A tapas e pontapés
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A tapas e pontapés - Diogo Mainardi
Sou colunista da Veja desde o Carnaval de 1999.
A maior parte das colunas caducou.
As que sobreviveram, reuni aqui, inteiras
ou retalhadas, na ordem que me pareceu melhor.
S U M Á R I O
Parasitas
Plebiscito
Panelaço
Fé
Laranjas
Abacaxi
Abrasileiramento
Macacos
Filho
Museu
Impressionismo
Balas
Pobres
Imigrante
Empombações
A leitura é um fetiche nacional. Atribuímos grande importância à leitura. Desde que sejam os outros a ler.
Como tornar o Brasil uma nação letrada? É o título de um documento de Ottaviano Carlo De Fiore, secretário do Livro e Leitura. Eu nem sabia que o Ministério da Cultura tinha um secretário do Livro e Leitura. Mas tem. Sua principal tarefa é acompanhar, avaliar e sugerir alternativas para as políticas do livro, da leitura e da biblioteca
. Foi o que Ottaviano Carlo De Fiore tentou fazer em seu documento, estudando maneiras para aumentar o interesse por livros no Brasil. Cito um trecho: É fundamental que, nos meios de massa, políticos, estrelas, sindicalistas, professores, religiosos, jornalistas (através de depoimentos, conselhos, testemunhos) propaguem contínua e perenemente a necessidade, a importância e o prazer da leitura, assim como a ascensão social e o poder pessoal que o hábito de ler confere às pessoas.
Tudo mentira, claro. O hábito da leitura constitui o maior obstáculo para a ascensão social e o poder pessoal no Brasil. Não é um acaso que aqueles que vivem de livros — os escritores — se encontrem no patamar mais baixo de nossa escala social. Muito mais baixo que políticos, estrelas, sindicalistas, professores, religiosos ou jornalistas. Basta entrar no Congresso Nacional, num estúdio de TV, numa universidade, numa igreja ou numa redação de jornal para ver que todos os presentes têm verdadeira aversão por livros. Eles sabem que ler não ajuda a conquistar poder, dinheiro, respeitabilidade. Só atrapalha. É contraproducente tentar convencer os poderosos a prestar depoimentos sobre a importância dos livros em suas carreiras, porque todo mundo sabe que não tiveram importância nenhuma. Dê uma olhada nas pessoas de sucesso que aparecem nas páginas desta revista. É fácil perceber que nenhuma delas precisou ler para subir na vida. A melhor receita para o sucesso, no Brasil, é o analfabetismo.
Duvido que um dia o Brasil venha a se tornar uma nação letrada. Se por acaso isso acontecer, os brasileiros lerão os livros errados. Se calharem de ler os livros certos, não conseguirão entender uma palavra do que leram.
Passei o Natal na Amazônia, entre os índios uaiuais. Antes de conhecer os uaiuais, eu nunca tinha entendido direito aquele trecho de Tristes Trópicos em que Claude Lévi-Strauss dizia que a função primária da comunicação escrita foi facilitar a servidão
. O poder, segundo ele, ensinava-nos a ler apenas para impingir suas leis. Lévi-Strauss ia mais longe, acrescentando que os únicos índios relativamente sensatos que tinha encontrado no Brasil eram analfabetos. Os uaiuais que encontrei no Pará são alfabetizados e um tanto insensatos, confirmando a teoria de Lévi-Strauss. Aprenderam a ler graças ao missionário americano Robert Hawkins, que os contatou em 1948. Esse missionário fez como o padre José de Anchieta no século XVI: traduziu a Bíblia para a língua dos índios e compôs um manual de gramática para que novos missionários pudessem continuar sua obra de catequese. Os religiosos americanos até hoje dedicam grandes esforços à alfabetização dos índios. Todos os uaiuais com mais de 14 anos aprendem a ler cópias surradas do único livro existente em sua língua: o Novo Testamento. Se eu tivesse de recomendar um único livro para ler o resto da vida, jamais escolheria o Novo Testamento. Muito melhor seria um romance de José Sarney. Imaginem o fascínio antropológico de uma tribo em que todos os índios soubessem recitar de cor O Dono do Mar, muito elogiado por Lévi-Strauss, por sinal.
Ao sair da aldeia dos uaiuais, tive uma crise de abstinência de leitura. Desesperado para comprar um livro, qualquer que fosse, parei em Cachoeira Porteira, mas a cidade não dispunha de livraria ou algo parecido. Oito horas depois, descendo o Rio Trombetas, cheguei a Porto Trombetas. Nenhum livro, nenhum jornal, nenhuma revista. Mais umas dez horas de barco e finalmente alcancei Oriximiná, uma cidade de tamanho médio, com cerca de 50 mil habitantes. Encontrei uma dúzia de farmácias, mas nenhum lugar onde comprar um livro. A seguir, tomei o Rio Amazonas até Óbidos, cidade natal de José Veríssimo, um dos nossos mais ilustres críticos literários. Ao lado do porto, avistei uma inscrição em azul: Livraria Cultura. Na Livraria Cultura havia cadernos, canetas, bexigas, serpentinas, panelas, peneiras, vasos de plantas. Tudo, menos livros. A dona da livraria me informou que, anos atrás, ainda vendia uns livros didáticos. Agora, nem isso.
Se Lévi-Strauss estava certo em dizer que a comunicação escrita apenas reforçava a servidão, somos o povo mais livre do mundo. E o mais sensato. A despeito dos alfabetizados uaiuais.
O estímulo à leitura alimenta a burocracia estatal. A burocracia estatal alimenta os escritores.
Eu já peguei no pé de Carlos Heitor Cony. Sou obrigado a pegar de novo. Na época da privatização da Telebrás, ele escreveu uma série de artigos inflamados contra o governo, dizendo que entregar tudo à iniciativa privada, por um preço de banana, é no mínimo suspeito
. Mais tarde, quando vieram à tona os grampos telefônicos no BNDES, ele passou a esbravejar contra as negociatas escandalosas
, os leilões catimbados
, o mar de lama
. Chegou até a defender o afastamento de Fernando Henrique Cardoso do cargo, conclamando a população a manifestar sua revolta nas ruas, pelos homens de bem e de vergonha na cara
. Cony estava certo. O dever de um escritor é esse mesmo: desconfiar de tudo e, sempre que possível, amolar os poderosos. O problema é que agora, quatro anos depois, ele aceitou vender uma crônica — muito simpática e bem escrita, claro — para um anúncio do BNDES. Por mais surpreendente que possa parecer, o anúncio exalta o papel do BNDES na escandalosa
e catimbada
privatização da Telebrás. Cony é realmente um homem de bem e de vergonha na cara.
A campanha publicitária do BNDES conta também com crônicas de Nélida Piñon, Gilberto Gil, João Ubaldo Ribeiro e Nelson Motta. Não tenho nada contra esses bicos para o governo. No Brasil, todos os escritores vivem de dinheiro público. Nossa literatura não conseguiria sobreviver autonomamente, sem a ajuda estatal. Veja o caso de Nélida Piñon. Além do texto para o BNDES, em louvor à geladeira (alva e altaneira
, um totem urbano
, orgulho nacional
), ela é membro da Academia Brasileira de Letras, participa do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, dá palestras em universidades federais, viaja para a Feira do Livro de Guadalajara a convite da Biblioteca Nacional, publica contos através do Fundo de Cultura Econômica e fila bóia no almoço oferecido ao presidente da Romênia pelo governador Anthony Garotinho, que cita seus livros de cor.
Para se ter uma idéia mais exata da absoluta dependência de nossa literatura em relação ao poder público, recomendo O Preço da Leitura, de Marisa Lajolo e Regina Zilberman. Por meio da análise detalhada de leis, cartas, contratos, planilhas e recibos, as autoras demonstram que, ao longo da história, a atividade de escritor só existiu entre nós como gentil concessão governamental. Até hoje é assim. O Estado é responsável por mais da metade do faturamento do mercado editorial brasileiro, sem contar o dinheiro distribuído sob a forma de prêmios, subsídios fiscais, empregos no setor público e campanhas publicitárias do BNDES. O mecenato estatal, para Lajolo e Zilberman, contribuiu para atrofiar a literatura brasileira, impedindo-a de se profissionalizar e causando graves deformações em nossos escritores, que se especializaram no conchavo, na troca de favores, na adulação e na falta de caráter. Tudo isso por um preço de banana, como diria Cony.
O parasitismo do meio cultural é incompatível com a liberdade artística.
O Brasil tem mais de trinta leis de incentivo à cultura. É incentivo de mais e cultura de menos. Eu aboliria todas elas. Danem-se os artistas. Se eles não dispõem de dinheiro para fazer um filme ou para viver de poesia, vendam o carro, ou peçam emprestado a um agiota, ou explorem os amigos e parentes. Entre gastar dinheiro público para financiar uma obra de arte e deixá-lo para ser surrupiado por um político ladrão, é menos danoso, culturalmente, deixá-lo para o político ladrão.
Eu costumava achar que o dinheiro que o Estado torra em cinema deveria ser usado para construir escolas. Mudei de idéia depois de ler os planos do seqüestrador da filha de Silvio Santos. Numa única página, havia 23 erros gramaticais, embora o seqüestrador tivesse o 2º grau completo. Ou seja, ficou onze anos na escola e nem sequer conseguiu aprender singular e plural. O Estado perdeu tempo e dinheiro na tentativa de alfabetizá-lo. Teria sido melhor ensinar-lhe algo útil, como a recauchutagem de pneus, e inseri-lo no mercado de trabalho aos 10 anos de idade. Idêntico discurso vale para os membros de nossa indústria cinematográfica.
Quem se dá ao trabalho de ler esta coluna, ainda que esporadicamente, sabe que sou o rei da autopromoção. Vira e mexe arrumo um pretexto furado para falar de minhas gloriosas criações artísticas. Agora é o contrário. Vou falar de um filme que contou com minha participação como roteirista e co-produtor, mas ele é um mero pretexto para tratar de um assunto mais abrangente: o financiamento público do cinema. De novo? Sim, eu sei que já escrevi intermináveis artigos a esse respeito e que você não tem o menor interesse pelo cinema nacional. Compreendo. Cinema nacional é mesmo uma coisa triste. Mas eu me encontro diante de um dilema curioso. Até hoje, minhas denúncias contra as leis que beneficiavam o cinema eram puramente teóricas. A partir desta semana, mexem no meu bolso. O fato é que, graças a uma certa Lei Mendonça, nosso filme ganhou a possibilidade de arrecadar 40 mil reais. O que fazer? Jogar o dinheiro pela janela ou engolir tudo o que eu disse no passado e embolsá-lo?
Passei as últimas semanas tentando vender um filme que escrevi e, sobretudo, ajudei a financiar. Além de ensinar os jornalistas a soletrar o título em latim (Mater Day?
Dei! D-E-I.
), fui obrigado a partir para o corpo-a-corpo, mostrando minha cara em público. É duro vender um produto artístico. Arte não é feita para ser vendida. Já passei pe-
las situações mais humilhantes nesse campo. Alguns anos atrás, apresentei um livro numa mesa-redonda de futebol. Depois participei de um debate numa feira de produtos agrícolas, sendo fotografado dentro de um trator. Até hoje aquela fotografia me persegue. Sempre me senti envergonhado nessas ocasiões. Pensei até em desistir da carreira por causa disso. Agora melhorei bastante. Perdi um pouco do pudor. Aprendi a fazer com uma certa desfaçatez tudo o que parece útil para o meu