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Neuropsicologia

Avaliação Neuropsicológica do Adulto

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Camila Campanhã

Revisão Textual:
Maria Cecília Andreo
Avaliação Neuropsicológica do Adulto

• Introdução;
• O Desenvolvimento Cognitivo do Adulto;
• Avaliação Neuropsicológica do Adulto;
• Elaboração do Relatório e Entrevista de Devolutiva.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Conhecer os principais quadros clínicos encontrados em adultos que são demandas comuns
na clínica neuropsicológica;
• Entender como escolher os testes neuropsicológicos adequados para as funções cognitivas
comumente comprometidas, a importância do trabalho em equipe multidisciplinar e da fa-
mília no processo de avaliação e diagnóstico diferencial.
UNIDADE Avaliação Neuropsicológica do Adulto

Introdução
Existe uma grande demanda clínica de avaliação neuropsicológica de adultos. As de-
mandas são muito variadas, desde quadros clínicos de doenças crônicas, avaliação de
lesões após acidentes, como traumatismo craniano encefálico, acidente vascular cerebral,
aneurisma, uso e abuso de substâncias, transtornos psiquiátricos, entre outros (FUENTES
et al., 2018).

A seguir, abordaremos o desenvolvimento cognitivo do adulto, importante de se ter


em mente quando é realizada uma avaliação neuropsicológica desses pacientes.

O Desenvolvimento Cognitivo do Adulto


O ser humano é a espécie que apresenta o maior período de desenvolvimento, sendo
que o cérebro finaliza o seu processo em torno dos 25 anos de idade (COSTA, 2018),
período em que as funções cognitivas estão em seu ápice e a pessoa conquista a sua
independência e responde legalmente por seus atos, por ser considerada capaz de res-
ponder por eles (FUENTES et al., 2018) Por isso, é considerado adulto o indivíduo a
partir dos 25 anos até os 60 anos, idade em que se torna idoso (FUENTES et al., 2018).

Apesar da expectativa de que os adultos já estejam alfabetizados nessa idade, na reali-


dade brasileira existe uma diferença significativa, principalmente entre condições sociais
(UNPD, 2014 apud FUENTES et al., 2018).

Avaliação Neuropsicológica do Adulto


As queixas e encaminhamentos para avaliação neuropsicológica em adultos variam
muito e englobam uma série de funções cognitivas que podem estar alteradas. Geralmente,
a procura por uma avaliação neuropsicológica se dá por encaminhamento do médico,
como neurologistas e psiquiatras, ou por outros profissionais da saúde, como fonoaudi-
ólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, entre outros. Dificilmente o paciente a
procura espontaneamente, até por ser uma área da psicologia pouco conhecida.

Devido ao grande número de varáveis que podem alterar a cognição, o comporta-


mento e as emoções em adultos, é importante que o neuropsicólogo tenha conheci-
mento em psicologia clínica, além de conhecer muito bem o funcionamento do sistema
nervoso e de psicometria (CUNHA, 2000 apud FUENTES et al., 2018), uma vez que
queixas de desatenção e memória podem estar relacionadas a quadros clínicos como a
depressão e a ansiedade. É importante que o neuropsicólogo consiga realizar um bom
diagnóstico diferencial e, para isso, tais conhecimentos são fundamentais.

Dessa forma, uma bateria flexível é a mais recomendada no consultório, permitin-


do que o neuropsicólogo escolha os instrumentos mais adequados para cada hipótese
diagnóstica (ZIMMERMANN et al., 2016). Em ambulatórios é comum o uso de baterias

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fixas ou de rastreio com protocolos definidos. Por exemplo, o ambulatório de epilepsia
pode ter protocolos de avaliação neuropsicológica específicos para aquele grupo clínico
(ZIMMERMANN et al., 2016). Contudo, a bateria flexível é ainda a mais recomendada
para uma avaliação completa e profunda do paciente (ZIMMERMANN et al., 2016;
FUENTES et al., 2018). Outro ponto importante a ser considerado é a avaliação qualitati-
va dos dados e do comportamento do paciente além dos dados quantitativos, que permite
melhor compreensão sobre o funcionamento do paciente (ZIMMERMANN et al., 2016).

Entrevista de anamnese
A entrevista de anamnese é fundamental para compreender as dificuldades do paciente
e, assim, permitir o levantamento de hipótese diagnóstica, esta que levará à escolha dos
instrumentos para compor a bateria da avaliação neuropsicológica (ZIMMERMANN et al.,
2016). Além disso, é na entrevista de anamnese que inicia a observação comportamental,
contudo, a coleta de informações e a observação não são restritas apenas ao início da
avaliação, devendo ocorrer ao longo de todo o processo (ZIMMERMANN et al., 2016).

Para uma melhor compreensão das dificuldades do paciente, do seu funcionamento,


do histórico dessas dificuldades e para conhece-lo melhor, muitas vezes, é necessário en-
trevistar mais de uma fonte de informação, como cuidadores, parentes – cônjuge, filhos
–, de forma a obter ampla gama de informações que permitirão não somente levantar a
hipótese diagnóstica mais precisa, mas também pensar de forma mais adequada a esco-
lha dos instrumentos para a realização da avaliação neuropsicológica (ZIMMERMANN
et al., 2016).

Durante a entrevista de anamnese, é importante investigar toda a história de vida


do paciente, desde o nascimento, atraso no desenvolvimento ou não, dificuldades de
aprendizagem ou questões comportamentais, uso de álcool ou outras drogas durante
a gravidez, escolaridade, ocupação profissional, uso de álcool ou outras drogas pelo
paciente, relacionamentos interpessoais, rotina de vida, comportamentos de autocuida-
do, como lida com o dinheiro etc., verificando sempre o que é esperado para a idade do
paciente, as mudanças que os familiares e cuidadores perceberam e em qual momento,
bem como problemas de saúde prévios e de seus familiares, cirurgias, medicações etc.
(ZIMMERMANN et al., 2016; CUNHA, 2000 apud FUENTES et al., 2018). Importante
solicitar ao paciente que traga exames prévios, clínicos e neurológicos, para auxiliar no
diagnóstico diferencial (ZIMMERMANN et al., 2016).

O comportamento também deve ser observado com atenção durante a entrevista de


anamnese, como mudanças de humor (por exemplo, labilidade), agressividade, fluência
no raciocínio e organização das informações ao relatar os fatos, se não consegue ficar
quieto na cadeira, entre outros comportamentos que podem aparecer e são muito im-
portantes para a hipótese diagnóstica e compreensão do comportamento do paciente
(ZIMMERMANN et al., 2016). Tais comportamentos devem continuar sendo observados
ao longo da avaliação neuropsicológica. Durante a aplicação dos instrumentos escolhi-
dos, o paciente pode apresentar resistência em responder ou pedir com frequência para
que a pergunta e/ou regras da tarefa sejam repetidas; relatar sentimentos de menos-
-valia, medo de errar ou irritação errar; chegar atrasado à sessão com frequência; entre
outros (ZIMMERMANN et al., 2016).

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UNIDADE Avaliação Neuropsicológica do Adulto

Um exemplo que aponta um comprometimento significativo na velocidade de processa-


mento é quando o paciente leva um tempo maior que o esperado para realizar a avaliação,
necessitando aumentar o número de sessões para finalizá-la (ZIMMERMANN et al., 2016).

Com relação à escolha dos instrumentos, após o levantamento de todas as informa-


ções necessárias e da identificação da hipótese diagnóstica, é importante considerar
todos os dados para que os instrumentos sejam adequados ao paciente. O neuropsicó-
logo também deve avaliar, de acordo com Pinto (2012 apud FUENTES et al., 2018),
as condições do paciente para a realização da avaliação neuropsicológica, como sono,
fome, cansaço, daltonismo, se usa óculos e, em caso positivo, se o grau está adequado,
condições dos aparelhos auditivos, entre outras variáveis importantes para garantir as
condições adequadas para a realização da avaliação neuropsicológica.

Principais funções cognitivas avaliadas


e a escolha dos instrumentos
Em adultos, é comum investigar algumas funções cognitivas principais, tais como
inteligência, atenção, funções executivas, linguagem e memória. A seguir, veremos um
panorama sobre as principais funções cognitivas avaliadas, bem como os principais
instrumentos utilizados. Segundo Fuentes et al. (2018), o neuropsicólogo deve escolher
duas ferramentas diferentes, pelo menos, para avaliar cada função cognitiva, uma vez
que, às vezes, no caso de haver algum problema durante a aplicação do instrumento
escolhido, é importante ter outro que possa ser utilizado, além de ser útil para obter
resultados mais consistentes e com duas medidas diferentes.

Alguns testes exigem mais de uma função cognitiva, por isso, é importante avaliar
qual o melhor para mensurar a função cognitiva que deseja. Além disso, é importante
alternar tarefas que avaliam a mesma função para que, dessa forma, evite sobrecarregar
alguma função e diminuir o desempenho ou atrapalhar o desempenho em razão disso
(PINTO, 2012 apud FUENTES et al., 2018).

A seguir, as principais funções cognitivas avaliadas nos adultos, bem como os princi-
pais instrumentos utilizados.

Memória
A memória é fundamental para a constituição de um self e essencial no processo
de aprendizagem (ABREU et al., 2016). Ou seja, a memória não é somente importan-
te para conhecimentos, mas também para a constituição da personalidade. Diversos
quadros clínicos apresentam alterações de memória e, por isso, é fundamental ter um
grande conhecimento das doenças associadas às alterações de memória, bem como o
desenvolvimento esperado (OLIVEIRA, 2007 apud ABREU et al., 2016).

Na avaliação neuropsicológica é investigado que aspecto da memória pode estar


comprometido ou preservado, por exemplo. O paciente pode apresentar déficits na
codificação, na capacidade de armazenamento, ou na capacidade de evocação espon-
tânea. Além disso, é possível ter déficits em tipos de memórias específicas, como a
memória de curto prazo e operacional ou de trabalho, memória de longo prazo, que é

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dividida em semântica e episódica, e memória implícita ou não declarativa, dividida em
memória motora, memória de procedimento e aprendizagem não associativa, memória
de condicionamento clássico e pré-ativação (priming) (FUENTES et al., 2018; ABREU
et al., 2018).

• Memória de curto prazo e de trabalho: habilidade de armazenar informações por um


período curto, manipular informações mentalmente de forma ativa e temporária;
• Memória de longo prazo: armazenamento e recuperação de informações conscientes que
foram adquiridas previamente ou experiências vividas pelo indivíduo;
• Memória semântica: informações referentes a conceitos, conhecimentos formais, como a
capital do Brasil ou o conceito de saudade na língua portuguesa brasileira;
• Memória episódica: informações relacionadas à história de vida do indivíduo, suas expe-
riências pessoais;
• Memória de procedimento: memória de habilidades que adquirimos por meio da repetição
ou treino. São habilidades motoras, como andar de bicicleta ou tocar um instrumento musical;
• Memória de pré-ativação: evocação da informação por meio de pistas;
• Memória de condicionamento clássico: pareamento de respostas emocionais ao medo a
estímulos específicos devido à ativação da amígdala;
• Memória não associativa: habituação a um estímulo sensorial, como a luz ou o som, e
a sensibilização;

Fonte: ABREU et al. In: MALLOY-DINIZ; FUENTES; MATTOS; ABREU, 2018

A memória não está localizada em uma única área do cérebro, cada tipo de memó-
ria e processamento recruta áreas diferentes. Por exemplo, a memória de longo prazo
precisa do hipocampo, que fica em lobo temporal, para poder armazenar e evocar infor-
mações aprendidas, experiências pessoas etc., as memórias explícitas (FUENTES et al.,
2018). Pacientes com lesões nessa área perdem a capacidade de aprender coisas novas.

Veja neste vídeo o que acontece quando o hipocampo do seu cérebro é removido.
Disponível em: https://bit.ly/3uwaMk6

Entre os principais testes utilizados está o Teste de Aprendizagem Auditivo-verbal de


Rey, mas conhecido como RAVLT. Esse teste é composto de quatro partes: evocação
imediata, interferência, evocação após interferência e evocação tardia (espontânea e
com reconhecimento). Dessa forma, o teste avalia memória recente, retenção e memória
de reconhecimento. Na primeira parte, o avaliador repete cinco vezes uma lista de cinco
palavras e o paciente deve repetir imediatamente cada lista, espontaneamente. Nessa
fase, é esperado que o paciente aumente o número de palavras lembradas até a última
repetição. Em seguida, uma nova lista é lida e é solicitado ao paciente que diga o que
lembra dessa nova lista, etapa de interferência. Imediatamente após a lista de interfe-
rência, é solicitado ao paciente que diga de quais palavras se lembra da primeira lista,
que foi lida e repetida cinco vezes. Após essa etapa, é solicitado ao paciente que faça
outra atividade não verbal durante os 20 minutos de intervalo. Vinte minutos depois da
realização da etapa anterior, é solicitado ao paciente que evoque espontaneamente as

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UNIDADE Avaliação Neuropsicológica do Adulto

palavras que lembra da primeira lista. Em seguida, é realizada a etapa de reconhecimento,


com uma lista de palavras para o paciente identificar (MALLOY-DINIZ et al., 2007;
COTTA et al., 2012 apud ABREU et al., 2018).

Atenção
A atenção permite a seleção de estímulos relevantes, entre outros (FUENTES et al.,
2018). Relacionada a diversos processos básicos, a atenção é uma função muito impor-
tante no cotidiano e está ligada ao grau de alerta, à vigília, à seleção sensorial e de res-
posta, segundo Strauss, Sherman e Spreen (2006 apud ABREU et al., 2016). Definida
como responsável pelo direcionamento dos processos mentais do indivíduo na seleção
de estímulos em detrimento de outros (LURIA, 1981 apud FUENTES et al., 2018), a
atenção é dividida, segundo Fuentes et al. (2018), em:
• Atenção concentrada: é a capacidade do indivíduo de focar apenas um estímulo
diante de diversos estímulos distratores;
• Atenção dividida: é a capacidade do indivíduo de focar dois estímulos específicos
ao mesmo tempo diante de outros estímulos distratores;
• Atenção alternada: é a capacidade do indivíduo de focar diferentes estímulos ao
mesmo tempo diante de outros acontecimentos e eventos.

Muitos fatores podem influenciar a atenção, e o neuropsicólogo precisar tê-los em


mente para investigar os possíveis pontos que podem estar levando à queixa clínica ou à
alteração de desempenho. Entre eles, uso de substâncias psicoativas, como álcool, sono
e cansaço são os principais fatores que precisam ser considerados durante o processo
de avaliação neuropsicológica em relação às alterações normais, como a oscilação ao
longo do dia para a hipótese diagnóstica de outros quadros clínicos, como o Transtor-
no de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) (COUTINHO et al., 2018) e lesões
cere­brais (SOUZA; MATTOS, 1999 apud COUTINHO et al., 2018). O TDAH tem alta
prevalência entre os adultos, 4%, sendo um transtorno que tem como causa primária a
desatenção (KESSELER et al., 2005 apud COUTINHO et al., 2018).

É possível observar déficits atencionais quando o paciente apresenta redução na


velo­cidade de processamento da informação lentificada ou variação no tempo de re-
ação nas diferentes tarefas. Adultos com TDAH apresentam déficits em atenção sus-
tentada/concentrada, apresentando maior tempo de reação. Elevado tempo de reação
comumente­está relacionado à desatenção e à ocorrência de respostas rápidas, porém,
quando­apresenta número elevado de erros, o déficit pode estar relacionado à impulsi-
vidade ­(COUTINHO et al., 2018).

Em termos de bases neurobiológicas, está relacionada a três grandes circuitos: aten-


ção visual, que envolve lobo parietal, colículos superiores e o núcleo pulvinar; o giro do
cíngulo está envolvido na rede executiva da atenção; e os lobos frontais e parietal direito,
na rede de vigilância, que é importante na manutenção do estado de alerta (COUTINHO
et al., 2018).

Com relação aos testes mais utilizados, o Teste Stroop, além de inibição, avalia seleti-
vidade da atenção (TERENERRY et al., 1989 apud COUTINHO et al., 2018). O Teste de
Atenção Concentrada é o mais utilizado para avaliar a atenção sustentada/concentrada­

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e consiste no cancelamento de três estímulos-alvo diante de estímulos distratores por um
período de 5 min. É verificada a pontuação total subtraindo o número de erros e omis-
sões (alvos não marcados) (CAMBRAIA, 2003 apud COUTINHO et al., 2018).

Funções executivas
Consideradas um conjunto de funções cognitivas guarda-chuva, as funções executi-
vas envolvem processos cerebrais complexos e muito importantes e que, geralmente,
encontram-se comprometidas em pacientes com lesões frontais (MALLOY-DINIZ et al.,
2018; FUENTES et al., 2018; MACHADO & HAERTEL, 2013 apud FUENTES et al.,
2018). De acordo com Malloy-Diniz et al. (2014 apud MALLOY-DINIZ, et al., 2018), as
funções executivas são definidas como:

um conjunto de processos mentais que, de forma integrada, permitem


que o indivíduo direcione comportamentos a metas, avalie a eficiência e
a adequação desses comportamentos, abandone estratégias ineficaz em
prol de outras mais eficientes e, assim, resolva problemas imediatos, de
médio de longo prazos.

Assim, as funções executivas são fundamentais não somente para comportamentos


direcionados a metas, mas também para adaptação diante de mudanças, viver em so-
ciedade, refletir sobre si e sobre o outro, sobre as consequências de suas ações sobre
o outro etc. Além disso, são funções demandadas em situações inéditas e complexas
(MALLOY-DINIZ et al., 2018).

Segundo Pennington (1991 apud MALLOY-DINIZ et al., 2018), as funções cogniti-


vas envolvidas no guarda-chuva das funções executivas são:
• Planejamento;
• Controle inibitório;
• Tomada de decisão;
• Flexibilidade cognitiva;
• Memória operacional;
• Atenção;
• Categorização;
• Fluência;
• Criatividade.

Para saber mais sobre cada função cognitiva das funções executivas, leia MALLOY-DINIZ et al.
O exame das funções executivas In: MALLOY-DINIZ; FUENTES, D.; MATTOS, P.; ABREU, N. Avalia-
ção neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed, 2018.

Pacientes com lesões frontais costumam apresentar déficits nas funções execu-
tivas chamadas de síndrome disexecutiva, com manifestações distintas a depender a
circuitaria comprometida. O paciente pode apresentar apatia, desmotivação, dificuldade

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UNIDADE Avaliação Neuropsicológica do Adulto

no ­controle atencional e desinibição de comportamentos instintivos quando a lesão afeta


a circuitaria do cíngulo anterior e estruturas corticais. Pacientes com lesão em área dor-
solateral do córtex pré-frontal podem apresentar comportamentos impulsivos, déficits
em planejar, em solucionar problemas, na atenção e memória de trabalho, para citar
alguns dos déficits possíveis (MALLOY-DINIZ et al., 2018).

Para avaliar as funções executivas, o neuropsicólogo deve ter conhecimento acerca


dos diferentes processos cognitivos envolvidos nas funções executivas, bem como o de-
senvolvimento delas, a relação entre os sintomas observados/relatados e as circuitarias
que podem estar envolvidas, bem como é fundamental que o avaliador investigue por
meio de diferentes informantes o desenvolvimento das funções executivas naquele indi-
víduo (MALLOY-DINIZ et al., 2018). Geralmente, é utilizada uma série de testes, tarefas
cognitivas e escalas para avaliar as funções executivas em cada uma das funções.

Para avaliar flexibilidade mental ou cognitiva, o Teste de Cinco Dígitos é o mais utilizado.

Para avaliar memória de trabalho, os subtestes do WAIS III (Escala Wechsler de Inte-
ligência) fornecem informações importantes, como o subteste Dígitos de Ordem Inversa
e o Sequência Número e Letras, que exigem manipulação mental de informações.

Contudo, o Teste de Categorização de Cartas Wisconsin é considerado padrão ouro


para a avaliação das funções executivas, especialmente flexibilidade cognitiva.

Para avaliar planejamento, Torre de Hanói é um instrumento interessante (envolve


planejar uma sequência de ações para atingir o objetivo de movimentar as peças de um
pino para outro seguindo as regras de movimentar apenas uma por vez e não poder
colocar uma peça maior em cima da menor).

Controle inibitório é frequentemente avaliado por meio do teste Stroop, que consiste
em inibir uma resposta automática (ler as cores escritas) para uma resposta controlada
(falar a cor que está pintada nas palavras sem as ler.

Tomada de decisão também é uma função cognitiva avaliada, principalmente, pelo


jogo Iowa Gambling Task, que consiste na escolha de cartas entre 4 baralhos, sendo
que estes podem ter grandes recompensas, mas também grandes perdas (cartas des-
vantajosas) e cartas com baixa recompensa, mas também com perdas menores (cartas
vantajosas) (FUENTES et al., 2018; MALLOY-DINIZ et al., 2018; ABREU et al., 2016).

O filme O vigia retrata a história de um rapaz com disfunção executiva após acidente de
carro (traumatismo craniano encefálico). Assista e veja as dificuldades e estratégias que o
rapaz encontrou para lidar com as dificuldades decorrentes da síndrome disexecutiva.
Disponóvel em: https://youtu.be/ZMlHTW0cAko

Outro comportamento encontrado em pacientes com déficit em funções executivas


é a impulsividade. De acordo com Moeller et al. (2001 apud MALLOY-DINIZ et al.,
2018), a impulsividade pode ocorrer nas seguintes situações:
• Mudanças no curso da ação se apresentam sem que seja feito um julgamento cons-
ciente prévio;

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• Comportamentos impensados estão presentes;
• Tendência a agir com menos planejamento em comparação a indivíduos com o
mesmo nível intelectual.

A Escala de Impulsividade de Barrat (BIS-11) é um dos instrumentos de autorrelato de


30 itens utilizados para avaliar esses aspectos da impulsividade e tem normatização para
a população brasileira (MALLOY-DINIZ et al., 2015).

Principais quadros clínicos em adultos e testes utilizados


Entre os quadros clínicos mais comuns na clínica de avaliação neuropsicológica
do adulto, encontra-se o Acidente Vascular Cerebral (AVC), o Traumatismo Craniano
Encefálico (TCE) e as epilepsias. A seguir, trataremos sobre cada quadro e os aspectos
específicos que devem se considerados em uma avaliação neuropsicológica.

Acidente Vascular Cerebral (AVC)


O Acidente Vascular Cerebral (AVC) pode gerar alterações transitórias ou definitivas.
O AVC pode ser de dois subtipos: isquêmico, no qual ocorre a falta de oxigenação devi-
do ao entupimento vascular, e do tipo hemorrágico, no qual ocorre rompimento vascu-
lar, levando o sangue a entrar em contato com os neurônios. O mais comum é do tipo
isquêmico (PEREIRA; HANDAN, 2014; MIOTTO; SCAFF, 2018). O AVC apresenta a
maior taxa de mortalidade no Brasil, segundo o Ministério da Saúde (apud MIOTTO;
SCAFF, 2018).

No caso de AVC Isquêmico (AVCI), 20% ocorrem devido à oclusão de pequenas


artérias, 31%, por trombose de grandes artérias, e 32%, por embolia arterioarterial ou
cardiogênica. Em todos os casos ocorre redução de oxigênio para uma determinada re-
gião neural que, se prolongado, leva à morte neuronal (MIOTTO; SCAFF, 2018). Já no
AVC Hemorrágico (AVCH) ocorre ruptura de pequenos vasos cerebrais ou de aneuris-
mas (pequenos coágulos) que pode resultar em aumento de pressão intracraniana e a
prejuízos irreversíveis (MIOTTO; SCAFF, 2018).

A depender de em qual artéria ocorreu o AVCI, haverá alterações cognitivas da re-


gião acometida. Por exemplo, se ocorrer em hemisfério direito, o comprometimento da
artéria cerebral média pode levar a quadros clínicos como heminegligência (perda de
um campo da atenção espacial). Infarto subcortical pode levar a déficits de memória e
atenção (MIOTTO; SCAFF, 2018).

Hurford et al. (2013 apud PEREIRA; HAMDAN, 2014) observaram, em pacientes


que sofreram AVCI, três meses após a ocorrência da isquemia, déficits de funções exe-
cutivas, perceptuais e de linguagem em 30% da amostra. Outro quadro clínico comum
dos AVCIs são as afasias, em cerca de 75% dos pacientes (MANNING, 2005 apud
PEREIRA; HAMDAN, 2014). Além disso, são observadas alterações emocionais, como
depressão, e alterações da personalidade pós-AVC (PEREIRA; HAMDAN, 2014).

A bateria de testes, nesse caso, necessita ser flexível, uma vez que a manifestação clí-
nica é muito variável. Uma série de testes e instrumentos deve ser utilizada considerando
os resultados de exames de imagem com as respectivas lesões e os sintomas clínicos.

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UNIDADE Avaliação Neuropsicológica do Adulto

Jill Taylor é uma neurocientista que sofreu um AVC e utilizou o seu conhecimento para recu-
perar-se. Assista a sua palestra e descubra como ela identificou que estava sofrendo um AVC
e como fez para se recuperar. Disponível em: https://bit.ly/2RerB4W

Traumatismo Craniano Encefálico (TCE)


O Traumatismo Craniano Encefálico (TCE) é definido por Pereira e Hamdan (2014)
como “uma agressão traumática que gera lesão anatômica ou comprometimento funcio-
nal de couro cabeludo, crânio, meninges ou encéfalo.” Segundo os mesmos autores, o
TCE tem incidência maior em homens entre 15 e 24 anos de idade, por acidentes auto-
mobilísticos, e em idosos, por quedas. Segundo Aarabi e Simar (2009 apud TEIXEIRA et al.
2018), 80.000 casos de TCE desenvolverão incapacidade parcial ou total permanente.

Assim como nos AVCs, as manifestações clínicas são muito heterogêneas, a de-
pender do local da lesão. Entre as sequelas mais frequentes estão fadiga, visão dupla,
ansiedade e irritabilidade, déficits na memória e funções executivas, para citar as prin-
cipais (PEREIRA; HAMDAN, 2014). A Escala de coma de Glasgow é a mais utilizada
para avaliar níveis de consciência após TCE (PEREIRA; HAMDAN, 2014; TEIXEIRA
et al., 2018). Segundo Teixeira et al. (2018), as lesões são classificadas de duas formas:
as primárias, causadas no momento do trauma, e as secundárias, que seguem após o
trauma em decorrência de mudanças biomoleculares e fisiológicas, podendo ser focais
ou difusas. Como consequências do TCE, dois grupos de sintomas podem aparecer
clinicamente: sintomas somáticos e sintomas neuropsiquiátricos (BENNER et al., 2009;
RAO; LYKETSOS, 2000 apud TEIXEIRA et al., 2018).

Com relação aos sintomas neuropsiquiátricos, em torno de 15% a 30% estarão pre-
sentes em pacientes que sofreram TCE, persistindo para além de três meses, levan-
do a comprometimento social e profissional significativo (BENNER et al., 2009 apud
TEIXEIRA et al., 2018). Os quadros neuropsiquiátricos são divididos em alterações de
humor, disfunções cognitivas e comportamentais. Com relação aos sintomas somáticos,
é comum cefaleia, vertigem, náuseas, fadiga, distúrbios do sono e crises convulsivas
(TEIXEIRA et al., 2018).

A avaliação neuropsicológica em pacientes com TCE permite a identificação precoce


dos déficits cognitivos, o que é fundamental para o início da reabilitação precoce, redu-
zindo os possíveis comprometimentos cognitivos decorrentes da lesão. É possível que
ocorra alguma melhora espontânea (TEIXEIRA et al., 2018).

Um caso famoso de TCE é do Phineas Gage, o trabalhador tranquilo e organizado que traba-
lhava na construção de via férrea que teve sua personalidade e comportamentos mudados
completamente após uma barra de ferro ter atravessado o seu córtex pré-frontal. Assista ao
curto documentário sobre esse caso clínico fascinante que revolucionou o conhecimento das
funções frontais e da neuropsicologia. Disponível em: https://youtu.be/m-m8xyoyQL8

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Elaboração do Relatório e
Entrevista de Devolutiva
O relatório deve integrar os dados coletados por meio dos diversos instrumentos,
bem como os dados de observação comportamental e os coletados pelas diferentes
fontes por meio das entrevistas, relacionando-os às queixas apresentadas e à hipótese
diagnóstica levantada (PINTO, 2012, apud FUENTES, 2018). É necessário seguir as
orientações do Conselho Federal de Psicologia a respeito das normas de elaboração do
relatório neuropsicológico disponibilizados no site.

Veja no site do Conselho Federal de Psicologia as normas para a elaboração de relatório


neuropsicológico – Resolução 06/2019, disponível em: https://bit.ly/3uAsYt7

Um aspecto importante a ser considerado no relatório ou laudo neuropsicológico é


a linguagem, que deve ser a mais clara possível, explicando os termos técnicos não so-
mente para o paciente, mas também para os outros profissionais que solicitarem o laudo
(KOCHHANN et al., 2016). É importante evitar afirmações sem fundamentações, bem
como palavras e termos com conotações negativas ou que minimizem o paciente, buscan-
do sempre referir-se a ele pelo nome (HEBBEN; MILBERG, 2010 apud KOCHHANN
et al., 2016). Apesar da extensão do laudo variar de acordo com a complexidade dos acha-
dos e dos objetivos, é recomendado que seja sucinto, em torno de 3 a 5 páginas, buscando
sintetizar os principais achados na seção de conclusão (KOCHHANN et al., 2016).

O laudo ou relatório neuropsicológico deve ser entregue ao paciente na sessão de


devolutiva, momento em que o neuropsicólogo explica ao paciente e aos familiares os
principais achados da avaliação, bem como realiza orientações, psicoeducação sobre a
sua condição e encaminhamentos (STRAUSS et al., 2006 apud KOCHHANN et al.,
2016). Caso novas informações sejam obtidas na entrevista de evolutiva, é necessá-
rio que sejam acrescentadas ao laudo, que poderá ser encaminhado posteriormente
(KOCHHANN et al., 2016).

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UNIDADE Avaliação Neuropsicológica do Adulto

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Cientista que curou seu próprio Cérebro
TAYLOR, J. B.; ISIDORO, D. da S. G. Cientista que curou seu próprio Cérebro.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2008.
O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano
DAMÁSIO, A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012.

 Vídeos
Amnesiac – A história de Henry Molaison (H.M.)
https://youtu.be/W0TTQroCjoQ

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