APOSTILA DO CURSO Combate Corrupção
APOSTILA DO CURSO Combate Corrupção
APOSTILA DO CURSO Combate Corrupção
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Jair Messias Bolsonaro
COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA
Gisele Matos Gervásio
CONTEUDISTA
Disney Rosseti
REVISÃO DE CONTEÚDO
Cleyber Malta Lopes
2
REVISÃO PEDAGÓGICA
Ardmon dos Santos Barbosa
Gisele Matos Gervásio
Márcio Raphael Nascimento Maia
PROGRAMAÇÃO E EDIÇÃO
Ozandia Castilho Martins
Renato Antunes dos Santos
Vinicius Alves de Sousa
DESIGNER
Ozandia Castilho Martins
Zulmiro José Machado Filho
DESIGNER INSTRUCIONAL
Ozandia Castilho Martins
3
Sumário
4
Leitura Complementar ......................................................................................................67
Finalizando .......................................................................................................................68
Referências Bibliográficas ....................................................................................................70
Notas de Fim ........................................................................................................................76
5
Apresentação do Curso
Caros discentes,
6
Finalmente, serão estudados alguns casos da atualidade e dados os contornos
básicos do que seriam os programas de compliance de órgãos públicos, num exercício
de construção de novos conceitos e desenhos institucionais.
Objetivos do Curso
Objetivo Geral
Este curso tem por objetivo expor aos alunos os conceitos teóricos e as
aplicações práticas de questões sobre compliance e o enfrentamento à corrupção.
Possibilitando uma compreensão mais aprofundada do tema e a necessidade de
implantação de uma cultura de conformidade nas instituições públicas e privadas.
Objetivos Específicos
7
• Reconhecer a necessidade de implantar nos órgãos de segurança
pública programas de governança e compliance.
Estrutura do Curso
Para fins didáticos dividimos nosso curso em três módulos, da seguinte forma:
Apresentação do módulo
8
Objetivos do módulo
Bons estudos!
Estrutura do módulo:
9
AULA 1 – BREVE INTRODUÇÃO AO COMPLIANCE
10
Figura 1: Fila para conseguir sopa tendo ao fundo a propaganda do estilo de vida americano
Fonte: Margaret Bourke-White/Wikimedia Commons.
11
própria coletividade, posteriormente, a riscos antes inimagináveis diante daquele
vigente sistema de produção e circulação de bens, produtos e riquezas baseado no
indivíduo e nas pequenas propriedades.
O advento da mecanização, da produção em escala, os ambientes insalubres
e jornadas de trabalho extenuantes levam a alterar o que poderia ser considerado o
risco da atividade. As consequências de se exercer as atividades mais modernas,
mesmo que dentro das normas vigentes, passa a expor a risco os trabalhadores, a
própria circulação de bens e serviços e a coletividade. Há de se observar que, com a
produção em escala, a falência de uma fábrica poderia levar ao desemprego em
massa de pessoas de uma determinada cidade ou região, a explosão de uma caldeira
de uma fábrica poderia gerar muitas mortes, assim como o descarrilhamento de um
trem a vapor também.
Esse risco passa da mesma forma a ser observado na economia e no mercado
financeiro, uma vez que se alteram substancialmente: o comércio internacional e as
inversões de capital. A crise de 1929 foi a concretização desse risco diante do modelo
de negócios que estava vigendo.
Não é preciso pensar muito para se imaginar que a Revolução Tecnológica,
com o advento e implemento da internet e globalização econômica levaram esse risco,
no campo financeiro, a um patamar até então inimaginável.
Já tratando da segunda questão que nos interessa, a globalização3,
especialmente de cunho financeiro, trouxe o risco de se ter algo muito pior que a crise
da bolsa de 1929. Segundo o professor Antônio Corrêa de Lacerda:
A globalização é um dos processos de aprofundamento internacional da
integração econômica, social, cultural e política,[1][2] que teria sido
impulsionado pela redução de custos dos meios de transporte e comunicação
dos países no final do século XX e início do século XXI[3] sendo considerada
a maior mudança da história da economia nos últimos 40 anos. (Lacerda,
2001)
12
O que fica claro é que, com a possibilidade de que os donos do capital e os
investidores estarem em um país, enquanto a empresa ou negócio que eles investem
esteja localizada em outro e, muitas vezes, parte da matéria-prima, insumos e mesmo
mão-de-obra e setores de TI em países diversos, tudo aliado à globalização e
tecnologias que permitam, a um clique, a inversão de valores, investimentos, saques
e etc., o risco se torna algo com potencial imenso de geração de crises em escala
global, com perda de capital em cifras elevadíssimas.
O mesmo raciocínio se faz em relação aos governos e suas políticas, pois um
governo estável, com mecanismos de controle e gestão eficazes, e com níveis baixos
de corrupção, leva a um risco baixo para fins de investimentos, com pouca
probabilidade de ocorrerem escândalos financeiros.
É nesse contexto de alto risco, potencializado pela globalização, e diante de
escândalos financeiros, que surgem as teorias de governança e compliance. Segundo
Walker (2016), ao tratar do tema e reportando-se ainda aos anos de 1970, quando o
governo dos Estados Unidos da América, diante de escândalos de corrupção, adota
medidas no sentido de estabelecer regras de CPL:
“(...) a readequação do mercado e do modelo normativo americano de
combate à corrupção, fazendo nascer o compliance, como ferramenta ou
instrumento de prevenção, detecção e mediação de condutas corruptivas,
sobretudo com o objetivo de resguardar a estabilidade do mercado de capitais
e do sistema corporativo daquele país” (Walker, 2016)
E o que toda essa estória tem a ver com a corrupção? É que em todos esses
escândalos financeiros houve em maior ou menor medida a prática da corrupção,
pública ou privada ou ainda as duas modalidades em conjunto 7. A corrupção está
intrinsecamente ligada a todos esses escândalos e crises, em maior ou menor grau,
ao lado de toda uma gama de crimes. No fim, a corrupção acaba sendo mais um fator
de risco a ser gerido em termos de prevenção e detecção para que o Estado possa
funcionar devidamente e as corporações privadas possam exercer seu negócio e
auferir os lucros pretendidos, evitando-se crises financeiras globais com prejuízos
generalizados.
Diante de todo este quadro e deste contexto histórico, este modelo surge como
o dever de cumprir as normas e regulamentos, passando com o tempo e seu natural
desenvolvimento a significar a criação e fomento de uma cultura de ética e integridade
nas instituições públicas e privadas.
13
No Brasil, especialmente diante dos grandes escândalos de corrupção, como
o “Mensalão” e a “Lava Jato”, dentre inúmeros outros casos, o tema ganha força e
surge nos últimos anos como algo imprescindível ao meio corporativo, que capitaneia
esse movimento diante do prejuízo auferido pelas empresas que tiveram seu nome e
imagem envolvidos em esquemas de corrupção.
Paralelamente, o Estado Brasileiro começa também a falar mais fortemente em
governança e compliance nos últimos anos, embora já nos anos de 1990 tenhamos
movimentos neste sentido.
De modo complementar, surgiu doutrina a respeito, multiplicaram-se os
eventos como congressos e seminários, apareceram as certificações de empresas e,
também, de profissionais especialistas no assunto, hoje com implantação
praticamente obrigatória em empresas de grande porte. Sem a qual fica
verdadeiramente inviabilizado o negócio, em especial a captação de recursos de
investidores.
Tudo isso vem com acompanhamento de arcabouço legislativo e
jurisprudencial, tendo como grande marco em nosso país a denominada Lei
Anticorrupção – Lei n.º 12.846/13, que trata da responsabilidade objetiva
administrativa e civil das pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública
nacional e estrangeira (Brasil, 2013). A lei fala, ainda, expressamente, na existência
de mecanismos e procedimentos internos de integridade, os quais serão considerados
na aplicação de sanções.
Neste mesmo diapasão, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral
da União começaram a exigir dos entes públicos uma política de gestão baseada em
práticas de governança. São marcos indiscutíveis desse processo, que se inicia ainda
na década de 1990 (conforme veremos em capítulo próprio), o Referencial Básico de
Governança, do TCU, e a IN 001/16 da CGU e MP, que estabelecem a necessidade
de todo o Executivo Federal implantar práticas de gestão de riscos, controle interno e
governança.
Em suma, este movimento não é um modismo ou algo transitório, mas sim um
conjunto de práticas, políticas, instrumentos de gestão e cultura de ética e
conformidade, que estão sendo estabelecidos no meio privado e no meio público,
ensejando uma transformação positiva para todos os setores da sociedade brasileira.
Por hora, basta que tenhamos em mente que o compliance significa cumprir as
normas, implantar uma cultura do cumprimento de normas e regras como valores
14
intrínsecos das instituições públicas e privadas e das relações entre elas, fomentando
a ética nas relações empresariais e com o governo.
15
acaba sendo uma forma de ordenar a sociedade e servir de controle social, impedindo
que cada um siga suas próprias inclinações ou interesses. Como afirmou Kant:
Ética e Moral
Ética vem do latim ethos – morada, habitat, mas para a filosofia é o caráter,
índole, natureza. Para Aristóteles se caracteriza pelo fim e objetivo a ser atingido, já
para Platão significa a busca da Justiça (Valls, 1994, pág. 20 e seg.). Trata de
escolhas que fazemos diante das situações da vida. É medida por princípios e valores
morais, os quais se alteram ao longo da história em crenças religiosas, metafísicas e,
posteriormente, pelo direito.
Ética e moral não se confundem. A moral, tradução de ethos para o latim mos
– costume (plural mores), tem a ver com as convicções de uma pessoa, derivadas dos
costumes, de seu meio social, também representando escolhas. A ética estuda e
critica a moral, refletindo sobre essas regras. Interessa para nosso tema, mais que o
naturalismo ou racionalismo grego, a relação de ética e política, pois aqui podemos
valorar a conduta de um sujeito e os valores da sociedade (Cunha, 2019).
Em resumo a ética é uma reflexão sobre a moral, esta por sua vez estabelecida
em códigos de conduta de acordo com épocas, sociedades, locais, tribos e assim por
16
diante. Uma ação considerada moral ou imoral pode ser ética ou não, de acordo com
essa reflexão. Um código de ética traz regras morais que pretendem criar uma cultura
ética. Isso é visto claramente em empresas e entidades, sejam públicas ou privadas.
Immanuel Kant dizia que o ser humano deve agir “por dever” e não “meramente
pelo dever”. Isso significa que uma ação moral é motivada pelo dever, e não aquela
que tem a aparência do dever. Seu exemplo do comerciante que dá o troco correto
por dever, e não pelo medo de perder a clientela ou outras consequências nos dá a
exata noção de ética em sua concepção (apud Dias, 2018).
No célebre diálogo de Platão intitulado Críton8, ele relata que Sócrates foi
condenado a morte, e diante da proposta de seus amigos de promover uma fuga,
subornando inclusive guardas da prisão, ele se recusou ao argumento de que as
regras e leis da cidade (polis) devem ser respeitadas, preferindo sofrer uma injustiça
que praticar algo injusto.
A par do grau de dificuldade da discussão desse tema, haja vista as
peculiaridades históricas, culturais, étnicas, e tantas outras, temos que é possível no
atual estágio de nossa sociedade ocidental, especialmente nas democracias, ter um
norte e concepções de valores básicos para as sociedades. As modernas
constituições fornecem um sólido caminho ao enunciar princípios e valores que
inegavelmente devem compor o ordenamento social, como solidariedade, justiça
social, respeito a dignidade humana, pluralidade, limites ao Estado, direitos e
garantias fundamentais etc.
Quando nós brasileiros vamos a outros países e nos deparamos com
sociedades onde a lei é estritamente cumprida por todos os seus cidadãos no dia a
dia, nas condutas mais simples, temos um certo choque de realidade. Costumamos
nos impressionar com condutas básicas, desde o respeito a um semáforo ou local de
travessia de pedestres, passando pela conduta de agentes públicos no cumprimento
do dever, até mesmo nos espantamos por não haver catracas ou cobradores em
ônibus ou metrôs, pois cada pessoa compra e valida seu bilhete.
O que ocorre é um choque de cultura, e neste termo de fato reside a grande
questão a ser enfrentada por nossa sociedade. Vemos nessas sociedades um forte
substrato de cultura baseada em valores, ou seja, na ética. A percepção é que muito
mais que a política e leis mais duras, o que há de verdade nessas sociedades é uma
cultura sólida baseada na ética a ser seguida por todos os indivíduos. E a sua
valoração de ética trabalha intrinsecamente com valores essenciais e inalienáveis,
17
indispensáveis a essas sociedades, ainda que indivíduos que a ela pertençam possam
discordar de alguns desses valores. Nesse sentido não se discute, nessas
sociedades, o valor das normas vigentes que condenam e não aceitam a corrupção.
A reportagem abaixo talvez ilustre bem essa situação:
Esta, sem sombra de dúvida, é a grande questão a ser enfrentada por nossa
sociedade. Qual a nossa cultura? Ela está baseada em quais valores? Em que moral
nos assentamos? E finalmente, qual a nossa ética enquanto indivíduos, sociedade e
país? É ético nos rebelarmos contra a corrupção, mas transigirmos com pequenos
atos que implicam transgressão de norma?
Nesse contexto, tomam vulto as questões da governança e o CPL. Esses
institutos já existem e são discutidos e aprimorados em outros países há algum tempo,
tendo especialmente nos últimos cinco anos se tornado agenda do dia nas instituições
públicas ou no meio privado no Brasil.
Para muito além de imporem medidas mais rígidas de transparência, controle,
gestão e distribuição de riscos, auditoria, responsabilização de agentes públicos e
privados, a governança e o CPL tem o grande objetivo de instituir e fomentar uma
cultura de ética e conformidade nas relações público x privada e privada x privada,
trazendo os valores da responsabilidade social, da devida compatibilização dos
interesses públicos e privados, da supremacia do interesse público, da lealdade, da
18
livre concorrência e, fundamentalmente, do cumprimento das normas como uma nova
forma de se desenvolver essas relações.
Somente com o desenvolvimento de uma cultura ética poderemos refundar
nossa sociedade de uma forma que não esteja vulnerável ao mal da corrupção. A
partir do momento em que os agentes públicos e privados realmente adotarem esses
valores por convicção, as mudanças começarão a ocorrer de forma mais sólidas e
veremos as transformações necessárias e vitais para que o Brasil se livre das amarras
da corrupção e siga seu natural curso de desenvolvimento e justiça social.
19
chegam a tratar da concessão de audiências a particulares, recebimento de brindes e
assim por diante.
Fica evidente que o problema não está na existência de normas, mas sim de
sua eficácia e efetiva aplicação, o que passa por medidas de maior controle por parte
das instituições públicas e pela implantação de programas de governança e
compliance.
A par disso tudo, o Direito tem um papel fundamental quando tratamos da ética
numa sociedade. O velho brocardo latino ubi societas, ibi jus significa que onde está
a sociedade está o Direito, e para haver o Direito haverá uma ética social que lhe
servirá de norte, de fundamento, tendo o Direito o papel de regular e controlar a
sociedade, não permitindo que o valor individual se sobreponha aos valores da
sociedade (Marconi, 2000).
Em cada sociedade há a legitimação de um sistema jurídico, a par de existirem
valores morais de cunho individual ou ainda de etnias, de grupos religiosos, de
indivíduos etc. O que o sistema jurídico faz é conferir a segurança jurídica dentro do
arcabouço jurídico que busca refletir e se legitimar pela ética vigente da maioria da
sociedade.
Neste ponto, fica inevitável o questionamento: quais os valores morais e qual
ética que prevalecem numa sociedade? Como chegar a esse consenso? Não
estaríamos abrindo a porta para valores que podem parecer completamente contrários
a ética? Qual moral e qual ética, a minha ou a sua?
Essas questões são extremamente complexas e não cabem no escopo desta
nossa reflexão enfrentá-las. O filósofo e jurista Norberto Bobbio disse em seu “A Era
dos Direitos:
20
O importante aqui é reconhecer duas coisas: primeiro que existem valores que
necessariamente vão ser incorporados por uma sociedade moderna e, segundo que
cabe ao direito tipificá-los, codificá-los e sancionar aqueles que não os cumprirem,
conferindo segurança jurídica a sociedade.
Neste sentido, e no estrito contorno do que nos propomos com este estudo,
existem direitos de natureza humana que parecem incontestáveis no mundo civilizado
atual. Assim, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida, a liberdade, a
propriedade e outros, sendo talvez o grande marco moderno neste sentido a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que enuncia os direitos
considerados inalienáveis da pessoa humana.
Vale aqui ressaltar que o combate à corrupção pode ser encarado como a
consolidação do valor da honestidade/integridade/probidade, o que parece
incontestável e imprescindível para uma sociedade. E é inegável que em nossa
sociedade, como de resto na imensa maioria dos países ditos civilizados, há clamor
social de que o problema da corrupção seja enfrentado. Em suma, que sejam
adotadas as medidas legislativas pertinentes ao tema, pois é algo validado pela ética
e moral da nossa sociedade.
Ainda quanto ao papel do Direito nesta temática, é importante constatar que se
por um lado a demanda ética e moral impõe o combate à corrupção, a existência de
legislação a respeito e sua efetiva aplicação auxilia na sedimentação do valor da
honestidade e ética nas relações. Ou seja, o Direito acaba por ter um papel
fundamental na criação e propagação de uma cultura de ética na sociedade, o que é
o principal objetivo do compliance, sendo uma via de mão-dupla: a demanda da
sociedade por ética nas relações sociais é fortalecida pela existência de arcabouço
jurídico que impõe obrigações de ordem ética, conferindo fundamento e reforçando a
necessidade de satisfazer essa demanda.
Por fim, no que tange a Administração Pública, existe a chamada ética
administrativa, decorrente do art. 37 da Constituição Federal, que enuncia como
princípios da Administração Pública: a legalidade, a publicidade, a moralidade, a
finalidade e a eficiência (Brasil, 1988). A moralidade aqui implica, segundo Hely Lopes
Meirelles, que:
“o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar,
deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E
ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não
21
terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o
conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre
o honesto e o desonesto.” (MEIRELLES, 2012, pág. 90)
22
o crime de corrupção privada, a chamada “Corrupção entre Particulares”, em seu
art.1679:
Art. 167. Exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida, como
representante de empresa ou instituição privada, para favorecer a si ou a
terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de vantagem indevida,
a fim de realizar ou omitir ato inerente às suas atribuições.
23
milionárias da corrupção se acumulando, gerando descrédito das instituições, de
autoridades e da própria sociedade com o Estado brasileiro. Haja vista que tivemos
operações policiais sobre supostos esquemas em licitações na área de saúde em
plena pandemia do coronavírus, demonstrando o desprezo pelas vidas humanas em
período tão crítico atravessado em nível mundial12. Infelizmente nesses casos tivemos
as cifras na casa dos bilhões de reais mais uma vez atingida.
Esses números apresentados a cada operação policial contra a corrupção não
conseguem talvez dar a magnitude do dano social, aquele que é intangível, abstrato.
Qual seria o prejuízo a sociedade brasileira de ordem moral? O que isto afeta a
credibilidade do nosso país e nossas empresas? O que poderia ter sido feito com
esses valores se bem administrados em prol da sociedade? E como fica o brasileiro
nisso tudo?
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes - UNODC, que tem
entre seus objetivos auxiliar os governos dos países no combate à corrupção, dando
a máxima eficácia à Convenção da ONU Contra a Corrupção - UNCAC13, da qual o
Brasil é signatário e vem adotando as medidas para aplicação, elaborou documento
enumerando as consequências da corrupção para a sociedade, como parte da
campanha “Zero corrupção, 100% desenvolvimento”. Vale elencar de forma bem
reduzida as consequências elencadas pelo UNODC14:
1. Freia o desenvolvimento econômico e fere o Estado de Direito;
2. Coloca em risco a democracia e as instituições públicas;
3. Desvia fundos que deveriam ser alocados em serviços essenciais, privando a
sociedade dos mesmos;
4. Gera menos empregos na economia, restringindo o acesso a esses empregos
aos menos favorecidos e minorias, restringindo os investimentos estrangeiros.
Ainda neste documento, o UNODC aponta a corrupção como o maior obstáculo
ao desenvolvimento econômico e social no mundo, estimando em US$ 1 trilhão os
gastos em suborno e US$ 2,6 trilhões desviados pela corrupção, o que corresponde
a mais de 5% do PIB mundial.
É simplesmente impossível mensurar o tamanho do dano causado à nossa
sociedade pelos sucessivos escândalos de corrupção. Mesmo porque, até agora
somente tratamos dos danos materiais, financeiros, da parte que é possível mensurar
ao menos em estimativa. O que sequer conseguimos estimar com a mínima precisão
é o dano de ordem moral, psicológico, o impacto que a sociedade tem e que traz
24
consequências individuais e coletivas. A exemplo da descrença nas instituições e
autoridades públicas, a imagem da nossa sociedade e do nosso país no exterior, o
desânimo das pessoas que pode levar a anarquia ou a um estado de anomia, e tantos
outros efeitos não mensuráveis materialmente. E o pior de tudo: a afirmação tantas
vezes repetida de que a corrupção faz parte de nossa sociedade.
Não podemos aceitar passivamente este quadro. Não é possível achar natural
que o Brasil ostente a desonrosa 94ª colocação no ranking da transparência
internacional, que tem 184 países15. Temos sim que reconhecer o problema, colocá-
lo no devido lugar, em especial porque há uma forte reação da sociedade brasileira
no sentido de se enfrentar o problema da corrupção e muitas são as iniciativas neste
sentido.
As políticas de governança e os programas de compliance constituem um
grande avanço neste sentido, pois estruturam as entidades públicas e privadas dentro
de uma política de gestão estratégica, avaliação de riscos e, fundamentalmente, de
prevenção e detecção de problemas de corrupção, buscando gerar uma cultura de
ética e conformidade nas relações público x privada e privada x privada.
Leitura Complementar
25
presidente-alvo-de-denuncia-por-corrupcao-nao-renunciar-diz-ex-ministra-
alema.ghtml) Grifo nosso.
26
Finalizando
27
• Existe ainda uma moral administrativa, onde o servidor público tem de agir de
acordo com a honestidade, derivada dos princípios da administração pública de índole
constitucional.
• Ao regular o tema do compliance e do combate à corrupção o Direito
retroalimenta a necessidade e demanda por este enfrentamento do tema, da
prevenção e detecção da corrupção e da instalação de uma cultura de ética.
• Para enfrentar o problema da corrupção devemos colocar o tema no seu devido
patamar, ter a compreensão da sua dimensão em nossa sociedade, do tamanho de
seu prejuízo material e imaterial, reconhecendo a imperiosa necessidade de enfrentar
o tema.
• O compliance surge como uma ferramenta necessária nesse quadro, sendo
essencial para o enfrentamento ao problema da corrupção.
Apresentação do módulo
Objetivos do Módulo
28
● Ter uma noção mínima acerca dos institutos da governança e do
compliance, a correlação existente entre eles e sua aplicação no setor
público e privado;
● Compreender em linhas gerais o instituto da governança, seus
fundamentos, seus marcos legais e o atual estágio de sua aplicação;
● Compreender em linhas gerais as diferenças conceituais e relações
entre os institutos da governança, do compliance e do controle interno;
● Entender a real importância dos programas de governança e compliance
para as instituições públicas e privadas e para a sociedade como um todo.
Bons estudos!
Estrutura do Módulo
29
AULA 1 – BREVE INTRODUÇÃO À GOVERNANÇA E COMPLIANCE
30
por vazamento de óleo em plataformas de petróleo, como o ocorrido em 2019 no
nordeste do Brasil17 ou, ainda, os recentes desastres de Mariana e Brumadinho,
decorrentes da atividade de extração de minério de ferro18. Trata-se de operação de
transporte de óleo bruto para combustível, num caso, e nos outros dois casos a gestão
de dejetos da extração de minério de ferro, atividades essenciais para a indústria e a
sociedade, mas que geram esse risco que não tem sequer como ser mensurado
antecipadamente em suas consequências, em caso de sua consumação.
Pereira, citando Renato de Mello Jorge Silveira, nos ensina que nunca o
homem enquanto indivíduo teve tão poucos riscos, mas ao mesmo tempo o homem
enquanto coletividade, sociedade, nunca teve tantos riscos e de forma tão constante
(Pereira, 2012, pag. 04). Fica patente que o risco, sempre no objeto desse nosso
estudo, transborda do indivíduo, atingindo toda a sociedade. Dito de outra maneira,
os efeitos danosos da concretização desse risco passam a ser transindividuais,
coletivos, difusos.
Conforme já explicado em linhas gerais na primeira aula do módulo I, esse risco
também se aplica a economia, que no mundo globalizado permite, com um simples
“enter” num computador ou um clique num smartphone, a realização de operações de
grande monta, com remessas e investimento de capitais no mundo virtual. Se por um
lado isso é um propulsor da economia, por outro um escândalo de fraude empresarial
ou de mercado financeiro pode levar a crises mundiais, também com consequências
impossíveis de serem previstas.
A cada evolução da sociedade e momento histórico vivido o direito é chamado
para tentar regular as relações sociais, buscando manter a segurança jurídica e
manter um certo equilíbrio de forças e das relações público x privadas e privadas x
privadas. O momento atual, considerando todas as colocações feitas acerca do
contexto da sociedade do risco, vem demandando do direito em algumas questões,
tais como:
1. Como prevenir ou mitigar esses riscos inerentes ao mundo atual?
2. De quem é a responsabilidade caso esses riscos se concretizem? Como dividir
essa responsabilidade?
3. Como regular essas questões sem tolher a livre iniciativa e a atividade
econômica?
4. Quais os parâmetros para se estabelecer as responsabilidades por eventos
danosos a coletividade?
31
É dentro desse contexto fático e como respostas a essas perguntas que surgem
e se consolidam as práticas desta política, constituindo uma forma de se gerir os
negócios de Estado ou privados dentro de padrões de gestão estratégica,
gerenciamento de riscos, cultura de ética, conformidade e integridade, prevenção e
detecção de corrupção e assim por diante.
Trata-se, portanto, de estabelecer uma nova maneira de gestão do
empreendimento público ou privado, bem como de relacionamento público x privado,
de forma a prevenir e mitigar os riscos das atividades, havendo uma prévia distribuição
da responsabilidade dos riscos inerentes a atividades.
Passemos agora ao estudo mais detalhado da governança e do compliance,
institutos que, conforme já falamos, devem ser estudados em conjunto para melhor
compreensão em termos de contexto e conceitos.
AULA 2 – DA GOVERNANÇA
Visto o contexto geral e a noção deste tema cabe agora aprofundar o estudo
desses institutos, a começar pela governança para enfim passarmos ao compliance.
O instituto da governança, conhecido como governança corporativa, do inglês
corporate governance, surge quando o dono do capital investido em um negócio,
numa organização empresarial, passa a não mais ser o detentor e gestor desses
negócios. Isso ocorre nas primeiras décadas do século passado, com o avanço da
Segunda para a Terceira Revolução Industrial, tendo seu início marcado pela década
de 1930, no pós-crise de 1929.
Conforme aponta o Referencial Teórico Básico de Governança do Tribunal de
Contas da União – TCU, as organizações empresariais modernas têm um tamanho
tal e uma proporcional dispersão da relação de propriedade que acaba sendo
imprescindível a existência de regras para a relação entre os proprietários e os
administradores, garantindo que essas cumpram as orientações daqueles (TCU,
2020, pág.26).
Ainda segundo o TCU, embora este assunto seja bastante antigo ele começa
efetivamente a ser estudado, de forma sistemática, a partir dos anos 1930,
identificando estudo do ano de 1932, de autoria de Berle e Means, além da criação
em 1934 da US Security and Exchange Comission, que visava “proteger investidores,
32
garantir a justiça, a ordem e a eficiência dos mercados, e facilitar a formação de
capital” (TCU, 2020, pág.27). Isso tudo decorrente da necessidade de regulação do
Estado, para garantir a realização pelos administradores do quanto proposto pelos
investidores, além de proteger os acionistas minoritários.
Este movimento se intensifica a partir das décadas de 1980 e 1990, com o
agravamento da crise financeira mundial e escândalos financeiros, sendo neste
momento que a governança adquire os contornos atuais em termos corporativos e
governamentais.
Neste ponto cabe conceituar a governança. Apresentamos abaixo alguns
conceitos dos inúmeros existentes acerca deste tema:
Governança compreende a estrutura (administrativa, política, econômica, social,
ambiental, legal e outras) que garante que os resultados pretendidos pelas partes
interessadas sejam definidos e alcançados (IFAC – International Federation of
Accountants).19
Governança seria a tentativa ou esperança de reduzir o risco, reduzir a complexidade
inerente, ou seja, governar e controlar os fenômenos e eventos do mundo real, os
quais seriam naturalmente necessários e contingentes. Assim, a governança seria
uma forma de transformar a complexidade desestruturada em uma complexidade
estruturada (Pereira, citando Jessop, 2011, pág.02).
Sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e
incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de
administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes
interessadas (IBGC – Instituto Brasileiro de Gestão Corporativa).20
Um conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma
companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores,
empregados e credores, facilitando o acesso ao capital (CVM – Comissão de Valores
Mobiliários – in Serrão et al, 2005, pág.113).
Conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para
avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas a condução de políticas públicas
e a prestação de serviços de interesse da sociedade (Dec. no.9.2013/17, art.2, inc.I).
Desses conceitos podemos tirar, de forma bem resumida, algumas conclusões
básicas acerca da governança. Primeiro que ela constitui verdadeiro método de
gestão visando mitigar os riscos e aumentar a eficiência do empreendimento.
Segundo que, ao tratar de governança, estamos falando de algo ligado a alta gestão,
33
pois falamos de estabelecimentos de estratégias e gestão de riscos para o
empreendimento, o que demanda poder decisório.
A governança tem como marcos históricos mais importantes em nível mundial,
de acordo com o referencial teórico do TCU (TCU, 2020):
• 1934 – EUA – Criação da US Security and Exchange Comission nos EUA, que
tem como missão proteger investidores, sendo uma agência federal que controla e
regulamenta os mercados, similar a função desempenhada no Brasil pela CVM;
• 1992 – Inglaterra – Cadbury Report, Committee on the Financial Aspects of
Corporate Governance. Grupo de recomendações para a boa governança e mitigação
de riscos;
• 1992 – EUA – Internal Control – Integrated Framework by Committee of
Sponsoring Organizations of the Treadway Commission – COSO. Metodologia
proposta para fins de governança e controle interno amplamente difundida e utilizada;
• 2002 – EUA - Lei Sarbanes-Oxley. Lei decorrente dos escândalos financeiros
nos EUA, em especial o caso ENRON, visando aperfeiçoar os sistemas de
governanças das empresas e impedir a fuga de capitais e investimentos em razão
desses escândalos;
• 2002 – Europa – criação do European Corporate Governance Institute - ECGI,
visando difundir as melhores práticas de governança corporativa e criar fórum de
debate acadêmico;
• 2004 – EUA – Enterprise Risk Management da COSO. Trata do gerenciamento
de riscos nas empresas.
A verdade é que o tema da governança é tratado de forma ampla atualmente,
sendo impositivo nas grandes empresas, consistindo em agenda recorrente do Fundo
Monetário Internacional – FMI - Organização para Cooperação Econômica e o
Desenvolvimento – OCDE - e Banco Mundial.
Como princípios ou elementos fundamentais da governança corporativa temos
o seguinte, segundo o 21IBGC:
• Transparência: que significa fornecer a parte interessada todas as informações
de seu interesse, e não somente aquelas que por lei ou regulamento tenha de ser
fornecidas. É o que permite o controle dos atos de gestão;
• Equidade: é o tratamento equânime de todos os interessados, sejam sócios
majoritários ou minoritários, os stakeholders22;
34
• Prestação de Contas (accountability): quer dizer que aqueles que trabalham
com governança devem prestar contas de todas as suas atividades, assumindo toda
a responsabilidade por estas atividades;
• Responsabilidade Corporativa: significa zelar pela viabilidade econômico-
financeira do empreendimento, reduzindo riscos, eliminando os pontos negativos e
explorando os pontos positivos.
Interessante notar que a governança surge no campo privado, com todos os
seus conceitos, parâmetros, doutrina e princípios. Porém, a Administração Pública
acaba tomando por empréstimo os contornos da governança e os aplica no setor
público.
Surge a indagação: o que fundamenta a existência de governança no setor
público? Segundo Pereira, citando Abbud, Rodrigues e Benedito (Pereira 2011,
pág.05):
As organizações públicas e as corporações têm como ponto em comum a
separação entre a propriedade e a gestão, ou seja, elas enfrentam os
mesmos “conflitos de agência”. Essa fundamental semelhança faz com que
os princípios da governança corporativa possam ser aplicados ao setor
público.
35
• Trata da aquisição e distribuição de poder na sociedade, segundo Matias-
Pereira, uma vez que estabelece a relação entre o cidadão e os gestores públicos;
• Permite avaliar os resultados e desempenhos segundo Bovaird, avaliar a
qualidade esperada e os seus procedimentos e execução nos atos de gestão;
• Segundo Peters, visa a preocupação com a capacidade do sistema de
efetivamente resolver os problemas públicos, auxiliando na solução desses
problemas;
• Implica em estabelecer critérios avaliativos e indicativos dos órgãos na
execução de políticas públicas, auxiliando-os a executá-las;
• Direcionar os rumos, metas e influenciar os resultados.
Muitas são as abordagens da governança pública, sendo que para os fins deste
nosso estudo basta o conceito trazido pelo TCU (TCU, 2019):
"Governança pública organizacional compreende essencialmente os
mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para
avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão, com vistas à
condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse
da sociedade."
36
controle dos processos e execução das políticas públicas, sendo requisito do controle
do Estado;
• Equidade e Participação: exige a efetiva participação dos cidadãos e da
sociedade nas decisões e execução das políticas públicas, levando em consideração
seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas;
• Accountability (prestação de contas e responsabilidade): trata-se da obrigação
de todo gestor público ou quem tenha gerido verbas públicas, de prestar contas a
sociedade, o que deve ser feito de forma clara, tempestiva e espontânea, assumindo
o agente público ou gestor das verbas públicas toda a responsabilidade pelos seus
atos e omissões;
• Confiabilidade: relacionada com a segurança jurídica que o órgão ou entidade
pública deve passar a sociedade, devendo seguir os seus objetivos e diretrizes
definidos, agindo em conformidade com sua missão institucional. Tem previsão no
Dec.9203/17 – Política de Governança da Administração Pública;
• Melhoria Regulatória: que representa o processo permanente de evolução dos
normativos orientado pelos cidadãos interessados, visando eficiência e clareza. Tem
previsão no Dec.9203/17 – Política de Governança da Administração Pública.
37
• Traz o conceito de “eficiência” como um conceito essencial à
prestação dos serviços públicos, sendo que a eficiência passa a
ser um dos princípios fundamentais da Administração Pública a
partir da Emenda Constitucional no.19/98;
• Também apresenta o conceito de gestão, de gerenciamento para
fins de Administração Pública, combinada com eficiência, o que
leva a se exigir uma gestão eficiente ou “Administração Gerencial”
por parte do gestor público, aproximando-se dos conceitos das
corporações privadas;
• O conceito de “transparência” ganha força com a chamada
“Administração Gerencial”, uma vez que confere maior controle
dos atos da Administração Pública.
Dec. nº 1.171/94:
estabelece o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo
Federal.
Lei Complementar nº 101/2000:
chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu a transparência e
responsabilidade financeira na gestão pública.
Dec. nº 5.378/05:
chamado de GESPÚBLICA, que estabeleceu o programa de gestão por excelência na
Administração Pública.
Lei nº 12.527/11:
Lei de Acesso à Informação, que concretizou o princípio da transparência na
Administração Pública.
Instrução Normativa Conjunta MP/CGU nº 001/16:
trata de controle interno, gestão de riscos e governança no âmbito do Poder Executivo
Federal.
Dec. nº. 9.203/17:
Que estabelece a política de governança da administração pública federal direta,
autárquica e fundacional.
Importante notar que no campo normativo a governança pública vem ganhando
cada vez mais contornos bem definidos de aplicação, o mesmo ocorrendo em relação
a sua execução, tendo o TCU elaborado o referencial para tanto.
38
Segundo o TCU, são necessárias instâncias administrativas, processos de
trabalho, instrumentos (ferramentas, documentos etc.), fluxo de informações e
comportamento de pessoas envolvidas, o que consiste no sistema de governança a
ser aplicado (TCU, 2019). O quadro abaixo ilustra esse sistema proposto pelo TCU:
39
AULA 3 – GOVERNANÇA, COMPLIANCE E CONTROLE INTERNO: UMA VISÃO
SISTÊMICA
40
Governança:
conforme já estudamos, trata de uma nova forma de administrar, de gerir a máquina
pública, com responsabilidade, transparência, desempenho, estabelecimento de
metas e controle dessas metas, avaliação de risco, participação de atores da
sociedade civil e assim por diante. É, portanto, uma nova forma de gestão pública,
surgida no final do século XX, em substituição aos modelos burocrático e gerencial
(Barreto, 2019, págs.34 e 35);
Governança e Conformidade ou Compliance:
esse novo modelo de governança “reestabelece como um de seus pilares a dimensão
da conformidade (ética e legal do Estado), como valor público fundamental” (Idem,
2019, pág.36). Aqui temos o compliance surgindo dentro desta nova concepção de
governança, a exemplo do que significa o modelo no setor privado, que nada mais é
do que o valor da norma, da ética, da integridade como valor da empresa;
Gestão de Riscos:
faz parte da governança, consistindo no “conjunto de atividades coordenadas para
identificar, analisar, avaliar, tratar e monitorar riscos” (ibidem, pág.98). Permite ao
gestor planejar e executar as políticas públicas dentro de um acompanhamento do
risco, desde a escolha ou mesmo rejeição na execução de determinada política
pública, passando pelo acompanhamento constante durante sua execução e eficácia.
Da mesma forma, permite um maior controle da própria administração e da sociedade
sobre as políticas públicas e sua gestão, assegurando mais transparência e
integridade;
Controle Interno:
também está inserido no âmbito da governança, sendo que as ações de controle
interno “ajudam a garantir o cumprimento das diretrizes determinadas pela alta
administração para mitigar os riscos, a realização dos objetivos e assegurar a razoável
segurança no alcance de objetivos” (ibidem, pág.107). Assim, as ferramentas,
instrumentos e mecanismos de controle interno serão aplicadas para fins da gestão
de riscos;
Auditoria:
as auditorias internas e externas vão atuar na avaliação da eficácia do funcionamento
da gestão de riscos, amadurecendo este sistema com recomendações e sugestões.
41
Importante também transcrever alguns conceitos constantes no Dec. nº
9.203/17, que dispõe sobre a política de governança na Administração Pública Federal
direta, autárquica e fundacional, que positivou alguns desses conceitos, conferindo
norte na compreensão do sistema de governança e a questão do compliance:
• Art.2º., inc. I - governança pública - conjunto de mecanismos de liderança,
estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão,
com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da
sociedade;
• Art.2º. inc. IV- gestão de riscos - processo de natureza permanente,
estabelecido, direcionado e monitorado pela alta administração, que contempla as
atividades de identificar, avaliar e gerenciar potenciais eventos que possam afetar a
organização, destinado a fornecer segurança razoável quanto à realização de seus
objetivos;
• Art.3º. - são princípios da governança pública: inc.II - integridade;
• Art.4º. inc. VI- implementar controles internos fundamentados na gestão de
risco, que privilegiará ações estratégicas de prevenção antes de processos
sancionadores;
• Art.5º. - são mecanismos para o exercício da governança pública: inc. I, “a” -
integridade; inc.III - controle, que compreende processos estruturados para mitigar os
possíveis riscos com vistas ao alcance dos objetivos institucionais e para garantir a
execução ordenada, ética, econômica, eficiente e eficaz das atividades da
organização, com preservação da legalidade e da economicidade no dispêndio de
recursos públicos.
42
estratégicas, com escolha feita por métodos que permitam o controle e participação
da sociedade, permeado sempre pela transparência e tecnicidade nas escolhas.
A execução das políticas públicas passa a ser algo acompanhado internamente
por mecanismos de controle interno, dentro de uma política de gestão de riscos, tudo
avaliado por auditorias internas e externas. As atribuições, competências e
responsabilidades são bem definidas e distribuídas, sendo de antemão conhecidas.
Nesse contexto, a cultura de integridade de cumprimento das normas, da ética
e prevenção à corrupção fazem parte da governança, compreendida em seu sentido
macro. Isto é o compliance, que conforme veremos tem forte impacto positivo nas
instituições, estando fortemente em evidência por ser algo essencial na prevenção,
detecção e correção do grave problema da corrupção.
A imagem abaixo demonstra o que estamos querendo dizer:
GOVERNANÇA
AUDITORIAS
GESTÃO DE RISCOS
CONTROLE
COMPLIANCE INTERNO
Figura 5: Governança
Fonte: Conteudista.
43
Leitura Complementar
44
Finalizando
45
• O sistema de governança proposto pelo TCU implica instâncias
administrativas, processos de trabalho, instrumentos (ferramentas,
documentos etc.), fluxo de informações e comportamento de pessoas
envolvidas.
• O compliance está dentro do escopo da governança. É um de seus pilares.
• É comum na Administração Pública se falar em governança, enquanto no
meio privado é mais usual se falar em Compliance.
46
MÓDULO III - DO COMPLIANCE
Apresentação do módulo
Objetivos do Módulo
Bons estudos!
47
Estrutura do Módulo
48
AULA 1 – NOÇÕES GERAIS DO COMPLIANCE
Estudamos até aqui questões referentes aos conceitos de ética e moral, como
pano de fundo do grave problema da corrupção. Sobre a corrupção fizemos também
um apanhado visando dimensionar o problema e seu impacto para o Estado e a
sociedade.
Nesse contexto de corrupção e problemas éticos e morais procuramos
estabelecer o surgimento dos institutos da governança e do compliance, como uma
forma de enfrentar este problema e gerir as instituições, públicas ou privadas, dentro
de regras de planejamento estratégico, transparência e controle, gestão de riscos,
distribuição de competências e responsabilidade, controle interno e cultura de
integridade, nesse último aspecto, o CPL.
Cabe agora estudarmos de forma mais detalhada o instituto do compliance,
estabelecendo uma visão que permita não somente compreender seus fundamentos
legais, práticos e estruturais, mas também a importância de programas dessa
natureza dentro de uma visão de enfrentamento à corrupção e fomento de uma cultura
de ética nas relações.
Em obra considerada clássica sobre o tema, Enrique Bacigalupo começa o
estudo das questões do compliance com a frase lapidar “el cumplimiento del derecho
como valor de la ética y la cultura empresarial”, afirmando que “sobre el punto de
partida el consenso parece total”, complementando que “una cultura empresarial
basada en valores es un factor del exito empresarial” (Bacigalupo, 2011, pág.17).
Prosseguindo em sua introdução ao tema, o célebre autor hispano-argentino
traz à baila a lição de Hartmann:
En la etica es claro: (...) cada uno depende de sí mismo y toma solo, por sí y
ante sí, la decisión; cargando solo, en caso de error, con la responsabilidad y
la culpabilidad (...) No hay una conducción que provenga de una mano
extraña. (idem, pág. 18)
49
Finalizando este raciocínio, Bacigalupo afirma que uma regulação mundial dos
mercados consiste em um aumento do número de normas, com sanções
administrativas ou penais, resultando num aumento do risco da atividade empresarial.
Com isso, “la prevención de estos riesgos de responsabilidad jurídica deberá ser
considerada como un componente necessário del principio de eficiencia y de la
responsabilidad social de la empresa” (idem, págs.18-19).
Essas ideias lançadas por Bacigalupo indicam o real sentido do compliance,
que é a adoção do valor da ética e da cultura de cumprimento de normas como algo
necessário de ser incorporado, de uma vez por todas, nas empresas. Isto decorre dos
problemas de falta de regulação balizadora dos agentes financeiros e de mercado,
além da corrupção, que gera escândalos e subsequentes crises financeiras, o que traz
consequências negativas para todos.
Aqui ressaltamos o risco da atividade empresarial, especialmente o risco
econômico dentro do mundo globalizado, e a prevenção desses riscos passa a ser um
componente essencial das empresas, tido pelo autor como algo necessário a
eficiência e responsabilidade social da empresa.
A definição básica e mais difundida de compliance é tomada da origem do
termo, do idioma inglês. To comply significa cumprir, estar em conformidade e, de
forma bem simplificada, em resumo significam fundamentalmente o cumprimento da
lei. Mas, para muito além disso, este programa visa “estabelecer mecanismos e
procedimentos que tornem o cumprimento da legislação parte da cultura corporativa”
(Caravalho et al, 2017, pág.31).
Para o professor Giovani Saavedra, a dificuldade conceitual do compliance
reside na característica relacional deste conceito, vale dizer, quem está em
conformidade está em conformidade com alguma coisa. Contudo, falar que está em
conformidade com a lei não é algo novo, pois todos temos de estar em conformidade
com a lei (Saavedra, 2016, pág.245).
Prosseguindo, o professor Saavedra ensina que “estado de conformidade” do
Compliance tem um sentido próprio e novo, tratando-se de:
“um estado dinâmico de conformidade (...) implica o compromisso com a
criação de um sistema complexo de políticas, de controles internos e de
procedimentos, que demonstrem que a empresa ou organização está
buscando “garantir” que se mantenha em um estado de Compliance.
Portanto, Compliance é a área de conhecimento, que busca definir qual é
este conjunto complexo de medidas (Idem, 2016, pág.246).
50
Essa consideração é crucial, pois permite uma análise mais de conteúdo do
que de forma destes programas. Evitando-se a existência de programas de
compliance pro forma ou somente de fachada, para fins de cumprimento das
obrigações, sem as quais fica praticamente impossível para uma grande empresa ou
organização se impor no mercado privado.
A professora e ex-Ministra da Administração de Portugal Anabela Miranda
Rodrigues trata do conceito de CPL, assim como de corporate governance, dentro do
tema da autorregulação regulada, em que o Estado, diante dos escândalos financeiros
e de corrupção dentro do quadro de total desregulação da atividade econômica, passa
a uma estratégia de controle da atividade empresarial para garantir a aplicação da
regulamentação dessa atividade, o chamado “capitalismo regulatório” (Rodrigues,
2018, pag.47).
Segundo esta estudiosa o tema a autorregulação regulada surge com a
dificuldade prática na fiscalização das empresas, o que leva, dentro de uma visão de
Estado Regulador, citando Ian Ayres, ao Estado dirigir a embarcação enquanto a
sociedade rema, em contraponto ao Estado Liberal, onde a sociedade dirigia e
remava, e ao Estado Interventor, onde há o predomínio do Estado em remar (idem,
2018, pág.48). Os deveres de prevenção, detecção e repressão de condutas ilícitas
passam às empresas, sendo que (idem, págs.57-59):
Os programas de compliance visam a promoção de uma cultura empresarial
ética e reponsabilidade administrativa, civil e, em última linha mas sobretudo,
penal. (...) Os códigos de ética ou de conduta condensam as medidas que
definem os limites do risco permitido na atuação de administradores e
empregados da empresa.
51
valores e código de ética e/ou de conduta, bem como fomentar
a cultura institucional pautada nesses valores e no cumprimento
das leis, normas e regulamentos. Visa também estabelecer
mecanismos de prevenção, detecção e repressão de atos que
violem as leis, normas, regulamentos, valores e código de
ética/conduta da empresa, especialmente aqueles que
constituem corrupção.
É através deste programa que se faz a minimização e o gerenciamento dos
riscos inerentes a atividade, a exemplo de uma atividade do mercado financeiro, que
minimiza e gerencia os riscos via CPL, cumprindo a legislação pertinente e seus
códigos e valores internos. Também se distribui o risco pela atividade, pois é atribuído
o grau de responsabilidade, no mesmo exemplo de atividade típica de atuação no
mercado financeiro, de cada um dos integrantes da empresa, em seus respectivos
níveis de ação e atribuições, permitindo ao Estado a persecução no caso de
concretização desse risco e evitando-se a diluição da culpa ou imputação em culpa
nesses casos.
Passemos agora ao estudo dos principais marcos legais e institucionais do CPL
e do criminal CPL. Vale destacar que se trata basicamente de um único instituto,
sendo o criminal com base em normas penais, inclusive quanto a suas consequências.
Podemos apontar como marcos legais do compliance:
• 1934 – EUA – Criação da Security and Exchange Comission -SEC, agência
federal independente que realiza a fiscalização e o controle do mercado financeiro.
Sua criação vem na esteira da grande depressão de 1929, com o intuito de evitar as
situações que levaram a quebra da bolsa naquele ano. Ainda nos anos 1960 a SEC
começa a fomentar as empresas a contratarem profissionais para trabalhar na
questão da conformidade com os regulamentos. Portanto um marco fundamental para
o compliance24.
• 1977- EUA - Edição do FCPA – Foreign Corrupt Practices Act. Lei visando
combater o suborno de funcionários públicos no exterior, estabelecendo parâmetros
para se evitar a prática de corrupção. Trata-se da grande referência mundial em
termos de compliance, pelas regras impostas, exigências de registros, sanções de
natureza civil, administrativa e penal, constituindo em importante referencial para fins
de compliance25;
52
• 1988 - Acordo da Basiléia, tendo versões subsequentes nos anos 2004 e 2010.
Este acordo foi firmado no âmbito do Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária
(Basel Committee on Banking Supervision), que é um fórum mundial para fins de
supervisão da atividade bancária. Visa fomentar boas práticas de regulação e
supervisão dos sistemas bancários, buscando a estabilidade e segurança desses
sistemas em nível mundial. O Brasil é representado pelo Banco Central do Brasil -
BACEN26;
• 2010 – Reino Unido - Bribery Act – trata-se de mais um ato que serve como
referência em nível mundial para fins de prevenção do suborno e combate à
corrupção. Tem em seus dispositivos previsão de crimes e sanções penais, além de
proibições e orientações para prevenir a ocorrência de suborno. Alcança qualquer ato
que “ofenda o Reino Unido ou ali ocorram”27.
53
3. Manual da Controladoria-Geral da União de 2009 (Brasil, 2009) –
Responsabilidade Social das Empresas no combate à corrupção. Foi
estabelecido um rol de boas práticas de uma empresa íntegra30.
4. Lei nº 12.846/13 – Lei Anticorrupção (Brasil, 2013). Esta lei é
considerada o grande marco no Brasil na questão do compliance e do
combate à corrupção, vez que insere no nosso ordenamento jurídico, de
forma ampla, o combate à corrupção com regramento próprio. Esta lei
tem como características fundamentais os seguintes pontos31:
• Regula pormenorizadamente a responsabilidade por ato
praticado contra a Administração Pública Nacional ou
Estrangeira, em especial ao atentar contra o patrimônio
público, princípios da Administração e acordos internacionais;
• Explicita a responsabilização nas fraudes, fraudes em
licitações e corrupção;
• Prevê a responsabilidade objetiva quanto à reparação dos
danos causados por atos dessa natureza;
• Trata de responsabilidade no campo civil e administrativo,
embora a natureza das sanções administrativas leve a um
estreitamento com o direito penal;
• Permite a desconsideração da personalidade jurídica para fins
de apuração e responsabilização;
• Prevê a suspensão do ato ou processo objeto de investigação;
• Trata do acordo de leniência entre a pessoa jurídica e a
Administração Pública, prevendo total cooperação nas
apurações para desmantelar esquemas de corrupção e
reparação dos danos, concedendo em troca uma sanção
menor;
• Traz a questão da responsabilização da pessoa jurídica,
independentemente da responsabilização da pessoa física;
• Prevê, expressamente, considerar para dosimetria da pena a
existência de programas de compliance e sua efetividade.
5. Decreto nº 8.420/15 – regulamenta a Lei Anticorrupção (Brasil, 2015),
trazendo em seu art.42 e seus 16 incisos os parâmetros para avaliação
54
de um programa de compliance, dentre eles o comprometimento da alta
direção com o programa, existência de código de ética, treinamentos,
canais de denúncia etc32;
6. Lei nº 13.313/16 – Lei de Responsabilidade das Estatais (Brasil, 2016),
que trouxe mecanismos para aperfeiçoamento da governança e
compliance no âmbito das estatais, a exemplo da gestão de riscos e
controles internos, além de alterações em regimes de contratos33.
7. Dec. nº 9.203/17 – Trata da Política de Governança da Administração
Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional (Brasil, 2017), além da
IN Conjunta CGU/MPOG nº 001/16, que trata de controles internos,
gestão de riscos e governança (Brasil, 2016), já vistos no capítulo
referente a governança.
8. Dec. no.10.756/21 – institui o SIPEF – Sistema de Integridade
Pública do Poder Executivo Federal, tendo como órgão central a
Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção da CGU e
como unidades setoriais todas as unidades responsáveis pela
gestão da integridade nos órgãos
9. Lei no. 14.133/21 – Lei de Licitações e Contratos – passou a tratar
da existência de programas de integridade como obrigatórios para
contratos acima de determinados valores, além de considerá-los
para fins de desempate, dosimetria de sanções e reabilitação de
licitantes
É importante notar que embora se fale de CPL há quase um século, a verdade
é que a preocupação com a regulação e controle da atividade empresarial tem início
fortemente após a crise da bolsa de 1929. Porém, com os contornos mais atuais e
dentro da ótica de programas de integridade, de cultura de cumprimento de normas e
exigência de valores éticos, o tema toma força em nível mundial a partir dos anos de
1970/80, sendo que após as crises financeiras da década de 2000 de fato esse
movimento se fortalece, chegando em nosso país a partir da década de 1990 e
ganhando forte impulso na última década, em especial com os fatos revelados no
âmbito da Operação Lava Jato.
Conforme visto, a legislação foi sendo promulgada e aperfeiçoada ao longo
desses últimos anos, sendo necessário agora efetivar os programas de compliance.
Uma coisa é a implantação desses programas, sua formalização e existência na
55
estrutura de uma empresa, outra é efetivar esta cultura, no que se deseja com esse
movimento.
Como adverte Patrícia Punder, algumas empresas implantam o programa
acreditando na frase de Maquiavel: “algo deve mudar para que tudo continue como
está” (Punder, 2021). E este não é o escopo do CPL.
Passemos agora ao estudo do que constitui, na prática, um programa de CPL.
56
perfil e riscos; 4 – regras e instrumentos; 5 – monitoramento contínuo. Esses pilares
orientam os programas de integridade, com suas variações práticas de acordo com a
empresa.
Os programas de CPL, de forma geral, implicam, segundo Luciano Malaro, no
estabelecimento de políticas, processos e procedimentos, além de se realizar uma
atividade de análise, avaliação e controle de riscos. Segundo este autor (Malaro, in
Lamboy, 2017, págs.550-552):
A política pode ser considerada como um conjunto detalhado das regras da
empresa. Está ligada diretamente a cultura da empresa, mostrando qual a
sua personalidade (...). Já o processo pode ser entendido como a
continuidade das atividades, transformando as entradas (que vão desde
informações e instruções, até materiais) em saídas (que podem ser
considerados os produtos, serviços ou decisões que a empresa irá tomar) (..).
Com relação aos procedimentos, podemos dizer que são formas de executar
uma atividade ou processo. O procedimento tem o intuito de instruir como se
deve fazer a atividade (...). Podemos dizer então que o processo determinará
o que se deve fazer e o procedimento em como a atividade deve ser feita, já
a política conectará os dois, estabelecendo as características da organização
em relação a tal assunto.
57
As empresas viram na criação de seus códigos próprios a oportunidade de
consolidar as principais regras de observância obrigatória em um único
documento, além de transmitir sua personalidade por meios da divulgação de
seus princípios, valores e missão (...) a utilização do código como ferramenta
central se difundiu e consolidou.
58
instituição e daqueles que com ela interagem, sejam clientes ou fornecedores. E ainda
deve ser amplamente divulgado, conferindo-se ciência de seu teor, para ser
finalmente aplicado, sob pena de virar letra morta.
A partir da edição do código de conduta e/ou ética, duas providências passam
a ser essenciais na estruturação do programa de CPL.
Inicialmente, deve ser criada e difundida amplamente uma cultura de CPL.
Como asseveram Francisco Mendes e Vinícius Carvalho (Carvalho, 2017, pág.138):
Por mais abrangente que seja o código de conduta de uma organização, ele
nunca será capaz de antecipar todas as situações de risco a que seus
funcionários e colaboradores estarão expostos. A realidade empresarial é
sempre mais rica, interessante e complexa que as previsões existentes nos
textos legais. (...) O pior destino de um programa de compliance é se tornar
um checklist que os colaboradores veem como um obstáculo burocrático à
realização de negócios.
59
O próximo passo no programa é a criação de canais de comunicação, muitas
vezes chamados de canais de denúncia (whistleblowing), mas que na verdade
servirão não somente para denúncias, mas para que o empregado, um colaborador
ou mesmo uma terceira pessoa possa tirar uma dúvida, fazer uma sugestão de
aprimoramento e também comunicarem uma conduta que configura o
descumprimento de regra por parte de outro empregado.
Christian de Lamboy faz a devida advertência no que toca ao canal de
comunicação, especialmente quanto à denúncias (Lamboy, 2017, pág.615):
60
realizadas investigações internas para confirmação dos fatos e levantamentos de
todas as circunstâncias que os envolvam.
O tema da investigação interna é um pouco mais tormentoso, demandando das
áreas de CPL e da própria empresa certa cautela, vez que uma empresa não se trata
de instituição que tem, por vocação ou atribuição legal, a investigação. Com a lei
anticorrupção e seu decreto regulatório, fica patente não somente a possibilidade de
se investigar internamente fatos tidos como desvios de conduta, como isso passa a
ser uma exigência de compliance, com reflexos e consequências nos processos de
apuração oficiais, conforme estudamos na legislação pertinente.
Acrescentamos aqui a Cartilha da CGU, com diretrizes para empresas privadas
em seus programas de integridade, que exigem a realização de investigação interna
(Brasil, 2015, pág.22):
A detecção de indícios de ocorrência de atos lesivos à Administração Pública,
nacional ou estrangeira, deve levar a empresa a iniciar uma investigação
interna, que servirá como base para que sejam tomadas as providências
cabíveis (grifo nosso)
61
Dentro ainda dos programas, de uma forma geral, chamamos a atenção para
as práticas abaixo, essenciais na execução desses programas:
• Due diligence, que significa “diligência prévia”, com previsão expressa no Dec.
nº 8420/15, em seus incisos XII e XIV (Brasil, 2015). Implica na checagem completa
para contratação e, a depender do caso, supervisão de terceiros que contratem com
a empresa. De forma clara significa que a empresa deve tomar o devido cuidado para
que suas normas de compliance sejam também seguidas pelos seus terceirizados,
contratados, fornecedores e no geral àqueles que mantém relação com ela. O mesmo
se diz em fusões, aquisições e reestruturações societárias. Em regra, esse processo
é feito por auditoria.
• Compliance nas contratações de chefias: é importante a checagem dos
profissionais que serão contratados para trabalhar na empresa, bem como daqueles
que irão assumir chefias, em especial nos níveis da alta administração da empresa.
Isto visa evitar a contratação de profissional com histórico negativo ou envolvimento
em desvios de conduta.
• Autonomia e poder decisório da área de compliance: uma das medidas de
eficiência da área de compliance de uma empresa é a autonomia concedida a esta
área, bem como seu nível de poder decisório, em especial o de veto a determinados
atos julgados incompatíveis com o código de conduta e/ou ética da empresa. Se não
houver estes requisitos o programa estará fadado ao fracasso ou a ser de “fachada”.
Em linhas gerais, esses são os contornos dos programas de compliance
adotados nas empresas privadas, no entanto, empresas públicas e sociedades de
economia mista têm programas que se assemelham a esses elementos estruturantes
desses programas. Claro que o aprofundamento do estudo do tema permitirá
encontrar nuances, características e ainda outros elementos que possam compor os
programas, até porque se trata de temática relativamente nova e extremamente
dinâmica. Mas, para efeito do escopo pretendido por este nosso curso, esta noção
conferida é suficiente para prover o aluno do que é um programa de compliance.
Passemos agora ao estudo destes programas nos órgãos da Administração
Pública.
62
Abordados os conceitos e características gerais do instituto do compliance,
bem como estudados os elementos e características essenciais deste programa no
setor privado, cabe agora tecer as considerações a respeito do compliance na
Administração Pública.
A primeira questão que devemos enfrentar é: existe CPL nos órgãos da
Administração Pública? A resposta é sim. Até porque, ao menos em nível federal
temos o Dec.nº 9.203/17, que estabelece a política de governança da Administração
Pública Federal direta, autárquica e fundacional, elencando no seu art.3º inc.III a
integridade como princípio da governança pública (Brasil, 2017). Logo, dentro da
governança pública na Administração Direta Federal é imperativo haver programa de
integridade ou CPL.
Também a Lei nº 13.303/16 – Estatuto das Estatais – passou a exigir
governança e integridade em seu art.9º e parágrafos (Brasil, 2016), assim como a Lei
nº 13.848/19 – Nova Lei das Agências Reguladoras – exige em seu art.3º, § 3º, um
programa de integridade para todas as agências reguladoras federais (Brasil 2018).
No mesmo sentido, a CGU editou em 2017 o “Manual Para Implementação de
Programas de Integridade – Orientações para o Setor Público” (CGU, 2017), onde são
dadas as linhas gerais em termos conceituais do que vem a ser CPL na primeira parte,
e na segunda e terceira parte são dadas orientações de como elaborar um programa
de CPL, além de medidas e ações para um programa dessa natureza.
A CGU aponta quatro eixos principais e essenciais para um programa de
compliance (CGU, 2017, págs. 10-14):
1. Comprometimento da Alta Administração: sem o que fica difícil tornar qualquer
programa de compliance eficaz e aplicável. Esse apoio deve ser dado interna e
externamente, além da atitude sempre em forma exemplar no aspecto ético exigível
neste nível de função pública;
2. Instância Responsável: será o servidor, setor ou departamento responsável por
elaborar e executar o programa. A Instrução Normativa Conjunta MP/CGU nº 001/16
exige de todos os órgãos e entidades federais um Comitê de Governança, Riscos e
Controles, responsável em nível estratégico pelo programa, sendo relevante que o
órgão subordinado tenha sua instância para tanto36;
3. Análise de Riscos: é um trabalho constante de detecção, análise e avaliação
de riscos para o órgão ou entidade da Administração Pública, revelando áreas ou
processos sensíveis, permitindo atuar de maneira mais direta na prevenção e
63
gerenciamento dos riscos. O risco de integridade (corrupção de servidor público) está
inserido neste contexto.
4. Monitoramento Contínuo: que permite avaliar e atualizar ou corrigir o programa
e suas metas e objetivos.
64
prevenir desvios e melhorar o profissionalismo; estabelecimento de canais de
denúncia com proteção dos denunciantes e fluxo de encaminhamento e apuração;
adoção efetiva de medidas de controle e disciplinares se for o caso, retroalimentando
o sistema com seu aperfeiçoamento na prevenção de desvios de conduta.
É possível observar que o modelo proposto é muito similar aos modelos básicos
adotados na iniciativa privada, com as adequações necessárias próprias ao ambiente,
peculiaridades e complexidade da Administração Pública.
Muito do que se propõem com esses modelos, ou ao menos parte deles, já
existe de uma forma ou de outra.
Passando mais efetivamente para o exame dos órgãos e instituições que
compõem a segurança pública, difícil imaginar que alguma não tenha um canal de
denúncias, uma ouvidoria interna, corregedorias que emitem orientações e comissões
de ética, ainda que integrante da estrutura da Administração Pública do Ente Federado
como um todo, estando submissas aos órgãos de controle interno etc. Isso sem falar
nos programas de governança na União, nos Estados e em boa parte dos Municípios,
que devem tratar, em maior ou menor grau, da questão da integridade.
O grande desafio neste tema, em especial nos órgãos e
instituições de segurança pública talvez esteja concentrado em
duas frentes: uma delas é coordenar, estruturar e formalizar as
ações de CPL, e outra torná-las eficazes com o efetivo
engajamento do público interno.
Dentro desse contexto, é preciso que haja a decisão política da Alta
Administração do órgão ou instituição do sistema de segurança pública, em abraçar a
ideia do programa, nomeando comissão que possa mapear a situação e os pontos
elencados no manual da CGU. Caso não haja profissionais com competências
específicas para tanto nos quadros, deve-se tentar valer de auxílio de servidores da
área de controle interno do Estado ou mesmo de convênios ou contratações com
entidades que tenham profissionais qualificados para tanto (Universidades Públicas
ou Privadas, Institutos, por exemplo.)
Algo que é fundamental para legitimar uma decisão e sobretudo a implantação
do produto dessa decisão é a mais ampla participação interna e externa. Durante o
processo de mapeamento de riscos e demais pontos que precedem o estabelecimento
do programa de integridade/CPL é necessário abrir e fomentar a participação dos
servidores e daqueles que são usuários dos serviços (advogados, público em geral,
65
fornecedores, empresas terceirizadas etc.). Isto permite ao servidor especialmente a
sensação de participação, a compreensão do processo e sua utilidade.
O segundo passo seria criar na estrutura da instituição ou órgão da segurança
pública um setor, área, departamento, diretoria ou o que seja que possa ser o
responsável por iniciar e levar adiante este trabalho, dispondo do mínimo possível de
estrutura para fazer frente ao desafio.
Importante notar que uma área de CPL deve se relacionar
intimamente com outras áreas como corregedoria, controle
interno (execução orçamentária e financeira), ouvidoria,
comissão de ética, recursos humanos, comunicação social etc.
Todas essas áreas serão essenciais em algum momento do
trabalho e ciclo do programa numa organização. Assim, é
necessário que elas participem e interajam com a área de CPL.
Aproveitar os mecanismos e procedimentos já existentes pode e deve ser feito,
com as devidas remodelagens e integração ao sistema de compliance. Assim, um
canal de denúncias já existente tem de ser avaliado quanto a seus procedimentos,
encaminhamentos, efetiva utilização pelo público interno e externo, interação com a
área de CPL e respostas aos fatos levados a seu conhecimento.
Um dos grandes gargalos do CPL, em especial no setor público, é conseguir o
engajamento dos servidores e colaboradores no programa, com a participação ativa
em seus momentos e fases. Aqui o treinamento e comunicação são essenciais para
difundir a ideia do programa para o público interno e externo, e mais especificamente:
• Para os gestores, compreender que o CPL é uma ferramenta que antes de tudo
vai auxiliá-lo, dentro do amplo espectro da governança, a exercer o poder de decisão
com maior segurança em termos de sua responsabilidade administrativa, além de
poder cobrar de seus subordinados algo que ele sabe que está sendo disseminado
na cultura interna da organização. O CPL deve ser visto pelos gestores como uma
ferramenta que auxilia a gestão.
• Para os servidores e colaboradores em geral permite esclarecer condutas que
muitas vezes não são as mais adequadas nas situações do dia a dia, conferindo
também maior segurança na execução de suas atividades. O CPL deve ser visto como
uma ferramenta que vai auxiliar no desempenho das tarefas diárias.
• Para os fornecedores e público externo confere a segurança de um padrão de
fornecimento de serviços e trato no atendimento, processos e procedimentos internos
66
dentro de um padrão de integridade, que deve ser exigido, além de se comportar nos
moldes desse padrão da organização.
Com esses requisitos básicos o programa irá aos poucos surtindo seus efeitos
na organização pública, elevando seu padrão de desempenho e nível de credibilidade
frente a sociedade.
Leitura Complementar
67
Finalizando
68
instituição, além do due diligence, compliance em contratações e autonomia
dos setores de Compliance.
• Na Administração Pública os programas de compliance podem ter as
mesmas bases dos programas das instituições privadas, com as necessárias
adaptações ao setor público.
• A CGU confere as balizas para os programas de integridade em órgãos
públicos.
• Para a CGU o documento base é o Plano de Integridade, onde estarão
presentes todos os riscos levantados, sua avaliação e propostas de
gerenciamento, o seu monitoramento, responsáveis e metas para estes e tudo
mais de relevante e necessário para o programa de integridade/Compliance.
• A CGU também apresenta as medidas e ações de integridade, similares
ao que compõe o compliance no meio privado, como manuais ou códigos de
ética, probidade e conduta, criação ou reorganização de comissão de ética,
ações de comunicação e treinamento, canais de denúncia com proteção dos
denunciantes e fluxo de encaminhamento e apuração com adoção efetiva de
medidas de controle e disciplinares, se for o caso.
• É fator fundamental de sucesso de qualquer programa de compliance
em órgão público o engajamento de todos os seus servidores, em todos os
níveis hierárquicos.
69
Referências Bibliográficas
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72
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16 de setembro de 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/codigos/codi_conduta/cod_conduta.htm, acesso
em 11 de agosto de 2021.
73
BRASIL, CGU/MPOG, Instrução Normativa Conjunta no. 001, de 10 de maio de 2016
/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/21519355/do1-2016-05-11-instrucao-
normativa-conjunta-n-1-de-10-de-maio-de-2016-21519197, acesso em 01 de
setembro de 2021.
BRASIL, Lei no. 13.303, de 30 de junho de 2016 – Lei das Estatais. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm, acesso em
23 de agosto de 2021.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-
conteudo/publicacoes/integridade/arquivos/manual_profip.pdf, acesso em 10 de
setembro de 2021.
BRASIL, Lei no. 13.848, de 25 de junho de 2019 – Lei das Agências Reguladoras.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
74
BRASIL, Decreto no.10756, de 27 de julho de 2017 – Institui o Sistema de Integridade
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/decreto/D10756.htm,
75
Notas de Fim
integração econômica, social, cultural e política,[1][2] que teria sido impulsionado pela redução de
custos dos meios de transporte e comunicação dos países no final do século XX e início do século
XXI[3] sendo considerada a maior mudança da história da economia nos últimos 40 anos”.
4 A publicação feita no site migalhas explica em detalhes a fraude na ENRON e seu impacto em nível
mundial. Segundo o site, “a "Enron" - então considerada uma potência empresarial - divulgou, em 2 de
dezembro de 2001, seu pedido de concordata e, dez dias após, o Congresso Americano começou a
analisar a falência do grupo, o qual possuía uma dívida aproximada de 22 bilhões de dólares. Em
diversos artigos, foi considerada a falência mais importante da história empresarial americana.
A "Enron" era a sétima maior empresa dos Estados Unidos e uma das maiores empresas de energia
do mundo. No Brasil, a "Enron" mantinha participações na CEG/CEGRio, no Gasoduto Brasil / Bolívia,
na Usina Termoelétrica de Cuiabá, na Eletrobolt, na Gaspart e na Elektro, esta última, empresa paulista
de energia elétrica que atende aproximadamente 1,6 milhões de consumidores.(...)
Não podemos afirmar quais foram as reais causas desse trágico desfecho da "Enron", mas
certamente a economia de mercado teve acentuada influência na prática de fraudes e manobras
contábeis que culminaram na concordata da empresa e no prejuízo de milhares de investidores,
credores e empregados. Ademais, todas as atitudes praticadas pelos administradores da "Enron"
comprovam a fragilidade dos mecanismos contábeis e de auditoria capazes de coibir abusos e evitar
fraudes lesivas ao mercado. Outra séria conclusão a que chegamos é que há que existir uma prática
transparente entre administradores de corporações, seus investidores e empregados capazes de
refletir a real situação financeira de uma empresa. https://www.migalhas.com.br/depeso/6852/caso-
enron--breve-analise-da-empresa-em-crise
5
A Revista “Le Monde Diplomatique Brasil” publicou naquele ano de 2004 que “Viva a ética nos
negócios!”, “Viva a empresa moral!” Ouvidos durante o Fórum Econômico Mundial, de Davos, estes
gritos revelam uma promessa: a de que o capitalismo partirá para uma retomada em bases
desinfetadas. Será difícil. Isto porque, precisamente no momento em que esse desejo era
manifestado, a imensidão do caso Parmalat explodia à luz do dia. Classificado como o maior
escândalo financeiro na Europa desde 1945, deixa prever ondas de choque semelhantes àquelas,
desastrosas, que provocaram a falência fraudulenta da distribuidora de energia Enron, em dezembro
de 20011 .A Parmalat significava o exemplo de um sucesso impulsionado pela dinâmica da
globalização liberal. Começando como uma pequena empresa familiar de distribuição de leite
pasteurizado localizada nos arredores de Parma, na década de 60, ela se desenvolveu graças à
habilidade de seu fundador, Calisto Tanzi, e aos generosos subsídios da União Européia. A partir
de 1974, a Parmalat internacionalizou-se, instalando-se no Brasil e, depois, na Venezuela e no
Equador. Multiplicou suas filiais e criou empresas intermediárias em todos os territórios que
oferecessem facilidades fiscais (Ilha de Man, Holanda, Luxemburgo, Áustria e Malta) e, em seguida,
nos paraísos fiscais (Ilhas Cayman, Ilhas Virgens britânicas, Antilhas holandesas…). Em 1990,
colocou ações na Bolsa de Valores, afirmando-se como o sétimo grupo privado da Itália e ocupando
o primeiro lugar mundial no mercado de leite de longa conservação. Este colosso empregava em
torno de 37 mil funcionários em mais de 30 países e seu faturamento chegou, em 2002, a 7,6 bilhões
de euros (cerca de 27 bilhões de reais), valor superior ao do Produto Nacional Bruto (PNB) de países
como o Paraguai, a Bolívia, Angola ou o Senegal…Jogada por tudo ou nada. O endividamento
da Parmalat chega a 11 bilhões de euros! E que foi deliberadamente dissimulado, há vários
anos. Por ser permanente, a fraude não era detectável https://diplomatique.org.br/o-escandalo-
da-parmalat/
6
Segundo noticiou o Blog Warren, do Estadão, A crise do subprime foi o resultado do estouro de uma
bolha de investimentos massivos em hipotecas nos EUA que cresceram ao longo dos anos 2000. As
hipotecas são uma forma de financiamento imobiliário comum nos EUA, em que o imóvel é dado como
76
garantia ao banco caso o tomador não consiga pagar as dívidas. Já o nome “subprime” refere-se a
empréstimos concedidos a pessoas com alto risco de crédito, isto é, com pouca estabilidade financeira
e credibilidade para pagar contas. Por natureza, empréstimos subprime são investimentos
extremamente arriscados e com altíssima chance de default — termo financeiro para o universalmente
conhecido “calote”.Em linhas gerais, a bolha surgiu porque o crescente interesse por rendimentos de
hipotecas deu origem a uma imensa estrutura financeira para negociar esses ativos no mercado.A alta
demanda incentivou as instituições de crédito a ampliar sua “produção” e oferecer hipotecas com
grande risco de calote — as famigeradas hipotecas subprime.Quando muitos tomadores de hipotecas
deixaram de pagar as contas, o mercado imobiliário foi inundado por imóveis desvalorizados e a
estrutura entrou em colapso, levando à crise. Quando ocorreu a crise do subprime? O ápice da crise
ocorreu em 15 de setembro de 2008 com a falência do Lehman Brothers, um dos maiores e mais
antigos bancos de investimentos do mundo.Os indícios da bolha já vinham crescendo desde 2007,
quando dezenas de instituições ofertantes de hipotecas começaram a falir ou ser compradas por
bancos maiores.Em 2008, a crise se alastrou para outras instituições financeiras ao redor do mundo
que tinham participação no mercado imobiliário norte-americano. No mesmo mês da falência do
Lehman Brothers, o tradicional banco Merrill Lynch foi comprado pelo Bank of America, enquanto o
Goldman Sachs e o Morgan Stanley pediram crédito emergencial ao Federal Reserve (Fed, o banco
central dos EUA). https://warren.com.br/blog/crise-do-subprime/
7 Embora no Brasil não haja ainda a tipificação da corrupção privada, em vários outros países existe
esse crime.
8 Sócrates, na cadeia, aguarda a execução da sentença condenatória. Enquanto isso, Críton e outros
amigos de Sócrates tentaram lhe persuadir para que ele fugisse. Entretanto, Sócrates se manteve firme
no seu proceder, afirmando que obedeceria às leis e à cidade, mesmo discordando da justiça da
decisão. Críton faz uso de três argumentos para persuadir Sócrates a fugir da cadeia, a saber: primeiro,
Sócrates é um amigo sem igual para ele; segundo, a reputação de Críton será maculada, pois o povo
comentará que este tinha condições de providenciar a fuga de Sócrates, mas preferiu poupar seu
dinheiro em vez de salvar seu amigo; por fim, tendo esposa e filhos para criar e, mesmo assim,
escolhendo cumprir a pena de morte quando poderia fugir, Sócrates opta por abandonar sua família.
Contra o argumento de que a reputação dos seus amigos será maculada, Sócrates diz que não é a
toda opinião que se deve prestar atenção, mas somente à opinião qualificada. Para demonstrar isso,
cita o exemplo de um atleta e de seu técnico, em que questiona se, para cuidar do corpo, o atleta deve
obedecer ao técnico ou à opinião da multidão. A partir disso, faz uma analogia às leis e à cidade, pois
elas representam a opinião qualificada sobre a justiça (mesmo que, aparentemente, injustas) e, se é o
corpo do atleta que pagará pela desobediência às ordens do técnico, será a alma de Sócrates que
sofrerá os prejuízos do descumprimento das leis humanas no Hades. Além disso, desrespeitar às leis
será enfraquecer as instituições da cidade. Sócrates diz que não devemos cometer injustiças
voluntariamente nem retribuir a injustiça com a injustiça. Pois não há diferença entre cometer o mal e
uma injustiça. Sócrates cria uma ficção, um diálogo seu com as leis e a cidade. São elas que lhe
apresentam as decorrências do seu posicionamento (de Sócrates): uma convenção (as leis da cidade)
deve ser cumprida, mesmo que injusta; descumprir a lei, mesmo que injusta, é cometer injustiça (e não
devemos retribuir a injustiça com outra injustiça). Ao invés da desobediência, quem não estiver
satisfeito com as convenções da sua cidade deverá modificá-las através do Direito. Por fim, além da
oportunidade de modificar as leis pelo Direito, quem não conseguir fazer isso e ainda estiver em
desacordo com elas poderá ir embora da cidade. https://www.conjur.com.br/2019-jan-26/diario-classe-
dialogo-criton-platao-arduo-combate-ativismo-judicial
9 Em https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=3515262&ts=1630417794456&disposition=inline
10 Vide https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-aponta-que-cartel-causou-prejuizos-de-r-18-
bilhoes-a-petrobras.htm. O TCU chegou criar uma Secretaria Extraordinária de Operações Especiais
em Infraestrutura, vide https://portal.tcu.gov.br/combate-a-corrupcao/tcu-e-a-lava-jato.htm
11 Vide sobre o tema https://luanmesan.jusbrasil.com.br/noticias/465611767/os-10-maiores-casos-de-
corrupcao-da-historia-do-brasil
12 Vide https://www.gazetadopovo.com.br/republica/corrupcao-durante-a-pandemia-estados-
municipios/
13 A Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção foi aprovada em 31 de outubro de 2003 e
assinada pelo Brasil em 09dezembro de 2003. Foi introduzida no sistema jurídico pátrio através do Dec.
no.5.687/03. Vide http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5687.htm
77
14 Vide https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_corruption/Campanha-
2013/CORRUPCAO_E_DESENVOLVIMENTO.pdf
15 Para maiores informações sobre este ranking vide https://transparenciainternacional.org.br/ipc/
16 Vide https://super.abril.com.br/especiais/radiacao-a-solta/
17 Vide https://veja.abril.com.br/brasil/mpf-vazamento-de-oleo-e-maior-desastre-ambiental-da-
historia-do-litoral/
18 Vide http://periodicos.pucminas.br/index.php/geografia/article/view/25541
19 Vide https://www.ifac.org/
20 Vide https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa
21 Vide https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa
22 O termo stakeholder é largamente utilizado no linguajar corporativo, significando “parte interessada”
ou “qualquer pessoa ou organização impactada pela ação de determinada empresa”. Este termo foi
cunhado nos anos 1980 pelo filósofo norte-americano Robert Edward Freeman. Para mais informações
vide https://www.ibccoaching.com.br/portal/o-que-significa-stakeholder-e-o-seu-papel-dentro-
de-uma-empresa/
23 Vide https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2759:catid=28
24 Para aprofundar no tema vide https://www.sec.gov.ph/
25 Para mais informações vide https://www.justice.gov/criminal-fraud/foreign-corrupt-practices-
act
26 Vide https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/recomendacoesbasileia
27 Vide https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2010/23/contents
28 https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1998/pdf/res_2554_v3_P.pdf
29 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm
30 https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2009/06/cgu-ethos-e-unodc-lancam-manual-
contra-corrupcao-para-empresas
31 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm
32 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8420.htm
33 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm
34 https://www.migalhas.com.br/depeso/274963/ceo-da-ford-e-demitido-apos-investigacao-do-
compliance-da-empresa
35 https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/procurador-diz-que-atitude-de-rolls-
royce-deve-servir-de-exemplo/
36 A título de exemplo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública tem seu Comitê de Governança
Estratégica – CGE, criado pela Portaria no.86/20. Todos os órgãos subordinados ao MJSP participam
do comitê, sendo relevante que tenha instâncias próprias para governança e compliance.
78