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7382-Texto Do Artigo-37266-1-10-20171031

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Universidade Federal Rural do Semi-Árido

Coordenação Geral de Ação Afirmativa, Diversidade e Inclusão Social


http://periodicos.ufersa.edu.br/revistas/index.php/includere ISSN 2359-5566

CÍRCULO DE CULTURA DO LEFREIRE/UERN: APROXIMAÇÕES E


DISTANCIAMENTOS DO SABER E DO FAZER

Francisca Erenice Barbosa da Silva1


Hostina Maria Ferreira do Nascimento2
Francisco Canindé de Morais Costa3

Resumo

Inspirado nas ideias de Paulo Freire, o LEFREIRE – Diálogos em Paulo Freire e Educação
Popular – Grupo de Extensão da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte – UERN, realiza círculos de cultura, atividades de caráter popular através
das quais busca interpretar e compreender, alguns dos principais conceitos desvelados pelo
autor. Fundamentado em Freire(2016), Kossy(2002) e Nascimento(2011), este artigo objetiva
discutir sobre quais as aproximações e os distanciamentos entre a nossa prática e a
epistemologia freireana. Apresentamos dois círculos de cultura realizados na comunidade da
Gangorra, Município de Tibau, Rio Grande do Norte, apontando a utilização da imagem com
dispositivo de resgate da memória dos participantes e ferramenta de problematização dos
saberes nela presentes. Percebemos que o distanciamento entre o que queremos e o que
podemos fazer no tempo disponível academicamente para a pesquisa e a extensão induz à
definição de recortes para olhar uma determinada situação.
Palavras-chave: Círculos de cultura. Paulo Freire. Educação Popular.

Abstract

Inspired by the ideas of Paulo Freire, the Lefreire – discussions about Paulo Freire and
Popular education – an extension group from the Education Faculty from the University of

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação – POSEDUC/UERN; especialista em psicopedagogia
e gestão escolar; professora aposentada; membro do Grupo de Pesquisa Educação e Linguagens. E-mail:
erenice.barbosa001@gmail.com
2
Professora do POSEDUC/UERN; doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(2011); tutora do PET Pedagogia da UERN; coordenadora da atividade de extensão Diálogos em Paulo Freire e
Educação Popular e líder do Grupo de Pesquisa Educação e Linguagens. E-mail:
hostinanascimento@hotmail.com.br
3
Mestrando do POSEDUC/UERN; especialista em educação ambiental e geografia do semiárido; professor do
ensino médio; membro do Grupo de Pesquisa Educação e Linguagens. E-mail: caninde.c@hotmail.com
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state of Rio Grande do Norte – UERN, performes culture circles, activities of popular
character through wich seeks to understand and interpret, some of the main concepts unveiled
by the author. Based on Freire(2016), Kossy(2002) and Nascimento(2011), this article aims to
discuss approaches and estrangements between our practice and the freirean epistemology.
We presented two circles of culture performed at Gangorra community, district of Tibau, Rio
Grande do Norte, indicating the use of images as devices to rescue participant's memories and
a problematization tool of the knowledje presented. We noticed that the distance between
what we want to do and what we can do in the academically available time for research and
extension induces the definition of the clippings in order to look at a particular situation.

Key–words: Circles of culture. Paulo Freire. Popular Education.

Círculos de Cultura no LEFREIRE

No círculo, o olhar vai de encontro a todos, pois todos se olham, todos se veem, como
numa imagem de uma “espiral ascendente”, em que cada círculo da espiral, num movimento
de progressão ascendente retorna ao mesmo ponto, mas sempre num nível mais alto; assim
acontece o círculo de cultura, num diálogo coletivo, como fio condutor para ajudar os sujeitos
a emergirem das suas situações limites, não sozinho, mas com o outro, afinal, como diz Freire
(2016, p. 120), “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam
entre si, mediatizados pelo mundo”.

Nas ideias de Freire, o círculo de cultura rompe com conceitos fortemente enraizados
da educação bancária. A figura do professor como detentor do conhecimento, com aulas
discursivas para transmitir um conteúdo descontextualizado, dá lugar ao diálogo, à
participação, à programação feita a partir de uma investigação temática, ou seja, os temas a
serem debatidos no círculo de cultura partem da realidade dos educandos. Nesse processo,
surgem os temas geradores, extraídos da problematização da prática de vida dos educandos.
Dessa forma, os conteúdos de ensino são resultados de uma metodologia dialógica. Assim, o
círculo de cultura é um espaço de circulação, horizontalidade dos saberes.

Os círculos de cultura são umas das atividades desenvolvidas pelo LEFREIRE. A


proposta metodológica é embasada nos fundamentos de Paulo Freire acerca da promoção da
horizontalidade dos saberes, da valorização da cultura local, do diálogo, da interação com a
comunidade, bem como, pensando o sujeito perante as situações limites em um determinado
contexto e a produção do conhecimento.

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Nessa atividade de caráter popular, o grupo lefreireano busca compreender, construir e


sistematizar o conhecimento através de três passos básicos: primeiro, a investigação temática,
primeira etapa da educação problematizadora. Nesse processo investigativo, depara-se com as
situações problemas que geram objeto de estudo da pesquisa de um determinado grupo ou
sujeito pesquisador, não de forma isolada, mas na coletividade.

Ao procurar conhecer a realidade, o grupo mergulha num mundo até então


desconhecido. Sobre esta “Conhecer significa compreender e agir para interpretá-la”
(NASCIMENTO, 2011, p. 61). Nesse contexto, percebemos que a nossa prática se aproxima
da teoria, nesse processo de busca de conhecer a realidade, embora ainda de forma sutil.

Percebemos ainda nossa situação-limite quando vimos que o tempo da academia não
coincide com o tempo real para a pesquisa. Há um distanciamento entre o que queremos e o
que podemos fazer num curto espaço de tempo, o que nos leva a realizar recortes para olhar
uma determinada situação. Ainda assim, o conhecer não se torna tão imerso, mas possível de
compreensões que nos possibilitam agir na tentativa de interpretá-las embora, digamos de
passagem, interpretar essa realidade ainda deixa lacunas, pois dentro das nossas limitações é
possível chegar até um determinado ponto, deixando tantas outras construções em aberto para
outras pesquisas.

O segundo passo é definir o tema gerador. “O processo de investigação temática


produz a redução a partir da qual as situações-limites são codificadas e organizadas na forma
de temas geradores” (NASCIMENTO, 2011, p. 67). Partindo da realidade dos sujeitos
envolvidos e extraídas da problematização da vida prática, as unidades temáticas são
resultantes de uma metodologia dialógica.

Sabemos que não é possível dar conta de todas as situações encontradas na


investigação temática. O tema gerador delimita o objeto de estudo com possibilidades de
construção teórica e metodológica que envolve os saberes do grupo em um determinado
tempo e espaço, num diálogo reflexivo capaz de gerar novos conhecimentos.

E, por fim, no círculo de cultura, com a participação dos lefreireanos, o grupo e/ou a
comunidade, articulam teoria e prática. Esse processo de articulação é uma das ações do
projeto de extensão LEFREIRE. Quinzenalmente, o Grupo se encontra para discussão e
compreensão dos conceitos freireanos, de suas principais obras, bem como o diálogo com
outros autores e a socialização da produção de conhecimentos acerca das ideias do autor e da
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educação como prática de libertação, conectando saberes e vivências do grupo participante


através do diálogo.

Esse diálogo, mesmo intencional e direcional para o objetivo proposto no círculo,


ocorre espontaneamente de forma a produzir informações necessárias às respostas ao
problema de pesquisa, e/ou servir de material para produção de novos conhecimentos, bem
como suscitar reflexões sobre a temática em estudo, num processo de ação-reflexão-ação. Os
artefatos como objetos, textos, músicas e imagens são dispositivos voltados para o resgate da
memória dos sujeitos envolvidos no processo.

Embora cada círculo de cultura, por seu caráter de ação-reflexão-ação, tenha suas
particularidades, a presença do pensamento freireano é a chave do processo para que eles
aconteçam. Dos que aconteceram, abordaremos de forma sucinta dois realizados na
comunidade da Gangorra-Tibau/ RN.

Círculos de Cultura na comunidade da Gangorra: ação–reflexão do LEFREIRE

No período entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro de 2017 foram realizados


dois círculos de cultura na comunidade de Gangorra. A parceria entre a Comunidade e a
UERN através do LEFREIRE possibilitou construir conhecimentos acerca da educação
popular, bem como os dizeres e fazeres da comunidade.

Os conhecimentos socialmente construídos nos círculos de cultura tomam como


referência a perspectiva freireana, bem como vão ao encontro da proposta metodológica da
educação popular (BRASIL, 2014) que envolve o cenário, o espaço de encontro, a ação-
reflexão-ação, a aprendizagem criativa, a reinvenção e a problematização.

O cenário é o espaço de integração sonho/ realidade. O formato de círculo em que


todos podem se ver é a marca. O estar junto, saber ouvir, sistematizar e registrar a conversa.
Assim, os dispositivos de memória provocam o diálogo e as filmagens e gravações feitas por
participante do LEFREIRE, respeitando os aspectos éticos da pesquisa, fornecem material
para sistematização e produção de conhecimentos.

O espaço de encontro permite mobilizar e articular parcerias seja com a universidade,


seja com a comunidade, explicar o que se pretende realizar, envolver os sujeitos, propor a
inversão na organização das relações de poder da lógica vertical para a horizontal. Nesse
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espaço de encontro todos ensinam, todos aprendem e as atividades dão-se num processo de
colaboração mútua.

A aprendizagem criativa que, de acordo com o Marco de referência da educação


popular para as políticas públicas (BRASIL, 2014), permite a transformação num processo de
criação coletiva que se pactua com propostas e ações em diferentes contextos e níveis de
ensino e desenvolvimento. Nesta perspectiva, a liberdade de criar faz parte do processo de
aprendizagem.

Nesse espaço de problematização, acreditamos que ainda há lacunas visto que o tempo
limita nossa ação. Embora por meio do diálogo identifiquemos os problemas da realidade,
ainda não foi possível imergir tão significativamente para descobrir suas causas e
potencializar as possibilidades de superação.

Vale ressaltar que, mesmo com limitações no nosso fazer pedagógico, através do
diálogo, nos aproximamos da realidade, identificamos algumas situações limites que nos
chamam a atenção, como por exemplo: a falta de atuação do poder público na Comunidade
com relação à questão agrária, uma vez que a maioria dos pequenos agricultores vende ou
aluga a preços inferiores suas terras para grandes empresas de fruticultura e deixa de produzir
para prestar serviços a essas empresas que, quando as terras estão desgastadas, as abandonam,
deixando o pequeno agricultor à mercê da própria sorte.

Cremos ainda que os limites do nosso fazer tendem a ser reduzidos, visto que os
círculos de cultura caminham para a problematização dessas situações limites, servindo de
espaço de conscientização, que poderá mobilizar a comunidade para superação de alguns
problemas. Como diz Freire, um processo de conscientização através do qual os sujeitos
transitem da “curiosidade ingênua” para a curiosidade “epistemológica”. Nesse sentido, esse
espaço de problematização tornar-se-á real, pois quando a teoria e prática se entrelaçam, dão
significado ao fazer coletivo.

Reinvenção, para nós, significa que, embora tenha algumas características comuns que
atendem à proposta do Grupo, cada círculo é único. Ao planejar, pensar a ação coletivamente,
o LEFREIRE procura abrir espaços que possibilitem renovar, rever, avaliar e deixar em
evidência os resultados para retomar as ações posteriormente. Assim, três momentos são
importantes: o planejamento coletivo, a reinvenção e a avaliação de cada círculo. Esta

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estrutura pedagógica representa o exercício da ação-reflexão-ação, numa dinâmica de


promoção da aprendizagem de forma dialética.

A reinvenção numa experiência de educação popular na comunidade da Gangorra:


alguns recortes
O círculo de cultura realizado em 2016 na comunidade da Gangorra trouxe à tona uma
experiência de educação popular com jovens e adultos. A atividade, realizada na casa de uma
professora membro do Grupo chama a atenção pelo caráter popular das interações e pela
forma como o trabalho foi desenvolvido. A professora, pedagoga, juntamente com sua filha,
graduanda do Curso de Letras, habilitação em inglês, da UERN transforma um espaço da sua
casa num espaço educativo para jovens e adultos que ficaram fora do sistema escolar.

A educação bancária não foi capaz de dar de conta da educação formal, bem como
alfabetizar esses sujeitos. Assim, eles encontram, naquela escola um espaço educativo de
aprendizagem que leva em consideração os saberes, a formação humana, o diálogo e o ponto
de encontro do aprender.

A reinvenção da educação é perceptível na roda de conversa, nos relatos dos alunos e


alunas. A família se encontra naquele local, e o conceito de horizontalidade dos saberes nunca
se fez tão presente. Pais ensinam filhos, filhos ensinam pais. Os saberes dos professores,
alunos, sua família e da comunidade se aproximam e se complementam.

O dispositivo de resgate das memórias foram fotografias de momentos marcantes na


vivência daqueles sujeitos. A representação desenhava a simbologia de histórias de vida que
constituía a base do conteúdo curricular, não dado, mas construído socialmente numa relação
recíproca educando/educador. "A imagem fotográfica fornece provas, indícios, funciona
sempre como documento iconográfico acerca de uma realidade. Trata-se de um testemunho
que contém evidências de algo” (KOSOY, 2002, p. 33).

A ideia de trabalhar com a imagem como dispositivo da memória surgiu a partir de


uma atividade de planejamento do círculo de cultura no LEFREIRE. De início, pensamos em
outros artefatos como objetos de representação do tema gerador. Depois, vimos o uso da
imagem como uma técnica que traz à tona as memórias fortalecendo vínculos interpessoais e
resgate da autoestima individual e social.

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Nas palavras de Kosoy (2002, p. 36), “toda e qualquer imagem fotográfica contém em
si, oculta e internamente, uma história: é sua realidade interior, abrangente e complexa,
invisível fotograficamente e inacessível fisicamente”. Nesse contexto, vimos que a técnica
utilizada no círculo se aproxima da teorização do autor. As fotografias servem como
documento iconográfico para representar a realidade nos momentos de interação, servindo
ainda de testemunho dos acontecimentos e das ações do grupo, seja nas vivências na escola,
seja nos afazeres da comunidade, trazendo à tona as histórias vividas, a emoção, ou seja, a
realidade interior e exterior dos participantes, de forma abrangente. Nesses termos, a
complexidade das lembranças, aparentemente invisível fotograficamente, torna-se real quando
o sujeito a descreve ou deixa transbordar a emoção. E inacessível fisicamente, pois o que resta
são a imagem e as lembranças dos seus autores sobre um momento que literalmente não volta
jamais, mas que permanece na memória de cada participante.

Os dizeres e afazeres da comunidade

Outro círculo de cultura na comunidade da Gangorra, cujo tema é “Sonhos” permite a


continuação do diálogo com a comunidade. Dessa vez, trata dos dizeres e afazeres das
mulheres e homens camponeses. O círculo atuou como procedimento metodológico para a
pesquisa de uma aluna do Curso de Pedagogia da UERN. As informações constituídas no
Grupo, respeitando os aspectos éticos da pesquisa são aglutinadas e submetidas para a análise
da pesquisadora como fonte de produção de novos conhecimentos.

Os sonhos se manifestam no desejo da pesquisadora em dar continuidade ao


movimento existente. A sua casa comporta a construção de mais um espaço de educação
popular na comunidade no qual ela pretende agregar à abordagem de conhecimentos escolares
outros elementos como os afazeres da comunidade e o artesanato como produção desses
afazeres.

A lacuna deixada pelo poder público instiga na comunidade a necessidade de construir


escolas. O direito à educação referendado na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e
Bases não é totalmente contemplado na comunidade, restando aos sujeitos procurar sair dessa
situação-limite, buscando o inédito viável, ou seja, a possibilidade de agir para dela emergir.
Segundo Paulo Freire (2016), a situação-limite se inaugura como inédito viável quando os
sujeitos começam a tomar consciência e passam a se mobilizar visando uma mudança. No
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caso da comunidade da Gangorra, o inédito viável ocorre pela iniciativa das professoras, parte
da mobilização da comunidade, para a construção de um espaço educativo. A diferença é que
nesse espaço a educação popular é a base do fazer pedagógico e do encontro entre
professoras, alunos e suas famílias.

A ideia da escola como espaço de encontro da família retoma os sonhos de homens e


mulheres da comunidade. Esse espaço se desenha como ambiente vivo da conservação da
cultura local, uma vez que os ensinamentos dos seus antepassados são transmitidos a outras
pessoas, aos seus pares, às novas e, possivelmente, futuras gerações, no ciclo do saber fazer,
ensinar e aprender e vice-versa. Nesse movimento de educação popular, o círculo de cultura
se configura como possibilidade metodológica na/para a construção do conhecimento.

A imagem como dispositivo da memória dos Círculos de Cultura no LEFREIRE

A memória viva dos participantes do grupo se materializa no momento em que, ao


observar e sentir interiormente a imagem, vem à tona lembranças representativas de um
determinado momento. No olhar, enxergar e sentir é perceptível a emoção do encontro com o
objeto. O sujeito, assim sentindo, exterioriza e compartilha suas emoções num encontro com
um passado que se faz vivo no presente e na vivência do/com aquele grupo.

O exercício de sair do EU e expor a memória é de grande valia tanto para o sujeito


como para o grupo. Para o sujeito porque vê no grupo a sensibilidade de compreender sua
emoção e seus sentimentos numa aproximação mútua; para o grupo porque, ao acolher e ser
acolhido pelos sentimentos de pertença, também tem de posse informações que alimentam sua
pesquisa, contribuem para responder seus problemas, levando-o à conscientização, através da
triple ação-reflexão-ação. Isso, claro, respeitando os aspectos éticos da pesquisa relativos ao
livre consentimento de divulgação das informações, tendo em mente que “As imagens
fotográficas, entretanto, não se esgotam em si mesmas, pelo contrário, elas são apenas o ponto
de partida, a pista para tentarmos desvendar o passado” (KOSSOY, 2002, p. 21).

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Círculo de Cultura como possibilidade metodológica na/para a construção do


conhecimento
De acordo com Freire (2016, p. 30-310), “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem
ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo
buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago”.

As palavras de Freire deixam em evidência a relevância do papel da pesquisa em


educação. Pesquisa e ensino são indissociáveis à medida que sua prática permanente é
incorporada no campo pedagógico. O encontro desses afazeres cotidianos no campo
educacional abre passagem para situações de partilha, vivência, construção de saberes. Dessa
forma, pesquisar não significa apenas um recurso metodológico, mas um espaço de criação,
formação de sujeitos cognoscentes, reflexivos e de ação sobre si e sobre o que acontece no seu
entorno. Assim, a ideia de que o homem produz, parte dela, constitui o conhecimento
referente ao mundo, e esse conhecimento se torna real a partir da procura, das indagações, da
busca constante.

Repensar a relevância do papel da pesquisa em educação não é usá-la como método de


consulta para as respostas emergentes no campo educacional, mas sim, assumir seu papel
social, político e científico, partindo do problema envolvido, da curiosidade, da inquietação e
do esforço do pesquisador. Requer envolvimento na produção do conhecimento, trazendo em
si valores, crenças e escolhas, comprometimento e interesses que norteiam o caminho da
pesquisa.

Por esse viés, os círculos de cultura, por sua possibilidade de produzir informações,
constitui um importante procedimento da pesquisa qualitativa, pois,

Na medida em que operacionalizam esses círculos com a decodificação do


material elaborado na etapa anterior, vão sendo gravadas as discussões que
serão na que se segue analisadas pela equipe interdisciplinar. Nas reuniões de
análise desse material, devem estar presentes os auxiliares de investigação,
representantes do povo e alguns participantes do círculo de investigação
(FREIRE, 2016, p. 183).
A aproximação entre o conceito freireano e o nosso fazer é perceptível quando
adentramos nas etapas da pesquisa. Delineamos três etapas dessa construção: a primeira é o
estudo da realidade que abrange a descrição reflexiva do contexto, o breve resgate documental
e o diálogo com teóricos. A segunda é a problematização das unidades temáticas, na qual
fazemos uso das seguintes tarefas e dispositivos: a operacionalização do círculo de cultura -

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com ajuda de uma equipe (lefreireanos) e a gravação das discussões. E, por fim, a terceira
etapa, a construção do conhecimento através da transcrição das gravações e das análises
individuais e coletivas das discussões dos círculos.

Assim, procurando se aproximar da perspectiva teórico-metodológica freireana, o


círculo de cultura no LEFREIRE parte de três conceitos básicos: a investigação temática, a
tematização e a problematização, perpassando um processo de ação-reflexão-ação que resulta
numa produção acadêmica dialógica e horizontalizada.

Considerações Finais

A proposta teórica acerca do pensamento freireano se aproxima do movimento de


ação-reflexão-ação que caracteriza as ações dos círculos de cultura do LEFREIRE no
momento em que buscamos compreender os conceitos e interpretar na prática a teoria. O
distanciamento se dá quando percebemos as dificuldades determinadas pelo tempo acadêmico
que limita o nosso fazer pedagógico. A produção de conhecimento é um processo inacabado
e, enquanto grupo, estamos engatinhando na maneira de fazer pesquisa, de aprender com o
outro, numa busca constante de compreender uma educação libertadora.

Cada círculo de cultura tem suas peculiaridades, seja na dinâmica do encontro, seja ao
acolher novos participantes, mas o certo é que deixa aprendizagens diferentes e significativas.
O LEFREIRE, enquanto programa de extensão, aporta três contribuições significativas: a
pessoal, a acadêmica e a social. A pessoal porque cada integrante enquanto sujeito
cognoscente traz e leva para si conhecimentos, seja na interação, na amizade, na emoção. É
um processo de construção intrapessoal e interpessoal de base sólida que poderá permear toda
a vida de seus participantes. A acadêmica porque vê-se na realidade que teoria e prática não se
dissociam, uma alimenta a outra. Os estudos e discussões realizados nas rodas de conversa
(círculos) são imprescindíveis para a produção de um conhecimento fundamentado na
realidade. A social porque ao problematizar, ao olhar o sujeito e ao dialogar com a
comunidade, também possibilita sair da situação limite, da consciência ingênua e promover o
SER MAIS.

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Referências

BRASIL, Marco de referência da educação popular para as políticas públicas. Brasília,


2014. Disponível em: <http://conae2014.mec.gov.br/images/pdf/MarcodeReferencia.pdf>.
Acesso em: 02/04/2017.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 53. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

______. Pedagogia do oprimido. 60. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

KOSSY, Boris. Realidades e ficções na Trama Fotográfica. 2. ed. Cotia - São Paulo: Ateliê
Editorial, 2002.

NASCIMENTO, Hostina Mara Ferreira do. Circulo de ação-reflexão-ação: uma


possibilidade para a prática pedagógica de formação problematizadora de professores.
Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2011.
Disponivel em:

<https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/14362/1/HostinaMFN_TESE.pdf>.

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