas. Muitos escritores hoje
rèm um sistema: todo sistema é uma pose, e toda pose uma afronta
beeza.
Cultive a arte da omissão, da eliminação, da simplificação: é o
segredo da força. Os mestres, ahinal, vivem repetindo isso, como
São João repetia: "Amai-vos uns aos outros"' A Lei e os Profetas,
em matéria de estilo, sáo como a inocente nudez que revela o es-
das formas vivas: pensamento, realidade, criaçóes e mani-
plendor
festação do Verbo.
Infelizmente, a inocência de espírito é rara; quando existe, alia-
-se muitas vezes à nulidade. Assim, somente duas espécies de es-
de
piritos parecem predispostos à simplicidade: os espíritos pouca
envergadura e os gênios; os outros são obrigados a adquiri-la
laboriosamente, tolhidos por sua própria riqueza e não conse

guindo despojar-se tanto quanto gostariam.

II. DESAPEGAR-SE DE SI MESMO E DO MUNDO

estilo, e o trabalho criador em geral, exigem o desapego.

Apersonalidade inoportuna deve ser afastada; o mundo, esquecido.


Quem medita sobre a verdade pode se deixar distrair por si mesmo

3.Alphonse Gratry, Les Sources.


2Jo 1, 5.
Jo 15, 12e 13, 34; 1Jo 3. 11: 3, 23: 4. 7 4. 1I-12 e

I77

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