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Texto 7 - Ratzel e A Antropogeografia

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MORAES. Antônio Carlos Roberto de. Geografia Pequena História Crítica. 17ª ed. São Paulo: Hucitec. 1999.

que a Confederação Germânica foi o primeiro


passo no sentido da unificação. Mesmo assim,
em meados do século passado, o poder ainda se
encontrava disperso pelas várias unidades confe¬
deradas. Era fruto de dominações locais, sem a
existência de um governo central. A Prússia e a
Áustria disputavam a hegemonia dentro da Con¬
federação. O segundo passo, no sentido da unifi¬
cação, foi forjado na repressão aos levantes po-
pulares de 1848. Nesse ano, a vaga revolucioná¬
ria, que assola a Europa, manifesta-se também
5 em várias cidades da Confederação Germânica:
Viena, Berlim, Frankfurt, entre outras. A reação
Ratzel e a Antropogeografia das classes dominantes locais, a estes movimen¬
tos, aproxima-as, pois se estabelecem alianças e
Um revigoramento do processo de sistematiza- ações unificadas, e mesmo centralizadas num
ção da Geografia vai ocorrer com as formulações comando comum. Assim, na contra-revolução,
de Friedrich Ratzel. Este autor, também alemão forma-se um bloco reacionário unitário, estrei¬
e prussiano, publica suas obras no último quartel tam-se os laços políticos e militares. Além disto,
do século XIX. Enquanto Humboldt e Ritter vi- a proposta da unificação constava do ideário dos
venciaram o aparecimento do ideal de unificação revolucionários, o que, por reflexo, reforçou-a ao
alemã, Ratzel vivencia a constituição real do Es¬ nível das próprias classes dominantes locais, que
tado nacional alemão e suas primeiras décadas. perceberam o respaldo das massas à unificação.
Suas formulações só são compreensíveis em fun¬ Enfim, este foi o caminho direto da constituição
ção da época e da sociedade que as engendra¬ do Estado alemão. A consciência desse fato, e a
ram. A Geografia de Ratzel foi um instrumento possibilidade próxima da unificação, acirraram a
poderoso de legitimação dos desígnios expansio- disputa, entre a Áustria e a Prússia, pelo co¬
nistas do Estado alemão recém-constituído. L. mando e domínio do processo, que culminou
Febvre chegou a denominá-la de "manual de com a guerra entre os dois reinos. A vitória do
imperialismo". Assim, cabe analisar, mesmo que segundo determinou que a unidade fosse estabe¬
em linhas gerais, o processo de unificação da lecida através da prussianização da Alemanha.
Alemanha. Isto é, o Estado prussiano imprimiria suas carac¬
terísticas na nova nação.
Observou-se, algumas páginas atrás, que as
relações capitalistas penetraram tardiamente A principal característica da Prússia era a
neste país, e numa conciliação com a estrutura organização militarizada da sociedade e do Es¬
herdada do feudalismo. Observou-se também tado. A direção deste estava nas mãos da aristo-

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cracia junker, os proprietários de terras, os mais Ratzel vai ser um representante típico do inte¬
claros representantes da velha ordem feudal. Sob lectual engajado no projeto estatal; sua obra pro¬
essa liderança, erguia-se uma monarquia extre- põe uma legitimação do expansionismo bis-
mamente burocratizada, que estendeu a ação do marckiano. Assim, a Geografia de Ratzel ex¬
pressa diretamente um elogio do imperialismo,
Estado a todos os domínios da sociedade civil.
como ao dizer, por exemplo: "Semelhante à
Uma grande repressão social interna, e uma
luta pela vida, cuja finalidade básica é obter
agressiva política exterior completam o quadro
espaço, as lutas dos povos são quase sempre
da Prússia em 1871, ano de constituição do impé¬
pelo mesmo objetivo. Na história moderna a re¬
rio alemão. Estas características do prussianismo
compensa da vitória foi sempre um proveito terri¬
foram passadas para o conjunto da Alemanha,
torial".
através de uma política cultural nacionalista,
estimulada pelo Estado, que colocava os próprios O principal livro de Ratzel, publicado em
elementos da situação de atraso social como 1882, denomina-se Antropogeografia — funda-
peculiaridades do "espírito" ou da "alma" ale- mentos da aplicação da Geografia à História;
mã. Tal ideologia chauvinista assentava-se numa pode-se dizer que esta obra funda a Geografia
Humana. Nela, Ratzel definiu o objeto geográ-
política exterior agressiva e expansionista. São
fico como o estudo da influência que as condições
inúmeras as guerras de conquista empreendidas
naturais exercem sobre a humanidade. Estas in¬
por Bismarck, o primeiro-ministro da Prússia e
fluencias atuariam, primeiro na fisiologia (soma-
do Império Alemão.
tismo) e na psicologia (caráter) dos indivíduos, e,
Essa unificação reacionária, essa organização através destes, na sociedade. Em segundo lugar,
militarizada, esse expansionismo latente do Es¬ a natureza influenciaria a própria constituição
tado alemão, podem ser explicados pela situação social, pela riqueza que propicia, através dos
concreta da Alemanha, no contexto europeu; co- recursos do meio em que está localizada a socie¬
mo bem definiu Poulantzas, ela era "um elo dade. A natureza também atuaria na possibili¬
débil da cadeia imperialista". Isto é, este país dade de expansão de um povo, obstaculizando-a
emergia como mais uma unidade do centro do ou acelerando-a. E ainda nas possibilidades de
mundo capitalista, industrializada, porém sem contato com outros povos, gerando assim o isola¬
colônias. A unificação tardia da Alemanha, que mento e a mestiçagem. Ratzel realizou extensa
não impediu um relativo desenvolvimento inter¬ revisão bibliográfica, sobre o tema das influên¬
no, deixou-a de fora da partilha dos territórios cias da natureza sobre o homem, e concluiu criti¬
coloniais. Isto alimentava um expansionismo la¬ cando as duas posições mais correntes: a que
tente, que aumentaria com o próprio desenvol¬ nega tal influência, e a que visa estabelecê-la de
vimento interno. Daí, o agressivo projeto impe- imediato. Diz ele que estas influências vão se
rial, o propósito constante de anexar novos territó¬ exercer mediatizadas, através das condições eco¬
rios. E, por esta razão, mais uma vez, o estímulo nômicas e sociais. Para ele, a sociedade é um
para pensar o espaço, logo, para fazer Geografia.

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organismo que mantém relações duráveis com o sentido de legitimar o Estado prussiano, onipre-
solo, manifestas, por exemplo, nas necessidades sente e militarizado.
de moradia e alimentação. O homem precisaria A Geografia proposta por Ratzel privilegiou o
utilizar os recursos da natureza, para conquistar elemento humano, e abriu várias frentes de es-
sua liberdade, que, em suas palavras, "é um dom tudo, valorizando questões referentes à História
conquistado a duras penas". O progresso signifi¬ e ao espaço, como: a formação dos territórios, a
caria um maior uso dos recursos do meio, logo, difusão dos homens no Globo (migrações, coloni-
uma relação mais íntima com a natureza. Quan- zações etc.), a distribuição dos povos e das raças
to maior o vínculo com o solo, tanto maior seria na superfície terrestre, o isolamento e suas conse-
para a sociedade a necessidade de manter sua qüências, além de estudos monográficos das
posse. É por esta razão que a sociedade cria o áreas habitadas. Tudo tendo em vista o objeto
Estado, nas palavras de Ratzel: "Quando a so- central que seria o estudo das influências, que as
ciedade se organiza para defender o território, condições naturais exercem sobre a evolução das
transforma-se em Estado". A análise das rela¬ sociedades. Em termos de método, a obra de
ções, entre o Estado e o espaço, foi um dos Ratzel não realizou grandes avanços. Manteve a
pontos privilegiados da Antropogeografia. Para idéia da Geografia como ciência empírica, cujos
Ratzel, o território representa as condições de procedimentos de análise seriam a observação e a
trabalho e existência de uma sociedade. A perda descrição. Porém, proponha ir além da descri¬
de território seria a maior prova de decadência de ção, buscar a síntese das influências na escala
uma sociedade. Por outro lado, o progresso im¬ planetária, ou, em suas palavras, "ver o lugar
plicaria a necessidade de aumentar o território, como objeto em si, e como elemento de uma
logo, de conquistar novas áreas. Justificando cadeia". De resto, Ratzel manteve a visão natu¬
estas colocações, Ratzel elabora o conceito de ralista: reduziu o homem a um animal, ao não
"espaço vital"; este representaria uma proporção diferenciar as suas qualidades específicas; assim,
de equilíbrio, entre a população de uma dada propunha o método geográfico como análogo ao
sociedade e os recursos disponíveis para suprir das demais ciências da natureza; e concebia a
suas necessidades, definindo assim suas poten¬ causalidade dos fenômenos humanos como idên¬
cialidades de progredir e suas premências terri¬ tica a dos naturais. Daí, o mecanicismo de suas
toriais. É fácil observar a íntima vinculação entre afirmações. Ratzel, ao propor uma Geografia do
estas formulações de Ratzel, sua época e o pro¬
Homem, entendeu-a como uma ciência natural.
jeto imperial alemão. Esta ligação se expressa na
justificativa do expansionismo como algo natural Os discípulos de Ratzel radicalizaram suas co¬
e inevitável, numa sociedade que progride, ge¬ locações, constituindo o que se denomina "escola
rando uma teoria que legitima o imperialismo determinista" de Geografia, ou doutrina do "de¬
bismarckiano. Também sua visão do Estado co¬ terminismo geográfico". Os autores dessa cor¬
mo um protetor acima da sociedade, vem no rente partiram da definição ratzeliana do objeto
da reflexão geográfica, e simplificaram-na. Ori-

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entaram seus estudos por máximas, como "as corre na mais completa naturalização da História
condições naturais determinam a História", ou humana.
"o homem é um produto do meio" — empobre¬ Outro desdobramento da proposta de Ratzel
cendo bastante as formulações de Ratzel, que manifestou-se na constituição da Geopolítica. Es¬
falava de influências. Na verdade, todo o tra¬ ta corrente, dedicada ao estudo da dominação
balho destes autores se constituía da busca de dos territórios, partiu das colocações ratzelianas,
evidências empíricas, para teorias formuladas a referentes à ação do Estado sobre o espaço. Estes
priori. Seus mais eminentes representantes fo¬ autores desenvolveram teorias e técnicas, que
ram: E. Semple e E. Huntington. A primeira, operacionalizavam e legitimavam o imperialis¬
geógrafa americana, aluna de Ratzel, foi a res¬ mo. Isto é, discorriam sobre as formas de defen¬
ponsável pela divulgação das teses deste nos der, manter e conquistar os territórios. Os auto¬
EUA. Um exemplo das formulações de Ellem res mais conhecidos dessa corrente foram: Kjel-
Semple, pode ser obtido na sua teoria, que relacio¬ len, Mackinder e Haushofen. O primeiro, um
na a religião com o relevo: nas regiões planas, pre¬ sueco, foi o criador do rótulo Geopolítica. O
dominariam religiões monoteístas; nas regiões segundo, um almirante inglês, trouxe a discussão
acidentadas, predominariam religiões politeístas. para o nível dos estados-maiores, tratando temas
As teorias do geógrafo inglês Elsworth Hunting¬ como o domínio das rotas marítimas, as áreas de
ton eram um pouco mais elaboradas. Este autor influência de um país, e as relações internacio¬
concebia um determinismo invertido, isto é, para nais. Halford Mackinder, cuja principal obra
ele, as condições naturais mais hostis seriam as intitula-se O pivô geográfico da História, desen-
que propiciariam o maior desenvolvimento. O volveu uma curiosa teoria sobre as "áreas pivôs",
livro mais importante de Huntington denomina¬ que seriam o coração de um dado território; para
se Clima e sociedade; nele o autor defende a idéia ele, quem o dominasse, dominaria todo o terri¬
de que os rigores do inverno explicariam, pelas tório. O general alemão Karl Haushofer, amigo
necessidades impostas (abrigo, estocagem de co¬ de Hitler e presidente da Academia Germânica
mida), o desenvolvimento das sociedades euro¬ no seu governo, foi outro teórico da Geopolítica.
péias. As teses deterministas, apesar do seu sim¬ Deu a esta um caráter diretamente bélico, defi-
plismo, foram bastante divulgadas, e aparecem nindo-a como parte da estratégia militar. Este
com freqüência no ideário do pensamento con¬ autor, que desenvolveu teorias referentes à ação
servador. Basta pensar nas interpretações da his¬ do clima sobre os soldados, criou uma escola e
tória brasileira, que lançam mão de teorias como influenciou diretamente os planos de expansão
a "indolência do homem tropical", ou o "subde¬ nazistas. Até hoje a Geopolítica persiste, sendo
senvolvimento, como fruto da tropicalidade" debatida nos Departamentos de Estado e nas
(e a inevitável comparação com o desenvol¬ Academias militares.
vimento dos E.U.A., também colônia, mas em
clima temperado). Enfim, o determinismo in- Uma última perspectiva, que saiu das formu¬
lações de Ratzel, foi a chamada escola "ambien-

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talista". Esta, mais recente, não pode ser consi¬
derada uma filiação direta da Antropogeografia.
Entretanto, sem dúvida, foi Ratzel o primeiro
formulador de suas bases. Esta corrente propõe o
estudo do homem em relação aos elementos do
meio em que ele se insere. O conjunto dos ele¬
mentos naturais é abordado como o ambiente
vivenciado pelo homem. O ambientalismo repre¬
senta um determinismo atenuado, sem visão fa¬
talista e absoluta. A natureza não é vista mais
como determinação, mas como suporte da vida
humana. Mantém-se a concepção naturalista,
porém sem a causalidade mecanicista. O am¬
bientalismo se desenvolveu bastante moderna¬
mente, apoiado na Ecologia. A idéia de estudar
as inter-relações dos organismos, que coabitam
determinado meio, já estava presente em Ratzel,
pela influência que ele sofreu de Haeckel, o pri¬
meiro formulador da Ecologia, de quem havia
sido aluno. Entretanto, é mais ao determinismo,
que ao ambientalismo, que o nome de Ratzel
acabou identificado.
Pelos desdobramentos expostos, pode-se ava¬
liar o peso da obra de Ratzel na evolução do
pensamento geográfico. A própria Geografia
francesa, que será vista a seguir, é uma resposta
às formulações desse autor. A importância maior
de sua proposta reside no fato de haver trazido,
para o debate geográfico, os temas políticos e
econômicos, colocando o homem no centro das
análises. Mesmo que numa visão naturalizante, e
para legitimar interesses contrários ao huma¬
nismo.

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